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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA - UEFS


DEPARTAMENTO DE LETRAS E ARTES – DLA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DESENHO, CULTURA E
INTERATIVIDADE – PPGDCI

FRANCISCO OTÁVIO LIMA FERREIRA

REPRESENTAÇÃO DO MOVIMENTO NOS DESENHOS RUPESTRES


DAS SERRAS ISABEL DIAS, EM MORRO DO CHAPÉU-BA

FEIRA DE SANTANA - BA
2017
1

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA - UEFS


DEPARTAMENTO DE LETRAS E ARTES – DLA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DESENHO, CULTURA E
INTERATIVIDADE – PPGDCI

FRANCISCO OTÁVIO LIMA FERREIRA

REPRESENTAÇÃO DO MOVIMENTO NOS DESENHOS RUPESTRES


DAS SERRAS ISABEL DIAS, EM MORRO DO CHAPÉU-BA

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-


Graduação em Desenho, Cultura e
Interatividade da Universidade Estadual de
Feira de Santana, como exigência parcial para
a obtenção do título de Mestre em Desenho,
Cultura e Interatividade.

Orientadora: Professora Dra. Ivoneide de


França Costa.

FEIRA DE SANTANA - BA
2017
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FRANCISCO OTÁVIO LIMA FERREIRA

REPRESENTAÇÃO DO MOVIMENTO NOS DESENHOS RUPESTRES


DAS SERRAS ISABEL DIAS, EM MORRO DO CHAPÉU-BA

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-


Graduação em Desenho, Cultura e
Interatividade da Universidade Estadual de
Feira de Santana, como exigência parcial para
a obtenção do título de Mestre em Desenho,
Cultura e Interatividade.

Feira de Santana, 20 de fevereiro de 2018.

BANCA EXAMINADORA

Profª. Drª. Ivoneide de França Costa


Universidade Estadual de Feira de Santana – UEFS (orientadora)

Prof. Dr. Carlos Etchevarne


Universidade Federal da Bahia

Prof. Dr. Carlos Costa


Universidade Federal do Recôncavo Baiano
3

A Luana, Arthur, Luíz Otávio, Letícia e Luísa.


4

AGRADECIMENTOS

A minha Orientadora, Profª. Drª. Ivoneide de França Costa, pela paciência,


orientação competente e apoio.

A CAPES – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior


pelo apoio fundamental a esta pesquisa.

Aos meus filhos, Kátia, Claudia, Francisco Jr. e Alex, pelo incentivo de todas
as horas e conforto, especialmente, nos momentos em que senti me faltarem forças.

A Edna, minha esposa, pelos 40 anos de cumplicidade e paciência sem


limites.

A Antônio e Célia, meus pais, presentes em todas as instâncias.

A Rodrigo Osório, sempre junto e em frente.

A Aline, pela tradução rigorosa.

A Luciano Almeida, amigo, guia experimentado, e bom ouvinte nas longas


noites ao pé da fogueira.

Ao Professor Germicrê Nascimento, companheiro de viagens aos sertões


baiano e de elocubrações filosóficas.

Ao Prof. Dr. Carlos Alberto Santos Costa, pela orientação técnica


imprescindível, sem a qual este trabalho não seria possível.

Meus colegas de Mestrado, todos eles maravilhosos companheiros de


jornada.
5

A Tatiane Alves, colega, amiga e competente ilustradora.

A Profa. Dra. Ana Rita Sulz de Almeida Campos, Coordenadora do PPGDCI,


pelos conselhos sempre oportunos e postura ética exemplar.

A todos os professores do PPGDCI, da UEFS, minha gratidão.


6

RESUMO

Essa pesquisa teve como objetivo central caracterizar e estabelecer relações entre
os desenhos rupestres localizados nos sítios arqueológicos das Serras Isabel Dias,
no município de Morro do Chapéu e a percepção de movimento. Durante o
procedimento analítico procurou-se priorizar aqueles desenhos que transmitiam a
percepção de movimento contínuo e cadenciado sugerindo, possivelmente, a
intencionalidade de se produzir uma cena animada. A pesquisa foi desenvolvida a
partir de revisões bibliográficas, estudos de campo e análises das cenas que indicam
o movimento, de acordo com os parâmetros propostos por Rudolf Arnheim e
utilizando-se ainda, de recursos comparativos recomendados por Leroi‑Gourhan
para identificar os padrões de movimento no desenho rupestre.

Palavras-chave: Desenhos Rupestres. Animação. Movimento. Serras Isabel Dias.


Morro do Chapéu-Bahia.
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ABSTRACT

The main purpose of this research is to describe and to establish a relationship


between rock drawings located in Serras Isabel Dias archeological sites, at Morro do
Chapéu, and the perception of movement. During the analytical procedure, the focus
was the drawings that conveyed the perception of continuous and cadenced
movement what suggested, possibly, the intention to produce an animated scene.
The research was based on bibliographic review, field studies and analyses of
scenes, which indicate movement, according to Rudolf Arbheim and Leroi-Gourhand
to identify patterns of rock drawings´ movement.

Keywords: Rock Drawings. Animated Scene. Movement. Serras Isabel Dias. Morro
do Chapéu.
8

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1: Área de pesquisa 20

Figura 2: Estreito de Bering 25

Figura 3: Istmo do Panamá 26

Figura 4: Serra do Sincorá – Chapada Diamantina 33

Figura 5: Peter Lund copiando pinturas rupestres 35

Figura 6: Mapa com indicação das principais rotas de 39


interiorização

Figura 7: Parque Estadual de Morro do Chapéu 48

Figura 8: Rota Tareco - Isabel Dias 51

Figura 9: Trilhas e localização de Sítios Rupestres 52

Figura 10: Percurso das áreas pesquisadas 52

Figura 11: Antropomorfos com artefatos semelhantes a armas 61

Figura 12: Processos primários para representar o movimento 64

Figura 13: O movimento segundo critérios de Leroi‑Gourhan 65

Figura 14: Abrigos rochosos denominados Isabel Dias 67

Figura 15: Danos causados pela ação do fogo na Toca Isabel Dias 67

Figura 16: Abrigos rochosos do lado Oeste da Toca Isabel Dias 68

Figura 17: Painel rupestre da fenda Oeste na Toca de Isabel Dias 68

Figura 18: Zoomorfos em movimento frontal 69

Figura 19: Imagem vetorizada 70

Figura 20: Detalhes dos elementos da figura 20 71

Figura 21: Elementos da Toca Isabel Dias em perspectiva diferente 72

Figura 22: Perspectiva I 73


9

Figura 23: Perspectiva II 73

Figura 24 Perspectiva vetorizada 1B 73

Figura 25: Perspectiva vetorizada 2B 73

Figura 26: Movimento de Zoomorfos quadrúpedes 74

Figura 27: Vetorização de imagens de quadrúpedes 74

Figura 28: Painel do paredão das Emas Saltadoras 76

Figura 29: Ema Saltadora vetorizada 76

Figura 30: A rocha como elemento de composição do movimento 77

Figura 31: Vale da Toca da Juriti com abrigo à esquerda 78

Figura 32: Grupo de antropomorfos em suposta dança ritual 79

Figura 33: Dança ritual vetorizada 80

Figura 34: Movimento das formas 81

Figura 35: Toca Grande visão geral 83

Figura 36: Quadrúpedes da Toca Grande 83

Figura 37: Vetor de zoomorfos em movimento 84


11 10

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

CNPq Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico

CNSA Cadastro Nacional de Sítios Arqueológicos

FUMDHAM Fundação do Museu do Homem Americano

IHGB Instituto Histórico Geográfico Brasileiro

INEMA Instituto de Meio Ambiente e Recursos Hídricos

IPEA Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas

PEMC Parque Estadual de Morro do Chapéu

PRONAPA Programa Nacional de Pesquisas Arqueológicas

PPGDCI Programa de Pós-Graduação em Desenho Cultura e Interatividade

UC Unidade de Conservação

UNESCO Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a


Cultura
11

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ........................................................................................... 12

2 O HOMEM, UM ANIMAL COLONIZADOR ................................................ 22


2.1 A EXPANSÃO HUMANA NAS AMÉRICAS ................................................ 22
2.2 O POVOAMENTO DA AMÉRICA DO SUL ................................................ 26
2.3 AS PESQUISAS ARQUEOLÓGICAS NA BAHIA........................................ 32
2.4 A OCUPAÇÃO DA CHAPADA DIAMANTINA SETENTRIONAL................ 38

3 DESENHANDO NA PEDRA ...................................................................... 47


3.1 AS SERRAS ISABEL DIAS E OS SÍTIOS RUPESTRES........................... 47
3.2 O DESENHO, ARTE E MEMÓRIA.............................................................. 53
3.3 AS TÉCNICAS DE REPRESENTAÇÃO DO MOVIMENTO........................ 57
3.4 O MOVIMENTO NOS DESENHOS DAS SERRAS ISABEL DIAS............. 66
3.4.1 Toca Isabel Dias........................................................................................ 66
3.4.2 Paredão da Ema Saltadora....................................................................... 75
3.4.3 Abrigo da Toca da Juriti........................................................................... 78
3.4.4 Toca Grande............................................................................................... 82

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................ 86

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS........................................................... 90

APÊNDICES................................................................................................ 96
12

1 INTRODUÇÃO

A Arte alcança sempre a finalidade que não tem.


Otto Carpeaux

Quando se propõe uma pesquisa acadêmica, referenciando os desenhos


rupestres em mestrado que abrange Desenho e Cultura, duas são as possibilidades
enunciadas de concentração da pesquisa; ou todas entrelaçadas, já que os
desenhos rupestres encontram abrigo em quaisquer das áreas de conhecimento
humano disponibilizadas no programa de Mestrado.
Pesquisar representações rupestres é dialogar com desenhos, no entanto,
perceber tais desenhos apenas em sua instrumentalidade, como auxiliar de outras
formas de verbalização das ideias, pode parecer reducionismo para com a mais
antiga forma de comunicação humana:

Trabalhamos com a hipótese de que o Desenho está além da sua


instrumentalidade sendo no Ocidente a mais antiga forma de expressão
humana. Desta forma consideramos que o ato de desenhar não é só uma
forma de expressão, como também traz em si, a ideia de perpetuar [...].
(REIS; TRINCHÃO, 1998, p. 156).

Defendem as autoras, que não é mais concebível olhar o Desenho apenas


como instrumento para livre expressão do pensamento simbólico, e/ou auxiliar na
didatização; a despeito que essa também seja uma afirmação verdadeira. É
necessário pensar o Desenho enquanto área do conhecimento, sendo matriz e
linguagem. De acordo com Moraes (2001, p. 7-8):

Desenho é uma maneira de expressar o pensamento, a materialização de


uma ideia, uma linguagem gráfica que se constitui como o principal
instrumento de comunicação em muitas áreas de conhecimento. Tal como
em qualquer língua, onde para que alguém compreenda o que ali está dito,
é necessário que exista uma ‘gramática.

Para Joly (1996, p. 18) a imagem, em qualquer de suas formas, é a primeira


linguagem em uso pelos humanos:

Petrogramas, se forem desenhadas ou pintadas, petroglifos, se forem


gravadas ou entalhadas, estas figuras representam os primeiros meios da
comunicação humana. Consideramo-las como imagens na medida em que
13

imitam, esquematizando visualmente, as pessoas e os objetos do mundo


real.

Interessante observar que o Desenho cumpre, entre outras tantas funções, o


papel de representação do ausente, metáfora imagética, onde o significante e o
significado não necessariamente se assemelham, pois, conforme Boulnois (1999, p.
26), “O signo não está fixado a um só significado, o da coisa em si, ele apenas a
representa sob algum aspecto”.
Para além dos aspectos semióticos, que não serão objetos de estudo desta
dissertação, importa ressaltar a importância do desenho, da imagem e da pintura em
seu caráter representativo para a sociedade humana em todos os tempos, como
assevera Joly (1996, p. 18):

No início, havia a imagem. Para onde quer que nos viremos, exis te a
imagem. Por todo o lado através do mundo, o homem deixou vestígios das
suas faculdades imaginativas sob a forma de desenhos feitos na rocha e
que vão desde os tempos mais remotos do paleolítico até a época moderna.
Estes desenhos destinavam-se a comunicar mensagens e muitos deles
constituíram aquilo a que chamamos “os pré-anunciadores da escrita”,
utilizando processos de descrição-representação que apenas retinham um
desenvolvimento esquemático de representações de coisas reais [...].

Wong (2001) explica que o Desenho é um processo de criação visual com


determinado propósito e constitui a melhor expressão possível da essência de uma
mensagem ou produto. Conforme o autor, o Desenho é uma linguagem e, como tal,
possui uma gramática. No entanto, diversamente da linguagem oral ou escrita, cujas
regras gramaticais são previamente estabelecidas, a linguagem visual não possui
leis evidentes, mas, elementos determinantes e constituintes, divididos em quatro
grupos principais que são: os conceituais, visuais, relacionais e práticos.
Os elementos conceituais, ainda conforme Wong (2001), não são visíveis,
mas, percebidos. Como exemplo, o volume ocupando espaço, ou um ponto no
encontro de duas linhas que formam um ângulo, ou a linha formada por uma
trajetória imaginada. Já os elementos visuais são aqueles que efetivamente vemos
num desenho: formato, tamanho, cor e textura. A cor, suas variações tonais e
cromáticas, é fundamental para distinguir um volume do seu entorno.
Esclarece Wong (2001), que os elementos relacionais podem ser percebidos
ou apenas sentidos. São eles: direção, posição, espaço e gravidade. O espaço,
14

vazio ou ocupado, pode ser utilizado pelo desenhista com o objetivo de criar a
sensação de profundidade. Já a direção, está relacionada com o observador.
Finalmente, há os elementos práticos, que subjazem o conteúdo e extensão de um
desenho, tais como representação, significado e função. Todos esses elementos
visuais constituem a forma, ou seja, um formato de tamanho, cor e textura definidos.
No âmbito deste trabalho acadêmico, tais elementos voltarão a ser
contextualizados, durante o processo de análise dos suportes rochosos, painéis e
desenhos rupestres situados na área pesquisada. Deve-se, porém, reafirmar que os
elementos descritos, podem estar presentes nos grafismos rupestres de forma
planejada, ou apenas intuitiva. A ausência de conhecimento de determinadas
técnicas de expressão visual, de forma padronizada, tal como nos é apresentada
hoje, não é um impeditivo para a criação artística, como afirma Wong (2001, p. 13):

Traços ou formatos podem ocorrer espontaneamente, a medida que


exploramos instrumentos, meios ou substâncias para obter efeitos
pictóricos, escultóricos ou de textura e, neste processo, decidimos o que é
bonito ou interessante, sem saber conscientemente como e por quê.
Podemos verter sentimentos e emoções durante o processo, resultando em
um tipo de expressão artística que reflita nossa personalidade na forma de
nossos gostos e inclinações. Esta é a abordagem intuitiva da criação visual .

Os grafismos desenhados nas rochas são elementos de uma linguagem


comunicacional, ainda que componham uma gramática, cuja chave linguística foi
perdida, como propõem Etchevarne (2007), Martin (2005). Porém, há nesses
desenhos uma expressividade visual intrínseca, que está para além da possível
função prática.
Podemos admitir que os desenhos rupestres eram também uma forma de
expressão artística, sem, necessariamente, estar atrelada à qualidade estética que
nós concebemos. É muito provável, inclusive, que não haja nenhuma semelhança
entre os conceitos estéticos atuais e os conceitos estéticos imaginados pelos
autores dos painéis rupestres.
É imaginável que a produção de desenhos em suportes rochosos, com
características semelhantes no traço, cor e formas, tais como aqueles encontrados
ao longo da presente pesquisa, pressuponha um comportamento cultural padrão
entre os povos que habitaram a Chapada Diamantina Setentrional. Diz Bourdieu
(2001, p. 208-209):
15

[...] a cultura não é apenas um código comum nem mesmo um repertório


comum de respostas a problemas recorrentes. Ela constitui um conjunto
comum de esquemas fundamentais, previamente assimilados, e a partir do
qual se articula, segundo uma “arte da invenção” análoga a da escrita
musical, uma infinidade de esquemas particulares diretamente aplicados a
situações particulares.

Consoante com o pressuposto da influência do meio social no Desenho e


deste no comportamento do grupo, Costa (2004, p. 1) entende que:

O desenho em toda sua evolução e em relação as suas diversas


modalidades, teve sempre em vista uma interpretação de caráter artístico,
técnico ou psicológico, e nesses contextos, ele representa um meio de
expressão, linguagem que evolui com o indivíduo, tornando-se pouco a
pouco intencional, ao sabor das influências, pelas aquisições culturais do
grupo a cuja necessidade passa atender, mostrando-se um meio de
comunicação e de registro histórico.

A despeito dos desenhos rupestres pré-históricos terem sido executados com


propósitos e funções rituais e/ou pragmáticas, haja vista que estabeleciam algumas
regras e valores para ensinamento e/ou reforço ideológico do grupo, como propõe
Marcondes Filho (2007), não implica que inexistiam cuidados estéticos em sua
execução. É factível que alguns desses desenhos buscassem realçar a forma,
valorizando a estética, Costa (2004) comenta que cada desenho tem características
inerentes ao seu autor e sua visão de mundo, além de perpetuar um momento:

Não importando o instrumento utilizando para esses registros – pincel, lápis,


tinta ou carvão – quem faz o desenho imprime sua marca, perpetua o
momento, informa ou instrui sobre acontecimentos da época que está
inserido. O desenhista se vale dessa prática para experimentar, buscando
reconhecer as formas do que lhe é observado, enfim, o desenho se revela
como uma forma de exploração, interpretação e mudança do mundo.
(COSTA, 2004, p. 2).

Na tessitura da malha social que interligou indivíduos e construiu o princípio


do pertencimento dos grupos primevos, possivelmente a arte rupestre tem forte
influência. No entanto, Martin (2005), destaca a necessidade de também se observar
o papel dos desenhos rupestres enquanto arte. A expressão de sentimentos, do
conceito de belo, expresso em suportes pétreos. Para a arqueóloga, não há como
obstar que os grafismos rupestres reforçaram práticas educativas e utilitaristas, mas
também exerceram funções estéticas:
16

O pintor que retratou nas rochas os fatos mais relevantes da sua existência
tinha, indubitavelmente, um conceito estético do seu mundo e da sua
circunstância. A intenção prática da sua pintura podia ser diversificada,
variando desde a magia ao desejo de historiar a vida do seu grupo, porém,
de qualquer forma, o pintor certamente desejava que o desenho fosse "belo"
segundo seus próprios padrões estéticos. Ao realizar sua obra, estava
criando Arte. (MARTIN, 2005, p. 240).

Schmitz (2006) não dissocia o caráter informativo, funcional, ideológico e


estético que os autores das pinturas rupestres, provavelmente, desejaram imprimir
nos seus desenhos:

É antiga a discussão sobre o caráter dessas realizações e se podem


receber a denominação de “arte”, no sentido que agora atribuímos ao termo.
Muitas dessas obras mostram, de fato, uma concepção original e uma
execução engenhosa, dentro de paredões reconhecidos e tradicionais;
outras são simples e tecnicamente fáceis de executar, mas nem estas
últimas são mera brincadeira sem regra e padrão. As primeiras, como as
segundas, são tradicionalmente abrangidas com o termo “arte rupestre” e
consideradas realizações do espírito humano que ultrapassam as
exigências da mera subsistência biológica. (SCHMITZ, 2006, p. 106).

Aranha e Martins (1986, p. 386) observam que a arte exprime a percepção e


visão de mundo do autor.

É exatamente a imaginação que vai servir de mediadora entre o vivido e o


pensado, entre a presença bruta do objeto e a representação, entre a
acolhida dada pelo corpo (os órgãos dos sentidos) e a ordenação do
espírito (pensamento analógico).

Porém, esse entendimento do mundo, não se dá apenas por meios de


pensamentos logicamente organizados; mas também pela intuição, conhecimento
imediato, de maneira individual, que fala mais ao sentimento e à imaginação. No
privilegiado caso da arte, o sentimento intuitivo do mundo também penetra o sentido
do apreciador. O artista atribui significados ao mundo por meio de sua obra.
Os grafismos rupestres, enquanto objetos de pesquisas arqueológicas são
importantes ferramentas para produzir informações sobre as populações pré-
históricas. Os desenhos rupestres refletem a visão de mundo dos seus autores e o
comportamento cultural dos grupos sociais aos quais eles pertenceram. Têm caráter
documental na medida em que nos ajuda a compreender a dinâmica sociocultural
17

daqueles povos. Há ainda, porém não menos importante, que se observar esses
desenhos quanto ao seu aspecto conceitual, ideativo.
Segundo Havre (2015), há uma premissa teórica que os desenhos rupestres
encontrados no Nordeste do Brasil, são manifestações gráficas dos povos
caçadores-coletores como resultante da ação de grupos homogêneos, simples e
isolados. No entanto, tal premissa não se evidencia: “Em outras palavras, a eventual
simplicidade dos grupos de caçadores-coletores pré-históricos do Nordeste do Brasil
ainda deve ser comprovada” (HAVRE, 2015, p. 16).
Refletir sobre esses grafismos sob o ponto de vista da inventividade, para
além da simplicidade sociocultural que eventualmente são aos seus autores, é a
principal proposta deste trabalho. A pesquisa partiu do seguinte problema: as
representações das cenas encontradas nas Serras de Isabel Dias foram
intencionalmente produzidas de modo que houvesse a percepção de movimento? A
hipótese considerada é que as cenas representadas por figuras contínuas,
diferenciadas apenas pela mudança de posição dos membros inferiores, superiores
ou tronco, indicavam uma premeditação do autor, para que fosse transmitida, ao
observador da cena, a percepção de movimento.
Desde o objetivo geral que buscava resposta para a questão motivadora da
presente pesquisa, buscou-se confrontar a hipótese com os desenhos rupestres
pesquisados nas Serras Isabel Dias, analisando as relações de semelhanças,
verificando os padrões e identificando o ponto de inércia a partir do qual é possível
analisar e estabelecer a existência do movimento, conforme propõe Arnheim (1982),
permitindo, desse modo, que se realizassem correlações entre os desenhos. Com o
objetivo de adotar métodos de comparação dos desenhos rupestres que sugeriam
movimento, foram selecionadas cenas indistintas sejam representando figuras
humanas ou de animais silvestres.
O possível deslocamento das formas no espaço gráfico estabeleceu os
parâmetros de seleção das amostras. Com esta finalidade foi determinada uma série
de critérios para identificação dos elementos formais que constituem a base
comparativa dos desenhos. No entanto, o uso da análise do movimento segundo
critérios de Arnheim (1982), só foi possível ao pesquisador com o conhecimento dos
princípios de forma e desenho, conceituados por Wong (2001). Com efeito, a partir
dos conceitos estabelecidos por Arnheim (1982) e Wong (2001), permitiu-se
18

estabelecer protocolos para que outros pesquisadores possam replicar a pesquisa e


confrontar resultados obtidos em pesquisas posteriores.
Para melhor visualização das cenas desenhadas, foi realizado um processo
de vetorização das imagens, onde se procurou deixar as formas mais nítidas e
isentas das luzes e sombras que o plano de fundo pode produzir. Outrossim, todas
as figuras vetorizadas tiveram as versões originais, conforme a captura fotográfica,
reproduzidas na presente pesquisa.
A estruturação do trabalho foi pensada e produzida com estas considerações
iniciais e mais dois capítulos que seguem uma lógica temporal; iniciando com uma
contextualização histórico-espacial e concluindo o estudo em cenário geográfico
específico. Objetivou-se assim, oferecer ao leitor um conhecimento mais amplo dos
desenhos rupestres, seus autores e seu universo simbólico, para finalmente se
chegar aos desenhos contidos nas Serras Isabel Dias, no município de Morro do
Chapéu, Bahia.
No capítulo dois se fez inicialmente um relato sobre o processo de ocupação
humana pelo planeta Terra, a partir do Continente africano até que atingissem
finalmente o Continente americano. Seguiu-se assim, o processo de ocupação
definido por pesquisadores, a exemplo de Blaney, 2008; Guidon, 1992; Martin, 2005;
Prous,1997.
No entanto, quando o tema em pauta é o modelo de ocupação e período em
que possivelmente o evento ocorreu, surgem divergências, contrapondo até alguns
dos principais pesquisadores brasileiros a exemplo de Guidon (1997) e Prous
(1997). O capítulo dois registra alguns desses principais pontos de divergência e as
teorias propostas para a ocupação do Continente americano.
É ainda o segundo capitulo, o espaço gráfico onde será feita uma abordagem
histórica de eventos iniciados na segunda metade do Século XIX, que foram
capazes de atrair o interesse nacional para os vestígios arqueológicos da Chapada
Diamantina; macrorregião onde está contido o campo de estudos da presente
pesquisa.
É proposta desse trabalho, torná-lo acessível, em sua linguagem e narrativa,
para leitores que porventura não dominem tais campos de conhecimentos
específicos, assim, ficou clara a necessidade dessa contextualização histórico-
espacial. Buscou-se realizar uma abordagem menos densa, sem fugir as
19

necessidades que a pesquisa metodológica exige, desse modo, ao longo do texto,


foram realizadas inserções esclarecendo conceitos sobre antropomorfos, zoomorfos,
Tradição rupestre e dezenas de outros vocábulos.
Explica-se, pois, porque foram usadas frequentes notas de rodapé,
esclarecendo terminologias que pareceriam obvias aos conhecedores do campo de
pesquisa histórico/arqueológico, mas que poderia fugir à compreensão de parcela
considerável de leitores. Finalmente, no capítulo dois, descrevemos, ainda que de
forma superficial, os trabalhos recentes desenvolvidos na região e a sua relação
com um modelo geral de povoamento do Nordeste.
Iniciamos o terceiro capítulo, fazendo um recorte da área geográfica cujos
painéis rupestres foram pesquisados. A redução espacial foi necessária,
considerando que Parque Estadual de Morro do Chapéu, onde as Serras Isabel Dias
estão inseridas, possui uma área de 46.000 hectares. Registre-se ainda que durante
a pesquisa mais de 50 sítios, contendo desenhos rupestres, foram localizados. Dado
o grande número de sítios, encontrados e havendo probabilidade desse número se
multiplicar à medida que se avançasse sobre o território das Serras Isabel Dias,
optou-se por fazer um redimensionamento territorial que atendesse às limitações
logísticas do pesquisador.
Ressalve-se que na área em perspectiva para a presente pesquisa, os sítios,
e seus painéis rupestres, provavelmente, ainda não foram analisados no enfoque
proposto por essa dissertação. Sustenta-se essa afirmação no fato de que alguns
dos sítios arqueológicos aqui mostrados são pouco conhecidos ou até inéditos para
a comunidade acadêmica; não constando ainda registro no Cadastro Nacional de
Sítios Arqueológicos (CNSA).
É possível verificar na Figura 1, a região percorrida durante este trabalho de
pesquisa. Pode-se inferir neste plano de imagem que a área não visitada é muito
maior que o universo territorial da pesquisa. Considerando-se a semelhança de
características topográficas do entorno, supõe-se que há muito ainda a ser
pesquisado nas Serras de Isabel Dias.
20

Figura 1 – Área de pesquisa com mapeamento em branco e realce do entorno em amarelo

Fonte: Google Earth (2017).

Após os detalhamentos do entorno geográfico das Serras Isabel Dias, se fará


uma reflexão sobre o humano pré-histórico que habitou a região daquelas Serras,
avançando ligeiramente sobre o conceito de sociedade simples, já definido como
representativo das sociedades pré-históricas. Para efeito desta pesquisa, entende-
se que o modo de viver de caçadores-coletores permitiu um desenvolvimento social
elaborado, que se refletiram nas cenas retratadas em suporte rochoso.
Finalmente, no terceiro capítulo, faz-se a análise dos desenhos e a possível
intencionalidade gráfica de seus autores. Algumas ferramentas de análise foram
utilizadas, objetivando aplicar o método analítico-comparativo, conforme preceituas
Arnheim (1982).
A descrição da metodologia utilizada é seguida imediatamente da sua
aplicação nos desenhos vetorizados, de maneira a manter a pesquisa num patamar
prático e de fácil compreensão. Terminamos a análise com uma discussão dos
resultados e do entendimento que pode ser dada aos desenhos rupestres das
Serras Isabel Dias no que abrange a percepção de movimento.
Além de pouco conhecidos pelo público, as características cênicas de alguns
desenhos dos sítios localizados nas Serras Isabel Dias no município de Morro do
Chapéu, apontam para alguns questionamentos que inquietaram o autor da presente
dissertação. Uma das características detectadas oferece o aspecto singular que uma
21

pesquisa acadêmica requer. Em três dos sítios arqueológicos pesquisados, foram


localizados painéis compostos por cenas de ação onde há uma percepção de
movimento sucessivo, envolvendo os elementos desenhados, diferenciando-os dos
demais desenhos e cenas encontradas no entorno.
Esse movimento contínuo, aponta para uma possível intencionalidade do(s)
autor(es) em sugerir a animação das formas, produzindo o movimento por repetição,
alterando pequenos detalhes das formas durante o possível deslocamento. Por
conta desses painéis, a pesquisa avançou em um campo não planejado, mas que se
acredita um contributo para investigações acadêmicas futuras. Objetivando
demonstrar essa possível proposta de movimento contínuo nos desenhos rupestres
das Serras Isabel Dias, foram produzidos quatro vídeos animados de forma
rudimentar, de modo que o leitor possa perceber a ação tal como possivelmente foi
idealizada por quem registrou os desenhos em suporte rochoso. Essas animações
gráficas estão disponibilizadas como apêndices à presente dissertação.
Se ao final desta pesquisa, respostas ficaram inconclusas e novas perguntas
foram oferecidas, ainda assim o autor se dará por satisfeito, pois é próprio das
pesquisas provocarem novas indagações, novos questionamentos, produzindo um
continuum que é caracterizador da investigação científica no ambiente acadêmico.
22

2 O HOMEM, UM ANIMAL COLONIZADOR

O homem em suas ações práticas, bem como em


suas ficções, é, essencialmente, um animal
contador de histórias.
Alasdair MacIntyre

2.1 A EXPANSÃO HUMANA NAS AMÉRICAS

Essa análise se dará sobre um recorte geográfico no âmbito da Chapada


Diamantina Norte, no território compreendido pelo município de Morro do Chapéu,
mais precisamente no conjunto de serras denominado de Isabel Dias 1, cujos
detalhes georreferenciais serão fornecidos mais adiante. Apesar deste
fracionamento espacial, dado a escassez de tempo para ampliação da pesquisa;
escusado dizer que para entendermos o específico, é importante que se estenda um
olhar sobre os aspectos mais amplos no que diz respeito à presença humana nas
Américas e assim melhor se compreender o objeto desses estudos, como se relatará
a seguir.
Após a conquista da África, Ásia, Europa e Oceania, os primeiros humanos,
finalmente, chegaram ao Continente americano, entre 13.000 e 50.0002 anos Antes
do Presente (AP)3. O portão de entrada para as Américas, possivelmente, foi o
Estreito de Bering; à época, um gélido corredor de terra, entre a Sibéria e o Alasca,
com 90 quilômetros de extensão. Esta passagem deve ter acontecido em um

1 A região de Morro do Chapéu é um complexo de serras e morros íngremes, separados por vales
profundos. A maior parte dos vales e morros é coberta por floresta densa. Ao longo da área de estudo
são possíveis de serem encontradas gravuras, símbolos e outros registros, presentes em paredes
rochosas ora abrigadas, ora expostas, sujeitos à ações humanas e intempéricas . São conhecidos,
entre outros, os sítios arqueológicos das Lages, das Serras Isabel Dias, das Carnaúbas, do Estreito e
do Badeco. Alguns desses sítios já foram objeto de cadastrado no pelo Instituto do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) (INEMA, 2011, p. 10).
2 Há pesquisadores, que defendem uma ocupação humana no Brasil, que antecedem os 100.000 mil

anos, a exemplo de Beltrão (1992); no entanto, nos meios científicos, principalmente entre
pesquisadores norte-americanos, há quem resista em aceitar datações superiores a 11.000 anos
para a América do Sul (MELTZER; ADOVASIO, 1994).
3 No estudo da pré-história, Antes do Presente (AP) tem por convenção o ano de 1950; referência,

aproximada, ao período em que foi descoberta a técnica de datação conhecida como Carbono 14.
Conforme Martin, (2005, p. 75): “As datações foram calculadas segundo o termo internacional AP
"antes do presente" (BP – before present), mundialmente usado a partir de 1950, ano em que Willard
Frank Libby (1908-1980) obteve a primeira datação radiocarbônica na Universidade de Chicago”.
23

período que as águas oceânicas baixaram de nível devido a uma das quatro
glaciações, conforme esclarece Etchevarne (2000, p. 18):

No quaternário existiram pelo menos quatro momentos de esfriamento


planetário, que provocaram acumulação de gelo sobre o continente, os
chamados glaciares, e a descida do nível das águas oceânicas. Essas
glaciações marcaram todo o período geológico denominado Pleistoceno4. O
aquecimento gradual de aproximadamente 12.000 a 10.000 anos atrás
marca o início de um novo período, o Holoceno 5.

Nos períodos denominados de glaciares, durante os quais as temperaturas


caíram fortemente, ocorreu o acúmulo de grandes massas de gelo nos polos,
consequentemente, redução do volume das águas oceânicas. Estima-se que esse
processo de glaciação foi responsável pela diminuição do nível do mar em até 100
metros. Segundo Fausto (2006), a paisagem era muito diferente e a linha da praia
estava a dezenas de quilômetros de onde está atualmente. Pode-se supor, por
exemplo, que as terras onde hoje estão assentadas cidades como Miami, Salvador e
Rio de Janeiro, deviam estar há muitos quilômetros do mar, portanto, não eram
áreas costeiras.
Dada as condições climáticas desfavoráveis e inospitalidade do meio,
transpor o Estreito de Bering e ingressar no continente americano, não deve ter sido
uma tarefa simples, todavia, exequível, considerando o corredor terrestre formado
durante o período de glaciação. Blainey (2007) supõe que grupos de caçadores-
coletores6 cruzaram esse corredor gélido com suas famílias à caça de animais e
tornaram-se assim, sem o saberem, os colonizadores do Novo Mundo.
Importante assinalar que essa travessia intercontinental, não foi concretizada
em algumas centenas de anos, mas, ao transcurso de milênios; exigindo dos
humanos longos períodos de adaptabilidade ao meio hostil. Fundamentais também
foi o desenvolvimento de novas tecnologias que lhes permitiram enfrentar as
adversidades impostas pelo clima e seus predadores naturais. Dentre esses

4 O Pleistoceno é o período geológico que se estende entre 2.000.000 e 10.000 anos AP, ao qual
sucede o período atual, o Holoceno (PROUS, 2007, p. 14).
5 Período pós-glacial iniciado aproximadamente há 11.000 anos e compreende os dias atuais. Seus

eventos principais são o fim da denominada Era do Gelo e o início da expansão humana sobre o
planeta.
6 Grupos humanos que supostamente tinham como base aliment ar a caça, pesca e coleta além de

modo incipiente de produção agrícola. Usado especificamente em relação a povos ou grupos (antigos
ou atuais) que não praticam extensamente a agricultura e criação de animais (ROOSEVELT, 1992).
24

aprendizados destacam-se a produção de instrumentos líticos, armas e,


principalmente, o domínio do fogo.
Vale ressaltar que a denominação “caçadores-coletores” para o modus vivendi
dos homens pré-históricos, apesar de usual, tem sido debatida no campo acadêmico
e vista como conceito reducionista para denominar grupos que, provavelmente,
possuíam significativo grau de complexidade social. Lima (1997), por exemplo,
acredita que essa definição deveria ser repensada. Já o antropólogo Walter Neves
(2008), diz que não existem dados suficientes para afirmar a existência
complexidade emergentes nos grupos denominados caçadores-coletores:

De fato, à exceção de um caso apenas, não se conhecem exemplos de


complexidade emergente entre caçadores-coletores. Da mesma forma,
onde o fenômeno ocorreu, a caça e a coleta sempre precederam a
agricultura de subsistência, que, por sua vez, precedeu a agricultura
extensiva e intensiva, com irrigação. Em outras palavras, a complexificação
social sempre acompanhou inovações tecnológicas que permitiram aos
humanos intensificar a produção de comida. Foi o aumento da produção de
comida que permitiu tanto uma menor mobilidade, quanto uma maior
densidade demográfica, ambas características dos sistemas sociais mais
complexos. (NEVES, 2008, p. 5).

É possível supor que na marcha na direção de territórios desconhecidos, os


humanos foram constantemente atacados por predadores e, possivelmente, muitos
morreram. Apesar dos percalços, eles continuaram avançando lentamente por
territórios inexplorados, regiões desérticas e inóspitas, ao tempo que iam
aprimorando estratégias adaptativas na luta pela sobrevivência, conforme explica
Blainey (2007, p. 9):

[...] era mais uma corrida de revezamento do que uma longa caminhada. É
possível que um grupo de talvez 06 ou 12 pessoas avançasse uma
pequena distância e decidisse se estabelecer naquele lugar. Outros vinham,
passavam por cima delas ou impeliam-nas para outro lugar. O avanço pela
Ásia pode ter levado de 10 mil a 200 mil anos.

Durante o Holoceno, ocorreu o degelo das calotas polares, aumentando


assim o nível das águas oceânicas. Inversamente à glaciação, o novo fenômeno
provocou a inundação de grandes superfícies da terra. Entre outras consequências,
a passagem via terrestre entre Ásia e América, por meio do Estreito de Bering, foi
25

interrompida. Na Figura 2, pode-se observar a área de Bering, com a configuração


geográfica presente, evidenciando-se a ausência de ligação via terrestre.

Figura 2 – Estreito de Bering

Fonte: Google Earth (2016).

Após a transposição do Estreito de Bering, já em território norte-americano,


grupos humanos avançaram, gradativamente, pela Costa Oeste até o México, onde
encontraram um clima mais ameno e caça em abundância. Pesquisas arqueológicas
realizadas em Monte Verde, no Chile, Dillehay, Ocampo, Saavedra, Sawakuchi,
Vega e outros autores (2015), apontam que há pelo menos 13 mil anos,
possivelmente em diferentes ondas migratórias, os humanos alcançaram a América
do Sul, utilizando, principalmente a via do Istmo do Panamá, porém, sem excluir
outras vias de penetração.
O Istmo do Panamá é importante fonte de pesquisas para que se possa
entender as características evolutivas da fauna e da flora nas Américas. Com
formação geológica calculada em aproximadamente 3 milhões de anos, o Istmo do
Panamá é uma estreita faixa de terra unindo a América do Norte a América do Sul.
Essa barreira geográfica também separa os oceanos Pacífico e Atlântico, conforme
pode ser visto na Figura 3. Se por um lado o istmo criou uma barreira natural,
dificultando a livre circulação de espécies marinhas, em outra perspectiva, o
surgimento desta extensão de terra foi fundamental para a movimentação de
espécies terrestres do hemisfério norte para o sul e vice-versa.
26

Figura 3 – Istmo do Panamá

Fonte: Google Earth (2016).

O Estreito de Bering e o Istmo do Panamá, enquanto caminhos da ocupação


humana nas Américas são pressupostos amplamente aceitos pela comunidade
científica, a exemplo de Guidon (1992), Lima (2005), Martin (2005), Bueno e Dias,
(2015). No entanto, alguns pesquisadores, em especial brasileiros, Guidon (1992),
Beltrão (1992), não admitem que essas fossem vias únicas, e, provavelmente, nem
mesmo as primeiras.
A cronologia e o modelo de ocupação do Novo Mundo são motivos de
inquietação no meio científico. No que diz respeito às hipóteses de ocupação das
Américas com maior amplitude tanto temporal quanto geográfica, ocorrem debates
acadêmicos que já perduram por décadas. Pesquisas arqueológicas mais recentes,
ora possibilitam o surgimento de novas hipóteses, ora são utilizadas por alguns
cientistas para sedimentação de posições conservadoras, como veremos adiante.

2.2 O POVOAMENTO DA AMÉRICA DO SUL

Nos anos 1990, do Século XX, enquanto pesquisadores norte-americanos a


exemplo de Meltzer, Adovasio & Dillehay (1994), propunham cronologia não superior
a 13.000 anos para ocupação das Américas; arqueólogos brasileiros, Guidon (1992),
Beltrão (1992) se apropriaram de números que ultrapassam 50.000 anos para
ocupação do território brasileiro.
27

Para Meltzer e outros autores (1994), a cronologia de ocupação das américas


ainda tem como referencial os vestígios pré-históricos encontrados no sítio de
Clóvis, localizado no Novo México (EUA), em 1932. Neste local, ao longo de várias
escavações, foram encontrados diversos artefatos, tais como pontas de lanças facas
e raspadores pré-históricos. Durante as pesquisas arqueológicas, ossadas de
animais já extintos, foram localizadas próximo ao material lítico, sinalizando que os
animais, possivelmente, teriam sido mortos por caçadores.
Em 1964, o teste de carbono 14 efetuado no material orgânico, apontou para
uma antiguidade em torno de 13.500 anos AP para o sítio de Clóvis. A datação
aceita para Clóvis permitiu que se teorizasse a chegada do humano no Continente
Americano durante uma glaciação, via estreito de Bering, passando, primeiramente,
em território norte-americano, em seguida pela América Central e, finalmente,
atingindo a América do Sul. Considerando esse modelo de ocupação, chamado de
“Clovis First”, como padrão, nenhuma datação para sítios arqueológicos na América
do Sul, anterior a 13.000 anos, seria viável, pois, para chegar nas Américas Central
e do Sul, os primeiros humanos passariam antes pela América do Norte.
Note-se que pesquisadores brasileiros, inclusive, a exemplo de Prous (1997),
são reticentes quanto à ocupação humana na América, ainda no Pleistoceno
Superior. Segundo ele, se houvesse essa possibilidade, no atual estágio das
pesquisas arqueológicas, já teríamos encontrado alguma comprovação irrefutável; e
diz:

Até poucos anos atrás, as chances de se encontrarem sítios pleistocênicos


eram ainda diminuídas pelo fato de que poucos arqueólogos
acreditavamnuma presença tão remota do homem nas Américas, e quase
ninguém se atrevia a procurar seu rastro em sedimentos geológicos
anteriores a 10.000 ou 11.000 anos. No entanto, essa barreira psicológica
está hoje parcialmente rompida e não é mais possível pensar que nenhum
sítio inquestionável foi encontrado apenas porque ninguém o procurou.
(PROUS, 1997, p. 13).

A discussão acadêmica, em torno da antiguidade do homem pré-histórico em


território sul-americano, possui motivações que transitam entre o claro das
pesquisas arqueológicas e o obscuro do etnocentrismo. Em artigo na revista Piauí,
Esteves (2013), diz que os artefatos encontrados em Clóvis, acabaram por contribuir
na criação de um mito fundador da cultura da inovação na América do Norte.
28

Esteves exemplifica esse ponto de vista, lembrando que o antropólogo David


Meltzer, no livro First Peoples in a New World, sem tradução para o português,
afirmou ser a tecnologia das pontas de Clóvis a primeira invenção americana. O
conceito de mito fundador atuaria como um paradigma e como tal, difícil de ser
quebrado, mas não impossível.
Tom Dillehay, arqueólogo americano, antigo defensor do modelo Clóvis First
de ocupação das Américas, efetuou em 1998 diversas escavações no sítio
arqueológico de Monte Verde localizado no Chile. O resultado dessas pesquisas fez
Dillehay (2015), rever, ainda que parcialmente, os seus conceitos sobre datações
para ocupação do humano nas Américas.
Em artigo publicado, juntamente com outros pesquisadores de diversas áreas
do conhecimento, Dillehay e outros autores (2015), reconhece a necessidade de
revisão do modelo Clóvis First. Afirma que novas evidências de artefatos de pedras,
restos mortais e de fogueiras, sugerem horizontes discretos de atividade humana,
entre 14.500 e 18.500 anos AP, no sítio de Monte Verde. Diz Dillehay:

[...] the majority of anatomical, archaeological and genetic evidence gives


credence to the view that people were relatively recent arrivals to the
Americas, probably sometime between 20,000 and 15,000 years ago. The
current evidence presented here for the Monte Verde area best fits this
scenario; however, this may change as more data are gathered and
assessed. (DILLEHAY et al., 2015, p. 23)7.

O fato de um dos mais reticentes arqueólogos americanos, admitir


temporalidade maior que 13.000 anos, para vestígios humanos na América do Sul,
pode ser considerado um reconhecimento ao trabalho desenvolvido por
pesquisadores brasileiros. Todavia, a discordância na comunidade científica, não se
restringe apenas aos dados cronológicos, mas, estende-se também ao modelo de
ocupação do Continente americano, o que gera outra ampla discussão.
Alguns pesquisadores acreditam em ocupação das Américas através de
única, via, utilizando o Estreito de Bering. Outros pesquisadores apostam em

7 No momento, a maioria das evidências anatômicas, arqueológicas e genéticas dá credibilidade ao


ponto de vista de que as pessoas chegaram relativamente recente nas Américas, provavelmente
entre 20.000 e 15.000 anos atrás. A atual evidência apresentada aqui para a área de Monte Verde se
encaixa melhor nesse cenário; no entanto, isso pode mudar à medida que mais dados sejam
recolhidos e avaliados (Tradução nossa).
29

múltiplas rotas migratórias, inclusive aquelas provenientes de um modelo de


navegação costeira, utilizando ilhas do Pacífico como pousos temporários. Entre os
defensores de ocupação por múltiplas vias, destaca-se a arqueóloga brasileira Niéde
Guidon, que desenvolve e coordena pesquisas arqueológicas há mais de 40 anos na
Serra da Capivara, município de São Raimundo Nonato, no Piauí.
Niéde Guidon é a pesquisadora pioneira em defesa da ocupação das
Américas por vias diversas. Segundo ela, o processo de expansão do homem pré-
histórico não ocorreu apenas por meio da Beríngia. Guidon (1992), Pessis (1992), e
Beltrão (1992), propõem que diversos grupos humanos, em momentos distintos,
chegaram às Américas, por diferentes vias, tanto marítimas quanto terrestres.
Tão importante quanto à cronologia estendida por Dellehay (2015), é seu
reconhecimento, no mesmo artigo, que o modelo de ocupação pela via terrestre, por
meio do Estreito de Bering, não oferece respostas a todos os questionamentos
construídos pelas atuais descobertas científicas. O autor admite a possibilidade de
ter havido ocupação do Continente americano por meio da navegação pelo Oceano
Pacífico, já que foram encontrados em Monte Verde materiais líticos e espécies de
plantas típicas de áreas costeiras. O sítio arqueológico de Monte Verde está
localizado a 36 milhas da costa do Pacífico.
Guidon (1992) refuta alegações contrárias ao modelo de ocupação por
navegação costeira, denominadas de axiomáticas e lembra, por exemplo, que as
pesquisas atuais comprovam a ocupação da Austrália, desde o Pleistoceno, sem
que houvesse ligação terrestre com a Ásia no período:

Mesmo em épocas de nível baixo do mar, mesmo na cota mais baixa


atingida pelos oceanos, existem braços de mar que separam a Austrália da
Ásia. Com o progresso das pesquisas foram descobertos sítios que
demonstraram que o Homem já estava na Austrália há pelo menos 50 mil
anos, o que nos obriga a admitir que o Homem pré-histórico dominava a
técnica da navegação. (GUIDON, 1992, p. 38).

Para Guidon (1992), pressupor que atravessar a Beríngia, vindo a pé, foi a
única forma de o homem chegar as Américas, não faz justiça a capacidade
intelectual dos humanos. Seguindo essa linha de raciocínio, constrói indagações a
respeito dessa via de ocupação única, defendida por seus críticos. Inquire Guidon
(1992, p. 38):
30

Para migrar através da Beríngia os grupos humanos teriam tido que se


adaptar ao frio intenso que reinava nessa planície gelada. Seria mais fácil
criar uma tecnologia para o frio do que uma para navegar? Além do mais,
durante épocas de mar baixo os rosários de ilhas que existem no Pacífico
deviam ser mais extensos, o que facilitaria a navegação de grupos que
avançariam colonizando ilha por ilha.

Crítico desse modelo de rota migratória por via marítima, Prous (1997),
desacredita que o homem pré-histórico tivesse navegado por longos percursos até a
América do Sul, e justifica:

Quanto às datações da América do Sul com mais de 30.000 ou 40.000


anos, implicam, seja uma migração transpacífica, seja a possibilidade de
uma entrada de uma humanidade pré-sapiens, sapiens. Esta suposição é
abertamente sustentada por M. Beltrão. No entanto, é arqueologicamente
improvável, pois o povoamento da Polinésia é muito recente e uma
emigração transpacífica antiga deveria ter deixado vestígios nas ilhas
intermediárias. (PROUS, 1997, p. 20).

Lima (2006) acentua a imensa dificuldade enfrentada pelos humanos, durante


o período glacial, para realizar a travessia por meio do gélido corredor de Bering,
enfrentando imensas montanhas de gelo e alimentação escassa; o que pode sugerir
outros modelos de penetração. Diz a arqueóloga:

Durante os avanços glaciais, essas geleiras podem ter se expandido até


coalescerem, fechando completamente a passagem para as áreas mais
meridionais. Se isto de fato ocorreu, uma extensão de 1.200 km de gelos,
do sudoeste do Yukon ao sul de Alberta, impediu o deslocamento através
dessa via por alguns milênios. [...] Palinólogos e paleontólogos estão
encontrando escassas evidências de vida vegetal e animal nesse corredor,
entre 20.000 e 14.000/13.000 anos antes do presente, o que teria dificultado
bastante a sobrevivência humana em área tão inóspita. (LIMA, 2006, p. 6).

Guidon (1994) afirma, ainda, que o modelo de ocupação única, por meio da
Beríngia não responde a algumas questões fundamentais no espaço e tempo, além
de criar enigmas. Uma dessas indagações diz respeito à suposta rapidez de
expansão humana pelas Américas; de certa forma se opondo ao próprio modelo
Clóvis First. Ora, segundo ela, ainda que as datações arqueológicas brasileiras não
ultrapassassem 11 mil anos, como propunham os pesquisadores norte-americanos,
seria necessário admitir uma extraordinária velocidade de dispersão territorial
desses colonizadores pré-históricos; considerando-se que há vestígios da presença
humana por todo o Continente americano com datações semelhantes.
31

Não havendo outro modelo de ocupação, senão pela Beríngia, necessário


aceitar o pressuposto que em algumas poucas centenas de anos, os humanos
tivessem percorrido, a pé, milhares de quilômetros desde o Novo México até o Chile,
com singular rapidez por meio de territórios desconhecidos, além de eventualmente
inóspitos. Entretanto, Lima (2006) lembra que os pesquisadores mais ortodoxos, não
apenas acreditam nessa expansão rápida, como a utilizam para reforçar suas
ideologias:

Para a corrente ortodoxa, mais conservadora, no entanto, essa mobilidade e


dispersão impressionantes só poderiam ter ocorrido em um continente
vazio, um argumento que é utilizado para reforçar a hipótese de que os
caçadores Clóvis teriam sido os pioneiros da América. Não obstante, em um
território já ocupado - mas com população ainda muito rarefeita - isto
também poderia ter ocorrido. (LIMA, 2006, p. 9).

Segundo Lima (2006), as discussões acaloradas referentes às datações dos


sítios, têm impedido que as pesquisas se aprofundem e respondam a questões mais
prioritárias. Segundo essa arqueóloga, o estudo das vias de penetração e dispersão
no Continente americano, seja pelo litoral setentrional, pelo litoral pacífico, ou pela
espinha dorsal dos Andes, é obscurecido por um viés difusionista; no entanto, o
atual patamar da pesquisa científica tem sinalizado mudanças nessa linha de
pensamento:

Uma nova modelagem teórica começa claramente a se esboçar, o que


permitirá transcender as limitações atuais que estão reduzindo esse tema
fascinante a uma empobrecedora e obsessiva disputa pelas datas mais
antigas. Espera-se que com ela se possa finalmente investigar, em toda a
sua complexidade e plenitude, aquele que foi o último capítulo da dispersão
da espécie humana pelo planeta. (LIMA, 2006, p. 21).

A pesquisa arqueológica brasileira, aparentemente, tem alternado períodos de


grande efervescência com outros de suposta calmaria. Quando nada de
surpreendente, aos olhos do senso comum, acontece, a arqueologia brasileira perde
a relevância no campo noticioso, desaparece das discussões sociais e se abriga
quase que especificamente nos domínios acadêmicos. Esse não é um fenômeno
atual, mas, algo recorrente desde o Século XIX. Com referência às pesquisas
arqueológicas na Bahia, especialmente na Chapada Diamantina; macrorregião
32

geográfica objeto da presente pesquisa, ocorreram diversas expedições


exporatórias, como veremos a seguir.

2.3 AS PESQUISAS ARQUEOLÓGICAS NA BAHIA

Na primeira metade do Século XIX, foram iniciadas investigações referentes à


ocupação Brasil, no período antecedeu a ocupação do território pelos europeus no
Século XVI. Todavia, essas buscas tiveram duração efêmera e pouco contribuíram
para as pesquisas científicas que seriam retomadas mais de um século depois.
O objetivo principal, desde sempre, seria investigar uma origem europeia
para os primeiros habitantes do Brasil: “Talvez os artefatos arqueológicos
confirmassem a hipótese mediterrânica sobre o povoamento do Brasil – o índio
como antepassado dos povos nautas da História Antiga, dos cartagineses, dos
fenícios, dos gregos” (FERREIRA, 2014, p. 23). O autor ainda trata com ironia o
direcionamento ideológico das pesquisas à época:

[...] O índio seria um grego agora nu. Tampouco há que estranhar os


caracteres cuneiformes e os hieróglifos grafados nos papiros graníticos das
cavernas, pois tais inscrições, quase apagadas pelo tempo, talvez não
sejam um alfabeto da natureza [...] os índios, quem sabe, foram filhos de
fenícios que degeneraram o alfabeto – tudo o que sabem agora é pintar
desenhos infantis, esboçar gestos geométricos ininteligíveis pelas rochas do
Brasil. (FERREIRA, 2014, p. 24).

Ferreira (2014) e Langer (2002) acreditam que houve contaminação do


objetivo; uma predisposição para que a busca conduzisse a reafirmação do sistema
de poderes estabelecidos pela monarquia. Esperava-se que as pesquisas, ao
comprovarem a antiguidade das ruínas, confirmassem a legitimidade do domínio da
elite frente aos nativos “degenerados”.
Esse modelo de arqueologia nobiliárquico, em busca dos traços de uma
nobreza perdida, ia ao encontro das ansiedades e ausências simbólicas que o
Segundo Reinado enfrentava no seu início. D. Pedro II, recém-coroado, foi um dos
entusiastas e principal financiador de expedições à procura das ruínas de uma
suposta civilização antiga nos sertões da Bahia. Na figura 4 observa-se a Serra do
Sincorá, na Chapada Diamantina, uma das regiões para onde foram enviadas
expedições exploratórias à procura de civilizações perdidas.
33

Figura 4 – Serra do Sincorá, Chapada Diamantina, Bahia

Fonte: SIGEP/CPRM/Chapada dos Diamantes.

Para Langer (2002), a não confirmação da existência desses mitos


arqueológicos, abalou o modelo civilizatório idealizado pela elite intelectual
brasileira. Ele entende que os estudos arqueológicos no Brasil arrefeceram após o
fracasso de expedições enviadas aos sertões baiano: “[...] morreram também as
expectativas do império brasileiro em encontrar o seu "espelho" civilizacional na pré-
história” (LANGER, 2002, p. 84).
Ao falar dos primeiros momentos da arqueologia científica no Brasil, Martin
(2005), lembra que, se na Europa ao Século XVII, Winkelmann já teria assentado as
bases da arqueologia clássica; no Brasil a pré-pesquisa arqueológica só veio a
florescer no Século XIX, à sombra dos naturalistas, botânicos e viajantes europeus,
que coletaram e enviaram, para seus respectivos países, artefatos e utensílios
enriquecendo a coleção de diversos museus.
É ainda Martin (2005) que também discorre sobre os primórdios dos estudos
arqueológicos brasileiros: “[...] foi durante todo o século XIX e boa parte do atual,
modesto capítulo dos estudos naturalistas e, eventualmente, matéria para loucos e
visionários na procura de civilizações perdida” (MARTIN, 2005, p. 24). Costa (1980)
34

diz que final do Século XIX e início do XX, foi um período em que a imagianação, o
mito e as fantasias, permearam as pesquisas arqueológicas:

Descobrir hieróglifos nos riscos e círculos concêntricos, nas garatujas de


toda espécie, com que os índios, bandeirantes, caçadores, excursionistas,
assinalam sua passagem por serras, cataratas, rios, cavernas e grotas do
país. Eles registraram fatos ao acaso, copiaram riscos, anotaram crendices,
agindo em função da fantasia. (COSTA, 1980, p. 54).

Apesar destes contrapontos, apresentados por Martin (2005) e Costa (1980),


vale registrar que os primórdios das pesquisas arqueológicas no Brasil, durante o
Século XIX, não foram marcados apenas pela caça a mitos e fantasias. Estudos
importantes foram iniciados, a exemplo das pesquisas realizadas pelo cientista
dinamarquês Peter Wilhelm Lund, no campo da paleontologia e arqueologia
brasileira. Lund foi pioneiro no desenvolvimento de análises sistemáticas, dando
caráter científico à pesquisa pré-histórica brasileira. É de Lund o crédito pela
descoberta das ossadas que depois seriam denominadas de “Homem de Lagoa
Santa”.
Do ponto de vista antropológico, esses fósseis humanos descobertos pelo
antropólogo dinamarquês, eram bastante distantes dos indígenas americanos de
características mongolóides e próximas dos indivíduos negróides; levando a
comunidade científica a rever alguns pressupostos, aceitos até então, a respeito da
ocupação humana nas américas. Descreveu ainda as inscrições parietais e
instrumentos líticos encontrados em diversos sítios rupestres. Na Figura 5, em
pintura de Peter Andreas Brandt, amigo e auxiliar de Lund, podemos ver o trabalho
de catalogação das pinturas rupestres, sendo executado pelo paleontólogo.
35

Figura 5 – Peter Lund, copiando pinturas rupestres observadas na Lagoa Santa

Autor: Peter Andreas Brandt (1835). Acervo do Museu Botânico de Copenhague.

Outro pesquisador oitocentista foi o alagoano Ladislau Netto, que em 1885


escreveu o livro Investigações Sobre a Arqueologia Brasileira. Para Martin (2005),
ele poderia ser considerado o pioneiro da arqueologia brasileira, sendo um dos seus
méritos a organização, com critérios científicos das coleções arqueológicas do
Museu Nacional do Rio de Janeiro, quando foi seu diretor. No entanto, Netto foi um
dos defensores das origens fenícias para os primeiros humanos em território
brasileiro, o que de algum modo o desacreditou na comunidade intelectual da época.
Ainda conforme Martin (2005), o fato da arqueologia brasileira não ter
escapado das influências míticas, tem alguns motivos peculiares, sendo um deles a
necessidade de situar os indígenas encontrados na América, dentro dos relatos
bíblicos. O Livro Sagrado não registrou a existência desses humanos e tampouco
mencionava a existência do Continente Americano. Quase quatro décadas após as
navegações de Cristóvão Colombo, é que, na bula papal de 1537, Paulo III afirmava
que os indígenas americanos eram filhos de Deus. Ainda conforme Martin (2005)
buscou-se então, nas passagens bíblicas, referências as grandes navegações e
suas ligações com as tribos perdidas de Israel.
Desse modo, as explicações, sobre a ocupação humana nas Américas,
precisavam “caber” no contexto religioso. Infere-se, pois, que os mitos explicaram e
36

justificaram os fatos de modo a satisfazer os interesses da Igreja, mesmo que


contrariando a Ciência.
No Brasil, não obstante as iniciativas isoladas de cientistas como Peter Lund
e Ladislau Netto; as pesquisas pré-científicas, baseados em mitos e relatos do
imaginário popular, dominaram o Século XIX e início do Século XX. É ainda a
arqueóloga Gabriela Martin quem classifica a história da arqueologia brasileira em
três fases: mitos heroicos; relatos de missionários, viajantes e aventureiros; e a
moderna pesquisa científica. Ainda segundo a pesquisadora, após essa fase
exploratória do Século XIX, o Nordeste foi relegado enquanto campo de pesquisas
arqueológicas:

[...] O interesse inicial despertado pela Pré-história do Nordeste entre


historiadores, eruditos e pesquisadores estrangeiros dos fins do século XIX,
sofreu, entretanto, notável queda naquelas décadas, quando noutras
regiões (Amazônia, Sul e Sudeste) se acelera, especialmente em relação
aos sambaquis do litoral sul, em Minas Gerais, e repetem-se missões
estrangeiras na Amazônia. Essa letargia na pré-história do Nordeste vai
durar até os anos sessenta. [...]. (MARTIN, 2005, p. 37).

Contudo, deve-se registrar, ainda que rapidamente, importantes estudos


efetuados pelo arqueólogo alemão, Carlos Ott, que nos anos 1950 do Século XX,
realizou diversas pesquisas arqueológicas e deixou vasta produção acadêmica.
Destacando-se o livro escrito em 1958, intitulado Pré-história da Bahia.
Em 1964, durante um evento denominado “Seminário de Ensino e Pesquisa
em Sítios Cerâmicos”, foi sugerida por Valentin Calderón, a criação de um programa
de pesquisas arqueológicas. Assim, sob os auspícios do CNPq, foi criado o
Programa Nacional de Pesquisas Arqueológicas (PRONAPA). Apesar da iniciativa
relevante, a Região Nordeste ficou praticamente fora da área de atuação do
programa. Nesse período, porém, registra-se ainda a ação isolada de vários
pesquisadores.
Dentre tantos, vale ressaltar o trabalho do arqueólogo espanhol Valentin
Calderón, radicado na Bahia, que contando com apoio da Universidade Federal da
Bahia efetuou importantes pesquisas de campo, especialmente no Recôncavo
Baiano e Vale do São Francisco. Calderón também percorreu boa parte do litoral
37

Nordestino a procura de sambaquis 8, realizou, ainda, estudos na Chapada


Diamantina, deixando registrados e catalogados inúmeros sítios rupestres, inclusive
alguns localizados na região do Piemonte da Chapada.
Esclarece Martin (2005), que, somente a partir de 1970, com a chegada ao
Brasil de uma missão franco-brasileira, dirigida pela arqueóloga Niéde Guidon, foi
que se iniciaram, efetivamente, as pesquisas arqueológicas, de modo sistemático,
no Nordeste, em especial na região de São Raimundo Nonato, no Piauí. Em 1979 foi
criado, pelo Governo Federal, o Parque Nacional Serra da Capivara, objetivando
preservar e proteger os mais de setecentos sítios rupestres localizados na área do
parque. Em 1986, foi criada, por Niéde Guidon, a Fundação do Museu do Homem
Americano (FUMDHAM), facilitando a pesquisa de docentes e discentes nos sítios
arqueológicos da Serra da Capivara. Já em 1991, o Parque Nacional Serra da
Capivara foi declarado, pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a
Ciência e a Cultura (UNESCO), Patrimônio Natural da Humanidade.
Apesar dos escassos investimentos públicos na área de pesquisa pré-
histórica brasileira, há que se destacar o esforço pessoal de pesquisadores como
Carlos Ott e Valentin Calderón, nos anos 1960, Niéde Guidon, Gabriela Martin, Ann-
Marie Pessis e Maria da Conceição Beltrão, desde os anos 1970 e mais
recentemente, o antropólogo e arqueólogo Carlos Etchevarne. Lembrando que
esses nomes citados não esgotam o quantitativo ou qualitativo dos pesquisadores,
que estudaram os sítios arqueológicos do Nordeste, sendo apenas um referencial.
Em virtude dessas pesquisas científicas, realizadas por arqueólogos,
antropólogos e outros estudiosos das mais diversas áreas do conhecimento
humano, desde a década de 1970 do Século XX, é que se tornou possível pensar,
rever e presumir os prováveis modelos de ocupação da Região Nordeste. Essas
pesquisas têm sido fundamentais para oferecer respostas sobre os costumes,
práticas ritual e cotidiano, dos primeiros colonizadores do território que viria a se
chamar Brasil, como veremos no tópico seguinte.

8 Depósitos de conchas e cascas de ostras, junto à costa ou a rios e lagoas do litoral, onde, por
vezes, encontram-se ossos humanos, objetos líticos e cerâmicos que foram acumulados em período
pré-histórico por povos primitivos.
38

2.4 A OCUPAÇÃO DA CHAPADA DIAMANTINA SETENTRIONAL

Bueno e Dias (2015) acreditam que a ocupação do território sul-americano


por humanos pré-históricos, não foi um processo homogêneo, podendo ter
começado em fins do Pleistoceno e se estendido até início do Holoceno, em
populações contínuas, ou não, ao longo de milênios. Para estes autores, além dessa
distinção cronológica, há ainda questões em aberto sobre as possíveis rotas de
ocupação da América do Sul e, principalmente, do território brasileiro.
De acordo com Martin (2005), é possível que após atravessarem o Istmo do
Panamá, os primeiros povoadores penetraram em território sul-americano por meio
dos corredores andinos, seguindo os vales e cursos dos rios que se originam nas
cordilheiras, percorrendo os afluentes da bacia amazônica até alcançarem o
território brasileiro. Mas, essa seria apenas uma das rotas, havendo outras levas
humanas, seguindo itinerários distintos e, ocupando o Brasil em períodos diversos.
O Nordeste do Brasil, com 1.546.672 km² acolheu grande parte dessas levas
de colonizadores que de forma continua, ou intermitentemente, penetraram em
território brasileiro. Segundo Martin (2005) e Guidon (1992), as vias mais antigas do
povoamento do Nordeste no período pré-histórico, ainda que não estejam
definitivamente determinadas, podem ter sido fortemente influenciadas pelas águas
dos rios Parnaíba e São Francisco. A esse respeito, enfatiza Martin (2005):

O São Francisco é o grande rio do Nordeste, de extraordinária importância


na vida regional. Suas cabeceiras estão situadas no planalto mineiro, de
forma que o rio "nordestino" é principalmente o médio e o baixo curso do
mesmo. Do Planalto da Borborema recebe os tributários temporários de
Pernambuco e Alagoas: o Pajeú e o Moxotó. A grande bacia do São
Francisco foi centro de atração e caminho natural de grupos pré-históricos
desde os fins do pleistoceno. (MARTIN, 2005, p. 52).

Bueno e Dias (2015) concordam que é possível haver outra hipótese de


ocupação, para além de um possível corredor andino. Defendem eles que após
transpor o Istmo do Panamá, alguns grupos tenham optado em seguir na direção
leste, margeando a costa atlântica até atingirem o delta de importantes rios, como
Amazonas e São Francisco. A partir dessas bacias hidrográficas, teria se dado a
ocupação humano para o interior do território brasileiro:
39

Na transição Pleistoceno-Holoceno, pelo menos três distintos eventos de


colonização teriam contribuído para o povoamento original do Brasil. Um
primeiro conjunto de evidências, entre doze mil e onze mil anos ap, refere-
se à ocupação da Floresta Tropical e do Cerrado, cujos extensos sistemas
fluviais interligam norte, nordeste e centro-oeste do país, servindo de rota
de acesso ao interior do continente. (BUENO; DIAS, 2015, p. 120).

Ao traçar um mapa dessas possíveis via de acesso, Bueno e Dias (2015)


propõem que a rota pela Bacia do rio São Francisco pode ser anterior a outras. A
hipótese baseia-se nas datações realizadas em sítios pesquisados ao longo dessa
suposta via de penetração nos sertões brasileiro. No mapa produzido por esses
autores, (FIGURA 6) observa-se que a rota considerada mais antiga, está assinalada
pelo número 1; sendo a rota mais recente aquela que conduz ao Sul da América do
Sul, assinalada pelo numeral 3.

Figura 6 – Mapa com indicação das principais rotas de interiorização

Fonte: cielo.br/img/revistas/ea/v29n83

Supõe ainda Martin (2007), que a interiorização dessa ocupação humana,


para as regiões de chapadas, serrados e caatingas possa ter ocorrido desde as
margens dos rios São Francisco e Parnaíba, ramificando-se de acordo com o curso
40

de seus rios e riachos tributários, até atingir uma grande parcela do semi-árido
nordestino. Seguindo-se a linha de raciocínio da arqueóloga, convém observar, por
exemplo, inúmeros sítios rupestres no entorno dos rios Jacaré e Verde, tributários da
margem direita do São Francisco, o que torna essa hipótese consistente.
A época ainda é imprecisa, mas, sabe-se que em algum momento há milhares
de anos AP, os humanos chegaram na região que no futuro seria conhecida como
Chapada Diamantina Setentrional; mais precisamente, no Complexo de Serras
denominado de Isabel Dias, situado no Município de Morro do Chapéu, Bahia. Essa
cadeia montanhosa é parte de um planalto sedimentar que atinge altitudes em torno
de mil metros e constitui umas das balizas da bacia hidrográfica do Rio Jacaré.
A ação dos ventos, a força dos riachos caudalosos e velozes, tornam o relevo
acidentado. O intemperismo9, responsável pelas encostas íngremes, serras altas e
vales estreitos de sulcos profundos, também contribui para a construção da
paisagem. Planícies e planaltos e ziguezagueiam acompanhando o curso dos rios.
Moraes (1984), assim descreve a orografia da Chapada Diamantina:

Sente-se, na amplidão de sua paisagem, na agressividade de sua beleza,


nas suas elevações e nas suas depressões, nas suas dobras e em seus
enrugamentos acentuados, a força telúrica de um mundo c onstruído em
épocas remotas pela violência incontida de todos os elementos naturais.
(MORAES, 1984, p. 26).

O mosaico de vegetação que tipifica a Chapada diamantina Setentrional inclui


cerrados, campos rupestres, florestas e caatingas. De acordo com Juncá (2005), os
campos rupestres compõem a vegetação mais característica da região. Estão
presentes em altitudes acima de 900 metros ao longo de toda a Cadeia da Serra do
Espinhaço; e são caracterizados principalmente pelos afloramentos rochosos
associados a uma vegetação herbáceo-arbustiva.
A Chapada Diamantina Norte, com seu relevo cárstico; emoldurado por tocas,
grutas e montes; recortado por vales onde afluem rios quase sempre temporários,
abrigou, ou foi moradia, de migrantes pré-históricos10; assinalando mais um capítulo

9 Conjunto de processos naturais que atinge as rochas da superfície ou de pequenas profundidades


da crosta terrestre, e que acabam por lhes causar a desintegração e a decomposição. O
intemperismo pode ser físico, químico ou biológico. Os maiores agentes causadores de intemperismo
são o sol, a água e o vento (LAGE, 2010, p. 44).
10 A presente pesquisa tem como referência social, o possível fluxo migratório ocorrido na Chapada

Diamantina Setentrional, no município de Morro do Chapéu, Bahia. Migrantes pré-históricos, nesse


41

da saga humana na ocupação do planeta Terra. Nessa vastidão onde as intempéries


transformam a paisagem, contrapondo campos áridos a vales férteis, e formações
rochosas parecem emergir do solo, que ficou registrada na pedra, através de
desenhos e gravuras, a passagem de grupos humanos colonizadores do Nordeste
do Brasil. Sobre a habitação humana na Chapada Diamantina, no período pré-
histórico, diz Martin (2005):

A Chapada Diamantina, na Bahia, de forma tabular, divisor de água entre


rios que correm para o Atlântico e os tributários do São Francisco, forma
uma muralha com altitudes superiores aos mil metros, chegando a 2.100
metros no Pico das Almas. Região semideserta, apresenta-se prometedora
para a investigação arqueológica pois já foram assinalados numerosos
sítios pré-históricos, produto de prospecções rápidas e achados casuais.
Com elevado índice pluviométrico, que pode chegar a 1600 mm [...].
(MARTN, 2005, p. 56).

É plausível que chegaram em pequenos grupos, formados por algumas


dezenas de adultos e poucas crianças, tendo à frente um guia mais experimentado
na labuta nômade. De acordo com Blainey (2008), durante o longo processo de
aprendizagem humana, foi compreendido que poucas pessoas, ocupando uma vasta
área, poderiam se estabelecer por mais tempo numa mesma região. Em se tratando
de grupos de caçadores e coletores, as chances de sobrevivência cresciam na
medida em que menor número de indivíduos compartilhassem os recursos
disponíveis na natureza.
Um possível guia à frente de determinado contingente, não implicava,
necessariamente, na existência de um chefe; apenas sugere a possibilidade de
lideranças temporais ou ocasionais. De acordo com Gaspar (2003), os grupos pré-
históricos não partilhavam complexas relações de subordinação, estando
enquadrados num modelo social simples. O conceito entre sociedades simples e
complexas é assim definido pela autora:

Os cientistas sociais, ao pensarem sobre as diferentes sociedades,


propõem que elas podem ser agrupadas em dois grandes conjuntos:
sociedades simples e complexas. Nas primeiras, todos participam do
processo de produção, distribuição e consumo de bens, com a divisão
social do trabalho apoiando-se em classes de idade e sexo. Já as

contexto, portanto, são os grupos humanos que habitaram definitiva, ou temporariamente, a região
onde se localiza o Complexo de Serras denominado de Isabel Dias.
42

sociedades complexas são marcadas por forte hierarquia social que


assegura privilégios e deveres para diferentes segmentos. (GASPAR, 2003,
p. 9).

É presumível, pois, que entre os membros de um determinado grupo, a chefia


atendesse as demandas circunstanciais. Aquele que já tivesse realizado jornadas
exploratórias de novos territórios, por exemplo, poderia ser elevado ao posto de
liderança temporária de seus pares, dado a experiência adquirida. A vivência, e
conhecimento acumulado, são atributos fundamentais numa sociedade com
reduzidas possibilidades de registro memorial. Sendo caçadores e coletores,
alimentavam-se do que a terra oferecia e sua dieta era o resultado de uma série de
descobertas como, por exemplo, saber se uma planta era comestível ou venenosa.
Alguns devem ter perecido por envenenamento, colaborando, involuntariamente,
para o aprendizado de outros.
Não obstante a convivência cronológica do homem pré-histórico com animais
da megafauna composta por gliptdontes (ancestrais gigantes dos atuais tatus),
megatérios (ancestrais gigantes das atuais preguiças), mastodontes (espécie de
elefantes) e, eventualmente, até tê-los caçado; acredita Martin (2005), que animais
de grande porte na dieta alimentar do dos povos pré-histórico era exceção, não a
regra.
Para Blainey (2007), é provável que captura de animais de grande porte só
acontecesse nos raros momentos em que havia um grupo maior de caçadores
reunidos, e estes conseguiam encurralar a caça em alguma espécie de cânion. Há
ainda a possibilidade de que, na maioria das vezes, os grupos pré-históricos tenham
se alimentado das sobras da megafauna deixadas por predadores naturais.
Martin (2005) acredita que imaginar o homem pré-histórico brasileiro como um
caçador por excelência do tigre-dentes-de-sabre é uma caracterização romanceada.
De uma maneira geral, os restos alimentares coletados em escavações
arqueológicas indicam que os primeiros nordestinos eram consumidores da
microfauna: roedores, répteis e moluscos. Diz a arqueóloga:

No nosso país, os caçadores pleistocênicos foram sempre diversificados


pois caçavam principalmente animais de pequeno porte, que consumiam
em grandes quantidades, embora, eventualmente, tivessem caçado
mamíferos gigantes de fauna hoje extinta. (MARTIN, 2005, p. 159).
43

A busca de campos com maior oferta de frutos silvestres, fauna abundante,


disponibilidade de água, meio ambiente climaticamente favorável, e abrigos seguros
contra predadores; foi, provavelmente, a principal motivação para o constante
movimento migratório dos primeiros colonizadores do território diamantino.
Eventualmente, a rivalidade intergrupal pode ter causado cisão e afastamento de
alguns integrantes, que formariam novos núcleos e demandariam outros locais para
viver.
Na maioria dos casos, o deslocamento desses grupos humanos,
provavelmente, ocorreu mais em função da necessidade de buscar novos campos
de caça e coleta, que propriamente com o objetivo de explorar novos territórios. É
compreensível que após o esgotamento dos recursos em alguma região, ou por
influência das mudanças de estações, ocorresse a migração. Para garantir a
subsistência do grupo, era necessário seguir em frente para um destino ainda não
conhecido, ou até mesmo retornar a um local anteriormente habitado, num processo
de circularidade populacional.
Esse movimento migratório seja provocado pela falta de alimentos, alterações
climáticas, discórdia; ou, como sugere Pinsky (2001), pura e simples necessidade
humana de conhecer e explorar novas regiões; determinou outra característica
dessa sociedade de caçadores e coletores: o nomadismo 11.
Alguns grupos, provavelmente, retornaram diversas vezes a uma área ou
região para dela fazer habitat temporário, desde que houvesse disponibilidade de
frutos silvestres, as condições climáticas fossem propícias, e a fauna estivesse
recomposta, permitindo assim nova temporada de coleta e caça. Todavia, o
nomadismo também favorecia de modo insuspeito esses povos, como lembra
Blainey (2007):

11 É a forma de vida dos povos nômades, isto é, povos que não têm habitação fixa. Os nômades são
do tipo caçador-coletores, ou seja, vivem da caça, pesca e da coleta de alimentos. Quando há
necessidade, deslocam-se para procurar melhores condições de vida. Durante a pré-história, na
América do Sul, Mesmo em sociedades agrícolas organizadas, a caça foi um imperativo para
obtenção de proteínas (MARTIN, 2005, p. 181).
44

Os nômades, sem saber, levaram vantagens em termos de saúde. Por


usarem pouca roupa, ou até mesmo nenhuma, em climas tropicais, ficavam
mais expostos à luz solar, o que impedia a proliferação de germes. Por não
possuírem animais, eram alvo de menor número de doenças. (BLAINEY,
2007, p. 17).

Nesse andejar em que a seguir em frente era uma questão de sobrevivência,


os idosos ou doentes, que já não podiam prosseguir, possivelmente, foram deixados
para trás. Uma população itinerante não tinha escolhas; sobreviveriam os mais
aptos. Segundo Martin (2005), a partir de pesquisas realizadas na Furna do Estrago,
em São Raimundo Nonato-PI, os humanos pré-históricos, possuíam baixa
expectativa de vida, sendo em média 24 anos. A mortalidade infantil era alta,
(12.5%).
Todavia, fator também a considerar é que a ocupação territorial da vasta
região que compõe a Chapada Diamantina, como de resto em qualquer outra região
do planeta, só ocorreu porque alguns desses migrantes decidiram por transformar o
habitat sazonal em moradia de longo tempo. Nesse caso, continuaria valendo a
premissa de que poucos sobrevivem com menos. Truzzi (2008) propõe que essas
migrações sazonais podiam originar uma cadeia migratória 12:

De outro modo, é natural que uma emigração com características circulares


acabe deixando residualmente, com o decorrer dos anos, alguns indivíduos
estabelecidos no local de destino. Esses pioneiros, sobretudo se bem-
sucedidos, podem agir como elementos de atração para que outros
eventualmente se estabeleçam, facilitando a fixação de novos ingressantes
em caráter permanente. Ao cabo de alguns anos, a emigração outrora
circular pode assumir uma característica de cadeia. Migrações em cadeia
surgem assim como o modo natural de desenvolvimento de um fluxo
migratório para aqueles que não são os pioneiros, os desbravadores de um
novo destino. (TRUZZI, 2008, p. 200).

Povos nômades, na maioria dos casos, administram seu modo de vida em


harmonia com as estações climáticas e seus períodos frios, quentes, secos ou
chuvosos. No caso dos caçadores-coletores pleistocênicos a dinâmica não deveria
ser diferente. Se a natureza os supria, é fato que também regia seus destinos. Para
humanos pré-históricos, que dispunham de poucas ferramentas que lhes

12 Movimento pelo qual migrantes futuros tomam conhecimento das oportunidades de trabalho
existentes, recebem os meios para se deslocar e resolvem como se alojar e como se empregar
inicialmente por meio de suas relações sociais primárias com emigrantes anteriores (MACDONALD;
MACDONALD, 1964, p. 82).
45

permitissem interferir de forma significativa no meio ambiente, era fundamental à


sobrevivência saber lidar com os eventos da natureza.
Em seus estudos, Etchevarne (2007) afirma que um fator importante a ser
considerado no exame arqueológico é o meio ambiente onde houve assentamentos
humanos. O ecossistema é capaz de responder, por exemplo, por que as
sociedades caçadoras e coletoras do Nordeste brasileiro não utilizavam o interior
das dolinas e grutas profundas como habitação de longo tempo.
Schmitz (1990) propõe que no início do Holoceno, o clima nordestino,
apresentava temperaturas 6°C inferiores aos dias atuais, período denominado de
“ótimo climático”, tornando a temperatura bastante amena. Nesse contexto
ambiental, não parece muito plausível que humanos buscassem a habitar nos
ambientes escuros e insalubres das cavernas.
Já os abrigos sob rochas, geralmente ventilados e claros, já se comprovou
que foram usados com fins ritualísticos, socializantes e como habitação temporária.
Registro deste tipo de moradia, ou centros de convivência, são as pinturas
rupestres, um legado para a história da humanidade. Com referência à importância
do meio-ambiente sobre as relações sociais do humano pré-histórico, o arqueólogo
Carlos Etchevarne (2007, p. 79) é bastante enfático:

[...] os processos sócios históricos estão marcados pela interação homem


natureza. Isto significa que a história de um grupo humano se desenvolve
no interior de um ambiente natural determinado, mediante o
estabelecimento de uma relação de reciprocidade entre a sociedade
humana e o meio natural, relação na qual cada uma das partes é condição
sine qua non para a dinâmica de um específico sistema cultural.

Buco (2014) entende que é necessária uma análise contextual, para entender
o dinamismo do viver nômade. A autora propõe um novo modo de analisar esse
conjunto de costumes e hábitos dos povos caçadores-coletores pleistocênicos que
mesmo em constante itinerância, preservavam sua cultura.

Atualmente, há uma tendência em estudar temáticas de forma transversal e


transfronteiriça, pensando em um ser humano global que fazia arte, mas
também caçava, dançava, cozinhava e mudava, de tempos em tempos, de
local, levando consigo a sua cultura. (BUCO, 2014, p. 19).
46

Imaginando-se a tessitura social sugerida por Buco (2014), é possível traçar


um perfil de uma sociedade pré-histórica regida pela solidariedade mecânica 13, onde
a coesão se dava pela partilha de valores. Martin, (2005) ao discorrer sobre a vida
social e os limites das tecnologias 14 dominadas pelos homem pré-histórico
nordestino, assim define:

O indígena do Nordeste, antes da colonização européia, no seu nível


cultural mais avançado, nunca ultrapassou o estágio neolítico primário pré-
urbano. Sua habitação não era permanente, não trabalhou a pedra para
construção de moradias, nem soube fazer o tijolo ou adobe. Não conheceu
metais, a roda nem o torno de oleiro e não domesticou nenhum animal
economicamente rentável. Sua organização social não estava dividida em
classes. Sempre andou nu ou seminu. (MARTIN, 2005, p. 151).

Nos tabuleiros da Chapada Diamantina, muitos foram os grupos que


transitaram, residiram temporária ou definitivamente, guerrearam e provavelmente
enterraram seus mortos. Em qualquer dos casos, nas grotas, matacões, abrigos e
paredões da região, esses andarilhos deixaram suas marcas desenhadas ou
gravadas em suportes rochosos, com os instrumentos que a sua tecnologia
dispunha. Representaram o ausente; abstraíram-se; geometrizaram o traço e
contaram histórias através de singulares desenhos.

13 Nestas sociedades, os indivíduos que a integram compartilham das mesmas crenças e valores
sociais. A solidariedade se baseias na interdependência do trabalho e interesses materiais
necessários a subsistência do grupo. Essa correspondência de valores é que irá assegurar a coesão
social (DURKHEIM, 1995).
14Palavra de origem grega, formada por tekne (“arte, técnica ou ofício”) e por logos (“conjunto de

saberes”). É utilizado para definir os conhecimentos que permitem fabricar objetos e modificar o meio
ambiente, com vista a satisfazer as necessidades humanas. Sobre tecnologias do homem pré-
histórico vide MARTIN, 2005, p. 110.
47

3 DESENHANDO NA PEDRA

Animação não é a arte do desenho que se move;


ao invés disso, é a arte do movimento que é
desenhado.
Norman McClaren

3.1 AS SERRAS DE ISABEL DIAS E OS SÍTIOS RUPESTRES

A macrorregião geográfica onde se localizam os sítios arqueológicos visitados


e registrados no decurso desse trabalho acadêmico, situa-se na cadeia de
montanhas denominada Chapada Diamantina. Esse conjunto de serras faz parte da
unidade geológica conhecida como Supergrupo Espinhaço. A Chapada Diamantina
está localizada no centro geográfico do Estado da Bahia, possui uma área de 41.751
km². A Chapada Diamantina apresenta-se em geral como um altiplano extenso, com
altitude média entre 800 e 1.200m acima do nível do mar. Conforme Juncá (2005, p.
35):

A Chapada Diamantina ocupa uma posição central no Estado da Bahia e


inclui 58 municípios15. Essa região e a parte setentrional da Cadeia do
Espinhaço, um conjunto de montanhas disjuntas, que se estende desde o
Estado de Minas Gerais, em direção ao Norte, até alcançar a calha do Rio
São Francisco. (JUNCÁ, 2005, p. 35).

Na porção mais a norte desse território, localiza-se a região geográfica


denominada Chapada Diamantina Setentrional, incluindo o município de Morro do
Chapéu, que ocupa uma porção de 5.532 km² do território ds Chapada Diamantina.
Em 17 de agosto de 1998, por meio do Decreto Estadual nº 7.413 foi criado
na Bahia o Parque Estadual de Morro do Chapéu (PEMC). De acordo com relatório
técnico emitido pelo Instituto de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (INEMA),
Instituição ligada à Secretaria de Meio Ambiente do Estado da Bahia, o Parque

15 A partir da divisão por Territórios de Identidade, em 2010, reconhecido pelo Governo da Bahia,
como divisão teriotorial oficial para políticas públicas, a Chapada Diamantina ficou composta por 24
municípios: Abaíra, Andaraí, Barra da Estiva, Boninal, Bonito, Ibicoara, Ibitiara, Iramaia, Iraquara,
Itaeté, Jussiape, Lençois, Marcionílio Souza, Morro do Chapéu, Mucugê, Nova Redenção, Novo
Horizonte, Palmeiras, Piatã, Rio de Contas, Seabra, Souto Soares, Utinga, Wagner.
48

Estadual é uma Unidade de Conservação de Proteção Integral (UC)16, com 46.000


hectares, inserido em sua totalidade no município de Morro do Chapéu, ocupando
cerca de 8% do seu território. Na Figura 7 pode-se observar mapa planimétrico do
município de Morro do Chapéu e o PEMC em recorte.

Figura 7 – Parque Estadual de Morro do Chapéu

Fonte: Google Earth (2017).

A UC possui remanescentes de caatinga, cerrado, campos rupestres,


ambientes de diversas espécies animais e vegetais nativos, também centenas de
sítios arqueológicos, contendo vestígios de ocupação humana em períodos remotos.
Desses vestígios, a sua porção mais visível, são os desenhos rupestres. Tais
representações podem ser observadas em paredões, tocas, matacões ou rochas
dispersas nos leitos de rios temporários que sulcam o solo semiárido do entorno. É,
pois, no PEMC, que foram colhidas as informações e dados elencados na presente
pesquisa.
O PEMC, com seus 46.000 hectares, possui 52 sítios arqueológicos
cadastrados no Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN). É
possível que, dentre os sítios cadastrados, alguns tenham sido incluídos mais de

16 As UCs, conceituadas pela Lei no 9.985/2000, são territórios, geridos de forma diferenciada, com o
objetivo de promover a conservação e o uso sustentável dos recursos naturais, a educação
ambiental, o contato harmônico com a natureza, o lazer e a pesquisa científica (IPEA, 2009).
49

uma vez no CNSA, apenas com denominação modificada. Costa (2012) alerta para
essa possibilidade de denominações diversas para o mesmo sítio 17. Considerando-
se que durante as visitas técnicas demandadas pela presente pesquisa, foram
localizados um pouco mais de 50 sítios cujos respectivos cadastrados não foram
localizados na lista on-line fornecida pelo IPHAN, é possível deduzir que somente
uma pequena porção de sítios arqueológicos contidos no Parque Estadual, foram
objetos de registro no CNSA.
O difícil acesso aos locais onde estão tocas, paredões e seus respectivos
painéis de desenhos rupestres, na maioria das vezes, só é possível por meio de
trilhas abertas pelo gado criado à solta; num costume avoengo que perdura até os
dias de hoje na área pesquisada. O gado, na busca de fontes de água ou locais de
pastagens, abre variantes no meio da vegetação que terminam, também, sendo
usadas por vaqueiros, garimpeiros e caçadores.
Ao trafegar por esses caminhos os habitantes locais encontram as tocas que
compõe sítios arqueológicos, utilizando-os, muitas vezes, como abrigo temporário;
prática atual que replica procedimentos dos povos pré-históricos. Não raro, a
informação sobre o encontro de um novo sítio arqueológico chega ao conhecimento
dos pesquisadores quando os danos causados pela ação das fogueiras e/ou
escavações garimpeiras se apresentam irreversíveis.
Procurou-se fazer, em virtude da extensão territorial da área onde estão
circunscritas as Serras Isabel Dias, um recorte geográfico que permitisse coletar
amostras que pudessem confirmar, ou negar a hipótese deste trabalho acadêmico,
sem, contudo, haver pretensão de esgotar as possibilidades que as dezenas de
sítios encontrados em área relativamente pequena, oferecem para pesquisas
futuras.
Deste modo, decidiu-se que deveria ser feito um recorte esquemático para
efeito de análise, compreendendo quatro sítios arqueológicos, quatro painéis de
desenhos rupestres e cinco desenhos. A escolha dos painéis refletiu uma seleção de
desenhos mais significativos, nos termos em que a definição de movimento/ação,

17 No portal do IPHAN, no endereço eletrônico, é possível preencher uma consulta informando o


município e o Estado, que o leitor será conduzido a uma lista contendo os s ítios arqueológicos do
município de Morro do Chapéu, registrados no Cadastro Nacional de Sítios Arqueológicos. Há ainda
dados sobre as condições de preservação dos sítios, além de informações sobre o pesquisador que
efetuou o cadastro.
50

fosse mais perceptível. A área geográfica definida para as pesquisas de campo está
situada no âmbito do conjunto de serras denominado de Isabel Dias, inseridas no
território do PEMC.
Desde a cidade de Morro do Chapéu, sede do Município com mesmo nome,
até as Serras Isabel Dias, viaja-se 29 km pela rodovia BA-052, em seguida percorre-
se 06 km pela rodovia pavimentada Flores-Morro do Chapéu, até o povoado de
Tareco. A partir desta comunidade, percorre-se mais 12 km a pé até uma localidade
denominada Pocinho dos Peixes, onde há uma pequena fonte, que originou a
denominação da paragem. Esse local foi estabelecido como ponto de apoio para as
pesquisas de campo realizadas ao longo da construção desta dissertação.
Tal escolha deve-se à maior facilidade de acesso à água potável, além de
estar próximo de alguns dos sítios arqueológicos cujos desenhos rupestres foram
mais significativos para a pesquisa, entre estes está a Toca conhecida como Isabel
Dias. O nome tem origem em uma lenda, já registrada em romance de José de
Alencar intitulado As Minas de Prata, de 1865. A lenda referencia a história de um
suposto sertanista de nome Robério Dias, e uma índia que ele capturou e batizou-a
com o nome de Isabel. A nativa, por quem Robério Dias se enamorou, foi tornada
sua companheira e, durante alguns anos, eles teriam morado numa das inúmeras
tocas da localidade, sendo que uma delas, de aproximadamente 40m² foi batizada
com o nome de Isabel Dias.
O Tema das minas de prata baianas também foi assunto de um livro de
Calmon (1950). Entretanto, naquele livro, o autor tenta desconstruir a história
afirmando que é apenas uma lenda romanceada e que, provavelmente, esse
sertanista jamais esteve na área citada. O fato é que o nome Isabel Dias passou a
referenciar o conjunto de serras em seu entorno e além. Na Figura 8 é possível
verificar a rota percorrida desde o povoado de Tareco até o início da área
pesquisada, mostrando o local exato onde está a Toca de Isabel Dias.
51

Figura 8 – Rota Tareco - Isabel Dias

Fonte: Google Mapas 2017. Georreferenciamento do autor.

Com o objetivo de contribuir com pesquisadores que no futuro pretendam


ampliar as informações contidas nessa dissertação, registram-se aqui as
coordenadas geográficas onde se situam os sítios pesquisados; todos localizados no
perímetro indicado na Figura 9. Para a marcação destes pontos de interesse, foi
utilizado um aparelho de GPS portátil, marca Garmin, modelo “Etrex 20X”, cujo
fabricante indica uma margem de erro entre 10 e 20 metros. As localizações dos
sítios são as seguintes:
Paredão das Emas Saltadoras – Latitude: 11°25’19.33 Sul – Longitude: -
41°19’ 26. 40” Oeste. Altitude: 815 metros.
Toca Grande – Latitude: 11°25’15.95” Sul – Longitude: - 41°19’ 18. 66” Oeste.
Altitude 860 metros.
Toca de Isabel Dias – Latitude:11°42’51. 80” Sul – Longitude: - 41°32’43.93”
Oeste. Altitude: 832 metros.
Abrigo da Toca da Juriti – Latitude: 11°27’ 28.90” Sul – Longitude: - 41° 18’
47.56” Oeste.
Na Figura 10 é possível observar a trilha percorrida desde o povoado do
Tareco, até a área denominada Pocinho dos Peixes. Na Figura seguinte (10),
verifica-se a localização de cada sítio, assim como também o percurso em torno das
tocas, abrigos e paredões pesquisados.
52

Figura 9 – Trilhas e localização de Sítios Rupestres

Fonte: Google Earth (2017). Georreferenciamento do autor.

Figura 10 – Percurso das áreas pesquisadas

Fonte: Google Earth (2017). Georreferenciamento do autor.


53

3.2 O DESENHO, ARTE E MEMÓRIA

Martin (2005) entende que o conceito de arte é plenamente aceito, desde que
não implique em considerar as pinturas rupestres apenas como uma manifestação
artística.
Quando se discute a adjetivação de “arte” para os grafismos rupestres,
considera-se que, para além da função utilitarista, informativa ou ideológica, também
havia nos autores dos desenhos a concepção do belo.
Arte pode ser considerada uma atividade humana ligada a manifestações de
ordem estética, feita por artistas a partir de percepção, emoções e ideias. Para
Gaspar (2006), do mesmo modo que um artista contemporâneo, seja ele um cantor,
coreógrafo, escritor ou pintor, pretende que sua arte, além de encantar os sentidos,
leve uma mensagem ao público; não era outro o objetivo final do homem pré-
histórico que desenhou na pedra.
É possível inferir, observando- se o acervo de pinturas rupestres das Serras
Isabel Dias, que seu autor, ou autores, demonstram grande habilidade em
estabelecer a semelhança relacional nas cenas desenhadas, estabelecendo padrões
que podem simbolizar força, rapidez, movimento, e atributos que estejam para além
da propriedadade concreta do objeto. Em outras palavras, embora apresentem
padrões repetitivos, nos moldes de uma linguagem reconhecível fica evidente que os
desenhistas nem sempre se apegavam à concretude dos objetos, exercendo, em
alguns casos, a subjetividade (KONDAKOV, 1954, p. 300). Diz Martin (2005, p. 238):

Da mesma forma que não há duas obras de arte iguais, a não ser quando
se trata de cópia ou plágio, não há também dois painéis rupestres repetidos,
pois o que se repete são as idéias e os comportamentos, plasmados
graficamente e de forma subjetiva.

Para que se tenha melhor compreensão da inter-relação entre o homem, os


instrumentos que utiliza e os meios que dispõe para transmitir uma mensagem,
observe-se o conceito estabelecido pelo sociólogo canadense Marshall McLuhan
(1974), quando sugere que o meio é um elemento fundamental na comunicação e
não somente um canal de passagem ou um veículo de transmissão. O homem dá
54

forma a novos instrumentos e que lhe serão úteis para transmitir informação e
conhecimento.
Não apenas o produto, mas, igualmente, os meios utilizados fazem parte da
mensagem. O desenho rupestre é um meio de comunicação que delineia o homem
e seu horizonte cultural. A rocha, o tema retratado, os pigmentos, obtenção e
preparação dos minerais, a habilidade manual no exercício do traço e instrumentos
disponíveis foram, possivelmente, levados em consideração no momento em que o
homem pré-histórico idealizou um determinado painel e suas formas.
McLuhan (1974) aponta uma equivalência entre forma e conteúdo na
transmissão da informação. Essa paridade coloca em evidência que o humano
modela ferramentas que também o modelam. O suporte rochoso configura um plano
gráfico capaz resistir à passagem do tempo, sendo ele próprio uma mensagem que
estabelece as relações do humano e seu meio ambiente.
Entende-se que desde o suporte até os materiais empregados, tudo foi
devidamente apropriado, formando um único corpus a serviço do artista. Entende-
se, pois, que a tecnologia disponível não criou entraves para a execução da obra. O
paredão, a pedra, o matacão e os instrumentos que foram utilizados para desenhar
nos paredões, trazem, também, uma mensagem do homem, seu tempo e sua visão
de mundo. Pois o meio empregado também é uma mensagem. Conforme Buco
(2012), o desenho feito nas rochas, em períodos pré-históricos, com os recursos
materiais que se dispunha à época, é certamente uma representação artística:

Reconhecê-la como arte exalta-a, mas não a inferioriza perante os demais


vestígios da cultura material. O “fazer arte” permite juntar os dois universos,
o natural (subsistência), com o simbólico (imaginário), e se buscamos
conhecer o homem, precisamos reconhecê-lo na integralidade como
espelho de nós. (BUCO, 2012, p. 14).

Os registros rupestres, tendo como suporte gráfico a rocha, compõem o que


Martin (2005) denomina de “painel gráfico”. Segundo a arqueóloga, a forma como as
pinturas eram dispostas nos paredões, a escolha de determinadas figuras, a seleção
de um local em detrimento de outro no mesmo sítio arqueológico, faziam parte do
código comunicacional e eram fator preponderante para perfeito entendimento da
mensagem. Há, no entanto, quem vá além e qualifique esse arranjo estético como
parte integrante de um projeto gráfico, conforme analisa Etchevarne (2007, p. 108):
55

As formas arquitetônicas do suporte rochoso (elementos naturais como


parede, teto e piso) são partes compositivas do projeto gráfico. [...] assim a
combinação entre o suporte e os temas pintados pode resultar, em certos
casos, em composições de grandes efeitos visuais. [...] com isso pode-se
imaginar que houve por parte dos autores do grafismo uma planificação que
incorporasse os elementos topográficos de tal modo que os motivos
resultantes pudessem provocar a sensação ótica de profundidade.

De acordo com Pessis (1992) em sítios arqueológicos disseminados por


quase todo o território brasileiro, com maior ênfase na Região Nordeste, cientistas e
pesquisadores têm identificado padrões estilísticos e estéticos nas representações
rupestres. Essa similitude de estilo, pigmentação, temática; tipo, estatismo ou
movimento das figuras dentro de um painel, faz com que arqueólogos identifiquem
três classes principais de pinturas, no Sudoeste do Piauí, designando-as com o
termo “Tradição”. Inicialmente foram tipificadas quatro grandes Tradições, porém, à
medida que as pesquisas avançaram se fez necessária a agregação de outras
subtradições.
As principais são: Nordeste, Agreste e Geométrica e Itaquatiara. O que se
objetivou inicialmente ao, estabelecer Tradições foi segregar obras gráficas que
poderiam pertencer a um mesmo grupo cultural. Segundo Martin (2005, p. 234): “O
conceito de tradição compreende a representação visual de todo um universo
simbólico primitivo que pode ter sido transmitido durante milênios”.
As tradições são definidas conforme os tipos de figuras presentes e as
proporções relativas que existem entre os diferentes grafismos que compõem um
painel; confirmando assim, a existência de um sistema coerente, um código
comunicacional, nas representações rupestres.
Conforme explica Costa (2012), a ordenação de desenhos rupestres em
categorias crono-estilísticas denominadas de Tradições, tinha como objetivo reunir
os desenhos rupestres de acordo com um conceito identitário:

No Nordeste brasileiro, nos estudos realizados no Parque Nacional Serra da


Capivara, a arqueóloga franco-brasileira Niède Guidon – professora
aposentada da École des Hautes Études en Sciences Sociales, na França,
e presidente da Fundação Museu do Homem Americano no Piauí, Brasil –
adotou a noção de tradição para identificar as grandes classes das
representações rupestres que compunham “identidades” de caráter geral,
quando os grafismos identificados seriam reunidos em tipos, que levariam
em consideração a proporção relativa que esses tipos guardam entre si.
Desta maneira, agregaria as pinturas e gravuras em quatro grandes
56

tradições, definidas como Nordeste, Agreste, Geométrica e Itaquatiara.


(COSTA, 2012, p. 14).

Para Etchevarne (2007), na Tradição Nordeste predomina figuras humanas e


de animais, formando conjunto com grande expressividade narrativa e riqueza
cênica. Seu estudo permite a reconstrução de aspectos da vida das comunidades
humanas na pré-história. O dinamismo das figuras, apresentadas em múltiplas
atividades sociais, parece haver a intenção de retratar, da forma mais identificadora
possível, situações coletivas de caça, coleta, lutas, sexo, dança, brincadeiras e
rituais.
Entretanto, nesta dissertação, ao tratar de conceitos de Tradições, de forma
bastante superficial, não se objetiva identificar ou apontar qualquer relação dos
desenhos das Serras Isabel Dias, com as Tradições Rupestres conhecidas e
classificadas; haja vista, que não é proposta deste trabalho, efetuar classificações ou
definir Tradições rupestres para os desenhos das Serras Isabel Dias. A intenção ao
apontar as Tradições e seus conceitos, em especial a Tradição Nordeste, é de
apenas situar o leitor para a Tradição que é, basicamente, caracterizadora do
movimento nas representações rupestres do Nordeste brasileiro, conforme
acentuam Pessis (1992), Guidon (1992), Martin (2005) Etchevarne (2009).
Ressalve-se que alguns pesquisadores ainda não estão convictos que
possam ser aplicadas na Chapada Diamantina baiana as mesmas caracterizações
que são utilizadas na região de São Raimundo Nonato-PI, para identificar as
Tradições Rupestres. Costa (2012), por exemplo, acha que seria prematuro aplicar
tais conceitos no Piemonte da Chapada Diamantina, antes que haja dados coletados
suficientes para estabelecer essa transferência de conceitos de uma região para
outra, equidistantes em milhares de quilômetros.
Recomenda Costa (2012), que devem ser levadas em consideração as
singularidades da paisagem, os dados relacionados à geotectônica, geologia,
geomorfologia, solos, hidrografia, clima e vegetação:

Logo, em relação especificamente às representações rupestres,


indiferentemente da forma que elas tenham – seja figurativa ou geométrica
– por princípio, deverão contar com uma observação arqueológica
particularizada e local. (COSTA, 2012, p. 209).
57

Os conceitos classificatórios de Tradições rupestres foram revistos por suas


idealizadoras, Guidon e Martin (2010), justamente por que as autoras acreditam que
nem as Tradições principais, nem tampouco as subtradições que foram
estabelecidas depois, dão conta de explicar ou classificar o universo cultural das
pinturas rupestres, encontradas em todo o Nordeste brasileiro nas últimas décadas.
A tradição Nordeste é identificada como a mais caracterizadora do
movimento, além de apresentar ações reconhecíveis de antropomorfos e
zoomorfos18, conforme sugere Pessis (1992), pode ser vista como pressuposto
inicial na análise das imagens desta dissertação, sem, contudo, engessar a
discussão ou asseverar que esses desenhos pertençam indiscutivelmente àquela
Tradição ou qualquer outra, haja vista que não há dados científicos suficientes que
deem sustentabilidade à classificação tipológica nos desenhos rupestres das Serras
Isabel Dias.

3.3 AS TÉCNICAS DE REPRESENTAÇÃO DO MOVIMENTO

Durante o processo de ocupação de um novo território, é possível imaginar


que à frente do grupo de andarilhos, houvesse um guia experimentado, conhecedor
dos caminhos mais seguros, por entre a vegetação rala e agreste dos sertões
diamantino. Num restrito campo de possibilidades de transmissão do conhecimento,
as trilhas, seus perigos e abrigos mais seguros, possivelmente, foram apreendidos
pela prática, na observação e acompanhamento durante as mudanças sazonais do
grupo.
Ora, se a maior parte do conhecimento adquirido no período pré-histórico foi
fruto da vivência e transmissão oral, muito provavelmente, alguns daqueles
integrantes do grupo, deveriam exercer o ofício de educador, ou instrutor, no
contexto da sociedade que vivia. É possível imaginar, por exemplo, que alguns
tenham aprendido a alguns usos curativos de ervas e a estes coube a coleta,
produção e emprego dos saberes medicinais.

18 Antropomorfos, no contexto das pinturas rupestres, são definidos como grafismos representando
seres humanos (de maneira realista ou esquemática). Já zoomorfos são desenhos que de forma
figurativa ou através de linhas simples, representam animais.
58

Nas sociedades simples, as “sabenças” da cura, do sagrado, da gramática,


dos símbolos, tradições e costumes, possivelmente, era uma incumbência dos mais
antigos, ou até um ofício, uma arte. É admissível, pois, dentre os membros de uma
tribo, que alguém exercesse o ofício de narrador. Aquele que contaria as histórias e
lendas que envolviam seu povo e, consequentemente, também seria um guardião
identitário do grupo. Martin (2005, 2005, p. 301) propõe que a transmissão do
conhecimento entre povos pré-históricos ocorria do seguinte modo:

Feiticeiros, pajés ou simplesmente contadores de estórias, podem ter sido


os responsáveis pela transmissão do conhecimento e dos mitos depois
representados nas pedras [...] é uma espécie de enlace entre as distantes
aldeias de uma mesma etnia que recorre a floresta informando dos fat os
acontecidos nas comunidades e contando também histórias míticas e
fantásticas.

Possivelmente, nas noites assombradas por vultos e vozes de animais, ao pé


de uma fogueira e arrodeado de atentos ouvintes, o narrador contasse as lendas,
caçadas e aventuras dos antepassados que habitaram aqueles chapadões,
planaltos, tocas e grutas. As tocas e grutas que naquele momento os acolhia e os
abrigava.
Essas narrativas e transmissão de saberes, muito provavelmente, foram
reforçadas por uma linguagem simbólica, desenhadas em suporte rochoso,
denominadas de pinturas rupestres, representações rupestres, ou arte rupestre.
Aqui, neste trabalho acadêmico, preferencialmente iremos denominar essas
imagens de desenhos rupestres, haja vista que este trabalho se propõe dialogar
sobre o desenho enquanto capacidade humana de perceber o mundo visível e
representá-lo em suporte rochoso, estabelecendo uma dinâmica cognitiva entre o
projeto gráfico e os indivíduos. Como define Wong (2001, p. 41): “O desenho é um
processo de criação visual que tem um propósito”. É justamente sobre o possível
propósito de produzir movimento e percepção de profundidade nos desenhos
rupestres das Serras Isabel Dias, que esta pesquisa se debruça.
A variedade de denominações, apenas acentua o universo multicultural que
envolve os as pinturas e gravuras encontrados nos sítios arqueológicos, da Chapada
Diamantina Setentrional. As rochas foram a superfície, o plano da imagem, que o
59

homem pré-histórico utilizou para registrar sua visão de mundo. Diz Etchevarne
(2007, p. 19):

Como premissa básica, deve se considerar que a arte rupestre constitui


uma forma muito particular de compreender o ambiente, tanto natural
quanto social, posto que ela aponta diretamente para um aspecto essencial
das representações mentais das populações pretéritas; o simbolismo.

A linguagem verbal, provavelmente, não era suficiente para comunicar uma


ideia. Numa sociedade em formação, presume-se um vocabulário modesto. O apoio
ilustrativo das representações rupestres seria uma ferramenta comunicacional
indispensável. Assim, provavelmente floresceu a arte com função utilitarista como
supõe Martin (2005, p. 240):

A capacidade de contar também leva o homem a fazer riscos nas pedras e


nas paredes rochosas numa fase pré-estética. Lembro aqui Johann
Winkelmann na sua clássica obra “História da Arte na Antiguidade”, escrita
em 1763, quando afirma que as artes que dependem do desenho
começaram pelo utilitário para passar depois ao supérfluo. Comentário que
também é válido para reflexão sobre as origens da arte pré-histórica.

É possível imaginar, estabelecendo uma hipotética imagem mental do homem


pré-histórico e seu comportamento social, alguma noite sob um abrigo rochoso.
Enquanto o narrador descrevia um fato, uma ação, a fogueira provavelmente
iluminava o abrigo e as pinturas rupestres gravadas nas rochas. Em um jogo de
sombras, penumbras e luz, os desenhos transmitiam a percepção de movimento. A
narrativa ganhava cores e as ações se apresentam aos olhos da plateia. O verbo
recorre à linguagem não verbal; e a imagem cumpre o seu papel, de reforçar
ideologias, representar e ilustrar. Assume o papel que depois seria preenchido, em
sua forma mais moderna, pelas informações imagéticas produzidas pelos meios
eletrônicos de comunicação.
Dondis (1997, p. 5) acentua que nós humanos sempre buscamos o reforço
visual, o modo icônico de expressão, dado o caráter direto da informação e a
proximidade com a experiência real: “[...] a informação visual é o mais antigo registro
da história humana. As pinturas das cavernas representam o relato mais antigo que
se preservou sobre o mundo tal como ele podia ser visto há cerca de trinta mil anos”.
60

A autora, citando o escritor Arthur Koestler (1964), corrobora a opinião


daquele autor para quem a evolução da linguagem começou com imagens até
chegar finalmente ao alfabeto:

O pensamento por conceitos surgiu do pensamento por imagens através do


lento desenvolvimento dos poderes de abstração e de simbolização, assim
como a escritura fonética surgiu, por processos similares, dos símbolos
pictóricos e dos hieróglifos. (KOESTLER, 1964 apud DONDIS, 1997 p. 17).

Descrever um acontecimento, assim como compreendê-lo, é o exercício da


capacidade de formar imagens mentais. Ao contar histórias à beira da fogueira, um
suposto narrador, contribuía para que seus pares entendessem quem eram, como
chegaram até ali e o papel que desempenhavam na imensa cadeia sóciobiológica.
Assim, uma narrativa com o apoio de pinturas nas rochas calcárias das tocas,
paredões e abrigos, possivelmente, contribuiria para ilustrar a narrativa.
É possível inferir que o processo de ilustração de narrativas, prática comum
nos tempos atuais, tem origem nas primeiras manifestações gráficas do humano.
Conforme sinaliza Leroi-Gourhan (1956, p. 6), o humano quando começou a andar
ereto, liberou as mãos para produzirem arte:

[…] apanágio do homo faber, instrumento do cérebro mais bem organizado


de toda a série zoológica, livre dos seus constrangimentos pedestres, é o
símbolo da evolução do homem […] a tecnicidade, o pensamento, a
locomoção e a mão aparecem interligadas num só fenómeno ao qual o
homem dá o significado, mas ao qual nenhum membro do mundo animal é
completamente estranho.

As diversas representações rupestres encontradas nas serras de Isabel Dias


caracterizam situações do cotidiano, prováveis ritualísticas, representação de
animais e cenas de caça. Portanto, esses temas que devem ter permeado os
ensinamentos transmitidos oralmente no período denominado pré-histórico.
Em muitos desenhos, figuras antropomorfas são retratadas como caçadoras
de outras espécies; e não raro, de semelhantes. Cenas de violência entre
antropomorfos são recorrentes. A Figura 11 sugere uma batalha, onde
antropomorfos utilizam diferentes tipos de artefatos de guerra, como lanças e
propulsores. Painéis como esse, por exemplo, pode ter servido como ferramenta de
61

reforço às ideologias do grupo; para narrar uma batalha ou falar sobre instrumentos
de guerra.

Figura 11 – Antropomorfos portando artefatos semelhantes a armas

Fonte: Acervo do autor (2012).

Entende-se que os desenhos foram uma importante ferramenta social, capaz


de garantir a transmissão cultural e pedagógica à época, além de contribuir para a
interação e a relação entre humanos e destes com a natureza. O arqueólogo Carlos
Etchevarne não tem dúvidas de que as pinturas rupestres objetivavam transmitir
mensagens de múltiplas finalidades:

Assim, a escolha de um determinado setor da paisagem para representar


graficamente poderia estar relacionado com as necessidades práticas ou
ideológicas de um grupo, que faria uso das imagens para um bom número
de funções tais como registrar acontecimentos (cotidianos ou
extraordinários); transmitir experiências; delimitar territórios; ritualizar, com
fins propiciatórios ou funerários; comemorar eventos, individuais ou
coletivos; homenagear personagens; narrar fatos históricos ou míticos;
sistematizar contagens; indicar vias de percurso; assinalar ciclos sazonais
ou outros períodos; classificar e hierarquizar o ambiente envolvente.
(ETCHEVARNE, 2007, p. 21).

Possivelmente, é o desenho nos paredões rochosos da Chapada Diamantina,


uma das ferramentas socializantes dos grupos pretéritos. O próprio ato de desenhar,
62

diante da comunidade, seria um gesto socializante. Para, além disso, o homem pré-
histórico da Chapada Diamantina Setentrional tinha naquele acervo imagético um
instrumento de coesão.
Conforme entendem: Martin (2005), Pessis (1992) e Guidon (1992), é
possível que os desenhos em suporte rochoso fossem usados como reforço
ilustrativo das narrativas. É admissível ainda que houvesse algum tipo de
ensinamento para que o grupo aprendesse a interpretar aquela gramática pictórica.
Faz-se, pois, necessário admitir a evidente função utilitarista das pinturas rupestres
como ferramenta educacional e ideológica. Pois, como assevera Marcondes (1997,
p. 64):

As pinturas, ainda, indicavam o mundo em que os artistas e seus receptores


viviam. Transmitindo as posições políticas e estéticas dos grupos em suas
imagens. Os valores filosóficos, morais e religiosos a serem seguidos pelas
sociedades. Visto que nas imagens observamos caminhadas, cerimoniais,
rituais, sexo, trocas, entre outros motivos sociais dos grupos .

No que concerne às representações rupestres, faltam parâmetros para


interpretá-las em sua inteireza, contudo, assim é possível identificá-las como um
meio, um instrumento comunicacional. Entende-se que as pinturas rupestres foram
uma importante ferramenta social, capaz de garantir a transmissão cultural e
pedagógica da época, além de contribuir para a interação e a relação entre
humanos. Porém, cada artista, ou grupo de artistas que interferiram na rocha para
registrar, representar ou figurar tentou imprimir uma marca personalista. Essa
“personalização” de cada desenho, trazendo para uma imagem figurativa, aspectos
de perspectiva, simetria e movimento em série, foram identificadas em cinco
imagens que integram quatro painéis rupestres das Serras de Isabel Dias, e estarão
em análise nesse trabalho.
De acordo com Rudolf Arnheim (1982), o movimento é a atração visual mais
intensa da atenção, resultante de um longo processo evolutivo no qual os olhos se
desenvolveram como instrumentos de sobrevivência, implica numa atenção às
condições ambientais cujas mudanças podem exigir uma reação. Objetos podem se
apresenta como unidades estáveis, porém executando ações que sinalizam
movimento. Diz Arnheim (1982, p. 368):
63

Compreendemos agora que o que diferencia a percepção de


acontecimentos da percepção de objetos não é que a primeira envolva a
experiência do tempo que passa, mas que durante um acontecimento
testemunhamos uma seqüência organizada na qual fases seguem-se umas
às outras numa ordem significativa unidimensional.

No contexto do desenho, podemos inferir que o movimento implica na


representação de ações determinadas de modo sequencial. Ou ainda conforme
Arnheim (1982, p. 371): [...] “a experiência visual do movimento se deve a três
fatores: movimento físico, movimento ótico e movimento perceptivo”. É, pois, por
meio da indução de perspectiva visual que os autores de desenhos rupestres podem
ter pretendido induzir o observador a imaginar o movimento dos objetos.
O homem pré-histórico representou na rocha seres vivos, tendo por isso,
provavelmente, recorrido a recursos gráficos que conferissem vida, aos objetos
desenhados, por meio da percepção de movimento. De acordo com Luís (2012), ao
justapor duas imagens em quadros distintos, o olho e o cérebro humanos concluirão
da sequência das ações representadas. As imagens distintas representam um
“antes” e um “depois”. A ação ocorre entre ambos, contudo, a animação individual
das figuras é fundamental para que se perceba o movimento:

Mas, se o artifício básico da banda desenhada é a justaposição de painéis,


ela anima também as suas figuras individuais dentro de cada vinheta,
sobretudo através do instantâneo, a que frequentemente adiciona um
conjunto de signos abstractos (linhas cinéticas); mas também da
decomposição por sobreposição. (LUÍS, 2012, p. 70).

Na Figura 12, a esquematização de um movimento realizado por um equino,


simplifica a compreensão da diferença entre um processo de representação do
movimento por meio da animação individual da figura, chamado de instante
privilegiado e o processo de decomposição da imagem que se deseja animar pela
justaposição ou sobreposição.
64

Figura 12 – Processos primários para representar o movimento

Fonte: Luis (2012).

Para Leroi‑Gourhan (1985), o reconhecimento desta característica da arte


paleolítica não foi acompanhado por uma definição tipológica. Para ele, a animação
define‑se pela tradução de uma ação por meio da representação de uma figura
numa atitude significativa. Para categorizar a ação, Leroi‑Gourhan (1985) divide os
critérios de animação em nula, simétrica, segmentar e coordenada.
Significativamente, a sua tipologia da animação define‑se por oposição, isto é, a
partir da animação nula, que corresponderá ao cânone. Na Figura 13, em planilha
esquemática, esses critérios são contextualizados, referenciando a ação em
desenhos rupestres.
65

Figura 13 – O movimento segundo critérios de Leroi-Gourhan

Fonte: Tvm designers (2012)

Arnheim (1982) esclarece que Duncker e Erika Oppenheimer, estabeleceram


fatores que criam dependência, no campo perceptivo, entre o objeto e a moldura.
Enquanto o objeto parece em movimento, a moldura de quem ele depende,
permanece estática. Esta dependência foi denominada de “fechamento”. Há ainda,
segundo o mesmo Arnheim, o fator variabilidade. Se um objeto muda de tamanho e
o outro permanece constante, o objeto que varia de tamanho assume o movimento.
Do mesmo modo que quando objetos estão contíguos, lateralmente ou em
66

superposição, o menor deles assumirá o movimento. Há ainda o fator intensidade: o


objeto mais escuro, quando contíguo, se move enquanto o mais claro permanece
imóvel.
A questão construtora da presente pesquisa, tendo como suporte tais
premissas para supor o movimento em objetos estáticos, se apresenta: É possível
que nos desenhos rupestres das Serras Isabel Dias, haja simulação de movimento?

3.4 O MOVIMENTO NOS DESENHOS DAS SERRAS ISABEL DIAS

Em pesquisa de campo, realizadas entre 2015 e 2017, na região geográfica


que compõe o conjunto de Serras Isabel Dias, foram selecionados quatro painéis
rupestres e cinco desenhos onde há uma possível intencionalidade em transmitir a
percepção de movimento. A partir das premissas estabelecidas por Leroi‑Gourhan
(1985) e Arnheim (1982), foram analisados, individualmente, os desenhos indicativos
de movimento, em cada painel, de acordo com o sítio rupestre em que se
encontram.

3.4.1 Toca Isabel Dias

Nos paredões do Pocinho dos Peixes, visualiza-se alguns blocos de abrigos


rochosos contínuos, de formação arenítica, compõe o que a população nativa
denomina Toca de Isabel Dias. Em sua parte direcionada para Leste, esse paredão
apresenta uma toca com aproximadamente 18m² e altura aproximada de dois
metros em seu pé direito mais alto. Nesse abrigo, os desenhos rupestres encontram-
se bastante degradados pela ação antrópica, seja por conta de escavações de
garimpeiros, ou pelas fogueiras feitas no interior da toca. Nas Figuras 14 e 15 pode-
se observar esse abrigo externa e internamente.
67

Figura 14 – Ao fundo observa-se abrigos rochosos denominados Isabel Dias

Fonte: Acervo do autor (2017).

Figura 15 – Danos causados pela ação dofogo às pinturas rupestres das Tocas Isabel Dias

Fonte: Acervo do autor (2017).

Em sua parte ocidental, na porção exterior da toca principal, há um painel


rupestre, localizado em uma fenda nas pedras, onde o acesso só é possível de
forma flexionada, em posição agachada. Não se pode afirmar que em algum
momento o acesso a essa fenda tenha ocorrido de forma ereta, sem a necessidade
de flexionar o corpo. Atualmente uma grande quantidade de rochas fragmentadas no
solo, logo abaixo, sinaliza um possível aterramento por ação das intempéries,
conforme pode ser visto na Figura16.
68

Figura 16 – Abrigos rochosos do lado Oeste da Toca Isabel Dias

Fonte: Acervo do autor (2017).

O painel da fenda Oeste retrata algumas cenas, envolvendo principalmente


zoomorfos em aparente deslocamento (FIGURA 17). Em recorte fotográfico, a cena
mais representativa apresenta 19 formas, em sua maioria representando zoomorfos
e alguns antropomorfos. Em um enquadramento mais próximo a cena se apresenta
conforme a Figura 18:

Figura 17 – Painel rupestre da fenda Oeste na Toca de Isabel Dias

Fonte: Acervo do autor (2017).


69

Figura 18 – Zoomorfos em movimento frontal

Fonte: Acervo do autor (2016).

Conforme já referido nas considerações iniciais, a fotografia de um painel


rupestra incorpora uma diversidade de informações, que em alguns casos, pode
confundir visualmente o analista. De maneira geral, os desenhos contidos nos
painéis, quando submetidos a um processo de vetorização, deixam mais visíveis os
os elementos da composição, permitindo melhor análise das imagens
desconsiderando, temporariamente, o suporte em que foram produzidas.
Nessa pesquisa que objetiva analisar a representação enquanto desenho, é
interessante apartar as formas em análise do seu suporte. Como padrão, todos os
painéis em análise foram submetidos ao processo de vetorização, porém, ainda
assim, é oferecida ao leitor a possibilidade de verificar o desenho em seu contexto
original, conforme fotografado.
70

Na figura 19, observa-se, já submetido ao processo de vetorização, um


recorte da fenda Oeste da Toca Isabel Dias.

Figura 19 – Imagem vetorizada

Fonte: Acervo do autor com vetorização executada por Tatiane Alves (2017).

Em análise objetiva da cena, pode-se verificar o que poderia ser uma ação de
caça, perseguição e/ou fuga. Desde o ponto de partida 1 até o ponto 5, observa-se
um zoomorfo de duas patas, assemelhando-se ao que hoje poderíamos chamar de
“emas”, dada a aparência desse elemento com aquela ave da família das Rheidae,
em deslocamento não linear. A ema percorre um espaço numa perspectiva que
sugere o aumento do tamanho da forma, indicando um provável deslocamento
conforme o movimento sugerido nos membros inferiores e também no pescoço e
cabeça.
Do ponto 2 para o 3, as formas recuam, indicando que as formas d, e, f se
distanciam da c; na sequência, a direção muda novamente (4-5) e as formas g, h, j
aumentam de tamanho come se esquivando de algum obstáculo.
71

A trajetória 1 - 5 definida pela formas, sob o ponto de vista de quem está no


ponto 5, supõe uma trajetória feita por um único animal de modo sequenciado. As
posições das pernas indicam movimento de velocidade (a, b, d, g ,j); inercia (c, f) e
impulsão (h, i).
Observa-se, em mais um recorte, (FIGURA 20), que no pontos onde a trejória
muda, alguns grupos elementos, e formas isoladas, se apresentam como uma
interferência na cena, sendo os elementos X formas de possível animais de quatro
patas; Y um elemento antropomorfo, Z, um elemento alongado assemelhado a um
réptil, e H, um possível antropomorfo.

Figura 20 – Detalhes dos elementos da Figura 19

Fonte: Acervo do autor com vetorização executada por Tatiane Alves (2017).

Numa leitura interpretativa livre, poderia-se imaginar que uma ema estaria
sendo caçada por humanos que interferem em sua trajetória e na sequência esse
animal retorna a sua trajetória original. A diferença de pigmentação entre os
elementos, pode sugerir que houve intervenção no suporte rochoso em momentos
diferentes, mas também é possível que seja apenas uma técnica para reforçar a
percepção de volume.
Etchevarne (2017), analisando pinturas rupestres localizadas em Lagoa da
Velha, município de Morro do Chapéu, nas proximidades das Serras Isabel Dias,
72

entendeu que, mesmo sendo realizado em momentos diferentes, restando dúvidas


sobre questões de temporalidade, o resultado final fica entendido como um conjunto.
Acredita ainda o arqueólogo, que o uso de pigmentação diferente pode ter o
propósito de dar corporalidade, a elementos pintados 19.
Ao observar-se desenho das emas em movimento por uma perspectiva
invertida, ou seja, a partir do elemento quadrúpede em direção a ema, é possível
inferir que houve uma tentativa de criar o efeito de proximidade e distanciamento do
objeto com relação ao observante, esteja ele em frente ou ao fundo da imagem,
conforme visto na Figura 21.

Figura 21 – Elementos da Toca Isabel Dias em perspectiva diferente

Fonte: Acervo do autor com vetorização executada por Tatiane Alves (2017).

Efetuando-se uma colagem onde se pode comparar a mesma cena em


ângulo invertido, Figuras 22 e 23, um provável projeto gráfico cuja confecção exigiu
uma apurada técnica de perspectiva / tridimensionalidade. Em qualquer lado da
cena que o observador se posicionar ele terá um elemento desenhado em tamanho
maior que os demais, oferecendo a percepção de proximidade da forma.

19Vídeo-aula do Professor Dr. Carlos Etchevarne intitulada Projeto Gráfico e Execução na Arte
Rupestre da Bahia, apresentada em 10-03-2017, na aula inaugural do semestre 2017-1 do PPGDCI.
73

Figura 22 – Perspectiva I Figura 23 – Perspectiva II

Fonte: Acervo do autor.

Comparando-se os vetores, Figuras 24 e 25, é possível observar com mais


clareza essa tentativa de tridimensionalizar a cena.

Figura 24 – Perspectiva vetorizada 1B Figura 25 – Perspectiva vetorizada 2B

Fonte: Acervo do autor.

No mesmo painel da Toca Isabel Dias, exibido em em inteiro teor na Figura


17, pode-se observar outro movimento de elementos em condições de trajetória
idêntica ao das aves analisadas anteriormente. São formas que aparentam
zoomorfos quadrúpedes e pode ser visto em recorte na Figura 26.
74

Figura 26 – Movimento de Zoomorfos quadrúpedes

Fonte: Acervo do autor.

Mais uma vez, utilizando-se da técnica de vetorização e, seguindo o raciocínio


analítico anterior, podemos inferir que a trajetória A-B, dos elementos 1 a 9
permanece constante, havendo um crescimento gradativo dos elementos até
proximidades da forma Z, esta, semelhante a um antropomorfo, possivelmente com
os braços erguidos. A interrupção da trajetória motivada pelo antropomorfo (Z) se
evidencia quando o plano da imagem apresenta o elemento Z entre as formas 9 e
10. Observe-se ainda que após a intersecção de Z, a forma 10 diminui o tamanho
dando impressão de afastamento do obstáculo, e muda ligeiramente a trajetória.

Figura 27 – Vetorização da imagem de quadrúpedes

Fonte: Acervo do autor com vetorização executada por Tatiane Alves (2017).

É ainda factível de observação, que o elemento 1, estando em aparente


inércia, a partir da forma 2 faz movimentos coordenados e contínuos das patas; ao
tempo em que pescoço e cabeça fazem movimentos descendentes e ascendentes.
Esta singularidade do quadro onde se distingue a inércia do elemento para, em
75

seguida, se iniciar a ação, é fundamental para que se apliquem os critérios de


movimento.
No objeto 8, é visível, pelo distanciamento maior dos membros inferiores, que
a forma faz um movimento similar a um salto, provavelmente, motivada pelo
elemento y, que cria um obstáculo a sua passagem.
É verificável, nesse desenho, alterações no tamanho dos elementos, pela
perspectiva do observador. Porém, conforme assevera Arnheim (1982), a alteração
do tamanho da forma pode estar vinculada à necessidade de imprimir maior ou
menor velocidade ao objeto. Os elementos maiores parecem moverem-se mais
lentamente que os pequenos, contudo, a identidade perceptiva de um objeto não se
perde mesmo quando há mudanças do tamanho ou direção da forma:

Como de costume, em qualquer exemplo particular, esses fatores se


reforçarão ou se equilibrarão mutuamente, e o resultado dependerá de sua
força relativa. Se uma lebre perseguida voltar-se repentinamente em seu
caminho, a mudança de direção pode não nos impedir de vê-la ainda como
o mesmo animal. (ARNHEIM, 1982, p. 380).

No caso da Figura 27 o tamanho do elemento foi alterado, provavelmente,


para influir na percepção de proximidade sob a perspectiva de alguém que esteja
posicionado no ponto B. Há ainda uma provável tentativa de alterar a
bidimensionalidade da superfície plana, dispondo, ao observador, além da
percepção de comprimento e largura, também a de profundidade.

3.4.2 Paredão da Ema Saltadora

Distante aproximadamente 500 metros da Toca Isabel Dias, em direção a um


riacho temporário que entrecorta o vale estreito, da trilha Tareco-Isabel Dias,
encontra-se um paredão de 7 metros de altura com 60 metros de largura onde é
visível um painel com desenhos rupestres, conforme pode ser verificado na Figura
28.
76

Figura 28 – Painel do paredão das Emas Saltadoras

Fonte: Acervo do autor.

Há, neste grupo de desenhos, uma representação de animais bípedes


semelhantes a emas, que se diferencia dos demais desenhos em função de duas
particularidades: a sugestão de movimento contínuo e o emprego do suporte
rochoso para oferecer a perspectiva de ação. A imagem, depois de vetorizada,
oferece melhores condições de análise, conforme a Figura 29:

Figura 29 – Ema Saltadora vetorizada

Fonte: Acervo do autor com vetorização de Tatiane Alves (2017).

Ao analisar esse desenho, verifica-se que os elementos 1 a 10, fazem a


trajetória A-B, da direita para a esquerda em movimento descendente. Observa-se
que o elemento “a” e o 1, estão aparentemente estáticos e parecem não interferir na
ação, mas, a imobilidade de ambos, funciona como fator de identificação do
movimento das demais formas. Nota-se a imobilidade dos elementos “a” e 1, pelo
alinhamento dos membros inferiores, diferentemente das Figuras 2 a 10 que estão
77

sempre com um dos membros inferiores à frente. A presunção de movimento dos


elementos 2 a 10 se evidenciam pelo movimento dos membros inferiores que
adiantam e retrocedem continuadamente em ação coordenada. Verifica-se ainda a
movimentação dos membros superiores ora à frente do tronco, ora alinhado ao
mesmo.
Os indivíduos 9 e 10 apresentam um movimento ascendente dos membros
inferiores, enquanto os respectivos troncos e pescoços estão em posição de recuo,
equilibrando assim o corpo. É presumível que esses elementos estejam projetando a
realização de um salto, dado a posição significativamente erguida dos membros
inferiores esquerdos e direito respectivamente.
Tal pressuposto tem como parâmetro visual o elemento X, que provavelmente
funciona como base de apoio para um movimento abrupto semelhante a um salto.
Essa base de apoio, denominada elemento X, é resultante de uma fragmentação da
rocha, criando um ponto de sombra e permitindo que se assemelhe a uma
“plataforma”. Possivelmente, o artista, ao desenhar a ação, “premeditou” o
movimento de modo que a tentativa de impulsão da forma ficasse evidente. Esse
contraste entre luz e sombras, que pode ser verificado na Figura 30, também
colabora para induzir a uma percepção tridimensional de movimento das formas.

Figura 30 – A rocha como elemento de composição do movimento

Fonte: Acervo do autor.


78

Conforme Wong (2001) para estabelecer a tridimensionalidade de uma figura


qualquer, é necessário identificar as três direções básicas: Horizontal, vertical e
transversal. Além dessas direções, um corte, ou vistas auxiliares, proporcionam a
percepção da forma em modo tridimensional. Na Figura das emas em análise, a
fenda disposta no suporte rochoso permite que se tenha uma vista transversal da
figura, além da percepção de profundidade e textura, perceptível na superfície
arenítica em que o desenho foi projetado.

3.4.3 Abrigo da Toca da Juriti

Desde o Paredão da Ema Saltadora, ainda seguindo pelo mesmo vale onde
ele está inserido, percorre-se por trilhas pedestres aproximadamente 4 km até o
abrigo da Toca da Juriti. Localizado na encosta de um morro, o abrigo da Toca da
Juriti, é parte de um conjunto de dois paredões e duas outras tocas. Possui
aproximadamente 9m² de área coberta e 3 metros de altura no ponto mais alto
daquela cavidade de estrutura irregular. Sua denominação advém da proximidade
com uma nascente que aflora entre rochas, denominada Toca da Juriti. Essa
nascente pode ser uma das respostas sobre a ocupação do entorno pelos povos
pré-históricos. Na Figura 31 vê-se o vale onde estão compreendidos vários sítios
rupestres nas Serras Isabel Dias. O abrigo da Toca da Juriti está assinalado à
esquerda da imagem.

Figura 31 – Vale da Toca da Juriti com abrigo à esquerda

Fonte: Acervo do autor (2017).


79

No Abrigo da Toca da Juriti, do lado externo, numa parede formada por arenito
silicificado, sem cobertura, exceto aquela oferecida pela vegetação nativa, um
desenho chama a atenção do observador. A pintura representa três grupos de
antropomorfos em que cada grupo forma um semicírculo em circunferências
distintas. No primeiro e maior, observa-se vinte e um antropomorfos unidos como se
estivessem realizando uma dança ritualística abraçados. No segundo grupo, quatro
antropomorfos conduzem, com braços erguidos, objetos que se assemelham. No
terceiro grupo vê-se oito antropomorfos, formando o último semicírculo. Estes
personagens estão portando na mão direita objetos idênticos entre si, porém,
diversos dos objetos conduzidos pelo segundo grupo.
Na Figura 32, a imagem pode ser visualizada ao natural com a pigmentação
ocre. A coloração, semelhante da parede arenítica, dificulta a visualização do
desenho que sugere uma dança ritualística.

Figura 32 – Grupo de antropomorfos em suposta dança ritual

Fonte: Acervo do autor (2017).

Em análise desse desenho, após o processo de vetorização, verificam-se


algumas características que sugerem movimento:
80

Figura 33 – Dança ritual vetorizada

Fonte: Acervo do autor, vetorização Tatiane Alves (2017).

Observa-se, por exemplo, que o grupo de figuras formado pelo segmento A-B,
denominado de grupo X, apresenta uniformidade no posicionamento dos membros
superiores e inferiores, indicando um movimento cadenciado. Todos os elementos
estão com os superiores levantados e posição em horizontal. As extremidades
desses membros superiores se tocam, sugerindo contato físico entre os indivíduos
colaterais. Nota-se ainda que membros inferiores se assemelham em posição, forma
e envergadura.
Rudolf Arnheim, explica que um facilitador da admissibilidade da ação, é o
conhecimento do que a cena representa culturalmente: “Quando se trata do
comportamento humano, as qualidades expressivas do movimento se envolvem com
o que sabemos sobre seu significado” (ARNHEIM, 1982, p. 386). Nesse caso, a
compreensão de que o grupo X, realiza um movimento conjunto e coordenado, tem
como parâmetro o conhecimento da cultura ritualística de alguns grupos pretéritos e
também contemporâneos. Danças como as da cerimônia do Quarup, nos remetem
ao desenho formado pelo segmento A-B do Grupo X.
Contudo, a análise dos grupos Y e Z, e seus elementos, ainda pode oferecer
mais pistas sobre essa cena e a ação que sugere. Verifica-se na Figura 34 que a
trajetória dos elementos do grupo X é de difícil identificação, pois tanto pode estar se
movendo no sentido A-B como B-A. As formas estão em posição frontal aos demais
elementos da cena.
81

Figura 34 – Movimento das formas

Fonte: Acervo do autor, vetorização Tatiane Alves (2017).

Diferentemente do grupo X, é possível presumir uma trajetória para o grupo Y.


Observa-se que o elemento cd1aparentemente está de costas para a cena enquanto
segura algum objeto no acima da cabeça.
No indivíduo cd2 se pode visualizar os dois membros superiores erguidos, a
cabeça em perfil lateral e o tronco aparentemente fazendo um giro à direita. O
elemento cd3 tem os membros inferiores afastados em eixo diagonal, direcionado
para a direita da composição, e sugere estar com o membro inferior esquerdo à
frente. A projeção lateral do elemento cd4 é idêntica ao elemento anterior,
observando-se que nesse caso, quem está à frente é o membro inferior direito.
Assim, é possível imaginar que o elemento cd3 pode ser um único
personagem desenhado em movimentos diferentes, enquanto seus adornos, ou
instrumentos portado (FIGURAS 1, 2, 3, 4) permanece o mesmo. Note-se que os
membros superiores erguidos durante toda a ação, é uma característica dos
personagens desenhados no grupo Y. Pelo eixo da composição, portanto, é
dedutível que o grupo Y está fazendo a trajetória C-D. Nesses casos, explica
Arnheim (1982), que um objeto em movimento preserva sua identidade quanto
menos mudar de tamanho, forma, claridade, cor e velocidade; parâmetros que,
aparentemente, está inserido o grupo Y.
82

A cena se compõe em sua parte final com o grupo Z. Esses elementos, pelas
formas projetadas, aparentam estar de costas para a composição, efetuando
movimentos ascendentes e descendentes, pois se verifica que no movimento
descendente do tronco a cabeça do antropomorfo deixa de ficar visível para
ressurgir na cena seguinte, dando a percepção que ergue o tronco sequencial e
compassadamente. Nesse movimento, os membros superiores ora ficam visíveis ora
se ocultam sob o tronco, assim como os objetos portados.
É possível inferir pelo movimento das pernas, e posição inalterada do eixo do
tronco, que o grupo Z se move lateralmente, de costas para o observador, como se
estivesse ritualisticamente, prestando reverência ao objeto, ferramenta ou adorno,
do grupo Y. Desde os movimentos assinalados e, observando-se a totalidade da
composição, percebe-se que toda a cena está direcionada para o centro do
desenho, onde o grupo Y, provavelmente, porta algum objeto de significância
ritualística. Assevera o pesquisador Luís, Luís (2012, p. 79): “É impossível ao artista
replicar o devir do real, mas ele encontrou uma abstração gráfica para o representar.
Paradoxalmente, se, por um lado, procurou fixar o real na pedra, ele conseguiu
fazê‑lo dando‑lhe novamente vida”.
Esclarece Leroi‑Gourhan (1985), que a ação implica uma narrativa e um
discurso, que certamente fundamentava a execução da arte rupestre. As
representações paleolíticas são a evidência dessa narrativa cujo principal reforço foi
a animação executada por decomposição segmentar do desenho inicial.

3.4.4 Toca Grande

Localizada a pouco mais de duzentos metros da margem esquerda do curso


de água temporário denominado Riacho do Tareco, a Toca Grande se sobressai na
paisagem semiárida de solo arenoso e vegetação rala. A Toca Grande possui
dimensões irregulares. Com altura, largura e profundidade de 06x12x08 metros, em
seu ponto mais amplo, ela se afunila rapidamente no seu lado Oeste, chegando a
menos de um metro na sua altura mínima. Na Figura 35 vê-se um plano geral da
Toca Grande.
83

Figura 35 – Toca Grande visão geral

Fonte: Acervo do autor 2017

A cavidade, protegendo seus habitantes da ação mais intensa do sol e


chuvas, parece ter oferecido abrigo seguro e agradável para quem dela se utilizou
como moradia temporária ou definitiva. Os sinais dessa presença humana
observam-se em diversos desenhos rupestres executados em todos os seus
paredões e também na abóboda.
Na Toca Grande há uma superfície rochosa, análogo a um paredão, que
delimita a face Norte da toca. Nesse suporte arenítico, localiza-se um desenho, com
pouco mais de 40 cm de comprimento e 10 cm de altura, onde seis quadrúpedes,
semelhantes a cervídeos, foram desenhados com seus membros em posições
distintas. Etchevarne (2009), ao falar de desenhos do estilo Serra da Capivara da
Tradição Nordeste, vistos em painéis do município de Morro do Chapéu, entende
que a caracterização de movimento nos quadrúpedes, nestes casos, pode ser
inferida pela observação da flexão dos membros, indicando se eles estão parados,
saltando ou correndo. A Figura 36 retrata zoomorfos desenhados no paredão.

Figura 36 – Quadrúpedes da Toca Grande

Fonte: Acervo do autor (2017).


84

Ao se comparar a Figura 36 com o esquema identificativo estabelecido por


Leroy-Gourhan, (FIGURA 15), onde os elementos de animação são identificados a
partir do instante nulo (estático), para o instante privilegiado em que há alguma
alteração segmentar do animal desenhado (cabeça, orelhas, língua, pescoço, tronco
e patas); identificam-se semelhanças esquemáticas com o desenho rupestre da
Figura 36. Por meio do método de vetorização de imagens, retirando o plano de
fundo, pode-se analisar mais precisamente o movimento das formas e identificar a
possibilidade de movimento (FIGURA 37).

Figura 37– Vetor de zoomorfos da Toca Grande

Fonte: Acervo do autor

Segundo Luís Luís (2012) devido à dificuldade em distinguir se estamos


perante vários indivíduos em movimento, ou repetido várias vezes, as diferentes
representações deverão apresentar homogeneidade figurativa e elementos de
animação individual. Verifica-se, no caso da Figura 37, que há uma trajetória de
deslocamento do ponto A para o ponto B, acompanhado de movimentos segmentar
dos membros inferiores, dorso, cauda e pescoço.
Cada um dos objetos dessa construção gráfica se assemelha na forma,
porém a disposição dos membros inferiores, cauda e dorso, oferecem a percepção
de deslocamento com movimentos coordenados característicos de um animal
85

quadrúpede quando se locomove. Neste caso, seria admissível que o desenho em


análise representa um único objeto, percorrendo um trajeto de A-B?
De acordo com Arnheim (1982, p. 389), o movimento é transmitido ao
observador de forma visual, através de artifícios técnicos:

O resultado essencial dos experimentos é que todas as propriedades dos


objetos devem ser “implicitamente definidas” pelo que se pode ver. Os
objetos não comunicam quaisquer propriedades senão as reveladas
perceptivamente por seu comportamento [...] Quando se vê uma linda moça
atrair um admirador, a cena “funcionará” apenas de os traços expressivos
de comportamento e forma em ambos os atores comunicarem a dinâmica
de atraírem e serem atraídos.

A informação visual transmitida pelo desenho dos quadrúpedes da Toca


Grande apresenta algumas características sugestivas de movimento contínuo com
elementos ordenados em justaposição. Observa-se que a forma 1 está com os
membros inferiores dianteiros afastados paralelamente, sugerindo inércia. Dado o
tamanho da forma, também se pode inferir que é o elemento mais distante do
observador, ao contrário da forma 6, que sugere proximidade.
A partir da forma 2 todos os elementos estão lateralizados em relação ao
observador, aparentando uma dinâmica ascendente. Na forma 3 verifica-se a flexão
da espinha dorsal em contração e alongamento ao tempo que move a pata dianteira
esquerda à frente, característico de cinesia. A figura 4, parece contrair o dorso e
erguer as duas patas dianteiras simultaneamente, como se iniciasse um galope. As
formas 5 e 6 movem os membros posteriores direito e esquerdo alternadamente.
Todos os elementos da composição gráfica, à exceção da forma 1,
apresentam alguma característica de movimento que sugerem uma cena de ação
com possível deslocamento rápido e ascendente. Desse modo, supõe-se que há
uma intencionalidade do autor em compor a ação, por meio de associação de
formas individuais, de modo que elas transmitissem a percepção de movimento
animado de um zoomorfo.
86

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A percepção de movimento no desenho rupestre da Chapada Diamantina, há


muito já foi apontada por diversos arqueólogos e pesquisadores que levantaram
dados na região e discorreram a respeito do tema (ETCHEVARNE, 2007;
BARBOSA, 2015; BELTRÃO, 1992; COSTA, 2012;). Etchevarne (2009) analisou os
desenhos rupestres da Chapada diamantina Norte e apontou provável semelhança
com a tipologia estabelecida para os desenhos da Serra da Capivara no Piauí, por
Niéde Guidon e Gabriela Martin. Tipologia essa, denominada de Tradição Nordeste.
Diz o arqueólogo:

No município de Morro do Chapéu, na região da Chapada Diamantina,


Bahia, encontra-se um conjunto de sítios que pode ser filiado ao estilo Serra
da Capivara da Tradição Nordeste. De fato, a temática e a tecnologia, de
representação enquadram-se diretamente naquele sistema gráfico, ainda
que na região diamantina possam ser identificadas algumas
particularidades. (ETCHEVARNE, 2009, p. 41).

Ora, uma das características da Tradição Nordeste é a presunção do


movimento em cenas onde várias formas, representadas por figuras zoomorfas ou
antropomorfas, sugerem a prática de alguma ação. Desse modo, seria factível,
admitir-se que os desenhos rupestres situados nas serras Isabel Dias, denotativos
de algum tipo de movimento/ação, poderiam ser classificados como pertencentes à
Tradição Nordeste.
Verifica-se, no entanto, que classificações quantitativas ou qualitativas, dos
desenhos rupestres, não conseguem dar conta da intenção dos autores no que
concerne ao projeto gráfico e abstração do pensamento. Assim, de pouca valia, para
o presente trabalho, seriam as classificações tipológicas.
Desse modo, apesar do conhecimento prévio da existência de estudos
referente às Tradições Rupestres da Chapada Diamantina, nesta dissertação não
foram trabalhados os aspectos da tipologia e antiguidade dos desenhos rupestres,
nem tampouco se objetivou analisar significados.
O objeto de análise foi concentrado no aspecto das formas e das mensagens
visuais, transmitidas em cada desenho, composição e painéis localizados nas Serras
de Isabel Dias. Dentre os aspectos visuais, apenas a percepção de movimento foi
87

objeto específico de análise, já que esse foi o vetor da pesquisa. Tais dados,
análises e suposições atenderam à inquietação motivadora da pesquisa e sua
hipótese.
Foi estabelecido, ainda, um recorte geográfico que situou os estudos
especificamente nas Serras Isabel Dias, no município de Morro do Chapéu, no
Estado da Bahia. Dessa forma, recomenda-se que os resultados obtidos não sejam
automaticamente estendidos a outros sítios arqueológicos e localidades da região já
que a base de dados foi pequena e não permite replicações sem estudos mais
aprofundados.
Há percepção de movimento nos desenhos rupestres das Serras de Isabel
Dias? Com essa questão norteadora, foram iniciadas algumas visitas não-científicas
àquelas serras, desde o ano de 2007. Porém, somente em 2015, é que
efetivamente, com o ingresso no Programa de Pós-graduação em Desenho Cultura
e Interatividade ocorreram visitas técnicas à região. A hipótese inicial é que haveria
sim essa possibilidade de movimento nos desenhos rupestres das Serras Isabel
Dias. As pesquisas bibliográficas, estudos e orientação científica, ao longo do
período da Pós-graduação, induz o pesquisador a afirmar que essa é uma hipótese
verdadeira.
Os desenhos analisados são sinalizadores da existência de um movimento
intencionalmente contínuo: destaca-se aqui a ema que se desloca e fica prestes a
executar um salto (FIGURA 22), e a dança ritualista executada na Figura 27.
No desenho da “ema saltadora”, (FIGURA 22), observa-se a intencionalidade
de movimento coordenado de membros inferiores e do pescoço e cabeça daquela
ave. Há ainda uma construção em perspectiva que aproxima o desenho do conceito
de tridimensionalidade.
No que se refere ao provável ritual de dança (FIGURA 27) é possível se inferir
que um grupo de antropomorfos, (GRUPO X) se move com seus personagens
abraçados, enquanto um único antropomorfo, (GRUPO Y), conduzindo um objeto
realiza movimentos do ponto C em direção ao ponto D. Nesta cena, outro
antropomorfo, conduzindo instrumento não identificável, faz movimentos que
indicam deslocamento do ponto E ao ponto F. Esse elemento, apresenta possível
flexionamento do tronco, membros superiores e cabeça, de modo coordenado. São
88

movimentos que se enquadram na caracterização de movimento/ação descrito por


Etchevarne (2009, p. 34):

Porém, são as articulações das extremidades superiores e inferiores que


permitem reconhecer o flagrante da gestualidade. As pernas e os braços
fletidos demonstram as atitudes individuais: parados, agachados, andando,
correndo, usando o propulsor, arremessando pedras, entre outras.

No entanto, para além da expectativa inicial, a análise dos desenhos em seus


detalhes técnicos, conduziu a pesquisa para outro patamar analítico. Verificou-se
durante as análises de alguns desenhos, que esse movimento percebido também
sinalizava um projeto gráfico que atendia a uma possível intencionalidade de
produzir uma cena animada. A complexidade do desenho nas cenas que indicavam
ação sugere que se pretendeu conceder um movimento contínuo aos elementos,
perpetuando um deslocamento da forma em suas frações de tempo.
Assim, acredita-se que a pesquisa avançou em um campo não concebido
hipoteticamente e permitiu que uma nova indagação fosse formulada: Há movimento
contínuo e ordenado, de modo que sugiram a animação das cenas, nos desenhos
rupestres das serras Isabel Dias? Mais uma vez acredita-se que essa hipótese é
verdadeira, porém, ainda carece do estabelecimento de protocolos que a confirmem.
A mensagem imagética tem como característica ser mais emocional do que
referencial; mais subjetiva do que objetiva. É polissêmica e conotativa por natureza,
e como tal depende muito da interpretação. No que concerne às representações
rupestres, faltam parâmetros para interpretá-las em sua inteireza, mas, mesmo
assim, é possível identificá-las como um meio, um instrumento comunicacional.
Porém, não se pode perder de vista as suas referências enquanto manifestação
artística, onde o pensamento abstrato, ganha contorno, formas e dimensão.
Entende-se que as pinturas rupestres foram uma importante ferramenta
social, capaz de garantir a transmissão cultural e pedagógica da época, além de
contribuir para a interação e a relação entre humanos e destes com o meio. Nas
Serras Isabel Dias, os colonizadores do solo brasileiro, em especial da Chapada
Diamantina Setentrional, deixaram um legado, registrado na pedra, que transcende
a arte, o utilitarismo, o religioso e o educativo.
89

Os desenhos rupestres são, sobretudo, um documento. Crônicas sobre os


hábitos, costumes de povos. Relatos anônimos, de contadores de histórias, que
descreveram esta terra e sua gente, muito antes do português Pero Vaz de Caminha
lavrar a suposta “certidão de nascimento” do Brasil.
Por fim, espera-se que os resultados colhidos com as pesquisas bibliográficas
e de campo, possam contribuir para com os pesquisadores das Ciências Humanas
que desejem aprofundar estudos sobre os desenhos rupestres das Serras Isabel
Dias no Morro do Chapéu.
90

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APÊNDICES

VÍDEO A: Cervídeos

VÍDEO B: Ema em movimento

VÍDEO C: Ema sugere salto

VÍDEO D: Ritual Coletivo

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