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Metodologia do Ensino

de Geografia
1. O Surgimento da Geografia como Área
de Conhecimento Autônomo 4

2. Conceitos Geográficos Contemporâneos 12

3. Metodologias para o Ensino de Geografia 23

4. Ensino de Cartografia para o Ensino Fundamental


e Médio 30

5. Referências Bibliográficas 38

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METODOLOGIA DO ENSINO DE GEOGRAFIA

1. O Surgimento da Geografia como Área de Conhe-


cimento Autônomo

Fonte: Pinterest1

A Geografia é um dos conheci-


mentos mais antigos que exis-
tem, desde os povos primitivos já se
contribuições de dois estudiosos
germânicos Alexander von Hum-
boldt (1769-1859) e Karl Ritter
fazia geografia, ela se desenvolveu (1779-1859), eles desenvolveram
inicialmente como um conhecimen- importantes estudos no campo da
to prático para resolver problemas Geografia.
imediatos, mas com o desenvolvi- Na Antiguidade e na Idade
mento dos povos, das sociedades em Média o homem já aplicava a geo-
estágios mais adiantados é que esse grafia, sendo um conhecimento ela-
conhecimento será designado de ci- borado e aplicado pelo conhecimen-
entífico, no sentido das ciências mo- to vulgar (senso comum), filosófico e
dernas. Isso só ocorreu a partir do teológico. Já na Idade Moderna, a
século XIX, inicialmente com as

1 Retirado em https://br.pinterest.com/pin/373869206569738982/

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Geografia será considerada uma ci- dispersos ou misturados ou, ainda,


ência. subordinados a outros campos de
Mesmo sendo a ciência geo- conhecimentos. Não havia uma Ci-
gráfica um saber tão antigo quanto a ência Geográfica. Havia filósofos,
própria história da humanidade, o historiadores, cientistas e outros que
atual discurso da Geografia é produ- se denominavam de geógrafos ou
to dos embates que denominaram as eram considerados geógrafos por
relações entre os imperialismos ale- outros; e tratavam de aspectos geo-
mão e francês ao longo do século gráficos e não da construção de uma
XIX, havendo uma luta entre con- Ciência Geográfica.
cepções divergentes a respeito da A Geografia aparecia, antes de
forma como se dá a relação entre o definir o seu campo, os seus méto-
homem e a natureza. dos, as suas técnicas, como conheci-
A Geografia nasce com os gre- mento subordinado a outras áreas
gos, mesmo dispersa e não se cons- de conhecimentos. Estava, ainda,
tituindo ainda como uma ciência e carregada de mitos, lendas e defor-
um saber sistematizado. A Geografia mações. Já na Idade Média, sob o
que irá se desenvolver será através Modo de Produção Feudal, ocorrerá
de estudos dispersos, relatos de lu- pouco desenvolvimento da geogra-
gares e elaboração de mapas pouco fia, e grande parte de seus estudos
precisos. Estará ligada a Cartografia estarão influenciados e sob o domí-
e a Astronomia. nio da Igreja e do conhecimento Te-
São admitidos aos gregos os ológico.
primeiros processos de registro e O modo de produção feudal
sistematização (ainda frágeis) dos substitui o modo de produção escra-
conhecimentos geográficos. Esses vista da Antiguidade. O modo de
conhecimentos são objetos de es- produção feudal que surge na Idade
tudo de navegadores, militares, co- Média tinha por base a economia
merciantes e, em outro plano, de agrária, de escassa circulação mone-
matemáticos, historiadores, filóso- tária, autossuficiente. A propriedade
fos e outros. feudal pertencia a uma camada pri-
A Geografia, na Antiguidade, vilegiada, composta pelos senhores
estava condicionada à concepção feudais, altos dignitários da Igreja (o
que os antigos tinham do mundo em clero).
que viviam, ao grau de desenvolvi- A principal unidade econômi-
mento social atingido. Muito dos co- ca de produção era o feudo, que se
nhecimentos geográficos estavam dividia em três partes distintas: a

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propriedade privada do senhor cha- A adoção dos conhecimentos


mada, manso senhorial ou domínio, geográficos bíblicos tornou-se evi-
no interior da qual se erguia um cas- dente na cartografia. Utilizam-se
telo fortificado; o manso servil, que mapas circulares romanos, nos
correspondia à porção de terras ar- quais se introduziram caracteres te-
rendadas aos camponeses e era divi- ológicos, e não geográficos. Assim,
dido em lotes; e ainda o manso co- Jerusalém, a Cidade Santa, ocupava
munal, constituído por terras coleti- o centro do mapa. Também foi es-
vas - pastos e bosques, usados tanto quecido que a terra era esférica e re-
pelo senhor quanto pelos servos. apareceu o conceito de Terra plana:
Devido ao caráter expropria- um disco circundado de água.
dor do sistema feudal o servo não se Enquanto a ciência decaía no
sentia estimulado a aumentar a pro- mundo ocidental, no mundo árabe,
dução com inovações tecnológicas - com o estabelecimento do Império
porém não para si, mas para o se- Muçulmano, depois do ano 800 d.
nhor. Por isso, o desenvolvimento C., passou a verificar um desenvolvi-
técnico foi irrelevante, limitando a mento científico, decorrentes de es-
produtividade. A principal técnica tudos e viagens que eram feitas pelos
adotada foi a agricultura dos três árabes.
campos que evitava o esgotamento Os mulçumanos promoveram
do solo, mantendo a fertilidade da as ciências e as artes. Traduziram
terra. para o árabe a obra de Ptolomeu.
Neste ambiente, a Igreja tor- Desenvolveram a geografia, a astro-
na-se o maior poder, já que é o único nomia, a astrologia e a matemática.
poder central europeu. Os estudos e Mas, apesar disso, o conhecimento e
as respostas às questões colocadas as descrições geográficas produzidas
passam a ser dadas a partir de inter- foram muito imprecisas e as locali-
pretações bíblicas: referências cos- zações pouco rigorosas. Os Árabes
mológicas e geográficas. não se serviam da latitude e da lon-
O fato de ser a Igreja a dar as gitude para localizar os lugares à su-
respostas que antes eram encontra- perfície da terra e elaborar mapas. A
das através da ciência deve-se não só latitude e a longitude são utilizadas
ao poder que a religião detinha, mas pelos astrônomos nas suas observa-
também ao fato de o imobilismo po- ções, mas quem faz os mapas são os
pulacional ter provocado o desapa- geógrafos, que não se servem dos
recimento das viagens e, com isto, o dados dos astrônomos. Surge, as-
desconhecimento do mundo real. sim, no mundo árabe uma separação

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entre geógrafos e astrônomos que papel de Marco Polo, de uma família


não existia na antiguidade. de comerciantes veneziano, que efe-
A partir do século XI, há um tuou uma longa viagem pelo interior
renascimento do comércio e um au- da Ásia até à China, tendo escrito um
mento da circulação monetária, o relato, O Livro das Maravilhas. Não
que valoriza a importância social das podendo considerar-se a sua obra
cidades. E, com as cruzadas realiza- como de caráter geográfico, pois ne-
das pelo Ocidente, esboça-se uma la são descritos muitos pormenores
abertura para o mundo, quebrando- colhidos sobre as regiões visitadas
se o isolamento do feudo. Com o res- (lendas, por exemplo). No entanto,
tabelecimento do comércio com o no seu livro existem descrições de
Oriente Próximo e o desenvolvimen- interesse geográfico.
to das grandes cidades, começam a Fazendo um balanço do co-
serem minadas as bases da organi- nhecimento geográfico na Idade Mé-
zação feudal, na medida em que au- dia, observa-se que ele sofreu des-
mentava a demanda de produtos continuidade em relação à Idade An-
agrícolas para o abastecimento da tiga, devido ao período de grandes
população urbana. Isso elevava o conturbações que se observou nos
preço dessas mercadorias, permitin- séculos V e VI, com a destruição do
do aos camponeses maiores fundos Império Romano do Ocidente; mas,
para a compra de sua liberdade. Ao surgidas novas estruturas e iniciado
mesmo tempo, a expansão do co- o intercâmbio com os árabes, esses
mércio e da futura indústria cria no- estudos voltaram a se desenvolver,
vas oportunidades de trabalho, quer pelo enriquecimento de infor-
atraindo os servos para as cidades. mações e de descobertas, quer pela
Nos finais da Idade Média, as retomada dos ensinamentos dos sá-
cruzadas, as peregrinações aos luga- bios gregos - Aristóteles, Ptolomeu,
res santos e o renascimento do co- Estrabo, Heródoto etc. - e por sua
mércio entre a Europa e o Oriente le- atualização. Assim, vários dos temas
varam a um ressurgimento da curio- discutidos no período medieval fo-
sidade pelo mundo desconhecido e, ram retomados do período grego e
portanto, a uma nova etapa no de- romano, e uma das maiores contri-
senvolvimento da geografia. buições a esta retomada foi dada pe-
Nos finais da Idade Média, re- los padres Alberto Magno e Tomás
apareceram os itinerários de via- de Aquino, quando renovaram e pu-
gens, as obras que descreviam as ter- seram na ordem do dia as ideias
ras visitadas. É costume destacar o

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aristotélicas. Daí a crença na esferi- abria a possibilidade de uma expli-


cidade da Terra, apesar de conde- cação racional para qualquer fenô-
nada pela Igreja Católica. No fim da meno da realidade. As ciências natu-
Idade média, foi a preparação dos rais haviam constituído um conjun-
grandes movimentos que geraram to de conceitos e teorias, do qual a
os Tempos Modernos. Geografia lançaria mão, para formu-
As mudanças das condições lar seu método. E, principalmente,
sociais, políticas, econômicas e cul- os temas geográficos estavam legiti-
turais na Europa do século XV defi- mados como questões relevantes,
niu uma nova idade histórica: a Ida- sobre as quais cabia dirigir indaga-
de Moderna. ções científicas.
A Geografia como conheci- A partir desse contexto, pode-
mento autônomo, particular, de- se dizer que a Geografia irá surgir
mandava certo número de condições como ciência no século XIX, na Ale-
históricas, que somente nesta época manha. Os autores considerados co-
estarão suficientemente maturadas. mo os pais da ciência geográfica, são
Estas condições, ou melhor, pressu- os alemães Humboldt e Ritter. É da
postos históricos da sistematização Alemanha que aparecem os primei-
geográfica objetivam-se no processo ros institutos e as primeiras cátedras
do avanço e domínio das relações ca- dedicadas a esta disciplina; é de lá
pitalistas de produção. Portanto, na que vêm as primeiras propostas me-
própria formação do modo de pro- todológicas; enfim, é lá que se for-
dução capitalista. mam as primeiras correntes de pen-
Ao início do século XIX, o con- samento na Geografia.
junto de pressupostos histórico da A partir de Humboldt e Ritter
sistematização da Geografia já esta- ficou estabelecida a metodologia da
va tecido. A Terra estava toda conhe- geografia descritiva, empírica, ob-
cida. A Europa articulava um espaço servação, indutiva e de síntese. A in-
de relações econômicas mundiali- fluência de ambos foi, portanto, de-
zado. O colonizador europeu pos- cisiva para conferir à Geografia o seu
suía informações dos lugares mais verdadeiro caráter científico.
variados da superfície terrestre. As A obra destes dois autores
representações do Globo estavam compõe a base da Geografia Moder-
desenvolvidas e difundidas pelo uso na Tradicional. Todos os trabalhos
cada vez maior de mapas. A fé na ra- posteriores vão se remeter às formu-
zão humana, colocada pela Filosofia, lações de Humboldt e Ritter. A Geo-

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grafia de Ritter é regional e antropo- Em oposição ao determinismo ale-


cêntrica, a de Humboldt busca abar- mão surgiu, na França, o Possibi-
car todo o Globo sem privilegiar o lismo, corrente que teve em Vidal de
homem. Estes autores criam uma li- La Blache seu maior expoente, con-
nha de continuidade no pensamento solidando a Escola Francesa de Geo-
geográfico, até então inexistente. grafia. Foram essas duas escolas que
Além disso, há de se ressaltar o pa- exerceram a maior influência no de-
pel institucional, desempenhado por correr da Geografia Tradicional.
eles, na formação das cátedras dessa A partir da metade do séc. XX
disciplina, dando assim à Geografia surgem movimentos de renovações
uma cidadania acadêmica. Entre- da Geografia. Esses “movimentos”
tanto, apesar deste peso no pensa- ou “correntes” não possuem uma
mento geográfico, não deixam discí- unidade, apresentam propostas de
pulos diretos. Isto é, não formam renovação da geografia, muitas ve-
uma “escola geográfica”. Deixam zes, opostas, de uma corrente para
uma influência geral, que será resga- outra. Tal fato decorre da diversida-
tada por todas as “escolas” da Geo- de de métodos de interpretação, que
grafia Tradicional. são utilizados para a explicação da
Essa Geografia Tradicional realidade e de posicionamentos (po-
deixou uma ciência elaborada, um líticos, ideológicos, filosóficos etc.)
corpo de conhecimento sistematiza- dos autores que compõe as corren-
do; possibilitou a formação de uma tes.
ciência autônoma; elaborou um rico Podem-se agrupar as corren-
acervo empírico. Finalmente, a Geo- tes geográficas de renovação, da Ge-
grafia Tradicional elaborou alguns ografia Contemporânea, a nível es-
conceitos como: território, região, quemático, em: Geografia Teórico-
habitat, paisagem, área etc., que ain- Quantitativa, fundamentada no neo-
da merecem ser rediscutidos. positivismo; Geografia da Percepção
Convém não esquecer que a e do Comportamento, com grande
Geografia Moderna (Tradicional) te- viés para a fenomenologia; Geogra-
ve seus primeiros grandes mestres fia Ecológica, sem um viés filosófico
na Alemanha e, logo após, na Fran- explícito; e, Geografia Crítica ou Ra-
ça. Há uma grande influência do Po- dical, sob as bases da dialética mate-
sitivismo na Geografia Tradicional. rialista.
A Escola Alemã de Geografia notou- A Geografia Teórico-Quantita-
se por seu caráter Determinista, cujo tiva destacou-se por utilizar, em
principal nome é Friedrich Ratzel. larga escala, modelos matemático-

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estatísticos. Rompeu com a Geogra- A Geografia Ecológica surgiu a


fia Tradicional e se apresentou como partir da década de 1970, não há
“Nova Geografia”, sem ligações com uma identidade ideológica entre os
o pensamento tradicional. Conde- vários geógrafos sobre as soluções a
nou o uso de excursão e das aulas serem dadas aos impactos destruti-
práticas de campo por achar desne- vos ao meio ambiente, mas em co-
cessária a observação e descrição da mum eles defendem a preservação
realidade empírica, buscando subs- da natureza e combatem a política
tituir o campo pelo laboratório, onde desenvolvimentista, de interesse
seriam feitas as medições matemáti- principalmente capitalista, que vem
cas, os gráficos e tabelas sofistica- financiando a devastação da vegeta-
das, procurando visualizar os fenô- ção natural, feita de forma indiscri-
menos geográficos através de dese- minada, e a implantação de indús-
nhos e diagramas. Uma vertente trias altamente poluidoras, sem a
dessa corrente intitulou-se de teoré- utilização dos mecanismos que neu-
tica para romper qualquer vínculo tralizem os efeitos poluentes, e a de-
com os trabalhos empíricos, com- gradação das condições de vida e de
prometendo-se com a reflexão teó- alimentação das populações.
rica. Já a Geografia Crítica ou Radi-
A Geografia do Comportamen- cal, que se iniciou na década de
to e da Percepção, também surgiu 1970, advém de uma postura crítica
nos fins da década de 1960 e no iní- frente, principalmente, à Geografia
cio da de 1970. A Geografia do Com- Tradicional e a Geografia Teórico-
portamento e da Percepção vem ten- Quantitativa. São os geógrafos que
do grande desenvolvimento nos paí- se posicionam por uma transforma-
ses anglo-saxões e menor nível no ção da realidade social, pensando o
Brasil. saber como uma arma de luta e
De modo geral pode-se admi- transformadora. São os geógrafos,
tir que nessa corrente o geógrafo de- pesquisadores e professores, que as-
senvolve estudo para caracterizar sumem o conteúdo político de co-
como o indivíduo tem a percepção nhecimento científico, propondo
do lugar; procura valorizar a experi- uma Geografia Crítica militante, que
ência do indivíduo ou do grupo, vi- lute por uma sociedade mais justa.
sando compreender o comporta- São os que utilizam a análise geográ-
mento e as maneiras de sentir das fica como um instrumento de liber-
pessoas em relação aos seus lugares. tação do homem.

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2. Conceitos Geográficos Contemporâneos

Fonte: Freepik2

T emos como conceitos princi-


pais o espaço, a paisagem, o
território, o lugar e a região, nos
os conceitos geográficos basilares
para a didática escolar.
Começando pelo conceito de
quais a dimensão espacial pode ser espaço, temos a abordagem da Geo-
analisada a partir de fenômenos se- grafia Tradicional ou Clássica influ-
lecionados. Reconhecemos que não enciada ora pelo idealismo e roman-
são somente estes que compõem a tismo alemão, ora pelo positivismo e
perspectiva geográfica na atuali- pelo organicismo. Desse modo, o es-
dade, e que, no decorrer da evolução paço possuía uma concepção natu-
desta ciência, as concepções não se ralizante referindo-se à superfície
apresentaram de forma monolítica. terrestre com suas feições modela-
Portanto, o que será abordado re- das por processos ditos naturais, de
presenta algumas das considerações acordo com os elementos e dinâmi-
com base em uma bibliografia levan- cas com os quais as forças da nature-
tada com o intuito de refletir sobre za operam. Inter-relacionado a este

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aspecto, considerava-se a ocupação tativa. Esta tem por base o positivis-


humana sob um ponto de vista mais mo calcado na linguagem matemáti-
ou menos condicionado pela nature- ca e o método de raciocínio hipotéti-
za. Ao geógrafo cabia a tarefa de des- co-dedutivo. Nesta, o espaço passa a
crever e correlacionar os diversos ser considerado conceito-chave. Es-
elementos para caracterizar as dife- te pode ser pensado de duas formas
rentes áreas sobre a superfície ter- não excludentes: a planície isotrópi-
restre. ca e a expressão topológica.
Esta abordagem se constituiu A primeira se refere a uma
no contexto da sistematização do sa- área com seus aspectos naturais e
ber reconhecido como geográfico sociais uniformes, na qual é possível
acumulado e herdado, a partir da a circulação em todas as direções e
qual a instituição da ciência geográ- tendo como principal variável a dis-
fica preconizava o estabelecimento tância. A partir de uma suposta ho-
do seu objeto, objetivo e método. mogeneidade, na qual a distância é
O método descritivo então referência, haveria as diferenciações
elencava primeiro a Natureza (rele- sugerindo uma organização espacial
vo, geologia, clima, hidrografia, solo que seria identificada, hierarquiza-
vegetação); em seguida, o Homem da, prevista e planejada. A segunda,
(se referindo à população: quantita- seria o grafo da organização espa-
tivo, distribuição, estrutura, mobili- cial, a estrutura que considera a re-
dade); e, por fim, a Economia (cada lação entre os objetos, com o qual se
uma das atividades econômicas es- poderia prever uma localização, os
truturadas e localizadas: extrativis- fluxos, as hierarquias e as especiali-
mo, agricultura, indústria etc., bem zações funcionais.
como as suas consequências, como a Esta concepção de espaço foi e
urbanização). Este modo de conce- continua sendo muito utilizada pelo
ber o método geográfico ainda é Estado e pelas empresas privadas
muito influente na atualidade, inclu- sob a lógica de contínua acumulação
sive na elaboração de livros didáti- do capital. Neste sentido, o impera-
cos e do currículo da educação bási- tivo não é só localizar, descrever e
ca no Brasil. explicar, mas também, intervir com
O movimento de renovação da planejamento e projeções de investi-
Geografia no início do século XX é mentos nos diversos setores da eco-
reconhecido como o da Nova Geo- nomia visando previsões de desen-
grafia ou Geografia Teórico-Quanti- volvimento econômico.

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Por volta da década de 1960 porém, estas relações também são


houve outros movimentos de reno- econômicas e culturais.
vação da Geografia. Entre eles, Podemos citar também o en-
aquele que se propunha como uma tendimento do espaço enquanto ma-
crítica às correntes de pensamento terialidade em suas imbricações
anteriores pela ausência de suas com as relações sociais. Para isto, re-
considerações a respeito das contra- lacionamos sociedade, formação so-
dições, dos agentes sociais, do tem- cioeconômica de Marx e espaço a
po e das transformações. Calcada no fim de conceber a noção de forma-
materialismo histórico e dialético, ção socioespacial, ou simplesmente,
tendo por base o pensamento de formação espacial, na qual a socie-
Marx, reconhece-se que este não pri- dade só se concretiza através do es-
vilegiou o espaço, e sim o tempo em paço que ela produz e este só é inte-
virtude das suas críticas aos agentes ligível através da sociedade. O espa-
hegemônicos, inclusive ao Estado ço como sendo mais do que reflexo
que tinha, no caso da unificação ale- social; é também fator ou instância
mã, como suporte ideológico a sua que participa na reprodução da so-
base material denominada por Rat- ciedade. Para podermos apreendê-lo
zel como solo, mas, entendido como em sua dinâmica, são propostas as
território e espaço. categorias indissociáveis de forma,
Portanto, na Geografia Crítica, função, estrutura e processo.
tendo o espaço como conceito-cha- O espaço pode ser visto como
ve, é através de outros autores que relacional, aquele que representa em
este é inserido na análise marxista. si mesmo as relações oriundas de
Por exemplo, o filósofo e sociólogo processos e agentes sociais. Implica
Lefebvre considera o espaço como observar as relações internas a uma
campo de ação, instrumento políti- espacialidade, as influências exter-
co, aquele das relações sociais, como nas, as imbricações entre estas sen-
produto social que intervém na pro- do internalizadas e espacializadas
dução capitalista, na reprodução da em um processo no decorrer do tem-
sociedade e na reprodução das rela- po como meio de entender as dife-
ções sociais de produção, ressaltan- renças e as dinâmicas de dominação
do o seu papel no sistema social. Le- e hegemonia entre as diversas áreas
febvre considera o espaço como re- do planeta.
sultado de relações de força e poder, Outra corrente de renovação
ou seja, possui um cunho político, do pensamento é a da Geografia Hu-

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METODOLOGIA DO ENSINO DE GEOGRAFIA

manística e Cultural, assentada na do seus simbolismos e projeções que


fenomenologia, no existencialismo, entrelaçam materialidade e imateri-
no idealismo e na hermenêutica. Es- alidade).
ta corrente valoriza a subjetividade, Isso significa a possibilidade
a intuição, os sentimentos. Sendo de pensar o espaço social sem abrir
assim, não separa sujeito do objeto mão do espaço geográfico. Pressu-
ao entender que a consciência, meio põe tomar o espaço em sua totalida-
para o conhecimento, só pode ser de, sua materialidade (como resul-
entendida se dirigida a um objeto; e tado dos processos naturais imbri-
este, por sua vez, só se define em re- cados aos processos humanos) e sua
lação à consciência. Há uma relação imaterialidade (as projeções, as ima-
intrínseca e dialética entre sujeito e gens, sentidos, as relações e dinâmi-
objeto, que são separados analitica- cas sociais em suas múltiplas dimen-
mente, mas, na realidade, encon- sões). É a partir destas inter-rela-
tram-se fundidos. Ao utilizar como ções em suas diversas dimensões
ferramenta de trabalho a experiên- que podemos verificar facetas do es-
cia vivida, o espaço se apresenta co- paço ou conceitos espaciais deriva-
mo sendo aquele da representação dos: a paisagem, o território, o lugar
simbólica, o espaço vivido associado e a região. Consideramos estes con-
à experiência, ao cotidiano, ao afeti- ceitos derivados como campos fér-
vo e ao imaginário. teis para suscitar uma didática que
Para a Geografia Clássica o promova o aprendizado e a compre-
“espaço geográfico” é caracterizado ensão da espacialidade humana.
pelos processos naturais modelando O conceito de paisagem tem
a superfície terrestre e condicionan- tradicionalmente a concepção rela-
do a ocupação humana, como sendo cionada à visão e à representação
uma primeira aproximação para de- pictórica da realidade. Vista desta
senvolver o conceito. O mesmo ocor- maneira, a paisagem é uma forma
reu com o de “espaço social”, aquele que serve como uma cortina, e não
das relações sociais. Com o intuito como um cenário, ocultando e dis-
de avançar na discussão, é proposta torcendo a realidade em vez de reve-
a retomada das discussões de Reclus lá-la. Como meio para desvendá-la
e de Marx quanto à natureza primei- precisamos pensar que a paisagem
ra (a materialidade que é exterior ao enquanto forma, que é aparente,
homem e não captada pela consciên- possui um conteúdo social que lhe
cia) e a natureza segunda (a que é dá significado - a sua essência. Junto
transformada pelo homem incluin- com a objetividade da observação,

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METODOLOGIA DO ENSINO DE GEOGRAFIA

há a subjetividade do observador e a necessidade de incluirmos o concei-


intencionalidade de quem faz o re- to de tempo nas discussões. O tempo
corte da paisagem. Desta maneira, se refere ao momento marcado por
dependendo da inter-relação da ob- um modo de produção que é históri-
jetividade/subjetividade/intencio- co e deixa marcas que podem ser pe-
nalidade, a paisagem pode ocultar riodizadas. Assim, a paisagem é um
ou revelar, promover o domínio ou a palimpsesto, uma escrita sobre ou-
emancipação, condicionar ou não a tra com idades herdadas e influen-
sociabilidade. Um tipo de aborda- tes, como testemunhas dos modos
gem muito comum nos livros didáti- de a sociedade produzir-se e repro-
cos separa a mesma quanto à paisa- duzir-se.
gem natural e a paisagem artificial. Tomando a paisagem por estes
A paisagem é um recorte espa- elementos descritos - o seu caráter
cial a partir da percepção sensorial, visual, o reconhecimento de seu con-
mas, como vimos, esta pressupõe teúdo social, a relação entre a sua
tanto a objetividade como a subjeti- objetividade/subjetividade/intenci-
vidade. Esta última depende da for- onalidade, bem como o tempo mate-
mação do observador, portanto a rializado -, podemos pensar uma ati-
paisagem permite várias interpreta- vidade didática. Primeiro, utilizando
ções. É importante refletir a respei- as quatro categorias analíticas, par-
to, pois, a paisagem natural é aquela tiríamos da paisagem como forma,
que não foi modificada pelo homem, analisaríamos o seu conteúdo e fun-
a paisagem artificial se refere aquela ção social, percebendo a estrutura
que foi apropriada e transformada social que lhe deu origem e a que a
pelas forças produtivas sendo que, o transforma, observando os proces-
conhecimento é uma destas. Assim, sos chegando ao espaço.
podemos pensar em paisagem natu- Quanto aos conceitos deriva-
ral em uma época em que pratica- dos do espaço a partir das suas im-
mente não há recorte espacial que bricações com as relações sociais, te-
não esteja ao alcance do conheci- mos o território, que é constituído
mento e intenção política do ho- por e a partir das relações sociais de
mem? poder, ou seja, emerge na dimensão
Além da questão da percepção política do espaço. Na Geografia
sensorial - e aí podemos ver a paisa- Tradicional, com base no espaço ab-
gem não só como aquele recorte soluto, o território era visto em sua
abarcado pela visão, mas também materialidade como sendo o espaço
envolvendo os outros sentidos, há a apropriado e dominado por um gru-

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METODOLOGIA DO ENSINO DE GEOGRAFIA

po social - geralmente referindo-se timação do Estado-nação, temos ter-


ao Estado-nação. Tal concepção fa- ritórios em várias escalas e situa-
zia parte de um discurso para natu- ções: o das gangues de rua, do nar-
ralizar e legitimar o poder estatal, cotráfico, da prostituição, territórios
possuindo um claro interesse ideo- móveis e os territórios flexíveis.
lógico. Nos livros didáticos, geral-
Propondo uma forma mais mente se aborda o conceito em sua
plástica de pensar o conceito, pode- acepção restrita. Tomando por base
mos referir o território como con- as relações sociais do cotidiano, de-
junto de relações de forças e de po- vemos buscar maneiras e atividades
der que são espacializadas e podem nas quais os alunos possam enten-
ser delimitadas através de determi- der o conceito de território relacio-
nadas ações. O território não é a re- nado a ações para dominar determi-
lação de poder que necessita de uma nadas parcelas do espaço, com gru-
base material para efetivar-se; tam- pos sociais, limites, regras expressas
pouco a base material, tanto que, ou não, estratégias etc., e que seus li-
quando a relação social de poder mites podem ser alterados.
cessa, modifica ou sucumbe, o terri- Quanto ao lugar, considerare-
tório deixa de existir ou é esfacelado mos três aspectos que traçam um es-
sem que necessariamente o substra- boço deste conceito. O primeiro, a
to material mude. Portanto, o terri- localização como sendo a contextua-
tório é o campo de forças que existe lização do lugar em relação a uma
por e a partir da relação social de po- produção geral que acontece em
der projetada sobre o espaço sem uma escala geográfica mais ampla.
negligenciar sua materialidade nem Ou seja, diante de relações que acon-
as dimensões culturais, simbólicas e tecem em várias escalas, o lugar pos-
econômicas que lhe servem de moti- sui um contexto, especificidades que
vação. são afetadas e afetam processos eco-
Uma maneira de pensar o ter- nômicos e políticos nos diversos ní-
ritório é na escala do cotidiano, que veis de abrangência.
diz respeito à capacidade e a liberda- O segundo, o local, não se refe-
de de projetar as relações políticas re à escala, mas, às especificidades
sobre o espaço como meio de satis- ou contextos internos que são pro-
fação das necessidades individuais. duzidos por agentes formais e infor-
Então, para além da restrição do mais em suas interações cotidianas.
conceito de território atrelado à legi-

17
METODOLOGIA DO ENSINO DE GEOGRAFIA

Por fim, o terceiro aspecto, o de acordo com o passar do tempo,


sentido de lugar, a experiência sub- seu gênero e sua condição econômi-
jetiva, a imaginação humana ao se ca, conferindo-lhe “geometria de po-
apropriar das características físico- der”, que é a capacidade individual e
materiais de uma localização geo- diferenciada de vivenciar o sentido
gráfica. Podemos adicionar que es- de lugar.
tes três aspectos estão imbricados e Recorrendo à Geografia Hu-
podem ser considerados em conjun- manística, podemos relacionar o
to ou separados como caminhos de conceito de lugar com o de espaço,
análise do lugar. sendo este último mais amplo, aber-
O lugar é um subsistema que to e livre, sujeito a nos provocar me-
faz parte da totalidade espacial, mas do, ansiedade, desprezo, sendo des-
também é uma totalidade em si por provido de valores e ligação afetiva.
possuir uma estrutura interna com Sendo o lugar, o recorte afetivo do
elementos inter-relacionados entre espaço, ordenado e com significados
si e com as demais estruturas e ele- a partir da vivência, é íntimo, emoci-
mentos do sistema espacial. Este é o onalmente próximo, fechado e hu-
resultado histórico de processos so- manizado. O que torna um espaço
ciais que se espacializaram e inter- lugar são as experiências carregadas
vêm em movimentos subsequentes. de sentido, significado, emoção, no-
O sentido de lugar se remete às ção de pertencimento, enraizamen-
identidades, às intersubjetividades, to, amizade, simbolismo. Estes as-
às trocas simbólicas na construção pectos podem ser vivenciados dire-
de imagens. Desta feita, o sentido de tamente, criados mentalmente atra-
lugar é a espacialidade vivida e per- vés da ficção ou através de relatos de
cebida dotada de significados positi- terceiros. Há várias escalas do lugar
vos e/ou negativos. Diante das redes - desde a cama até nação; porém,
de relações que operam em abran- quanto mais ampla a escala, menos
gências cada vez mais amplas, pode- experenciado é em sua totalidade.
mos ter a noção global de lugar. Mas, Nos livros didáticos, há suges-
é na escala mais próxima que existe tões de se trabalhar o conceito de lu-
a possibilidade de deslocamentos di- gar, utilizando seus aspectos subjeti-
ários, criação de laços e uniformida- vos, por meio de textos e músicas
des que configuram uma subjetivi- que evidenciem os sentimentos do
dade e intersubjetividade, um sen- eu lírico por determinado recorte es-
tido de lugar. Ressalte-se que este é pacial. Mas, é possível também reali-
permeado pela posição do indivíduo zar atividades a partir da vivência

18
METODOLOGIA DO ENSINO DE GEOGRAFIA

dos alunos. Este conceito pode ser- Na Geografia Tradicional te-


vir como um instrumento em um mos a concepção de região natural
projeto no qual se suscita a ação pro- com base no determinismo ambien-
ativa do discente na resolução de si- tal que se caracterizava pela unifor-
tuações que envolvam o seu lugar midade resultante da combinação
por meio de atividades como a cons- dos elementos naturais em áreas.
trução de poemas e narrativas, paró- Tendo por objetivo a compreensão
dias, desenhos etc. da relação homem/natureza, tinha
Por fim, quanto ao conceito de como premissa o fator determinante
região, este sempre foi pertinente à do segundo sobre o primeiro ele-
perspectiva geográfica. Um dos con- mento. Foi muito utilizada para de-
ceitos mais tradicionais da Geogra- marcar as modificações que os qua-
fia e sua utilização tem sido muito dros regionais sofreram no decorrer
complexa pelo fato de haver diferen- da história de acordo com o estágio
tes acepções, cada uma com um sig- cultural da sociedade. Ainda na mes-
nificado próprio e todas apropriadas ma corrente, temos a região geográ-
para o conhecimento da realidade fica em que, na relação entre homem
por se tratar de conceitos intelectu- e natureza, o aquele passou a exercer
almente produzidos. um papel maior que o de adaptação
Podemos perceber que, no de- para o de modelação, no qual, com
correr da evolução desta ciência, re- sua cultura, cria uma paisagem e um
gião sempre esteve relacionado à ne- gênero de vida peculiar a cada por-
cessidade de explicação e diferenci- ção da superfície da Terra.
ação de áreas. A origem etimológica Ambas as concepções se refe-
do termo remonta ao seu caráter ad- rem a uma entidade evoluída até o
ministrativo durante o Império Ro- equilíbrio, harmoniosa, palpável e
mano. A palavra régere se referia a concreta, independente de nossa
uma área com administração local consciência, remontando ao espaço
submetida à ordem do poder cen- kantiano. O geógrafo, por meio do
tral. Ainda hoje aqui no Brasil há im- trabalho de campo, deveria reconhe-
plicações político-administrativas cer e descrever a região, sua origem,
na organização e gestão do território formação e evolução reconhecendo
dividido em regiões nos vários níveis sua individualidade, personalidade
do poder estatal. Porém, há toda e singularidade em seus aspectos na-
uma metodologia embasada teorica- turais e sociais, percebendo-a em
mente para a construção destas regi- sua diferenciação das demais.
onalizações por parte de geógrafos.

19
METODOLOGIA DO ENSINO DE GEOGRAFIA

Podemos pensar a região não ço como uma estrutura com caracte-


como um dado pronto, mas como rísticas próprias temos as regiões
um construto mental necessário à homogêneas, constituídas pelo pes-
análise geográfica que identifica e quisador por meio da escolha de cri-
explicar a diferenciação de áreas. térios, variáveis, intervalos e fre-
Temos região como uma singulari- quências definindo a região em sua
dade, ou seja, a Geografia se consti- diferenciação e hierarquia em rela-
tuía como ciência ideográfica por ção às demais. Todas estas pressu-
considerar os fatos não repetitivos, põem a objetividade do pesquisador,
sem regularidades ou possibilidades ausência de base empírica e a inten-
de leis gerais. Assim, seu objeto era cionalidade intelectual com propósi-
a região e seu método o regional, tos específicos.
considerando, portanto, os fenôme- No movimento da Geografia
nos naturais e humanos na unidade Crítica, adicionaram-se à concepção
regional. das regiões homogêneas variáveis
Com a Nova Geografia, a re- que dizem respeito à acumulação,
gião se apresenta como um conjunto classes sociais, desigualdade, modos
de áreas em que as diferenças inter- de produção etc. A partir da lei do
nas a estas são menores do que as desenvolvimento desigual e combi-
existentes entre elas. Deixa de ser o nado, podemos destacar um amplo
dado a priori, o produto do intelecto quadro teórico caracterizado pela
e o excepcional para tornar-se um divisão espacial do trabalho e pela
meio de demonstrar uma hipótese. associação de relações de produção
Quanto à derivação de três tipos de distintas no contexto de acumulação
concepções de região a partir de três do capital.
modos diferentes de se pensar o es- Desse modo, consideramos as
paço econômico: com o primeiro - o diferenciações resultantes da pre-
espaço sendo área de execução de sença de fenômenos originados em
um plano - podemos derivar a re- tempos históricos diferentes coexis-
gião-programa vinculada ao plane- tindo no tempo presente e no espa-
jamento estatal e privado; do espaço ço. A importância destas consecu-
como campo de forças no âmbito das ções ocorre por conferir um caráter
interações espaciais, temos as regi- processual à gênese e formação das
ões funcionais, nas quais se obser- regiões. O autor percebe que é no
vam áreas de polarização, centrali- modo de produção capitalista que o
dades e influência; por fim, do espa- processo de regionalização se acen-

20
METODOLOGIA DO ENSINO DE GEOGRAFIA

tua, marcado pela simultaneidade como a ressignificação do papel do


dos processos de diferenciação e in- Estado com suas fronteiras mais po-
tegração, ambos aparentemente dis- rosas, organismos financeiros e po-
tintos, mas intervenientes e necessá- líticos que atuam em escalas mais
rios à acumulação geral do capital. abrangentes, é na escala regional
Então, vemos diferenciação que podemos perceber a espaciali-
não só dos países entre si, como dade de processos globais.
também, em cada um deles, de suas No contexto do ensino, em ge-
partes componentes apresentando ral, o conceito de região é trabalhado
regiões desigualmente desenvolvi- como um recorte pronto, por exem-
das, mas articuladas porque resul- plo, o das Macrorregiões do Brasil,
tantes do mesmo processo geral os Complexos Regionais, os blocos
(modo dominante de produção capi- econômicos regionais multilaterais.
talista) sobre o particular (áreas me- Podemos buscar atividades nas
nores dotadas de determinações lo- quais os alunos possam coletar da-
cais como elementos de diferencia- dos de fontes oficiais ou, ou ainda
ção). melhor, buscá-los em trabalhos de
Na atualidade, com a dissemi- campo, a fim de perceber que, atra-
nação dos processos de reprodução vés das escolhas destes, podemos re-
social capitalista em escala planetá- gionalizar de diferentes maneiras
ria, a possibilidade de intensa difu- um recorte espacial, que pode ser do
são de informações e a tendência de bairro ou da cidade para permane-
homogeneização cultural, o conceito cer em uma perspectiva de vivência
de região reemerge como ponto para e cotidiano do aluno.
discussão. O processo de globaliza- Finalizando, após toda esta
ção também é de fragmentação, por- discussão fundamentada na teoria e
tanto de regionalização (região) e de no desenvolvimento do pensamento
individualização (lugar). Deve-se geográfico como essenciais à forma-
notar que ao mesmo tempo em que ção acadêmica que vise a pesquisa e
o espaço se fragmenta, formando o ensino, na próxima seção deste ar-
áreas diferenciadas, há articulação tigo buscaremos bases que discu-
entre elas, como as trocas entre regi- tiam e promovam a elaboração de
ões. uma atividade didática a partir de
A região é uma instância entre um dos conceitos geográficos apre-
o local e o global com várias possibi- sentados.
lidades de recortes de análise. Isto
significa que, diante de fenômenos

21
METODOLOGIA DO ENSINO DE GEOGRAFIA

3. Metodologias para o Ensino de Geografia

Fonte: Notícias Concursos3

A metodologia de ensino propos-


ta nesta apostila deve permitir
que os alunos se apropriem dos con-
mediante um planejamento que ar-
ticule a abordagem dos conteúdos
com a avaliação. No ensino de Geo-
ceitos fundamentais da Geografia e grafia, tal abordagem deve conside-
compreendam o processo de produ- rar o conhecimento espacial prévio
ção e transformação do espaço geo- dos alunos para relacioná-lo ao co-
gráfico. Para isso, os conteúdos da nhecimento científico no sentido de
Geografia devem ser trabalhados de superar o senso comum.
forma crítica e dinâmica, interliga- Ao invés de simplesmente
dos com a realidade próxima e dis- apresentar o conteúdo que será tra-
tante dos alunos, em coerência com balhado, recomenda-se que o pro-
os fundamentos teóricos propostos fessor crie uma situação problema,
neste documento. instigante e provocativa. Essa pro-
O processo de apropriação e blematização inicial tem por obje-
construção dos conceitos funda- tivo mobilizar o aluno para o conhe-
mentais do conhecimento geográ- cimento. Por isso, deve se constituir
fico se dá a partir da intervenção in- de questões que estimulem o racio-
tencional própria do ato docente, cínio, a reflexão e a crítica, de modo

3 Retirado em https://noticiasconcursos.com.br/

23
METODOLOGIA DO ENSINO DE GEOGRAFIA

que se torne sujeito do seu processo Geografia contribua para a formação


de aprendizagem. de um sujeito capaz de interferir na
Outro pressuposto metodoló- realidade de maneira consciente e
gico para a construção do conheci- crítica.
mento em sala de aula é a contextu- Compreender as desigualda-
alização do conteúdo. Na perspecti- des sociais e espaciais é uma das
va teórica desta apostila contextuali- grandes tarefas dos geógrafos edu-
zar o conteúdo é mais do que relaci- cadores para que a nossa ciência ins-
oná-lo à realidade vivida do aluno, é, trumentalize as pessoas a uma lei-
principalmente, situá-lo historica- tura mais crítica e menos ingênua do
mente e nas relações políticas, soci- mundo, que desemboque numa
ais, econômicas, culturais, em mani- maior participação política dos cida-
festações espaciais concretas, nas di- dãos a fim de que possamos ajudar a
versas escalas geográficas. construir um espaço mais justo e um
Sempre que possível o profes- homem mais solidário.
sor deverá estabelecer relações in- A considerar esses pressupos-
terdisciplinares dos conteúdos geo- tos metodológicos, o professor orga-
gráficos em estudo, porém, sem per- niza o processo de ensino de modo
der a especificidade da Geografia. que os alunos ampliem suas capaci-
Nas relações interdisciplinares, as dades de análise do espaço geográ-
ferramentas teóricas próprias de ca- fico e formem os conceitos dessa dis-
da disciplina escolar devem funda- ciplina de maneira cada vez mais
mentar a abordagem do conteúdo rica e complexa.
em estudo, de modo que o aluno per- Nesta apostila, os conteúdos
ceba que o conhecimento sobre esse devem ser tratados pedagogicamen-
assunto ultrapassa os campos de es- te a partir das categorias de análise -
tudo das diversas disciplinas, mas relações Espaço ↔ Temporal, rela-
que cada uma delas tem um foco de ções Sociedade ↔ Natureza - e do
análise próprio. quadro conceitual de referência da
O professor deve, ainda, con- Geografia. Serão abordados, com a
duzir o processo de aprendizagem mesma ênfase, nas dimensões geo-
de forma dialogada, possibilitando o gráficas da realidade - econômica,
questionamento e a participação dos política, socioambiental e cultural-
alunos para que a compreensão dos demográfica - aqui denominadas de
conteúdos e a aprendizagem crítica conteúdos estruturantes.
aconteçam. Todo esse procedimento Em algumas situações, a de-
tem por finalidade que o ensino de pender do destaque que o professor

24
METODOLOGIA DO ENSINO DE GEOGRAFIA

considerar necessário, um dos con- espaços de produção e de consumo;


teúdos estruturantes poderá ser as inter-relações das atividades eco-
mais enfatizado, porém os demais nômicas; o processo de urbanização
não deixarão de ser contemplados. em relação ao uso do solo urbano e à
O conteúdo meio urbano é especulação imobiliária; o processo
abordado ao longo do Ensino Fun- de industrialização e a urbanização,
damental e Médio, com complexida- entre outros.
de crescente, considerando as dife- Na dimensão política, o meio
rentes escalas geográficas e a lingua- urbano pode ser trabalhado, por
gem cartográfica. exemplo, pela interdependência en-
Na relação do meio urbano tre o campo e a cidade, sendo esta o
com a dimensão socioambiental, o centro das decisões econômicas e
professor poderá trabalhar o uso da políticas; pela ação dos movimentos
água e as políticas públicas de sane- sociais no espaço urbano e o direito
amento básico nas cidades; o pro- ao transporte, moradia, saneamento
blema da poluição dos rios pelos de- e saúde; pela análise da estrutura e
jetos urbanos, pelo lixo doméstico e formação das cidades globais; pela
industrial; a ocupação das áreas de questão da formação dos microterri-
risco, das encostas, dos mananciais tórios urbanos, entre outros. Outro
e várzeas; a poluição atmosférica nas exemplo, relacionado com as dinâ-
cidades, dentre outros. micas da natureza, trata-se do con-
Sob a dimensão cultural e de- teúdo recursos minerais, cuja abor-
mográfica, o conteúdo meio urbano dagem precisa ultrapassar a mera
pode ser abordado a partir dos mo- apresentação da localização das jazi-
vimentos migratórios e suas conse- das seguida da relação dos países
quências na ocupação urbana; dos produtores e dos exploradores de
movimentos sociais e suas implica- tais minérios.
ções na organização do espaço urba- De um ensino crítico de Geo-
no; das relações étnico-raciais que grafia, para além da abordagem so-
se estabelecem nas cidades e das di- bre a dinâmica da natureza que le-
ferentes identidades culturais nelas vou a formação dos diversos mine-
presentes. rais e que explica sua localização na
Ao analisar o meio urbano a crosta terrestre, o professor deverá
partir da dimensão econômica, é problematizar a localização das jazi-
preciso considerar as desigualdades das e tratar das implicações políticas
socioeconômicas materializadas no e econômicas que envolvem a posse
espaço urbano; a distribuição dos e dependência desse recurso.

25
METODOLOGIA DO ENSINO DE GEOGRAFIA

No conteúdo estruturante di- Quanto ao conteúdo estrutu-


mensão econômica do espaço geo- rante dimensão cultural e demográ-
gráfico, é necessário considerar a fica, a análise geográfica pode levar
importância dos minerais em estudo em conta os modos de vida estrutu-
para a economia, para os sistemas rados a partir dos produtos de con-
de produção e de circulação, vincu- sumo fabricados com os recursos
lado às diferenças de riquezas entre minerais em estudo, a distribuição
os países e as regiões do mundo. de riqueza (renda per capita, PIB)
No conteúdo estruturante di- entre a população dos países produ-
mensão política, o estudo deverá en- tores/exploradores, suas estruturas
fatizar as relações de poder que se demográficas e sociais em relação
estabelecem entre os países que de- àquela distribuição, etc. Esses são
têm as jazidas e aqueles que depen- exemplos que objetivam, tão somen-
dem desses recursos; a análise dos te, estimular reflexões sobre as rela-
conflitos (bélicos, financeiros, fis- ções a serem estabelecidas entre os
cais) gerados pelos interesses sobre conteúdos estruturantes, básicos e
os minerais em questão, além dos específicos. Tais exemplos não se es-
posicionamentos assumidos pelos gotam em si mesmos, mas podem
países direta ou indiretamente en- ser enriquecidos pelos professores, a
volvidos. considerar a diversidade de suas lei-
No conteúdo estruturante di- turas e os interesses de discussões
mensão socioambiental, a aborda- relacionados às realidades locais.
gem recairá sobre a formação e es- Nos anos finais do Ensino
pacialização das jazidas minerais, o Fundamental, espera-se que o aluno
futuro esgotamento, os custos ambi- amplie as noções espaciais que de-
entais da opção pelo uso industrial senvolveu nos anos iniciais desse ní-
desse mineral, os lugares mais afeta- vel de ensino. Por isso, o professor
dos pela poluição causada pelo seu trabalhará os conhecimentos neces-
uso, etc. Ainda, merecerão destaque sários para o entendimento das in-
a forma como o uso dos minerais em ter-relações entre as dimensões eco-
estudo poderá afetar o planeta no fu- nômica, cultural e demográfica, po-
turo, como será a busca de tecnolo- lítica e socioambiental presentes no
gia alternativa para substituí-los, espaço geográfico. Sob essa perspec-
quais países estão à frente nas pes- tiva, o professor aprofundará os con-
quisas e como se portam diante dos ceitos básicos que fundamentam o
problemas ambientais, etc. entendimento e a crítica à organiza-
ção espacial.

26
METODOLOGIA DO ENSINO DE GEOGRAFIA

O espaço geográfico deve ser efetivo de leitura e análise de espa-


compreendido como resultado da ços próximos e distantes, conheci-
integração entre dinâmica físico-na- dos e desconhecidos. Desse modo, a
tural e dinâmica humano-social, e cartografia não pode ser reduzida a
estudado a partir de diferentes ní- um conteúdo pontual abordado tão
veis de escalas de análise. somente num dos anos/séries do
As explicações para entender a Ensino Fundamental ou Médio.
realidade estudada exigem um vai- Ao concluir o Ensino Funda-
vém constante entre os diversos ní- mental, espera-se que os alunos te-
veis (escalas) de análise, em que se nham noções básicas sobre as rela-
cruzam as interpretações que decor- ções socioespaciais nas diferentes
rem do local ou do regional, conside- escalas geográficas (do local ao glo-
rados em sua totalidade, e os níveis bal) e condições de aplicar seus co-
nacional e internacional. nhecimentos na interpretação e crí-
Ao aperfeiçoar tais conheci- tica de espaços próximos e distantes,
mentos, no decorrer do Ensino Fun- conhecidos empiricamente ou não.
damental, o aluno deve desenvolver Esses conhecimentos serão
a capacidade de analisar os fenôme- aprofundados no Ensino Médio, de
nos geográficos e relacioná-los, modo a ampliar as relações estabele-
quando possível, entre si. As refle- cidas entre os conteúdos, respeitada
xões podem ser promovidas em tor- a maior capacidade de abstração do
no da aplicação dos conceitos cons- aluno e sua possibilidade de forma-
truídos desde os anos iniciais, das ções conceituais mais amplas. Estu-
especificidades naturais e sociais do dos sobre o espaço geográfico global,
espaço em estudo e da compreensão bem como os estudos continentais e
das relações de poder político e eco- regionais, serão realizados a partir
nômico que definem regiões e terri- de recortes temáticos mais comple-
tórios. xos.
O uso da linguagem cartográ- Nesse sentido, recomenda-se
fica, como recurso metodológico, é que, no Ensino Médio, os conteúdos
importante para compreender como sejam organizados numa sequência
os fenômenos se distribuem e se re- que problematize as relações Socie-
lacionam no espaço geográfico. En- dade ↔ Natureza e as relações Espa-
tretanto, a linguagem cartográfica ço ↔ Temporais a partir do espaço
deve ser trabalhada ao longo da geográfico mundial. Algumas ques-
Educação Básica, como instrumento tões podem orientar essa aborda-

27
METODOLOGIA DO ENSINO DE GEOGRAFIA

gem, tais como: Qual é a configura- indígena pode ser feito, por exem-
ção geopolítica do mundo hoje? plo, por meio de textos, imagens,
Sempre foi assim? Como era num mapas e maquetes que tragam co-
passado recente? Por que mudou? nhecimentos sobre: a questão histó-
Como foi esse processo de mudança rica da composição étnica e miscige-
de fronteiras e relações econômicas, nação da população brasileira; a
sociais e políticas em diferentes paí- questão político-econômica da dis-
ses e regiões do planeta? Quais as tribuição espacial da população
consequências disso para o mundo? afrodescendente e indígena no Bra-
Essa abordagem auxilia a sil e no mundo; as contribuições das
compreensão do processo histórico etnias indígenas e africana na cons-
da transição da ordem mundial pre- trução cultural da nação brasileira;
cedente à atual. É ponto de partida as motivações das migrações dos po-
para articular a discussão em outras vos africanos e indígenas no tempo e
escalas, pois o professor pode consi- no espaço; o trabalho e distribuição
derar os diversos critérios de regio- de renda entre essas populações no
nalização do espaço geográfico até Brasil; a configuração socioespacial
chegar à formação dos atuais blocos do continente africano desde o perí-
regionais (econômicos e políticos), odo escravista até os dias atuais.
envolvendo nesses estudos aspectos A educação ambiental deverá
sobre o Brasil e o seu respectivo es- ser uma prática educativa integrada,
tado. Ao elaborar seu Plano de Tra- contínua e permanente, no desen-
balho Docente, nos anos finais do volvimento dos conteúdos de ensino
Ensino Fundamental e do Ensino da Geografia. A dimensão socioam-
Médio, o professor de Geografia de- biental é um dos conteúdos estrutu-
ve abordar a cultura e história afro- rantes dessa disciplina e, como tal,
brasileira e indígena (Leis no. 10. deve ser considerada na abordagem
639/03 e no. 11.645/08) e também a de todos os conteúdos específicos,
Educação Ambiental (Lei no. 9795/ ao longo da Educação Básica. Assim,
99, que institui a Política Nacional não é necessário ministrar aulas de
de Educação Ambiental). Tais temá- educação ambiental ou desenvolver
ticas deverão ser trabalhadas de for- projetos nesta temática, mas tratar
ma contextualizada e relacionadas da temática ambiental nas aulas de
aos conteúdos de ensino da Geogra- Geografia de forma contextualizada
fia. e a partir das relações que estabelece
O trabalho pedagógico da his- com as questões políticas e econômi-
tória e da cultura afro-brasileira e cas.

28
29
METODOLOGIA DO ENSINO DE GEOGRAFIA

4. Ensino de Cartografia para o Ensino Fundamental


e Médio

Fonte: Beduka4

A Cartografia é uma parte da ati-


vidade humana que abrange a
criação e a utilização dos mapas,
pação e como instrumento de ex-
pressão dos resultados compilados.
O mapa se faz importante no
bem como de outros trabalhos carto- sentido em que todos se interessem
gráficos. É e sempre foi ligada com a por deslocamentos mais racionais,
comunicação interpessoal. pela compreensão da distribuição e
A Cartografia (do grego char- da organização dos espaços, possam
tis = mapa e graphein = escrita) é a se informar e utilizar deste modelo e
ciência que estuda as concepções e tenham uma visão de conjunto.
produções de mapas, correlacionan- Os mapas abordam questões
do escala, projeções, símbolos/sig- relacionadas ao que definimos como
nos e outros métodos para represen- “construção do raciocínio espacial”.
tar o espaço. Portanto, a importân- Essa ideia é importante para o coti-
cia do mapa está na identificação da diano da criança, do adolescente e
organização do espaço, avaliação do adulto, pois é possível compreen-
das alterações na forma de sua ocu- der que a aprendizagem cartográfica

4 Retirado em https://beduka.com/blog/exercicios/geografia-exercicios/exercicios-sobre-cartogra-
fia/

30
METODOLOGIA DO ENSINO DE GEOGRAFIA

perpassa por todas as fases do ho- culturas e objetos de uma forma ini-
mem. maginável, portanto deve ser usado
Existe uma grande preocupa- como aliado e norteador do processo
ção da escola, em relacionar os con- de ensino-aprendizagem dos conhe-
teúdos abordados em sala e a reali- cimentos geográficos, em sala de
dade vivida e observada pelo aluno, aula. Ressaltamos, no entanto, que o
como por exemplo, o fenômeno da mesmo não deve ser a única fonte de
globalização. O ensino cartográfico informação durante as aulas.
está diretamente vinculado a esta O conhecimento do tema pelo
globalização dos problemas e solu- professor é de fundamental impor-
ções mundiais, haja vista que a dis- tância para que o processo de ensi-
tribuição espacial está vinculada às no/aprendizagem se torne mais con-
relações socioeconômicas e socio- creto. Dessa forma, o professor além
ambientais, portanto os mapas tran- de dominar as práticas pedagógicas,
sitam nestes “dois mundos” - o local precisa apresentar um conhecimen-
e o mundial. to adequado para a explanação do
A importância da abordagem conteúdo.
cartográfica em sala de aula está di- O professor pode seguir alguns
retamente ligada aos livros didáti- métodos para facilitar a apreensão
cos, ou seja, mapas com excesso ou da Cartografia. Trata-se de cami-
falta de informação podem retardar nhos mais familiares às crianças,
ou mesmo retroceder todo o proces- utilizados para que estas consigam
so de aprendizagem. Dessa forma, orientar-se no que se refere às ques-
há a necessidade de atenção na esco- tões espaciais. Uma das sugestões é
lha e utilização dos livros didáticos. o “mapeamento corporal”, onde o
Muitos símbolos e signos estão aluno identifica partes de seu corpo.
presentes no livro didático, e são Deve-se aproveitar a intimida-
instrumentos usados de forma con- de dos alunos com o desenho e rela-
tínua nas salas de aula. Nessas cionar essa habilidade ao ensino da
obras, inclusive, existem muitos ma- Cartografia. De acordo com o estudo
pas que orientam e “ilustram” as au- citado, atividades como representar
las de professores. Torna-se funda- os trajetos da escola à própria escola
mental então, aliar livro didático ao ou que envolvam o bairro, a cidade e
uso de mapas, principalmente como o Estado, são sugestões que podem
metodologia de trabalho. auxiliar o professor no ensino do te-
O livro didático aborda ou al- ma Cartografia, pois se trata de in-
cança gerações, localidades, valores,

31
METODOLOGIA DO ENSINO DE GEOGRAFIA

formações que pertencem a reali- persistem mesmo que, na escola, as


dade dos alunos. crianças tenham entrado em contato
Muitos questionamentos são com conteúdos relativos aos “mapas
feitos em relação ao ensino e à de adultos”.
aprendizagem da Cartografia, devi- A representação do espaço
do à sua complexidade principal- pela criança ocorre apoiada em obje-
mente, mas também, relacionado à tos fixos que ela toma como referen-
abordagem dos livros didáticos e do cial, antes mesmo da constituição de
trabalho do professor com relação um esquema corporal dissociado do
ao tema. próprio corpo e da representação
Alguns pontos têm que ser vis- global do espaço.
tos para tais fatos como, por exem- As informações cartográficas
plo, a formação dos professores, trazem em si informações bastante
uma vez que é importante observar amplas. Baseado num sistema de
se a graduação está sendo satisfató- símbolos mais ou menos complica-
ria em relação ao tema Cartografia. dos, o mapa também é uma mensa-
Pergunta-se, se a abordagem nos gem de informação sobre os objetos,
cursos superiores está sendo ideal as formas, os fatos e as relações con-
para a formação dos professores, tidas no espaço estudado. Alguns
pois é evidente e se tem relatos que, desses símbolos são tão claros ou de
alguns professores afirmam ter difi- uso tão corrente que são quase ins-
culdades no que se refere ao ensino tintivamente percebidos por todos.
da Cartografia. Outros, mais sutis, devem ser expli-
Outro ponto a ser abordado é a citados por meio de uma legenda.
relação do alunado com esse tema, Para um bom exercício das
pois nem todos os alunos tem fami- funções escolares, incluindo tam-
liaridade com os símbolos e com bém a temática da Cartografia, é ne-
toda a estrutura da Cartografia. Para cessário que haja condições míni-
muitos alunos em séries iniciais, o mas infraestruturais para que o tra-
mapa no aspecto geral é na realidade balho a ser desempenhado seja sa-
um desenho, e não o relacionam tisfatório, ou seja, uma ação em con-
com a verdadeira objetividade em- junto com o trabalho do professor e
pregada no mesmo. capacidade do alunado.
Os “mapas das crianças” tra- Os mapas constituem, sem dú-
zem elementos do pensamento in- vida, um dos mais valiosos recursos
fantil, são representações de seu do professor de Geografia. Eles ocu-
modo de pensar o espaço, as quais pam um lugar definido na educação

32
METODOLOGIA DO ENSINO DE GEOGRAFIA

geográfica de crianças e de adoles- O processo de mapeamento do


centes, integrando as atividades, espaço pelas crianças, segundo o au-
áreas de estudos ou disciplinas, por- tor, está inserido no processo geral
que atendem a uma variedade de do desenvolvimento, e em especial
propósitos e são usados em quase na construção do espaço. Um exame
todas as disciplinas escolares. Mas é da literatura revela explicações e ex-
somente o professor de Geografia perimentos sobre representação em
que tem formação básica para propi- geral, e em particular sobre a repre-
ciar as condições didáticas para o sentação espacial.
aluno manipular o mapa. Como par- O mapa é definido, em educa-
te inerente de todos os programas de ção, como um recurso visual a que o
Geografia, qualquer que seja o as- professor deve recorrer para ensinar
sunto tratado ou a série conside- Geografia e que o aluno deve mani-
rada, o mapa ocupa um lugar de des- pular para aprender os fenômenos
taque. geográficos; ele não é concebido co-
Assim, quando fazemos uma mo um meio de comunicação, nem
revisão da literatura sobre didática como uma linguagem que permite
da Geografia, verificamos que quase ao aluno expressar espacialmente
todas as obras incluem um capítulo um conjunto de fatos; não é apre-
sobre mapas e globos. As revistas sentado ao aluno com uma solução
educacionais, especialmente as diri- alternativa de representação espa-
gidas ao campo do ensino da Geo- cial de variáveis que possam ser ma-
grafia, publicam continuamente re- nipuladas na tomada de decisões e
sultados de pesquisas dedicadas ao na resolução de problemas.
problema dos mapas; essa constata- Os conceitos ligados à Carto-
ção evidencia o interesse da questão. grafia, quando no âmbito no ensino
Em geral, os artigos que tra- de Geografia, são trabalhados como
tam dos mapas, no contexto educa- conteúdos tecnicamente precisos.
cional, estão mais direcionados para Não é levada em conta a dedicação
as finalidades e o seu uso pelos pro- de tempo para construí-los gradati-
fessores e pelas crianças no ambi- vamente.
ente escolar. Os mapas relacionados A Cartografia é abordada no
nesses estudos são “os mapas do processo de ensino-aprendizagem
adulto”. Quanto aos “mapas das cri- através da Geografia, por esta liga-
anças” a bibliografia é escassa. ção diretamente com o objeto de es-

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METODOLOGIA DO ENSINO DE GEOGRAFIA

tudo geográfico, o Espaço. Os mapas Muitas escolas possuem atlas


abordam questões relacionadas à de boa qualidade, tanto como im-
construção do raciocínio espacial é pressão como de conteúdo, que os
um assunto relevante para o cotidi- professores devem estar preparados
ano da criança, do adolescente e do para utilizar.
adulto, ou seja, a aprendizagem car- Em seu trabalho nas aulas de
tográfica perpassa por todas as fases Geografia, o professor pode direcio-
do homem. nar suas atividades privilegiando
A utilização do material carto- dois eixos: o da produção de mapas
gráfico com o intuito de facilitar a e o da leitura dos mesmos.
aprendizagem não ocorre de ma- Os alunos podem ser incenti-
neira eficiente se o professor não es- vados a mapearem primeiro a sua
tiver capacitado a trabalhar com os casa, depois a escola. Mais tarde,
mesmos. Associado a essa capacita- com outras informações sobre loca-
ção, deve-se acoplar outros recursos lização espacial, como a rosa dos
técnicos/metodológicos que envol- ventos, pode ser levado a desenhar o
vam pesquisa e ação que, partindo percurso de casa para a escola, iden-
da vivência do aluno, permitam-no tificando cada ponto do percurso
relacionar o mundo real ao seu coti- com os pontos cardeais e os colate-
diano espacial. rais. Neste processo de mapeamen-
O uso de mapas, atlas, e outros to, o professor deve aos poucos ir in-
documentos cartográficos em sala troduzindo o conceito de escala, co-
de aula justifica-se pela importância mo um processo de redução neces-
da cartografia na rotina das pessoas. sário para a representação do ambi-
Nos países desenvolvidos, principal- ente.
mente os europeus, os pais utilizam Cabe ao professor, questionar,
os mapas pendurados nas paredes orientar, corrigir, esses mapas pro-
dos quartos de suas crianças, globo duzidos por seus alunos, em função
terrestre nas estantes da sala, tudo da forma, tamanho, posição, orien-
para que seus filhos possam desen- tação, distâncias e proporção dos
volver sua percepção espacial. itens representados.
Os professores, desde os pri- Após essa fase inicial, de rela-
meiros ciclos, devem ocupar seus ção espacial e quantitativa, pode-se
alunos em atividades nas aulas de introduzir conceitos de representa-
geografia, fazendo com que os mes- ção cartográfica, com a utilização da
mos tenham uma certa relação de linguagem gráfica, através de cores,
“amizade com os mapas”.

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METODOLOGIA DO ENSINO DE GEOGRAFIA

linhas, pontos, caracterização de Correlação: São muitas as situa-


símbolos representativos. ções em que os professores podem
Os alunos devem ser instruí- combinar duas cartas de análise
dos para que os mapas por eles pro- para correlacionar simultaneamente
duzidos possam ser lidos por outros dois fatos. Por exemplo, a ocorrência
colegas. Por isso, a legenda deve ser de florestas tropicais e a distribuição
apresentada como a comunicação das chuvas no Brasil.
necessária, para que outros enten- Síntese: Ao se reunir vários mapas
dam o significado da sua representa- de análise, estamos realizando uma
ção. síntese. Por exemplo, o professor
A leitura espacial é uma apren- pode juntar os mapas de chuvas no
dizagem específica para a Geografia. Brasil, florestas tropicais e popula-
Todas as pessoas têm noções espaci- ção para discutir os problemas do
ais, mas a Geografia em particular é desmatamento ou erosão dos solos.
a ciência que sistematiza os procedi- O uso do mapa quotidiana-
mentos de leitura e escrita da lingua- mente na sala de aula favorece o tra-
gem cartográfica. A cartografia é um balho no desenvolvimento dessa te-
meio de transmissão de informação. mática. Pode-se dizer que todo pro-
Deve-se abandonar a prática fessor de Geografia deve utilizar os
de somente copiar mapas, pela sim- mapas em suas aulas. É bom lem-
ples razão de copiá-los, não objeti- brar que não basta pendurar os ma-
vando a análise das relações que pas no quadro, ou na parede e daí
ocorrem no espaço geográfico, ou apenas mostrar aos alunos as locali-
mesmo não discutindo as intenções zações; pois, quem está afastado do
de quem produziu estes mapas. meio para o fim na sala, dificilmente
A cartografia escolar, além de verá ou identificará os símbolos ou a
constituir um recurso visual, lúdico, toponímia. Uma atividade interes-
oferece aos professores a possibili- sante é dividir a turma em grupos e
dade de trabalhar em três níveis: um entregar um mapa para cada
Localização e análise: Quando se grupo. A partir daí, desenvolver as
trata um fenômeno em particular e atividades de leitura de mapas, mos-
procura-se lê-lo espacialmente. Por trando a legenda e a sua importância
exemplo, a distribuição das chuvas na leitura dos mapas entre tantas
no Brasil, a ocorrência de florestas outras atividades.
tropicais, os tipos de solos, as regi- A utilização de croqui nos três
ões mais populosas, etc. níveis propostos tem sido uma prá-

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METODOLOGIA DO ENSINO DE GEOGRAFIA

tica valiosa para o desenvolvimento


da representação figurativa e ajuda o
aluno a se colocar à vontade diante
dos mapas que, muitas vezes, exi-
gem níveis de aquisições de leitura e
escrita cartográfica que só se concre-
tizam com o tempo. Pode-se ensinar,
por exemplo, a elaboração de cro-
quis de localização, de correlação e
síntese.
O mapa é um elemento visual,
que ajuda o aluno no entendimento
de alguns conteúdos, sobretudo os
que necessitam de concepções “pal-
páveis” para sua compreensão. Os
alunos de 5ª série estão em um pro-
cesso de construção das percepções
abstratas, portanto o mapa os auxi-
liarão no processo de aprendizagem.

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METODOLOGIA DO ENSINO DE GEOGRAFIA

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