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Diego Costa Farias

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“Nada na Biologia faz sentido se não for à luz da Evolução”. Foi com
essas palavras que Theodosius Dobzhansky, em 1970, explicitou a relevância
da teoria da Evolução como eixo central e reorganizador das temáticas acerca
do mundo biológico. Contudo, nem sempre foi assim. As Ciências Biológicas,
bem como a disciplina escolar Biologia, tiveram um longo percurso até chegar
à ciência tal qual conhecemos hoje, unificada e moderna.
O estudo e ensino dos mecanismos que regem à vida foi por muito
tempo descentralizados e isolados, sendo até o início do século XX divididos
em áreas independentes, por um lado mais descritivo da História Natural, a
saber Zoologia e Botânica e, por outro lado, pelos estudos em Citologia,
Embriologia e Fisiologia Humana, que eram marcadamente experimentais.
Salienta-se que por conta desse cenário fragmentado dos conhecimentos
biológicos, ciências como a Física eram maximizadas.
Afinal, ciências com números, capazes de produzir dados representados
e interpretados matematicamente, as chamadas “exatas”, sempre foram super
valorizadas em detrimento de outras, lembremos que no Brasil, durante o
período da Ditadura Militar (1964-1985), disciplinas das áreas de Ciências
Humanas (História, Geografia, Filosofia e Sociologia) foram utilizadas como
meios para difusão do regime militar, sendo até substituídas pelo nome
“Educação Moral e Cívica”, já no regime “democrático”, o Governo Michel
Temer, em 2017, sancionou, por meio de uma medida provisória, a reforma do
Ensino Médio que coloca a Matemática como disciplina obrigatória, ao passo
que, História e Geografia ficavam como coadjuvantes e excluía da grade as
disciplinas Filosofia e Sociologia. Após ondas sucessivas de protestos, Temer
voltou atrás com relação à Filosofia e Sociologia
E nessa perspectiva, que nas primeiras décadas do século XX, o Círculo
de Viena sustentava seu posicionamento inclinado ao pensamento filosófico
chamado positivismo lógico, aquele que diz que o conhecimento válido era o
que se apoiava na realidade empírica, incorporando a lógica Matemática. Esse
movimento galgou a ideia de unificar todas as ciências em torno de um método
comum. Ali dava-se os primeiros passos rumo à unificação das Ciências
Biológicas.
Essa corrente iniciada pelo Círculo de Viena, que visava a unificação da
ciência, instigou os biólogos, do início do século XX, a dar unidade a uma
ciência Biologia, e isso ocorreu com a revisitação da teoria da Evolução,
dando-a uma nova significação com o auxílio de bases genéticas. Esse recall
da teoria cunhada por Charles Darwin, em 1859, era necessário, pois a
proposta publicada na obra A origem das espécies possuía lacunas, dado que
as teorias existentes sobre herança não contavam com o modelo mendeliano,
sendo impossível explicar a variação e se tornava um obstáculo para a
evolução.
Sempre com a Física como um modelo emblemático, a ideia era tornar
a Evolução uma “ciência positiva”, ou seja, passou a ser valorizados e
adotados métodos experimentais rigorosos, baseados em evidências empíricas
e com resultados generalizáveis em termos matemáticos. Com a redescoberta
dos trabalhos de Gregor Mendel sobre hereditariedade, os estudos evolutivos
receberam uma contribuição fundamental e o novo termo Genética alcançou
bastante prestígio já no início do século XX. No fim dos anos 1910, os modelos
matemáticos já eram uma realidade em trabalhos evolutivos, desempenhando
papel fundamental e ganhando prestígio nas Ciências Biológicas. À medida
que os estudos em Genética avançavam, se abriam novas maneiras de
interpretar os mecanismos evolutivos e abrindo o leque de possibilidades para
o processo de construção de uma ideia unificada das Ciências Biológicas, tanto
que entre as décadas de 1930 e 1940, com a publicação das obras Genetics
and the origin of species (1937), A nova sistemática (1940) e Evolução: a
síntese moderna (1942) é percebido o início das ideias de síntese evolutiva,
movimento também conhecido como neodarwinismo ou teoria sintética da
Evolução.
O decorrer do século XX foi bastante promissor para as Ciências
Biológicas que conquistaram seu espaço dentre as ciências, mesmo
disputando importância com ciências como Física e Química, que tiveram papel
destacado devido ao cenário de bombardeios nucleares e acontecimentos
bélicos que figuraram os períodos de Primeira e Segunda Guerra Mundial. Com
o avanço das pesquisas biomoleculares, caracterizado com a determinação da
estrutura de DNA, no ano de 1953, por Rosalind Franklin, James Watson e
Francis Crick, contribuiu para determinar o lugar de uma Biologia moderna,
ampliando seu prestígio. Esse período Pós-Guerra, caracterizado por uma
extrema polarização mundial, influenciou as sociedades em termos políticos,
econômicos, científicos e, também, educacionais.
Em 11 de agosto de 2020 a Rússia anuncia ao mundo que é o primeiro
país a registrar uma vacina contra o novo coronavírus responsável pela
pandemia da Covid-19 que já matou mais de um milhão de pessoas (G1 -
PORTAL DE NOTÍCIAS DA GLOBO, 2020). O chefe do Kremlin, Vladimir Putin,
garante a eficácia da Sputnik V enquanto se envaidece perante o mundo.
Contudo, não é de hoje que a Rússia se torna uma pedra no sapato dos países
que buscam a hegemonia global.
Diferente da Sputnik V, que paira uma suspeita do mundo devido à falta
de transparência durante o protocolo de produção, o Sputnik 1, lá em outubro
de 1957, no âmbito da guerra fria, abalou as estruturas do bloco capitalista,
liderado pelos EUA, que viu seus rivais soviéticos dispararem à frente na
corrida espacial lançando o primeiro satélite artificial para a órbita terrestre,
deixando um marco histórico e mudanças políticas e sociais profundas no
mundo.
Uma dessas mudanças provocadas pelo lançamento do satélite Sputnik
1 foi uma ampla reforma no sistema educacional para melhorar o ensino de
Ciências e Matemática nas escolas estadunidenses, os norte-americanos
atribuíam suas desvantagens tecnológicas frente à extinta URSS ao déficit na
educação de ciências. Essas mudanças puxadas pelos Estados Unidos e pela
Inglaterra refletiram por escolas do mundo todo, incluindo o Brasil. Entidades
como o Biological Science Curriculum Study (BSCS), cujo objetivo era a
produção de material didático, foi catalisado. Aqui no Brasil o Instituto Brasileiro
de Educação, Ciência e Cultura (IBECC), os centros de Ciências e a Fundação
Brasileira para o Desenvolvimento do Ensino de Ciência (FUNBEC) também
foram criados na esteira desse processo.
No que tange as disciplinas escolares do meio científico, era notório que
disciplinas como Física e Química estavam muito consolidadas e eram
consideradas mais coesas e “completas”, muito pelo fato de serem ciências
mais primitivas. Contudo, como já dito, essas ciências, bem como suas
disciplinas escolares, eram mais valorizadas e tinham uma atenção especial
pelo fato de serem ciências com números, as chamadas “exatas”, e foram
ainda mais beneficiadas no lúmen da guerra fria com essas reformas.
À luz da história, a busca pelo status de “ciência exata/matematizada”
nas Ciências Biológicas teve reflexos na configuração da disciplina escolar
Biologia. Aqui lembro, o que já dito anteriormente, que até o começo do século
XX a disciplina escolar que tratava os mecanismos biológicos era dividida em
dois grupos de áreas, as mais experimentais como a Fisiologia Humana e as
mais descritivas como a Zoologia e a Botânica, denominada História Natural.
No Brasil, por exemplo, a História Natural já era ministrada como disciplina
escolar, englobando os estudos em Zoologia, Botânica, Geologia e
Mineralogia, na primeira instituição secundária do país, o Imperial Collegio de
Pedro II em 1837. Posteriormente, com a incorporação dos elementos
modernos das Ciências Biológicas, sobretudo a teoria evolutiva embasada nos
termos genéticos, a História Natural foi substituída pela disciplina escolar
Biologia.
E nessa intrincada história das Ciências Biológicas com a disciplina
Biologia é relevante voltar atenção pro papel da escola secundária nos rumos
dessa disciplina escolar. É fato que as Ciências Biológicas vêm se
consolidando cada vez mais como ciência. Suas descobertas vêm
respondendo perguntas que há muito, pertinentemente, perseguia o homem.
Os caminhos que foram abertos pela sua modernização e as perguntas que ela
vem deixando (sim, porque não?!) coloca o tão sonhado progresso mais
próximo de todos, em outras palavras, ela mostrou a que veio. Contudo, a
disciplina escolar Biologia teve um começo que não contemplara o seu
propósito e ao seu público, um déficit do sistema do início do século XX,
deixava que o ensino secundário se tornasse elitista e com raízes profundas na
academia extremamente científica.
Ou seja, a disciplina escolar Biologia, por muitos anos, esteve mais
próxima das Ciências Biológicas, enclausurada na visão dos cientistas das
Universidades e distante da realidade social/regional dos alunos secundaristas.
Tal fato é exemplificado por Rosenthal e Bybee (1987), que apontam que livros
didáticos universitários eram utilizados nas escolas secundárias
estadunidenses, já aqui no Brasil, Karl Lorenz (1986) relata que tal processo
era semelhante também com a disciplina História Natural no Imperial Collegio
de Pedro II, no fim do século XIX, os livros adotados eram atualizados por
cientistas que constituíam “uma elite no mundo intelectual da época”.
Só a partir dos anos 1920 que os livros didáticos, adotados na disciplina
escolar Biologia, passaram a ser produzidos por professores das escolas
secundárias, respondendo a mudanças na composição social de um público
escolar que se expandia.
O advento do ensino de Evolução nas escolas foi o passo crucial para
estruturar a disciplina Biologia tal como conhecemos hoje. O ensino de
Evolução é um eixo integrador de conteúdos da área biológica, tornando-se um
componente importante dos currículos de Biologia, mesmo sendo considerado
um tema polêmico por se tratar de questões como a origem da vida.
O debate acerca da modernização das Ciências Biológicas e a ascensão
da disciplina escolar Biologia é de suma importância para entendermos todo o
percurso de que essa ciência passou até chegar os dias de hoje. Também é
válido lançar um olhar no que diz respeito ao papel da escola nesse processo
de emergência da disciplina escolar Biologia. A necessidade de atender ao
crescente número de jovens que chegavam às escolas provocou um
afastamento da esfera acadêmica e maior ênfase em conteúdos e métodos
voltados para as questões sociais (MARANDINO; SELLES; FERREIRA, 2009).
O momento atual é de grandes mudanças e de deslocamentos para
além das fronteiras, neste cenário a escola tem um grande desafio, frente às
rápidas mudanças sociais que inevitavelmente colocam à prova todas as
certezas que estruturam as práticas curriculares, pedagógicas e as relações
entre os sujeitos no âmbito escolar. Como afirma Louro (2008):
“Escola, currículos, educadoras
e educadores não conseguem se situar
fora dessa história. Mostram-se, quase
sempre, perplexos, desafiados por
questões para as quais pareciam ter
até pouco tempo atrás, respostas
seguras e estáveis. Agora, as certezas
escapam, os modelos mostram-se
inúteis, as fórmulas são inoperantes.
Mas é impossível estancar as
questões. Não há como ignorar as
“novas” práticas, os “novos” sujeitos,
suas contestações ao estabelecido. A
vocação normalizadora da Educação
vê-se ameaçada. O anseio pelo cânone
e pelas metas confiáveis é abalado. A
tradição imediatista e prática leva a
perguntar: o que fazer? A aparente
urgência das questões não permite que
se antecipe qualquer resposta; antes é
preciso conhecer as condições que
possibilitaram a emergência desses
sujeitos e dessas práticas.”
REFERÊNCIAS BIBIOGRÁFICAS
G1 - PORTAL DE NOTÍCIAS DA GLOBO (Brasil). Portal de Notícias da Globo
(org.). Putin anuncia que Rússia é o 1º país a registrar vacina contra o
novo coronavírus; não foram publicados estudos sobre testes. 2020.
Disponível em: https://g1.globo.com/bemestar/vacina/noticia/2020/08/11/putin-
anuncia-que-russia-e-o-primeiro-pais-do-mundo-a-registrar-vacina-contra-o-
novo-coronavirus.ghtml. Acesso em: 29 nov. 2020.
LORENZ, K. M. Os livros didáticos e o ensino de Ciências na escola
secundária brasileira no século XIX. Ciência e Cultura, São Paulo, v. 38, n.
3, p. 426-435, mar. 1986.
LOURO, G. L. Um corpo estranho. Belo Horizonte: Autêntica, 2008.
LUCIANA AMARAL (Brasil). Portal de Notícias da Globo. Temer sanciona a lei
que estabelece a reforma do ensino médio. 2017. Disponível em:
https://g1.globo.com/educacao/noticia/temer-sanciona-a-medida-provisoria-da-
reforma-do-ensino-medio.ghtml. Acesso em: 29 nov. 2020.
MARANDINO, M.; SELLES, S. E.; FERREIRA, M. S. Ensino de Biologia:
histórias e práticas em diferentes espaços educativos. São Paulo: Cortez,
2009. 215 p.
MENDONÇA, A. W. P. C.; LOPES, V. G.; SOARES, J. C.; PATROCLO, L. B. A
criação do Colégio de Pedro II e seu impacto na constituição do
magistério público secundário no Brasil. Educação e Pesquisa, Rio de
Janeiro, v. 39, n. 4, p. 985-1000, jun. 2013.
ROSENTHAL, D. & BYBEE, R. Emergence of the Biology curriculum: a
science of life or a science of living. In: POPKEWITZ, T. S. (Ed.). The
formation of school subjects. New York: The Falmer Press, 1987. p. 123-144.
SILVA, D. N. "Sputnik 1"; Brasil Escola. Disponível em:
https://brasilescola.uol.com.br/historia/sputnik.htm. Acesso em 29 de novembro
de 2020.

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