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{ Frevo }

dossiê iphan 14 { Frevo }


dossiê iphan 14 { Frevo }
De chapéu de sol aberto
Pelas ruas eu vou
A multidão me acompanha
Eu vou
Eu vou e venho pra onde não sei
Só sei que carrego alegria
Pra dar e vender

Deixa o barco correr


Espero um ano inteiro
Até ver chegar fevereiro
Pra ouvir o clarim clarinar
E a alegria chegar
Essa alegria que em mim
Parece que não terá fim
Mas, se um dia o frevo acabar
Juro que eu vou chorar
De Chapéu de Sol Aberto, de Capiba
PRESIDENTA DA REPÚBLICA Departamento de Patrimônio Imaterial Instrução Técnica do Processo de Registro
Dilma Rousseff
COORDENAÇÃO-GERAL DE IDENTIFICAÇÃO
do Frevo
MINISTRO DA CULTURA E REGISTRO
João Luiz Silva Ferreira (Juca Ferreira) Mônia Luciana Silvestrin Supervisão técnica
PRESIDENTA DO IPHAN DEPARTAMENTO DE PATRIMÔNIO IMATERIAL
COORDENAÇÃO-GERAL DE SALVAGUARDA
Jurema de Sousa Machado Rívia Ryker Bandeira de Alencar Ana Cláudia Lima Alves

DIRETOR DO DEPARTAMENTO DE COORDENAÇÃO DE PESQUISA


COORDENAÇÃO DE IDENTIFICAÇÃO
PATRIMÔNIO IMATERIAL Sara Santos Morais Superintendência do Iphan em Pernambuco
Vanderlei dos Santos Catalão (TT Catalão)
COORDENAÇÃO DE REGISTRO Carmem Lélis
DIRETOR DO DEPARTAMENTO DE Diana Dianovsky Eduardo Sarmento
ARTICULAÇÃO E FOMENTO
Luiz Philippe Peres Torelly COORDENAÇÃO DE APOIO À SUSTENTABILIDADE
Natália Guerra Brayner
DIRETOR DO DEPARTAMENTO DE
PATRIMÔNIO MATERIAL CENTRO NACIONAL DE FOLCLORE E
Andrey Rosenthal Schlee CULTURA POPULAR
Cláudia Márcia Ferreira
DIRETOR DO DEPARTAMENTO DE
PLANEJAMENTO E ADMINISTRAÇÃO
Marcos José Silva Rêgo

DIRETOR DO PAC CIDADES HISTÓRICAS


Robson Antônio de Almeida

SUPERINTENDENTE DO IPHAN EM PERNAMBUCO -


SUBSTITUTA
Gisela Montenegro

INSTITUTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E


ARTÍSTICO NACIONAL
DEPARTAMENTO DO PATRIMÔNIO IMATERIAL
SEPS Quadra 713/913, Bloco D,
Edifício IPHAN, 4º andar
CEP 70.390-135 Brasília – DF
Telefone: (061) 2024-5401
E-mail: dpi@iphan.gov.br
Edição do Dossiê Interpretativo ILUSTRAÇÕES E DESENHOS Registro do Frevo
Acervo Jornal Pequeno Recife
COORDENAÇÃO DE EDIÇÃO Ladjane Bandeira Processo nº 01450.002621/2006-96
Yêda Barbosa Nestor Silva
Wilton de Souza PROPONENTE
EDIÇÃO DE TEXTOS E COPIDESQUE Prefeitura do Recife (PE)
Carmem Lélis PROJETO GRÁFICO
Eduardo Sarmento Victor Burton DADOS DO PROCESSO
Pedido de Registro aprovado na 52ª reunião do Conselho
REVISÃO DE TEXTOS DIAGRAMAÇÃO Consultivo do Patrimônio Cultural, em 28/02/2007.
Grace Elizabeth Inara Vieira Inscrição no Livro de Registro das Formas de Expressão em
Rosalina Gouveia 28/02/2007.

FOTOGRAFIAS
Acervo Técnico Iphan - DAF
Arquivo Casa do Carnaval
Arquivo Clube Carnavalesco Misto
Vassourinhas
Arquivo da Escola Municipal do Frevo
Arquivo de Agremiação e Clubes Carnavalescos
Arquivo Flickr do Paço do Frevo
Anderson Stevens
Clécio Tomaz
Rafael Bandeira
Sócrates Arantes
Arquivo de Karoba Nunes
Arquivo Leandro Dantas Silva
Arquivo de Lindivaldo Oliveira
Arquivo Museu da Cidade do Recife
Alexandre Berzin
Mário de Carvalho
Roberto Cavalcanti
Romildo Carvalho C A PA

Severino Fragoso “A M Ã E É M INH A” .

Arquivo da Orquestra Popular da Bomba do FOTO : L E IL A NE NA S C IM E NTO , 2 0 0 8 .

Hemetério
Arquivo Maestro Nunes PÁGINA 2

Arquivo Prefeitura de Olinda PA S S ISTA S NO C A RNAVA L P ER NA MB UCA NO D E 1 9 4 4 .

Arquivo Prefeitura do Recife FOTO : A L E X A NDRE BE RZ IN - A R QUI VO D O MUS EU

Carol Araújo DA C IDA DE DO RE C IFE .

Claudio Versiani
Leilane Nascimento PÁGINA 4

Marcelo Mesel FO L IÕ E S NO PA S S O , C A RNAVA L D E R ECI F E,1 9 4 8 .

Passarinho FOTO : A L E X A NDRE BE RZ IN - A R QUI VO D O MUS EU


DA C IDA DE DO RE C IFE .

PÁGINA 8
PA S S ISTA S NO C A RNAVA L D E 1 9 5 8 .
FOTO : M Á RIO DE C A RVA L H O - A R QUI VO D O MUS EU
DA C IDA DE DO RE C IFE .
Sumário
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10 apresentação 28 O FREVO, SEUS ELEMENTOS E 62 O FREVO COMO OBJETO DE


CARACTERÍSTICAS REGISTRO
12 introdução 29 Carnaval
13 Olha o frevo! 32 Música 68 RECOMENDAÇÕES DE
38 Dança SALVAGUARDA
16 O TRABALHO E SUA 42 Literatura e poesia
CONTEXTUALIZAÇÃO 45 Aspectos visuais 72 NOTAS
17 A grande teia 49 Agremiações de frevo
74 FONTES BIBLIOGRÁFICAS
20 O FREVO, ORIGENS E 54 O FREVO E SUAS
IDENTIFICAÇÕES APROPRIAÇÕES anexos
21 As origens 55 Ressignificação: mudar para 78 Anexo 1 - Parecer do Relator
24 Territórios e lugares do frevo permanecer 88 Anexo 2 - Certidão de
Registro do Frevo
Apresentação
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B LOCO “ PÃO DU R O” NO CARNAVAL DE 1955.


FOTO: ARQU I VO DO MUSE U DA CIDAD E DO RE C IFE .

B AI XO
PA S SI STA 1 4 DA SÉRI E IC ONOGRÁFICA “PAS SISTAS”.
D ESEN HO: LA DJ AN E BAND E IRA, 1951- 1963.

A Coleção Dossiê dos Bens Culturais


Registrados destina-se a tornar
amplamente conhecidos e
patrimônio pela sociedade
brasileira e favorece condições de
sua permanência. São apresentados
A salvaguarda dessa manifestação
cultural fortalece a fruição, a difusão
e a dinamização de seus valores,
valorizados como Patrimônio nos Dossiês elementos que definem formas e conteúdos. No plano
Cultural do Brasil os bens de a identidade dos detentores dos local e nacional, contribui para a
natureza imaterial Registrados bens culturais e dos grupos sociais afirmação de identidades locais,
pelo Iphan. envolvidos em sua realização, evidenciando a presença social de
O Registro foi instituído a seu universo de ocorrência, e as atores antes subestimados. ¢
partir do Decreto nº 3.551/2000, práticas e saberes a eles inerentes. Jurema Machado
que também criou o Programa O 14º volume desta coleção Presidenta do Iphan
Nacional do Patrimônio Imaterial. apresenta o Registro do Frevo,
Ele é realizado pela inscrição dos inscrito no Livro das Formas de
bens em algum dos quatro Livros Expressão. O bem é considerado
do Registro: das Celebrações, em todas as suas dimensões
dos Lugares, das Formas de – música, dança e poesia –, e
Expressão e dos Saberes. Os Dossiês nas modalidades em que ele se
publicados têm por base os estudos subdivide – frevo de rua, frevo de
que fundamentaram o Registro bloco e frevo-canção, adquirindo
do Bem Cultural e refletem as uma configuração única
etapas de pesquisa, análise e A apropriação popular do
reconhecimento desse patrimônio. frevo ressignifica a experiência de
A divulgação dos processos resistência de grupos populares
de Registro e dos resultados do nos vários momentos de sua
trabalho institucional contribui história e traduz o desejo por
para o reconhecimento desse liberdade do povo e da cidade.
Introdução
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MÚSI COS NA P R ACI N H A, E SC OL A D E SAM BA NO


C ARNAVA L DE 1 957.
FOTO: SEV ER I NO F R AGOSO - ARQUIVO DO M USE U
DA CI DA DE DO R ECI F E.

D I REI TA
C ARNAVA LESCOS NA S RUAS.
I LUSTR AÇÃO: W I LTON DE SOUZA, 1979.

Olha o frevo!

O frevo ocupa lugar de destaque entre


as manifestações que fazem parte
das celebrações do Carnaval; é uma
negros do bairro portuário do
Recife juntavam-se durante os
festejos de Ternos de Reis.
da escravatura, as classes populares
ampliam sua participação na
promoção dos festejos de Carnaval e
expressão cultural musical, coreográfica A palavra frevo – corruptela passam a ocupar os espaços públicos.
e poética de caráter coletivo, embora do verbo ferver –, a princípio, O direcionamento político,
não deixe de se expressar também em relacionava-se mais ao contexto a constituição da classe trabalhadora,
criações individuais. sociocultural e político vivido nas a organização do movimento operário
Remontam ao século XVIII os ruas do Recife no final do século e a expectativa de modernização
primeiros indícios do que viria XIX. Nessa época, a cidade revelava a são traduzidos no frevo, força
ser um clube de frevo quando, agitação e a rebeldia insufladas pelos proveniente da massa popular
em cortejos, ao som de marchas e ideais nacionalistas, republicanos urbana que revela a atmosfera de
músicas improvisadas, trabalhadores e abolicionistas. Com a abolição ebulição do Recife em sua expansão.
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Nessa época de expansão da Desfiles de corsos, clubes e blocos e continua sendo o espaço
cidade do Recife, nesse novo de frevo passam a explicar os emblemático dessa manifestação.
espaço público urbanizado, o frevo bairros, ruas e praças da cidade. Frevo-música, frevo-dança...
encontra seu lugar e se desenvolve Primeiro gênero musical criado Uma sugerindo a outra, no caso
como manifestação identificada no Brasil, especialmente para da música, gerada pela inspiração
com os anseios populares em um o Carnaval, o frevo surge como de compositores de música ligeira,
ambiente de trocas, negociações e uma música urbana. distingue-se o fato de ser promotora
tensões entre o poder público e a A partir dos anos 30, a evolução de uma heterogeneidade rítmica,
população, compreendido como do mercado fonográfico e a difusão harmônica e melódica, derivada da
um espaço produtivo das táticas de radiofônica ampliam a visibilidade mescla de gêneros diversos – marcha,
sobrevivência dos grupos pobres do ritmo em todo o país. Ainda dobrado, maxixe, quadrilha, polca.
no contexto da escravidão urbana. assim, o Carnaval continuou Quanto à dança, caracterizada
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PA S SI STA S NA P R AÇA DA IND E PE ND Ê NCIA NO


C ARNAVA L, R ECI F E.
FOTO: ARQU I VO DO MUSE U DA CIDAD E DO RE C IFE .

D I REI TA
PA S SI STA S 4 E 5 DA SÉRIE ICONOGRÁFIC A
“PAS SI STAS” .
D ESEN HO: LA DJ AN E BAND E IRA, 1951- 1963.

como passo, bailado solista que saudade e seu amor ao Recife. bloco, frevos-canção, intérpretes
assimilou e assimila movimentos A poesia se caracteriza pelo lirismo e compositores de ontem e hoje,
das mais variadas procedências, do tema saudade, a qual é revestida agremiações carnavalescas, clubes
destaca-se a ginga, o vigor e o por um sentimento de perda. de frevo, troças, clubes de bonecos,
improviso, provavelmente um Esse sentimento nostálgico não se clubes de máscaras, clubes de alegorias
legado da presença dos capoeiras no resume apenas aos antigos carnavais, e críticas, blocos anárquicos e blocos
Carnaval de rua, negros que vinham cujas músicas, fantasias, danças e líricos conformam o universo desta
à frente dos desfiles, considerados agremiações se perderam ao longo manifestação cultural ao longo de uma
vadios, desordeiros e temidos por do tempo, como fruto da dinâmica trajetória histórica de reapropriações
todos, proporcionando além do histórico-cultural, mas também à simbólicas que a ressignificaram como
entusiasmo, exatos desafios de luta. dor do autoexílio, à crítica social e ao expressão de luta e resistência popular
protesto político. Esses temas estão e cultural e símbolo identitário do
O frevo evoca imagens de dissenso. presentes nas letras de compositores povo pernambucano e brasileiro.
O frevo ao que tudo indica não é harmônico. de ontem e de hoje, em um discurso Como na sua invenção,
Rápido nos passos, veloz nos arranjos, poético, repleto de imagens que dão o frevo segue mutante e repleto de
quando executado durante as festas vida a um universo telúrico, influências. Na música que ousa;
carnavalescas, o seu sentido denotativo no qual o passado resiste e é evocado na poesia que exalta o passado e ao
se perde e entra em cena o seu sentido a todo o momento em um diálogo mesmo tempo retrata o cotidiano;
conotativo: espaço onde tudo é possível.1 constante com o presente, em que, na dança emblemática pelo improviso
apesar das exigências mercadológicas, e alicerce para outros estilos, tudo
Na poesia cantada do frevo, no a poesia se mantém viva na memória subverte e ao mesmo tempo estabelece
meio da rua, os passistas e brincantes e no cotidiano das pessoas. novas formas de participação, fazendo
do carnaval pernambucano evocam Passos do frevo, grupos de dança, emergir o entusiasmo e a alegria dos
imagens de outros carnavais, de orquestras de frevo de rua e seus brincantes durante as festividades do
um tempo que já passou e declaram maestros, orquestras de frevo de carnaval de rua pernambucano. ¢
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O TRABALHO E SUA CONTEXTUALIZAÇÃO


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MÁ SCA RAS, CA RNAVA L D E 1957.


FOTO: SEV ER I NO F R AGOSO - ARQUIVO DO M USE U
DA CI DA DE DO R ECI F E.

D I REI TA
G R AVAÇÃO DO DEP OI M E NTO DO M AE STRO SPOC K,
R E CI F E.
FOTO: CA ROL ARAÚJ O , 2006.

A grande teia

O processo de registro do frevo


se originou com solicitação
apresentada, em fevereiro de 2006,
conjunto de ações comemorativas do
centenário do frevo, comemorado em
9 de fevereiro de 2007, dia oficial,
na 52ª reunião do Conselho Consultivo
do Patrimônio Cultural e, em 28 de
fevereiro de 2007, obteve o registro
ao ministro da Cultura Gilberto Gil, instituído pelo decreto municipal no Livro das Formas de Expressão,
pela Prefeitura do Recife. Após análise nº 15.628/1992. volume primeiro, folha seis, em
dos órgãos e instâncias competentes, Inscrito sob o processo conformidade com o decreto nº 3.551,
teve início o levantamento destinado administrativo de de 4 de agosto de 2000, regulamentado
à argumentação e fundamentação da nº 01450.002625/2006-96, o frevo pela resolução n° 001/2006.
candidatura do frevo a Patrimônio alcançou, depois de um trabalho Todo o trabalho de pesquisa e
Cultural do Brasil. A proposta, intensivo de pesquisa e mobilização, mobilização para o reconhecimento
encaminhada pela Secretaria de a aprovação do Instituto do Patrimônio do frevo como Patrimônio Cultural do
Cultura do Recife, fez parte do Histórico e Artístico Nacional, Brasil se fundamentou na utilização
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E NT REVI STA COM O MAE STRO NUNE S.


FOTO: CAROL ARAÚJ O, 2006.

do Inventário Nacional de Referências fundante da manifestação, seus das agremiações carnavalescas, na


Culturais (INRC), metodologia significados, motivos, signos, suportes, qual a conduta dos grupos reflete a
disponibilizada pelo Iphan, na crenças, aspirações e transformações experiência cotidiana com o lugar,
certeza de contemplar as relações e os pelos sujeitos que o fazem. Desse não apenas físico, mas o lugar social,
valores que evidenciam e legitimam modo, além do confronto com outras onde os indivíduos compartilham
os processos sociais de preservação, fontes, utilizou-se da oralidade, com um repertório de práticas.
produção e reprodução do patrimônio entrevistas roteirizadas, na tarefa de O inventário buscou entender
cultural, da memória social, recompor a história e a memória, como os “brincantes” reconhecem
reconhecimento das identidades e sobretudo nas sedes das agremiações, e escrevem suas histórias e como
respeito à diversidade dos grupos onde é mais difícil encontrar fontes as compreendem, além de refletir
e categorias sociais trabalhadas. escritas. Diálogos intensos foram sobre as “artes de fazer”, procurando
A iniciativa criou as condições realizados com a comunidade produtora acompanhá-los no processo de
formais, além de legais e (agremiações, grupos de danças, trabalho, que extrapola o período
administrativas, para o início de um passistas, compositores, intérpretes), momesco, protagonizado por uma
complexo processo de trabalho. estudiosos, especialistas e população em diversidade de atores a partir de
A pesquisa2 apresentou evidente geral. As lembranças, os esquecimentos, encontros “produtivos” (ensaios,
caráter etnográfico. Inicialmente as omissões e as visões particularizadas sessões de costuras, bordados,
procedemos à identificação e à possibilitaram uma releitura dos colagens, preparação do tema, festas,
delimitação das categorias, ambientes, dos hábitos e das múltiplas etc.). Contemplou a investigação e a
a exemplo dos saberes e celebrações, histórias ocorridas no universo do frevo. descrição da trajetória, das adaptações
relacionadas ao frevo, assim como a As narrativas revelaram aspectos e transformações promovidas
própria seleção dos sujeitos diante diversos possibilitando a diversificação pelo tempo e por interferências
da pluralidade do universo tratado. de olhares e interpretações socioculturais. Igualmente, abarcou
A análise qualitativa com abordagem acerca dos usos e sentidos sociais, bens e práticas, o contexto ambiental
dialética buscou atingir o universo contextualizados a partir da realidade e as redes de relações sociais
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DA ESQU ERDA PA RA A D IRE ITA


MA ESTR O A DEMI R A RAÚJO (FORM IGA).
FOTO: CA ROL ARAÚJ O , 2006.

R E UN I ÃO DE EQU I P E.
FOTO: ACERVO TÉCN ICO DAF/IPHAN, 2006.

Foram realizadas visitas, nas referências culturais consideradas Que coisa curiosa! Os ingredientes
levantamento fotográfico e e valorizadas por toda a população. do passo estavam presentes em todo o
cartográfico, além de pesquisa Processo que possibilitou, a partir Brasil, ou seja, o capoeira e a banda
em fontes escritas e bibliografia da memória social dos sujeitos marcial. O Rio de Janeiro tinha isso,
específica sobre o frevo entrevistados, a ampliação da leitura a Bahia tinha isso, mas a química
pernambucano. Informações histórica da configuração urbana da só se deu aqui. Curioso isso!
em sincronia foram adotadas cidade do Recife e das Antônio Carlos Nóbrega
como estratégia para execução de relações de classe e étnicas que se
todos os passos, e a divulgação travavam nesse lugar, assim como, Por fim, a apropriação popular
da pesquisa, o primeiro a compreensão do caráter de do frevo como símbolo identitário
encaminhamento proposto. resistência de classe e de raça existentes – associado à pernambucanidade e à
O resultado, além do próprio no período inicial de conformação brasilidade de um povo “lutador”
registro, foi a produção de dessa manifestação cultural. que no presente ressignifica
uma investigação, descrição e Emergiu dessa aproximação o a experiência de resistência
documentação que permitiram reconhecimento do frevo, em todas de grupos populares ocorrida
identificar e registrar a história, as suas dimensões – música, dança e durante o período de ebulição
a trajetória e as transformações poesia – e nas modalidades em que social de fins do século XIX e
dessa forma de expressão. Durante ele se subdivide – frevo de rua, início do século XX, em que o
a pesquisa foram identificados os frevo de bloco e frevo-canção, calor das massas populares e o
sentidos e os valores, as representações como éthos da inventividade rebuliço das multidões nas ruas,
ligadas ao frevo que configuram popular em Pernambuco, onde durante o Carnaval, traduziam,
uma identidade para a população elementos da capoeira e dos quase que inconscientemente,
pernambucana, presentes nas carnavais de rua de meados e o desejo por liberdade do povo
edificações, nos fazeres, nos hábitos, fins do século XIX adquiriram e da cidade. A cidade fervia ou,
nos saberes, nos costumes, enfim, uma configuração única: como dizia o povo, frevia. ¢
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O FREVO,
ORIGENS E IDENTIFICAÇÕES
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PASSISTA NA PRACINHA, CARNAVAL DE 1955.


FOTO: ROMILDO CARVALHO - ARQUIVO DO MUSEU
DA CIDADE DO RECIFE.

DIREITA
CAPOEIRAS “BRABOS DO RECIFE”.
ILUSTRAÇÃO: NESTOR SIVA. REPRODUÇÃO DIGITAL
DO LIVRO “FREVO, CAPOEIRA E PASSO” DE
VALDEMAR DE OLIVEIRA, 1971.

No caso do frevo, associado situações de agressão em que o


ao modelo da festa do carnaval limão de cheiro é substituído por
brasileiro, é possível dizer que, urina, frutas podres, lama e outros
além de outros signos, ele retrata dejetos. Nessa disputa se explicita
os conflitos e consequentes embates e distingue os universos onde
vivenciados da segunda metade ocorrem os festejos. No Recife não
As origens do século XIX, o que facilita a é diferente, inserido e seguindo
compreensão dos muitos sentidos, esse percurso, a cidade catalisa os
apropriados a esse contexto. embates e esboça o frevo que desde o
Nessa conjuntura, é necessário seu nascedouro, prenuncia o caráter
apresentar o entrudo3, costume plural e ao mesmo tempo singular
português trazido para o Brasil diante do seu lugar histórico-social.
como diversão, que incide nas Inicialmente menos
A FESTA PARA DIVERTIR origens dos festejos carnavalescos. frenético, tanto musical quanto
E A LUTA PARA RESISTIR Um jogo ocasionado pelo coreograficamente, o frevo toma
arremesso de limão de cheiro corpo a partir de gêneros musicais,

N o dizer de muitos estudiosos,


música e dança estão presentes
na vida do povo brasileiro desde a sua
entre grupos de pessoas ou
individualmente, acrescido pela
troca de gracejos, galhofas e ainda
executados pelas bandas marciais
e fanfarras, e da presença dos
capoeiras, grupos de homens,
constituição social, maneira, inclusive, motivação para comes e bebes. negros ou mestiços, que, à frente
de amenizar as tensões geradas pela Segundo crônicas do início do das bandas, se enfrentam na
diversidade de atores envolvidos em século XIX, essa festividade foi defesa de interesses diversos,
sua formação e como facilitador no enraizada na vida da Colônia. inclusive, de partidos políticos.
transplante de um modelo social O divertimento toma um rumo A destreza da luta e os novos
europeu para terras tropicais. diverso e termina por provocar saltos inventados pelos capoeiras,
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BLOCO DE M A S C A RA DO S “ O L H A O FRE VO ” .
ILUSTR AÇ ÃO : JO RNA L PE QU E NO , 1 9 0 9 .

ao som das músicas, interferem abastada realizava grandes choros e até árias. Aos poucos,
diretamente na criação do passo, bailes, denominados Mascaradas, entretanto, foram incluindo os
tipo de dança exibida pelo frevo de a princípio em salões e teatros, frevos, com melodias e canções
rua. A repressão policial sobre o depois em desfiles pelas ruas, a que ficavam entre lirismo, saudade
capoeira fez com que seus golpes exemplo dos clubes de Alegorias e reverências a personalidades
fossem disfarçados possibilitando e Críticas e do Corso. representativas da manifestação.
uma coreografia que passou a ter Criado praticamente entre Já os clubes pedestres,
denominações próprias. Dobradiça, o proletariado, o frevo só chega vigas mestras das agremiações
parafuso, tesoura, tramela, alicate... à classe média em meados de carnavalescas, no início eram
Designações conectadas ao universo 1920, com o surgimento do bloco prioritariamente masculinos.
do trabalho que batizam muitos dos Carnavalesco Misto, agremiação A participação feminina se
passos da dança e da mesma forma com uma estrutura assemelhada a incorpora aos poucos, com a
nomeiam os primeiros agrupamentos dos ranchos natalinos e inventada presença de agremiações designadas
de frevo, a exemplo dos clubes a partir da reunião de famílias a partir dos seus ofícios como:
pedestres, hoje, clubes de frevo. da pequena burguesia, com a Quitandeiras, Engomadeiras, Verdureiras,
Tais grupos derivavam geralmente participação mais expressiva das ou por mulheres que não gozavam
do cais do porto, da estiva; eram mulheres, inclusive no coral. de boa reputação e residiam
negros forros, prestadores de As orquestras, diferentemente nas áreas centrais do Recife,
serviço dos bairros de São José dos clubes pedestres, eram a exemplo das Ciganas revoltosas,
e Santo Antônio4, marinheiros, compostas por instrumentos composta por frequentadoras da
prostitutas, gente de pé no chão, com de cordas, sopro e percussão, rua do Fogo, rua da Guia, beco do
objetivos de desanuviar do trabalho, conhecidos como pau e cordas. No Veado e rua das Águas Verdes6.
divertir-se ou mesmo provocar. início, os blocos carnavalescos Outros formatos de
Em contraposição aos mistos5 não tocavam marchas agrupamentos como as troças
aspectos citados, a classe mais no seu repertório, mas tangos, e os clubes de bonecos,
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E SQUE RDA
CARNAVA L DE 1 9 81 .
FOTO : S O C RAT E S A RA NT E S - A RQU IVO DO M U S E U
DA CIDA DE DO RE C IFE .

BAIXO
E STANDA RT E DO BLO C O C A RNAVA L E S C O
“CACH O RRO DO H O M E M DO M IÚ DO ” .
FOTO : S E V E RINO FRAGO S O , 1 9 57.

também compõem o sistema de


manifestações do frevo.
As troças vêm de vários bairros e
de áreas periféricas da cidade; na
maioria das vezes são nomeadas
a partir da localidade de origem,
podem ser organizadas como os
clubes de frevo, a exemplo das
mais antigas e tradicionais, ou
simplesmente improvisadas e sem
grandes elaborações na forma
de se apresentar. Já os clubes de
bonecos são referendados pelo
próprio boneco e nomeados,
em sua maioria, homenageando
carnavalescos, personagens ou
pessoas ligadas à sua fundação.
Eis o frevo na sua fórmula
inconclusa. Imprevisível e
transgressor, erudito e popular,
circundado pela tradição e
contemporaneidade, enfim,
inegavelmente constitutivo da
dinâmica adequada a um bem
patrimonial intangível.
dossiê iphan 14 { Frevo } 24

T RO Ç A C A RNAVA L E S C A M ISTA NO CA R NAVA L D O


RE C IFE , DÉ C A DA DE 1 9 40 .
FOTO : A RQU IVO DO M U S E U DA CI DA D E D O R ECI F E.

Territórios
e lugares
do frevo

SE ESSA RUA FOSSE MINHA...

C ompreender o frevo é,
de certa forma, reconstituir
parte da história das camadas
populares e da própria formação
da cidade do Recife, de fins do
século XIX e início do século XX.
Manifestação que se criou no
meio do povo e afirma-se, depois,
como traço marcante de sua
fisionomia urbana.
dossiê iphan 14 { Frevo } 25

O RQU ESTRA DE F REVO NO CARNAVAL DE 1981.


FOTO: SOCR ATES A RANTE S - ARQUIVO D O M USE U
DA CI DA DE DO R ECI F E.

e fiscalizando o seu uso. Esse No bairro de São José, por


aspecto possibilita, inclusive, exemplo, são comuns as lembranças
compreender a dimensão da e as evocações dos carnavais de
trajetória do frevo na elaboração outrora, dos desfiles dos corsos,
da identidade territorial e, dos clubes e blocos de frevo,
principalmente, na reorganização ocupando todos os logradouros.
do espaço urbano, tendo no bairro Rua da Concórdia, pátio do Terço,
de São José seu palco maior. rua Direita, rua da Horta, pátio
Os bairros centrais do Recife, de São Pedro, enfim, um tempo
artérias primeiras da evolução em que todo o bairro se vestia
do frevo, mesmo tendo passado de carnaval. Além dos blocos
por processos de degradação e Batutas de São José, Donzelos,
mudanças que promoveram o Traquinas de São José, Prato
Desde meados do século XIX, deslocamento das populações Misterioso, Pão Duro, entre
intensificando-se a partir de 1870, que ali residiam, além de outros, o bairro foi sede também
as manifestações carnavalescas permanecerem como referências de importantes clubes carnavalescos
passaram a ter curso preferencial, essenciais, continuam sendo o como o Clube das Pás Douradas,
mas não exclusivamente nos palco principal do Carnaval e o Clube dos Vasculhadores, o
espaços públicos e ao ar livre da do frevo. Os pátios, as ruas e Clube Vassourinhas, apelidado
cidade. Mais que simples palcos as praças abrigam os ensaios, carinhosamente de Camelo de
da folia, os espaços urbanos desfiles e mesmo moradia São José, e o bloco de Samba
foram importantes protagonistas de muitos dos carnavalescos Saberé, além da Escola de Samba
de um processo no qual o poder envolvidos com as agremiações Estudantes de São José, que,
público aparece como mediador, de frevo, assim como outras como o nome diz, foi criada
controlando, regulamentando categorias do carnaval do Recife. pelos estudantes da vizinhança.
dossiê iphan 14 { Frevo } 26
dossiê iphan 14 { Frevo } 27

PÁG I NA AO LADO, DA E SQUE RDA PARA A D IRE ITA, E STANDA RT E , C A RNAVA L DE 1 9 58.
D E CI MA PARA B AI XO. M OSAIC O C OM FOTOS DO FOTO : AU TO RIA DE S C O NH E C IDA , 1 9 58.
MUSEU DA CI DA DE DO RE CIFE PAS SISTA NO C A RNAVA L DE 1 9 58.
O RNA MENTAÇÃO DE RUA NO C ARNAVAL . FOTO : M Á RIO DE C A RVA L H O , 1 9 58.
FOTO: SEV ER I NO F R AGOSO, 1957. FANTA S IA NO C A RNAVA L DE RUA .
FO LI ÕES NO PA S SO. FOTO : S E V E RINO FRAGO S O , 1 9 57.
FOTO: ALEXAN DRE B ERZ IN, 1948. PAS SO C O L E T IVO FRE VO DE RUA NO RE C IFE , 1 9 48.
B LOCO E ESTAN DA RTE D O C LUBE CARNAVAL E SCO FOTO : AU TO RIA DE S C O NH E C IDA , 1 9 48.
MI STO “ LAVA DEI R AS DE ARE IAS”.
FOTO: ARQU I VO MU SEU CIDAD E DO RE C IFE , D IRE ITA
1 9 50 -1960 . PAS SISTA S 9 E 1 0 DA S É RIE IC O NO GRÁ FIC A
PA S SI STA NO CARNAVAL . “PAS S ISTA S ” .
FOTO: MÁ RI O DE CARVAL HO, 1958. D E SE NH O : L A DJA NE BA NDE IRA , 1 9 51 - 1 9 6 3 .
PA S SI STA S NO CARNAVAL .
FOTO: MÁ RI O DE CARVAL HO, 1958.

Os ensaios dessas agremiações, físico, aos poucos, deixando com o meio urbano recifense,
antes do Carnaval, levavam emergir a onda em busca do seu implicando a compreensão da
multidões às ruas. Era o espaço e lugar, no significado sua representação, percepção
carnaval do povo mais humilde, das ruas recifenses. e vivência, não só no que
das famílias, das agremiações As ruas, as praças e os bairros concerne ao espaço de ação, mas,
tradicionais que no passado das cidades do Recife e de Olinda sobretudo, no que diz respeito
desfilavam para o julgamento serviram aos intensos percursos ao espaço desconhecido.
dos bares, barracas e população. do frevo. Seguindo pelas ruas Nesse território, ao mesmo
A princípio, grandes bailes estreitas ou pelas ladeiras tempo lugar da memória, ocorre
realizados em salões e teatros, históricas, as pessoas e os grupos o desenrolar da vida cotidiana,
denominados Mascaradas, depois, se avolumavam. Além das práticas a partir das divergências e das
nas ruas com os clubes de de trabalho propriamente transgressões, das relações e
Alegorias e Críticas, o desfile ditas, os logradouros eram práticas socioculturais, dos
do Corso, assim, as classes mais também o espaço da vadiagem, múltiplos usos e sentidos
abastadas do Recife celebravam da mendicância, das brigas, de atribuídos aos espaços citadinos.
seu carnaval. Sem a presença prisões e de lazer. Um espaço Nele, ocorrem os jogos e as
do povaréu que se esgueirava, urbano pleno de vida e de relações entre a centralidade e a
aos poucos, reunindo-se para história, carregado de memória, marginalidade das práticas e da
brincar, desanuviar do trabalho símbolos e significados para criação cultural, possibilitando
ou mesmo para provocar. aqueles que o frequentavam. aos brincantes e aos grupos
Não sem choques, proibições Ao analisar o frevo, é de frevo deslocarem-se,
e casos de polícia, ocorre fundamental, desse modo, situarem-se e interagirem
a ocupação do território considerar sua relação imbricada no espaço urbano. ¢
O FREVO, SEUS ELEMENTOS E CARACTERÍSTICAS
dossiê iphan 14 { Frevo } 29

PA S SI STA NA P R ACI N H A.
FOTO: ROB ERTO CAVAL CANTI - ARQUIVO M USE U
DA CI DA DE DO R ECI F E, 1955.

D I REI TA
“F R EVO” .
D ESEN HO: W I LTON DE SOUZA, 1979.

As cidades do Recife e de Olinda individuais ou coletivos e acontecem


se manifestam heterogeneamente e juntamente com a preparação e a
têm na rua o cenário ideal para as purificação das fantasias e adereços.
múltiplas formas de representações Para muitos, não participar
individuais e coletivas. desses rituais ou não respeitar
No ambiente da festa, o sagrado certos preceitos pode acarretar
Carnaval e o profano circulam contíguos, prejuízos à agremiação.
revelando crenças e universos Em virtude do preconceito com
simbólicos relacionados às religiões de matriz africana ou
agremiações. Parcela significativa dos afro-ameríndia alguns membros de
grupos tem fundamentos religiosos. agremiações, quando questionados,
O candomblé, a jurema, a umbanda negam ou se dizem católicos, o que
e o catolicismo estão presentes não impede afirmar que vários têm
ENTRE O RITO nas relações dos integrantes com um santo católico como padroeiro7.
E A TRANSGRESSÃO os agrupamentos carnavalescos. Assim, entre o rito e a folia,
Os rituais de proteção realizados os indivíduos e grupos ocupam

É a celebração do Carnaval o
lugar primeiro do frevo. Festa
alegórica do povo brasileiro,
pelos membros dos clubes e troças
são um ponto evidente da ligação
com a religiosidade e às vezes se
as ruas fluentemente, com ou
sem fantasias, acompanhados por
uma orquestra ou instrumentos
híbrida e transgressora, denominam calço, proteção espiritual improvisados. Da mesma
configurada como agente direto praticada com rezas, banhos de forma, as agremiações, umas
da dinâmica cultural em que o ervas, cânticos e defumadores, comprometidas apenas com a festa,
frevo, em todas as suas expressões com a finalidade de propiciar paz e outras, conectadas à programação
é vivenciado, acrescido e sucesso na trajetória da folia. oficial, preestabelecida e
incorporado a universos distintos. Os cuidados espirituais podem ser disponibilizada para a população.
dossiê iphan 14 { Frevo } 30

As agremiações que participam shows diversos. A programação do sociais como: o Bal Masquê, com
da programação oficial têm dias Recife, além desses polos, oferece um grandioso desfile e concurso de
e horários definidos. No Recife, os descentralizados, localizados fantasias, no Clube Internacional;
acontece o concurso das onze em vários bairros da cidade. o Baile dos Artistas, atualmente no
modalidades de agremiações Além da extensa e vigorosa Clube Português, e os bailes das
carnavalescas, dentre essas, os programação de rua, os clubes sociais sedes sociais dos times de futebol.
clubes, troças, clubes de bonecos e oferecem bailes carnavalescos que Ainda mencionam-se os concursos
blocos são representativas do frevo. acontecem pela manhã, à tarde e oficiais em vários espaços públicos
Nos dois sítios trabalhados (Recife à noite. É tradicional a abertura que incluem crianças, adolescentes,
e Olinda) existem polos centrais oficial do carnaval de clube ocorrer jovens e adultos nas várias categorias:
onde a programação oficial organiza com o Baile Municipal. Outros passistas de frevo, porta-estandartes,
e instala os palcos para eventos e são realizados em vários clubes rei momo e rainha do Carnaval.
dossiê iphan 14 { Frevo } 31

“GALO DA MADRUG ADA”, CARNAVAL DO RE C IFE .


FOTO: ARQU I VO DA P RE FE ITURA DO RE C IFE , 2006.

D I REI TA , DE CI MA PA RA BAIXO
C O NCU R SO DE PA S SO NO PÁTIO D E SÃO PE D RO.
FOTO: P REF EI TURA DO RE C IFE , 2003.

B AN DA “ P I TOMB EI RAS DOS QUATRO C ANTOS”


NO A RRASTÃO DO F R E VO.
FOTO: CLÉLI O TOMA Z /E XCLUSIVA! BR - ARQUIVO
F L I CK R DO PAÇO DO FRE VO, 2015.

PA S SI STA S DA AG R EMIAÇ ÃO “AC ORDA PARA TOM AR


G AG AU” , RECI F E.
FOTO: CA ROL ARAÚJ O , 2006.

O frevo em suas várias


traduções contextualiza esse
cenário de euforia, luxo, sátira,
e por vezes nostalgia e saudade.
O Carnaval envolve, arrebata
e gera imensa expectativa nos que
fazem as agremiações, em toda a
coletividade envolvida e, ainda,
nos músicos, passistas, intérpretes,
compositores, artesãos...
Na verdade, para essa parcela da
população ele é vivenciado durante
o ano inteiro, e o seu período de
ocorrência apenas a culminância
do trabalho e do esforço,
recompensado pela passarela
da rua, momento mágico, mas
também carregado de desejos como,
valorização, geração de renda,
visibilidade. Assim, o Carnaval se
apresenta como espaço emblemático
por ser percebido como tempo
de atuar, reivindicar e preservar
as práticas artísticas vinculadas ao
frevo como forma de expressão.
dossiê iphan 14 { Frevo } 32

C L AU DIO NO R GE RM A NO E M A P R ES ENTAÇÃO NO
C A RNAVA L DO RE C IFE .
FOTO : A RQU IVO DA PRE FE IT UR A D O R ECI F E, 2 0 0 7 .

Música

É DE FAZER CHORAR o primeiro é próprio dos clubes de com a situação do encontro de duas
frevo e das troças, enquanto o segundo agremiações durante o Carnaval,

F oi a partir da década de 1930,


com a popularização do ritmo
pelas gravações em disco e pela
é adequado dos blocos carnavalescos
mistos. Já o frevo-canção não se liga
particularmente a um tipo de grupo
quando as respectivas orquestras
se põem a tocar ao mesmo tempo,
uma tentando abafar a outra.
difusão radiofônica, que se consagrou carnavalesco, embora também seja No que se refere às classificações
a subdivisão hoje estabelecida do cantado no Carnaval. musicais, é preciso registrar que
frevo em frevo de rua, frevo-canção O frevo de rua, por sua vez, há polêmicas sobre a correta
e frevo de bloco. O frevo de rua é o costuma ser dividido, por uma designação do frevo de bloco.
puramente instrumental, tocado e convenção de origem incerta, mas Alguns compositores e estudiosos
dançado nas ruas carnavalescas do que goza de ampla aceitação entre importantes não o vêm como frevo
Recife e de Olinda. O frevo-canção arranjadores e estudiosos, em: e sim como marcha de bloco. Entre os
é uma derivação do frevo de rua com frevo-coqueiro, frevo-ventania e compositores dessa opinião cita-se
adaptação de letra, mínimas diferenças frevo de abafo. O primeiro tipo Edgard Moraes (1904-1973), e entre
musicais e não tão pequenas diferenças se caracterizaria pela presença de os atuais, Marcelo Varella e Maurício
de contexto social. Já o frevo de bloco grupos de notas agudas, sobretudo Cavalcanti. Por outro lado, é de uso
apresenta diferenças musicais bem dos trompetes. (O nome se relaciona geral a designação marcha-regresso
mais significativas, representando com o desenho, na pauta musical, (e não frevo-regresso) para as músicas
o aspecto dito lírico do carnaval de cachos de notas acima do que são cantadas pelos blocos quando,
pernambucano, com instrumentos, pentagrama, com a haste para ao final do cortejo, voltam à sede.
melodias e danças mais suaves, baixo, lembrando um coqueiro). No entanto, a designação frevo de
e um maior destaque à participação O frevo-ventania se caracterizaria bloco é hoje predominantemente
feminina. O frevo de rua e o frevo por sequências ininterruptas de aceita, e a marcha-regresso é vista antes
de bloco estão associados a diferentes semicolcheias tocadas pelos saxofones. como um tipo de frevo de bloco do
tipos de agremiações: Já o frevo de abafo se relacionaria que como uma designação alternativa.
dossiê iphan 14 { Frevo } 33

D E CI MA PARA B AI XO
O RQU ESTRÃO DE F REVO, CARNAVAL D E OL INDA.
FOTO: PA S SARI N HO, ARQUIVO PRE FE ITURA D E
O LI N DA, 20 0 6.

MERSTRE B OZÓ NA ORQUE STRA DE FRE VO


D O “ B LOCO DA SAUDADE ”.
FOTO: MA RCELO MESE L , ARQUIVO PRE FE ITURA
D O RECI F E, 20 0 3.

I N STRU MENTOS DE SOPRO DA ORQUE STRA D O


“B LOCO DA SAU DA DE”.
FOTO: ARQU I VO P R EFE ITURA DO RE C IFE , 2006.

INSTRUMENTAÇÃO

D o ponto de vista musical,


vimos que o frevo de rua é o
“irmão mais velho da família”:
quando se fala em frevo, sem
nenhum qualificativo, regra
geral é no frevo de rua que se
pensa. A instrumentação do
frevo de rua é, pois,
a instrumentação emblemática
do gênero. É a orquestra
de sopro e percussão, com
predomínio de instrumentos de
bocal (trompetes, trombones,
tuba) e participação do naipe
dito “das madeiras” (embora
alguns desses instrumentos sejam
hoje feitos de metal): saxofones,
clarinetes, requinta, flauta e
flautim; a percussão composta de
surdo, caixa e pandeiro.
Essa seria a formação mais
clássica, diretamente inspirada
das bandas marciais.
dossiê iphan 14 { Frevo } 34

Na prática mais recente, desapareceu das orquestras de frevo. E a falta de clarinetes,


porém, os instrumentos de sopro frevo porque, tendo menos requinta e tuba serão aqui muito
têm-se resumido a saxofones, volume sonoro que saxofones e menos sentidas. Isso não implica
trompetes e trombones, e se têm trompetes, foi substituído pelos dizer que frevos-canção não
adicionado alguns eletrônicos, primeiros, quando por questões sejam cantados a céu aberto pela
como teclados, guitarra e baixo econômicas as orquestras se multidão no Carnaval.
elétrico (este último bastante tornaram menores. Quanto à Um frevo-canção, por exemplo,
comum como substituto da tuba). requinta e à tuba, tornaram-se frequentemente ouvido em tal
Note-se, no entanto que essa seria raras, sobretudo porque não situação, é o Hino da Pitombeira
uma formação típica de estúdios há muitas oportunidades de de Olinda (“Olinda! Quero cantar
de gravação e de performances trabalho para seus executantes a ti, esta canção”, etc.).
de palco (incluindo palco fora do Carnaval ou das Mas podemos lembrar também
“móvel”, como seriam a chamada orquestras sinfônicas. dos muitos frevos compostos
frevioca ou o trio elétrico). Nas A instrumentação do e executados fora de qualquer
performances de rua, com os frevo-canção é basicamente a contexto carnavalesco, como
músicos no chão, fundamentais mesma do frevo de rua. os de Edu Lobo, Geraldo
para a caracterização do Mas o contexto mais típico é Vandré, Egberto Gismonti
gênero, os instrumentos o desempenho de palco ou o e até os de Caetano Veloso e
elétricos não têm lugar. estúdio. Esse é, dos três tipos, Moraes Moreira, esses às vezes
Alguns instrumentos do frevo o que tem maior interface com o classificados como frevos baianos.
têm-se tornado muito escassos mundo do espetáculo profissional Trata-se sempre de frevos-canção,
devido ao seu pequeno uso e da indústria fonográfica. no sentido de serem canções
fora do contexto carnavalesco Sendo assim, a presença dos populares para consumo amplo
ou por motivos econômicos. instrumentos eletrônicos é bem em rádios, discos, espetáculos,
O clarinete praticamente mais típica nessa variedade de e agora CDs, DVDs e internet.
dossiê iphan 14 { Frevo } 35

PÁG I NA AO LADO, DA E SQUE RDA PARA A D IRE ITA AO L A DO


MA ESTR O A DEMI R A RAÚJO (FORM IGA) T RO Ç A C A RNAVA L E S C A “ C E R OULA D E O LI N DA”.
E A OR QU ESTRA P OPUL AR DO RE C IFE . FOTO : A RQU IVO DA T RO Ç A CA R NAVA LES CA
FOTO: ARQU I VO P R EFE ITURA DO RE C IFE . C E ROU L A DE O L INDA , 1 9 80 -2 0 0 6 .

MA ESTR O FOR RÓ R EG E ND O A ORQUE STRA BA IXO , DA E S QU E RDA PA RA A D I R EI TA


P O PU LAR DA B OMB A DO HE M E TÉ RIO. TO C A DO R DE T U BA E M E NC O NT R O D E F LA B ELO S .
FOTO: ARQU I VO DA ORQUE STRA POPUL AR DA FOTO : RA FA E L BA NDE IRA /E XCLUS I VA !B R -
B OMB A DO HEMETÉR IO, 2006. A RQU IVO DO FL IC K R DO PAÇO D O F R EVO , 2 0 1 2 .

MA ESTR O NUN ES REG E ND O A BANDA D E FRE VO O RQU E ST RA NO L A RGO DE O LI N DA .


D O NOR DESTE. FOTO : PA S S A RINH O , A RQUI VO DA P R EF EI T UR A D E
FOTO: ARQU I VO DO MAE STRO NUNE S, 1980- 2006. O L INDA , 20 0 4.

notas que antecedem o início da


segunda parte de Sabe lá o que é isso
– em dó menor: mi bemol, fá, fá
sustenido, sol, tocadas antes de
“Deixa o frevo rolar/Eu só quero
saber/Se você vai brincar”, etc.).
A percussão se baseia, como
sempre, em surdo, caixa e
pandeiros, mas podem ser
incorporados chocalhos,
reco-recos e o que mais estiver
disponível. Os instrumentos
melódicos, aos quais podem se
Nada impede que também da dos outros dois tipos. Ela se acrescentar livremente bandolins
sejam cantados pela multidão baseia em cordas dedilhadas ou e também os outros que estiverem
no Carnaval, mas seu contexto tocadas com plectro (palheta) disponíveis, geralmente
carnavalesco mais típico não seria para o acompanhamento costumam dobrar a melodia
a rua e sim os salões dos clubes. harmônico (sobretudo violões cantada. Esse caráter mais aberto,
Do frevo de bloco, pode-se e cavaquinhos), e em sopros do ad hoc, do conjunto instrumental
dizer que também é um frevo naipe das madeiras (sobretudo de pau e corda é facilitado pela
de rua, no sentido de que seu flautas, clarinetes e saxofones) quase ausência de polifonia
contexto mais próprio também é para solar as introduções, (a não ser ocasionais passagens
a rua. Mas a sua instrumentação contracantos e passagens em terças), de divisão em naipes
típica, chamada de conjunto de “obrigadas” (exemplo típico e pelo menor virtuosismo
pau e corda, é totalmente distinta destas últimas são as quatro instrumental desse tipo de frevo.
dossiê iphan 14 { Frevo } 36

RITMO MELODIA música instrumental. Nesse


sentido, escalas com âmbito de

O ponto musical em comum dos


três tipos de frevo é o ritmo.
De fato, pode-se falar em ritmo de
M esmo que se saiba que o
famoso Hino dos Vassourinhas
tinha uma letra, é incontestável
mais de uma oitava, sequências
ininterruptas de semicolcheias
(para esses dois primeiros traços,
frevo, não importando se é frevo que o frevo se desenvolveu veja-se o final da primeira
de rua, de bloco ou frevo-canção. inicialmente como música parte de Mexe com tudo, de Levino
Esse ritmo é caracterizado por dois instrumental. O caráter Ferreira, que percorre uma
instrumentos, principalmente – melódico mais típico do frevo oitava e uma sexta em escala
o surdo e a caixa. O ritmo do surdo se encontra, pois, no frevo de descendente de semicolcheias);
é binário: num compasso 2/4, rua. No que se refere aos frevos saltos melódicos repetidos
o primeiro tempo tem uma pausa e cantados, é preciso lembrar que (veja-se o início de Duda no
no segundo, uma batida. O ritmo da eles têm sempre uma introdução frevo, de Senô), uso abundante
caixa é bem mais complexo e exige dois instrumental. As melodias dessas de cromatismo e frequentes
compassos 2/4 para se completar introduções obedecem às mesmas diálogos entre naipes, são alguns
(a rigor, o ritmo da caixa é quaternário, características gerais da melódica traços típicos. Mesmo uma
poderia ser escrito em 4/4). Um do frevo de rua. Já as partes melodia como a de Vassourinhas,
terceiro instrumento rítmico muito cantadas desses dois tipos de que originalmente era cantada
comum no frevo é o pandeiro. O frevo frevos apresentam características e que, em si, não tem nada de
de bloco pede andamentos moderados distintas, e ainda mais distintas especificamente instrumental,
(metrônomo 100-120), no caso do frevo de bloco, do que em sua versão consagrada pelas
o frevo de rua, andamentos rápidos no caso do frevo-canção. orquestras de frevo é tocada em
(metrônomo 130-150), e o O caráter melódico do forma dialogal, incorporando
frevo-canção, também rápidos, frevo de rua é determinado em a diferença timbrística entre
e até mais (metrônomo 140-160). grande parte pelo fato de ser trompetes e saxofones.
dossiê iphan 14 { Frevo } 37

B ATER I A DO B LOCO “ BOL A D E OURO”


NO A RRASTÃO DO F R E VO.
FOTO: AN DER SON STE VE NS/E XCLUSIVA! BR -
A RQU I VO F LI CK R DO PAÇ O DO FRE VO, 2015.

PAU TA S MU SI CA I S DE FRE VO.

De fato, seria inconcebível simplesmente se adicionou uma rua, por um lado, e o frevo
executar a melodia de Vassourinhas letra. Os frevos-canção ainda de bloco, por outro (com o
com a instrumentação oposta, guardam um sabor brejeiro e um frevo-canção representando
com a primeira metade exposta gosto pela síncope melódica que o caso intermediário, embora
pelos saxofones e a segunda os aproximam de seu congênere na verdade, neste ponto, mais
metade, pelos trompetes. instrumental. Afinal, se esses próximo do frevo de rua),
Para o músico, o folião ou o dois tipos se opõem no que se se relaciona com o éthos viril do
simples observador do carnaval refere à presença do canto, eles se primeiro, contraposto ao éthos
pernambucano, o timbre dos irmanam na relação com a dança. lírico do segundo, associados
instrumentos incorporou-se à O passo vale tanto para o frevo de no universo do Carnaval,
própria definição da melodia. rua como para o frevo-canção: respectivamente, aos gêneros
Pode-se interpretar nesse sentido só no caso do frevo de bloco a masculino e feminino.
a afirmação corrente entre dança muda completamente, e As melodias dos frevos de rua
músicos de frevo, segundo a qual seria de espantar se a mudança são tocadas por instrumentos
o compositor de frevo de rua de estilo coreográfico não tivesse de metal, oriundos das bandas
já é, necessariamente, desde o algum reflexo na enunciação militares, e até hoje portados,
início o seu próprio arranjador. musical (ou vice-versa). De no Carnaval, exclusivamente
As melodias dos outros dois fato, as melodias deste último por homens (as exceções
tipos de frevo são basicamente tipo não apresentam o caráter são raras).
diferentes das do primeiro, por brejeiro, provocador – chegando Já as melodias dos frevos de
serem de fato melodias vocais. a ser descrito como agressivo bloco são cantadas por corais
Ao contrário do que acontece por muitos historiadores do de mulheres (e a literatura
com certos choros cantados, carnaval pernambucano. sobre a história do frevo de
os frevos cantados não são A diferença no tipo de bloco insiste sobre o papel dos
frevos instrumentais aos quais melodia entre o frevo de primeiros blocos líricos na
dossiê iphan 14 { Frevo } 38

inclusão feminina no Carnaval),


sendo o papel musical dos
homens nos blocos líricos,
C onforme a abordagem sobre
as origens da dança do frevo,
os golpes da capoeira sugerem
exclusivamente instrumental. movimentos de ataque e defesa,
É claro que os homens também muitos passos do frevo mantêm
cantam as melodias do frevo essa característica, como chutando
de bloco: alguns músicos dos Dança de frente, pernada, abre-alas, rojão
instrumentos de corda ou e tramela, passos firmes e
percussão, foliões que seguem agressivos. No abre-alas, por
o cortejo. E há mulheres no seu exemplo, parece que o passista
grupo instrumental, em muito está se preparando para brigar,
maior medida do que no do dançando com as pernas abertas
frevo de rua. Mas ainda assim, e os braços se movimentando
no carnaval pernambucano é É DE PERDER O SAPATO! para frente como se dessem
bastante nítida a associação entre socos no ar. No entanto,
mulheres e canto no frevo de bloco. É uma dança tão coletivizada quanto diferentemente do que ocorre na
Em termos técnicos, as melodias individualizada. capoeira, no passo os dançarinos
de frevos de bloco apresentam Se a gente observa de longe uma praticamente não se tocam e
muito menos síncopes que multidão, a gente vê que tá todo quase não há movimentos com
as dos outros dois tipos; seu mundo subindo e descendo, que tá as mãos no chão. Na atualidade,
âmbito raramente ultrapassa obedecendo aquele binário. alguns coreógrafos e passistas
uma décima (décima primeira A gente vai se aproximando acrescentam aos passos do frevo
diminuta no caso de Não deixem e aí vê o que cada um tá golpes de capoeira em suas
morrer Batutas); são de caráter fazendo, dentro daquele subir apresentações, como malandro,
silábico, e o cromatismo é raro. e descer, passos diferentes.8 martelo-rodado e meia-lua.
dossiê iphan 14 { Frevo } 39

PÁG I NA AO LADO, ESQUE RDA E CE NTRO


B LOCO “ B R AB OS E VA L E NTÕE S” NO ARRASTÃO
D O F REVO.
FOTOS: RAFA EL B AN DE IRA/E XCLUSIVA! BR -
A RQU I VO DO F LI CK R D O PAÇ O DO FRE VO, 2014.
D I REI TA
PA S SI STA .
FOTO: CLÉLI O TOMA Z /E XCLUSIVA! BR - ARQUIVO
D O F LI CK R DO PAÇO D O FRE VO, 2015

D I REI TA , DE CI MA PA RA BAIXO
PA S SI STA NO CARNAVAL D O RE C IFE , 1958.
FOTO: ARQU I VO MU SEU DA CIDAD E DO RE C IFE .
PA S SI STA EXECU TAN DO O PAS SO CARPAD O NO
C ARNAVA L DE OLI N DA.
FOTO: CA ROL ARAÚJ O , 2006.

Mesmo sendo recorrentes e


claras as associações feitas entre
o passo do frevo e a capoeira, é
importante ressaltar assimilações
das mais variadas procedências.
Segundo Valdemar de Oliveira,
na segunda edição do livro Frevo,
capoeira e passo (1985), os grupos
russos que se apresentaram na
década de 1950 nas ruas e nos
teatros do Recife influenciaram
a criação de alguns passos de
frevo, a exemplo do locomotiva,
passo em que o passista fica de Os nomes dos passos também patinho, coice de burro, faz que vai
cócoras jogando as pernas para tiveram influências diversas. mas não vai, banho de mar e grilo.
frente alternadamente. O frevo Muitos surgem associados Egídio Bezerra, Nascimento
também recebeu influência da aos instrumentos ou objetos do Passo e, posteriormente,
dança eslava, caracterizada pelos presentes no cotidiano do o Balé Popular do Recife foram
grandes saltos com as pernas trabalho, como os passos dobradiça, responsáveis pela criação e pelo
abertas no ar, como o carpado; alicate, chave de cano, serrote, tesoura, “batismo” de vários passos.
dos musicais americanos e do ferrolho, parafuso, martelo e britadeira. Por ter o improviso como uma
clássico, a exemplo dos passos Outros batizados por seus forte característica, o passo não
pontinha de pé, festival de bailarina e criadores ou por dançarinos/ é rígido, é constantemente
britadeira, executados na ponta do pesquisadores, que lhes davam recriado. A forma de dançar frevo
pé, mas com os dedos dobrados. nomes miméticos, como saci, muda de acordo com a idade,
dossiê iphan 14 { Frevo } 40

com o momento, com a escola bailarino dança dialogando ESCOLARIZAÇÃO E DIVULGAÇÃO


ou mestre. O frevo dançado pelo com os instrumentos. DA DANÇA DO FREVO
porta-estandarte, por exemplo, Seu movimento geralmente
é bastante diferenciado. Vestido à
Luís XV, ele acompanha a música
equilibrando-se e equilibrando
acompanha os trompetes,
trombones e saxofones das
orquestras de frevo. Quando
E m 1973, Francisco Nascimento
Filho, Nascimento do Passo,
criou a primeira Escola de Frevo
o estandarte. Normalmente os trompetes se destacam aberta ao público e a partir daí
são homens de meia-idade que executando notas curtas e agudas, desenvolveu um método de ensino
abrem os desfiles dos clubes e das geralmente nos frevos de rua tipo composto por 30 passos básicos.
troças. Já os desfiles dos blocos coqueiro, os passistas costumam Tornou-se, dessa forma, um dos
são anunciados pelo flabelo, executar saltos como coice de burro, primeiros passistas a sistematizar o
carregado por mulheres jovens, carpado e tesoura no ar. Quando a ensino da dança do frevo. Na mesma
que não dançam frevo, orquestra desacelera um pouco década, surge o Balé Popular do
executam evoluções que ou faz uma paradinha, inserindo Recife que desenvolve um trabalho
acompanham as melodias outro tipo de música, coreográfico para o palco por meio
dos frevos de bloco. é comum que os passistas de uma equipe de dançarinos/
Porém, de maneira geral, comecem a fazer trejeitos e pesquisadores, aprendendo com o
como já comentado aqui neste firulas. E no acorde final do próprio Nascimento do Passo e com
texto, o passo é caracterizado pelo frevo é comum que se abra outros mestres da cultura popular.
vigor, pela extensão e flexão dos escala, faça o passo cumprimentando O trabalho desenvolvido por
membros, pela descida e subida (agachado com a sombrinha Nascimento do Passo e pelo Balé
do corpo, jogo dos ombros, apoiada em um dos ombros) Popular do Recife contribuiu
expressão facial e pelos saltos. ou uma pose. É uma espécie bastante para o ensino e a
Uma característica singular de grand finale, que ocorre tanto propagação da dança popular na
da dança do passo é que o na dança quanto na música. cidade. Grande parte dos passistas
dossiê iphan 14 { Frevo } 41

PÁG I NA AO LADO, DA E SQUE RDA PARA A D IRE ITA


PA S SI STA .
FOTO: ACERVO TÉCN ICO D O IPHAN, RE PROD UÇ ÃO
E M 20 0 6.

PA S SI STA S NO CARNAVAL DE 1958.


FOTOS: MÁ RI O DE CARVAL HO - ARQUIVO D O
MUSEU DA CI DA DE DO RE CIFE , 1958.

D I REI TA E B AI XO
A PRESENTAÇÃO DA ESC OL A M UNIC IPAL D E FRE VO.
FOTOS: ARQU I VO DA ESC OL A M UNICIPAL D E
F REVO, 20 0 4 -20 0 6.

atuais criou os próprios grupos, De acordo com Adriana, em promovido pela Prefeitura do
como o Guerreiros do Passo e o entrevista realizada em 2006, Recife, pois constitui um item
Grupo de Passistas Adriana do foi também na década de 1980 que de julgamento. Mas a presença
Frevo, mantendo o ensino da as alas de passistas se evidenciaram de passistas em agremiações
forma como aprenderam: gratuito na estrutura dos desfiles das carnavalescas é anterior a esse
e voltado para pessoas de diferentes agremiações, a partir da iniciativa momento. José Ataíde Melo,
procedências e classes sociais. de Nascimento do Passo, quando em Olinda, carnaval e povo, fala
A catalogação dos passos reuniu um grupo de passistas para que em 1927 o folião Benedito
facilitou o desenvolvimento de desfilar no Clube Vassourinhas Bernardino organizou uma seleção
uma metodologia de ensino de Olinda. Atualmente a ala de composta por dois componentes
do frevo, e a criação de várias passistas é obrigatória nas troças de cada entidade carnavalesca para
companhias e grupos de dança. que participam do concurso desfilar no carnaval de Olinda.
dossiê iphan 14 { Frevo } 42

Literatura
e poesia

SOU DO RECIFE COM ORGULHO


E COM SAUDADE C onsiderada uma possibilidade
para as várias leituras de
mundo, a literatura cumpre um
A letra do frevo tem
literariedade, ou seja,
caracteriza-se pela sua capacidade
Frevo n° 3 do Recife papel fundamental na compreensão de possibilitar múltiplas
Antônio Maria, frevo-canção, século XX do universo do frevo. Assim, interpretações, uma vez que pode
sua poesia revela o imaginário de expressar a realidade ou ainda
Sou do Recife quem a produz e vive, dialogando transpô-la, apresentando imagens
Com orgulho e com saudade constantemente, entre o passado e figuradas no seu mais intenso
Sou do Recife o presente, com os temas e assuntos fulgor. No texto de Antônio Maria,
Com vontade de chorar abordados nas canções. Em cada percebe-se que os signos verbais
O rio passa levando barcaça um de seus versos e letras, é possível não se restringem às definições
Pro alto do mar identificar traços que caracterizam que lhes dá o dicionário, mas
Em mim não passa sentimentos e emoções cotidianas, traduzem um número significativo
Essa vontade de voltar tendo em vista que a produção de imagens. As imagens
Recife mandou me chamar literária é fruto de seu tempo. Ela possibilitam ao gênero em questão
Capiba e Zumba nasce das experiências do escritor/ uma gama impressionante de
A essa hora onde é que estão? poeta com as suas realidades. É essa significações. Há, na letra do
Inês e Rosa a capacidade que a literatura tem de frevo de Antônio Maria, uma
Em que reinado reinarão? ser perene. Nesse sentido, distante explícita, porém simbólica,
Ascenso me mande um cartão da métrica rebuscada de outros declaração de amor ao Recife:
Rua antiga da Harmonia gêneros musicais, as letras do frevo
Da Amizade, da Saudade e da União ocupam um espaço na crítica social Sou do Recife
São lembranças noite e dia e reinventam a lírica popular, Com orgulho e com saudade
Nelson Ferreira deixando-as em total acordo com a Sou do Recife
Toca aquela introdução fala do homem comum. Com vontade de chorar
dossiê iphan 14 { Frevo } 43

PÁG I NA AO LADO
V I STA A ÉR EA DO R OTE IRO DE DE SFIL E D O “GALO
DA MADRUG ADA” .
FOTOS: CA SA DO CARNAVAL - PRE FE ITURA DA
C IDADE DO R ECI F E, 1995- 2006.

B AI XO
P RAÇA DA I N DEP EN DÊ NC IA D URANTE O DE SFIL E
D O “ G A LO DA MADRUGADA”.
FOTO: CA SA DO CARNAVAL - PRE FE ITURA DA
C IDADE DO R ECI F E, 1995- 2006.

D I REI TA
D ETA LHE DO F LAB ELO DO BLOCO M ADE IRA
D O ROSARI N HO.
FOTO: CA ROL ARAÚJ O , 1990- 2006.

literatura. Nessas canções, a poesia rói” presente na letra do frevo é


se caracteriza pelo lirismo do tema pura encenação da linguagem. Por
saudade, a qual é revestida por um meio dela, Capiba explica que o
sentimento de perda. Dessa forma, seu bloco é forte, é sagaz, é difícil
as músicas cantam um tempo de ser combatido. Em outras
que já passou. Esse sentimento palavras, é “de fato campeão”:
nostálgico, característico dos
frevos de bloco, não se resume Madeira que Cupim não Rói
apenas aos antigos carnavais, Capiba, frevo de bloco século XX
cujas músicas, fantasias, danças e
agremiações perderam-se ao longo Madeira do Rosarinho
do tempo, como fruto da dinâmica Vem a cidade sua fama mostrar
histórico-cultural, mas também à E traz com seu pessoal
Mas não é qualquer Recife, dor do autoexílio, como é o caso Seu estandarte tão original
e sim o Recife sonhado. O Recife do compositor Antônio Maria. Não vem pra fazer barulho
antigo e saudoso: Recife das ruas Outro exemplo significativo Vem só dizer, e com satisfação
da Amizade, União, Harmonia, é Capiba que, através de seus Queiram ou não queiram os juízes
Saudade. Ao que tudo indica, de versos, declara que o bloco O nosso bloco é de fato campeão
maneira encenada, Antônio Maria Madeira do Rosarinho não E se aqui estamos,
quer de volta o Recife que lhe cederá às possíveis injustiças das Cantando esta canção
parecia lembranças noite e dia. quais porventura seja vítima. No Viemos defender
As palavras do Frevo n° 3 do Recife, entanto, não declara de forma A nossa tradição
de Antônio Maria, são literárias direta, mas por meio de uma E dizer bem alto que a injustiça dói
porque possuem o grau de linguagem figurada. A expressão Nós somos Madeira, de lei,
encenação exigido pela estética da “madeira de lei que cupim não Que cupim não rói
dossiê iphan 14 { Frevo } 44

Outro compositor que, como Os velhos carnavais A personalização da cidade do


Antônio Maria e Capiba, também, Do velho Raul Moraes... Recife só é possível dado ao grau
através das letras de seus frevos, Adeus, adeus minha gente de encenação que a letra do frevo
usa a encenação da linguagem Pois já cantamos bastante possui. Nesse sentido, quando
para construir um discurso Recife adormecia é dito no início do tópico que a
poético é Nelson Ferreira. Em Ficava a sonhar letra do frevo, se bem escrita, tem
“Evocação nº 1”, verifica-se a Ao som da triste melodia. literariedade, pretende-se dizer
figuração da linguagem utilizada que o frevo é literatura no que esta
pelo compositor, com vistas aos As pessoas citadas por Nelson tem de poético, de estético,
seus objetivos. Ou seja, evocar Ferreira não são necessariamente as de figurado, de metafórico.
o antigo carnaval do Recife: pessoas reais, como as ruas citadas Antônio Maria, Capiba e Nelson
por Antônio Maria, não eram Ferreira são exemplos explícitos
Evocação nº 1 necessariamente as ruas reais, mas de que há uma relação necessária
Nelson Ferreira, frevo de bloco, século XX imagens que foram construídas por entre a letra do frevo e o grau
meio de palavras literárias para darem de encenação da linguagem.
Felinto... Pedro Salgado... vida a um universo telúrico necessário O poético do literário está na
Guilherme... Fenelon... ao tipo de música composta pelos capacidade de propor significados
Cadê teus blocos famosos? compositores. A cidade do Recife, múltiplos ao leitor, e o poético
Bloco das Flores... Andaluzas... através dos versos de Nelson da letra do frevo também segue
Pirilampos... Apois fum... Ferreira, assim como nos versos de a mesma linhade compreensão.
Dos carnavais saudosos Antônio Maria, é personalizada: Portanto, pode-se dizer que
Na alta madrugada a poesia do frevo reside na
O povo entoava Recife adormecia sua capacidade de encenar a
O som da marcha-regresso Ficava a sonhar linguagem, de metaforizar a
E era um sucesso Ao som da triste melodia palavra, de figurar o escrito.
dossiê iphan 14 { Frevo } 45

PÁG I NA AO LADO, DA E SQUE RDA PARA A D IRE ITA PÁGINA 46


TOCA DOR DE TROMP ETE . FL A BE LO S DE AGRE M IAÇ Õ ES E D E
FOTO: CLÉLI O TOMA Z /E XCLUSIVA! BR - ARQUIVO C LU BE S C A RNAVA L E S C O S
F L I CK R DO PAÇO DO FRE VO, 2015. FOTO S : C E DIDA S PE L A S AG R EMI AÇÕ ES E CLUB ES
PA RA O AC E RVO T É C NIC O I P H A N .
V I STA A ÉR EA DO R ECIFE .

Aspectos
FOTO: REPRODUÇÃO DIGITAL DO LIVRO “METRÓPOLE PÁGINA 47, DA E S QU E RDA PA R A A D I R EI TA
ESTRATÉGICA – REGIÃO METROPOLITANA DO RECIFE”, PO RTA - E STA NDA RT E V E ST I D O À LUI Z XV, D O

visuais
CONDEPE/FIDEM, 2005. C LU BE C . M . VA S S OU RINH A S , CA R NAVA L D E 1 9 5 3 .
FOTO : A RQU IVO DO M U S E U DA CI DA D E D O R ECI F E,
1 9 50 - 1 0 6 0 .

C H A L E IRA DE FL A NDRE S . S Í MB O LI ZOU O


M O M E NTO DE FE RV U RA NACI O NA L PA R A
C O NS O L IDAÇ ÃO DA RE PÚ B LI CA .
ILU ST RAÇ ÃO : JO RNA L PE QUENO . R ECI F E, 1 9 0 4 .

Ou seja, uma boa letra de frevo OLHA QUE EU CONHEÇO A procura do imaginário
necessita ter um alto fulgor de ESSA CARA que representa essa expressão
encenação da linguagem, de cultural, por sua vez, leva à
criatividade, de capacidade de
produzir imagens. E isso,
os textos citados traduzem bem.
A s imagens são importantes
demarcadores de tempos
e de lugares e produzem
construção de uma tipologia
visual. O frevo é uma das fortes
expressões, com seus símbolos
Os temas dos frevos estão no sentidos diferentes de acordo e significados, que identificam
cotidiano das pessoas e traduzem com os contextos históricos e a cultura pernambucana e
em muitas letras crítica social e socioculturais. Elas registram a é hoje reconhecido, vivido
protesto político e, como toda e passagem dos tempos, os fatos, e cultivado pela população,
qualquer expressão artística, os objetos e o próprio povo, com o pela indústria, pelos meios de
é uma forma de questionamento poder de expressar, assemelhar-se e comunicação e pelo Estado.
e transgressão, da inquietude retratar a história humana. Os primeiros suportes visuais
do povo que o compõe e o ouve. Uma investigação visual sobre o foram os estandartes,
Nelson Ferreira, Edgard Moraes, frevo traz informações e enriquece as roupas, as insígnias dos clubes,
Antônio Maria, Luiz Bandeira, a abordagem investigativa sobre os grandes guarda-chuvas,
João Santiago, Capiba, Marcello essa manifestação cultural. os locais onde aconteciam as
Varela, Getúlio Cavalcanti, J. O frevo, assim como outras manifestações (bairros de Santo
Michilis, entre outros, são nomes tantas expressões, está repleto Antônio e São José)
relevantes para o frevo. de imagens que povoam o e os impressos que registraram
A poesia desses artistas evidencia inconsciente coletivo do povo os primórdios do frevo.
uma forte tendência de, por brasileiro e podem ser pesquisadas A proximidade, por exemplo,
meio do frevo, consolidar a na busca de características do frevo com as ordens religiosas é
identidade cultural de uma época, das múltiplas identidades percebida na sua expressão visual.
de um tempo, de um espaço. culturais e seu lugar social. O gosto pelos cortejos,
dossiê iphan 14 { Frevo } 46

P ORTA-ESTA N DA RTE VE STID O À LUÍS XV, DO C LUBE


C. M. VA S SOU R I N HAS, C ARNAVAL DE 1964.

PÁG I NA 4 7
REP R EDUÇÃO DE ESTANDARTE S.

que se apresentavam aos olhos Outra grande referência Os primeiros clubes de frevo,
do povo nas ruas, retratava o para o luxo carnavalesco é Caiadores, Vassouras, Lenhadores,
luxo, aspiração presente na Igreja influência da ordem militar: Pás dos Carvoeiros, saíam às ruas
Católica, que foi transposto com símbolos próprios, geralmente
para o Carnaval. Sobre essa Influência dos desfiles militares do século ligados aos seus elementos de
influência, fala a antropóloga passado aparece também nesses grupos. trabalho. Assim, brochas, varas
americana Katarina Real que Na luxuosidade das fantasias, nos ricos e pincéis para o Caiadores,
“A essência do carnaval é despesa bordados, no simbolismo, na presença de vassouras, para o Vassourinhas,
e luxo”9. E complementa: espadas, plumas, capacetes, tricórnios, machados para o Lenhadores.
etc. das figuras masculinas e de cordões Ao serem analisados, pode-se
Vê-se esta influência nos luxuosos de “lanceiros” e “soldados”. Mais ver que os adereços de mão são
estandartes dos clubes com suas pinturas importante ainda é o fato de ter sido das instrumentos que facilmente se
religiosas de santos e de milagres e bandas de música desses desfiles militares transformam em armas. A origem
“reinterpretação” do simbolismo da que surgiu a própria música do frevo.11 do guarda-chuva está relacionada
Igreja Católica. Sente-se esta influência a essa situação. Segundo Valdemar
no gosto dos clubes pela luxuosidade. O estandarte é um dos primeiros de Oliveira12, “este nunca deixou
Ainda mais, quando a Igreja Católica e mais importantes meios de de ter alguma coisa à mão”
não quis mais tolerar certos elementos expressão visual do frevo. Ele é (cacete, bengala, punhal). O
“burlescos” nas procissões das irmandades uma bandeira que identifica as sentido maior do guarda-chuva,
e confrarias – diabos, os “sete pecados agremiações (troça ou clube), conhecido de início como chapéu
mortais”, morcegos, a morte, bobos com seus nomes, cores, ano de de sol, também é citado por
ou palhaços – esses elementos iam se fundação, ano de confecção do vários autores (Duarte, 1968;
integrando nos clubes carnavalescos, estandarte e símbolo. Seus ancestrais Oliveira; 1985) como sendo de
que lhes ofereciam um lar mais remetem às conformações da arma, pois era um instrumento
cômodo e talvez mais apropriado.10 heráldica, desde a Idade Média. perfurante que servia para defesa
dossiê iphan 14 { Frevo } 47

abrindo caminho para outros


processos industriais que também
envolveriam o frevo, teve um
importante papel na construção de
imagens relacionadas ao Carnaval
e às turbulências ocorridas até
a consolidação da República.
Nos jornais veem-se ilustrações
e caricaturas relacionando esse
momento à figura de uma chaleira.

Ferver e fervura estavam associados


à chaleira, sendo elementos presentes
ou ataque. O guarda-chuva rude, possivelmente representando e corriqueiros na vida da população,
caracterizava o passista, desde as os mais desfavorecidos. Depois especialmente de camadas mais pobres que
origens do frevo e era uma arma um capoeira mais elegante, mais tinham contato direto com a cozinha.13
disfarçada do passista solitário. próximo do malandro carioca.
A influência dos capoeiras Dessa forma, já no início do Assim como no caso da
sobre o frevo não só se expressou século XX, estavam estabelecidos imprensa, com o advento
nos passos da dança, como na os primeiros símbolos que da Revolução Industrial,
sua vestimenta e uso de adereços. dariam origem à construção do ocorrem novos suportes para
Valdemar de Oliveira os descreve, repertório visual do frevo. expressão visual do frevo. Novas
fazendo citação ao seu perfil Essa era a expressão visual na sua imagens vão ser estampadas
estilístico. Numa primeira origem. Luxo no estandarte, pé no em produtos reproduzidos em
abordagem retrata um capoeira mais chão e suor no rosto. A imprensa, série como fotografias, filmes e,
dossiê iphan 14 { Frevo } 48

FACHADA DA FÁ BRIC A DE DIS C O S RO Z E NBL IT.


FOTO: RE PRO DUÇ ÃO DIGITA L DE M AT E RIA L DA
E XPOSIÇ ÃO “ INDÚ ST RIA DA M E M Ó RIA C U LT U RA L” ,
AC E RVO C A S A DO C A RNAVA L , 20 0 3 .

principalmente, capas de discos, em 1954. Até 1964, os discos produto palpável para ser visto,
possibilitando que imagens do eram prioritariamente gravados a qualquer momento, uma imagem e
frevo tivessem maior alcance para em 78 rotações, e as capas tinham uma música que estavam relacionadas
a população. Os novos inventos mais a função de proteção, sendo com frevo. As imagens do frevo,
tecnológicos funcionaram como produzidas em papel tipo kraft nos discos, retratam um universo
mídia para divulgação do frevo. (papel de pão) com um buraco no mais sofisticado da manifestação,
Depois da imprensa, foram as meio para leitura das informações pois elas são registradas por meio
fotografias que registraram as na bolacha, com uma música de do olhar da indústria fonográfica,
primeiras imagens da manifestação. cada lado. É só a partir de 1964, de seus designers e artistas
Em seguida, já na década com a adoção do formato de LP pela plásticos que tinham um olhar
de 1920, tem-se o registro em Rozenblit, que um novo suporte para próprio sobre a manifestação.
película cinematográfica do expressão visual do frevo surge, com Tem-se, desse modo, o frevo, em
carnaval pernambucano. Nesses as capas personalizadas para cada seus aspectos visuais, como portador
suportes podem ser reconhecidos disco. Com seis faixas de cada lado, e, ao mesmo tempo, veículo de
as ruas e os locais próprios ao as embalagens de discos perdem informação que traz a inscrição
Carnaval, as roupas simples e as definitivamente o vazado original e o registro de acontecimentos e
fantasias sofisticadas dos foliões, por onde se fazia a leitura das duas transformações socioculturais, fonte
os carros alegóricos, o movimento músicas da bolacha, apresentando na de narrativas artísticas, visuais,
de pessoas e estandartes nas ruas capa as informações necessárias para sonoras e audiovisuais.
e um frequente uso de chapéus a identificação do material interior. Situa-se, assim, como um verdadeiro
e grandes guarda-chuvas. A capa de disco personalizada teve documento visual traduzindo
A promoção do frevo como um papel importante na construção modelos culturais de comportamento
cultura de massa, no disco, se deu do imaginário visual do frevo. Com e capacidade humanos,
com a construção da Fábrica de o surgimento do disco, produto da informando-nos sobre as organizações,
Discos Rozenblit Ltda14, cultura material, passa-se a ter um movimentações, atitudes e técnicas.
dossiê iphan 14 { Frevo } 49

C ARNAVA L DO RECI F E, 1940.


C LU B E CA RNAVA LESCO M ISTO VAS SOURINHAS.
FOTO: ARQU I VO DO CLUBE CARNAVAL E SC O M ISTO
VAS SOU R I N HAS.

Agremiações
de frevo

SOU FELIZ NAQUILO EM QUE construção da cidadania. É no a sede, haja bingo, rifa, festa
ME RECONHEÇO interior dessas relações que e trabalho duro pra conseguir
emerge o sentimento de pertença “botar o brinquedo na rua”.

F azer parte de uma agremiação


é, antes de tudo, se reconhecer
nas relações de sociabilidades e nos
e o sentido do brincar.
O esforço conjunto é o que
move a produção e execução do
Os preparativos têm início a
partir do segundo semestre com a
escolha do tema pelos membros da
embates cotidianos do trabalho que trabalho. Não importa quanto diretoria. O carnavalesco responsável
é devoção e diversão. do espaço da casa vai sobrar pela agremiação idealiza e responde
Ambiente de acolhimento, para as atividades do dia a dia, pelas fantasias, os adereços e as
troca, desenvolvimento de aptidões, quando não se tem uma sede, a alegorias. O número de desfilantes
reconhecimento da diversidade, casa vira depósito. De folia, de também é pré-definido, assim como
afirmação das identidades e bagunça boa, de orgulho. Se existe a equipe de produção (costureiras,
dossiê iphan 14 { Frevo } 50

DA ESQUERDA PARA A DIREITA, DE CIMA PARA BAIXO


AT E L IÊ DE PRO DUÇ ÃO DE BO N ECO S EM O LI N DA .
FOTO : C A RO L A RAÚ JO , 20 0 6 .

A RT E S ÃO K A RO BA NUNE S PRO D UZI N D O F LA B ELO S .


FOTO : A RQU IVO DE K A RO BA NUN ES , 1 9 8 0 -2 0 0 6 .

PRE PA RAÇ ÃO PA RA A PRE S E NTAÇÃO D O G RUP O D E


PA S S ISTA S A DRIA NA DO FRE VO .
FOTO : C A S A DO C A RNAVA L - P R EF EI T UR A D E
RE C IFE , 20 0 6 .

PRE PA RAÇ ÃO PA RA A PRE S E NTAÇÃO D O G RUP O DA


E S C O L A M UNIC IPA L DE FRE VO .
FOTO S : A RQU IVO DA E S C O L A MUN I CI PA L D E
FRE VO , 20 0 4- 20 0 6 .

bordadeiras, artesãos, marceneiros, ouro, cachês de apresentações, venda e alimenta o processo de construção
figurinistas, coreógrafos, de camisas, CDs e realização de de conhecimento, estabelece relações
maquiadores e todo tipo de apoio). festas, geralmente bailes dançantes, de pertencimento e dá visibilidade
Para a captação de recursos, são promovidas apenas pelas agremiações aos atores anônimos e seus cabedais
muitas as formas utilizadas pelas que possuem sede própria. de cultura e arte. No passado ou no
agremiações: rifas, bingos, sorteios, Muitas são as dimensões presente a força do trabalho coletivo,
piqueniques, eventos culturais explicitadas a partir do poder o compartilhamento de saberes e
(Paixão de Cristo, São João, associativo e identitário fazeres, os mestrados de vida que
apresentações de pastoril), doações das agremiações. A rede de caracterizam esses grupos se impõem
(comerciantes e empresários), ajuda relacionamentos gerada pela e desafiam lógicas e formalismos.
de custo (Prefeitura, Governo do participação no brinquedo Assim, ao compreender a
Estado, patrocinadores), livro de ultrapassa os limites da festa, instiga excelência desses grupos associativos,
dossiê iphan 14 { Frevo } 51

D ETA LHES DOS F LAB ELOS DOS BLOCOS “PIE RROT


D E SÃO J OSÉ” E “ B ATUTAS DE SÃO JOSÉ ”.
FOTO: CA ROL ARAÚJ O , 2006.

denominados agremiações, percebe-se Quaresma e seus elementos migraram realidade social. Com o passar dos
estar além da festa a relação construtiva para os festejos carnavalescos. Na sua anos, reelaboram suas estruturas,
e organizacional da sociedade; constituição predominava a presença coreografias e incorporam
o intrincado papel constituidor masculina, tendo à frente os grupos novos elementos.
que envolve história e memória: de capoeiras. Chegaram a ser temidos Das organizações anteriores,
efetiva ações e práticas sociais, nega, por esses aspectos e ainda pelo vigor conservam o uso de estandartes,
esquece, se apropria e incorpora, da música e dança. Ao contrário insígnias e símbolos nos adereços de
dando lastros e suportes para dos clubes de Alegorias e Críticas mão. Atualmente apresentam-se com
transformações. Alimentam dinâmicas (formados por altos comerciantes, a seguinte formatação: diretoria;
objetivas e subjetivas nas quais a empregadores, entre outros membros balizas-puxantes; damas de frente;
realidade e a fantasia comunicam, da elite recifense) a exemplo do Clube destaques; cordões; ala dos passistas;
desafiam, articulam e qualificam. Cara Dura (1901), do Clube Nove e porta-estandarte (trajado à Luís XV,
No Recife e em Olinda, Meia do Arrayal (1905), e do Clube com sapato de salto e peruca branca),
é comum distinguir e caracterizar Fantoches do Recife (1912-1919), abrindo o cortejo; orquestra.
as tipologias de agrupamentos os clubes pedestres desenvolveram O bloco de Pau e Corda,
ou agremiações carnavalescas. um modo próprio de comemorar também conhecido como bloco
Entre as modalidades vinculadas os dias de folga. Nada de bailes lírico, apresenta características
diretamente ao frevo, destacam-se e teatros, nem carros e alegorias distintas, tanto na formação do
as que estão descritas a seguir. luxuosas. O povo desenvolveu grupo quanto na orquestração.
O Clube de Frevo, mais antigo o próprio cântico e manobras. Surge nos bairros centrais da
representante dos agrupamentos, tem Substituiu as músicas de salão pelas cidade no início do século XX
sua origem vinculada aos grupos de marchas vibrantes das bandas de e em sua maioria provem da
trabalhadores urbanos, o formato do música responsáveis pela animação pequena burguesia, constituídos
cortejo adotado por essas corporações das festas cívicas procissões e por núcleos familiares. Esses
foi inspirado nas procissões da outros eventos que refletiam a nova blocos são acompanhados por uma
dossiê iphan 14 { Frevo } 52

O RQU E ST RA DO “ BLO C O DA S AUDA D E”.


FOTO : A RQU IVO PRE FE IT U RA D O R ECI F E, 2 0 0 6 .

sempre de situações pitorescas,


familiares ou entre amigos.
Costuma desfilar pela manhã nas
ruas do centro ou do subúrbio,
até o final da tarde. Muitas
vezes não tem compromisso
com fantasia, alegoria ou outro
qualquer aparato. Uma faixa,
um estandarte e orquestra são
suficientes. O que não impede
que outras se apresentem
seguindo o formato mais
elaborado dos clubes de frevo,
orquestra com predominância pastoril (dança de origem europeia com destaques, temas e fantasias
de instrumentos de corda, sopro que faz parte das manifestações luxuosas, inclusive, ligadas aos
e percussão. Diferentemente culturais do ciclo natalino da concursos. Algumas são tão
da maioria das agremiações região). A orquestração dos sofisticadas que têm apenas no
carnavalescas que têm no estandarte blocos também difere das outras horário do desfile, o diferencial
o seu abre-alas, no bloco o desfile agremiações, sendo mais suave, para a sua designação. Apesar de
é aberto por um flabelo – alegoria com melodia cantada pelo coral quase todos os clubes começarem
de mão que traz o nome, data feminino e permitindo a evolução como troças, o apego à sua forma
de fundação e o ano em curso. dos integrantes em lugar do passo. original faz com que algumas,
A presença feminina é destacada A Troça, agremiação que se quase centenárias, resistam a
e é importante mencionar sua assemelha aos clubes de frevo em passar à categoria de clubes;
semelhança com os grupos de menor dimensão, surge quase algumas denominações pitorescas:
dossiê iphan 14 { Frevo } 53

E S QU E RDA
T RO Ç A C A RNAVA L E S C A IND EP EN D ENT E “NO I S
S O FRE M A IS NO IS GO ZA” , NO PÁT I O D E S ÃO P ED R O .
FOTO : A RQU IVO DA AGRE MI AÇÃO , 1 9 5 0 -1 9 8 0 .

BA IXO
DE S FIL E DO C LU BE DE A L E G O R I A S E CR Í T I CA S
“ O H O M E M DA M E IA NO IT E”.
FOTO : PA S S A RINH O , 20 0 6 . A R QUI VO DA
PRE FE IT U RA DE O L INDA , 2 0 0 6 .

Ceroula de Olinda; Nois Sofre


Mais Nois Goza; Formiga Sabe
que Roça Come; Cachorro
do Homem do Miúdo, etc.
Clube de Boneco é outro
tipo de agrupamento de frevo.
Caracteriza-se pela presença de
um boneco gigante, exibido à
frente da agremiação no lugar do
estandarte. É nesse símbolo que
aparece o nome, data de fundação
e ano do desfile em curso. Quase
sempre suas denominações estão
relacionadas aos seus criadores ou
fazem homenagens a carnavalescos
e pessoas da comunidade. Sua
orquestração é a do frevo de rua
e a forma de se apresentar no
desfile assemelha-se aos clubes
ou troças convencionais. Junto
com o boneco vem o grupo
de passistas, a diretoria, em
paralelo os cordões com alegorias
de mão. Alguns trazem temas
e fantasias de destaque. ¢
dossiê iphan 14 { Frevo } 54

O FREVO E SUAS APROPRIAÇÕES


dossiê iphan 14 { Frevo } 55

F REVO NO CARNAVA L DE 1945.


FOTO: ALEXAN DRE B ERZ IN - ARQUIVO DA CIDAD E
D O RECI F E, 194 5.

D I REI TA
PA S SI STA 1 2 DA SÉRI E ICONOGRÁFIC A “PAS SISTAS”.
D ESEN HO: LA DJ AN E BAND E IRA, 1951- 1963.

como “música regional”, reforçado gêneros em relação aos gêneros


pelo nacionalismo vigente; do sul15. É importante mencionar
o pensamento tradicionalista que as grandes gravadoras se
de intelectuais e compositores localizavam no Sudeste (RJ), sendo
Ressignificação: pernambucanos com relação às seus representantes os responsáveis
influências jazzísticas identificadas pela seleção das músicas gravadas
mudar para na musicalidade do frevo; a força para o Carnaval do Brasil.
permanecer da Rádio Nacional, no Rio de O frevo em seus diversos
Janeiro, como eixo difusor da aspectos, incluindo-se as
música carnavalesca divulgada modificações ou releituras,
no Brasil; a criação da Federação identifica-se como energia
Carnavalesca de Pernambuco constitutiva de relações, modos
em 1935, período vivido sob de ação e comportamento.

E m sua trajetória é necessário


salientar o difícil percurso do
frevo desde o seu nascimento.
um regime político de exceção
(o Estado Novo), idealizada e
gerida por um norte-americano
Reconhecê-lo em sua
dinamicidade é, portanto,
ampliar seu uso social, valorizar
Talvez os argumentos a seguir que dirigia a Companhia Inglesa os que o produzem, transmitem
mencionados facilitem a de Eletricidade e Transporte e atualizam, um processo de
compreensão do nível de interesses (Tramways) e criada com o objetivo construção contínuo inerente às
– ideológicos, econômicos, de “ordenação” do Carnaval; expressões artísticas, sobretudo
socioculturais –, suas contradições e ainda o incentivo à pureza das às manifestações populares.
e apropriações: a grande disputa na tradições que ia além de uma De acordo com a investigação
ocupação do espaço público vivida “reserva de mercado para os proveniente da pesquisa e
pelas classes populares, os embates gêneros musicais pernambucanos”, da relação estabelecida entre
internos e externos definindo-o sugerindo a superioridade desses comunidade produtora, sociedade
dossiê iphan 14 { Frevo } 56

civil e pesquisadores, percebe-se se denomina de processo de escolas de frevo e pode ser


claramente a dialética, o movimento “espetacularização” do frevo é o vista no uso popularizado da
de tensão trazido a partir de procedimento de transformação sombrinha pequena, colorida,
transformações, num momento de uma manifestação popular nas cores: amarelo, verde, azul e
o ser e, noutro o estar, fazendo mais improvisada em um produto vermelho. Foi na década de 1970
com que o produtor e brincante cultural para apreciação estética que se intensificou o seu uso.
fiquem divididos e ao mesmo em palcos ou em outras linguagens Marcante influência é
tempo seduzidos por manterem os artísticas. É a elaboração da decorrente de 17 anos de
referenciais nos quais acreditam manifestação em uma expressão apresentações sistemáticas
em contraposição às formas mais sofisticada. Esse processo promovidas pelo Balé Popular
mais ampliadas de visibilidade, se iniciaria com a formação das do Recife com espetáculos que
status e promoção. Conteúdos primeiras escolas de frevo, depois ficaram em cartaz, a partir de
que tratam da compreensão do com os espetáculos de dança, assim 1982, no Teatro do Centro
frevo como fenômeno cultural também como com o registro de Convenções, nos finais de
contemporâneo, do seu papel no da manifestação em trabalhos semana durante todo o ano.
Carnaval e os impactos sofridos de artes plásticas. Mais adiante No traje, assim como na dança,
com as exigências atuais. o processo se complementaria há uma passagem da expressão solo
No processo de “escolarização” com a ida do frevo da rua para os para uma apresentação grupal, com
e “espetacularização” do frevo, palcos, onde um público poderia uniforme padrão e coreografia
percebe-se o consolidar de um apreciar apresentações do frevo definida. Essa transformação nos
padrão de vestimenta, de cores, com novas referências estéticas. leva de uma expressão particular,
tecidos e brilhos, assim como O estabelecimento do traje do do passista, para uma expressão
do uso da sombrinha pequena passista foi largamente promovido coletiva, compondo uma nova
e colorida, maior símbolo por professores e bailarinos ideia, comum e padronizada, do
do frevo, hoje. O que aqui passistas. Uma influência das passo e da imagem do passista.
dossiê iphan 14 { Frevo } 57

ORE LH ÃO INS PIRA DO NA S O M BRINH A


D E FR E VO .
FOTO : C A RO L A RAÚ JO , 2 006 .

referência comum, generalizada frevo como símbolo da cultura


e compartilhada por muitos. Esse pernambucana, constatada sua
processo é natural na construção expressão em orelhões públicos em
de um símbolo. Dessa forma formas de sombrinhas, em cartazes
consolidam-se as referências que de turismo do Estado,
mais adiante vêm a chamar-se de em suvenires e monumentos.
clássicas, de tradicionais, daquilo Seus novos meios de representação
que permaneceu e dá suporte chegam até a internet, com várias
para o que está se transformando. páginas na web que fazem menção
Assim, o frevo perde sua força a esta manifestação cada vez mais
de caráter individualista para exposta ao conhecimento global.
ganhar poder como expressão Outra característica visual do frevo
de um imaginário comum. nos últimos 15 anos foi a relação
Constrói-se, dessa forma, um Depois de surgir nas ruas, que se estabeleceu com a bandeira
arquétipo e mais uma tradição. expressando o seu povo, e de ser de Pernambuco, esse casamento se
É interessante analisar que o fato registrado em artefatos criados pela deu com certa facilidade, visto que
de serem abstraídas as referências tecnologia, como fotos, filmes e a bandeira pernambucana dispõe
individuais da expressão de discos, que lhe serviram como meio de imagens alegres, pela presença
apenas um folião, levando-as para de propagação, o frevo se cristaliza do arco-íris, assim como pelo
um universo coletivo, onde se como arquétipo estilístico. Assim, uso do sol, e de cores como azul,
constrói uma imagem padrão que ele está pronto, como imagem, para amarelo, vermelho, verde e branco.
não é mais de um, mas de todos, ser explorado como identidade e Sendo a azul preponderante.
ocorre nesse processo a perda das símbolo da cultura pernambucana. O setor privado também se
expressões únicas, particulares, A partir da década de 1980, valeu da força da expressão popular
originais em detrimento de uma verifica-se a legitimação do do frevo. Hoje, essa expressão dá
dossiê iphan 14 { Frevo } 58

nome e está associada a marcas Para muitos, valoriza as diversas A música e a dança também
de cerveja e de refrigerante que expressões associadas ao frevo se vinculam aos concursos. No
são rapidamente identificadas (dança, música, porta-estandarte e primeiro caso, tradição nas rádios
como próprias do Estado de agremiações), promove visibilidade brasileiras e em Pernambuco a
Pernambuco. Tanto na marca da ao trabalho, gera emprego e renda, partir da Rádio Jornal e da Rádio
cerveja, quanto na do refrigerante, mobiliza os setores do turismo, Clube responsáveis por lançar
visualiza-se o uso da sombrinha. da mídia e o comércio, seja ele grandes intérpretes de frevo
No universo de permanências formal ou informal; para outros, como Claudionor Germano,
e transformações, os concursos de podem ser percebidos como Expedito Baracho, entre outros.
agremiações, sobressaindo-se os influentes na rigidez do processo Festivais como o Frevança,
oficiais, podem ser ajuizados de criativo e na dependência do poder o Recifrevo e o Recife Frevoé
maneiras distintas e contraditórias. público quanto às subvenções. geravam produtos finais de
dossiê iphan 14 { Frevo } 59

E SQU ERDA
F REV I OCA NO CARNAVAL D O RE C IFE .
FOTO: ARQU I VO P R EFE ITURA DO RE C IFE , 2006.

D I REI TA
D I ÓG ENA CARLA , PA S S ISTA DA E SCOL A M UNIC IPAL
D E F R EVO.
FOTO: ARQU I VO P R EFE ITURA DO RE C IFE , 2006.

qualidade técnica e artística,


constituindo tentativas de
aproximar diferentes tendências
e conquistar público. Entretanto,
não conseguiram os objetivos de
divulgação das músicas pelos meios
de comunicação de massa. Até hoje
o frevo não compõe os repertórios
e as grades de programação das
rádios AM e FM do Recife. Essa
lacuna prejudica a consagração
de novos compositores e novos
frevos e enfraquece uma rede
de comunicação e divulgação de não observando o que o ditas incentivadoras da
grande potencial, que foi de suma passo tem de singular nas espetacularização, outras são
importância na construção da suas nuances e sutilezas. geradas inclusive, pela ação
popularidade do frevo algumas A inserção do passista no estatal, que promovem fortemente
décadas atrás. Seguindo os mercado turístico altera o um processo de expansão,
mesmos moldes, ao longo sentido fluido da manifestação. apropriação e manutenção dos
dos anos, acontecem os O passista passou a se preocupar valores ditos tradicionais, como
concursos de passo. mais com a imagem, o figurino, a é o caso das freviocas (veículo
Por outro lado, há uma preparação corporal e a execução decorado e adaptado para
tendência a valorizar o de passos que impressionem. carregar uma orquestra de frevo)
desempenho do passista Ao tempo em que são atendendo às áreas centrais e
com ênfase no virtuosismo, promovidas situações periféricas, como elemento
dossiê iphan 14 { Frevo } 60

DA E SQU ERDA PA RA A DIRE ITA


M A E STRO A DEMI R A RAÚJO (FORM IGA),
M A E STRO SP OCK ,
M A E STRO B OZÓ,
M A E STRO FOR RÓ E
S I LV ÉRI O P ES SOA .
FOTOS: CAROL ARAÚJ O, 2006.

difusor do frevo-canção, Outro trabalho que pode música do frevo, sobretudo da


principalmente para foliões que ser citado é o realizado pelo instrumentação dessa música
não têm estrutura própria no intérprete, compositor e bailarino na difícil tarefa de transcrever
que tange às orquestras de frevo. Antônio Carlos Nóbrega. Ele para a voz a linha melódica e o
É na frevioca que se apresentam transcreve frevos para instrumentos arranjo orquestral do frevo de
os intérpretes mais populares que tradicionalmente não fazem rua. Por sinal, transformar o
do frevo-canção, sendo uma parte da composição orquestral erudito em popular e o popular
tradição a presença do cantor dessa música. Além de estabelecer em erudito é o mantra que o
Claudionor Germano, maior novas formas de composição para maestro Francisco Amâncio da
intérprete do compositor Capiba. os frevos-canção extrapolando Silva, conhecido como Maestro
Ainda relacionado à música do a temática carnavalesca que Forró, não cansa de repetir e faz
frevo alguns trabalhos apontam circunscreve esse tipo de frevo. questão de incorporar em todos os
uma intencionalidade em mostrar Percebe-se também nos seus projetos à frente da Orquestra
as mudanças na musicalidade do trabalhos de Silvério Pessoa e Popular da Bomba do Hemetério
frevo. O trabalho do maestro Spock Fábio Trumer (Banda Eddie) (OPBH). Desde 2002, quando foi
aparece como uma referência a influência do frevo em suas formada, a orquestra vem fazendo
de mudança para os agentes produções musicais. Misturando sucesso por mostrar arranjos fora
envolvidos com a música em o frevo a outros ritmos, ambos dos padrões para as orquestras
Pernambuco. Spock, com base caminham no sentido da tradicionais, unindo características
no exercício de improvisação experimentação e despontam eruditas e populares, executando
musical, e tendo o jazz como com músicas e composições que os mais variados ritmos, como
influência, reforça a concepção atingem o público jovem. coco, frevo, rock e manguebeat.
do frevo como um gênero que, A orquestra vocal da Bomba Como o fez Felinho, no
além do Carnaval, também do Hemetério também se propõe passado, esses e outros artistas,
pode ser apreciado e ouvido. a realizar uma releitura da suprimem, inserem e alimentam
dossiê iphan 14 { Frevo } 61

o frevo como um sistema de dialogando com o seu tempo e instrumentos, tecnologias,


expressões traduzido na música, com tantos outros tempos que formas e conceitos. Alteram-se,
na dança e na poesia, associado aos lhes dão suporte e referência. igualmente, os agentes e atores.
seus contextos histórico-sociais. O fato é que as tradições e O frevo, manifestação cultural
Mais uma vez transgressor, expressões culturais e musicais musical e coreográfica, deriva
desempenhando um importante sofrem, na dinâmica diretamente dessa realidade. Suas
papel na promoção do patrimônio histórico-social, os influxos das formas e linguagens dependem das
e circulando entre fluidez mudanças, releituras e acréscimos. novas experiências. Vivifica-se e
e improviso, apropriação Elas se atualizam e se transformam, dinamiza-se na experimentação das
e sistematização. Assim se temporal e espacialmente, num diversas formas de representação,
apresenta o frevo tocado, cantado processo contínuo de renovação. nas formas de sentir e produzir.
e dançado, plural e singular, Mudam-se os métodos, materiais, Ele está atual, vivo e mutante. ¢
dossiê iphan 14 { Frevo } 62

O FREVO COMO OBJETO DE REGISTRO


dossiê iphan 14 { Frevo } 63

E STAN DA RTE, CA RNAVAL D E 1958.


FOTO: MÁ RI O DE CARVAL HO - ARQUIVO D O M USE U
DA CI DA DE DO R ECI F E, 1958.

D I REI TA
PA S SI STA 1 4 DA SÉRI E IC ONOGRÁFICA “PAS SISTAS”.
D ESEN HO: LA DJ AN E BAND E IRA, 1951- 1963.

O frevo constitui um valor


referencial para a cultura
pernambucana e brasileira, pois
contribui, sobremaneira, para
o reconhecimento e reprodução
sociocultural. Uma memória
de astúcias sutis, pelas quais cada
um inventa para si mesmo uma
maneira própria de negociar com o
congrega expressão e reação do viva, teimosamente recriada e poder, traduzindo, assim, o desejo
povo, fazendo emergir a grande ressignificada em sua criatividade por liberdade do povo e da cidade.
massa delirante do carnaval de e apresentação. Desse modo, não é Esse aspecto, inclusive,
rua. Uma forma de expressão apenas uma expressão musical ou permite reafirmar a dimensão do
marcada pela luta e resistência, coreográfica. Transcende o signo, percurso do frevo na elaboração
mas, também, reconhecida como invocando, construções simbólicas da identidade territorial e,
símbolo de alegria e explosão de e uma teia de significados que principalmente, na reorganização
contentamento, comungando permitem representar todo um do espaço urbano, sendo um
tensão e beleza plástica. povo. Manifestação de encontro e dos elos imprescindíveis para
Representa e traduz, fortemente, de convivência de uma multidão a existência da manifestação.
por um lado, um sistema cultural de fragmentos étnicos, sociais, Configurando-se como palco
complexo, carregando, em seus linguísticos e culturais. maior, as ruas serviram para forjar
elementos constituidores e Por outro, aciona e visibiliza laços sociais fortes, estabelecendo
histórias, os modos de vida, valores, um conjunto ampliado de atores, condições para a construção de
tradições e crenças, que permitem com seus saberes e fazeres, muitas processos de emancipação social.
entrelaçar experiências diversas vezes marginalizados, permitindo A paisagem recifense surge,
no tempo e espaço, imprimindo a expressão e diversão do “mundo assim, como o resultado de uma
vida, sentido e significado às proletário”. Nele, trabalhadores leitura, de uma apropriação por
diversas práticas históricas, sociais e operários, capoeiras e vadios parte dos brincantes, acionando
e culturais do povo pernambucano encontraram diversas maneiras de uma dimensão antropológica,
e brasileiro. Referências e subversão e transgressão do sistema uma memória e um testemunho
processos cuja existência vigente, num emaranhado de lutas, revelador das diversas
dossiê iphan 14 { Frevo } 64

PAS SISTA 3 DA S É RIE IC O NO GRÁ FIC A “ PA S S ISTA S ” .


DE SE NH O : L A DJA NE BA NDE IRA , 1 9 51 - 1 9 6 3 .

transmutações do território, sociais se apropriam desse espaço, tangos, quadrilhas, etc.)


o percurso histórico, as suas o experienciam e produzem executados pelas bandas marciais
adversidades e conflitos internos uma memória oral e escrita que e fanfarras, forjando, de forma
e externos. procuram explicar a dinâmica criativa e original, uma música
As próprias sedes das própria do construir-se desses frenética, ligeira e vigorosa, com
agremiações de frevo grupos sociais, a partir de uma uma instrumentação, ritmos,
constituem-se, até os dias atuais, trama, rede de relações sociais, melodias e tipologias próprias e
espaços materiais, simbólicos econômicas, políticas, culturais extremamente singulares.
e funcionais, ao mesmo e simbólicas. Essa tradicional Um binário sacudido, expresso
tempo, em que a memória é concentração de atividades gera a partir de figuras rítmicas e
constantemente elaborada, um dinamismo próprio que, para elementos melódicos próprios,
reelaborada e interpretada. Um além da própria representação com uma orquestração
ambiente propício para a troca, simbólica associada, reforça a forte desenvolvida a partir de um jogo
desenvolvimento de aptidões, territorialização da implantação de perguntas e respostas entre
reconhecimento da diversidade, dessas atividades, ligadas às metais e palhetas. Um gênero
afirmação das identidades e chamadas “culturas populares”. musical completamente original,
construção da cidadania, onde no É o frevo contribuindo na criação inventivo e único.
interior dessas relações emerge da nova representação da cidade. Apesar de ser uma música
o sentimento de pertença e amor Primeiro gênero musical identificada como regional,
pela manifestação. criado no Brasil, especialmente o frevo, na verdade, conseguiu,
Nesse sentido, esses edifícios para o Carnaval, o frevo surge, ao longo do tempo,
assim como os bairros onde estão entre o erudito e o popular, popularizar-se pelo país afora,
esses edifícios apresentam-nos como uma música urbana, da enfrentando obstáculos,
uma realidade plural e polifônica, amálgama de gêneros diversos inspirando a formação de grupos
pois os diferentes sujeitos e grupos (dobrados, polca, maxixe, e novas composições por artistas
dossiê iphan 14 { Frevo } 65

PA S S ISTA M IRIM NA A POT EO S E D O A N I V ER S Á R I O


DO PAÇ O DO FRE VO .
FOTO : C L É L IO TO M A Z /E X CLUS I VA !B R - A R QUI VO
FL IC K R DO PAÇ O DO FRE VO , 2 0 1 5 .

dança do frevo, quase sempre


individual, a sugerir agressividade
e defesa, ocorrendo em desfiles
como verdadeiros desafios de
lutas. Pernadas e cotoveladas,
competições violentas que muitas
vezes resultavam em acidentes
sérios. Uma verdadeira linguagem
corporal e cultural advindas do
disfarce da luta, da capoeiragem,
evocadas na malandragem,
no pertencimento e no
espírito libertário.
consagrados.16 Nas décadas Por outro lado, como dança, Não existem dúvidas, por tudo
de 1920 e 1930, comumente traz os movimentos corporais e isso, de que o frevo seja patrimônio
reconhecidas como “era do rádio”, coreográficos sob forte influência cultural imaterial brasileiro,
o gênero passa a ser amplamente dos capoeiristas. o que pode ser constatado a partir
divulgado, adquire novas Sentindo-se contagiados pelas da sua dimensão de referencial
influências, moderniza-se, ganha marchas excitantes, executados identitário, não para um grupo,
suas subdivisões, consagra-se e, pelas orquestras, os populares que etnia ou classe, mas para todos.
definitivamente, é reconhecido acompanhavam os passeios das Em seus aspectos de resistência,
pelo caráter nacional, dando agremiações e as bandas marciais, historicamente luta de classe, hoje
ênfase a artistas pernambucanos: forjaram, num processo lento e de mercado, evidencia-se a sua
Levino Ferreira, Nelson Ferreira, espontâneo, criativo e ousado, forma viva e mutante, expressa no
Capiba e José Menezes. o passo, como é conhecida a cotidiano do povo.
dossiê iphan 14 { Frevo } 66

DE S FIL E DO S BO NE C O S GIGANT ES EM O LI N DA .
FOTO : PA S S A RINH O - A RQU IVO DA P R EF EI T UR A DA
C IDA DE DE O L INDA , 20 0 6 .

Objeto de aceitação e negação novos artistas, grupos e métodos, mudança, tradição e invenção,
ao longo de sua existência, o frevo reafirmando sua capacidade de de imensa riqueza simbólica,
tornou-se um forte catalisador gerar novas composições, criações estética e cultural. Uma entidade
de transformações das relações e representações. transgeracional, fundada numa
étnicas, sociais, culturais e Atualmente, o frevo matéria viva, com forte ressonância
religiosas, fornecendo conteúdos encontra-se, mais do que nunca, social, cultural e política.
que fazem de “nós” algo específico disseminado e arraigado no Por tudo isso, identificam-se
no resultado do Brasil como imaginário popular e nas relações sentidos e valores vivos, marcos de
um todo culturalmente. Síntese sociais, em sua prática cotidiana. vivências e experiências, ou seja,
da transformação e associação Como Patrimônio Cultural representações ligadas ao frevo
de várias culturas, tradutor de Imaterial, apresenta-se que se configuram uma identidade
ideários e reinvindicações, o na forma de uma manifestação para a população pernambucana,
frevo passou de manifestação cultural musical, coreográfica, presentes nas edificações, nos
condenável e perseguida a símbolo poética e artística de caráter fazeres, nos hábitos, nos saberes,
de identidade nacional. individual e coletivo, nos costumes, enfim, verdadeiras
Sua força, inclusive, está, além absolutamente particular. referências culturais consideradas
da singularidade, na capacidade Condensa, num processo e valorizadas por toda população.
de reinvenção de suas tradições dinâmico de diálogo entre várias O frevo permite entrelaçar
e expressões que, ano após tradições, uma diversidade de as relações do tangível e
ano, vêm atualizando-se num linguagens, símbolos e memórias, intangível, revelando os valores,
processo contínuo de renovação. vivificando a identidade cultural e representações, fatos e realidades
Vivificam-se e dinamizam-se a história de um povo. culturais, seus meios, técnicas,
na experimentação das diversas Um repertório vasto e denso, ao necessidades e lógicas, enfim,
formas de representação, nas mesmo tempo, fundindo unidade o universo, sagrado e profano,
novas de sentir e produzir, nos e diversidade, permanência e ritualístico e artístico. ¢
dossiê iphan 14 { Frevo } 67
dossiê iphan 14 { Frevo } 68

Recomendações de Salvaguarda
dossiê iphan 14 { Frevo } 69

MEN I NA FAZEN DO O PAS SO NO C ARNAVAL D E 1955.


FOTO: ROB ERTO CAVAL CANTI - ARQUIVO D O
MUSEU DA CI DA DE DO RE CIFE , 1955.

D I REI TA
PA S SI STA 1 6 DA SÉRI E ICONOGRÁFIC A “PAS SISTAS”.
D ESEN HO: LA DJ AN E BAND E IRA, 1951- 1963.

S alvaguardar bem culturais


vivos, vinculados, sob o
ponto de vista humano, social
abrir uma possibilidade concreta
de projetos de diversas ordens
e intensidades que estimulem o
atribuição de valor e a consequente
apropriação diferenciada realizada
pelos diversos indivíduos e artistas.
e simbólico, aos diversos desenvolvimento de iniciativas Por essa visão, compreende-se
modos de criar, fazer e viver é direcionadas à memória, que a preservação efetiva se torna
absolutamente desafiador. Não inovação e criatividade. Além possível somente quando os
poderia ser diferente com o frevo, disso, exige um esforço de sujeitos, neste caso a comunidade
um fenômeno portador e tradutor investimento contínuo na produtora do frevo, são partes
de saberes, práticas e significados inovação, no aprimoramento da essenciais do contexto social, em
culturais, associados, de maneira cadeia produtiva e na inserção que o bem está inserido, quando
diversa e dinâmica, contraditória do mercado; no uso de novas seu significado é compreendido e
e conflitiva, a um pertencimento tecnologias e formulações valorizado pelas pessoas que dele
identitário e territorial. de modelos de negócios fazem uso. A igualdade de acesso
Mas do que preservar, pautados na criatividade; no aos procedimentos de preservação,
no sentido protecionista, talvez desenvolvimento de público e sua descentralização e sua adaptação
a principal tarefa seja a de formação de novas plateias. dinâmica às situações locais é
possibilitar a fruição, a difusão e Tal perspectiva nos permite determinante para o sucesso
a dinamização, contemporizando assumir, como premissa, dessas políticas. Trata-se de um
seus valores, formas e conteúdos. a assunção do papel protagonista investimento que mobiliza todos os
Significa investir na convivência dos detentores e produtores aspectos de uma cultura, desde os
e reflexão, experimentação e vinculados ao bem, sem modos de percepção, interpretação,
renovação, criação e difusão que desconsiderar, para tanto, construção e uso do patrimônio.
ofereçam um painel, aberto e os interesses em jogo e os conflitos Sem dúvida, a participação mais
contemporâneo, de narrativas, internos aos grupos, levando em expressiva requer investimentos
memórias e linguagens. Importa conta o próprio diferencial de na capacitação dos sujeitos que
dossiê iphan 14 { Frevo } 70

PAS SISTA M IRIM DO GRU PO DE PA S S ISTA S


“AD RIANA DO FRE VO ” .
FOTO: C A RO L A RAÚ JO , 20 0 6 .

compõem os grupos e agremiações Portanto, as propostas e a de um processo coletivo de


de frevo. Isso significa investir recomendação de salvaguarda preservação do frevo, socialmente
na educação patrimonial, num devem, nesse caso, objetivar responsável e institucionalmente
maior diálogo, para que os divulgar e apontar ações de compartilhado. Essa perspectiva
representantes dessa forma de valorização patrimonial, por meio permitiu, inclusive, elaborar,
expressão sejam fortalecidos com de atividades que se traduzam mesmo que embrionariamente,
conhecimento e habilidades para na sua maior divulgação, uma proteção mais ativa e
tratar dos assuntos pertinentes valorização e fortalecimento. compreensiva do processo de
a esse campo, em igualdade Salienta-se que durante a desenvolvimento do frevo.
de condições, com técnicos e aplicação da metodologia do Como resultado, obteve-se
representantes do poder executivo. INRC, ocorreram diversos a elaboração de um documento
Por outro lado, não se debates e diálogos direcionados norteador, denominado Plano
pode falar, no caso do frevo, à construção das diretrizes Integrado de Salvaguarda do Frevo,
em extinção ou risco de de salvaguarda. Todos eles estruturado em cinco eixos
desaparecimento, pois acreditamos realizados, principalmente, a centrais17 (Paço do Frevo;
que sua história e força estão partir da comunidade produtora Documentação; Educação;
registradas na memória e no (agremiações, grupos de Divulgação e Apoio às
imaginário coletivo do povo dança, passistas, compositores, agremiações). Todas as propostas
pernambucano e brasileiro. Nos intérpretes, estudiosos, procuraram atender a necessidade
modos como as pessoas povoam a especialistas e população em de evidenciar o caráter dinâmico
vida sociocultural do Estado e do geral), refletiram as preocupações e o universo ampliado que
país, sua forma de organização; e recomendações baseadas envolve a produção e manutenção
participação na festa, no nas lógicas cotidianas, mas, dessa forma de expressão. Nele,
cotidiano, nas intenções políticas também, apontaram para a estão presentes os princípios,
e nos sentidos por elas atribuídos. necessidade do estabelecimento objetivos e, principalmente, as
dossiê iphan 14 { Frevo } 71

INTEGRA NT E DO C O RA L FE M ININO DO
“BLO C O DA S FLO RE S ” , RE C IFE .
FOTO : C A RO L A RAÚ JO , 20 0 6 .

atividades e as ações, com papéis pela construção de um novo atores antes subestimados. Nesse
complementares, fundamentais modelo de gestão (jurídico, sentido, a patrimonialização
para a viabilização desse processo político, técnico e administrativo) desempenha papel essencial para
de estímulo e preservação do frevo. que fornece novos parâmetros para legitimar narrativas individuais e
Constitui-se, portanto, um o fomento do patrimônio imaterial. coletivas e favorecer a emergência
instrumento difusor de alcance Enfim, um processo democrático de um compartilhamento.
local e suprarregional de ações de controle, incorporando na É importante ressaltar que a
de valorização, reconhecimento sociedade a cultura da participação própria continuidade da tradição
e estímulo ao patrimônio, na gestão das políticas e dos de um grupo social se dá pela
tendo como protagonistas as investimentos públicos. transferência do patrimônio a
comunidades, os grupos e os Acredita-se, desse modo, partir das práticas sociais atribuídas
indivíduos que criam, mantêm que o registro do frevo a ele. Essa apropriação coletiva e/ou
e transmitem esse patrimônio, como Patrimônio Cultural individual do patrimônio alimenta
associando-os ativamente à sua Imaterial do Brasil, associado os sentimentos de identificação
gestão. Assim, músicos, maestros, à formatação de orientações de e de atribuição de valor ao bem.
compositores, arranjadores, salvaguarda, repercute positiva e Assim, a brincadeira é vivida de
cantores, passistas, dançarinos, eficientemente, promovendo um forma muito mais orgânica em
produtores e integrantes das processo ativo de conscientização seus afazeres, valores, normas,
agremiações têm a função no plano local e nacional, em comportamentos. É por meio dela
de acompanhar, fiscalizar, especial e entre as novas gerações, que a identidade vai se construindo
elaborar um instrumento de acerca da sua importância e e se reconfigurando ao longo do
monitoramento e participar da preservação. Incide, assim, processo histórico; é nela que os
execução do plano, propiciando sobre a própria afirmação sujeitos vão se conhecendo, nos
condições de planejamento, gestão, de identidades locais, ao dar sucessivos encontros e desencontros
compartilhando responsabilidades visibilidade à presença social de das diferentes histórias de vidas. ¢
dossiê iphan 14 { Frevo } 72

A RRA STÃO DO FRE VO , “ DIA D O F R EVO D E B LO CO ”.


FOTO : C L É L IO TO M A Z /E X C LUS I VA !B R - A R QUI VO
FL IC K R DO PAÇ O DO FRE VO , 2 0 1 5 .

Notas

1. MONTEIRO (2011, p. 57). 6. TRINDADE (1950). discos em 78 r.p.m. permite ao frevo


2. A equipe foi composta por uma 7. Agremiações e seus patronos: viver um dos seus mais expansivos
coordenadoria técnica; três consultorias Lenhadores Olindense, São Pedro; percursos. Além disso, a empresa abre
nas áreas de: etnomusicologia, dança e Clube das Pás, São José; blocos espaço para músicos, compositores,
literatura; e uma assessoria em assuntos Banhistas do Pina, Nossa Senhora instrumentistas e intérpretes, para
relacionados às agremiações, concursos e da Conceição, neste último, as cores técnicos em gravação, engenheiros de
carnaval recifense. Os trabalhos contaram do bloco fazem referência ao azul som, copistas de partituras, entre outros
com um grupo de nove pesquisadores e e ao branco das vestes da santa. profissionais. Associada à gravadora,
uma supervisão. Contou-se também com 8. Antônio Carlos Nóbrega, em o parque gráfico produz capas e selos
os trabalhos de fotógrafos, transcritores, entrevista realizada em 2006. para os discos. Os sucessos da Rozenblit
revisores e uma equipe de vídeo 9. REAL (1990, p. 19). alimentam os programas radiofônicos
(diretores, cinegrafistas, técnicos de 10. REAL, op. cit., p. 10. e a tornam conhecida nacionalmente.
som, diretor de fotografia e roteirista). 11. Id., 1990, p. 11. 15. TELES (2008, p. 23).
3. A palavra “entrudo” vem da 12. OLIVEIRA (1985, p. 116). 16. Caetano Veloso, Gilberto
expressão latina “introito”, 13. ARAÚJO (1996) Gil, Edu Lobo, Tom Jobim, Vinicius
que quer dizer introdução, 14. Nos anos de 1950, quando de Moraes, entre tantos outros.
referindo-se, assim, ao período as multinacionais do disco não 17. O Paço do Frevo, iniciativa da
que introduz a Quaresma. demonstravam nenhum interesse Fundação Roberto Marinho e da Prefeitura
ARAÚJO (1996, p. 119). em gravar frevo, o comerciante José do Recife, inaugurado em 9 de fevereiro
4. Bairros centrais da Rozenblit resolve criar no Recife a de 2014, constitui-se hoje um centro de
cidade do Recife. indústria fonográfica Rozenblit, com referência de ações, projetos e atividades
5. Os blocos são responsáveis pela uma fábrica de discos, um estúdio de que buscam viabilizar a valorização,
difusão da música tanto para a classe última geração e um parque gráfico. documentação, proteção, transmissão
média como, posteriormente (década de Nos anos de 1953 e 1975, entre e salvaguarda do frevo. Mais do que
1930), para as rádios e os clubes sociais. outros selos, o Mocambo, com seus um museu, que geralmente trata de
dossiê iphan 14 { Frevo } 73

memória, o Paço do Frevo é um espaço emanadas da Secretaria de Cultura e da fomento e formação. Nesse sentido, estão
onde brincantes, músicos, passistas se Fundação de Cultura da Prefeitura do previstas atividades como identificação e
encontram, além de pesquisadores, Recife. Os contatos são catalogação dos documentos, a produção
entidades representativas, como o <www.pacodofrevo.org.br/>; de cópias numeradas e catálogos
Comitê Gestor de Salvaguarda do Frevo <www.facebook.com/pacodofrevo/>; consultáveis na internet, publicar e distribuir
e instituições afins. É o local de reflexão e (81) 3355-9500. No eixo livros, reeditar obras raras, CDs, DVDs
sobre os rumos desse patrimônio cultural. “Documentação”, são propostas ações que e outros produtos de maneira ampla.
A dinâmica desse patrimônio imaterial facilitem a preservação do patrimônio 18. Dossiê de candidatura do Frevo.
vai determinar a atualização permanente documental contido nos acervos 19. ANDRÈS, Luiz Phelipe. Parecer
do espaço, seja pela ação dos atores particulares, nas sedes das agremiações sobre o “Terreiro Casa das Minas, de São
diretamente envolvidos na manifestação, (Espaços de memória do frevo), assim Luís, Estado do Maranhão”. Processo
seja pelas políticas públicas específicas como a tomada de medidas práticas de n. 1464-T-00, em 17 ago. 2002.
dossiê iphan 14 { Frevo } 74

A RRA STÃO DO FRE VO , “ PITO M B EI R A D O S


QUAT RO C A NTO S ” .
FOTO : C L É C IO TO M A Z /E X C LUS I VA !B R - A R QUI VO
FL IC K R DO PAÇ O DO FRE VO , 2 0 1 5 .

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ARRA STÃO DO FRE VO , C LU BE C A RNAVA L E S C O


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FOTO : C L É L IO TO M A Z /E X C LU S IVA ! BR - A RQU IVO
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PA S S ISTA S 1 7 E 1 9 DA S É RIE IC O NO G R Á F I CA
“ PA S S ISTA S ” .
DE S E NH O : L A DJA NE BA NDE IR A , 1 9 5 1 -1 9 6 3 .

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dossiê iphan 14 { Frevo } 78

FL A BE LO DO BLO C O C A RNAVALES CO MI STO


“ BA NH ISTA S DO PINA” .
FOTO : A RQU IVO DE L INDIVA LD O O LI V EI R A ,
20 0 0 - 20 0 5.

Anexo 1
Parecer do
relator

Processo nº O presente processo dá que me coube, na qualidade de


01450.002621/2006-96, continuidade aos registros de bens conselheiro integrante da Câmara
Solicitação de Registro do Frevo/ imateriais, sendo o décimo de uma do Patrimônio Imaterial de ser o
PE a ser inscrito no Livro das série que se iniciou com o “Ofício relator, de preparar o parecer final
Formas de Expressão como das Paneleiras de Goiabeiras” e submetê-lo à apreciação deste
Patrimônio Cultural Brasileiro. primeira inscrição do Livro dos Egrégio Conselho. Para tanto devo
Saberes em novembro de 2002, agora desincumbir-me da tarefa de
Ilmo. Sr. Presidente do IPHAN. passando pela “Arte Kusiwa” dos transmitir ao demais conselheiros,
Ilmos Srs Conselheiros. índios Wajãpi, (1ª do Livro das uma síntese do vasto dossiê que
Formas de Expressão); “Modo de me veio às mãos. Na verdade um
Foi com satisfação que recebemos Fazer Viola de Cocho” (2º do Livro privilégio de haver compulsado,
do Sr. Presidente do IPHAN, Dr. dos Saberes); “Samba de Roda do ainda que por um breve período,
Luiz Fernando de Almeida, através Recôncavo Baiano” (2º do Livro este valioso acervo de informações.
da Professora Anna Maria Serpa das Formas de Expressão); “Círio Cumpre-me desde já ressaltar
Barroso, a tarefa de examinar e de Nª Sª de Nazaré de Belém do a qualidade do material reunido
opinar sobre o processo de registro Pará” (1º do Livro das Celebrações); pela equipe de especialistas e
do Frevo como relevante forma “Ofício das Baianas do Acarajé” consultores em tempo recorde de
de expressão da cultura brasileira (3º do Livro dos Saberes); “O seis meses. Lembrando que, dentre
e em especial pela oportunidade Jongo” (3º do Livro das Formas processos anteriores por mim
de estarmos contribuindo para de Expressão); “A Cachoeira de relatados encontrei alguns de longa
a consolidação da política de Iauaretê” que inaugurou o Livro tramitação, o último deles com
salvaguarda do Patrimônio Imaterial, dos Lugares e finalmente a “Feira de 27 anos. Este de agora, a exemplo
que vem sendo praticada com êxito Caruaru” (2ª do Livro dos Lugares). dos nove outros de Patrimônio
pelo IPHAN a partir do decreto nº Sei da imensa responsabilidade Imaterial acima mencionados, pela
3.551 de 04 de agosto de 2000. e sinto-me honrado pela missão presteza e qualidade, nos oferece
dossiê iphan 14 { Frevo } 79

D E SFIL E DO BLO C O C A RNAVA L E S C O M ISTO


“BAT U TA S DE S ÃO JO S É ” NO RE C IFE A NT IGO .
FOTO : A RQU IVO DA PRE FE IT U RA DO RE C IFE , 20 0 6 .

uma auspiciosa visão de mudanças dois outros nomes que honram de seus conteúdos após o registro,
e conquistas que apontam para e dignificam a intelectualidade colocando-os didaticamente
uma nova fase do IPHAN, de Pernambuco, Marcos Villaça ao alcance da sociedade e dos
que assim parece aproximar-se e Joaquim Falcão, que atuaram meios acadêmicos, como forma
cada vez mais da percepção decisivamente ao lado de Thomas de socialização das informações
holística e integral de cultura. Farkas e Eduardo Portella para organizadas, tão ricas e caras e tão
Esta visão de patrimônio por alcançar a realidade do decreto duramente amealhadas e reunidas.
sua vez foi expressa de forma 3.551 que em 04 de Agosto de Assim é que, ao examinar
premonitória e pioneira ainda no 2000, instituiu o registro de Bens os autos deste processo, pude
início da década de 30 do século Culturais de Natureza Imaterial. constatar que o mesmo está
passado, no projeto de Mário Observe-se que o Departamento muito bem instruído e atende às
de Andrade, um dos grandes de Patrimônio Imaterial, tão normas exaradas pelo IPHAN. Irei
responsáveis pela criação desta casa recentemente criado, em 07 destacar as peças mais relevantes:
e que foi secundado pelo ilustre de Abril de 2004, como um 1- O processo se origina
e saudoso pernambucano Aloísio coroamento de toda esta trajetória, com a solicitação formal para
Magalhães nos anos 70, que por vem adotando procedimentos as providencias de registro, que
sua vez criou e dirigiu o CNRC exemplares na metodologia de neste caso é o ofício nº 085 de
e a Fundação Nacional Pró- salvaguarda dos bens sob sua 20 de fevereiro de 2006, dirigido
Memória, dando grande prioridade alçada. Não só no que se refere à ao Ministro Gilberto Gil, tendo
aos esforços de preservação dos metodologia consolidada para a como proponente a Prefeitura do
conhecimentos tradicionais. Já no realização dos estudos e pesquisas Recife e assinado pelo Prefeito
final dos anos 90 foi finalmente aplicados na composição dos João Paulo Lima e Silva.
constituída a comissão que realizou dossiês como também, no ato No Anexo II do dossiê
a regulamentação do Patrimônio contínuo de preparar excelente pode-se encontrar uma vasta
Imaterial e da qual faziam parte material de divulgação e difusão “Programação do Centenário do
dossiê iphan 14 { Frevo } 80

A RRA STÃO DO FRE VO , “ DIA D O F R EVO D E B LO CO ”.


FOTO : C L É L IO TO M A Z /E X C LUS I VA !B R - A R QUI VO
FL IC K R DO PAÇ O DO FRE VO , 2 0 1 5 .

Frevo”. Promovida pela Prefeitura documentos ao mesmo tempo em metodologia, treinamentos


do Recife, ela se estendeu por que endossa o referido pleito; e logística, ocasião em que
todo o ano de 2006 e resultou 4- Em 17 de Março, a diretora estabeleceram-se as bases para um
em grande mobilização no do DPI, Dra. Márcia Sant´Anna trabalho integrado. Como resultado
sentido de valorizar por todas determina a abertura do processo; da metodologia estabelecida
as formas a manifestação. 5- Em 12 de Abril, o naquele encontro e diante do
Trata-se aqui do reconhecimento Gabinete do DPI comunica este exíguo prazo, as equipes tiveram
ao indispensável papel que deve ato ao Prefeito de Recife: que trabalhar com dedicação e
exercer o poder público local, 6- Em documento datado de competência para produzir material
cujas iniciativas e políticas 09 de junho de 2006, encontrei suficiente e a altura do acervo em
tornam-se decisivas. E neste caso, a pauta de um encontro realizado questão. Tratava-se de garantir
temos na origem do processo uma em Recife que se afigura como um que toda a documentação pudesse
firme e inequívoca indicação de evento de importância estratégica estar disponível para chegar à
comprometimento e sensibilidade. para a preparação do dossiê, análise deste Conselho Consultivo
2- Em 24 de Fevereiro, através do seminário denominado a tempo de ser apresentada no
chancelado pelo Exmo Sr. Ministro Formação do Grupo de Trabalho dia do aniversario de 100 anos
da Cultura Gilberto Gil, o processo para o Registro do Frevo como da palavra FREVO ou seja, hoje,
foi encaminhado ao Gabinete Patrimônio Imaterial com a dia 09 de Fevereiro de 2007;
do presidente do IPHAN, Dr. participação de dirigentes e técnicos 7-Em 05 de Dezembro
Luiz Fernando de Almeida; da Prefeitura do Recife e do DPI e de 2006 a 5ª SR encaminha
3- Em 10 de Março o 5ª SR/IPHAN, acrescidos de uma à Dra. Márcia Sant´Anna, o
Superintendente Frederico dezena de especialistas convidados. circunstanciado parecer técnico
Faria Neves Almeida da 5ª Durante o evento foram de autoria da Antropóloga Elaine
SR, encaminha ao presidente proferidas palestras e ministrada Müller que já naquela instância
do IPHAN o segundo lote de a oficina de preparação da se manifestava declaradamente
dossiê iphan 14 { Frevo } 81

A RRA STÃO DO FRE VO , C LU B E CA R NAVA LES CO


“ BO L A DE OU RO ” .
FOTO S : A NDE RS O N ST E V E N S / EXCLUS I VA !B R -
A RQU IVO FL IC K R DO PAÇ O D O F R EVO , 2 0 1 5 .

favorável ao Registro do Frevo. 11- Em 02 de janeiro o do bem e de sua relevância para


Junto encontrava-se o dossiê processo foi encaminhado a memória nacional do ponto
em sua versão definitiva, ao presidente do IPHAN; de vista cultural, histórico,
incluindo o “Plano Integrado 12- De 12 de janeiro de 2007, étnico, antropológico e social.
de Salvaguarda do Frevo”; é datado o parecer da procuradoria A documentação que me
8- Em 29 de Dezembro de informando que o processo se chegou às mãos está fartamente
2006 inclui-se o Parecer exarado encontra regularmente instruído apresentada em centenas de fichas,
pela Gerente de Registro Ana em seus aspectos formais e que periódicos, CDs, vídeos, DVDs,
Cláudia Lima e Alves que também decorridos 30 dias do aviso o livros, mapas e plantas, partituras,
se manifesta vivamente favorável; mesmo poderia ser apresentado fotografias, catálogos e documentos
9- Em 02 de janeiro de a este Conselho Consultivo; textuais, e foi organizada em
2007 o processo devidamente 13- Em 28 de janeiro foi sete caixas arquivo pela Gerência
instruído e com todos seus anexos encaminhado a este conselheiro de Registro, facilitando nosso
é enviado à douta Procuradoria que agora lhes apresenta o parecer; trabalho de análise e avaliação.
Geral Federal do IPHAN para Assim, constatamos que, do O dossiê contém ainda um
exame e pronunciamento; ponto de vista formal, os requisitos inventário dos acervos de uma
10- Em 09 de Janeiro de 2007 técnicos, jurídicos e burocráticos série de instituições, favorecendo
são anexados os documentos exigidos pela regulamentação novas pesquisas assim como
comprobatórios de que foram do IPHAN, foram largamente ensejando ao IPHAN referências
publicados no Diário Oficial da atendidos e estão presentes neste necessárias ao acompanhamento
União os avisos de comunicação processo e a generosa informação do bem registrado.
ao público interessado para encontrada no dossiê, passa a se Como nos transmite a
eventuais manifestações sobre constituir num bom exemplo de análise objetiva do parecer de
o registro, com o devido prazo trabalho realizado para a necessária Ana Cláudia Lima e Alves,
de 30 dias de antecedência. comprovação do valor cultural gerente de registro do DPI:
dossiê iphan 14 { Frevo } 82

A RRA STÃO DO FRE VO , “ DIA D O F R EVO D E B LO CO ”.


FOTO : C L É L IO TO M A Z /E X C LUS I VA !B R - A R QUI VO
FL IC K R DO PAÇ O DO FRE VO , 2 0 1 5 .

“queremos enfatizar que foram reunidos É de se destacar que neste caso, Em pouco tempo eles reuniram
pela pesquisa, e estão densamente a ação meritória da Secretaria centenas de depoimentos
apresentados no presente processo, Municipal de Cultura do Recife, cuidadosamente registrados nos
todos os aspectos culturalmente que assumiu as tarefas de instrução modelos de ficha do INRC,
relevantes para a compreensão do do processo, sob a supervisão da e mais de 32.000 assinaturas de
Frevo pernambucano: suas origens, 5ª Superintendência Regional e anuência ao pedido de Registro
transformações e continuidade do Departamento do Patrimônio e foram ao encontro da história
histórica; suas diferentes modalidades Imaterial do IPHAN, que desta cultura. Aquela história
musicais, instrumentais, rítmicas; forneceram a metodologia do que brota da infinidade de vozes,
seus emblemas e iconografias; seus INRC, assim como o treinamento e dos testemunhos apaixonados
compositores, músicos e poetas; suas acompanhamento de sua aplicação. de maestros, compositores,
bandas e orquestras; seus dançarinos, O que se pode observar dos brincantes, dançarinos, músicos,
coreógrafos e brincantes; seus passos, resultados, é que um verdadeiro intérpretes, coreógrafos, do que
gestos, danças, coreografias; os sentidos batalhão de pesquisadores, está gravado nas letras de música,
atribuídos pelos sujeitos, apreciadores especialistas e funcionários das nas capas de disco, nos livros e
e estudiosos do frevo às suas diferentes instituições de cultura envolvidas, textos já escritos sobre o assunto.
expressões; os conflitos e tensões que se colocou em campo com método Contada e cantada em prosa
também constituem o frevo, e/ou são e dedicação, diríamos que no ritmo e verso, com entusiasmo, com
constituídos por ele; seus lugares de acelerado do Frevo. Entre créditos vibração, com alegria contagiante,
preparação e ocorrência, os roteiros institucionais e da equipe técnica passada de pai para filho, de
dos cortejos e desfiles, as retretas, as conferimos nada menos do que geração em geração, ou nas rodas
ruas e praças de Recife e Olinda; os 138 profissionais envolvidos o que de amigos, nos bairros tradicionais,
clubes, blocos e troças que fazem do torna impossível mencioná-los aqui nos coretos, nas bandas, orquestras
carnaval frevente a expressão mais um a um e seria talvez injusto com de rua, nos blocos carnavalescos,
significativa de sua identidade cultural”. os demais destacar alguns nomes. nas retretas, nas ruas da cidade,
dossiê iphan 14 { Frevo } 83

B LOCO CA RNAVA LESC O M ISTO “PIE RROT DE


S ÃO J OSÉ” .
FOTO: P REF EI TURA DO RE C IFE , 2000- 2006.

nas praças, nas rádios e televisões, o repertório do Clube Carnavalesco o nordestino e que é o brasileiro.
nas mesas de um bar, é sem Empalhadores do Feitosa. Entre Ela está i-materializada no
dúvida uma história com a força as peças a serem apresentadas imaginário popular. E o resultado
e legitimidade imanente da “vox pela orquestra estava a marcha desta colheita é emocionante por
populi” e das verdades eternas. O frevo. Mas tudo indica que a mais “científico” que seja o analista.
Dizem todos que a palavra Frevo palavra, corruptela do verbo ferver, Não há como ficar impassível perante
vem desta efervescência que assalta dita popularmente frever, já era a emoção que brota desta arte.
a turba no calor do carnaval, que empregada antes disso pelo povo. E não obstante a palavra Frevo
vem de “ferver” pronunciado no A analogia entre o Frevo e tenha sido registrada pela primeira
jargão popular como “frever”. algo que “ferve”, e o calor das vez há exatos 100 anos as informações
Ou como nos conta Elaine massas populares, em especial no levantadas neste inventário dão
em trecho de seu parecer Carnaval, a própria metáfora do conta das origens do Frevo ainda
que agora transcrevo: Frevo brotando inconscientemente nos meados do século XIX, quando
como uma tradução do desejo por capoeiristas eram utilizados para
“Em sua origem, a palavra frevo “estava liberdade do povo e da cidade, sair na frente das bandas musicais
muito mais relacionada à efervescência assim como a água que ferve na com intuito beligerante e aguerrido,
e ao rebuliço das multidões nas ruas chaleira, são recursos textuais capaz de proteger seus integrantes
(vinculadas à conjuntura social e cultural utilizados no dossiê e no vídeo de de agressões de bandas rivais.
da cidade), do que à música, que na época candidatura para falar das origens e Segundo o depoimento de
era chamada de marcha carnavalesca”18. da apropriação popular deste bem. Ariano Suassuna registrado
Esta é pois uma história que não no vídeo de candidatura,
O termo foi registrado pela deixa dúvidas, que se confirma em
primeira vez “em letra de forma” cada prosa, em cada esquina, que “o “passo” que é a dança que acompanha
em 9 de fevereiro de 1907, no se funde e se mistura com a história o Frevo surgiu do jogo da capoeira.
Jornal Pequeno, onde se publicou sofrida do povo pernambucano que é No início do XIX, bandas de música
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tinham caráter político e sendo ligadas como estratégia de sobrevivência é tamanha força e notoriedade por se
a partidos adversos, cada uma delas hora de registrar que o frevo hoje constituir em movimento coletivo
contratava capoeiras para irem dançando não só se revela como repositório e popular de massa, mas também
na frente para defender seus integrantes de conceitos sociais, antropológicos pelo desempenho individual de
de eventuais ataques.... e destes passos disponíveis ao melhor entendimento dezenas de seus compositores,
dos capoeiristas nasceu o tipo de passo de nossa cultura urbana, mas intérpretes e maestros, muitas vezes
que é a dança que acompanha o frevo.” como arquivo vivo, onde os anônimos, mas dentre os quais
estudiosos podem ler os signos que encontramos um destaque especial
E como bem observa Elaine traduzem as origens culturais de para compositores como Capiba,
Muller em seu parecer: nosso povo e da imensa parcela de Edgar Moraes, Nelson Ferreira,
contribuição que coube aos negros Antônio Maria, Levino Ferreira,
“Também questões de gênero – os africanos na construção do país. João Santiago, Marcelo Varella,
diferentes ethos dos diferentes tipos de Como reforça Elaine Getúlio Cavalcanti, J.Michilles, por
frevo, a participação diferenciada das em seu texto: suas obras antológicas e imortais,
mulheres nos diferentes blocos – são considerados como verdadeiros
apontados no dossiê, que se apresenta, “Quando nos detemos um pouco clássicos do gênero. Mas também
assim, como uma obra de referência sobre na história do frevo descobrimos pelo relevante papel exercido pelos
o Frevo, que vai além de uma compilação a relação estreita, quando na maestros dentre os quais o dossiê
de dados para um fim administrativo”. sua origem, com os “capoeiras”, menciona os maestros Constantino,
negros escravos recém-libertos que Bartolomeu Noronha, Geraldo Silva,
E não posso deixar escapar a trabalhavam no espaço urbano” Nunes e Duda, e ainda dentre aqueles
oportunidade de lembrar também que atuam hoje no sentido renovador
que se o papel do negro no contexto Entre todos os especialistas que da forma de expressão se destacam
desta forma de expressão teve que a estudaram, já existe o consenso o Maestro Spock e o artista Antônio
ser disfarçado ao longo do tempo de que esta manifestação alcançou Carlos Nóbrega, notáveis pela
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PA S SI STA S 7, 6 E 8 DA SÉ RIE ICONOGRÁFIC A


“PAS SI STAS” .
D ESEN HO: LA DJ AN E BAND E IRA, 1951- 1963.

criatividade, talento inato, capacidade destas cidades de Pernambuco. fins do século XIX. Eram estas bandas
de liderança e entusiasmo na Nem de longe penetrar na que animavam os eventos públicos e as
forma de compartilhar e transmitir diversidade musicográfica festividades, explorando sua mobilidade
ensinamentos sobre o frevo. carregada de múltiplas expressões e alcance numa época em que não
O papel dos intérpretes e das como “Frevo de rua”, “frevo de existia a reprodução de música e as
agremiações não foi esquecido, mas bloco”, “frevo-canção” ou ainda apresentações eram todas ao vivo”.
é tão profusa a lista que se torna de descrever porque o frevo
também arriscado citá-los para não de rua se subdivide em mais Consideramos oportuno
incorrer em injustiças por omissão. três tipos, o “frevo-coqueiro”, reiterar o reconhecimento de
Assim é que a pesquisa desta “frevo-ventania” e “frevo de que o estudo de manifestações
forma de expressão, o decifrar de abafo”. Estes aspectos já foram da cultura popular como o
seus rituais, modos e tradições, brilhantemente abordados pelos Frevo tem permitido melhor
também nos permitem cada especialistas em seus respectivos entendimento sobre a formação
vez mais aprofundar os estudos depoimentos e textos que constam do povo brasileiro. De fato, além
na busca de compreensão do dos autos deste processo. das pesquisas antropológicas e
fenômeno de constituição da nação Gostaria apenas de etnográficas já realizadas, temos
brasileira e de seu comportamento compartilhar mais um excerto todo um campo aberto à sociologia
ao longo dos séculos, ampliando do brilhante parecer de Elaine urbana que pode ser traçada a
conhecimentos sobre a gênese Muller onde se lê que: partir da trajetória do FREVO,
da sociedade contemporânea. em decorrência de sua grande
Não cabe aqui nenhuma “A música do frevo tem sua origem vascularização e presença em
pretensão de analisar o mérito da na fusão de gêneros diversos, como a todas as camadas da sociedade.
questão do riquíssimo patrimônio polca, a mazurca e o dobrado, e seu Assim é que a pesquisa destas
musical e coreográfico que através encontro com as bandas de música, expressões, o decifrar de seus rituais,
do Frevo, pulsa vivo no cotidiano militares e civis, muito em voga em modos e tradições, permitem cada
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vez mais aprofundar os estudos carnavalescas ou ainda dos Clubes propósito de defesa e sobrevivência
na busca de compreensão do de Frevo. Há no dossiê uma vasta os integrantes das tais “corporações
fenômeno de constituição da nação e muito bem detalhada cartografia de ofícios” e “companhias de negros”
brasileira e de seu comportamento evidenciando estes aspectos. que posteriormente deram origem às
ao longo dos séculos, ampliando Os estudos do Frevo e a busca de agremiações carnavalescas e clubes de
conhecimentos sobre a influência suas origens permitem-nos também frevo acabavam por se reunir sob o
das diversas culturas na gênese lançar um outro olhar sobre a manto de irmandades religiosas como
da sociedade contemporânea. evolução social de Pernambuco que alternativa utilizada para aglutinar
No caso particular de Recife por sua vez é representativa de várias suas forças e resistir em condições
e Olinda é possível, através da épocas. É o retrato e o resultado de mínimas de vida e trabalho.
observação do posicionamento dos um modelo de economia baseado na Assim venho renovar aqui a
pontos de Frevo no mapa atual, mão de obra escrava, no latifúndio e minha profissão de fé no ofício que
ampliar a compreensão acerca na exportação em massa de produtos desempenhamos neste Conselho,
dos caminhos que determinaram agrícolas e seus derivados que se e fazendo uma adequação ao que
sua evolução a partir do núcleo reproduziu de norte a sul do país tenho afirmado anteriormente
original localizado nas áreas nos tempos da colônia e império sobre o ato de tombamento de bens
primordiais do assentamento originando a concentração da materiais gostaria de lembrar que
que hoje são reconhecidas como riqueza e produzindo as grandes também neste caso de registro de
“centros históricos”. Pode-se levas de excluídos. Aspectos que bens de natureza dita imaterial:
acompanhar seu desenvolvimento até hoje afligem e depreciam a
urbano e a consolidação dos bairros imagem da sociedade nacional. “o ato de proteção, que está implícito na
populares nos depoimentos que Permite-nos ainda identificar as figura do registro, vai muito além do que
registram o movimento e a origem criativas estratégias de sobrevivência sugere a eventualidade da questão, ele
das “sociedades populares” como destas classes desfavorecidas pelo incide também sobre a auto estima das
eram conhecidas as agremiações regime colonialista. Pois com o pessoas diretamente envolvidas, bem como
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PAS SISTA 1 8 DA S É RIE IC O NO GRÁ FIC A “ PA S S ISTA S ” .


D E SE NH O : L A DJA NE BA NDE IRA , 1 9 51 - 1 9 6 3 .

da comunidade envoltória, ele também mas também pela necessidade Acervos como o do Frevo,
confere valor. E como valoriza, ele eleva e de proteção e resgate de uma por se constituírem em importante
estabelece uma aura de respeito sobre o bem arte que abriga importantes foco de resistência da cultura
que se pretende preservar. O registro não é testemunhos desta história e onde legitimamente nacional e dos
somente um ato jurídico e burocrático, mas se preserva e transmite valiosas excluídos, não só tem relevância
uma estratégia de distinguir, de divulgar, de tradições e conhecimentos. para o Estado de Pernambuco e
fortalecer argumentos de defesa, e portanto, Com o passar do tempo, o que para o país, mas se revestem de
um caminho para consolidar as perspectivas fora a agressividade dos capoeiras um valor universal, como lição de
de continuidade para o futuro”19. que exprimiam a necessidade de liberdade e humanidade.
defesa em formas de luta contra E concluindo assim, sou de parecer
Reconhecer a importância e uma oligarquia escravocrata favorável ao registro do FREVO
valor destas manifestações, que tornou-se em expressão de alegria no livro das Formas de Expressão
abrigam em sua história toda a contagiante e otimismo e o povo como Patrimônio Cultural de
carga cultural de arte popular, pernambucano soube fazer da Natureza Imaterial do Brasil,
religiões e crenças e séculos de resistência contra a opressão, uma
luta contra opressão é portanto, lição de liberdade e humanidade. Esta é a avaliação que submeto
favorecer a sua proteção e ao assim E o Frevo é hoje reconhecido aos demais conselheiros.
proceder, estamos cumprindo como um dos mais notáveis
nossa obrigação constitucional que ritmos brasileiros e faz parte das Recife, em 09 de Fevereiro
é a de defender a cultura do país. artes que melhor representam de 2007.
De fato o registro do FREVO nossa herança cultural. Portanto,
se impõe, não somente pelo não se trata mais de um exagero Luiz Phelipe de Carvalho
reconhecimento do seu valor da antiga “Rádio Jornal”. O Castro Andrès
como documento da história e FREVO é de fato, “Pernambuco Conselheiro do Conselho
da resistência cultural no Brasil, falando para o mundo”. Consultivo do IPHAN.
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Anexo 2
certidão de
registro
do Frevo
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“A M Ã E É M INH A” .
FOTO : L E IL A NE NA S C IM E NTO , 20 0 8.

PÁGI NA 89
D E SFIL E DO S BO NE C O S GIGA NT E S ,
CARNAVA L DE O L INDA .
FOTO : PA S S A RINH O , 20 0 6 .

Este livro foi produzido no


outono de 2016 para o Instituto
do Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional.

Foi composto nas tipografias


Rosewood (títulos) e MrsEaves
(textos), corpo 12/14.4, em papel
couché matte 150 g/m (miolo).
DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGAÇÃO

NA PUBLICAÇÃO (CIP)

BIBLIOTECA ALOÍSIO MAGALHÃES, IPHAN

F891 Frevo / coordenação, Yêda Barbosa. – Brasília, DF : Iphan,


2016.
92 p. : il. color. ; 25 cm. – (Dossiê Iphan ; 14)

ISBN: 978-85-7334-295-6

1. Patrimônio imaterial. 2. Frevo. 3. Dança folclórica.


4. Música folclórica. I. Barbosa, Yêda. II. Série.

CDD 793.31

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