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{ Toque dos Sinos e o Ofício

de Sineiro em Minas Gerais }


dossiê iphan 16 { Toque dos Sinos e o Ofício
de Sineiro em Minas Gerais }
tendo como referência as cidades de
São João del-Rei, Ouro Preto, Mariana,
Catas Altas, Congonhas do Campo,
Diamantina, Sabará, Serro e Tiradentes
dossiê iphan 16 { Toque dos Sinos e o Ofício
de Sineiro em Minas Gerais }
tendo como referência as cidades de
São João del-Rei, Ouro Preto, Mariana,
Catas Altas, Congonhas do Campo,
Diamantina, Sabará, Serro e Tiradentes
Paixão e Fé
Tavinho Moura e Fernando Brant

Já bate o sino, bate na catedral


E o som penetra todos os portais
A igreja está chamando seus fiéis
Para rezar por seu Senhor
Para cantar a ressureição

E sai o povo pelas ruas a cobrir


De areia e flores as pedras do chão
Nas varandas vejo as moças e os lençóis
Enquanto passa a procissão
Louvando as coisas da fé

Velejar, velejei
No mar do Senhor
Lá eu vi a fé e a paixão
Lá eu vi a agonia da barca dos homens

Já bate o sino, bate no coração


E o povo põe de lado a sua dor
Pelas ruas capistranas de toda cor
Esquece a sua paixão
Para viver a do Senhor
PRESIDENTA DA REPÚBLICA Departamento de Patrimônio Imaterial
Dilma Rousseff
COORDENAÇÃO-GERAL DE IDENTIFICAÇÃO
MINISTRO DA CULTURA E REGISTRO
João Luiz Silva Ferreira (Juca Ferreira) Mônia Luciana Silvestrin

PRESIDENTA DO IPHAN COORDENAÇÃO-GERAL DE SALVAGUARDA


Jurema de Sousa Machado Rívia Ryker Bandeira de Alencar

DIRETOR DO DEPARTAMENTO DE COORDENAÇÃO-GERAL DE IDENTIFICAÇÃO


PATRIMÔNIO IMATERIAL Sara Santos Morais
Vanderlei dos Santos Catalão (TT Catalão)
COORDENAÇÃO-GERAL DE REGISTRO
DIRETOR DO DEPARTAMENTO DE Diana Dianovsky
ARTICULAÇÃO E FOMENTO
Luiz Philippe Peres Torelly COORDENAÇÃO-GERAL DE APOIO
À SUSTENTABILIDADE
DIRETOR DO DEPARTAMENTO DE Natália Guerra Brayner
PATRIMÔNIO MATERIAL
Andrey Rosenthal Schlee CENTRO NACIONAL DE FOLCLORE E
CULTURA POPULAR (CNFCP)
DIRETOR DO DEPARTAMENTO DE Cláudia Márcia Ferreira
PLANEJAMENTO E ADMINISTRAÇÃO
Marcos José Silva Rêgo

DIRETOR DO PAC CIDADES HISTÓRICAS


Robson Antônio de Almeida

SUPERINTENDENTE DO IPHAN EM MINAS GERAIS


Célia Maria Corsino

ESCRITÓRIO TÉCNICO DO IPHAN


EM SÃO JOÃO DEL-REI
Vanessa Taveira de Souza

INSTITUTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E


ARTÍSTICO NACIONAL
DEPARTAMENTO DO PATRIMÔNIO IMATERIAL
SEPS Quadra 713/913, Bloco D,
Edifício IPHAN, 4º andar
CEP 70.390-135 Brasília – DF
Telefone: (061) 2024-5401
E-mail: dpi@iphan.gov.br
Instrução Técnica do Processo de Registro Edição do Dossiê Interpretativo Registro do Toque dos Sinos e o
do Toque dos Sinos e do Ofício de Sineiro COORDENAÇÃO DE EDIÇÃO
Ofício de Sineiro em Minas Gerais
em Minas Gerais, tendo como referência as Yêda Barbosa Processo nº 01450.011821/2009-82
cidades de São João del-Rei, Ouro Preto,
EDIÇÃO DE TEXTO E COPIDESQUE
Mariana, Catas Altas, Congonhas do Campo, PROPONENTE
Maria das Dores Freire Secretaria de Estado da Cultura de Minas Gerais
Diamantina, Sabará, Serro e Tiradentes
REVISÃO DE TEXTOS
DADOS DO PROCESSO
Supervisão técnica Grace Elizabeth Pedido de registro aprovado na 62ª reunião do Conselho
Rosalina Gouveia Consultivo do Patrimônio Cultural, em 3 de dezembro
DEPARTAMENTO DE PATRIMÔNIO IMATERIAL
de 2009.
Ana Cláudia Lima Alves FOTOGRAFIAS
Ana Lúcia de Abreu Gomes Cristina Leme
Toque dos Sinos em Minas Gerais
Djalma Corrêa
COORDENAÇÃO DE PESQUISA Inscrição no Livro de Registro das Formas de Expressão em
João Ramalho Neto
Superintendência do Iphan em Minas Gerais 3 de dezembro de 2009
Pedro David
Ricardo dos Santos Gonçalves
EQUIPE DE PESQUISA Ofício de Sineiro
Acervo Técnico Iphan
Superintendência do Iphan em Minas Gerais Inscrição no Livro de Registro dos Saberes em 3 de dezembro
de 2009
PROJETO GRÁFICO
Primeira etapa: Fundação de Ensino Superior de São Victor Burton
João del-Rei (Funrei)
Cláudia Resende (coordenação) DIAGRAMAÇÃO
Fernando Antônio da Conceição Inara Vieira
Maria da Luz Coelho
Segunda etapa: Santa Rosa Bureau Cultural
Alessandra Oliveira (coordenação)
Eleonora Santa Rosa (coordenação)
Francisco de Assis Gonzaga da Silva
Josanne Guerra Simões
Liliane de Castro Vieira C A PA
Terceira etapa: Núcleo Brasileiro de Percussão (NBP) DE TA L H E DO TO QU E DO S I NO NA I G R EJ A D E NO S S A
Juliana Araújo (coordenação) S E NH O RA DO C A RM O , OU R O P R ETO .
Ana Flávia Macedo FOTO : PE DRO DAV ID, 20 0 4 .
Cid Knippel
Cristina Leme PÁGINA 2
Djalma Corrêa DE TA L H E DO S INO DA C A P ELA D E S A NTA NA ,
Juliana Araújo M A RIA NA .
Pablo Lobato FOTO : PE DRO DAV ID, 20 0 4 .

TEXTO PÁGINA 4
Ana Lúcia de Abreu Gomes V ISTA PA RC IA L DE S ÃO JOÃO D EL-R EI CO M
DE STAQU E DA S IGRE JA S DE NO S S A S EN H O R A D O
PIL A R E NO S S A S E NH O RA DA S MER CÊS .
FOTO : RIC A RDO DO S S A NTO S G O NÇA LV ES , 2 0 1 4 .

PÁGINA 8
IGRE JA DE S A NTA QU IT É RI A , CATA S A LTA S .
FOTO : PE DRO DAV ID, 20 0 4 .
Sumário
10 apresentação 50 Os sinos 116 NOTAS
52 O processo de
12 introdução produção dos sinos 128 FONTES BIBLIOGRÁFICAS
63 Recorte territorial da
30 IDENTIFICAÇÃO pesquisa: do sertão dos ANEXOS
31 O sineiro, o sino e o Cataguases às cidades de Minas 132 Anexo 1 - Parecer do Relator
toque: trindade mediadora 69 O surgimento das 140 Anexo 2 - Certidão de
entre o humano e o divino irmandades religiosas Registro do Toque dos Sinos
35 O sineiro e seu ofício 142 Anexo 3 - Certidão de
45 Os toques, seus segredos 76 OS BENS CULTURAIS COMO Registro do Ofício de Sineiro
e suas mensagens OBJETO DE REGISTRO 144 Anexo 4 - Modalidades de
46 Toques com o sino paralisado Toques em São João del-Rei
48 Toques com o sino 106 RECOMENDAÇÕES 148 Anexo 5 - Afinação do Sino
em movimento DE SALVAGUARDA
Apresentação
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tendo como referência as cidades de São João del-Rei, Ouro Preto, Mariana,
Catas Altas, Congonhas do Campo, Diamantina, Sabará, Serro e Tiradentes

V I STA A PARTI R DA TO RRE DO SINO DA IGRE JA


D E NOS SA SEN HOR A DA GLÓRIA, PAS SAGE M D E
MA RI A NA .
FOTO: P EDRO DAV I D, 2004.

A Coleção Dossiê dos Bens Culturais


Registrados destina-se a
tornar amplamente conhecidos
patrimônio pela sociedade
brasileira e favorece condições de
sua permanência. São apresentados
estabelecem diálogos e transmitem
mensagens de alegria e tristeza,
de chamamentos, de marcação de
e valorizados como Patrimônio nos Dossiês elementos que definem tempo que se gravam no cotidiano
Cultural do Brasil os bens de a identidade dos detentores dos das pessoas e na paisagem da região.
natureza imaterial Registrados bens culturais e dos grupos sociais A tradição do Toque dos
pelo Iphan. envolvidos em sua realização, Sinos só se mantém viva pela
O Registro foi instituído a partir seu universo de ocorrência, e as perícia e sentimento daqueles
do Decreto nº 3.551/2000, que práticas e saberes a eles inerentes. que os badalam, os Sineiros.
também cria o Programa Nacional Este 16º volume desta Coleção A salvaguarda desses Bens
do Patrimônio Imaterial. Ele é apresenta o Registro do Ofício Culturais Registrados respeita seus
realizado pela inscrição dos bens de Sineiros, inscrito no Livro de atuais e diferenciados significados
em algum dos quatro Livros do Registro dos Saberes e o Toque atribuídos pela comunidade
Registro: das Celebrações, dos dos Sinos tendo como referência envolvida, para a continuidade
Lugares, das Formas de Expressão São João del-Rei e as cidades de dessa manifestação cultural. ¢
e dos Saberes. Os Dossiês Ouro Preto, Mariana, Catas Jurema Machado
publicados têm por base os estudos Altas, Congonhas do Campo, Presidenta do Iphan
que fundamentaram o Registro Diamantina, Sabará, Serro e
do Bem Cultural e refletem as Tiradentes, inscrito no Livro
etapas de pesquisa, análise e das Formas de Expressão.
reconhecimento desse patrimônio. Estes bens revelam diversidade
A divulgação dos processos e especificidade sociocultural
de Registro e dos resultados do presentes nestas comunidades
trabalho institucional contribui mineiras. Ao Toque dos Sinos
para o reconhecimento desse são atribuídos significados que
Introdução
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tendo como referência as cidades de São João del-Rei, Ouro Preto, Mariana,
Catas Altas, Congonhas do Campo, Diamantina, Sabará, Serro e Tiradentes

VISTA PARCIAL DE SÃO JOÃO DEL-REI, COM A IGREJA


NOSSA SENHORA DAS MERCÊS EM DESTAQUE.
FOTO: RI CARDO DOS SANTOS GONÇ ALVE S, 2014.

B AI XO
TA P ETE DA P R OCI S SÃO DA SE M ANA SANTA,
S ÃO J OÃO DEL-R EI .
FOTO: J OÃO R AMA LHO NE TO, 2009.

E minha aldeia é formada por sinos,


igrejas barrocas e as imagens da
infância em São João del-Rei
E m Minas, todos sabem: a voz dos
sinos faz parte da sua paisagem
urbana, desde tempos muito antigos,
características, nas relações e nas
condições de vitalidade da arte de
fazer falar os sinos nas muitas cidades
Otto Lara Resende assim como o traçado tortuoso das das Gerais. Dentre elas, nos dias de
ruas, o casario encarapitado nos hoje, destaca-se, sem dúvida, São
morros, e as torres das igrejas onde João del-Rei. Lá, como em nenhuma
ficam abrigados os “bronzes” que outra, o toque dos sinos vem sendo
comunicam, convocam, celebram cultivado e renovado como arte,
a vida e choram a morte. O toque ofício e devoção, sustentado por uma
mágico – sabe-se também – vem de teia de relações que une irmandades
mãos ágeis e hábeis de detentores religiosas e gerações de sineiros a
de um saber com raízes plantadas diferentes segmentos da sociedade
na nossa ancestralidade europeia, local, através de séculos.
cristã e africana de muitas crenças e Não por acaso, foi de São João
ritmos. Os sinos falam diretamente del-Rei que partiu a iniciativa
à alma mineira e a traduzem para para o registro de “o toque dos
os “de fora”, seja em badaladas sinos” na cidade, como patrimônio
solitárias, tristes e graves; seja nos cultural brasileiro, em 2001.
repiques alegres, ligeiros, misturados A demanda da comunidade são-
aos batuques do congado e a outros joanense manifestou-se por ocasião
sons que se propagam em festas de conferência sobre o toque dos
religiosas. Vale dizer que isso não sinos de São João del-Rei,1 proferida
se dá de forma homogênea nem pelo então secretário de Cultura
com a mesma intensidade em de Minas Gerais e membro do
todos os lugares; há diferenças nas Conselho Consultivo do Patrimônio
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tendo como referência as cidades de São João del-Rei, Ouro Preto, Mariana,
Catas Altas, Congonhas do Campo, Diamantina, Sabará, Serro e Tiradentes

Cultural do Iphan, Ângelo Oswaldo sob a responsabilidade de Jairo Braga produto parcial – reúne textos
de Araújo Santos. A formalização Machado, historiador do quadro do basilares sobre o tema: o artigo
do pedido foi encaminhada pela Iphan, lotado no Museu Regional de Maria do Carmo Vendramini,
Secretaria de Cultura do Estado de São João del-Rei à época. “Sobre o sino nas igrejas brasileiras”,
de Minas Gerais2 ao Instituto do A pesquisa teve início em 2002, publicado em 1981 no anuário
Patrimônio Histórico e Artístico com pesquisadores e consultor alemão Musices Aptatio8; o texto do
Nacional (Iphan), em 13 de agosto especialmente contratados com arquiteto, estudioso do toque
de 2001 e, naquela ocasião, dizia o apoio da Fundação de Pesquisa dos sinos e consultor do projeto
respeito ao registro dessa forma da Universidade Federal de São de pesquisa, André Guilherme
de expressão na cidade de São João del-Rei (Funrei)5, mas, Dornelles Dangelo, “Os sinos da
João del-Rei exclusivamente. em virtude de várias mudanças Quaresma, mensageiros da alma
Em 12 de novembro de institucionais, foi interrompida; barroca mineira”9; o texto de Aluízio
2001, o então Departamento de a equipe constituída e treinada na José Viegas, “A linguagem dos sinos
Identificação e Documentação do metodologia do Inventário Nacional de São João del-Rei”, transcrição de
Iphan informou à Secretaria de de Referências Culturais – INRC6 foi uma palestra proferida pelo autor
Cultura do Estado de Minas Gerais desmobilizada no final daquele ano. em 1990 na Escola de Farmácia da
e à Superintendência do Iphan3 em A despeito de sua interrupção, Universidade Federal de Ouro Preto,
Minas Gerais sobre o acolhimento o trabalho iniciado em São João mas nunca publicado;
do pedido e a abertura do Dossiê del-Rei permitiu que se reunissem e o texto do Sr. Alfredo Pereira de
de Estudos R-054, dando início à referências bibliográficas e Carvalho, membro do Instituto
instrução técnica do processo do documentais fundamentais para Histórico e Geográfico de São João
toque dos sinos naquela localidade. a pesquisa sobre a linguagem dos del-Rei, também intitulado
A coordenação do processo foi sinos de São João del-Rei, que até “A linguagem dos sinos de São João
assumida pela Superintendência então se encontravam dispersas7. del-Rei”, que apresenta uma codificação
Regional do Iphan em Minas Gerais O material – entregue a título de preciosa dos toques de sinos10.
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tendo como referência as cidades de São João del-Rei, Ouro Preto, Mariana,
Catas Altas, Congonhas do Campo, Diamantina, Sabará, Serro e Tiradentes

PÁG I NA AO LADO, DA E SQUE RDA PARA A D IRE ITA


V I STA G ER AL DE SA B ARÁ.
FOTO: CR I STI NA LEME , 2007.

V I STA G ER AL DE CONGONHAS.
FOTO: CR I STI NA LEME , 2007.

V I STA G ER AL DE CATAS ALTAS.


FOTO: J A SON B A RROSO SANTA ROSA, 2006.

D I REI TA
V I STA G ER AL DE OURO PRE TO.
FOTO: J A SON B A RROSO SANTA ROSA, 2006.

Igualmente, as entrevistas com


André Dangelo e Aluízio Viegas,
constantes desse material,
são fontes fundamentais para o
tema tratado. Da mesma forma,
as entrevistas realizadas e a mobilização
provocada pela pesquisa de campo
na comunidade são-joanense foram
importantes para estabelecer que essa
forma de expressão não fosse
exclusiva de São João del-Rei,
apesar de a cidade guardar
especificidades e singularidades
no que se refere a essa prática. estudo circunstanciado sobre essa toques a ser apreendido, preservado e,
Tornou-se claro, portanto, forma de expressão em um território em alguns casos, recuperado.
que o território a ser pesquisado cultural ampliado. Afinal, assim Repertório esse que, com certeza,
necessitaria de uma ampliação, como toda e qualquer prática concorreu para a formação e
tendo em vista as inúmeras cultural, o toque dos sinos extrapola, conformação do extenso conjunto
referências à constituição de especialmente por sua dimensão de toques que São João del-Rei
repertórios de toques de sinos sonora, quaisquer fronteiras tem hoje, resultado de um processo
em outras cidades mineiras. político-administrativas estabelecidas histórico de criação, apropriação
A inexistência de informações arbitrariamente pelos homens. e reapropriação de significados
sistematizadas sobre o tema em Os próprios são-joanenses têm no seio dessas comunidades.
outras localidades instou a instituição consciência de que para além da Serra Essa decisão acerca da ampliação
a decidir pela necessidade de um de São José, há um repertório de do sítio a ser inventariado foi tomada
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tendo como referência as cidades de São João del-Rei, Ouro Preto, Mariana,
Catas Altas, Congonhas do Campo, Diamantina, Sabará, Serro e Tiradentes

de forma a atender, também, um dos no § 2º do art. 3º do decreto conforme ressalta a justificativa do


objetivos precípuos da política de 3.551/2000 assim como no inciso projeto básico que fundamentou
salvaguarda do patrimônio cultural I do art. 6º que trata de assegurar a contratação dos serviços técnicos
de natureza imaterial, qual seja, a mais ampla documentação especializados para a instrução do
a de documentação, a mais completa possível acerca do bem em questão, processo de registro em tela.
possível, das diferentes versões e no caso, o toque dos sinos. Foram definidas, assim, além
expressões de determinada referência É necessário destacar que, de São João del-Rei, outras oito
cultural, sem pretender, pela própria na época do início da instrução deste cidades, cujas referências a sineiros
dinamicidade dos processos sociais, processo, a publicação do decreto e a toques de sinos, assim como a
dar a temática como esgotada11. 3.551/2000 era recente e cabia testar histórias e lendas em torno deles
Esse objetivo de documentar os procedimentos administrativos foram identificadas durante a
o bem se encontra formalizado e técnicos desse instrumento, primeira etapa de pesquisa, quais
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tendo como referência as cidades de São João del-Rei, Ouro Preto, Mariana,
Catas Altas, Congonhas do Campo, Diamantina, Sabará, Serro e Tiradentes

PÁG I NA AO LADO
V I STA PARCI AL DE DI AM ANTINA.
FOTO: DJ ALMA CORRÊ A, 2009.

DA ESQU ERDA PA RA A D IRE ITA


C O NCERTO NA SEMA NA SANTA, SÃO JOÃO D E L - RE I.
FOTO: J OÃO R AMA LHO, 2009.

C O NCERTO AO A R LI VRE NA SE M ANA SANTA,


S ÃO J OÃO DEL-R EI .
FOTO: J OÃO R AMA LHO, 2009.

sejam: Ouro Preto, Mariana, é o (3) estabelecimento de associações vilas coloniais da América portuguesa
Catas Altas, Congonhas do religiosas formadas por leigos nessas tinha uma intensa vida cultural e
Campo, Diamantina, Sabará, vilas, que se responsabilizaram musical, especialmente se levarmos
Serro e Tiradentes. Dessas, apenas pelos ofícios litúrgicos oferecidos em consideração a atuação dos
Catas Altas não tem o seu sítio à população e, dentre esses ofícios, mestres de capela, responsáveis
urbano tombado pelo Iphan, o de tocar os sinos; esses sodalícios pela elaboração de composições
mas é detentora de monumentos foram e permanecem hoje, em musicais e pelo seu ensino15. André
isolados reconhecidos como algumas dessas cidades, como os Dangelo assevera, entretanto,
patrimônio nacional: a Igreja responsáveis pela manutenção da que na teatralidade barroca a
de Nossa Senhora da Conceição prática sineira14. O barroco (4) música teve papel fundamental.
e o Conjunto Arquitetônico é igualmente um elemento comum e A monarquia portuguesa e,
do Colégio do Caraça12. marcante nas cidades selecionadas, posteriormente, a brasileira, por
Em comum a essas nove não apenas como estilo artístico, meio do padroado16, mantinha uma
cidades, temos (1) seu processo litúrgico e paralitúrgico, mas estrutura que viabilizava a prática
de constituição que remonta à como visão de mundo. Um último musical nas igrejas de maneira
atividade mineradora desenvolvida elemento (5) a ser acrescentado geral e, mais especificamente,
durante o período colonial naquela é o destaque dado à música nas nas catedrais. Essa estrutura era
região, associada à forte presença, cidades inventariadas como em formada pelos cargos de subchantre
nesse mesmo período histórico, tantas outras cidades mineiras. (responsável por dirigir o coro de
(2) da mão de obra escrava o que Desnecessário dizer, mas está aqui cantochão dos capelães-cantores),
se constitui num dos elementos destacado, que a presença da música capelães-cantores (responsáveis
conformadores daquela sociedade e nas cidades e vilas coloniais não é pelo coro), o mestre de capela
da expressão dos toques dos sinos13. um traço característico e específico (responsável pela música polifônica
Outro elemento comum às cidades das regiões mineradoras mineiras. cuja execução era feita por músicos
inventariadas, mas não exclusivo, Parcela significativa das cidades e não eclesiásticos que, muito
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tendo como referência as cidades de São João del-Rei, Ouro Preto, Mariana,
Catas Altas, Congonhas do Campo, Diamantina, Sabará, Serro e Tiradentes

S A NT UÁ RIO DE BO M JE S U S DE MATO ZI N H O S ,
C O NGO NH A S DO C A M PO .
FOTO : C RIST INA L E M E , 20 0 7.

comumente, ele mesmo contratava) dessas corporações desapareceram do Iphan em Minas Gerais acerca
e o organista17. Os mestres de capela com o tempo, outras se mantêm até da ampliação do território a ser
compunham com exclusividade hoje como é o caso da Orquestra inventariado, tratou-se de dar
para cada sodalício. O viajante Ribeiro Bastos, Lira Sanjoanense e continuidade à instrução técnica
Curt Lange nos informa: a banda Theodoro de Faria em São do processo, procedendo-se à
João del-Rei; a Lira Cecilia na cidade pesquisa e documentação sobre
[...] cada festa religiosa tinha sua de Prados; a Orquestra Ramalho em o toque dos sinos em Mariana,
música própria, tocada por um grupo Tiradentes; a Banda Santa Cecília Ouro Preto e Catas Altas, sob
musical dirigido por um mestre ligado à e a Orquestra Sacra Santa Cecília, a responsabilidade da empresa
Irmandade ou Ordem Terceira por contrato ambas de Sabará. Em Diamantina, Santa Rosa Bureau Cultural.
de serviço que valia por determinada temos a centenária Banda de Em 2007 e 2008, o inventário
temporada, em geral correspondente Música do 3º Batalhão da Polícia se estendeu até as cidades de
ao ano fiscal da Mesa diretiva.18 Militar de Minas Gerais, a Banda Congonhas do Campo, Sabará,
Euterpe Diamantinense, fundada Serro e Diamantina, agora a cargo
Havia, portanto, nas vilas e em 1927, a Banda Sinfônica Mirim da organização não governamental
cidades mineiras, uma estrutura Prefeito Antônio de Carvalho Cruz, Núcleo Brasileiro de Percussão.
que se responsabilizava também pela fundada em 1985, e o Conservatório No mesmo período, o inventário
programação musical tanto religiosa Estadual Lobo de Mesquita, criado na cidade de Tiradentes foi
quanto profana. Assim, não é de em 1994. Há também o coral realizado pela Superintendência
se estranhar que a maior parte da Regina Pacis, fundado em 1983. do Iphan em Minas Gerais.
documentação musical de que se Tendo em vista todas essas O material produzido ao longo
tem notícia se refira ao repertório circunstâncias e estabelecidos, do inventário nessas cinco cidades,
litúrgico e paralitúrgico, tendo assim, os entendimentos entre como também o conhecimento
sido guardada pelas corporações de o Departamento de Patrimônio sistematizado a partir dos dados
músicos dessas cidades. Algumas Imaterial (DPI) e a Superintendência produzidos nas pesquisas anteriores
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tendo como referência as cidades de São João del-Rei, Ouro Preto, Mariana,
Catas Altas, Congonhas do Campo, Diamantina, Sabará, Serro e Tiradentes

foram consolidados nas fichas do Confederação Nacional dos Bispos uma ou mais pessoas para tocá-los,
INRC, tudo sendo igualmente do Brasil (CNBB). Essa opção sempre que necessário. Além disso,
incorporado ao processo. se sustenta nas dificuldades para há os casos (e são numericamente
O Núcleo Brasileiro de Percussão a manutenção de uma estrutura significativos) de sinos rachados,
(NBP) produziu também um texto que viabilize o toque dos sinos em sem badalo ou, ainda, sem local
multimídia sobre o toque dos sinos, diferentes momentos da liturgia apropriado para serem instalados.
igualmente anexado aos autos. católica. Segundo a CNBB, Os novos equipamentos
É importante observar hoje a manutenção dos sinos e de seus eletrônicos possuem uma praticidade
que, paulatinamente, os sinos toques não é mais condizente mais adequada aos dias atuais,
vêm sendo substituídos por com os tempos atuais; o custo de justificam aqueles que optam por sua
instrumentos eletrônicos, com sua manutenção é elevado, pois substituição: podem ser instalados
o aval e aquiescência da própria demanda a disponibilidade de em qualquer lugar, acionados por
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tendo como referência as cidades de São João del-Rei, Ouro Preto, Mariana,
Catas Altas, Congonhas do Campo, Diamantina, Sabará, Serro e Tiradentes

V ISTA GE RA L DE S E RRO , A PART I R DA I G R EJ A D E


S A NTA RITA .
FOTO : C RIST INA L E M E , 20 0 7.

do NBP, houve depoimentos que


explicitaram conflitos entre a
comunidade e os padres, inclusive
no que se refere ao toque dos sinos.
Mesmo sem a ocorrência de conflitos
explícitos, vários entrevistados,
inclusive clérigos nas outras sete
cidades inventariadas, deixaram claro
que a atividade de tocar os sinos é a
menos compartilhada
com a Igreja. Os padres ressaltam
inclusive que o tema não foi
contemplado durante os longos anos
qualquer um, programados para além dos aspectos já apontados, a de sua formação. A população das
tocar em qualquer intervalo de possibilidade de reproduzir os sinos cidades concorda em uníssono:
tempo, e com uma diversidade do Vaticano, ou os do Mosteiro os padres não entendem de sinos.
de repertório que pode chegar de São Bento de São Paulo19. É importante ressaltar que,
a 300 músicas diferentes. A pesquisa de campo demonstrou embora aprovados e apoiados pela
Em Fortaleza, por exemplo, de forma recorrente o pouco maioria das pessoas nas comunidades
na paróquia de Nossa Senhora de envolvimento institucional da Igreja pesquisadas, desde há muito,
Nazaré, há sinos de bronze em com os sinos e seus toques. Eles os toques dos sinos não são uma
suas torres, mas o que toca mesmo efetivamente não são tema de estudos unanimidade nas vilas e cidades.
é o som eletrônico. O pároco religiosos dos clérigos. O silenciar dos sinos ou, pelo
responsável apresenta como outra Em entrevistas realizadas no Serro menos, a necessidade de moderação
vantagem do novo equipamento, e em Sabará por pesquisadores de seus toques, não é uma demanda
dossiê iphan 16 { Toque dos Sinos e o Ofício de Sineiro em Minas Gerais } 21
tendo como referência as cidades de São João del-Rei, Ouro Preto, Mariana,
Catas Altas, Congonhas do Campo, Diamantina, Sabará, Serro e Tiradentes

DA E S QU E RDA PA RA A DIREI TA
S INE IRO W E L L INTO N, S A BAR Á .
FOTO : C RIST INA L E M E , 20 0 7 .

S INE IRO RO NA L DO , S A BA R Á .
FOTO : C RIST INA L E M E , 20 0 9 .

recente, como poderia parecer a tiveram, como aqui, maior função, Uma crônica de Machado de
uma análise mais apressada como um maior violência e maior prestígio.21 Assis sobre a proibição dessa prática,
resultado automático do processo de publicada na Semana Ilustrada de
secularização do mundo ocidental Recuando quase um século 20 de outubro de 1872, mostra
e de homogeneização cultural20 dessa notícia de Luiz Edmundo, que tal regulamentação nunca
característico da pós-modernidade. há relatório da Comissão de havia ocorrido efetivamente.
O cronista Luiz Edmundo Salubridade da Sociedade de Felipe Augusto Bernardi cita a
comparava o incômodo causado pelas Medicina sobre os toques de solicitação feita por vereadores ao
modernidades que chegavam ao Rio sinos e os malefícios à saúde Bispado de Diamantina, em 1878,
de Janeiro no início do século XX deles decorrentes. Tal relatório, para que se tomassem providências
(buzinas de automóvel, apitos de datado de 1833, informava: em relação ao sineiro da Sé que não
locomotivas ou de fábricas, rádios, controlava os abusos cometidos pelos
vitrolas, dentre outros) ao produzido No dia de finados, é melhor deixar-se a meninos da cidade, que tocavam os
pelos sinos que, segundo ele cidade aos defuntos que sofrer a tormenta sinos “sem regra e sem método”23.
dos sinos desde o meio dia da véspera até Pode-se observar aqui que as
[...] durante três longos e impassíveis o tardanho momento dos últimos ofícios. questões recorrentes contra os
séculos sobre os [...] ouvidos, como sobre os toques dos sinos na sociedade carioca
[...] nervos, malharam incansavelmente, De tal abuso decorriam doenças ou mineira dos séculos XIX e XX
desapiedadamente, falando-lhes num nervosas e auditivas, uma vez que não tratavam da sua proibição,
verdadeiro delírio de impertinência e a população era submetida a mais mas, sim, de sua moderação.
constância, ora de Deus, ora dos próprios de cinco minutos ininterruptos Atualmente, entretanto, passados
homens. O Rio era uma feira barulhenta de toques.22 Naquela ocasião, praticamente 700 anos desde as
de badalos. E que badalos! Nem sequer entretanto, o relatório e parecer da primeiras notícias da ascensão dos
em Lisboa, onde eles à solta, viviam Comissão sugeriam a regulamentação sinos aos campanários das igrejas
pelas sineiras quais cabras a dançar, dos toques e não a sua supressão. europeias, os bronzes não perderam
dossiê iphan 16 { Toque dos Sinos e o Ofício de Sineiro em Minas Gerais } 22
tendo como referência as cidades de São João del-Rei, Ouro Preto, Mariana,
Catas Altas, Congonhas do Campo, Diamantina, Sabará, Serro e Tiradentes

suas funções originais segundo a exclusivamente, uma relação de determinada referência cultural
bibliografia especializada, ou seja, comunicação ou de controle do como patrimônio cultural.
a comunicação com Deus, com os homens tempo, como também não o era, Importa avaliar como o toque
e o controle do tempo. E é justamente de maneira exclusiva, no mundo dos sinos agencia processos
por isso que o pedido para a de outrora. Se considerada uma de construção de identidades
salvaguarda dessa tradição chama questão de comunicação tout court, legitimadas socioculturalmente.
a atenção. Se suas funções originais como explicar que em São João Assim posta, essa questão aponta
não são mais fundamentais, por del-Rei se verifique um repertório para outra, qual seja, a da
que os sinos continuam a tocar? de aproximadamente 10 toques possibilidade de reconhecimento
Sabemos que é próprio da diferentes para um mesmo desse bem como patrimônio.
dinâmica social que algumas práticas objetivo como, por exemplo, o de Como se verá neste dossiê
se atualizem e permaneçam e que comunicar a celebração de uma descritivo, e em toda a documentação
outras desapareçam, justamente missa? Esse e outros elementos reunida no processo e arquivada no
porque perdem seu lugar social e apontam para a conclusão de DPI, a pesquisa demonstrou que o
seus significados. Em São João que a função comunicativa e toque dos sinos constitui elemento
del-Rei, contudo, essa prática está também a de controle do tempo24 capaz de revelar a diversidade e
viva e presente, longe de desaparecer. persistem; contudo, a relação a especificidade sociocultural,
Nas outras cidades inventariadas entre essa prática e a comunidade característica e presente nas
encontramos também, em maior de indivíduos não é de mera comunidades inventariadas.
ou menor grau, reverberações e funcionalidade, ou melhor, não Seus habitantes se reconhecem e
ressonâncias muito significativas se trata de investigar a função ou se distinguem dos habitantes de
das expressões sineiras. ainda a serventia dos toques nas outras cidades porque atribuem um
O toque dos sinos está presente cidades inventariadas. Não é essa significado particular ao toque dos
e sua relação com a população a questão que se coloca quando o sinos, ao repertório dos toques,
das cidades inventariadas não é, tema é o reconhecimento de uma ao som diferenciado que plange de
dossiê iphan 16 { Toque dos Sinos e o Ofício de Sineiro em Minas Gerais } 23
tendo como referência as cidades de São João del-Rei, Ouro Preto, Mariana,
Catas Altas, Congonhas do Campo, Diamantina, Sabará, Serro e Tiradentes

PÁG I NA AO LADO, DA E SQUE RDA PARA A D IRE ITA


P ROCI S SÃO NA SEMA NA SANTA, SABARÁ.
FOTO: CR I STI NA LEME , 2007.

I MAG EM DE NOS SA SENHORA DO ROSÁRIO SE ND O


LEVA DA EM P ROCI S SÃO, SÃO JOÃO DE L - RE I.
FOTO: J OÃO R AMA LHO NE TO, 2009.

P ROCI S SÃO NA SEMA NA SANTA, GUARDA ROM ANA,


D I AMA NTI NA .
FOTO:: DJ A LMA CORRÊ A, 2008.

D I REI TA
V I STA PARCI AL DE TI RAD E NTE S C OM DE STAQUE À
MATR I Z DE SANTO ANTÔNIO.
FOTO: RI CARDO DOS SANTOS GONÇ ALVE S, 2008.

cada um daqueles bronzes. No caso


das cidades inventariadas, onde o
toque dos sinos não ocorre mais com
a mesma densidade e diversidade,
como em São João del-Rei,
a perspectiva de registrar essa forma
de expressão como um patrimônio
cultural brasileiro é tida como um
elemento a mais no processo de
coesão daquelas comunidades.
A senhora Maria Renilde, moradora
do Serro, nos dá um depoimento
muito representativo dessa
conformação de identidades pelo que os reinsere nos processos a atenção para a universalidade
silenciar dos bronzes. Ao recordar o de construção da “identidade dessa prática, estabelecida como
toque do sineiro Charrua, ela afirma: nacional”, como substrato comum referência não só para o Brasil,
“Não há quem bata os sinos mais. de uma identidade brasileira mas para todo o mundo católico
Podia voltar, né? Que faz falta”. formada a partir, por exemplo, de e para a singularidade da sua
O Pedido de Registro do elementos de nossa religiosidade. expressão em São João del-Rei e
Toque dos Sinos apresentado por Assim, a partir da demanda nas demais cidades inventariadas,
essas cidades mineiras expressa apresentada, o Iphan decidiu com graus e escalas diferenciadas.
o sentimento de pertencimento perscrutar essa permanência em A questão do catolicismo e da
a uma determinada paisagem função de um mundo que vem prática e vivência dessa religião é
sonora que lhes atribui uma se secularizando de maneira tema de numerosos estudos sobre a
especificidade, no tempo em irreversível. Nesse sentido, chama-se religiosidade, especialmente,
dossiê iphan 16 { Toque dos Sinos e o Ofício de Sineiro em Minas Gerais } 24
tendo como referência as cidades de São João del-Rei, Ouro Preto, Mariana,
Catas Altas, Congonhas do Campo, Diamantina, Sabará, Serro e Tiradentes

I GR E J A DO R OSÁRI O NO DISTRITO DE M IL HO
V E R D E, SERRO.
FOTO: CRI STI NA LEME, 2007.

a religiosidade católica no dar significação ou importância moral. A missa dominical era local de expressão
Brasil. Caio Boschi, fornecendo Muita devoção e muita devassidão; eis aí cotidiana da fé católica, por isso, segundo
informações que reiteram os aspectos concomitância resultante e universalmente o gosto da época, o culto deveria ser
de representação da religiosidade provada pelos costumes das nações uma experiência absorvida por todos os
mineira, cita Oliveira Martins: católicas depois da Renascença.25 sentidos e para isso seus aspectos exteriores
eram extremamente valorizados.27
[...] o catolicismo não era então – como Portanto, pode-se concluir que
o era a religião protestante – uma fé a religiosidade que se conformou na Acrescente-se a isso, o fato
íntima e absorvente: era uma convicção região (e quiçá em todo o território de a estrutura religiosa na região
para uns, uma convenção para outros, português na América) era enunciada mineradora estar fortemente
uma conveniência para muitos, e um por signos externos como o gestual, marcada pela presença dos
desvairamento para os defensores o culto e a devoção aos santos acrescida sodalícios. Segundo determinavam
intolerantes da fé. Havia decerto uma no conhecimento da doutrina e os compromissos dessas associações
afirmação religiosa unânime e violenta; no aprofundamento da fé. Enfim, religiosas, a realização de
mas desapareceu a unanimidade ingênua uma religiosidade introspectiva, mas eventos religiosos era uma
e espontânea da crença, que radica as também e, sobretudo, expressiva. determinação cujo objetivo era
religiões. O catolicismo atravessava uma Expressão essa que se externalizava na o de divulgar a fé católica. Para
crise, de que saíra malferido; e a violência participação em procissões e demais tal, no calendário litúrgico e
com que se impunha estava denunciando rituais católicos. Nesse sentido, paralitúrgico, essas associações
que ficara sendo, antes uma expressão essa forma de vivenciar a religião vai mobilizavam músicos, oradores,
da autoridade, do que uma expansão ao encontro do estilo barroco de pintores, enfim todo um conjunto
do sentimento popular. Isto fazia com viver a religiosidade no campo e no de profissionais responsáveis
que o povo, sem renegar o catolicismo, tempo da “representação”26 naquilo por viabilizar tais rituais
fosse caindo num relaxamento; e que, que se interpreta como pompa comemorativos que valorizam
ficando com a religião, deixasse de lhe barroca. Junia Furtado reitera: os aspectos visíveis da fé. No
dossiê iphan 16 { Toque dos Sinos e o Ofício de Sineiro em Minas Gerais } 25
tendo como referência as cidades de São João del-Rei, Ouro Preto, Mariana,
Catas Altas, Congonhas do Campo, Diamantina, Sabará, Serro e Tiradentes

I G REJ A NOS SA SEN HORA D O Ó, SABARÁ.


FOTO: CR I STI NA LEME , 2007.

caso, por exemplo, da cerimônia


da transladação do Santíssimo
Sacramento para a Igreja do
Pilar em Vila Rica em 1733,
Simão Machado nos informa:

[...] o uso de repiques de sino e de pequenos


concertos de música nas ruas aumentava
ainda mais a publicidade do evento, pois
causava impressão a “estrondosa harmonia
dos sinos, a melodia artificiosa das músicas,
o estrépito das danças”. Conforme anotou
um cronista, era tudo “aos olhos sempre
vastos (...) e aos ouvidos sonora.28 cultural são peculiares, especiais, o toque dos sinos que é uma de
sem paralelo nas demais cidades suas principais expressões.
Como já foi observado, os inventariadas ou em tantas outras Sobre esse aspecto da
sinos e seus toques não são no próprio estado de Minas religiosidade em São João
uma exclusividade de Minas Gerais e no restante do país. del-Rei, não há, na literatura
Gerais e, tampouco, das cidades É necessário observar que, especializada, explicações sobre o
inventariadas. Entretanto, na bibliografia levantada e analisada, fato de a cidade não ter aderido
foi de São João del-Rei que assim como nos depoimentos orais à Reforma Litúrgica da Semana
partiu a demanda para o seu recolhidos, é recorrente o destaque Santa, por exemplo. Segundo
reconhecimento e na cidade as dado a São João del-Rei quando essa reforma, as celebrações da
condições de produção, circulação o assunto é a religiosidade que Semana Santa poderiam passar
e reprodução dessa tradição envolve a cidade e, especificamente, a ser feitas por ritos simples,
dossiê iphan 16 { Toque dos Sinos e o Ofício de Sineiro em Minas Gerais } 26
tendo como referência as cidades de São João del-Rei, Ouro Preto, Mariana,
Catas Altas, Congonhas do Campo, Diamantina, Sabará, Serro e Tiradentes

C O NJUNTO DA S IGRE JA S DE S ÃO F R A NCI S CO D E


A S S IS E NO S S A S E NH O RA DO CA R MO , MA R I A NA .
FOTO : PE DRO DAV ID, 20 0 4.

sem a necessidade de aplicação dentre outras práticas, do toque arquiconfraria, associações religiosas,
de ritualística solene, como as dos sinos como a cidade o o sentido de partidarismo. A cada
missas rezadas em latim, o canto mantém. O primeiro relatório de solenidade ou festa promovida por uma
gregoriano ou, ainda, a celebração pesquisa da equipe responsável irmandade, etc. e lá estava toda a família
do Ofício de Trevas29. A cidade pelo inventário em São João a se dedicar em limpar, organizar e
de São João del-Rei os manteve, del-Rei afirma que o barroco ornamentar a igreja e as imagens,
sendo, inclusive até há bem pouco faz parte da “[...] alma do são- e custeando muitas vezes o aparato que
tempo, a única cidade que o joanense, que de geração em estas festas se revestiam. É só percorrer
celebrava. A Orquestra Ribeiro geração tem procurado manter os livros manuscritos das irmandades e
Bastos e a Lira Sanjoanense são vivo esse complexo mundo veremos famílias em diversas gerações
contratadas pelas irmandades sagrado”. Essa afirmação é seguidas participando como irmãos e
para a composição de peças, endossada por Aluízio Viegas que prestando os seus serviços, nas mais
sendo instituições fundamentais assevera que a religiosidade de diversificadas ações. Isso influenciava a
para a formação de músicos São João del-Rei é famosa desde história e o dia a dia da comunidade.
e reprodução das tradições os tempos coloniais. Ele explica:
artísticas e culturais da cidade. André Dangelo, são-joanense
O historiador e coordenador O modo de ser e viver das pessoas estudioso dos sinos e do seu
da pesquisa em São João del-Rei, influencia as pessoas próximas e se toda toque, já mencionado, também
Jairo Braga Machado, reitera que uma comunidade é unânime em certas destaca a existência de uma alma
um dos elementos fundamentais práticas, elas passam a constituir o modus barroca em São João del-Rei ao
para a manutenção dessa prática vivendi de todos. E isso aconteceu em fazer referência à Semana Santa:
cultural na cidade é que seus São João del-Rei. As famílias se filiavam
habitantes vivem imersos em uma às irmandades e, como não podia ser [...] Nestes momentos, podemos sentir
cosmogonia barroca, responsável, de outra maneira, criou-se em cada a alma barroca da cidade revigorada e
segundo ele, pela permanência, irmandade, confraria, ordem terceira, presente, e descobrimos a cada instante
dossiê iphan 16 { Toque dos Sinos e o Ofício de Sineiro em Minas Gerais } 27
tendo como referência as cidades de São João del-Rei, Ouro Preto, Mariana,
Catas Altas, Congonhas do Campo, Diamantina, Sabará, Serro e Tiradentes

de observação que, paralelamente a cidades históricas, como já disse uma segue, associado à documentação
toda a modernidade que envolve o vez um poeta, podemos sentir “nossos audiovisual e bibliográfica
nosso tempo, a tradição ritualística da mortos mais vivos”, e nos sentimos levantada e produzida durante
alma barroca resiste nas nossas cidades mais perto das nossas raízes.30 a pesquisa, deixa claro que os
históricas. Assim, quando vemos o toques dos sinos comunicam
som dos sinos das igrejas de Minas se A última observação sobre a uma série de mensagens que
propagando por nossas montanhas pesquisa diz respeito ao uso da são decodificadas não só pelos
durante a Quaresma, parece-nos que palavra “linguagem”, recorrente moradores das cidades, mas,
eles têm o poder mágico de diminuir o em muitos textos e depoimentos. como reza a tradição, pelo
espaço de tempo que separa a Minas de Seu emprego aqui deriva de próprio Deus, pois quando
hoje e a do passado. Nestas ocasiões, uma abordagem semiótica e um sino toca, Deus escuta a
então, quando chegamos nas nossas não linguística. O texto que se prece com mais atenção.
dossiê iphan 16 { Toque dos Sinos e o Ofício de Sineiro em Minas Gerais } 28
tendo como referência as cidades de São João del-Rei, Ouro Preto, Mariana,
Catas Altas, Congonhas do Campo, Diamantina, Sabará, Serro e Tiradentes

I GR E J A MATR I Z DE NOS SA SE NHORA DA


C O NC EI ÇÃO, CATAS A LTAS.
FOTO: P EDR O DAV I D, 20 04.

Com base no dossiê em pauta e


acatando a proposta encaminhada
no Parecer Técnico do DPI/
Iphan, o Conselho Consultivo
do Patrimônio Cultural, em
sua 62ª Reunião, ocorrida no
dia 3 de dezembro de 2009,
reconheceu o toque dos sinos
em Minas Gerais e o ofício
de sineiro como patrimônio
cultural de todos os brasileiros.
A inscrição se fez na mesma data
e em dois livros: o Toque dos
Sinos em Minas Gerais, tendo
como referência São João del-
Rei e as cidades de Ouro Preto,
Mariana, Catas Altas, Congonhas
do Campo, Diamantina, Sabará,
Serro e Tiradentes, no Livro
das Formas de Expressão. No
Livro dos Saberes, inscreveu-se
o Ofício de Sineiro, pois é ele, o
sineiro, quem domina e transmite
o saber e a arte tradicional
de fazer falar o sinos. ¢
dossiê iphan 16 { Toque dos Sinos e o Ofício de Sineiro em Minas Gerais } 29
tendo como referência as cidades de São João del-Rei, Ouro Preto, Mariana,
Catas Altas, Congonhas do Campo, Diamantina, Sabará, Serro e Tiradentes

MA PA DE LOCALI ZAÇÃO DAS CIDAD E S DE


R E F ER ÊNCI A PARA O RE GISTRO D O TOQUE DOS
S I NOS E OF Í CI O DE SINE IROS E M M INAS GE RAIS.

Bahia

Bahia

Distrito
Federal
Distrito
Federal

Goiás

Goiás

Espírito Santo

Espírito Santo

São Paulo
Rio de Janeiro
São Paulo
Rio de Janeiro

São João del-Rei Ouro Preto Sabará


Tiradentes
São João del-Rei Mariana
Ouro Preto Serro
Sabará
Congonhas
Tiradentes Catas Altas
Mariana Diamantina
Serro
Congonhas Catas Altas Diamantina
dossiê iphan 16 { Toque dos Sinos e o Ofício de Sineiro em Minas Gerais } 30
tendo como referência as cidades de São João del-Rei, Ouro Preto, Mariana,
Catas Altas, Congonhas do Campo, Diamantina, Sabará, Serro e Tiradentes

Identificação
dossiê iphan 16 { Toque dos Sinos e o Ofício de Sineiro em Minas Gerais } 31
tendo como referência as cidades de São João del-Rei, Ouro Preto, Mariana,
Catas Altas, Congonhas do Campo, Diamantina, Sabará, Serro e Tiradentes

B ATI SMO DO SI NO DA IGRE JA DE SÃO FRANCISCO


D E A S SI S, SÃO J OÃO DE L - RE I.
FOTO: RI CARDO DOS SANTOS GONÇ ALVE S, 2014.

D I REI TA
S I NEI RO CARLOS NA I GRE JA M ATRIZ DE NOS SA
S E N HOR A DA CONCEI Ç ÃO, C ATAS ALTAS.

materiais fundamentais e afirma que os sinos são um meio


indissociáveis do bem imaterial que de comunicação praticamente
O sineiro, se deseja salvaguardar. Os sinos – desnecessário nos dias atuais
por meio dos sineiros e seus toques porque há o telefone, o rádio, a
o sino e o toque: – comunicam códigos plenamente televisão. Ele destaca, entretanto,
trindade compreensíveis pela população nas que, quando se trata de um fato
cidades inventariadas. local, a morte de uma pessoa da
mediadora Essa população os associa aos cidade, por exemplo, os sinos
entre o humano fatos da vida cotidiana: nascimento ainda são a “gazeta” da cidade
e morte, chamada para missa. e o sineiro, o seu repórter. Ele
e o divino Outrora, os partos difíceis31 e conta que, por muitas vezes,
a agonia dos doentes também quando o falecimento de um dos
eram noticiados pelos sinos, de irmãos ou irmãs dos sodalícios

R etomando as orientações
e preocupações de Mário
de Andrade ao ponderar que
forma que os moradores da cidade
pudessem se juntar, em oração,
para chamar a intervenção divina.
da cidade não é divulgado
por meio dos toques, ele só
vem a saber da notícia depois,
o patrimônio cultural não está Guerras, incêndios32 e calamidades quando o enterro já ocorreu.
exclusivamente nos monumentos eram igualmente veiculados pelos De sua argumentação, podemos
de pedra e cal, o toque dos sinos bronzes. Enfim, alegria e dor. inferir duas conclusões: os sinos
constitui referência cultural Atualmente, esses e outros toques33 divulgam as notícias no “calor
representativa da síntese entre a silenciaram por terem perdido dos acontecimentos”; nesse
materialidade e a imaterialidade do função diante de novas práticas e sentido, ainda são veículos de
patrimônio. Nesse caso, a “pedra de novos meios de comunicação. comunicação muito eficientes no
e cal” das torres e campanários e O senhor Antônio Pacheco plano local. A outra conclusão
o bronze dos sinos são elementos Filho, da cidade de Mariana, se refere à dimensão do toque
dossiê iphan 16 { Toque dos Sinos e o Ofício de Sineiro em Minas Gerais } 32
tendo como referência as cidades de São João del-Rei, Ouro Preto, Mariana,
Catas Altas, Congonhas do Campo, Diamantina, Sabará, Serro e Tiradentes

S INO S DA IGRE JA DE S ÃO PE D R O D O S CLÉR I G O S ,


M A RIA NA .
FOTO : PE DRO DAV ID, 20 0 4.

dos sinos para as pessoas dessas detentores desse saber; (3) afirma que para alcançar
cidades: pois se eles não são mais e outro conjunto de práticas tal nível de conhecimento,
tão necessários, como as pessoas sociais – com destaque para o comum entre os mais velhos
normalmente constatam, por que a agrupamento em irmandades e parcelas da população nas
preocupação em salvaguardá-los? religiosas – referentes à sociedade cidades inventariadas, há que
A resposta, com certeza, que se apropria de seus sentidos se distinguir e identificar
tem relação com o valor que aquela e significados. É muito comum os timbres. Identificados os
população atribui aos sinos, ouvirmos, nessas cidades, que timbres, se distinguem sinos,
ao sineiro e a seus toques. “só não se bebe no sino porque torres e, consequentemente,
Da mesma forma que a identidade ele está com a boca pra baixo”35. as irmandades locais. É ele que
de uma pessoa ou de uma família Acrescente-se a essa afirma em entrevista concedida
pode ser definida pela posse dimensão de entendimento e aos pesquisadores em 2002:
de determinados objetos que apropriação de significados o
foram herdados e permanecem fato de os moradores das cidades [...] se você não identificar timbres, não
ali por gerações constituindo seu inventariadas diferenciarem as resolve para você, mesmo que você saiba o
patrimônio34, a população dessas vozes dos “bronzes”; eles sabem, ritmo dele, você não vai saber onde é que
cidades inventariadas se reconhece, de forma clara, qual sino está está tocando o sino. Então você tem que
se identifica, se diferencia de tocando. Dessa identificação criar essa relação com o timbre. Depois
outras também a partir da prática decorrem outros conhecimentos que você consegue criar a relação de
sineira, dando importância a que atingem níveis altos de timbre, aí você já identifica onde é que o
cada um dos elementos que a sofisticação sobre os vínculos sino, porque se você escutar o sino batendo
estruturam, quais sejam: (1) os entre a igreja e a irmandade aqui você não vai saber de onde que ele é.
sinos como objetos materiais; (2) religiosa dona do sino, por Então você tem que identificar pelo timbre.
as práticas sociais desenvolvidas exemplo. Falando a partir de São Com o timbre identificado, rapidinho
pelos sineiros, portadores e João del-Rei, André Dangelo, você começa a identificar os toques.36
dossiê iphan 16 { Toque dos Sinos e o Ofício de Sineiro em Minas Gerais } 33
tendo como referência as cidades de São João del-Rei, Ouro Preto, Mariana,
Catas Altas, Congonhas do Campo, Diamantina, Sabará, Serro e Tiradentes

As informações obtidas em Tiradentes, alguns sineiros falecido um irmão do Rosário ou do


durante a pesquisa de campo destacaram a importância da Carmo ou do Santíssimo. [...] os
nas cidades inventariadas nos correção da estrutura dos toques, sonoros carrilhões eram a música das
informam que grande parte da afirmando: “[...] ah, deve ser cidades. A matriz tocava e o Carmo
população dessas localidades importante, pois quando os respondia. Conhecia-se o morto pelo
identifica a sonoridade dos sinos sinos não tocam ou quando repicar do sino. Ao ouvi-lo, diziam:
de cada igreja, o que nos leva a tocamos alguma coisa errada, eles “morreu um irmão das Mercês.37
considerar não apenas a estrutura vêm sempre reclamar...” Fritz
dos toques, mas, especialmente, Teixeira de Salles acrescenta: A pesquisa mostrou também
a sonoridade de cada um dos que o toque dos sinos, expressão
sinos. Entretanto, sonoridade E pelo toque do sino em finados, sonora que confere significado
e estrutura se complementam: ao longe, já se sabia que havia cultural ao território inventariado,
dossiê iphan 16 { Toque dos Sinos e o Ofício de Sineiro em Minas Gerais } 34
tendo como referência as cidades de São João del-Rei, Ouro Preto, Mariana,
Catas Altas, Congonhas do Campo, Diamantina, Sabará, Serro e Tiradentes

resulta e é indissociável do saber do em seu meio, lembrando-o a todo


sineiro, o qual envolve habilidade e instante de sua relação com o Divino e
conhecimento apurados em séculos da transitoriedade da vida terrena38.
de história e dele exige dedicação
de devoto ou de profissional. As Faz parte do código sineiro
diferentes experiências pessoais a convenção de que não se toca
de reconhecimento e apropriação sino fora de hora. Portanto,
do universo dos sinos asseguram mesmo aqueles que não decifram
aos habitantes das localidades todos os códigos sabem que,
alcançadas por este estudo um se o sino está tocando fora
sentimento de pertencimento e de hora, algo extraordinário
lhes confere uma territorialidade aconteceu. Há expressivo número
específica. Nas palavras de de depoimentos nessas cidades
Fabio César Montanheiro: comentando que se o sino toca
fora de hora, as pessoas ligam
Os sinos, com suas vozes ditosas e falas para a igreja para saber o que está
ligeiras, a repicar freneticamente, acontecendo. O mesmo ocorre se o
comunicando a missa dominical ou a sino não toca quando deveria. Esse
festa da irmandade, ou então, com suas controle exercido sobre os toques
pancadas roucas, intervaladas e graves, de sinos recentemente colocou fim
ora pontuadas por badaladas agudas, a uma brincadeira denominada
a anunciar a morte de um potentado “combate”, desenvolvida entre os
ou de um pingante, compunham o sineiros. Tratava-se de disputar
cenário de identidade do sujeito, quem conseguia fazer girar o sino
inserindo-o temporal e espacialmente sobre si mesmo por mais tempo.
dossiê iphan 16 { Toque dos Sinos e o Ofício de Sineiro em Minas Gerais } 35
tendo como referência as cidades de São João del-Rei, Ouro Preto, Mariana,
Catas Altas, Congonhas do Campo, Diamantina, Sabará, Serro e Tiradentes

PAG I NA AO LADO E S QU E RDA


A LTO, DA ESQU ERDA PARA A D IRE ITA S INE IRO S M E NINO S , S A BA R Á .
C O ROI N HAS TOCAN DO O SINO. FOTO : C RIST INA L E M E , 20 0 7 .
FOTO: P EDRO DAV I D, 2004.
PÁGINA S 3 6 A 3 9
S I NEI ROS COLOCAN DO O SINO A PINO NO A L GUNS DO S S INE IRO S DE CI DA D ES D E
I NTER I OR DA TOR RE DA IGRE JA NOS SA SE NHORA RE FE RÊ NC IA DO TO QU E DO S I NO E O F Í CI O
D O CA RMO, OURO P R E TO. DE S INE IRO S .
FOTO: P EDRO DAV I D, 2004. AC E RVO T É C NIC O IPH A N.

B AI XO
S I NO V I R ADO NA I G R E JA NOS SA SE NHORA DAS
MERCÊS, OU R O P R ETO.
FOTO: P EDRO DAV I D, 2004.

prática que leva os jovens às torres [...] tanger os sinos para missas e
sineiras para a aprendizagem dos ofícios às horas competentes; e todos os
toques. Em outras cidades, há, dias depois do sol posto tangerão as
sem dúvida, maior dificuldade em Aves Marias, em memória da
manter ou restabelecer a cadeia Anunciação da Virgem Maria Nossa
O sineiro e de transmissão desse saber. Senhora. E tudo o mais pertencente
Mas quem foram e quem são aos sinos; como quando se houverem
seu ofício os detentores desse saber? de fazer sinais por defuntos, repicar,
Segundo Aluízio Viegas, há um dar sinal para se lembrarem das
preceito do século XVI, de São almas que estão no Purgatório,
Carlos Barromeu39, orientando correrá por sua obrigação.
que cabia aos clérigos a tarefa
de tanger os sinos. Para tal, eles Em relação aos enterros,

A despeito de alguns pesquisadores


terem, nas duas últimas décadas,
se dedicado a estabelecer codificações
deveriam usar batina (sotaina)
e sobrepeliz (veste branca com
ou sem rendas que se sobrepõe
o Livro IV indica o número de
sinais a serem tangidos nos sinos:

para os diversos toques de sinos, à batina) e rezar orações E, para que se ponham algum termo
pode-se afirmar, pelos resultados antes e depois dos toques. certo, mandamos que tanto que
da pesquisa de campo nas cidades O documento Constituições falecer algum homem, se fação (sic)
inventariadas, que a maior parte Primeiras do Arcebispado da Bahia, datado três sinais breves, e distintos; e, por
desse conhecimento está na memória de 1707, faz referência à prática mulheres dous; e se forem menores
dos sineiros de Minas Gerais. sineira em três de seus cinco de sete e quatorze anos de idade,
Em São João del-Rei, Ouro livros. No Livro III, em relação se fará um sinal somente, ou seja
Preto e Diamantina há todo às funções dos sacristãos, consta macho ou fêmea: e por estes sinais de
um movimento em torno dessa que uma de suas obrigações era falecimento se não pedirá salário.
dossiê iphan 16 { Toque dos Sinos e o Ofício de Sineiro em Minas Gerais } 36
tendo como referência as cidades de São João del-Rei, Ouro Preto, Mariana,
Catas Altas, Congonhas do Campo, Diamantina, Sabará, Serro e Tiradentes
dossiê iphan 16 { Toque dos Sinos e o Ofício de Sineiro em Minas Gerais } 37
tendo como referência as cidades de São João del-Rei, Ouro Preto, Mariana,
Catas Altas, Congonhas do Campo, Diamantina, Sabará, Serro e Tiradentes
dossiê iphan 16 { Toque dos Sinos e o Ofício de Sineiro em Minas Gerais } 38
tendo como referência as cidades de São João del-Rei, Ouro Preto, Mariana,
Catas Altas, Congonhas do Campo, Diamantina, Sabará, Serro e Tiradentes

Esse livro também normatiza o que se cometiam, especialmente Janeiro escravos africanos e mestiços
número de sinais para as ocorrências por parte daqueles homens de também tangiam os sinos40.
de morte de autoridades eclesiásticas. maior projeção social, econômica Se é verdade que no período
Sobre os toques fúnebres, as e política, cujas famílias mandavam colonial o toque de sinos ficava
Constituições Primeiras do Arcebispado tocar abundantemente para os a cargo da escravaria, essa forma
da Bahia procuram normatizar seus mortos a fim de distingui-los de expressão sofreu significativa
seu uso, justificando: daqueles pertencentes às camadas influência de ritmos diversos,
econômicas mais desfavorecidas. especialmente, de matriz africana.
[...] Justamente se introduziu na Igreja Embora fosse atribuído ao Podemos atestar a veracidade
Católica o uso e sinais pelos defuntos. Assim sacristão o ofício de tocar os dessa ilação nos remetendo às
para que os fiéis se lembrem de encomendar sinos, sabemos que o trabalho denominações de alguns dos toques
suas almas a Deus nosso Senhor, como manual na América portuguesa de sinos encontrados nas cidades
para que se incite e avive neles a memória ficava, na maioria dos casos, pesquisadas: Barravento – nome
da morte, com a qual nos reprimimos e a cargo da escravaria. Desse homônimo de toques ou ritmos de
abatemos dos pecados. Porém porque a modo, as associações leigas muito terreiros de candomblé e capoeira
vaidade humana, e outros menos piedosos provavelmente utilizavam a mão –, Batucada e Batuquinho, por
respeitos, tem introduzido neste particular de obra escrava para tanger os exemplo. No material audiovisual,
alguns excessos; para que daqui a diante sinos. A bibliografia especializada o consultor Djalma Corrêa,
os não haja, ordenamos e mandamos consultada confirma essa inferência em entrevista com sineiros de
que nisso haja alguma moderação, que e informa que em Recife, até o Diamantina, conclui que muitos
a prudência Cristã e religiosa pede. Oitocentos, a maior parte dos repiques têm marcação similar
sineiros eram escravos. Na Bahia, à síncope do samba de roda.
Pelo que nos indica essa há referência ao escravo Mestre Igualmente, Mário de
passagem, a normatização dos Florêncio, sineiro também. Andrade faz referência a
toques se deu devido aos excessos Há notícias de que no Rio de inúmeros toques de sinos que
dossiê iphan 16 { Toque dos Sinos e o Ofício de Sineiro em Minas Gerais } 39
tendo como referência as cidades de São João del-Rei, Ouro Preto, Mariana,
Catas Altas, Congonhas do Campo, Diamantina, Sabará, Serro e Tiradentes

podem ser comprobatórios na Matriz do Pilar em São João de Eli Evangelista da Cruz, o que
dessa circularidade: além do del-Rei. Segundo ele, depois da pode confirmar as inferências feitas
Barravento, ele acrescenta outros abolição, o trabalho de tanger os de que os toques, na forma como
cujos nomes são de inspiração sinos ficou a cargo das pessoas mais se encontram hoje, tenham sido
popular: chorão, feijão com molho, simples que se subordinavam às criados pelos próprios sineiros,
mocotó sem sal. Também no seu mesas administrativas dos sodalícios ao longo dos tempos. Ainda há a
Dicionário Musical Brasileiro, há um da região. Ainda segundo Aluízio questão de que certos toques têm
verbete denominado Repique de Viegas, o fato desse ofício ser funções semelhantes, permitindo
cabeça em que explica: “como desempenhado por pessoas das ao sineiro escolher dentre um
são conhecidos os repiques camadas mais pobres da população repertório de toques. Para tal
criados por sineiros baianos que não significa que as torres não escolha, leva-se em consideração
acabaram sendo incorporados ao fossem frequentadas por pessoas de não só seu gosto pessoal, mas,
repertório tradicional de toques todas as camadas sociais. também, quem são os outros
de sinos. Silva Campos cita os Há referência também que sineiros na torre naquele momento
seguintes repiques de cabeça: capoeiras e escravos se escondiam e quais são os toques que eles
Joaquim do colégio, Joaquim nas torres das igrejas onde executam com maior habilidade,
de quatro, Felipe e Xavier”41. ninguém ousava subir. Tanto hoje pois os sineiros tocam muitas vezes
Aluízio Viegas reitera a como outrora, os espaços das em duplas, trios ou quartetos,
existência de muitos negros, torres são espaços de liberdade. dada a necessidade de manipulação
mulatos, pardos e alguns escravos Liberdade de criação, inclusive. de vários sinos. Os sineiros
alugados para os serviços do toque A pesquisa registrou a referência experientes são capazes de tocar três
dos sinos. Ele citou o caso de à criação de um dos repiques, ou quatro sinos ao mesmo tempo
Ana Romeira do Sacramento, denominado tencão atravessado, por sozinhos. Sobre a possibilidade
que alugava um escravo de nome um sineiro de São João del-Rei de apropriação dos toques, Fabio
Francisco para tocar os sinos de uma geração anterior. Trata-se César Montanheiro afirma:
dossiê iphan 16 { Toque dos Sinos e o Ofício de Sineiro em Minas Gerais } 40
tendo como referência as cidades de São João del-Rei, Ouro Preto, Mariana,
Catas Altas, Congonhas do Campo, Diamantina, Sabará, Serro e Tiradentes

Embora observando aquilo que lhe foi Na entrevista concedida lembremo-nos, cuja execução
transmitido, cada sineiro imprime em seu por André Dornelles Dangelo requer que se acorde cedo.
toque uma marca pessoal, sendo possível aos à equipe de pesquisa que em André Dangelo acrescenta que
colegas identificarem, pelo toque, quem está 2002 inventariou o toque dos não se trata do uso de força bruta.
na torre a repicar os sinos. Isso não significa sinos em São João del-Rei, há Ele afirma, inclusive, que quanto
que o toque mude de sineiro para sineiro: uma observação pertinente: se é melhor a manutenção dos sinos,
essas pequenas mudanças equivaleriam a verdade que o toque dos sinos é maior a facilidade e segurança de
diferentes sotaques de falantes de uma mesma uma atividade manual, isso não tangê-los: se não há manutenção,
língua ou, por tão sutis que são, às vozes significa que seja vista como algo os sineiros têm receio em tocá-los
de cada falante de uma mesma localidade. penoso. Se o fosse, não atrairia, e a sua sonoridade fica igualmente
Contudo, às vezes os jovens sineiros tentam como o faz até hoje, muitos prejudicada. André Dangelo
alguma inovação, o que não é bem-vindo.42 jovens para essa tarefa. Tarefa, ressalta que a boa manutenção
dossiê iphan 16 { Toque dos Sinos e o Ofício de Sineiro em Minas Gerais } 41
tendo como referência as cidades de São João del-Rei, Ouro Preto, Mariana,
Catas Altas, Congonhas do Campo, Diamantina, Sabará, Serro e Tiradentes

S I NOS DA I G R EJ A SÃO PE D RO DOS C L É RIGOS,


MA RI A NA .
FOTO: P EDRO DAV I D, 2004.

dos sinos em São João del-Rei do bronze, a musicalidade. Todas área quando há necessidade
é um elemento facilitador para essas dimensões se concretizam de se tocar em solenidade não
que a prática sineira se mantenha naquilo que os próprios sineiros rotineira. Jovens sineiros são
da forma como é hoje na cidade. denominam de via-sacra: os aqueles que exercem a atividade
As irmandades cuidam dos sinos aprendizes percorrem todas cotidianamente. Zeladores
porque sabem que sua sonoridade as torres à espera de uma sineiros devem dar condição
e leveza são fundamentais para a oportunidade de tocar os sinos e aos jovens sineiros de executar
beleza de seus toques.43 isso desde as sete horas da manhã a sua tarefa. Eventualmente
André Dangelo apresenta ainda de um domingo, quando não mais podem tocar os sinos. Mestres
três elementos que favorecem cedo. As festas religiosas também sineiros são sineiros já falecidos
a beleza do toque dos sinos em são momentos muito aguardados que se tornaram uma referência
São João del-Rei: os sinos bem para a prática ou o aprendizado. desse saber e desse ofício.
contrapesados, a existência de um Os sineiros entrevistados A memória dos antigos mestres
único garfo para sua manipulação têm entre 20 e 60 anos e são, permanece viva, pois eles também
e a colocação do gancho em em sua maioria, pessoas do sexo fazem parte da história das
forma de “S” no badalo, que masculino. Os próprios sineiros localidades. Em Mariana, houve
permite a produção de ritmos estabelecem uma categorização o José Chiringa, ex-sineiro da
mais complexos e estruturados. para aqueles que exercem esse Sé que, segundo contam, tocou
Poder-se-á observar na ofício: antigos sineiros, jovens até morrer, porque era o único
documentação audiovisual que sineiros (praticantes e praticantes que sabia todos os toques; os das
acompanha o processo de Registro usuais), zeladores sineiros e várias festas e os das cerimônias
no Iphan, que há um enorme mestres sineiros. Antigos sineiros do Breviário Romano, para as
prazer por parte daqueles que são aqueles que tocam os sinos quais se reunia todos os dias o
assumem a atividade: há o lúdico, esporadicamente. Atuam como Cabido Metropolitano. O Franci
o desafio, a beleza da sonoridade uma espécie de consultor na Caiau, único sineiro que tocava
dossiê iphan 16 { Toque dos Sinos e o Ofício de Sineiro em Minas Gerais } 42
tendo como referência as cidades de São João del-Rei, Ouro Preto, Mariana,
Catas Altas, Congonhas do Campo, Diamantina, Sabará, Serro e Tiradentes

os quatro sinos da Igreja de São bandas das cidades, espaços onde Se alguém toca bem os sinos, toca
Francisco, sozinho: usava as mãos tradicionalmente a música erudita bem uma bateria. José Geovani da
e os pés; o Francisco Lessa, que foi está mais presente, assim como Silva, sineiro da Igreja de Nossa
sineiro da Igreja de Nossa Senhora há muitos sineiros que tocam Senhora das Mercês também em
do Rosário; o Raul, ex-sineiro caixa nas Guardas de Marujo São João del-Rei, vaticina: “[...]
da Igreja da Arquiconfraria; que se apresentam por ocasião repique é uma música”. Ou seja,
Agostinho Batista – sineiro da de folias e congadas, para não a música está presente em outras
Igreja das Mercês; Lauro Morais, falar do Carnaval, momento de ocasiões e oportunidades na
que também tocava com as mãos e espontaneidade, brincadeiras paisagem sonora desse território,
o pé; Zé Godoi, que era sacristão e muita música em todas essas demonstrando que, a exemplo do
da igreja em Monsenhor Horta cidades. Deve-se dar um destaque toque dos sinos, não há fronteiras
(Igreja Matriz de São Caetano), às serestas de Diamantina, outra preestabelecidas ou delimitadas
e levava uma garrafa de café e tradicional manifestação musical. entre uma cultura erudita e outra
bolo de fubá para a torre, quando Nas palavras de Ângelo Prazeres popular, clivagem essa estabelecida
tinha de tocar sinos por muito “Todo mineiro tem um trem de quando ainda se analisavam as
tempo; e o Chico Cidade, que ferro apitando nas veias, uma sociedades e seus processos a
subiu embriagado para tocar a montanha brilhando nos olhos e partir de divisões outras, tais
Quarenta Horas de Carnaval, uma banda tocando nos ouvidos”44. como, classes subalternas e classes
levou um golpe do sino e morreu. Nilson José dos Santos, sacristão e dominantes. E quando se acreditava
Há que se destacar também sineiro da Igreja de São Francisco que as manifestações da cultura
que a maior parte daqueles que se em São João del-Rei, conta que ficavam restritas às chamadas
dedicam a tocar sinos, não só em ouvia seu pai, Hélio Conceição dos camadas dominantes da população.
São João del-Rei, mas em todas as Santos, sineiro também e diretor Como orienta Carlo Ginzburg,
cidades inventariadas, tem alguma da escola de samba Largo da Cruz, [...] Pode-se ligar essa hipótese
relação com as orquestras, liras e afirmar que sineiro é como músico. àquilo que já foi proposto, em
dossiê iphan 16 { Toque dos Sinos e o Ofício de Sineiro em Minas Gerais } 43
tendo como referência as cidades de São João del-Rei, Ouro Preto, Mariana,
Catas Altas, Congonhas do Campo, Diamantina, Sabará, Serro e Tiradentes

PÁGINA AO L A DO , DA E S QUER DA PA R A A D I R EI TA
A PRE S E NTAÇ ÃO DE BA NDA EM ES PAÇO PÚB LI CO D E
S ÃO JOÃO DE L - RE I.
FOTO : JOÃO RA M A L H O NE TO , 2 0 0 9 .

S INE IRO DA IGRE JA DE NO S S A S EN H O R A D O Ó ,


S A BA RÁ .
FOTO : C RIST INA L E M E , 20 0 7 .

S INE IRO JA IR E U STÁQU IO , S A B A R Á .


FOTO C RIST IT NA L E M E , 20 0 7 .

E S QU E RDA
TO RRE DA IGRE JA DE S ÃO F R A NCI S CO D E A S S I S ,
S ÃO JOÃO DE L - RE I.
FOTO : RIC A RDO DO S S A NTO S G O NÇA LV ES , 2 0 1 4 .

termos semelhantes, por Mikhail


Bakhtin, e que é possível resumir
no termo “circularidade”: entre
a cultura da classe dominante e
a das classes subalternas existiu,
na Europa pré-industrial, um
relacionamento circular feito de
influências recíprocas, que se movia
de baixo para cima, bem como
de cima para baixo (exatamente o
oposto, portanto, do “conceito de
absoluta autonomia e continuidade
da cultura camponesa” [...]
[...] É bem mais frutífera a
hipótese formulada por Bakhtin
de uma influência recíproca entre
a cultura das classes subalternas e
a cultura dominante. [...] Até que
ponto os eventuais elementos da
cultura hegemônica, encontráveis
na cultura popular, são fruto
de uma aculturação mais ou
menos deliberada ou de uma
convergência mais ou menos
espontânea e não, ao contrário,
dossiê iphan 16 { Toque dos Sinos e o Ofício de Sineiro em Minas Gerais } 44
tendo como referência as cidades de São João del-Rei, Ouro Preto, Mariana,
Catas Altas, Congonhas do Campo, Diamantina, Sabará, Serro e Tiradentes

S I N E I R A DONA A NG ELA, D IAM ANTINA.


FOTO: CRI STI NA LEME, 2007.

ressaltar a excepcionalidade de muito raro que uma mulher


São João del-Rei diante das toque sinos. Inclusive, dizem que
demais cidades inventariadas: mulher que toca sino não casa.
lá, como nas outras, não há As pesquisas revelaram que
associação de sineiros, apesar do as cidades do Serro, Sabará e
ofício estar previsto nas atividades Catas Altas são as que apresentam
regulares das igrejas. A profissão situação mais precária quanto
de sineiro não é reconhecida à continuidade das práticas
oficialmente no Brasil, mas, em sineiras. Nessas cidades, quem
São João del-Rei, a irmandade toca os sinos são fiéis que cuidam
responsável o contrata como um voluntariamente da igreja. Nelas,
funcionário, com carteira assinada, pode-se observar nitidamente
identificado como “auxiliar de uma interrupção na cadeia de
de uma inconsciente deformação serviços gerais” ou “sacristão”. transmissão do toque dos sinos
da fonte, obviamente tendendo Já nas outras cidades, mesmo que se relaciona a vários fatores
a conduzir o desconhecido ao que não haja uma contratação como envelhecimento, doença
conhecido, ao familiar?45 oficial para a realização dessa ou morte dos sineiros ou ainda,
Fazer falar ou cantar os tarefa, há quem se responsabilize a falta de manutenção dos sinos e
sinos é um saber e uma arte que por tocar os sinos: o sacristão das torres em muitas igrejas locais.
resultam de muitas influências ou um funcionário contratado Esses dois últimos aspectos são
mescladas e recriadas ao longo de ou ainda os sineiros de ocasião, muito ressaltados pela população
séculos. É também um trabalho todos atuando de maneira das cidades onde o toque dos sinos
que exige tempo e esforço de voluntária. Outra informação não se mantém da mesma maneira
quem a ele se dedica. Em relação pertinente é que esse é um ofício que em São João del-Rei, Ouro
ao trabalho dos sineiros, cabe masculino por excelência. É Preto e Diamantina, por exemplo.
dossiê iphan 16 { Toque dos Sinos e o Ofício de Sineiro em Minas Gerais } 45
tendo como referência as cidades de São João del-Rei, Ouro Preto, Mariana,
Catas Altas, Congonhas do Campo, Diamantina, Sabará, Serro e Tiradentes

A LTO
TORRES DA I G R EJ A DE SÃO FRANCISCO D E PAUL A,
OUR O P R ETO.
FOTO: P EDRO DAV I D, 2004.

B AI XO
TOQU E DO SI NO NA I GRE JA SÃO JOSÉ ,
C O NG ON HA S DO CAM PO.
FOTO: CR I STI NA LEME , 2007.

Considerando o grau de
complexidade que envolve a
forma de execução dos toques,
dedicamo-nos a uma melhor
Os toques, descrição deles, uma vez que
a classificação em festivos ou
seus segredos e fúnebres está relacionada à maior
suas mensagens ou menor aceleração de ritmo,
não envolvendo outros elementos.
Há outra possibilidade de
classificação dos toques que
muitos sineiros utilizam:
além de classificá-los em

O s toques dos sinos podem ser


classificados a partir de dois
critérios não excludentes: “ritmo”
no segundo caso – execução –,
os toques são obtidos com o sino
paralisado – repiques e pancadas –, ou
festivos e fúnebres, há aqueles
que são conhecidos como
toques do cotidiano.
e “execução”. com o sino em movimento – dobres. Os sineiros destacam que, para
No primeiro caso – o ritmo –, O dobre é simples quando o sino cai a correta execução dos toques,
os toques podem ser divididos em pelo lado em que está encostado é necessário observar a forma
festivos ou fúnebres (aqueles capazes o badalo, ocasionando uma só sonora (a estrutura do toque)
de, por sua sonoridade e ritmo, pancada em cada movimento. e a ocasião. É essa associação
evocar a reflexão sobre a conduta O dobre é duplo quando o sino, que permite a transmissão de
dos indivíduos no mundo e a caindo pelo lado contrário em que mensagens de maneira apropriada,
reflexão sobre o julgamento de está encostado o badalo, provoca duas ou seja, é o que garante a função
Deus no momento da morte); pancadas em cada movimento46. comunicativa dos sinos.
dossiê iphan 16 { Toque dos Sinos e o Ofício de Sineiro em Minas Gerais } 46
tendo como referência as cidades de São João del-Rei, Ouro Preto, Mariana,
Catas Altas, Congonhas do Campo, Diamantina, Sabará, Serro e Tiradentes

S INO DA IGRE JA DE NO S S A S E N H O R A D O
A M PA RO C O M V ISTA DO S T E L H A D O S AO F UN D O ,
DIA M A NT INA .
FOTO : C RIST INA L E M E , 20 0 7.

sequência, se utilizam de pancadas


e repiques, descritos a seguir.
Pancadas ou Badaladas – percussão
do badalo na campânula, provocada
pelo movimento do badalo em um
Toques com o único sino. Essa execução deu origem
sino paralisado a vários toques, por exemplo,
o Toque de Entrada que são de 18
a 80 pancadas espaçadas no sino
pequeno da igreja em que se celebrará
a missa, seguidas por pancadas
mais rápidas e menos espaçadas,
cujo número indica quem será o

A percussão do badalo na bacia do


sino paralisado pode ser feita
com a própria mão ou através de
celebrante: padre – três pancadas;
pároco – quatro pancadas; bispo –
sete pancadas; arcebispo –
uma corda. nove pancadas; papa – 14 pancadas.
Essa percussão produz vários Outro exemplo é o Toque de
tipos de toques de acordo com a Ângelus, um toque do cotidiano para
quantidade de sinos utilizados para chamar os fiéis a rezar em memória
sua obtenção: as pancadas ou badaladas da Anunciação à Virgem Maria.
(executadas em um único sino) e os Trata-se de três séries de três
repiques (executados em, no mínimo badaladas/pancadas espaçadas,
dois sinos, idealmente, em três). totalizando nove pancadas espaçadas
Há uma série de toques que, em sua no sino principal das igrejas, às 12,
dossiê iphan 16 { Toque dos Sinos e o Ofício de Sineiro em Minas Gerais } 47
tendo como referência as cidades de São João del-Rei, Ouro Preto, Mariana,
Catas Altas, Congonhas do Campo, Diamantina, Sabará, Serro e Tiradentes

18 e 20 horas durante o ano todo, É no interior dessa forma A terentena é outro repique utilizado
exceto na Sexta-Feira Santa e no de execução do toque dos sinos para finalizar um conjunto de
Sábado de Aleluia. As pausas entre que podemos encontrar maior repiques e por isso também é
as séries permitem que se rezem, possibilidade de apropriação e designado como repique conclusivo.
no intervalo entre cada uma, as três interpretação por parte dos sineiros. Há casos de repiques em
partes da oração do Ângelus (Anjo): Há vários repiques com o mesmo desuso: o Clens, o Tens-Tens e a
a Anunciação feita a Maria, a objetivo: anunciar novenas e missas, Terentena fúnebre. Eles devem ser
Aceitação e a Encarnação de além de exprimir contentamento acionados por ocasião da morte
Cristo. Cada uma dessas partes em ocasiões de festas religiosas de uma criança. Atribui-se a sua
é seguida da Ave-Maria. ou até mesmo de celebrações civis rara execução a diminuição da taxa
Repiques – há, igualmente, um importantes. Há repiques tocados de mortalidade infantil em todo o
vasto repertório de repiques, uma por ocasião de missas comuns e país. Esses são casos raros de repiques
vez que eles podem ser percutidos novenas cuja escolha fica a critério fúnebres (em geral, como o repique é
utilizando-se dois ou mais sinos. dos sineiros. São eles: Tencão do mais rápido, é comum associá-lo
Os repiques são frases rítmicas Rosário, Tencão da Boa Morte, a um momento festivo). Tem a
dançantes, tocadas na maioria das Tanquins, Tens-Tens, Tens-Tolins, mesma sequência dos repiques
vezes em três sinos de maneira Batucada, Batuquinho. Geralmente, só que sua execução é em ritmo
articulada. Segundo os sineiros, o sineiro combina o repique com lento e pianíssimo. Há sineiros
o sino pequeno (mais agudo) faz a outros toques, por exemplo, que afirmam que o toque pode ser
marcação, o médio (denominado o principiada que, como o próprio traduzido na parlenda: “Não chora
pelos sineiros de meião) pergunta, nome diz, tem a função de não, que eu vou pro céu, não chora
e o grande (mais grave) responde. introduzir um conjunto de repiques. não que eu vou pro céu...” ou “Pode
Essa explicação, que define a Constitui-se de pancadinhas iguais vir que é muito bom, pode vir que
estrutura musical dos repiques, dadas no sino pequeno, em seguida é muito bom” ou, então, “Vem,
é de autoria dos próprios sineiros. no médio e, por último, no grande. vem, sozinho sem mais ninguém”.
dossiê iphan 16 { Toque dos Sinos e o Ofício de Sineiro em Minas Gerais } 48
tendo como referência as cidades de São João del-Rei, Ouro Preto, Mariana,
Catas Altas, Congonhas do Campo, Diamantina, Sabará, Serro e Tiradentes

D I R E I TA
TO R RE DA I G R EJ A DE SÃO FRANCISCO D E AS SIS,
M A R I ANA .
FOTO: P EDR O DAV I D, 20 04.

PÁG I NA AO LADO
S E QU ÊNCI A DO TOQU E DO SINO DA IGRE JA DE SÃO
F R A NCI SCO DE A S SI S, MARIANA.
FOTOS: P EDR O DAV I D, 2004.

Toques com
o sino em
movimento

O acionar dos sinos


manualmente produz o seu
movimento, que pode chegar a
fúnebres e festivos é determinante
o ritmo desse movimento.
Há, por exemplo, o dobre
pertenceu a mulher. O dobre
fúnebre para homem contém
três séries ao invés de duas.
provocar a rotação em torno do fúnebre para mulher que Os sineiros de Ouro Preto
próprio eixo – são os dobres. se constitui de duas séries contam que quando a capital
O dobre fúnebre ou festivo é de dobres simples (uma do Estado de Minas Gerais foi
dado quando o sino em movimento pancada), começando pelo sino transferida para Cidade de
provoca a percussão do badalo menor, depois para o médio Minas, hoje Belo Horizonte,
uma ou duas vezes em cada e, em seguida, para o maior, em 1897, os sinos de Ouro
rotação do sino. Uma vez, dobre descaindo-se os sinos depois Preto dobraram tristemente.
simples. Duas vezes, dobre duplo. de cada série. É executado na Uma última informação
Para a distinção entre os dobres igreja sede do sodalício a que sobre a execução dos dobres.
dossiê iphan 16 { Toque dos Sinos e o Ofício de Sineiro em Minas Gerais } 49
tendo como referência as cidades de São João del-Rei, Ouro Preto, Mariana,
Catas Altas, Congonhas do Campo, Diamantina, Sabará, Serro e Tiradentes

Para que eles ocorram é necessário que o sineiro não enrole a toques e pancadas assim
“catar” o sino, ou seja, corda na mão. Se ele o fizer, como por um conjunto de
colocá-lo a pique, com a boca o movimento e o peso do sino dobres ou pancadas regulares
para cima, ou ainda, de cabeça podem içá-lo para fora da torre. na bacia interna do sino.
para baixo. É uma habilidade Segundo os depoimentos
conquistada pelos sineiros e A equipe de pesquisa responsável pela recolhidos ao longo da pesquisa
motivo de desafio entre eles. sistematização dos dados de toda a de campo, para uma boa expressão
Para se catar o sino é preciso ter informação produzida concluiu: dos toques é necessário que
prática: fica-se de pé na sineira da É notório que em São João del-Rei os haja em cada torre um mínimo
torre e leva-se o sino, com uma toques de sinos compõem um conjunto de três sinos, o mais grave
das mãos para fora, até que ele, muito mais numeroso e complexo (maior), o médio (designado
pelo próprio balanço e impulso, se comparado às demais cidades meião) e o agudo (o menor).
fique de boca para cima. Não consideradas no inventário. Além disso, Só assim é possível executar os
há proteção alguma enquanto o em São João del-Rei, os toques têm repiques de forma completa.
sineiro executa a “catada”. estrutura bem determinada e, ainda Portanto, há a imaterialidade
A alternativa mais segura é que se permitam pequenas variações dessa forma de expressão, sonora
colocá-lo a pique por meio do ou ornamentos em sua execução, a sua e etérea; e há a imaterialidade
garfo, mas fazê-lo não constitui estrutura permanece perfeitamente do “saber tocar” que é o
desafio para os sineiros. reconhecível. Assim, em São João conhecimento dos sineiros, mas
Amarra-se uma corda ao garfo, del-Rei, há de fato um repertório há a materialidade das torres,
preso ao cabeçote, e puxa-se o vasto de toques de sinos, campanários e sinos.
sino até que, pelo seu próprio constituídos e mantidos. Por isso, algumas observações
movimento, ele vire de cabeça acerca do espaço – torres –,
para baixo. Apesar de mais Outros toques são formados e do bem material – os sinos –,
segura, essa alternativa requer por agrupamento de repiques, se fazem necessárias.
dossiê iphan 16 { Toque dos Sinos e o Ofício de Sineiro em Minas Gerais } 50
tendo como referência as cidades de São João del-Rei, Ouro Preto, Mariana,
Catas Altas, Congonhas do Campo, Diamantina, Sabará, Serro e Tiradentes

PAGINA AO L A DO , DA E S QU E R DA PA R A A D I R EI TA
C A PA DA PU BL IC AÇ ÃO C O NST I T UI ÇÕ ES P R I MEI R A S
DO A RC E BIS PA DO DA BA H IA .
FOTO : AC E RVO S E - M G IPH A N .

V ISTA PA RC IA L DO C O NJUNTO UR B A NO D E
DIA M A NT INA , C O M A TO RRE DA I G R EJ A D E NO S S A
S E NH O RA DO RO S Á RIO E M DE STAQUE E AO F UN D O
S E RRA DO E S PINH AÇ O .
FOTO : C RIST INA L E M E , 20 0 7.

badalo, quando percutido em sua seu uso na Gália, no período da


parte interna, ou por martelo, Renascença carolíngia, quando
quando percutido em sua os sinos ascenderam às torres
superfície externa; para comunicação e defesa.
há outras referências na literatura, André Dangelo chama a atenção
e em documentos de época, para que, por questões de
Os sinos sobre a existência de sinais sem, defesa, havia sinais codificados
necessariamente, a referência pelos habitantes das aldeias que
aos sinos. eram alertados pelos sinos 47.
É possível encontrar Também há referências de seu
referências históricas dos sinos emprego em território britânico
de bronze no Ocidente e de seu pelos beneditinos em séculos
emprego pela Igreja Católica posteriores. Há informações

A palavra sino vem do latim


signum, sinal; instrumento
de bronze com a figura de um
desde o século V da Era Cristã.
Paolino de Nola os utilizara em
Campânia, na diocese de
que no século VIII o sumo
pontífice Estevão II dotou a
Basílica de São Pedro de três
vaso cônico invertido (diz-se Nola situada, por sua vez, sinos. No século seguinte, seu
obcônico), que produz sons na província de Nápoles. uso se difundiu em catedrais e
que podem ser mais ou menos Alguns afirmam que a designação paróquias. Com a ampliação de
fortes, agudos ou graves, afinados “campana”, como sinônimo de seu emprego, a torre sineira se
em diferentes notas musicais sino e seu correlato, campanário, torna um referencial urbano
dependendo do diâmetro de sua tem sua origem no fato desse uma vez que sua verticalização
boca e da espessura de sua bacia. objeto ter sido primeiramente e altura implicavam uma
Esses sons podem ser obtidos utilizado naquela região. maior capacidade de propagar
por intermédio de peça sólida, Há referências posteriores de mensagens sonoras.
dossiê iphan 16 { Toque dos Sinos e o Ofício de Sineiro em Minas Gerais } 51
tendo como referência as cidades de São João del-Rei, Ouro Preto, Mariana,
Catas Altas, Congonhas do Campo, Diamantina, Sabará, Serro e Tiradentes

Há notícias sobre a presença de


sinos nos campanários das igrejas
na América portuguesa desde o
início da colonização. Tratando-se
de uma monarquia católica em
que a espada e a fé caminhavam
juntas48, os sinos são uma realidade
no território americano, assim
como em outras áreas desse império
português pluricontinental.
Sabe-se que a Igreja Católica
em Portugal decidiu codificar a
utilização dos sinos: A linguagem
sineira, do Cerimonial Seráfico da o bispo trouxera consigo sinos, nas igrejas paroquiais.
Ordem Franciscana, editado em alfaias para os serviços eclesiásticos Há, nessa documentação,
Portugal, no início do século XVIII. e demais ornamentos para o referência aos sinos:
Nessa obra, foram registrados mais serviço do culto divino49.
de 50 tipos de toques utilizados Também nas Constituições [...] havendo-se de edificar de novo
nas mais diversas ocasiões e Primeiras do Arcebispado da alguma Igreja paroquial em nosso
eventos do universo católico. Bahia, documento já citado Arcebispado, se edifique em sítio
Há documentos que fazem neste texto, o arcebispo alto, e lugar decente [...] Terão
referência à chegada de D. Pero da Bahia, D. Sebastião Pias Batismais de pedra, almarios
Sardinha, primeiro bispo a assumir Monteiro da Vide, elaborou para os Santos Óleos, pias de agoa
a diocese de Salvador, em 1552. regulamentação referente santa, um púlpito, confessionários,
Segundo essa documentação, às edificações e reparações sinos50e Casa de Sacristia.51
dossiê iphan 16 { Toque dos Sinos e o Ofício de Sineiro em Minas Gerais } 52
tendo como referência as cidades de São João del-Rei, Ouro Preto, Mariana,
Catas Altas, Congonhas do Campo, Diamantina, Sabará, Serro e Tiradentes

DA E S QU E RDA PA RA A DIRE ITA


DE TA L H E DO S INO DA IGRE JA MAT R I Z NO S S A
S E NH O RA DA C O NC E IÇ ÃO , C O NG O N H A S D O
C A M PO .
FOTO : C RIST INA L E M E , 20 0 7.

DE TA L H E DO S INO DA IGRE JA MAT R I Z D E MI LH O


V E RDE , S E RRO .
FOTO : C RIST INA L E M E , 20 0 7.

V ISTA DO S INO NA IGRE JA M AT R I Z, S A B A R Á .


FOTO : C RIST INA L E M E , 20 0 7.

O responsável pela fabricação base de alvenaria sobre a qual


do sino é um artesão geralmente se molda com barro (solo de
denominado fundidor, ou ainda massapé e esterco de animais) o
mestre fundidor; mas também pode chamado sino falso ou macho.
O processo ser chamado de sineiro. O barro adquire a forma do
A ele cabe determinar as dimensões, sino por meio de um molde de
de produção o formato, a sonoridade e demais madeira denominado torno,
dos sinos características do sino. Todos bandeira, costela ou chapelona
esses elementos incidem sobre a que é passado sucessivas vezes
afinação do sino. Cada sino tem sobre o barro até que a superfície
sua afinação em uma nota musical fique lisa, dando o formato
que é determinada pelas dimensões, característico do sino.
formas geométricas, o diâmetro da Após o alisamento dessa
DESCRIÇÃO FÍSICA E DE SUAS boca e a espessura da aba – a boca superfície de barro, passa-se o
ESPECIFICIDADES MUSICAIS do sino –, onde o badalo bate, unto, que corresponde a uma
(TOM/AFINAÇÃO E ALTURA) provocando a reverberação do som. mistura de água e cinza ou, ainda,
Depois de verificada a o luto, quando a mistura é à base

E ncontram-se envolvidos no
processo de produção de sinos
cerca de uma dezena de artesãos e sua
viabilidade da encomenda, as etapas
de fabricação são praticamente as
mesmas desde o século VII da Era
de clara de ovo, manteiga, pelo
de cavalo e argila. Sobre um ou
outro serão fixados os elementos
fabricação dura, em média, de 30 a 50 Cristã. Constitui um processo de ornamentação do sino.
dias. A fundição de sinos só ocorre por que se reproduz há 1.400 anos. Nesse momento, o mestre
encomenda, que pode ser da própria As etapas de fabricação são: fundidor prende, na superfície,
Igreja, das associações religiosas laicas primeiro, faz-se o cálculo da os frisos, desenhos, frases,
ou ainda de um doador52. “costela” do sino. Faz-se uma textos e demais elementos
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tendo como referência as cidades de São João del-Rei, Ouro Preto, Mariana,
Catas Altas, Congonhas do Campo, Diamantina, Sabará, Serro e Tiradentes

preenche o lugar da cera (por isso desenterrados, os moldes


a denominação do processo: cera quebrados e inicia-se a limpeza
perdida) e o espaço do sino falso. e polimento da campânula com
Há informações de que quando esmeril, lima e talhadeira.
o bronze liquefeito começa a Por último, fixa-se o badalo
correr para os moldes, o fundidor que é fundido separadamente.
recita uma oração (transmitida Anteriormente, os badalos eram
pela pessoa que lhe ensinou os fixados com cordas de couro, hoje
segredos da fundição do sino). a maior parte utiliza o sisal.
Em casos de sinos destinados O sino, também chamado de
a igrejas, há alguns sineiros que, campana, é composto, grosso modo,
na composição da liga que forma de três partes (A) coroa ou asa,
o bronze, acrescentam uma (B, C e D) bacia e (E) badalo.
decorativos que lhe foram determinada quantidade de palha A bacia é a parte de metal que tem
encomendados e que foram benta moída para evitar que o a forma obcônica característica
esculpidos previamente em cera. sinto trinque durante a fundição. do sino. A sua parte inferior é
Terminada essa etapa, o sino Essa prática decorre da crença denominada “boca” (D). O tamanho
é coberto com outra mistura feita de que os demônios destroem os de seu diâmetro tem relação com
com pelos de animais e outros sinos não consagrados. Seriam o tom e a afinação do sino53.
materiais adequados para que o sinos com a alma pesada ou sem A coroa ou asa é a parte superior
sino não trinque. Em seguida, alma, o que é muito pior. do sino, formada por alças por
recebe outra camada de argila. Depois da etapa de meio das quais o sino é preso ao
Esse molde é enterrado. esfriamento, que leva no cabeçote (peça de madeira) e ao
Quando o bronze liquefeito é mínimo 24 horas dependendo eixo que lhe dá sustentação.
derramado entre os moldes, ele de seu tamanho, os sinos são Seu formato tem se modificado
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tendo como referência as cidades de São João del-Rei, Ouro Preto, Mariana,
Catas Altas, Congonhas do Campo, Diamantina, Sabará, Serro e Tiradentes

para se adequar ao formato dos de sisal. As suas extremidades O BATISMO DO SINO54


carrilhões. Essa peça – a coroa ou têm formatos distintos: uma
asa –, segundo consta, não interfere em formato de âncora que se A literatura especializada nos
no som dos sinos. Em caso de sinos prende à coroa do sino e a outra informa que o batismo dos sinos,
mais leves, há duas hastes em cada arredondada. Em São João del- em épocas mais remotas, era
lado da coroa. Para os mais pesados, Rei, essa parte arredondada, realizado por bispos e que, além
há quatro hastes de cada lado. em geral, apresenta um orifício deles, apenas os padres podiam
O badalo é a haste de ferro onde é preso um gancho, em tocar nos sinos. Batizados com água
que faz o sino percutir. Sua forma de S, muito utilizado para benta, os sinos adquiriam o poder,
fixação na parte superior da dar outros efeitos sonoros aos acreditava-se, de espantar tudo que
bacia do sino é feita por meio repiques. Esse gancho foi uma se relacionava à ideia de destruição:
de tiras de couro cru ou cordas “invenção” dos sineiros da cidade. afastavam-se todos os maus
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tendo como referência as cidades de São João del-Rei, Ouro Preto, Mariana,
Catas Altas, Congonhas do Campo, Diamantina, Sabará, Serro e Tiradentes

PÁG I NA AO LADO
C E R I MÔN I A DE B ENÇÃO D O SINO DA IGRE JA DE
S ÃO F RANCI SCO DE AS SIS, SÃO JOÃO D E L - RE I.
FOTO: RI CARDO DOS SANTOS GONÇ ALVE S, 2014.

A BA I XO, DA ESQU ERDA PARA A DIRE ITA


S E QU ÊNCI A DA B ENÇÃO DO SINO.
FOTO: RI CARDO DOS SANTOS GONÇ ALVE S, 2014.

presságios e demônios da região até sino é batizado: “Esse sino está a boca do sino, preenchendo-o
onde o som do sino alcançasse; o seu sendo consagrado ao profeta Elias com uma nuvem de perfume.
batismo também era uma garantia Carmelo”. Então o nome dele será Além da presença do bispo e de
à sua integridade física, sendo Elias. “Elias que a tua voz chame outros membros da Igreja, havia o
afastados os raios e as tempestades. a todos à oração”. Outra cruz. padrinho e a madrinha do sino a
Após a bênção com a água benta, “Elias que a tua voz chame nas quem se atribuía a tarefa de escolher
eram utilizados os Santos Óleos tempestades ou nas calamidades”. o seu nome. Esses procedimentos e
(dos enfermos e de Crisma) para “Elias que a tua voz chame pelos diretrizes se encontram estabelecidas
fazer sete cruzes no exterior e moribundos” e faz depois as cruzes no Pontifical Romano. Depois
quatro cruzes no interior.55 Aluízio internas56. Na sequência, incenso e desse processo de consagração,
Viegas ressalta que, entre cada um mirra eram queimados no turíbulo os sinos são instalados nas torres,
dos sinais feitos com as cruzes, o aceso para esse fim e colocado sob como veremos a seguir.
dossiê iphan 16 { Toque dos Sinos e o Ofício de Sineiro em Minas Gerais } 56
tendo como referência as cidades de São João del-Rei, Ouro Preto, Mariana,
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A MONTAGEM DOS SINOS de ferro para dar segurança faz-se um corte reproduzindo o
E SUA COLOCAÇÃO NAS e sustentação aos giros feitos formato de uma canaleta por onde
TORRES SINEIRAS pelo sino quando dobra57. são encaixadas as pontas do eixo que
O eixo é, em geral, uma vara de sustenta o sino.
O cabeçote (A) é uma peça ferro passada por entre as alças ou O eixo deve ser preso numa altura
fundamental na engenharia hastes da coroa e do cabeçote. suficiente que permita que o
e percussão do sino. Dentre Essa vara é presa nas laterais das sino faça sua rotação completa.
suas funções, o cabeçote deve torres sineiras por meio de mancais58. Ainda preso ao cabeçote, temos
servir de contrapeso do sino Para o encaixe dos mancais nas torres o garfo (B) que auxilia na
durante os dobres. Em sua sineiras é feita uma cavidade na pedra movimentação do sino para os
extremidade superior é encaixado no formato exato do mancal, dobres. Amarra-se uma corda
um contrapeso que pode ser e imediatamente acima desse mancal em sua extremidade que, quando
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tendo como referência as cidades de São João del-Rei, Ouro Preto, Mariana,
Catas Altas, Congonhas do Campo, Diamantina, Sabará, Serro e Tiradentes

E SQU ERDA
C O LOCAÇÃO DO SI NO NA IGRE JA M ATRIZ D E NOS SA
S E N HOR A DA CONCEI Ç ÃO, C ATAS ALTAS.
FOTO: P EDRO DAV I D, 2004.

D I REI TA
I N SCR I ÇÃO DO SI NO DA FUNDIÇ ÃO JOSÉ VAL E NTIM
O NOF R E, EM 1883, I G RE JA M ATRIZ DE NOS SA
S E N HOR A DA CONCEI Ç ÃO, C ATAS ALTAS.
FOTO: P EDRO DAV I D, 2004.

acionada dá início ao movimento censurar os das outras pessoas. O elo proibidas, especialmente,
dos sinos, obrigando o badalo pelo qual o badalo está ligado ou unido as relacionadas à fundição de
(C) a tocar no interior do sino. ao sino é a meditação; a mão que ata o materiais auríferos passíveis
Cabe ressaltar um interessante badalo denota a moderação da língua. A de serem contrabandeados.
registro, datado do século XIII, madeira da estrutura na qual o sino está Quando havia alguma demanda,
indicativo de como a Igreja pendurado significa o madeiro da Cruz geralmente motivada por
carregava os sinos de simbolismo. de Nosso Senhor. O ferro que o liga à necessidades de defesa – como a
Segundo consta, Durandus, bispo madeira denota a caridade do pregador fabricação de canhões –,
de Mende, teria afirmado em 1286: que, estando inseparavelmente ligado a Coroa Portuguesa controlava
à cruz, exclama: “Longe esteja ela de essas atividades de perto. Não
O sino denota a fala do pregador, de mim para a glória, excepto na Cruz do foi outro o caso da metalurgia
acordo com as palavras de São Paulo: Senhor”. que se desenvolveu no Morro de
“Eu me tornei como um metal sonante Os pinos que ligam a estrutura de Araçoyaba, atual município de
ou um címbalo tilintante”. A dureza do madeira são os oráculos dos profetas. Iperó, na região de Sorocaba,
metal significa a fortaleza da mente do O martelo fixado à estrutura pela interior de São Paulo60.
pregador, de acordo com essa passagem: qual o sino é tangido significa a mente A historiografia que trata do
“Dei a ele uma testa mais dura que a sua recta do pregador, por meio da qual tema afirma que o português
própria testa”. O entrechocar do ferro ele atende rapidamente ao Divino Afonso Sardinha descobriu
que, ao bater em ambos os lados, produz comando e, pelas frequentes batidas, minério de ferro na região e
o som denota a língua do pregador o inculca nos ouvidos dos fiéis.59 que, com a devida autorização
que, com o ornamento da sabedoria, da Coroa Portuguesa, sempre
faz ressoar ambos os Testamentos. A FUNDIÇÃO que necessário, fazia funcionar o
batida dos sinos denota que o pregador que viria a ser conhecida como a
deveria, antes de tudo, combater os seus À época colonial, quaisquer primeira metalurgia da América
próprios vícios e corrigi-los para depois atividades industriais eram portuguesa no século XVI.
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tendo como referência as cidades de São João del-Rei, Ouro Preto, Mariana,
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C AM PANÁ RIO DA IGRE JA NO S S A S E NH O RA DO PÁGINA AO L A DO , DA E S QU E R DA PA R A A D I R EI TA


ROSÁRI O , S A BA RÁ . VISTA DOS SINOS DO CAMPANÁRIO DA IGREJA DE
FOTO: C RIST INA L E M E , 20 0 7. NOSSA SENHORA DA GLÓRIA, PASSAGEM DE MARIANA.
FOTO : PE DRO DAV ID, 20 0 4.

V ISTA DO C A M PA NÁ RIO E X T ER NO DA CA P ELA D E


S A NT ’A NNA , M A RIA NA .
FOTO : PE DRO DAV ID, 20 0 4.

CAMPANÁRIO DA IGREJA MATRIZ DE MILHO VERDE, SERRO.


FOTO : C RIST INA L E M E , 20 0 7.

BA IXO
IGRE JA DE NO S S A S E NH O RA D O R O S Á R I O D E S ÃO
GO NÇ A LO , S E RRO .
FOTO : DJA L M A C O RRÊ A , 20 0 5 .

Há documentos que comprovam instalaram no país, todas, salvo [...] Publicou um folheto intitulado
que o então governador das Minas engano, de origem familiar e De Campanis et Precipuis Usibus.
das Capitanias do Sul, Francisco que faziam questão de manter Dava consultas sobre o assunto
de Souza, encaminhou Afonso a transmissão dessa prática no de sua especialidade, orientava
Sardinha e seu filho para proceder interior da própria família, quase gratuitamente os fregueses, e, através
à análise do minério encontrado como um segredo61. Aluízio Viegas de um impresso anexo aos sinos a serem
na região. Cerca de 200 anos mais destaca o fundidor Alberto de entregues aos compradores, tentava
tarde, em 1810, essa metalurgia Samassa vindo da Itália com sua controlar a qualidade de seus produtos
passa a ser a Real Fábrica de família para o Brasil em 1937 e pedindo informações sobre o sino que
Ferro de Ypanema, controlada se fixando em Sorocaba, interior fundira e que estaria em uso (mas
pelo governo português recém- de São Paulo, onde estabeleceu quase ninguém as mandava).63
instalado na América. A data a fundição Pró-Arte Sacra que
mais antiga que se tem registro da passou a se denominar, anos Em 1959, a família Crespi se
fundição de sinos é a do ano de mais tarde, de Sinos Samassa fixou em São Paulo, onde mantém
1589: o sino foi confeccionado Ltda. Ao longo dos anos em que sua fundição até os dias atuais64.
por essa metalúrgica na região de permaneceu no Brasil, editou a Desde 1918, a família Angeli
Sorocaba. Também há notícias de revista Música Sacra. Nela, publicava já desenvolvia suas atividades
um fundidor chamado Francisco artigos sobre a arte e a ciência de fundição em São Paulo.
Bernardes de Souza, responsável da campanologia defendendo Conseguimos identificar hoje,
pela fundição dos sinos das Igrejas que os sinos fossem afinados de além da Indústria de Sinos Crespi,
do Carmo e de São Francisco acordo com as leis da física e da a fundição Cláudio & Manuel do
no início do século XIX em São harmonia.62 Maria do Carmo Sino atuando no Rio de Janeiro65,
João del-Rei. Ao longo dos anos Vendramini destaca o esmero e a RSR Sinos no interior do Estado
e, principalmente, a partir do cuidado de Alberto Samassa com de São Paulo66 e a Fundição
século XX outras fundições se a fundição de sinos. Ela afirma: Artística Sinos Uberaba67.
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AS TORRES SINEIRAS

A prática do toque dos sinos


ocorre, em sua grande maioria,
nas torres de igrejas e capelas,
denominadas campanários ou
torres sineiras. As torres têm como
função principal abrigar os sinos
e constituem a parte saliente,
de sentido vertical, da edificação
religiosa. Quando não há torre,
os sinos são instalados num
espaço superior, junto do frontão
(empena) da igreja (internamente,
acima do espaço ocupado pelo
coro) ou ainda numa pequena
construção independente próxima
à edificação religiosa. As torres
são variadas e têm relação com as
diferentes formas de cobertura e
com a própria planta do edifício.
Podem ser circulares, quadradas,
retangulares ou octogonais.
Geralmente têm quatro vãos
abertos onde se instalam os sinos.
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tendo como referência as cidades de São João del-Rei, Ouro Preto, Mariana,
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Os peitoris têm altura variada e são onde a torre passa a ser um elemento a arquitetura é a escrita principal,
chamados de sineiras. essencialmente vertical, de modo a a escrita universal69. Portanto,
Quando esses vãos são fechados por propagar melhor a mensagem sonora. dedicar uma parte deste capítulo
madeira, denomina-se A partir desse momento, a torre sineira às torres é reconhecer que a
janela-sineira. Sobre a história das torna-se um referencial urbano e espacial existência humana produz espaços
torres, André Dangelo afirma: ao qual aliam-se ora a força da fé cristã, físicos e de sociabilidade. Nas
ora a representação do poder comunal.68 palavras de Leonardo Benévolo:
[...] Carlos Magno, no século VI,
fez anexar ao programa das igrejas O escritor Victor Hugo já Os edifícios religiosos [...]
as torres com funções de defesa e sinalizava no século XIX em sua desenvolvem, no organismo da
comunicação [...], [desenvolvendo] obra Notre-Dame de Paris que até a cidade, uma função singular [...].
[...] um novo partido arquitetônico invenção da imprensa, Como se sabe, as igrejas e os espaços
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tendo como referência as cidades de São João del-Rei, Ouro Preto, Mariana,
Catas Altas, Congonhas do Campo, Diamantina, Sabará, Serro e Tiradentes

PÁG I NA AO LADO, ESQUE RDA, ALTO


I G REJ A DE SÃO G ONÇALO, SE RRO E IGRE JA SANTA
R I TA , SER RO.
FOTOS: CR I STI NA LEME , 2007.
E SQU ERDA, B A I XO
I G REJ A NOS SA SEN HORA D O ROSÁRIO D OS PRE TOS,
T I R ADENTES.
FOTO: ACERVO TÉCN ICO IPHAN, 2008.
P ROCI S SÃO NA SEMA NA SANTA, SÃO JOÃO DE L - RE I.
FOTO: J OÃO R AMA LHO NE TO, 2009.

AO LADO, DA ESQU ERDA PARA A DIRE ITA


I G REJ A SÃO P EDR O DOS C L É RIGOS, M ARIANA.
FOTO: P EDRO DAV I D, 2004.
I G REJ A SÃO J OSÉ, CONGONHAS D O C AM PO.
FOTO: CR I STI NA LEME , 2007.

abertos adjacentes atendem a muitas homens é capaz de comunicar o céu e a terra e são, portanto,
necessidades da vida pública, além dos inúmeras relações que não são o ponto de comunicação entre
estritamente religiosos: assembleias, meramente arquitetônicas, mas ambos. Para muitos, a voz do
festas, espetáculos teatrais adquirem que são sociais e culturais e, sino é um chamado de Deus e as
um valor alegórico ao qual corresponde portanto, passíveis de leitura e torres são as portas do céu, por
um especial empenho arquitetônico.70 compreensão72. Entre elementos onde se passa das trevas à luz.
da arquitetura, pode-se destacar Diferentemente de outras
Sobre esse aspecto é Victor Hugo a cor, a simetria, a proporção e, cidades brasileiras, onde
que ainda nos esclarece, por meio no caso especificamente de nossas a verticalização de muitas
do diálogo protagonizado pelo torres, sua estrutura. As torres construções obliteraram as
arcediago, que, ao ser inquirido que se projetam verticalmente torres das igrejas, antigos marcos
sobre o que são os livros, abre uma no espaço e abrigam os sinos de referência na paisagem
das janelas do recinto e aponta para são capazes de nos levar ao rés urbana, como o sítio pesquisado
igreja de Notre-Dame dizendo do céu. Ao abrigar os sinos, é tombado, as nove cidades
“Aqui tendes um”71, fazendo as torres fazem a conexão com inventariadas ainda mantêm
referência a um momento em que a espiritualidade numa clara suas igrejas e torres como
o fazer humano era registrado não representação da opulência referenciais urbanos, compondo
pela palavra impressa, mas pela do Divino. Os sinos em suas com as montanhas de Minas,
palavra construída em pedra, numa torres expressam, através da uma belíssima paisagem.
clara alusão de que a arquitetura materialidade de seu bronze, Além da referência espacial,
também é capaz de informar sobre a imaterialidade do chamado como a população nessas cidades
as representações, práticas e ideias Divino. Quando presos nos reconhece a sonoridade de cada
de uma determinada época. campanários de nossas numerosas sino, essa paisagem que é sonora
Amos Rapoport já sinalizava igrejas, os sinos evocam tudo traz referências de proximidade
que o espaço construído pelos aquilo que está suspenso entre ou distanciamento espacial.
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tendo como referência as cidades de São João del-Rei, Ouro Preto, Mariana,
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A identificação da propriedade da cidade73. Na lateral direita, adorar Jesus sacramentado


sonora dos sinos é possível o sino da Irmandade é, depois dos sacramentos, a
devido ao fato das igrejas, nessas das Almas, batizado primeira de todas as devoções,
cidades, terem sido erigidas como Daniel, no fundo o a mais agradável a Deus e a mais
pelas confrarias e irmandades sino menor pertencente útil para toda a cristandade74.
dedicadas ao culto de santos. também à Irmandade da No caso da Igreja do Carmo,
Existem casos de igrejas que Boa Morte, usado em todos também em São João del-Rei,
foram erigidas por várias os dobres fúnebres e repiques conta-se que durante muitos
delas. Sendo assim, cada uma festivos; na lateral esquerda anos só havia sinos na torre
dessas associações levou para o sino novo ou da Fábrica. esquerda, porque a torre
os campanários seus sinos. Na torre esquerda da matriz direita ficava próxima da área
Exemplifiquemos com o caso do Pilar, o sino que ocupa o de prostituição da cidade75.
da Matriz do Pilar de São João lugar de destaque, o da frente, Nesse caso, como nos demais,
del-Rei que sedia diversas é justamente o da irmandade a colocação dos sinos nos
irmandades. Na torre do lado mais importante dentre todas, campanários e sua disposição nas
direito da Catedral do Pilar, a do Santíssimo Sacramento. torres não são um fato aleatório.
na frente, há o sino da Irmandade Segundo Fritz Teixeira de Salles, Elas representam uma hierarquia
dos Passos; na lateral direita, as Irmandades do Santíssimo atribuída pela sociedade a
o sino da Irmandade da Boa Sacramento eram obrigatórias essas associações leigas e que se
Morte e ao fundo, o sino menor, nas vilas e arraiais porque reproduz na organização
também desta última, representavam a autoridade espacial do interior desses
e batizado como João Evangelista. suprema da corte celestial. campanários. Portanto,
Na torre do lado esquerdo, Santo Afonso Maria de Ligório a disposição dos sinos no interior
na frente, o sino do Santíssimo corrobora essa compreensão, das torres das igrejas também
Sacramento, o mais importante afirmando que a devoção de é resultado de relações sociais,
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Catas Altas, Congonhas do Campo, Diamantina, Sabará, Serro e Tiradentes

PÁG I NA AO LADO, DA E SQUE RDA PARA A D IRE ITA


TORRE DA I G R EJ A DE NOS SA SE NHORA D O
R OSÁRI O, MI LHO V ER D E , SE RRO.
FOTO: CR I STI NA LEME , 2007.
TORRE DA CAPELA DE SANTA QUITÉRIA, CATAS ALTAS.
FOTO: P EDRO DAV I S, 2004.
TORRE DA I G R EJ A DE NOS SA SE NHORA D O
R OSÁRI O, SÃO J OÃO DE L - RE I.
FOTO: J OÃO R AMA LHO NE TO, 2009.

AO LADO, DA ESQU ERDA PARA A DIRE ITA


TORRE. IGREJA NOSSA SENHORA DO CARMO, OURO PRETO.
FOTO: P EDRO DAV I D, 2004.
TORRE. I G R EJ A NOS SA SE NHORA DO PIL AR,
S ÃO J OÃO DEL-R EI .
FOTO: ACERVO TÉCN ICO IPHAN.

econômicas, políticas, culturais Senhora do Carmo, hoje Mariana,


engendradas por essa sociedade. Recorte em direção ao arraial de Camargos.
As torres são os espaços de Sem que se soubesse o que lhe
aprendizagem dos toques dos territorial aguardava, o bispo ultimava os
sinos. São a sala de aula dos da pesquisa: preparativos para finalizar a primeira
aprendizes. Em São João del-Rei etapa de sua segunda visita pastoral à
é recorrente se destacar que o do sertão dos região da capitania de Minas Gerais,
amplo tamanho das torres é mais Cataguases então sob sua jurisdição. [...]
um dos elementos que contribui No entanto, ao contrário do que era
para o desenvolvimento dessa às cidades de esperado, e à medida que se adiantava
forma de expressão. Minas Gerais a hora da partida, frente aos moradores
Os jovens sineiros estabelecem que atônitos já se aglomeravam pelas
que primeiro, antes de tocar os vielas para prestar reverências à
sinos, é necessário ouvir. Os pés de hoje cobrem esses lajedos sem comitiva que estava prestes a se retirar
Pode-se observar pela pensar que houve um tempo em que se da vila, os “costumados repiques dos
documentação audiovisual que andava como se essas calçadas fossem sinos” tanto da igreja matriz quanto das
acompanha o processo que além de brasas. Nos ovais das sineiras recortadas os demais localidades não se fizeram ouvir.
ouvir, o próprio corpo acompanha sinos silenciam suas bocas. Incorporaram [...] Inconformado com a quebra do
o toque dos sinos. Fora das torres, os bronzes das bacias anúncios que fizeram protocolo e com a desatenção pública
os aprendizes treinam em qualquer de outros dias, coroação de reis, rainhas à sua figura, o bispo, em vez de seguir
oportunidade: em enxadas, loucas, novenas, missas de agonia76. viagem, permaneceu no local onde deu
bicicletas, postes, latas, panelas, Caía a noite de 21 de junho de 1743 e, início a uma investigação para apurar o
não importa. O importante com toda a pompa, o bispo do Rio incidente. Descobriu que os badalos dos
é conseguir reproduzir de Janeiro, dom João da Cruz, sinos das igrejas haviam sido roubados em
determinado toque de sino. se preparava para deixar a vila de Nossa total afronta à sua dignidade de prelado.
dossiê iphan 16 { Toque dos Sinos e o Ofício de Sineiro em Minas Gerais } 64
tendo como referência as cidades de São João del-Rei, Ouro Preto, Mariana,
Catas Altas, Congonhas do Campo, Diamantina, Sabará, Serro e Tiradentes

IGRE JA DA A RQU IC O NFRA RIA D E S ÃO F R A NCI S CO ,


M A RIA NA .
FOTO : PE DRO DAV ID, 20 0 4.

[...] Imediatamente, o bispo mandou inventariadas nessa pesquisa, Destacamos, igualmente, que
tirar devassa para averiguar os culpados compondo uma paisagem visual e o toque dos sinos tem uma base
e o processo começou a tramitar sonora toda própria. Os sineiros territorial inventariada, mas
no Conselho Ultramarino.77 Eliseu e Rodrigo Hora, de Ouro não exclusiva. O território em
Preto, fazem questão de frisar questão é resultado de processos
O silêncio dos sinos das igrejas que só reclama do toque dos sinos que se desenvolveram em
da cidade de Mariana, quando da aquele que não é da cidade. diferentes conjunturas históricas
partida do bispo do Rio de Janeiro, Essa referência – o toque dos e que foram protagonizados
Dom João da Cruz, sinos – é reconhecida e apropriada por diferentes agentes.
nos conta muito do significado pela população sendo vetor e Nas nove cidades inventariadas,
dessa prática desde os Setecentos. produto de identidades que podem o toque dos sinos apresenta uma
Dom Paulo, em entrevista concedida ser definidas a partir de uma estreita relação com a história da
à equipe de pesquisa, afirma: determinada territorialidade. ocupação do território do sertão
“Eu diria que até o silêncio do O território inventariado durante a dos Cataguases. Essa trajetória
sino fala”. Moradores das cidades pesquisa não é um cenário onde pessoas, diz respeito ao desbravamento
inventariadas reiteram, repetidas coisas, construções estão alocadas dos sertões para o apresamento
vezes, que é possível não entender ou dispostas. É lugar de referência de índios, à descoberta de veios
determinado toque de sino, porque nele se constituíram, há muito, auríferos, ao estabelecimento
mas se eles não tocam no momento relações que nos falam sobre os modos de de muitos sodalícios nessa
esperado ou se tocam fora de vida de uma determinada comunidade. região em uma época em que
hora, algo está muito errado. É, assim, território cultural que não se o reino português vivenciava
Trata-se, portanto, de sons circunscreve a fronteiras o auge da cultura barroca,
e silêncios que são referências e limites estabelecidos exemplarmente representada no
plenas de significado para aquelas político-administrativamente governo de D. João V. Segundo
pessoas que vivem nas nove cidades pelos homens. Laura de Mello e Souza:
dossiê iphan 16 { Toque dos Sinos e o Ofício de Sineiro em Minas Gerais } 65
tendo como referência as cidades de São João del-Rei, Ouro Preto, Mariana,
Catas Altas, Congonhas do Campo, Diamantina, Sabará, Serro e Tiradentes

O que no litoral ou em velhos centros como mais recentemente os estudiosos, aluvional. social. Nesse sentido, se os primeiros anos
São Paulo de Piratininga se processara ao Carente de tradições e de memória, teve de pareciam indicar uma sociedade aberta à
longo de dois séculos – o devassamento, inventá-las a sua maneira. Num primeiro promoção social e ao talento individual, à
a ocupação, a sedimentação das gentes, momento, as normas e as regras foram maneira das sociedades de classes, os anos
o surgimento dos núcleos urbanos, das deixadas de lado, e, assim, homens de cor subsequentes retomaram princípios próprios
câmaras, da justiça real – não tomaria e mestiços puderam integrar instituições à sociedade de estados, características
nas Minas, mais do que algumas décadas. que, em princípio, impunham restrições do mundo do Antigo Regime.78
A sociedade que aí se formou teve as racistas ao seu ingresso como as câmaras, as
características de suas congêneres originadas irmandades de homens ricos e as santas casas Essas e outras características e
em frentes pioneiras e em regiões fronteiriças de misericórdia. Num segundo momento, circunstâncias forneceram as condições
ocupadas do dia para a noite: tensa, violenta, contudo, foi preciso recorrer a mecanismos para o desenvolvimento do toque dos
arrivista, movediça ou, como têm preferido que reforçassem as hierarquias e a estima sinos como uma referência cultural
dossiê iphan 16 { Toque dos Sinos e o Ofício de Sineiro em Minas Gerais } 66
tendo como referência as cidades de São João del-Rei, Ouro Preto, Mariana,
Catas Altas, Congonhas do Campo, Diamantina, Sabará, Serro e Tiradentes

I GR E J A DE SÃO J OSÉ, OURO PRE TO.


FOTO: P EDR O DAV I D, 20 04.

por meio da qual essa população foi se


constituindo de maneira identitária.
Em razão disso, podem nos fornecer
os elementos por meio dos quais a
população dessas cidades pleiteia o
reconhecimento do toque dos sinos
como patrimônio cultural do Brasil.
Isso porque, conforme a pesquisa
identificou, por vários processos, essas
características peculiares e experiências
locais são reconhecidas como comuns a
um largo espectro de pessoas num processo
que Benedict Anderson caracterizou de
maneira muito apropriada como o de em torno das categorias de fronteira e de nesse processo de singularidades e
pertença a uma nação compreendida soberania; ela é imaginada também porque, universalidades, a questão da devoção
como comunidade política imaginada79. por meio dessa faculdade imaginária, ela é religiosa e os inúmeros processos
Segundo essa abordagem, a nação é capaz de estabelecer e designar identidades.80 de migração e interiorização
imaginada porque, por menor que ela com suas respectivas aberturas de
seja, seus membros, jamais conhecerão a Portanto, sendo o toque dos fronteiras e conquistas de territórios
maior parte de seus conterrâneos. sinos, da forma como ocorre nessas empreendidas por aqueles homens e
E, a despeito disso, há uma ideia de conjunto, cidades, representativo de muitas mulheres que caminhavam em busca
de todo, de compartilhamento dentro de limites peculiaridades, ele é capaz de de melhores e novas oportunidades.
administrativos definidos e reconhecidos. promover nosso reconhecimento Uma abordagem historiográfica
Mas, com certeza, não restringiremos o como uma comunidade imaginada, mais tradicional sobre a constituição
termo imaginada às definições de nosso autor como brasileiros. Destacamos, das vilas e arraiais nesse território
dossiê iphan 16 { Toque dos Sinos e o Ofício de Sineiro em Minas Gerais } 67
tendo como referência as cidades de São João del-Rei, Ouro Preto, Mariana,
Catas Altas, Congonhas do Campo, Diamantina, Sabará, Serro e Tiradentes

D E TAL H E DO S INO DA IGRE JA DE NO S S A S E NH O RA


D O RO S Á RIO , C ATA S A LTA S .
FOTO : PE DRO DAV ID, 20 0 4.

bandeirantes aos “grandes” Esse duplo objetivo –


navegadores numa perspectiva o apresamento de índios e a
que conta de maneira grandiosa a prospecção de metais – foi responsável
colonização portuguesa na América. pelas muitas incursões aos sertões
Essa mesma historiografia desse território.83 Foi a descoberta dos
também nos informa que as veios auríferos, oficializada em fins do
expedições oficiais portuguesas século XVII e início do XVIII,
anteriores – entradas – não foram que gerou outra ocupação da região,
bem-sucedidas no sentido da que não a indígena e a empreendida
descoberta de metais preciosos. pelos agentes colonizadores.
Cabia a outros agentes sociais, As informações são de que os
os bandeirantes vindos de São primeiros achados auríferos são do
Vicente, o papel de desbravadores e bandeirante Antônio Rodrigues
recorrentemente estabelece uma descobridores do ouro no sertão dos Arzão e datam de 1693. Sucedem-se
similaridade entre os objetivos dos Cataguases, denominação portuguesa as descobertas das minas que
portugueses que chegaram a essas primeva desse território81 e indicativa originaram os núcleos urbanos do
terras em 1500 e o dos bandeirantes, (mas pouco ressaltado) da atividade ciclo do ouro e dos diamantes.
considerados os agentes responsáveis desses bandeirantes relacionada ao Nas palavras de Maria Efigênia
pela ocupação do território que apresamento de índios, em uma Lage de Resende: “são essas as
hoje conforma o Estado de Minas época em que o domínio holandês minas, os núcleos primários
Gerais, qual seja, o de encontrar sobre as possessões portuguesas na de irradiação do processo de
metais preciosos. Assim, o destaque América do Sul e África escasseou territorialização de Minas Gerais”84.
dado a esse objetivo institui uma o fornecimento de mão de obra Desnecessário dizer que a
continuidade entre os séculos escrava africana, impulsionando a migração de diferentes pessoas para
XVI e XVIII, ligando os “grandes” escravização indígena nessas terras82. esses sertões foi intensa. Indivíduos,
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tendo como referência as cidades de São João del-Rei, Ouro Preto, Mariana,
Catas Altas, Congonhas do Campo, Diamantina, Sabará, Serro e Tiradentes

M AT RIZ DE S A NTO A NTÔ NIO , T I R A D ENT ES .


FOTO : RIC A RDO DO S S A NTO S G O NÇA LV ES , 2 0 0 8 .

com uma única expectativa –


a de enriquecer – provocaram uma
situação que a Coroa portuguesa
tinha dificuldades de administrar,
inclusive pela distância física
desse território. Nas palavras
de Laura de Mello e Souza:

[...] A descoberta do ouro em Minas


deslocou o eixo econômico do império
português no Atlântico Sul. Pernambuco
e Bahia, as antigas regiões açucareiras,
começaram a ver os escravos que chegavam
para trabalhar nas plantações de cana serem
deslocados para as Minas,
onde alcançavam melhor preço.
Homens livres, brancos ou mestiços, também
abandonavam os portos litorâneos e partiam
para as Minas em busca de riqueza fácil.
Do outro lado do Atlântico, de Portugal, a
movimentação de pessoas atingiu proporções
até então nunca vistas, e as autoridades
metropolitanas tentaram, por meio de
medidas restritivas, dificultar o deslocamento
populacional para a América.85
dossiê iphan 16 { Toque dos Sinos e o Ofício de Sineiro em Minas Gerais } 69
tendo como referência as cidades de São João del-Rei, Ouro Preto, Mariana,
Catas Altas, Congonhas do Campo, Diamantina, Sabará, Serro e Tiradentes

Para lidar com tal situação, além assim como se responsabilizavam pela
de procurar controlar a emigração construção dos templos religiosos.
do Reino em direção às capitanias Sua institucionalização ocorria a
do Brasil,86 a Coroa estabeleceu uma partir da aprovação de seus estatutos
política tributária rigorosa associada O surgimento e compromissos pela Mesa de
ao controle de acesso à região. Um dos Consciência e Ordens ou pelo Bispado
braços dessa política foi a proibição da das irmandades local mais próximo. A população
instalação do clero regular na região. religiosas dessas vilas e arraiais se organizou
A Coroa portuguesa alegava que o clero com o objetivo de construir e adornar
era responsável pelo extravio do ouro e as igrejas para os cultos, assistir
por fomentar na população um clima mutuamente seus irmãos, preparar
de insatisfação em relação aos impostos uma boa morte, providenciar sepultura
cobrados por ela. Não havia, assim, em local digno, auxiliar enfermos,
a presença da Igreja Católica para Nessas circunstâncias, não dentre outros, pois “[...] naturalmente
prestar o auxílio espiritual necessário houve outra alternativa para a eram todos bons católicos, embora
àqueles tempos. Nas palavras de um população senão a de se organizar muito pecadores e, logo a capelinha
cronista anônimo do período: em irmandades, confrarias, fixava o local de origem”89.
arquiconfrarias ou ainda ordens Caio César Boschi acrescenta:
O País das Minas, que é o mais útil à terceiras – associações leigas ou
Lusitânia entre os vastos domínios da sodalícios seculares. Conforme Nas Minas, as irmandades precederam
Coroa, não só se achava falto das utilidades as Ordenações do Reino, esses aos poderes burocrático e militar,
temporais, que convidavam aos portugueses sodalícios ficavam subordinados constituindo-se nas primeiras instituições
a sofrer desterro voluntário naqueles sertões, às autoridades civis88, passando a das terras auríferas. Além disso, tiveram
mas não tinha ainda toda a cultura espiritual contratar religiosos para exercerem as destacado papel na ordenação da
necessária para a salvação das almas [...]87 funções eclesiásticas, dentre outras, sociedade na medida em que, ao prestar
dossiê iphan 16 { Toque dos Sinos e o Ofício de Sineiro em Minas Gerais } 70
tendo como referência as cidades de São João del-Rei, Ouro Preto, Mariana,
Catas Altas, Congonhas do Campo, Diamantina, Sabará, Serro e Tiradentes

assistência aos vassalos, aliviavam na contratação dos partidos musicais, Essa informação é reiterada no
as tensões provenientes do modo de na motivação aos músicos compositores livro de Fritz Teixeira Salles92 que
vida precário de então, promovendo em escrever novas obras musicais e acrescenta que havia sodalícios que
a coesão social, a disciplinarização e a mesmo encomendando obras específicas detinham recursos econômicos
hierarquização da sociedade por meio da e privativas para suas festas [...] significativos e funcionavam como
incorporação de valores morais. Dessa casas bancárias, emprestando
forma, e para a coroa, as irmandades Para o cumprimento de algumas dinheiro a juros ao Governo da
tiveram proeminente papel como auxiliar dessas funções, deve-se esclarecer Capitania. As Ordens Terceiras,
no processo de colonização ao tentar que a circulação monetária nas áreas especialmente, eram compostas
reproduzir, nas possessões do além- coloniais do império português em geral por pessoas brancas e
mar, os padrões da Metrópole.90 na América era bastante reduzida muito poderosas. Uma das fontes
devido ao trabalho escravo que não de recursos dessas Ordens, ainda
Ainda sobre o papel desempenhado favorecia o desenvolvimento do segundo Fritz Teixeira Salles, eram
pelas irmandades e associações nas meio circulante. Sendo assim, essas as esmolas pagas por seus irmãos
vilas e arraiais da Capitania das Minas, associações leigas, por seu sistema para que pudessem ser eleitos como
Aluízio Viegas, reitera que elas de compromissos e contribuições, mesários, síndicos, secretários dentre
possuíam numerário que outras outras funções. Esse autor afirma:
[...] tiveram um papel importantíssimo instituições não detinham. Adhemar
na vida da comunidade. Como meio de Campos Filho afirma que os Concluímos, portanto, que somente uma
de ascensão social, como promotora de sodalícios do Carmo e de São pessoa de vasto cabedal econômico poderia
benefícios temporais e [...] espirituais, Francisco em Ouro Preto eram não ser eleita para qualquer cargo desta Ordem
na criação de empregos, na construção só ricos, mas detinham, em seus Terceira. As quantias citadas [...]
de igrejas, na contratação de artistas cofres, o numerário necessário para eram altíssimas para a época, 1760-1770.
plásticos, na promoção das festas e conceder empréstimo ao Governo Para se avaliar a imensa diferença de posses
solenidades religiosas de seus patronos, da Capitania das Minas Gerais91. entre os irmãos dessa irmandade e os filiados
dossiê iphan 16 { Toque dos Sinos e o Ofício de Sineiro em Minas Gerais } 71
tendo como referência as cidades de São João del-Rei, Ouro Preto, Mariana,
Catas Altas, Congonhas do Campo, Diamantina, Sabará, Serro e Tiradentes

E SQU ERDA
P ROCI S SÃO NA SEMA NA SANTA, SÃO JOÃO DE L - RE I.
FOTO: J OÃO R AMA LHO NE TO, 2009.

D I REI TA
R E TORNO À I G R EJ A DA PROC IS SÃO D E DOM INGO
D E R AMOS NA SEMA NA SANTA, SÃO JOÃO D E L - RE I.
FOTO: J OÃO R AMA LHO NE TO, 2009.

a outras, basta comparar suas contribuições


com aquelas [...] das Mercês dos Perdões
de Ouro Preto. [...] E não se pense que
havia a possibilidade de alguém não
pagar ou ficar devendo à ordem qualquer
contribuição. O estatuto prevê todas essas
possibilidades e indica como devem ser feitas
as cobranças, com absoluto rigor; possuía
a ordem para isso nada menos do que seis
síndicos, cuja tarefa principal era cobrar e
controlar quem estivesse atrasado. [...]93

Cita, inclusive, o caso de um


irmão do Carmo que, para saldar Além disso, os sodalícios se contribuições para realização
sua dívida, teve de entregar um responsabilizavam por fazer visitas de festas de seus patronos.
escravo à irmandade credora. Fritz aos doentes e encarcerados, dar Parece-nos, portanto, ter ficado
Salles destaca, ainda, a função não de comer e beber a quem tinha claro que as irmandades tinham
muito espiritual desses sodalícios: fome e sede, vestir os nus, abrigar o poder e o papel que lhes é
os peregrinos, conceder dotes, atribuído, especialmente, por
Já se vê que as irmandades religiosas do proteger contra maus-tratos de tratarem
século XVIII não resumiam suas atividades senhores e comprar a alforria e se preocuparem com questões
à ação apostolar e espiritual proclamada de escravos. Os recursos dessas temporais e seculares, por buscarem
por seus compromissos. Eram organizações associações eram oriundos do garantir aos seus membros
que funcionavam no plano social, pagamento da joia de entrada95, assistência médica e farmacêutica,
inclusive emprestando dinheiro a juros.94 anuidades, joias de mesários e ajuda aos familiares de membros
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tendo como referência as cidades de São João del-Rei, Ouro Preto, Mariana,
Catas Altas, Congonhas do Campo, Diamantina, Sabará, Serro e Tiradentes

PROCIS S ÃO NA S E M A NA S A NTA , PA S S AGE M DE


M ARIANA .
FOTO: PE DRO DAV ID, 20 0 4.

a uma dessas associações lhes Foram eles os responsáveis diretos por


garantia um enterro digno. promoverem a devoção, por sustentarem
Reiteramos, portanto, que não materialmente, tanto o culto como a prática
houve alternativa para aqueles da filantropia social. Às irmandades, pelo
homens e mulheres, se não a de se culto intimista dos santos,
organizarem em irmandades, em comportamentos que humanizava os
uma vez que o mundo das minas era santos, coube dar resposta à insegurança,
um universo de muitas tentações. à volatilidade e à instabilidade vividas
Nele, só havia possibilidade de pelos homens na região mineradora,
salvação em Deus, na graça divina. sobretudo em seus primórdios.97
Essa é a grande temática do barroco:
Nesse sentido, destacamos,
[...] saber se e como o homem pode igualmente, as observações de
já falecidos e, por fim, se subtrair a essa decadência natural e Afonso Ávila ao asseverar que o
a assistência funerária. Ter pecadora. [...] O homem é prisioneiro barroco não deve ser compreendido
um lugar para ser sepultado do pecado geral do mundo.96 exclusivamente como estilo
era uma questão crucial para arquitetônico e artístico mesmo
aqueles homens e mulheres; É Caio Boschi que novamente em seu sentido amplo; é, sem
essa situação era especialmente nos esclarece: dúvida, mais do que isso.
delicada no caso dos escravos que, O barroco é uma visão de mundo
quando não assistidos por esses [...] Com isso, [a Coroa portuguesa] e da vida que tem como uma de suas
sodalícios, eram deixados nas provocou e criou espaço para o advento características centrais a angústia.
portas das igrejas ou nas praias e o desenvolvimento de uma religiosidade Essa angústia nasce de uma das
para seus corpos serem levados com expressiva produção ritual, que teve os maiores tensões que o mundo
pela maré. O pertencimento leigos como os seus artífices e mantenedores. católico conheceu e que abordamos
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tendo como referência as cidades de São João del-Rei, Ouro Preto, Mariana,
Catas Altas, Congonhas do Campo, Diamantina, Sabará, Serro e Tiradentes

C E L E BRAÇ ÃO DE M IS S A AO A R LI V R E NA S EMA NA
S A NTA , S ÃO JOÃO DE L - RE I .
FOTO : JOÃO RA M A L H O NE TO , 2 0 0 9 .

construções religiosas tinha duplo sentido:


mais do que servir a Deus, os homens
serviam à própria vaidade e riqueza.
E nem se poderia culpar o clero por essa
conduta, porque a Coroa proibia as ordens
religiosas e o Papa só permitia irmandades
e confrarias. Desse modo, nas igrejas e na
sociedade, tudo era festa: à missa cantada,
ao Te Deum glorioso, sucediam o sarau,
a tertúlia. A procissão era precedida pelos
folguedos populares, pelas encenações
teatrais nas ruas em palcos improvisados.
Foi assim em 1733, em Ouro Preto,
anteriormente: a consciência com caldeirões ferventes e o fogo do quando se transladou o Santíssimo da
de que vivemos no pecado. Ora, inferno. O luxo conviveu com a luxúria, Igreja do Rosário para a nova Igreja do
esse homem, consciente de que a santidade com a devassidão, o sagrado Pilar, num cortejo que acabou denominado
“pecar passa, ter pecado jamais”98, com o profano, desde os primórdios do Triunfo Eucarístico. Foi a maior festa
necessitava de assistência espiritual e século XVIII. O desbravador, antes de barroca que a América presenciou naquele
material para não cair em tentação. tudo, fincava a cruz na terra conquistada, século [...] Só alegorias eram 12,
Nas palavras de Jota Dangelo: marcando a propriedade e ao mesmo ornamentadas com ouro, prata, diamantes
tempo lançando as bases da futura capela. e brocados importados. [...]
[...] A sociedade mineradora, tocada pelo Feito isso, sentia-se livre para escravizar A sociedade mineira do século XVIII fincou
fascínio do ouro, viveu a contradição entre o índio, chicotear o negro e, se preciso, raízes no ritual e nas ritualísticas que
os desmandos e desvarios que a ambição assassinar o próximo para defender o seu são as festas religiosas, como ritualístico
provoca e a repressão religiosa ameaçando filão de ouro e suas jazidas. O requinte das é o Carnaval com motivos e finalidades
dossiê iphan 16 { Toque dos Sinos e o Ofício de Sineiro em Minas Gerais } 74
tendo como referência as cidades de São João del-Rei, Ouro Preto, Mariana,
Catas Altas, Congonhas do Campo, Diamantina, Sabará, Serro e Tiradentes

diferentes. As cidades históricas herdaram para narrar a decoração das ruas cobertas de efeito e recurso muito utilizado nas
esse traço setecentista e estamos, ainda flores primaveris, trazendo para a cidade ocasiões de festas e procissões, como
hoje, atavicamente presos ao fascínio do “a verde amenidade dos campos”, ou sonoros podemos continuar observando pelo
ritual. Somos um povo festeiro, cheio de ao relatar a evolução de um gaiteiro, “[...] texto da professora Junia Furtado:
fé quando os sinos chamam para o Ofício que por singular fábrica do instrumento e
das Trevas e cheio de ardor quando as boa agilidade da arte fazia uma agradável [...] A estética barroca criava todo um
baterias convocam para o ensaio das consonância [...]”; ou visuais ao falar das cenário audiovisual, onde o ilusório e o
escolas e blocos carnavalescos. É que, janelas, onde “[...] correu por conta das inesperado estavam sempre presentes, isto
apesar de tudo, de toda a demolição sedas e damascos, uma varia e agradável explica o uso constante de estampidos,
que durante anos vem sendo praticada, perspectiva para a vista, empenhada tambores, apitos, clarins, trombetas, tiros
consciente ou inconscientemente, competência de preciosidade e artifício [...]” de mosquete. No Triunfo Eucarístico,
nesta cidade, somos barrocos. O rito é [...] Ao tentar colocar em palavras aquilo um grupo de músicos abria o desfile e
nossa maneira de ser. Ainda bem.99 que viu, o autor foi forçado a reconhecer que no meio iam um gaiteiro, um moleque
a percepção da realidade era uma experiência tocando tambor e quatro negros tocando
Portanto, resultado dessa visão de individual e dificultava a universalização trombetas. Na missa de exéquias de D.
mundo que se traduziu nesse território das impressões. [...] A estética barroca João V em São João del-Rei, o clima
em uma estética da representação, presidia os eventos: jogo do ilusório; dos fúnebre e algo etéreo, num tempo suspenso
o barroco se concretizou em experiências contrastes entre a luz e a sombra, entre o entre a vida e a morte, foi criado na Igreja,
de sentidos visuais, sonoros, olfativos: céu e a terra, o profano e o religioso.100 por dois coros, dois rabecões e um cravo.
Outro aspecto fundamental destas
Em vários momentos do texto, Simão É comum dar destaque às festas eram os dias de iluminação
Ferreira Machado se viu impossibilitado representações visuais numa que precediam o evento, quando as
de descrever em palavras efeitos que eram sociedade iletrada. Mas, como casas e os prédios públicos se cobriam
olfativos, como “[...] sentia-se nos ares a pudemos observar, há também de lamparinas de azeites e balões
fragrância de aromas”, expressão utilizada muitas referências à sonoridade, colocados nas fachadas, clareando
dossiê iphan 16 { Toque dos Sinos e o Ofício de Sineiro em Minas Gerais } 75
tendo como referência as cidades de São João del-Rei, Ouro Preto, Mariana,
Catas Altas, Congonhas do Campo, Diamantina, Sabará, Serro e Tiradentes

PÁGINA AO LADO, DA ESQUERDA PARA A DIREITA


FOTO DIURNA DO TAPETE DECORADO PARA A
SEMANA SANTA EM FRENTE À IGREJA DE SÃO
FRANCISCO DE ASSIS, E FOTO NOTURNA DO TAPETE
DECORADO PARA A PROCISSÃO, SÃO JOÃO DEL-REI
FOTOS: JOÃO RAMALHO NETO, 2009.

TAPETE NO TRAJETO DA PROCISSÃO DA SEMANA


SANTA, DIAMANTINA.
FOTO: DJALMA CORRÊA, 2007.

DIREITA
TORRE DA MATRIZ DE SANTO ANTÔNIO, TIRADENTES.
FOTO: RICARDO DOS SANTOS GONÇALVES, 2008.

a noite. [...] Um outro ambiente se


estabelecia no arraial, com uma outra
ordem a imperar, uma luz diáfana,
que aproximava o céu e distanciava
o cotidiano dos homens, [...]. Então
começava um outro tempo que
era o de festa, o da algazarra e da
folia. Durante os festejos do Triunfo
Eucarístico, a claridade da noite somada
ao som artificial dos sinos, da música
e das danças criava uma experiência
tão alheia à natureza, parecendo
o “juízo comunicado do céu”.101
Para a população das cidades conformaram identidades
Essa mesma autora destaca a inventariadas, não há festa ou que se reconhecem por meio
questão da sonoridade, inclusive procissão sem o toque de sinos. dessa forma de expressão.
sineira no relato elaborado por Da mesma forma, nas cidades onde Essa expressão tanto mais
cronista anônimo quando da instalação não há sineiros oficiais, a força repercute quanto maior o
do Bispado de Mariana, em 1748: dessa tradição pode ser comprovada. enraizamento dos sodalícios na
Antigos sineiros, sineiros de ocasião vida daquelas comunidades, da arte
Durante os preparativos dos festejos se prestam à tarefa. Festa sem expressa na musicalidade de gerações
do Áureo Trono Episcopal notou-se toque de sinos não é festa. e gerações de músicos, seresteiros,
o uso de repiques de sino e concertos Portanto, uma imbricada tocadores de caixas, sineiros,
de música, para aumentar ainda trama que envolve a história de do barroco como ritualística que
mais a publicidade do evento.102 gerações sucessivas nesse território dá sentido a esse mundo. ¢
dossiê iphan 16 { Toque dos Sinos e o Ofício de Sineiro em Minas Gerais } 76
tendo como referência as cidades de São João del-Rei, Ouro Preto, Mariana,
Catas Altas, Congonhas do Campo, Diamantina, Sabará, Serro e Tiradentes

O Bem Cultural Como Objeto de Registro


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tendo como referência as cidades de São João del-Rei, Ouro Preto, Mariana,
Catas Altas, Congonhas do Campo, Diamantina, Sabará, Serro e Tiradentes

S I NEI RO J OSÉ LU I Z DE M ORAE S NA TORRE


DA I G R EJ A MATRI Z DE NOS SA SE NHORA DA
C O NCEI ÇÃO, CATAS ALTAS.
FOTO: P EDRO DAV I D, 2004.

Quase todos os negros tinham


ido para o terreiro. Os tambores
agora batiam forte, acompanhados
A observação direta da vida
cotidiana e as entrevistas
realizadas com moradores
necessitando agora de estímulos
e cuidados para não perder ainda
mais força e até desaparecer.
pelos chocalhos e os agogôs. das nove cidades pesquisadas Hoje, o panorama das cidades
Josué Montello permitem apresentar um retrato se apresenta da seguinte forma:
das reais condições em que em Catas Altas, há apenas
nelas se encontram o toque dos uma senhora que toca os sinos
sinos e o ofício de sineiros, regularmente, na Matriz de Nossa
no momento de receberem o Senhora da Conceição, desde que
Registro de Patrimônio Imaterial seu marido, Antônio Luciano
Brasileiro. É um quadro que Batista, antigo sineiro dessa igreja,
apresenta diferenças, para mais adoeceu. Apesar de ser paga para
ou para menos, quanto ao tocar, ela não domina o ofício.
enraizamento das práticas sineiras Nessa cidade, há toques de chamada
na vida comunitária e quanto às para as missas, toques para as
perspectivas de que permaneçam procissões, toque de Ângelus e
como referência de identidade para os toques fúnebres. O fato de a
mineiros de todas as gerações, cidade pagar alguém para tocar
seja por motivos devocionais, é indicativo da permanência da
artísticos, lúdicos ou profissionais. função comunicativa do toque dos
Em cidades como Catas Altas, sinos e do reconhecimento de que
Sabará e Serro, a memória bastante se trata de um trabalho. Moradores
presente dos sineiros antigos lembram que os sinos de Geraldo
demonstra que a atividade foi Ciriaco de Morais, conhecido
intensa até pouco tempo atrás, como seu Didico, e de seu pai,
dossiê iphan 16 { Toque dos Sinos e o Ofício de Sineiro em Minas Gerais } 78
tendo como referência as cidades de São João del-Rei, Ouro Preto, Mariana,
Catas Altas, Congonhas do Campo, Diamantina, Sabará, Serro e Tiradentes

A LTO
SINE IRO C H A RRUA .
FOTO: AC E RVO T É C NIC O IPH A N.

BAIXO
SINE IRO JO S É O L ÍM PIO .
FOTO: AC E RVO T É C NIC O IPH A N, 20 0 9 .

Constantino Jorge de Morais, tocava caixa e dançava na Guarda de


antigo zelador da Igreja Matriz de Caboclo, nas Festas do Rosário,
Nossa Senhora da Conceição e e tocava os sinos da Igreja do Rosário.
funcionário do Iphan, só faltavam Morreu há cerca de um ano.
falar. Houve também o Tico A comunidade lembra-se também
(Francisco) e Antônio Luciano de Geraldo Ferreira, conhecido por
Batista, este último aprendeu o Parroco, que era, como Charrua,
ofício com Geraldo Rodrigues e o caboclo dançante na Festa do
sucedeu nos sinos da Igreja Matriz. Rosário; de Figico, ex-sacristão
No Serro, José Olímpio de da Igreja da Matriz; de Geraldo
Moura e seu irmão, Joaquim Tadim e Vicente de Bela. Segundo
Visitador de Moura, conhecido os serranos, havia nos toques dos
como Joaquim Charrua, são sineiros antigos uma beleza que
muito lembrados. O primeiro foi não ressoa nos sinos de hoje. durante muitos anos, também
coroinha e desde criança tocava os Em Sabará são muito lembrados bastante conhecido da comunidade
sinos. Era funcionário do Iphan e Jorge Luís Borges, antigo sineiro vizinha, Evergisto Rafael Arcanjo,
trabalhou como zelador da Casa dos do Carmo; Henrique Alexandrino, que ainda foi possível entrevistar.
Otoni por muitos anos. Cuidava Bilinho (Abel), que era zelador da É importante ressaltar que
da Igreja do Senhor Bom Jesus do Igreja de Nossa Senhora das Mercês, a existência de moradores que
Matosinhos, onde tocava os sinos Zidurinho, sineiro e sacristão da aprenderam os toques com os
todos os dias. Mas tocava também Igreja do Carmo, e Juca Gaiolão, sineiros antigos, mesmo que esses
nas festas, procissões, novenas, outro sineiro da Igreja do Carmo, toques não tenham regularidade,
nas outras igrejas. Os serranos que fazia parte da Banda Santa assegura ainda a possibilidade
dizem que ele passava horas nas Cecília. A Igreja de Nossa Senhora de se conservá-los, pelo menos
torres, tocando. Joaquim Charrua do Ó teve um zelador e sineiro como registro de memória.
dossiê iphan 16 { Toque dos Sinos e o Ofício de Sineiro em Minas Gerais } 79
tendo como referência as cidades de São João del-Rei, Ouro Preto, Mariana,
Catas Altas, Congonhas do Campo, Diamantina, Sabará, Serro e Tiradentes

V ISTA PA RC IA L DA IGRE JA NO S S A S EN H O R A D O
C A RM O , S A BA RÁ .
FOTO : C RIST INA L E M E , 20 0 7 .

badalo. Há dois sinos dispostos


na entrada da Igreja Matriz de
Nossa Senhora da Conceição,
porque as torres não têm
condições de abrigá-los.
Ao longo das pesquisas no
Serro e em Diamantina, a menção
a certos sineiros da região nos
conduziu a dois distritos do Serro:
São Gonçalo do Rio das Pedras e
Milho Verde. Em São Gonçalo,
apenas uma das duas igrejas tem
bons sinos, a Igreja Matriz de São
Tanto no Serro como em Sabará, seu fortalecimento. Em Sabará, Gonçalo. Na outra, a Capela do
houve reunião para discussão desta um dos grandes problemas Rosário, os sinos estão rachados.
pesquisa. As reuniões contaram apontados pela comunidade foi o Mas, apesar disso, há várias pessoas
com pronunciado interesse dos estado de conservação dos sinos que tocam sinos, sobretudo entre
sineiros, zeladores e responsáveis e das torres. Na Igreja de Nossa os mais jovens, e os toques são
pelas igrejas, líderes comunitários, Senhora do Carmo, a única que regulares na Matriz. Em Milho
entre outros. Os encontros tiveram tem um sineiro de fato, Verde, a atividade sineira é intensa.
por objetivo compartilhar opiniões há problemas como rachaduras de Lá está um grande tocador de sinos,
sobre a possibilidade de registro do sinos e precariedade na estrutura de o Vavá, tão bom sineiro quanto
toque de sinos como patrimônio sustentação de outros. Na Igreja de caixeiro das guardas de Marujos
cultural e sobre as propostas de Nossa Senhora das Mercês, e de Catopês. É considerado um
salvaguarda para foi necessário improvisar um mestre dos sinos e é referência
dossiê iphan 16 { Toque dos Sinos e o Ofício de Sineiro em Minas Gerais } 80
tendo como referência as cidades de São João del-Rei, Ouro Preto, Mariana,
Catas Altas, Congonhas do Campo, Diamantina, Sabará, Serro e Tiradentes

V I STA DA I G R EJ A DE SÃO FRANCISCO D E AS SIS,


D I A MANTI NA .
FOTO: CRI STI NA LEME, 2007.

para sineiros das regiões vizinhas.


Outro sineiro importante, ao lado
de Vavá, é Geraldo Miúdo. Vavá
é sineiro regular de uma das duas
igrejas do lugar, a Igreja Matriz
de Nossa Senhora dos Prazeres;
Miúdo, da outra, a Igreja de Nossa
Senhora do Rosário (apesar da
precariedade da torre o colocar
muitas vezes em apuros). Há outros
sineiros em Milho Verde, entre os
mais velhos e mais jovens.
A preocupação com a formação
de novos sineiros não se coloca.
A comunidade se preocupa é
com a situação dos sinos da
Matriz que ficam do lado de fora
e podem ser roubados, como já
aconteceu com imagens da igreja.
Note-se, portanto, que apesar
de no Serro a tradição sineira
estar em declínio, ela permanece
vigorosa pelo menos em dois de
seus distritos. Uma pesquisa mais
aprofundada sobre os sinos na
dossiê iphan 16 { Toque dos Sinos e o Ofício de Sineiro em Minas Gerais } 81
tendo como referência as cidades de São João del-Rei, Ouro Preto, Mariana,
Catas Altas, Congonhas do Campo, Diamantina, Sabará, Serro e Tiradentes

DA E S QU E RDA PA RA A DIREI TA
S E NH O R NE L S O N, C ATO PÉ S EM S ER R O .
FOTO : C RIST INA L E M E , 20 0 9 .

DE TA L H E DE M ÃO S E GU RA N D O A CO R DA PA R A O
TO QU E DO S INO , NA IGRE J A D E S A NTA EF I G ÊN I A ,
OU RO PRE TO .
FOTO : PE DRO DAV ID, 20 0 4 .

cidade do Serro deve considerar do Carmo, mantida pela Ordem Sousa, então sacristão das igrejas
essas localidades. As trocas Terceira de Nossa Senhora do do Rosário e do Carmo, e o
entre elas devem ser analisadas. Carmo, um funcionário responsável reconhecem como o grande mestre
Lembremos, por exemplo, que a pelos serviços de atendimento ao sineiro da cidade, que conhece
Festa do Rosário do Serro recebe as público, o estudante de história os toques da abundante geração
Guardas de Marujos e Catopês de Flávio Rodrigues Leite, que de sineiros do passado e opera
Milho Verde, há anos. Observe-se também desempenhava a tarefa com maestria os sinos de hoje.
que há no Serro sineiros que tocam de sacristão, vem se ocupando Preocupados com a preservação
os sinos usando diretamente as dos sinos regularmente há sete da tradição, eles se movimentam
mãos para puxar os badalos, anos. Da mesma forma, vem para incentivar e ensinar os
da mesma forma que em São Gonçalo tomando lições do ex-sacristão toques aos jovens interessados.
e Milho Verde – e diferentemente e mestre sineiro Antônio Maria Para Erildo, Erivaldo e Takim,
de Diamantina, por exemplo, onde de Sousa, a quem substituiu. Antônio Maria representa o elo
os badalos são puxados por cordas. Há também os sineiros de entre eles, mais jovens, e os sineiros
Em Diamantina, há um caso ocasião. Esses comparecem das gerações passadas. Havia muitos:
especialmente interessante. empenhadamente nas festas de Isolino, da Catedral, que batia sino
Lá, a atividade sineira está em santos ou outros eventos especiais. muito bem; antes dele, o Zé da Sé;
movimento ascendente, depois de Os mais frequentes são Erildo e e antes do Zé da Sé, o Zé Rolim.
um período de declínio. Em todas Erivaldo do Nascimento, filhos Houve também o Zé Ângelo, o Zé
as igrejas do centro histórico, de Geraldo Ribeiro de Jesus, e o Boi, o Júlio de Paula Jorge, sacristão
com exceção da de Nossa Senhora companheiro de infância, Takim da Igreja de São Francisco por 60
das Mercês, há tocadores de sinos Papaspyrou, filho de gregos, anos (como comprovam os livros da
habituais para os toques cotidianos, nascido em Diamantina. Os três Ordem Terceira de São Francisco),
mas a condição desses sineiros é aprenderam a tocar sinos quando Gil Neves e Henrique Neves
diversa. Na Igreja de Nossa Senhora crianças com Antônio Maria de (a família Neves tinha muitos
dossiê iphan 16 { Toque dos Sinos e o Ofício de Sineiro em Minas Gerais } 82
tendo como referência as cidades de São João del-Rei, Ouro Preto, Mariana,
Catas Altas, Congonhas do Campo, Diamantina, Sabará, Serro e Tiradentes

DIRE ITA
SINE IRO E RIL DO , DIA M A NT INA .
FOTO: DJA L M A C O RRÊ A , 20 0 7.

PÁGINA AO L A DO
C AM PAN H A “ S INO C IDA DÃO ” , PU BL IC A DA NO
JORNAL VO Z DE DIA M A NT INA , DIA M A NT INA .
FOTO: C RIST INA L E M E , 20 0 8.

sineiros), que tomavam conta da Erildo e Takim, são professores Metropolitana de Santo Antônio,
Igreja do Bonfim. José Paulo, da de história. Também seu aprendiz que está rachado, e “promover
Igreja de São Francisco, lembra-se Flávio, que o substituiu como ações para a dinamização da
que “havia uma plêiade de rapazes sacristão na Igreja do Carmo, é cultura sineira de Diamantina”104.
que queriam tocar sinos e faziam estudante de história. Erildo, além Dentre outros objetivos listados
disputas para ver quem tocava de professor, é diretor do Centro no projeto da campanha, pode-
melhor, mais bonito”. Mas se de Educação Integrada, membro se ler também: “Conscientizar a
lembra, especialmente, da Academia de Letras e Artes de população diamantinense para
de Raimundo Cego (morto há cerca Diamantina, funcionário licenciado que se torne a principal guardiã de
de 40 anos), sineiro do Seminário, do Iphan e forte liderança na sua cultura”; “Resgatar a história
que ouvia da casa de seu avô, cidade. Junto do editor do jornal da cultura sineira de Diamantina
durante as férias em Diamantina: Voz de Diamantina, da Academia de [...]”, “Promover apresentações
“toda a cidade reconhecia seus Letras e Artes, e da Associação dos toques de sinos em concertos
toques, tão luminosos que eram dos Diamantinenses Residentes musicais, agregando as demais
[...]. Ele tocava os sinos como um em Belo Horizonte, ele lançou a artes a eles inerentes”. O interesse
pianista toca um piano.” Raimundo campanha Sino Cidadão, que conta da população pelo assunto se
era cego e subia uma escada de com o apoio da Arquidiocese de fez perceber no fato de já se
mais de 70 degraus para tocar os Diamantina, da Paróquia de Santo terem levantado, sob a forma de
sinos. José Paulo diz que os toques Antônio, das Ordens Terceiras, contribuições espontâneas dos
desses sineiros são preservados das comissões de zeladores das diamantinenses, quase 70 mil
ainda hoje, não com tanta beleza, igrejas e da Associação do Pão de reais – o que, segundo Erildo, já
tanto detalhe como faziam, mas Santo Antônio. A campanha tem é suficiente para a substituição
“o básico ainda se mantém”103. como objetivo principal arrecadar de todos os sinos rachados na
Dos três sineiros de ocasião, recursos para a fundição de uma cidade – alternativa, em princípio,
ex-alunos de Antônio Maria, dois, réplica do sino maior da Catedral preferida à sua refundição.
dossiê iphan 16 { Toque dos Sinos e o Ofício de Sineiro em Minas Gerais } 83
tendo como referência as cidades de São João del-Rei, Ouro Preto, Mariana,
Catas Altas, Congonhas do Campo, Diamantina, Sabará, Serro e Tiradentes

É curioso que os sinos tenham turismo no Centro de Educação Entoados, sobre os sinos em Minas
suscitado interesse renovado em Integrada, prepara também Gerais, do qual, aliás, todos os
Diamantina, em grande parte, trabalho acadêmico sobre os toques sineiros identificados têm uma
em torno de seu valor como de sinos na cidade. José Paulo cópia. A influência incontestável
patrimônio cultural, histórico (que foi funcionário do Iphan por da movimentação em torno do
e artístico. Vale destacar que o alguns anos) fala da importância patrimônio histórico e artístico,
funcionário da Igreja do Carmo, das ações do Patrimônio em já há algumas décadas, e
Flávio, estudante de história, torno dos toques de sinos como da valorização crescente da
preparou sua monografia de final complementação das políticas de diversidade cultural no mundo
de curso sobre os toques de sinos na preservação das igrejas. O interesse contemporâneo, bem como das
Diamantina do início do século XX, pelos sinos ganhou força após a políticas públicas em torno disso
e Antônio Maria, hoje cursando pesquisa e exibição do documentário é pronunciadamente forte em
dossiê iphan 16 { Toque dos Sinos e o Ofício de Sineiro em Minas Gerais } 84
tendo como referência as cidades de São João del-Rei, Ouro Preto, Mariana,
Catas Altas, Congonhas do Campo, Diamantina, Sabará, Serro e Tiradentes

S ÃO JOÃO DE L RE I: S E M A NA S A NTA , D O MI NG O D E
RA M O S . BE NÇ ÃO DO S RA M O S NA I G . R O S Á R I O .
FOTO : C RIST INA L E M E

Diamantina e determinante na sinos e as baterias de escolas de sacadas dos sobrados e são regidos
trajetória dessa comunidade. samba. É importante lembrar que por um maestro que fica no centro,
Há que se considerar esse aspecto Diamantina (assim como São João embaixo, ao ar livre. Talvez o
na valorização dos toques dos del-Rei, que veremos a seguir) é apelo musical dos sinos possa se
sinos por parte da população. uma cidade especialmente musical, equiparar, quem sabe, ao religioso.
O vínculo entre sinos e música de reconhecida fama seresteira, As festas de santos,
explicita bem o entendimento tem várias bandas e instituições em Diamantina, são o lugar
da população de que os toques de ensino da música. Um dos privilegiado dos repiques.
guardam um aspecto musical. eventos mais importantes da cidade A movimentação em torno delas
São comuns entre os sineiros da é a Vesperata, um concerto para é intensa. Os sinos são esperados.
cidade (assim como em São João ser ouvido das ruas, em que os O entusiasmo dos sineiros de
del-Rei) as analogias entre os instrumentistas se organizam nas ocasião se junta ao entusiasmo dos
dossiê iphan 16 { Toque dos Sinos e o Ofício de Sineiro em Minas Gerais } 85
tendo como referência as cidades de São João del-Rei, Ouro Preto, Mariana,
Catas Altas, Congonhas do Campo, Diamantina, Sabará, Serro e Tiradentes

PAGINA AO L A DO
BA NDA DE M Ú S IC A NA PRO CI S S ÃO D E CO R PUS
C H RIST IE , S ÃO JOÃO DE L - R EI .
FOTO : JOÃO RA M A L H O NE TO , 2 0 0 9 .

AO L A DO , DA E S QU E RDA PAR A A D I R EI TA
BE NÇ ÃO DO S RA M O S NA S EMA NA S A NTA , EM
FRE NT E À IGRE JA NO S S A S EN H O R A D O R O S Á R I O ,
S ÃO JOÃO DE L - RE I.
FOTO : C RIST INA L E M E , 20 0 7 .

RE TO RNO À IGRE JA DA PRO CI S S ÃO D E D O MI NG O


DE RA M O S NA S E M A NA S A NTA , S ÃO J OÃO D EL-R EI .
FOTO : JOÃO RA M A L H O NE TO , 2 0 0 9 .

outros sineiros. Eles arregimentam de acontecimentos desencadeados lentas, de um lado, e os repiques,


os meninos aprendizes e o grande pelo toque de incêndio logo que que anunciam as missas ou os
grupo se organiza em duplas que chegou à cidade e, entre os artigos movimentos das festas, do outro.
irão tocar em cada uma das igrejas, publicados em torno da campanha Há ainda os toques do sino
num arranjo articulado entre as Sino Cidadão, há descrições e relógio, ativados por um dispositivo
torres, que conversam entre si, comentários sobre ele. O toque mecânico, que marcam as horas
umas respondendo às outras, do Ângelus, que vinha ficando do dia, na Igreja de São Francisco.
“como uma sinfonia de sinos” infrequente há uns anos, Outros toques, usados no passado,
(nos dizeres de José Paulo). foi incentivado pelo arcebispo já não são mais tocados, como os
A motivação lúdica dos sineiros – de Diamantina, Dom Paulo Lopes toques de parto e de agonia.
ao lado da religiosa, maior em uns de Faria, e voltou a ser tocado, No entendimento da comunidade,
que em outros – pelo menos nas igrejas que guardam eles perderam a utilidade, não é mais
é patente. Os toques sinalizam o o Santíssimo, ao meio-dia, necessário comunicar tais eventos
início e final das missas, a saída às três e seis horas da tarde. através dos sinos. Mas a população
e chegada das procissões e a sua Há em Diamantina considerável insiste em querer ouvir os sinos.
passagem pelas igrejas. Eles se liberdade para se criar repiques Em Ouro Preto, a atividade
articulam com os sons dos fogos novos ou para tirar de improviso sineira parece manter-se
de artifício, a música das bandas, um repique qualquer, no calor relativamente intensa, apesar dos
das marujadas, corais, compondo a da hora. Todos para as mesmas depoimentos denunciarem certa
ambiência sonora desses eventos. ocasiões: missas e festas. desorganização – talvez quebras
Há, entre os sineiros, quem não A população, por sua vez, já na tradição, seguidas de renovado
se lembre de já ter ouvido o toque absorveu essas possibilidades de interesse. As torres são disputadas
de incêndio – talvez porque os variação, e (pelo menos parte dela) pelos meninos, que correm de
incêndios estejam raros. sabe diferenciar, de forma mais uma igreja a outra para aproveitar
Mas Geraldo recorda um desenrolar ampla, as pancadas regulares e mais todas as chances de tocar os sinos.
dossiê iphan 16 { Toque dos Sinos e o Ofício de Sineiro em Minas Gerais } 86
tendo como referência as cidades de São João del-Rei, Ouro Preto, Mariana,
Catas Altas, Congonhas do Campo, Diamantina, Sabará, Serro e Tiradentes

E SQUE R DA
SINE IRO JOV E L INO , OU RO PRE TO .
FOTO: PE DRO DAV ID, 20 0 4.

BAIXO
SINE IRO RE PIC A NDO O S S INO S NA IGRE JA NO S S A
SE NHORA DA S M E RC Ê S , OU RO PRE TO .
FOTO: PE DRO DAV ID, 20 0 4.

Em São João del-Rei, movimento


semelhante é conhecido por
“via-sacra”; em Ouro Preto, os
meninos, por “fominhas”. Mas, se
em São João del-Rei os meninos
vão às torres ajudar os sineiros
oficiais, em Ouro Preto não há a
figura do sineiro oficial, tudo se
passa na base da informalidade.
Em geral, em Ouro Preto,
as tarefas de manutenção das
igrejas são de responsabilidade de
um sacristão ou zelador ligado às
irmandades ou ordens terceiras, pela igreja. Juvelino, o grande e comunicá-lo aos responsáveis.
que as realiza como voluntário. mestre sineiro do lugar, se lembra Muitos desses meninos tocam nas
Os toques de sinos fariam parte de que aprendeu a tocar quando baterias dos blocos carnavalescos
dessas tarefas, mas é costume deixá- criança: “sineiro é uma coisa que da cidade e todos os que foram
los a cargo dos adolescentes que toda criança... quando é criança, entrevistados ressaltam os aspectos
normalmente aparecem nas igrejas acha bonito aquilo e quer ser musicais dos sinos, a necessidade
interessados em tocar. Os mais sineiro. [...] A gente era menino, de se ter, por exemplo, habilidades
velhos percebem a necessidade dos a gente via as pessoas tocarem sino, rítmicas para tocá-los. Alguns
meninos para a manutenção dos a gente queria aprender a tocar percebem qualquer semelhança
toques e se empenham em incentivá- sino”105. Além de tocar os sinos, os entre repiques de sinos e a
los, pois a tarefa excede muitas vezes meninos de hoje também costumam popularíssima batida do Zé Pereira,
as possibilidades do responsável conferir seu estado de conservação tocada no carnaval da cidade.
dossiê iphan 16 { Toque dos Sinos e o Ofício de Sineiro em Minas Gerais } 87
tendo como referência as cidades de São João del-Rei, Ouro Preto, Mariana,
Catas Altas, Congonhas do Campo, Diamantina, Sabará, Serro e Tiradentes

DA ESQU ERDA PA RA A D IRE ITA


C RI A NÇA DESCEN DO A E SC ADA DA TORRE , DA
I G REJ A DE SANTA EF I GÊ NIA, OURO PRE TO.
FOTO: P EDRO DAV I D, 2004.

CRIANÇAS ASPIRANTES A AJUDANTES DE SINEIRO NA


JANELA DA TORRE DA IGREJA, SÃO JOÃO DEL-REI.
FOTO: CR I STI NA LEME , 2007.

Enfim, os responsáveis Conclui-se que os sinos em repiques das paróquias de Nossa


pelas igrejas acreditam que, no Ouro Preto têm ainda aquela Senhora da Conceição e Santa
horário dos sinos, algum dos função comunicativa original. Mas Efigênia, do lado de Antônio
meninos há de vir; se acontece de mesmo os jovens sineiros sabem de Dias, e da paróquia do Pilar, do
falhar, no entanto, eles mesmos seu enfraquecimento nos últimos outro lado, vêm desaparecendo,
por vezes tocam. Ou mandam tempos: “Eu acho que ainda hoje já que são os mesmos meninos
buscar alguém que faça o favor [o sino] é [importante], mas já foi – em geral, de Antônio Dias –
– muita gente sabe tocar sino muito mais. Porque o sino era o que tocam em todas elas. Fábio
na cidade. Em geral, pessoas principal meio de comunicação. César Montanheiro, estudioso do
que tocavam também quando Então hoje ainda... assim... assunto, percebe que do lado de
crianças e são chamadas aqui e ali muita gente ainda sabe o que é Antônio Dias tocam-se muito mais
para quebrar um galho ou para que o sino está passando, mas o os sinos que do lado do Pilar. Ele
assumir cuidados regulares com pessoal mais jovem não sabe”107. acredita que isso esteja relacionado
a igreja, depois de aposentadas. Diferentemente de Diamantina, ao fato de que em Antônio Dias
Mas em nenhum desses casos os toques em Ouro Preto as irmandades sejam mais fortes e
o trabalho de tocar os sinos é têm forma fixa e não se aceita garantam aos meninos interessados
remunerado. Toca-se por prazer. facilmente qualquer novidade o acesso às torres108. Curioso é
nos sinos – embora o desejo e as que, diferente do que ocorre do
[...] O toque de sino é uma coisa que... tentativas de invenção apareçam lado de Antônio Dias, no Pilar
a pessoa faz aquilo por amor. Porque é nas conversas dos mais jovens os meninos sineiros recebem uns
gostoso a pessoa tocar o sino. É a mesma e singularidades apareçam nas trocados para tocar sinos. E há,
coisa de você que mexe com a música, você descrições dos toques dos grandes pelo menos na Igreja do Pilar,
gosta de mexer com aquilo. Então o sineiro mestres. No entanto, segundo funcionários da paróquia que
gosta de mexer com aquilo. Então eu fazia alguns depoimentos, diferenças devem, na ausência dos meninos,
aquilo porque eu gostava de fazer...106 observadas até recentemente entre tocar os sinos prescritos.
dossiê iphan 16 { Toque dos Sinos e o Ofício de Sineiro em Minas Gerais } 88
tendo como referência as cidades de São João del-Rei, Ouro Preto, Mariana,
Catas Altas, Congonhas do Campo, Diamantina, Sabará, Serro e Tiradentes

E SQUE R DA
PAD RE S IM Õ E S , PÁ RO C O DA IGRE JA M AT RIZ DE
NOS SA S E NH O RA DO PIL A R, OU RO PRE TO .
FOTO: PE DRO DAV ID, 20 0 4.

BAIXO
SINO DA IGREJA MATRIZ NOSSA SENHORA DO PILAR,
COM VISTA DO CASARIO AO FUNDO, OURO PRETO.
FOTO: PE DRO DAV ID, 20 0 4.

A atenção de alguns dos Padre Simões, segundo seu


padres aos sinos é sintomática. depoimento, aprendeu a tocar
José Feliciano da Costa Simões, os sinos há muitos anos, e tocava
o padre Simões, nascido em muitas vezes em dupla com
Ouro Preto, em 1931, pároco grandes sineiros do passado.
de Nossa Senhora do Pilar, Também o padre Geraldo
expressiva força política na Barbosa, pároco de Nossa Senhora
cidade, é grande defensor das da Conceição, desde 2001,
tradições ouro-pretanas e se prestou bastante atenção aos
preocupa, especialmente, com sinos quando chegou à cidade.
a preservação do patrimônio Mas, nesse caso, mirando-os sob
histórico e artístico. Já no outra perspectiva, de atrair os
princípio de sua vida eclesiástica, jovens para a doutrina da Igreja.
ele trabalhou na coordenação
de arte da paróquia do Pilar e [...] Uma coisa que me chamou a atenção
foi posteriormente professor quando cheguei a Ouro Preto é a vontade
de história e de arte do Colégio dos meninos de tocar os sinos. [...]
Arquidiocesano. Movendo-se Então, as crianças, elas brigam para ver
nesse universo, ele desenvolveu, qual delas vai ter... vai ser escalada para
junto com o professor Tarquínio tocar os sinos. E a gente fica [um bocado]
José de Oliveira, um amplo preocupado, porque é uma responsabilidade
trabalho sobre diversos aspectos muito grande: o tamanho dos sinos, o
dos sinos em Ouro Preto e badalo... [...] E a gente fala: “olha, mais
contribuiu com as pesquisas importante do que ficar tocando o sino lá
de Curt Lange sobre o tema. na igreja, é participar também da missa,
dossiê iphan 16 { Toque dos Sinos e o Ofício de Sineiro em Minas Gerais } 89
tendo como referência as cidades de São João del-Rei, Ouro Preto, Mariana,
Catas Altas, Congonhas do Campo, Diamantina, Sabará, Serro e Tiradentes

porque se vocês ficam do lado de fora da eu desço rezando”110 , diz Marcelo comunicativa e ao lado de sua
igreja, isso aí não está agradando a Deus. Eduardo Soares. Sua mãe, expressão religiosa, os sinos
Deus quer também uma criança que também toca sino, explica que têm outros sentidos bastante
interessada em rezar, em crescer o sino “é a alma da igreja”111. relevantes para a população
espiritualmente”. E essa deve ser a nossa Ouve-se que os sinos são a voz de Ouro Preto. Como em
preocupação como padres. As famílias de Deus. E efetivamente os sinos Diamantina, as dimensões
também, de mostrar que os sinos existem tocam quase sempre apenas para lúdica, estética e musical são
para comunicar uma realidade maior. os eventos religiosos. De qualquer fortes na antiga capital de Minas
E não ficar simplesmente como um forma, há também os sinos Gerais. Para os ouro-pretanos,
entretenimento, como uma curiosidade. para eventos extrarreligiosos. o peso das questões relativas ao
Talvez aproveitar a curiosidade da Conta-se que, no passado, patrimônio histórico e artístico,
criança, do adolescente, mas para os sinos tocavam para a posse na cidade, é considerável.
desenvolver um valor maior.109 de governadores. Houve dobres Em Mariana, os toques dos
tristes na mudança da capital para sinos se restringem a apenas uma
As famílias ouro-pretanas são Belo Horizonte. Os sinos tocavam ou outra igreja e a algumas ocasiões
muito religiosas. A existência quando havia incêndio e também especiais, sendo a referência mais
de várias irmandades na cidade para anunciar as horas forte, segundo entrevistados,
confirma isso. Grande parte dos do dia. Há alguns anos, quando a o Toque de Entrada para as missas.
meninos sineiros da atualidade já Igreja do Pilar foi roubada, É um toque simples, composto de
foi, ao contrário de Diamantina, o padre Simões mandou que se badaladas espaçadas a intervalos
coroinha e, nos depoimentos dos tocassem os sinos. Desde então, regulares, tocado em geral ao pé
jovens sineiros, está presente a todos os anos, os sinos dobram no das escadas que levam às torres,
associação dos sinos à fé católica. aniversário do roubo do Pilar. por meio de uma corda que
“Do mesmo jeito que eu subo Assim, é pertinente afirmar desce até o piso das igrejas. O
[à torre para tocar os sinos] rezando, que, para além de sua função Toque de Entrada praticamente
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tendo como referência as cidades de São João del-Rei, Ouro Preto, Mariana,
Catas Altas, Congonhas do Campo, Diamantina, Sabará, Serro e Tiradentes

IGRE JA NO S S A S E NH O RA DO R O S Á R I O , MA R I A NA .
FOTO : PE DRO DAV ID, 20 0 4.

nas festas religiosas os sinos sempre


foram e continuam sendo tocados.
Alguns toques já extintos
sobrevivem, entretanto,
na memória dos mais velhos.
São eles: o Toque do Ângelus,
que chamava os fiéis à reflexão,
relembrando a Anunciação do
Anjo à Maria; o Toque da
Ave-Maria, que era realizado na
Igreja de São Pedro, em festividades
diversas, e que evocava uma
saudação à Maria; e o Toque de
substituiu os repiques de Chamada na Sé. Nas novenas só se toca sino Penitência, para procissões em que
para Missas que, antigamente, na Igreja de São Francisco. Nela, saía o Santo Lenho. Digno de nota
o antecediam. Algumas vezes há Antônio Manuel Pacheco Filho, é o esforço de registro de um
repique para chamar para missas o Pacheco, ministro da Ordem antigo morador, o pai do ex-sineiro
na Igreja de Nossa Senhora das Terceira de São Francisco e antigo Frederico Ozanan Teixeira
Mercês. Na Igreja do Rosário sineiro, paga alguém para tocar Santos, irmão da Ordem de São
toca-se regularmente. É a que mais em seu lugar. Na Igreja de Nossa Francisco que, segundo Frederico
preserva a tradição dos toques. Senhora do Carmo, o antigo Ozanan, publicou uma descrição
O Toque Fúnebre atualmente só sineiro é o zelador da igreja, João dos toques de sinos da cidade.
é realizado na Igreja do Rosário e Nicolau de Castro, que conta com a No passado marianense, tocar
na de São Pedro. Na Sé não se toca ajuda de jovens aprendizes. O toque os sinos fazia parte dos serviços
sino nas novenas – não há sineiro do Ângelus não acontece mais. Mas de coroinha. Hoje, os toques que
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tendo como referência as cidades de São João del-Rei, Ouro Preto, Mariana,
Catas Altas, Congonhas do Campo, Diamantina, Sabará, Serro e Tiradentes

DA ESQU ERDA PA RA A D IRE ITA


I G REJ A MATR I Z DE NO S SA SE NHORA DA
C O NCEI ÇÃO, CONG ONHAS DO C AM PO.
FOTO: CR I STI NA LEMOS, 2009.

I G REJ A NOS SA SEN HORA D O ROSÁRIO,


C O NG ON HA S DO CAM PO.
FOTO: CR I STI NA LEME , 2009.

persistem se devem ao esforço parte, ao desinteresse do pároco. Senhora da Conceição, na de Nossa


dos antigos sineiros ou de outros João Nicolau de Castro afirma Senhora do Rosário e na Basílica
moradores ligados às igrejas que às que há quem reclame dos toques existem funcionários contratados,
vezes pagam do próprio bolso para e às vezes é o próprio padre. pela Paróquia ou pela Reitoria,
alguém tocar, a fim de preservar a Por fim, ainda que que têm dentre as suas obrigações a
tradição. Mas, nas festas, precariamente, a comunidade tarefa de tocar os sinos, mas não é
as comissões festeiras, compostas por se esforça por manter os sinos preciso ciência para desempenhá-la.
representantes da comunidade tocando. Mesmo a manutenção Na Igreja São José, também se
devota, tomam providências para física dos sinos, nos casos mais toca com simplicidade, na base
garantir os toques dos sinos. simples, é providenciada pela das badaladas espaçadas, mas são
Alguns padres também se comunidade; há algumas pessoas voluntários que cuidam dos sinos.
preocupam em preservar a tradição habilitadas que o fazem como A única regra que se deve
dos sinos. Mas há, por outro lado, voluntários. Mas parece fora de cumprir é observar os horários
depoimentos que acusam os clérigos dúvida que a atividade sineira em previstos para os toques.
como agentes de enfraquecimento Mariana declina. De qualquer A população se fia nisso. Há quem
da tradição. O ex-sineiro Frederico maneira, os sinos ainda compõem perca a hora para o trabalho se os
Ozanan afirma (e conta que chegou a paisagem sonora da cidade. sinos tocam atrasados. Os toques de
a escrever isso em seu jornal Folha Congonhas é um caso muito Ângelus, às seis da manhã, meio-dia
Marianense) que certos padres, particular. Os toques cotidianos e seis da tarde, acontecem,
se pudessem, acabariam com as não podem absolutamente faltar invariavelmente, todos os dias,
tradições religiosas de Mariana. – e soam muitas vezes por dia. na Matriz e na Basílica. Uma
E assim também com os toques de Mas as diferenciações entre eles hora, meia hora e quinze minutos
sinos. Segundo Pacheco, o fato praticamente se acabaram e não há antes de cada missa em cada uma
de os sinos da Sé hoje não serem nenhum rigor quanto à sua forma dessas igrejas, tocam-se os sinos,
tocados se deve, ao menos em sonora. Na Igreja Matriz de Nossa anunciando. E toca-se também
dossiê iphan 16 { Toque dos Sinos e o Ofício de Sineiro em Minas Gerais } 92
tendo como referência as cidades de São João del-Rei, Ouro Preto, Mariana,
Catas Altas, Congonhas do Campo, Diamantina, Sabará, Serro e Tiradentes

nas igrejas de São José e de Nossa com trânsito intenso de


Senhora do Rosário. Quando automóveis. Mas os sons dos sinos,
não há festas ou celebrações pelo menos da Matriz e da Basílica,
especiais, há 19 missas por são audíveis de muitos pontos da
semana no conjunto das igrejas, cidade. Assim mesmo, não há nas
totalizando 57 toques por semana. festas um diálogo entre torres, tal
Nas festas, os toques se como foi observado nas cidades de
multiplicam. Tal como nas outras Diamantina e São João del-Rei.
cidades, eles acompanham o O toque que a cidade procura
movimento das procissões, sua manter mais bem caracterizado é
saída e sua chegada às igrejas. Esse o toque fúnebre. Ainda que não
trajeto se desenvolve entre elas, que haja mais as diferenciações entre
ficam próximas umas das outras. fúnebres para homens, mulheres,
Da Basílica, situada na parte mais crianças ou outros. No entanto, na Igreja Matriz, desde que o morto
alta da cidade, se vê, de frente, a é possível que esses toques saiam passe por lá antes de ser enterrado.
Igreja Matriz e, entre uma e outra, bem diferentes uns dos outros, Mas repiques mesmo, até onde
localiza-se a Igreja de São José. muitas das vezes – na capela do foi possível investigar, só quem
A Igreja do Rosário, próxima à cemitério, qualquer dos presentes sabe fazer é o sineiro Antônio
Igreja Matriz, mas um pouco mais pode se prestar à tarefa. Isso, como Rabelo Araújo, o mais antigo da
distante da Igreja de São José e da também a presença de um sino, cidade, sacristão da Igreja Matriz
Basílica, fica normalmente fora do instalado precariamente na capela há 37 anos, o único que aprendeu
circuito e só recebe procissões nas do cemitério, parece confirmar a o ofício com outros sineiros do
festas por ela sediadas. afirmação de muitos de que o toque passado, mais velhos que ele.
Entre as igrejas, as ruas e avenidas fúnebre é necessário. Além do Antônio distingue cinco toques:
são bastante movimentadas, cemitério, toca-se fúnebre também os repiques - para festas e missas;
dossiê iphan 16 { Toque dos Sinos e o Ofício de Sineiro em Minas Gerais } 93
tendo como referência as cidades de São João del-Rei, Ouro Preto, Mariana,
Catas Altas, Congonhas do Campo, Diamantina, Sabará, Serro e Tiradentes

PÁG I NA AO LADO
I G REJ A B ASÍ LI CA DO S E NHOR D O BOM JE SUS D E
MATOZI N HOS, CONG O NHAS D O C AM PO.
FOTO: CR I STI NA LEME , 2009.

B AI XO, DA ESQU ERDA PARA A D IRE ITA


SINEIRO ANTÔNIO DA IGREJA MATRIZ DE NOSSA
SENHORA DA CONCEIÇÃO, CONGONHAS DO CAMPO.
FOTO: CR I STI NA LEME , 2007

ZELA DOR A DONA I F I GÊ NIA, DA IGRE JA NOS SA


S E N HOR A DO R OSÁRI O , C ONGONHAS DO C AM PO.
FOTO: CR I STI NA LEME , 2009.

aos meninos que se interessaram


pelos sinos, mas não o suficiente
para que algum o pudesse
substituir. A doença de Antônio
parece colocar termo às formas
tradicionais dos toques.
Alguns vizinhos da Matriz reclamam
que agora não ouvirão mais
“os sambinhas do seu Antônio”.
Mas o ato de tocar e o som dos
sinos agora, praticamente, apenas
sob a forma de badaladas simples,
se mantêm firmes na cidade.
os toques de entrada para as que aprendera traços pessoais, Por outro lado, a cidade
missas – o último toque antes do guiando-se por seu próprio parece aceitar bem a invenção de
início da celebração, que indica gosto e pelos comentários dos novidades. Na Igreja de Nossa
que o padre já chegou; o toque ouvintes – provavelmente como Senhora do Rosário, a zeladora
do Ângelus; o toque fúnebre; e o a maioria dos mestres sineiros, atual, Ifigênia Marques, responsável
dobre da Semana Santa – para os depois de alcançar domínio por tocar os sinos, afirmou ter
momentos solenes da celebração, do ofício e reconhecimento criado um novo toque para avisos
em oposição aos repiques. Durante como autoridade no assunto. de missas. Também toca para
seus anos como sacristão da Igreja Recentemente, Antônio sofreu as ocasiões fúnebres e para as
Matriz, ele ganhou bastante um derrame e perdeu as condições chegadas e saídas das procissões.
habilidade como sineiro, bem de subir às torres da igreja. Ela usa o sino de modo singular.
como foi imprimindo aos toques Ele chegara a ensinar alguma coisa Explica que incrementou os
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tendo como referência as cidades de São João del-Rei, Ouro Preto, Mariana,
Catas Altas, Congonhas do Campo, Diamantina, Sabará, Serro e Tiradentes

toques para que a comunidade devotos e da comunidade, mais que regulares de todas as igrejas,
possa diferenciar os sinais e dos padres contratantes. pelo menos as do centro histórico.
entender o que se passa na igreja. O pároco João Afonso Chagas Em todas elas, há um funcionário,
Apesar das zeladoras da Igreja do disse que sinos não têm nenhuma auxiliar de serviços gerais ou
Rosário, Ifigênia, e da Igreja Matriz, importância para os rituais sacristão, com carteira assinada,
Conceição – como também católicos, são importantes para a cujo contrato inclui, como uma
o sacristão e mestre sineiro população, como tradição popular. das tarefas mais relevantes,
Antônio –, cuidarem dos templos Após estudar o tema dos sinos tocar, regularmente, os sinos.
como funcionários, a relação é em todas essas cidades, São João Para exercer profissionalmente
fundamentalmente de afeto. del-Rei e destaca de fato como um tal ofício, o sineiro deve conhecer
O empenho e o gosto pelos sons caso à parte. O ofício de sineiro bem cada um dos toques e cada
dos sinos vêm desses servidores é previsto dentre as atividades uma das ocasiões em que devem
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tendo como referência as cidades de São João del-Rei, Ouro Preto, Mariana,
Catas Altas, Congonhas do Campo, Diamantina, Sabará, Serro e Tiradentes

PÁG I NA AO LADO
C RI A NÇAS EM P ROCI S SÃO AO LONGO DOS TAPE TE S
D ECOR ADOS DURANTE A SE M ANA SANTA, SÃO JOÃO
D EL-REI .
FOTO: J OÃO R AMA LHO NE TO, 2009.

AO LADO, DA ESQU ERDA PARA A DIRE ITA


C RI A NÇAS EM P ROCI S SÃO NA SE M ANA SANTA, SÃO
J OÃO DEL-R EI .
FOTO: J OÃO R AMA LHO NE TO, 2009.

C RI A NÇAS EM P ROCI S SÃO AC OM PANHANDO


I MAG EM DE NOS SA SENHORA DE FÁTIM A, SÃO JOÃO
D EL-REI .
FOTO: J OÃO R AMA LHO NE TO, 2009.

ser realizados, pois é essencial marcação, o sino médio pergunta rítmicas e sonoridades que
realizar o toque certo na ocasião e o grande responde”, nas palavras compõem nada menos que um
adequada. Há mais de 40 toques, dos sineiros. Os diferentes toques verdadeiro repertório de peças
todos muito bem definidos em sua são formados por agrupamentos de para sinos – assim como há
forma sonora, não sendo permitido dobres ou pancadas regulares, que repertórios de peças para piano
realizar toques diferentes dos já se distinguem entre si conforme o ou para violão – e constituem,
estabelecidos. Muito raramente, seu número, dinâmica e andamento de modo muito peculiar, a
algum sineiro, e somente um e são, na maior parte dos casos, paisagem sonora da cidade.
sineiro já consagrado como tal, acompanhados dos repiques. Antes de se tornarem
pode sair com um toque novo, Os diversos toques são articulados profissionais, os sineiros passam
que é acolhido pela comunidade e de tal forma que uns adjetivem os por um longo aprendizado, que
integrado ao conjunto de toques da outros. Por exemplo, um conjunto geralmente se inicia na infância
cidade. Dentre os quarenta toques de repiques significa: “missa”; ou adolescência, com a observação
de São João del-Rei, e pancadas a seguir podem significar: e a prática. Muitos meninos da
há um conjunto de cerca de “que será celebrada pelo pároco”, cidade se interessam pelos sinos
quatorze repiques, diferentes entre ou: “que será celebrada por padre e frequentam, regularmente, as
si, e cada qual com configuração visitante”. Os toques e combinações torres para ouvir e ver os sineiros
rítmica singular, bem determinada possíveis prestam-se à transmissão já experientes tocarem, com a
e invariável, ainda que se de mensagens mais complexas e esperança de obterem permissão
permitam pequenas variações ou variadas que nas demais cidades – para ajudar na tarefa. Muitos se
ornamentos em sua execução – embora apenas uma parte levantam mesmo aos domingos,
como peculiaridades do intérprete da população, geralmente os muito cedo, para correrem às torres
(sineiro). A função de cada sino moradores mais velhos, consiga com esse intuito. Eles costumam
na execução dos repiques é bem decifrá-las perfeitamente. fazer o que na cidade se apelida
definida: “o sino pequeno faz a Formam um conjunto de peças por “via-sacra”: percorrer as várias
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tendo como referência as cidades de São João del-Rei, Ouro Preto, Mariana,
Catas Altas, Congonhas do Campo, Diamantina, Sabará, Serro e Tiradentes

NO S S A S E NH O RA DA S DO RE S EM P R O CI S S ÃO
DU RA NT E A S E M A NA S A NTA , S ÃO J OÃO D EL-R EI .
JOÃO RA M A L H O NE TO , 20 0 9

momentos, têm dificuldades de


subir à torre. Assim, eles aprendem
os toques, tornam-se conhecidos
da comunidade, ganham o respeito
dos sineiros experientes e tornam-
se aptos para ocupar o cargo.
Os sineiros dizem que é
necessário ter bom ouvido para
escutar bem todos os sinos.
Há os sinos pequenos, os médios
e os grandes, cada um com uma
função na estrutura dos repiques.
“Quem está tocando um sino tem
igrejas em que haverá missas, umas sineiros profissionais, por sua de ouvir o outro; o sininho faz a
após as outras, aproveitando ao vez, contam com a sua ajuda, marcação, os outros respondem.
máximo os horários dos toques, já que os toques são tirados em Se o sininho atrasa, os outros têm
para aprender e praticar. dois, três ou mais sinos. Mas os de atrasar; se adianta, os outros têm
Há também meninos que costumam sineiros experientes são capazes de adiantar – é igual uma bateria”.
frequentar as torres somente também de tocar três ou quatro Os mestres procuram ensinar isso
durante as festas religiosas, quando sinos ao mesmo tempo sem a ajuda aos meninos na prática e testam sua
os sinos são tocados mais vezes e de ninguém, se for necessário. atenção e sua escuta, pregando-lhes
por períodos de tempo mais longos. Os aprendizes mais habilidosos e peças. A brincadeira se instaura
Entre os aprendizes, responsáveis às vezes substituem desde o método de aprendizagem.
há sempre aqueles que se destacam os sineiros oficiais que, em meio Há o caso dos sineiros, para
por sua maior habilidade e os às tarefas da igreja, em certos além das suas tarefas costumeiras,
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tendo como referência as cidades de São João del-Rei, Ouro Preto, Mariana,
Catas Altas, Congonhas do Campo, Diamantina, Sabará, Serro e Tiradentes

NOS S A S E NH O RA DA C O NC E IÇ ÃO E M PRO C IS S ÃO ,
COM IGRE JA DE S ÃO FRA NC IS C O DE A S S IS AO
FUNDO , S ÃO JOÃO DE L - RE I.
FOTO : JOÃO RA M A L H O NE TO , 20 0 9 .

se organizarem para tocar os sinos todo o dia; atualmente está Garcia. São eles que coordenam
só por gosto, às vezes até como limitada, por ordem do bispo, as atividades religiosas, cuidam
campeonatos de sineiros, formando ao máximo de 30 minutos. da limpeza, dos reparos e todas as
grupos, por exemplo, de mais As igrejas do centro histórico de tarefas administrativas. São eles
velhos contra mais jovens ou duplas São João del-Rei são mantidas por também, a instância responsável
e trios que gostam de tocar juntos e sodalícios religiosos, todos muito pela contratação dos sineiros.
que se afinam melhor. bem organizados: Irmandade do Mas os sineiros desempenham
Há já instituídos os “combates”, Santíssimo Sacramento, Irmandade sua função de acordo com os
entre as Igrejas Carmo, São de São Miguel e Almas, Irmandade conhecimentos adquiridos com
Francisco e Catedral, no quarto do Senhor Bom Jesus dos Passos, os sineiros antigos, geralmente
domingo da Quaresma, durante Confraria de Nossa Senhora da sem interferências ou correções
a procissão de Nosso Senhor dos Boa Morte, na Catedral Basílica de terceiros, sejam os membros
Passos: disputas entre grupos que do Pilar; Confraria de Nossa da direção dos sodalícios, sejam os
se distribuem nas torres para medir Senhora do Rosário, na Igreja clérigos. É verdade que o pároco,
qual deles permanece girando de Nossa Senhora do Rosário; muito antigo na cidade, Monsenhor
mais rápido e por mais tempo os Arquiconfraria de Nossa Senhora Paiva, que conhece bem os toques de
sinos, com blefes, inclusive. das Mercês, na Igreja de Nossa sinos, é capaz de perceber se ocorre
Os grupos usam bandeiras Senhora das Mercês; Ordem qualquer erro do sineiro.
vermelha e branca para sinalizar Terceira de Nossa Senhora Há também um vigário da Paróquia,
aos rivais a sua disposição. É do Carmo, na Igreja de Nossa Padre Ramiro, que gosta dos sinos,
obrigatório que a Igreja de São Senhora do Carmo; Ordem procura aprender sobre eles,
Francisco saia na frente, porque Terceira de São Francisco de Assis, pergunta sobre toques que ouve
é nela que está o sino de Nosso na Igreja de São Francisco de pela primeira vez e, às vezes, é até
Senhor dos Passos. Houve tempo Assis; Confraria de São Gonçalo capaz de notar qualquer imprecisão
em que essa brincadeira durava Garcia, na Igreja de São Gonçalo nos toques. No entanto, eles não
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tendo como referência as cidades de São João del-Rei, Ouro Preto, Mariana,
Catas Altas, Congonhas do Campo, Diamantina, Sabará, Serro e Tiradentes

chegam a interferir na atividade dobres fúnebres. Existe, no entanto, é irrefutável o aspecto lúdico
dos sineiros. Outros clérigos, em a possibilidade, para aquele que não nas torres. Mas há também, com
geral, não conhecem os toques é filiado, de comprar uma sepultura os meninos, a preocupação e a
de sinos. Os membros das mesas no cemitério de uma igreja; esse tem vigilância por parte dos sineiros
das irmandades, confrarias e também direito aos dobres fúnebres, responsáveis, por causa dos
Ordens Terceiras, muitos deles mas parcimoniosamente. Além do riscos de acidentes. Os sineiros
foram aprendizes de sineiros salário fixo mensal, é tradição na profissionais têm por obrigação
quando jovens e conhecem bem os cidade, nas ocasiões de velórios e se responsabilizar por tudo o que
toques. Ainda assim, os sineiros enterros, os sineiros receberem uma ocorre nas torres, além de cuidar
profissionais é que são reconhecidos quantia extra das famílias dos mortos da manutenção de todos os sinos
como os grandes conhecedores do quando se tocam os sinos fúnebres. na igreja em que trabalham.
tema e têm legitimidade para exercer As igrejas têm geralmente uma Já há algum tempo, cada igreja
suas funções com autonomia, de suas torres equipadas com tem sua torre equipada com
decidindo por si mesmos casos três ou quatro sinos. Além dessa, caixas de som, para orientar os
particulares acerca dos toques. há outra com mais um, dois ou sineiros quanto ao desenrolar das
As irmandades em São João três sinos, sendo grandes para missas, de modo a tocá-los nos
del-Rei são muito fortes. Uma comportar muitos sineiros de momentos certos. No passado,
parte considerável da população é uma só vez. Em certas ocasiões, os sineiros com seus ajudantes
filiada a, pelo menos, uma delas. principalmente nas festas, elas improvisavam recursos para acertar
Todos os sineiros participam de ficam lotadas de sineiros que a hora dos toques. Muitas vezes, os
alguma irmandade. Há os que sejam se alternam em cada sino, além dispositivos imaginados falhavam,
filiados a todas elas. Curioso é daqueles que vêm ver, ouvir, os toques vinham fora de hora
que o privilégio do filiado consiste aprender e comentar as habilidades e há caso de sineiro demitido
em ter um lugar no cemitério de uns e outros. Apesar da por fazer soar os sinos na hora
correspondente e ter direito aos seriedade e do respeito religiosos, errada. Trapalhadas antológicas.
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tendo como referência as cidades de São João del-Rei, Ouro Preto, Mariana,
Catas Altas, Congonhas do Campo, Diamantina, Sabará, Serro e Tiradentes

PÁG I NA AO LADO, DA E SQUE RDA PARA A D IRE ITA


C E MI TÉRI O EM SÃO J OÃO D E L - RE I.
FOTO: J OÃO R AMA LHO NE TO, 2009

T ETO DA TOR RE DE 3 SINOS DA IGRE JA M ATRIZ


NO S SA SEN HOR A DO PIL AR, OURO PRE TO.
FOTO: P EDRO DAV I D, 2004.

D I REI TA
A PRESENTAÇÃO DE CO RAL D E FIÉ IS D URANTE A
S E MA NA SA NTA, SÃO JOÃO D E L - RE I.
FOTO: J OÃO R AMA LHO NE TO, 2009.

São João del-Rei desenvolveu


também tecnologia especial para
os repiques: um gancho em
formato de “S”, encaixado na ponta
do badalo, permite agilidade e
precisão incríveis nos movimentos
de percussão imprimidos
na campânula dos sinos.
Geralmente, os sinos rachados ou
badalos quebrados são rapidamente
reparados ou substituídos.
Dá-se um jeito, porque a cidade
não passa sem eles. No entanto,
os problemas de refundição ou Como nas outras cidades, as ininterruptamente. Muita
substituição não têm ainda uma ocasiões em que mais se tocam os gente vem às igrejas só para
solução satisfatória. A sonoridade sinos são as festas de santos. escutar os sinos. Há crianças
dos sinos é muito relevante para os Os toques das festas por excelência que dançam ao pé das torres.
sineiros e outros moradores, que são os repiques. Nessas festas, organizadas pelas
sabem identificar cada um deles por Não se imagina uma festa em São irmandades, com a participação
seu timbre, volume, altura. Muita João del-Rei sem repiques. da comunidade de devotos, os
gente lamenta a transformação No centro se ouvem vários sinos cuidados com a manutenção das
do som do sino maior da Igreja ao mesmo tempo. Os sineiros tradições incluem os sinos tanto
de São Francisco de Assis – que tocam várias vezes durante o dia quanto as missas cantadas em
consideravam um dos timbres mais e a cada vez os sinos são tocados latim, com coro e orquestra, as
bonitos – depois de sua refundição. por até cinquenta minutos, bandas, os fogos e as procissões.
dossiê iphan 16 { Toque dos Sinos e o Ofício de Sineiro em Minas Gerais } 100
tendo como referência as cidades de São João del-Rei, Ouro Preto, Mariana,
Catas Altas, Congonhas do Campo, Diamantina, Sabará, Serro e Tiradentes

E S QU E RDA
C E L E BRAÇ ÃO DE M IS S A DU RANT E A S EMA NA
S A NTA , S ÃO JOÃO DE L - RE I.
FOTO : JOÃO RA M A L H O NE TO , 2 0 0 9 .

DIRE ITA
NO S S A S E NH O RA DO PIL A R E M P R O CI S S ÃO ,
DU RA NT E A S E M A NA S A NTA , CO M A CAT ED R A L
BA S ÍL IC A DE NO S S A S E NH O RA D O P I LA R AO
FUNDO , S ÃO JOÃO DE L - RE I.
FOTO : JOÃO RA M A L H O NE TO , 2 0 0 9 .

Os toques para as missas comuns complexa, com possibilidades de tenha testemunhado a criação, por
são compostos de muitas partes. escolha inclusive, entre uma coleção um sineiro da geração passada (já
Depois da Chamada de Irmãos – 40 de repiques, do que mais merece a falecido), de um dos repiques que
badaladas espaçadas a intervalo atenção dos sineiros. Para eles, os hoje integra o repertório de toques:
regular, no sino médio – toca- repiques “são a alma dos sinos”112. é o Tencão Atravessado, criado por
se um toque dividido em três Segundo o maestro Aluízio Eli Evangelista da Cruz. Aluízio
partes: primeiro a Principiada – uma Viegas, os repiques de São João Viegas, que recorda o feito, explica
espécie de introdução, em que del-Rei são peças rítmicas criadas como o toque foi criado, a partir de
se experimentam os sons de cada pelos sineiros, muito próximas variações de elementos de um toque
um dos três sinos, o pequeno, o de nossas danças populares. Os já existente, o Tencão Festivo. Aluízio
médio e o grande. Em seguida, o sineiros hoje atuantes na cidade afirma ainda que o repique Senhora
sineiro pode escolher, conforme são acordes em dizer que os sinos é Morta – usado com exclusividade
seu desejo, um dos oito repiques são como uma bateria de escola de em uma das festas mais importantes
disponíveis para essas ocasiões. samba. E o percussionista Djalma da cidade, a de Nossa Senhora da
Por último, o repique conclusivo, Corrêa compara a função de cada Boa Morte, e apreciadíssimo pelos
chamado Terentena. Depois de um dos sinos – os mais agudos e sineiros e pela comunidade –,
tudo isso, ainda se toca um os mais graves – com a função dos teria sido criado por um escravo,
toque, chamado Entradinha, para instrumentos em uma bateria. Há cedido às torres da Catedral
comunicar se o celebrante será o repiques em São João del-Rei que do Pilar por seus senhores. Tal
vigário, o pároco, padre visitante já no nome confirmam o vínculo afirmação se baseia em documentos
ou bispo. Curioso é imaginar que, com a tradição musical brasileira da Confraria de Nossa Senhora
para anunciar a missa e quem a de matriz africana: Batucada, da Boa Morte, bem como em
celebrará, bastariam a Chamada de um, e outro, Batuquinho. depoimentos de um antigo sineiro,
Irmãos e a Entradinha. No entanto, Dentre os moradores mais velhos já falecido, descendente do criador
há o toque do meio, de estrutura de São João del-Rei, há quem do ilustríssimo toque. O maestro
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tendo como referência as cidades de São João del-Rei, Ouro Preto, Mariana,
Catas Altas, Congonhas do Campo, Diamantina, Sabará, Serro e Tiradentes

explica as relações entre os vários Há também os sineiros que com palavras. Ele conseguia fazer
toques, mostrando as variações se tornam inesquecíveis por sua uns repiques calmos, dolentes, de
nos modos de articular elementos habilidade singular no tocar: baixa intensidade de som e que ele
semelhantes, chamando atenção não ensinou a outros como fazer.114
para o fato de que, na criação de Algumas pessoas, ainda vivas, que
toques novos, os sineiros levaram ouviram o sineiro João Resinga são Assim, em São João del-Rei,
em conta os toques já existentes. Ele acordes em dizer que os atuais sineiros o sineiro se apresenta como um
diz que a cidade não aceita qualquer não conseguem o que ele conseguia verdadeiro instrumentista; alguns,
novidade nos sinos – “tem que fazer fazer nos toques diários na torre da intérpretes memoráveis dos toques
sentido pra nós”113. E só mesmo Matriz do Pilar. O toque do Ângelus de sinos, que por vezes, com
um sineiro experiente, respeitado, das 18 horas no mês de maio era experiência e maestria na matéria,
pode sair com um toque novo. algo que não se consegue descrever chegam à criação de novos repiques.
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tendo como referência as cidades de São João del-Rei, Ouro Preto, Mariana,
Catas Altas, Congonhas do Campo, Diamantina, Sabará, Serro e Tiradentes

FIE L D U RA NT E A C E L E BRAÇ ÃO DE M IS S A NA
SE M ANA S A NTA , S ÃO JOÃO DE L - RE I.
FOTO: JOÃO RA M A L H O NE TO , 20 0 9 .

Mesmo reconhecendo a religiosas na manutenção da em 2007, que constam do


condição de excelência em que se prática sineira em Minas Gerais, processo. A esses se juntaram
encontram as práticas sineiras em desde sua urbanização precoce apoios e anuências ao processo de
São João Del-Rei, é perceptível no século XVIII. Os estudos Registro do Toque dos Sinos,
que há elementos em comum entre deixam claro que nas cidades em da parte da Associação dos Amigos
as nove cidades inventariadas: que elas atuam e são fortes, como do Serro (AASER), em 2008,
seu processo de formação, em São João del-Rei e Ouro Preto, a e mais recentemente da Associação
torno da atividade mineradora, preservação de toques antigos e do das Cidades Históricas de Minas
desenvolvida durante o período ofício de sineiro se faz pelo viés da Gerais e de inúmeras instituições
colonial; a forte presença da devoção dos irmãos congregados públicas e civis de Ouro Preto,
mão de obra escrava, no mesmo em louvor de um santo. Mesmo também, incorporados aos autos.
período histórico, que veio a se assim, nas cidades onde já não há Sabe-se que [...] a relação do toque
constituir num dos elementos tantas e tão fortes irmandades, dos sinos com a população das cidades
conformadores da sociedade pode-se ouvir reverberações e inventariadas não é, exclusivamente, uma
mineira e da expressão dos toques ressonâncias muito significativas relação de comunicação ou de controle do
dos sinos. Outro elemento comum das expressões sineiras. tempo, como também não o era no mundo
às cidades inventariadas, mas não Durante vários momentos de outrora. Se fosse assim, como explicar
exclusivo, é o estabelecimento de da pesquisa, as comunidades os dez toques diferentes para comunicar
associações religiosas leigas nessas das cidades inventariadas se a celebração de uma missa, em São João
vilas, que se responsabilizavam mobilizaram em torno do del-Rei? Apenas um seria suficiente. Esse
pelos ofícios litúrgicos oferecidos reconhecimento do toque dos e outros elementos levam a concluir que
à população e, dentre esses ofícios, sinos como patrimônio, como se a função comunicativa e também a de
o de tocar os sinos. Deve-se pode ver nos abaixo-assinados que controle do tempo persistem; contudo, a
também reconhecer a importância solicitam o Registro, colhidos nas relação entre essa prática e a comunidade
fundamental das irmandades cidades do Serro e de Sabará, de indivíduos não é mera funcionalidade.115
dossiê iphan 16 { Toque dos Sinos e o Ofício de Sineiro em Minas Gerais } 103
tendo como referência as cidades de São João del-Rei, Ouro Preto, Mariana,
Catas Altas, Congonhas do Campo, Diamantina, Sabará, Serro e Tiradentes

A LTAR MOR DECORADO C OM IM AGE NS D E C RISTO


E NOS SA SEN HOR A DO PIL AR, SÃO JOÃO DE L - RE I.
FOTO: J OÃO R AMA LHO NE TO, 2009.

Em alguns casos, há vários


toques que podem ser utilizados
numa mesma situação de
comunicação, reiterando que a
relação das cidades e dos sineiros
com os toques dos sinos inclui
outras dimensões relacionadas
ao reconhecimento de uma
forma de expressão que eles
consideram seu patrimônio.
O toque dos sinos é expressão
reveladora da identidade e da
diversidade cultural das cidades
inventariadas. Seus habitantes que existiram em muitas vilas e cidades inventariadas, expressa
se reconhecem e se distinguem cidades da América portuguesa um sentido de pertencimento a
dos habitantes de outras cidades e do Brasil. Sua continuidade uma paisagem sonora que lhes
porque atribuem um significado histórica estabelece, para essas atribui uma especificidade,
particular ao toque dos sinos, ao comunidades, uma identidade ao tempo que os insere nos
repertório dos toques, ao som ímpar, uma vez que elas ainda processos de construção de uma
diferenciado que plange de cada são capazes de decodificar identidade cultural brasileira
um daqueles bronzes, a partir os toques dos sinos. formada, em boa parte, de
das torres das várias igrejas das Ainda de acordo com o elementos da nossa religiosidade,
suas cidades. As cidades de São parecer técnico do DPI, o tanto erudita quanto popular.
João del-Rei e Ouro Preto ainda pedido de Registro do Toque As igrejas, suas torres
conservam uma série de toques dos Sinos apresentado pelas sineiras, os sinos de bronze,
dossiê iphan 16 { Toque dos Sinos e o Ofício de Sineiro em Minas Gerais } 104
tendo como referência as cidades de São João del-Rei, Ouro Preto, Mariana,
Catas Altas, Congonhas do Campo, Diamantina, Sabará, Serro e Tiradentes

E S QU E RDA
BA L C ÃO DE C O RA DO DU RA NT E A S EMA NA S A NTA ,
S ÃO JOÃO DE L - RE I.
JOÃO RA M A L H O NE TO , 20 0 9 .

DIRE ITA
V ISTA GE RA L DA IGRE JA DE S ÃO F R A NCI S CO D E
A S S IS , S ÃO JOÃO DE L - RE I.
FOTO : DJA L M A C O RRÊ A , 20 0 9.

o repertório e a expressão dos pancadas, repiques e dobres, [...] nas cidades inventariadas, o toque
toques testemunham a riqueza mas, também, apresentam um dos sinos continua presente, em maior
e a opulência do ciclo do ouro, grau de sofisticação ímpar em ou menor grau, seja vigente e íntegro no
a contribuição da mão de obra sua forma de execução: não há cotidiano, como em São João del-Rei e
escrava à produção do ouro, repique que não seja executado Ouro Preto, ou com menor intensidade
das igrejas, dos sinos e dos seus com um conjunto mínimo de e aténa memória de seus moradores, nas
toques, e de todas as demais três sinos que, como já visto, cidades citadas, que buscam revitalizar
condições necessárias à vida e segundo a explicação dos próprios essa prática. No caso dessas cidades, a
à morte dos homens daqueles sineiros, “conversam” entre si. perspectiva de registrar o Toque dos Sinos
tempos; dão conta das associações Em Ouro Preto, é possível como um patrimônio cultural brasileiro, é
religiosas leigas, de sua função identificar situações bastante tida como um elemento a mais no processo
social, do papel que desempenham similares a São João del-Rei, de coesão das suas comunidades.116
na promoção das artes e da música, apesar de não haver denominações
e de sua importância política. específicas para os toques. Fica ainda evidente que o toque
Em relação à sua função Em Mariana, como já dito, dos sinos e o ofício de sineiro
comunicativa, o toque dos sinos houve uma interrupção na cadeia se constituem como referências
em São João del-Rei se destaca de transmissão do toque dos culturais das cidades inventariadas,
diante das demais cidades: lá sinos que vem sendo retomada com destaque para São João
são reconhecidos cerca de 40 agora. O mesmo acontece em del-Rei, onde mais intensamente
toques, dentre repiques e dobres, Diamantina, onde há uma se associam os sineiros, os
todos nomeados e com uma intensa movimentação de sinos, as torres das igrejas, sua
estrutura formal precisa. Na retomada da atividade sineira. comunidade de ouvintes e os
verdade, os toques em São João O parecer técnico do DPI ainda rituais de celebrações religiosas que
del-Rei compõem um conjunto conclui que, por tudo o que motivam essa forma de expressão
complexo não só de badaladas, foi exposto, e o ofício que a executa. ¢
dossiê iphan 16 { Toque dos Sinos e o Ofício de Sineiro em Minas Gerais } 105
tendo como referência as cidades de São João del-Rei, Ouro Preto, Mariana,
Catas Altas, Congonhas do Campo, Diamantina, Sabará, Serro e Tiradentes
dossiê iphan 16 { Toque dos Sinos e o Ofício de Sineiro em Minas Gerais } 106
tendo como referência as cidades de São João del-Rei, Ouro Preto, Mariana,
Catas Altas, Congonhas do Campo, Diamantina, Sabará, Serro e Tiradentes

Recomendações de Salvaguarda
dossiê iphan 16 { Toque dos Sinos e o Ofício de Sineiro em Minas Gerais } 107
tendo como referência as cidades de São João del-Rei, Ouro Preto, Mariana,
Catas Altas, Congonhas do Campo, Diamantina, Sabará, Serro e Tiradentes

S I NO DA I G R EJ A DE SÃO PE DRO DOS C L É RIGOS,


MA RI A NA .
FOTO: P EDRO DAV I D, 2004.

D iscutir e propor ações de


salvaguarda para os bens de
natureza imaterial que se deseja
humana. Especialmente por ter
uma associação direta com a Igreja,
os sinos são vistos como uma forma
enfraquecendo. Da mesma
forma, o vínculo dos sinos com
os aspectos religiosos. Com
registrar – o toque dos sinos e de comunicação com Deus. isso não se pretende, de modo
o ofício de sineiro, pesquisados É um dos objetivos da algum, negligenciar tais aspectos
em nove cidades de Minas Gerais política do patrimônio cultural, dos toques (o religioso e o
–, como patrimônio cultural de portanto, contribuir para que comunicativo), apenas se pretende
todos os brasileiros, é destacar, a apreensão da paisagem não dar destaque a um processo de
antes de tudo, o direito comum fique restrita a poucos. transformação em curso.
a todos de fruição estética das Nos relatórios elaborados A pesquisa informou também
paisagens visuais e sonoras aqui pelas equipes de pesquisa, foram que, com exceção de um ou outro
apresentadas. É, igualmente, em observados pontos de fragilidade clérigo que tenha um interesse
última instância, estar atento à que, se não forem contemplados, especial pelo tema, os sinos
dimensão política que fundamenta podem tornar irreversível o risco não são objeto da atenção dos
as políticas de salvaguarda como de desaparecimento dos toques membros da Igreja, do ponto de
políticas de Estado. Registrar um dos sinos e a continuidade do vista institucional. Não há em sua
bem cultural é reafirmar o direito ofício de sineiro em algumas formação eclesiástica nenhuma
à memória, ao patrimônio e ao seu localidades do território mineiro, orientação voltada para o tema,
reconhecimento. conforme apresentamos a seguir. conforme observam os próprios
A paisagem quer visual ou Depois de examinar o que clérigos, sineiros e a população
sonora, deve ser passível de ocorre nas cidades, de um modo das cidades inventariadas.
contemplação por todos. No caso geral, parece claro que a função Sendo assim, sem uma instrução
da paisagem sonora sineira, ela é comunicativa dos toques de precisa acerca dos toques, sem
objeto de audição e transcendência sinos, fundamental no passado, gravações ou partituras e na falta
extremamente necessária à vida nos últimos tempos veio se de uma fiscalização por parte dos
dossiê iphan 16 { Toque dos Sinos e o Ofício de Sineiro em Minas Gerais } 108
tendo como referência as cidades de São João del-Rei, Ouro Preto, Mariana,
Catas Altas, Congonhas do Campo, Diamantina, Sabará, Serro e Tiradentes

DA E SQU ERDA PA RA A DIRE ITA


S I N E I R O G I OVA N I , DA I GRE JA DA ORD E M TE RCE IRA
D O CA RMO, SA B A RÁ.
FOTO: CRI STI NA LEME, 2009.

S I N E I R O CÉLI O, NA I G R E JA NOS SA SE NHORA DA


A S S UNÇÃO ( SÉ) , MA RI A NA.
FOTO: P EDR O DAV I D, 20 04.

representantes do clero, pode-se que ainda está implicada aí a sua ela é mais vigorosa – São João
concluir precipitadamente que os função comunicativa, mas já não del-Rei –, é a permanência de
sineiros têm ampla autonomia para é necessário decodificar minúcias irmandades fortes. As igrejas
a execução dos toques. O controle, nos toques. Apenas uma parte da têm sineiros contratados e pagos
entretanto, é social e exercido por população em cada uma dessas por essas associações. Todos os
outros mecanismos: há os outros cidades reconhece as mensagens sineiros oficiais são filiados a uma
sineiros e a comunidade que escuta transmitidas pelos toques de ou mais irmandades. Mas dentre
atentamente e reclama quando sinos. Dessa parte, somente os sineiros aprendizes e outros
os toques estão sendo executados uma pequena parcela é capaz de frequentadores das torres das
de maneira inapropriada. decifrar matizes nas mensagens. igrejas nem sempre a intenção
Nas nove cidades focalizadas, As ocasiões em que mais se tocam religiosa é predominante. Mesmo
os entrevistados mencionaram sinos são justamente as festas de a motivação dos sineiros oficiais
o fato de que, hoje em dia, não santos – eventos que concedem para tocar sinos parece ultrapassar
há mais a necessidade de se espaço largo à alegria, ao prazer, a devoção religiosa. Brincando com
comunicarem os eventos através ao lúdico –, quando a função as palavras, poderíamos dizer que
dos sinos. Vários toques praticados comunicativa dos toques é menos a devoção dos são-joanenses aos
no passado caíram em desuso por relevante. Parte da população sinos é quase religiosa. E que os
causa disso. Em muitas igrejas, aprecia simplesmente a beleza dos sineiros tocam seus instrumentos,
são usados alto-falantes para sons dos sinos, misturados aos religiosamente, todos os dias.
comunicar com mais detalhe foguetes e ao som das bandas. É verdade que em todas as
notícias corriqueiras à comunidade. Quanto às relações com a cidades abordadas, os sinos tocam
Acontece muito de a população religiosidade, é importante quase exclusivamente para os
telefonar para as paróquias, para sublinhar que o que garante a eventos da Igreja católica. Boa parte
as igrejas ou responsáveis para atividade em torno dos sinos, da população, principalmente a
saber por que o sino tocou. Claro justamente na cidade em que mais velha, empresta a eles uma
dossiê iphan 16 { Toque dos Sinos e o Ofício de Sineiro em Minas Gerais } 109
tendo como referência as cidades de São João del-Rei, Ouro Preto, Mariana,
Catas Altas, Congonhas do Campo, Diamantina, Sabará, Serro e Tiradentes

I G REJ A DE NOS SA SENHORA DO AM PARO AO


F UN DO, DI AMA NTI NA .
FOTO: DJ ALMA SA NTA ROSA, 2007

significação mística. É comum ouvir


que os sinos são a voz de Deus ou
que tocam para ele. Dentre os mais
jovens, no entanto, a dimensão
lúdica parece prevalecer sobre a
religiosa. Seria interessante examinar
se os sinos de fato “chamam” os
jovens às igrejas; parece certo que os
padres e os irmãos que cuidam das
igrejas se valem do interesse dos mais
jovens pelos sinos para despertá-los
para a fé. Em São João del-Rei, os
sineiros mais velhos afirmam que
os aprendizes dos sinos aos poucos
vão se aproximando das funções
litúrgicas e acabam por se filiar
a uma ou mais irmandades. Mas
talvez muitos desses novos sineiros
continuem interessados apenas
pelos sinos. Sinal dos tempos?
Como forma de preservar
os toques dos sinos e a prática
de tocá-los, em Ouro Preto e
Diamantina, pelo menos, surgem
nas comunidades propostas de
dossiê iphan 16 { Toque dos Sinos e o Ofício de Sineiro em Minas Gerais } 110
tendo como referência as cidades de São João del-Rei, Ouro Preto, Mariana,
Catas Altas, Congonhas do Campo, Diamantina, Sabará, Serro e Tiradentes

E S QU E RDA
PRO C IS S ÃO DE C O RPU S C H RI ST I , S A B A R Á .
FOTO : C RIST INA L E M E , 20 0 7.

PÁGINA AO L A DO , DA E S QU E R DA PA R A D I R EI TA
S INE IRO C A RLO S DE S C E NDO A S ES CA DA S DA TO R R E
DA IGRE JA DE S A NTA QU IT É RI A , CATA S A LTA S .
FOTO : PE DRO DAV ID, 20 0 4.

SINEIROS MENINOS SUBINDO PARA O TOQUE DOS SINOS


NA TORRE DA IGREJA DE SANTA EFIGÊNIA, OURO PRETO.
FOTO : PE DRA DAV ID, 20 0 4.

DE S C IDA DA TO RRE DA IGRE JA NO S S A S EN H O R A D O


C A RM O DA E QU IPE DE PE S QU I S A , OUR O P R ETO .
FOTO : PE DRO DAV ID 20 0 4.

mais os aspectos musicais da


tradição que os aspectos religiosos.
Tendência dos tempos atuais que já
ganha adeptos no próprio clero.
Padre Simões, atuante nas
questões do patrimônio em Ouro
Preto, sugere outro uso dos sinos,
além dos toques extrarreligiosos
já tocados na cidade. Ele propõe
a realização de festivais de
sinos em Ouro Preto, tal como
presenciou em Notre Dame:

criação de novos eventos como patrimônio promovidos pelos órgãos Isso [os toques de sinos] não só é filosofia
concertos de sinos que vão além públicos. É interessante ressaltar do povo, o folclore, mas também é uma
de sua função comunicativa e de que parte da comunidade considera arte que está se perdendo. Isso na Europa
sua dimensão religiosa. Os sinos que a tradição dos sinos pode, hoje, hoje é espetacular! [...] O toque de sinos
não são mais tão importantes como se descolar das tradições religiosas de Notre Dame de Paris! É coisa incrível!
meios de comunicação e, por isso, e seguir apenas como tradição É coisa inexplicável! Eles puseram aquilo
estão sendo menos tocados, mas musical, embora religião e música com captação para dentro da igreja e,
as comunidades se interessam pela sempre tenham andado fundidas fora, eles tocando o sino. O bimbalhar
preservação dos toques de sinos uma na outra. Processo semelhante dos sinos de Notre Dame. Se ouvia aquilo
como parte de suas tradições – e ao que ocorreu com toda a música em uma intensidade muito grande. Que
isso está inclusive associado aos sacra. Isso indica, certamente, beleza de sonoridade! Umas notas...
movimentos de valorização do que há uma tendência de valorizar entravam uma dentro da outra [...] Vocês
dossiê iphan 16 { Toque dos Sinos e o Ofício de Sineiro em Minas Gerais } 111
tendo como referência as cidades de São João del-Rei, Ouro Preto, Mariana,
Catas Altas, Congonhas do Campo, Diamantina, Sabará, Serro e Tiradentes

já pensaram um festival de sinos aqui em vem cá e olha as obras do Aleijadinho A atividade sineira é de longe mais
Ouro Preto? Já pensaram conectar a esculpidas à mão, mas ninguém olha pro intensa em São João del-Rei:
Igreja do Carmo, Igreja de São Francisco sino [...] e assim só percebem também lá, são as irmandades que a sustentam
de Paula, Igreja das Mercês, Igreja de São [os sinos] quando estão tocando, e os toques formulam mensagens
Francisco de Assis, do Rosário? O pessoal quando as pessoas estão escutando.118 variadas e de alguma complexidade.
ouvindo lá, e eles aqui tocando o sino... Mas apenas uma parcela mais idosa
bem feito, fazendo um acompanhamento O certo é que o interesse pelos da população é capaz de decifrar
de sinos. Aquele toca, aquele responde, sinos permanece vivo nessas essas mensagens. O mesmo não
aquele toca... Festivais de sinos!117 comunidades mineiras. A ponto se pode dizer de grande parte dos
de se procurar novas funções e meninos que, hoje, correm às torres
Na mesma direção, o sineiro novos sentidos para eles quando que tenham o mesmo interesse dos
Marcelo Eduardo Soares, que sobe e a função e o sentido antigos antigos pelas questões religiosas.
desce as escadas das torres rezando, perdem a sua força. Os toques Cabe notar que são esses jovens
diz que seria muito bonito um dos sinos são ainda valorizados os responsáveis pela perpetuação
evento musical com os sinos, mesmo nas comunidades como meio de da tradição no futuro próximo.
sem quaisquer funções litúrgicas: comunicação que serve à comunhão Enfim, para uns, os toques de
em torno de acontecimentos sinos são agentes de congregação
Se o sino é uma peça tão importante na importantes para a coletividade, dos moradores em torno de
comunidade, na igreja... Que ele acaba carregam ainda um sentido místico acontecimentos importantes de seu
ficando pra trás: uma das últimas coisas a que alimenta os devotos, mas, cotidiano; para outros, elementos
serem lembradas na igreja é o sino. Porque gradativamente, também migram essenciais das celebrações religiosas,
eles são usados só quando precisa mesmo. para outros espaços, em que se para outros ainda, brincadeira
[...] É justamente por causa disso que vislumbram talvez condições mais ou música. De qualquer forma,
ele está diminuindo, porque só quando favoráveis para sua continuidade para grande parte dos moradores
precisam dele é que está ali. O pessoal em tempos atuais e futuros. dessas comunidades eles são
dossiê iphan 16 { Toque dos Sinos e o Ofício de Sineiro em Minas Gerais } 112
tendo como referência as cidades de São João del-Rei, Ouro Preto, Mariana,
Catas Altas, Congonhas do Campo, Diamantina, Sabará, Serro e Tiradentes

DA E S QU E RDA PA RA A DIRE ITA


RE PA RO S FE ITO S NO S INO DA I G R EJ A NO S S A
S E NH O RA DA GLÓ RIA , PA S S AG EM D E MA R I A NA .
FOTO : C RIST INA L E M E , 20 0 7.

RAC H A DU RA DO S INO DA IGR EJ A MAT R I Z NO S S A


S E NH O RA DA C O NC E IÇ ÃO , C ATA S A LTA S .
FOTO : PE DRO DAV ID, 20 0 4.

referências fortes da paisagem referências culturais marcantes de poucos, e continuam criando


e da história desses lugares. para determinada localidade, novos toques a partir de elementos
Vimos que os toques de sinos ainda que venham perdendo de uma tradição sineira. Ainda
carregam traços dos cruzamentos força no presente, merecem ser, que algumas dessas cidades não
entre as tradições da Igreja tanto quanto se possa, largamente tenham encontrado um caminho
católica e heranças africanas. documentadas, simplesmente para manter vigorosa a atividade e
Considerando, com Maria do por seu valor histórico. garantir a transmissão dos toques,
Carmo Vendramini e Aluísio Como vimos, São João del-Rei o interesse da população se mostra
Viegas, dentre outros, que sua é a cidade que melhor organizou forte diante das possibilidades que
criação se deu ao longo de anos, por as atividades em torno dos sinos o processo de Registro oferece.
sineiros escravos e descendentes e mais cuidadosamente preservou Vale lembrar que não se pode
de escravos, e reconhecendo as os toques criados pelos seus desconsiderar a má condição de
evidentes semelhanças dos sons sineiros ao longo dos tempos. conservação dos sinos e das torres
dos sinos com a rítmica das Esses toques formam hoje um no processo de enfraquecimento
danças afro-brasileiras, pode-se verdadeiro repertório de peças da atividade nessas cidades. Em
dizer que eles ecoam as vozes da para sinos, interpretadas todos os Sabará, por exemplo, onde a
senzala na história da religiosidade dias pelos sineiros em atividade, tradição hoje é fraca, há grande
brasileira. Esse aspecto nos parece verdadeiros mestres em seu ofício quantidade de sinos rachados ou
extremamente importante, para que de intérpretes, e ouvidas, a longas sem condições de uso. É também
seja devidamente desenvolvido em distâncias, pelos habitantes e importante levar em conta a
pesquisas futuras. É fundamental frequentadores da cidade. possibilidade de interferências
que os toques de sinos existentes No entanto, as demais cidades negativas por parte da Igreja em
hoje sejam exaustivamente preservam também toques algum momento, no passado
documentados. Com isso, tradicionais, mesmo que alguns recente, pois justamente naquelas
quer-se também ressaltar que deles guardados apenas na memória cidades em que a atividade está
dossiê iphan 16 { Toque dos Sinos e o Ofício de Sineiro em Minas Gerais } 113
tendo como referência as cidades de São João del-Rei, Ouro Preto, Mariana,
Catas Altas, Congonhas do Campo, Diamantina, Sabará, Serro e Tiradentes

DE TA L H E DO S INO DA IGRE J A D E NO S S A S EN H O R A
DO C A RM O , M A RIA NA .
FOTO : PE DRO DAV ID, 20 0 4 .

dos séculos XIX e XX, padre Mestre


José Maria Xavier, Luiz Baptista
Lopes, Fausto Assunção e João
Américo da Costa, fizeram peças
musicais utilizando-se do motivo
rítmico do toque de sino são-
joanense Senhora é Morta.119
O percussionista Djalma Corrêa, de
Ouro Preto, onde, na infância, foi
coroinha e tocava os sinos, trabalha
há vários anos na composição de
uma suíte para sinos e usa muitas
vezes em seus concertos, dentro
hoje mais frágil (Sabará, Serro É interessante, para a salvaguarda e fora do Brasil, sons e toques de
e Mariana) identificou-se, nos dessa tradição, que esse repertório sinos mineiros. Recentemente,
depoimentos dos entrevistados, de toques se constitua como em abril de 2007, Paulo Sérgio
casos de conflitos entre padres e patrimônio musical para além dos dos Santos apresentou, no adro
comunidades em assuntos de sinos limites das localidades em que se da Igreja de São Francisco de
ou outras tradições locais. De produziram. Assim, compositores, Assis de Ouro Preto, o concerto
qualquer forma, todas essas cidades mineiros ou não, têm feito obras “Curvas, sinos e anjos”. Em
guardam ainda alguma contribuição musicais com sinos que têm 2008, foi apresentada no Palácio
para a composição de um grande alcançado ou podem alcançar limites das Artes, Belo Horizonte, e no
repertório de toques de sinos bem mais largos. Segundo o maestro Teatro Municipal de São Paulo,
de Minas Gerais, que carregam Aluízio Viegas, quatro compositores a Missa afro-brasileira, do maestro
traços de sua história e cultura. de São João del-Rei e adjacências, Carlos Alberto Pinto Fonseca, cujo
dossiê iphan 16 { Toque dos Sinos e o Ofício de Sineiro em Minas Gerais } 114
tendo como referência as cidades de São João del-Rei, Ouro Preto, Mariana,
Catas Altas, Congonhas do Campo, Diamantina, Sabará, Serro e Tiradentes

E S QU E RDA
RE C O LO C AÇ ÃO DO S INO DA I G R EJ A MAT R I Z D E
NO S S A S E NH O RA DA C O NC E IÇÃO , CATA S A LTA S .
FOTO : PE DRO DAV ID, 20 0 4.

PÁGINA AO L A DO , DA E S QU E R DA PA R A A D I R EI TA
RE PO S IÇ ÃO DE RO L DA NA S E M MA D EI R A DA I G R EJ A
M AT RIZ NO S S A S E NH O RA DA CO NCEI ÇÃO , CATA S
A LTA S .
FOTO S : PE DRO DAV ID, 20 0 4.

RE C O LO C AÇ ÃO DO S INO NA I G R EJ A D E S ÃO
FRA NC IS C O DE PAU L A , OU RO P R ETO .
FOTO : PE DRO DAV ID, 20 0 4.

arranjo conta com sinos. Ao fim da


apresentação belo-horizontina, um
grupo de ouro-pretanos residentes
na capital dizia ter “voltado a
Ouro Preto antiga” ouvindo os
sons dos sinos. E vários outros
exemplos poderiam ser citados.
Assim, também na literatura os
sinos aparecem como referências
na composição de subjetividades
e ambientes mineiros (não só,
naturalmente, visto que os sinos
são elemento forte em várias
regiões, dentro e fora do Brasil).
Carlos Drummond de Andrade
as utiliza largamente. Autran
Dourado escreveu um romance,
Os sinos da agonia, sob a influência
dos sinos. Exemplos não faltam.
Espera-se que o registro
oficial dos dois bens imateriais
aqui tratados acarrete benefícios
para a atividade sineira, como
é a expectativa dos moradores
das cidades mineiras. Mas,
dossiê iphan 16 { Toque dos Sinos e o Ofício de Sineiro em Minas Gerais } 115
tendo como referência as cidades de São João del-Rei, Ouro Preto, Mariana,
Catas Altas, Congonhas do Campo, Diamantina, Sabará, Serro e Tiradentes

sabe-se, o instrumento jurídico compromete com as seguintes os resultados das


registro de bens imateriais, propostas a serem realizadas, sempre pesquisas realizadas;
assim como o tombamento de em parceria com as comunidades • Realizar obras de
bens materiais são insuficientes e segmentos da sociedade: manutenção e conservação
para preservar referências da • Documentar, com a das torres e dos sinos,
cultura. É fundamental que haja qualidade técnica e de modo a viabilizar a
um conjunto de iniciativas por precisão necessárias, os continuidade dos seus
parte dos órgãos responsáveis diferentes toques de sinos toques e a melhoria das
pelas políticas de patrimônio, existentes nessas cidades; suas condições de expressão
que fomentem, estimulem e • Promover oficinas para e reprodução120;
viabilizem as práticas relacionadas recuperação dos toques • Valorizar o ofício de sineiro
ao bem cultural em tela. nas cidades onde estes se por meio da regulamentação
Nesse sentido, foram perderam, considerando de sua atividade nas
selecionadas as medidas de a memória oral; igrejas, como uma forma
salvaguarda voltadas para a proteção, • Promover oficinas de reconhecimento
valorização e promoção do ofício para troca e difusão do de sua contribuição
de sineiro e dos variados toques repertório dos toques; para a preservação da
dos sinos nas torres das igrejas que • Incentivar a pesquisa acerca cultura brasileira;
desenham a paisagem cultural de dessa forma de expressão • Identificar e documentar
Minas Gerais. Conforme parecer bem como de sua história as irmandades, os rituais
técnico elaborado no Departamento ao longo do tempo; litúrgicos e as celebrações
do Patrimônio Imaterial do Iphan, • Difundir por outros religiosas associados aos
em sintonia com as reivindicações mecanismos como toques dos sinos, como
dos interessados registradas publicações, documentação forma de promover sua
no processo, a instituição se sonora e audiovisual, continuidade. ¢
dossiê iphan 16 { Toque dos Sinos e o Ofício de Sineiro em Minas Gerais } 116
tendo como referência as cidades de São João del-Rei, Ouro Preto, Mariana,
Catas Altas, Congonhas do Campo, Diamantina, Sabará, Serro e Tiradentes

SINOS DA IGRE JA NO S S A S E NH O RA DO RO S Á RIO ,


OURO PRE TO .
FOTO: PE DRO DAV ID, 20 0 4.

Notas

1. A grafia correta do nome da Luz Coelho, pesquisadores;


da cidade de São João del-Rei, Cláudia Resende, historiadora,
assim como de seu adjetivo coordenadora técnica da pesquisa.
gentílico, são-joanense, foi 6. A metodologia do Inventário
definida pela Lei Municipal nº Nacional de Referências
4.253, de 15 de dezembro de Culturais (INRC), desenvolvida
2008, por iniciativa do vereador pelo Iphan para inventário
Adenor Luiz Simões Coelho. de conhecimentos sobre bens
2. Conforme consta do OF/ culturais de qualquer natureza,
SEC/GAB/920/01, a palestra tem sido aplicada com sucesso
foi proferida durante o evento para a produção de conhecimento
Inverno Cultural da Funrei, da e documentação sobre esses bens
Universidade Federal de São no âmbito da instrução técnica
João del-Rei, e o requerimento registro estabeleciam a abertura dos processos de Registro.
apresentado pedia o Registro do não de um processo administrativo, 7. Todas elas incorporadas
Toque dos Sinos da cidade de São mas sim de um Dossiê de Estudos. ao processo.
João del-Rei, Minas Gerais. 5. Com recursos orçamentários 8. VENDRAMINI (apud
3. Ofício nº 306/01/GAB/ do próprio Iphan, a equipe BISPO et al., 1981).
DID. Era então diretora do DID a contratada pela Funrei era a 9. Texto impresso apresentado
museóloga Célia Maria Corsino, seguinte: Maria das Dores Freire, ao Iphan em 2002.
e o superintendente da 13ª SR historiadora responsável pelo 10. CARVALHO (1975, p. 3).
era o economista Sérgio Abrahão, treinamento na metodologia 11. A instituição entende que
ambos do quadro do Iphan. do INRC; André Dangelo, a documentação consolidada
4. À época, os procedimentos especialista consultor; Fernando e o conhecimento produzido
para a instrução dos processos de Antônio da Conceição e Maria acerca de determinada referência
dossiê iphan 16 { Toque dos Sinos e o Ofício de Sineiro em Minas Gerais } 117
tendo como referência as cidades de São João del-Rei, Ouro Preto, Mariana,
Catas Altas, Congonhas do Campo, Diamantina, Sabará, Serro e Tiradentes

R E G ULAG EM DO RELÓGIO E SINO DA IGRE JA DE


S ANTA EF I G ÊN I A , OU RO PRE TO.
FOTO: P EDRO DAV I D, 2004.

cultural são datados e que, pela oitocentistas José Maria Xavier


própria dinâmica dos processos (Ofício de Ramos, Ofício de Trevas,
culturais, o bem cultural sofre Ofício de Sábado Santo e o Regina
sempre transformações. Esse é Coeli), Presciliano Silva (O vos
um dos motivos pelos quais o omnes) e Antônio dos Santos
Decreto nº 3.551/2000 prevê em Cunha (partes variáveis de todas
seu art. 7º a revalidação do título, as missas da Semana Santa em
pelo menos, a cada dez anos. que houve adaptação de novos
12. Os sítios urbanos coloniais textos litúrgicos e responsórios)
do século XVIII tombados pelo e o setecentista, Manuel Dias de
Iphan no Estado de Minas Gerais Oliveira (Miserere, o Popule meus,
são: Serro, Ouro Preto, Mariana, os motetos para a Procissão do
São João del-Rei, Congonhas do Enterro e da Ressureição). Do
Campo, Diamantina, Tiradentes. longo desses quase três séculos século XX, o destaque é João da
Sabará tem tombamento do de existência. Nas demais cidades Matta (Stabat matter) e Martiniano
conjunto arquitetônico de duas ruas. inventariadas, a situação é Ribeiro Bastos (Domine tu mihi
13. Para o objeto de estudo muito variada e, com certeza, o lavas pedes, Adoramus te Christie,
em tela, com certeza, a matriz maior ou menor enraizamento o Christie factus est e os Tractus e
cultural africana exerceu forte da prática sineira no cotidiano Bradados da Paixão segundo São João).
influência sobre a maneira e a das pessoas é proporcional a 16. As relações entre a
forma como os sinos eram tocados maior ou menor presença e Igreja Católica e os Estados
nas cidades inventariadas. força desses sodalícios em cada Monárquicos europeus ao longo
14. A pesquisa nos informou uma das cidades pesquisadas. da Idade Moderna sempre
que, em São João del-Rei, elas 15. Nessas cidades podemos foram conflituosas. A busca pelo
se mantiveram muito fortes ao destacar os compositores apaziguamento foi feita tanto
dossiê iphan 16 { Toque dos Sinos e o Ofício de Sineiro em Minas Gerais } 118
tendo como referência as cidades de São João del-Rei, Ouro Preto, Mariana,
Catas Altas, Congonhas do Campo, Diamantina, Sabará, Serro e Tiradentes

A L FA IA S DA M AT RIZ , S ÃO JOÃO D EL-R EI .


FOTO : JOÃO RA M A L H O NE TO , 2 0 0 9 .

com medidas curiais como por secularização do mundo ocidental matutino para se levantar e não,
medidas regalistas, dependendo da afirmando que “[...] O tempo necessariamente, para rezar a
ocasião e da maior ou menor força laiciza-se e um tempo laico, o ave-maria. Em Congonhas do
da Igreja ou do Estado. No caso tempo dos relógios, das torres de Campo, muitos entrevistados
de Portugal, ao longo do século atalaia, afirma-se perante o tempo afirmaram que perdem
XVIII, essas relações penderam clerical dos sinos das igrejas a hora do trabalho se os
para o lado do Estado e eram [...]” num curso inexorável que sinos tocam atrasados.
reguladas, portanto, pelo regalismo ocorre com o desenvolvimento 25. MARTINS (apud
que se estabeleceu por todo o de mecanismos a partir dos BOSCHI, 1986, p. 36).
território do Império português quais se desenvolveram os 26. CARPEAUX (1990).
através dos sistemas do padroado primeiros relógios mecânicos, 27. FURTADO (2008, p. 41).
e do beneplácito. O padroado desde fins do século XIII. Cf. 28. MACHADO
era o direito que o monarca LE GOFF (1983, p. 228). (1901, p. 1.015).
detinha de conceder benefícios 21. EDMUNDO, (2000). 29. O Ofício de Trevas
eclesiásticos. O beneplácito era a 22. O relatório de pesquisa expressa os sentimentos que
permissão dada pelos monarcas de campo nos informa que em animaram Nosso Senhor Jesus
para que a legislação papal fosse São João del-Rei há repiques Cristo na sua Paixão. Orações,
aplicada em seus territórios. que são tocados ao longo de cantos, lamentações, leituras e
17. CASTAGNA (apud 50 minutos ininterruptos. responsórios compõem os salmos,
FURTADO, 2008, p. 93, passim). Os sineiros se revezam na em número de 14. Ao término
18. LANGE (apud execução desses toques. de cada salmo, apaga-se uma vela
DANGELO [S.d.], p. 16). 23. BERNARDI do grande candelabro triangular
19. FIRMINO (2007). (2005, p. 149-151). colocado à direita do altar para
20. Jacques Le Goff já 24. A pesquisa nos informa que o Ofício Divino. Há 15 velas no
sinalizava esse processo de há quem espere o toque do Ângelus total. A do vértice superior não
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tendo como referência as cidades de São João del-Rei, Ouro Preto, Mariana,
Catas Altas, Congonhas do Campo, Diamantina, Sabará, Serro e Tiradentes

S INE TA S DA IGRE JA M AT RIZ , S ÃO J OÃO D EL-R EI .


FOTO S : JOÃO RA M A L H O NE TO , 2 0 0 9 .

padre Faria pelo fato dessa igreja ter


a iconografia de Nossa Senhora do
Bom Parto. Era realizado a pedido
dos familiares. Cada badalada
era acompanhada das orações
dos sineiros e dos familiares
da mulher em dificuldade.
32. Na cidade de Mariana, o
sineiro Antônio Manuel Pacheco
Filho criou o toque Sino de
Alarme como um sinal de tristeza
fúnebre, quando lhe foi pedido
um toque para alardear o incêndio
se apaga, representando Jesus canto gregoriano. Responsórios e da Igreja de Nossa Senhora do
Cristo. As 14 que se apagam laudes são de autoria do padre José Carmo, ocorrido em 20 de janeiro
representam a glória de Nosso Maria Xavier e foram compostos de 1999. Até hoje, esse toque foi
Senhor Jesus Cristo que também em 1871 e 1860. As lições têm a realizado apenas nessa ocasião no
se apaga pelo sofrimento de sua melodia atribuída ao compositor sino principal da Igreja de São
Paixão. Quando o Ofício Divino Manuel Dias de Oliveira. Francisco durante 40 minutos.
se encerra, as luzes são apagadas A cidade de Prados retomou O sineiro Pacheco não tinha na
e a assistência bate os pés no a prática a partir de 2005. memória registro de um toque de
chão ou as mãos sobre os bancos 30. DANGELO, ([S.d.], p. 9). incêndio, não se recordava de um
para simbolizar a morte ou a 31. Na cidade de Ouro Preto, padrão, por isso precisou criar
ressurreição de Cristo.Os salmos esse toque era realizado na Igreja um. O padrão criado foi executado
e as lamentações são cantados em de Nossa Senhora do Rosário do com três badaladas espaçadas
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tendo como referência as cidades de São João del-Rei, Ouro Preto, Mariana,
Catas Altas, Congonhas do Campo, Diamantina, Sabará, Serro e Tiradentes

configurando um ostinato que se Anjinho e era executado nos sinos informal na cidade de Prados,
repetiu por 40 minutos. O sineiro pequeno e médio sem distinção Campo das Vertentes (MG), por
Erildo Nascimento de Diamantina do sexo da criança); a chamada ocasião da Semana Santa de 2009.
afirma, entretanto, que o “toque para o catecismo; a chamada de 36. DANGELO op. cit., p. 8).
de incêndio é descompassado, sacristão, a chamada de sineiro; 37. SALLES (2007 p. 64; 119).
não tem ritmo, não tem nada”. o Toque de Consistório; o Toque 38. MONTANHEIRO ([S.d.]).
Ver DVD Entoados (minuto de Recolher (toque de Aragão, 39. São Carlos Barromeu
27:08), anexado ao processo. assim denominado em referência foi um importante cardeal da
33. Em entrevista concedida ao intendente geral da Polícia, Contrarreforma religiosa. Tendo
à equipe de pesquisadores em o desembargador Francisco vivido no século XVI, é muito
2002, Aluízio Viegas afirmou que Teixeira de Aragão que instituiu provável que sua recomendação
os seguintes toques se encontram no Rio de Janeiro para a defesa não tenha conseguido ser aplicada
em desuso: para anunciar o dos bons costumes o toque de no império ultramarino português
nascimento de crianças, o Toque recolher. Ele determinou que e talvez mesmo no próprio reino.
de Parto (uma vez que uma às 10 horas da noite o sino As Constituições do Arcebispado
parturiente com dificuldades de terceiro dobrasse na Igreja de São da Bahia, do início do século
dar a luz é submetida à operação Francisco de Paula) e o Rebate XVIII, também recomendam que
cesariana), o Nosso Pai (toque para calamidades, especialmente os sacristãos assumam essa função
que anunciava que a comunhão os incêndios; nesses casos, o no caso das igrejas paroquiais e
era levada aos enfermos), o número de badaladas indicava o que os tesoureiros o façam no
Toque de Agonia (para anunciar lugar por onde o fogo se alastrava. caso das associações leigas.
a morte iminente de alguém), 34. GONÇALVES 40. VENDRAMINI,
o repique fúnebre para crianças (1998, p. 264-265). op. cit., p. 56-57.
falecidas (em Ouro Preto, é 35. Frase lembrada e citada por 41. ANDRADE (1989,
designado como o Toque de Daniela Pereira durante conversa p. 437-438).
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tendo como referência as cidades de São João del-Rei, Ouro Preto, Mariana,
Catas Altas, Congonhas do Campo, Diamantina, Sabará, Serro e Tiradentes

S E QU ÊNCI A DE DETA L HE S DAS E NGRE NAGE NS


D O RELÓG I O DA I G R E JAS DE SANTA E FIGÊ NIA
( E S QU ERDA E CENTRO) E D E SÃO FRANCISCO D E
PAU LA ( DI REI TA ) , OURO PRE TO.
FOTOS: P EDRO DAV I D, 2004.

42. MONTANHEIRO, op. 44. PRAZERES (1984, p. 32). Artística Sinos Uberaba (Fasu/
cit., p. 6. Em um dos vídeos do 45. GINZBURG MG); Cláudio & Manoel do
Anexo, por exemplo, o sineiro (1987, p. 12-13). Sino, Rio de Janeiro; Indústria
afirma que há um padrão que é 46. CARVALHO, 1975. de Sinos Crespi e a RSR Sinos,
seguido por todos, mas cada um 47. DANGELO ([S.d.]). estas duas últimas em São Paulo.
dá seu toque pessoal, faz “firula”. 48. Nas relações entre Igreja 53. Ver anexo II deste capítulo.
43. A bibliografia nos informa e Estado era comum que uma 54. Batismo ou consagração
que a manutenção dos sinos era interviesse em assuntos do outro, dos sinos, suas regras são
feita pelos próprios sineiros. com mandos e desmandos de orientadas pelo Pontifical
Essa manutenção dizia respeito ambas as partes. Nesse sentido, Romano que congrega todos
à colocação da graxa nos eixos e competia à Igreja o registro dos os livros que contêm todas
mancais, substituição das cordas nascimentos, casamentos e óbitos. as celebrações que devem ser
de couro cru quando necessário Ao Estado, cabiam, de maneira presididas pelo bispo. O nome
e aperto das porcas e parafusos. geral, os processos de inventários, do sino pode estar de acordo
Quando a madeira do cabeçote testamentos, fiscalização, com a devoção da cidade ou
apodrecia ou ainda mancais e concessão de licenças e alvarás. da devoção particular do
parafusos atingiam um alto nível 49. OLIVEIRA doador. Deve-se atentar para
de desgaste, eram chamados (1964, p. 144-145). a especificidade dessa prática.
artesãos para o conserto. Com 50. Grifo nosso. O batismo é “um sacramento,
o estabelecimento da rede 51. CONSTITUIÇÕES ou seja, uma ação de ordem
ferroviária na região, era comum Primeiras do Arcebispado sobrenatural: ‘sinais visíveis de
que os mecânicos prestassem da Bahia (1707). coisas divinas’. [...] [indicava]
serviços para toda a população, 52. No Brasil, atualmente, explicitamente que a consagração
inclusive para a igreja no caso da há pelo menos quatro empresas com os santos óleos provocava
manutenção dos prédios e sinos. de fundição de sinos: Fundição no ser espiritual dos reis uma
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tendo como referência as cidades de São João del-Rei, Ouro Preto, Mariana,
Catas Altas, Congonhas do Campo, Diamantina, Sabará, Serro e Tiradentes

DA E SQU ERDA PA RA DI R E ITA


D E TALHE DO SI NO DA I GRE JA D E NOS SA SE NHORA
DA S M ERCÊS, MA RI A NA .
FOTO: P EDR O DAV I D, 20 04.

D E TALHE DO SI NO DA I GRE JA NOS SA SE NHORA


D O P I LAR, OU R O P R ETO.
FOTO: P EDR O DAV I D, 20 04.

transformação profunda”. Cf. 62. VIEGAS ([S.d.], p. 4). de Jesus no pão e no vinho, um
BLOCH (1998, p. 154). 63. VENDRAMINI, dos principais dogmas da liturgia
55. Em depoimento durante op. cit., p. 50. católica. Em 1264, o papa Urbano
a pesquisa de campo, D. Hebe 64. Portal da Indústria de IV estabeleceu a festa do Santíssimo
Rola afirma que é o contrário: Sinos Crespi, disponível em: Sacramento, originando-se daí as
são quatro cruzes no interior e <www.sinoscrespi.com.br>. confrarias e irmandades que tinham
sete no exterior. Ver Anexo Os 65. Disponível em: como finalidade comemorar
entoados – minuto 01:03:01. <www.tecnosino.com>. o dia da eucaristia, a primeira
56. Anexo DVD Entoados 66. Disponível em: quinta-feira depois da oitava de
– minuto 1:03:28. <www.rsrsinos.com.br> Pentecostes. Já no século XIV,
57. Também pode ser 67. Disponível em: fundou-se a Ordem dos Religiosos
denominado de castelo. <www.mednet.com.br>. Brancos do Santíssimo Sacramento,
58. Mancal – dispositivo 68. DANGELO, op. cit., p. 2-3. também chamados frades do
de ferro ou de bronze sobre o 69. HUGO (2008, p. 228). Ofício do Santíssimo. O papa
qual se apoia um eixo girante, 70. BENEVOLO (1991, p. 92). Bonifácio IX, em 1393, promoveu
deslizante ou oscilante e que lhe 71. Id., p. 220. a união dessa associação com a
permite movimento com um 72. RAPOPORT (1969). Ordem de Cister. Continuaram,
mínimo de atrito. Também pode 73. Fritz Teixeira de Salles porém, como sendo os frades do
ser chamado de dobradiça. nos informa que o sodalício do Santíssimo Sacramento. Em 1582,
59. MORRIS (1959 apud Santíssimo Sacramento teve sua o papa Gregório XIII concedeu
CORREIA, [S./d.]). Inclui origem associada ao objetivo a essa ordem o privilégio de
CD com registro dos toques. de dar ampla divulgação aos realizar anualmente a procissão do
60. Cf. ZEQUINI (2006). mistérios envoltos no sacramento Santíssimo, assim como de expor
61. Cf. VENDRAMINI, da Eucaristia, afinal trata-se da a Eucaristia no dia de Corpus
op. cit., p. 49-54. consubstanciação do corpo e sangue Christi. No século XV já estava em
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tendo como referência as cidades de São João del-Rei, Ouro Preto, Mariana,
Catas Altas, Congonhas do Campo, Diamantina, Sabará, Serro e Tiradentes

DE TA L H E S DE S INO S DA IG R EJ A MAT R I Z D E NO S S A
S E NH O RA DA C O NC E IÇ ÃO , CATA S A LTA S .
FOTO S : PE DRO DAV ID, 20 04 .

Lisboa, devidamente instalada, a


ordem do Santíssimo Sacramento.
Toda a corte lisboeta comparecia
à procissão por ela realizada “com
o corpo de Deus sacramentado.
Nessa ocasião, realizava-se em
Lisboa a exposição do Santíssimo,
tão usual em Minas e em todo o
Brasil colonial. Todas as matrizes
pertenceram, em Minas dos
primeiros anos, às irmandades do
S.S.” (SALLES2007, p. 61).
74. (SALLES, op. cit., p. 53-54).
75. VENDRAMINI,
op. cit., p. 54.
76. DANGELO (1978, p. 1).
77. FURTADO, op.
cit., p. 19-20.
78. SOUZA (apud JANCSÓ;
KANTOR, 2001, p. 184-185).
79. ANDERSON (1989, p. 14).
80. BACZO (1985, p. 309).
81. Os cataguases habitavam
o sul, oeste e o centro do atual
Estado de Minas Gerais.
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tendo como referência as cidades de São João del-Rei, Ouro Preto, Mariana,
Catas Altas, Congonhas do Campo, Diamantina, Sabará, Serro e Tiradentes

DA E SQU ERDA PA RA DI R E ITA


S I NO DA I G R EJ A NOS SA S E NHORA DA GLÓRIA,
PA S S AG EM DE MA RI A NA .
FOTO: P EDR O DAV I D, 20 04.

S I NO DA I G R EJ A DE NOS S A SE NHORA DO ROSÁRIO,


C ATAS ALTA S.
FOTO: P EDR O DAV I D, 20 04.

82. Os cataguases foram Luís Pedroso de Barros (1656), confraternitas, laicorum, congregatio,
identificados como povos Lourenço Castanho Taques pia unio, societas, coetus, consociatio –
ceramistas da tradição Una e sua (1668), Luís Castanho de Almeida torna-se necessário buscar alguma
denominação significa “gente (1671), Manuel de Campos Bicudo forma de distinção entre elas.
boa” (catu-auá). Segundo Ellis (1675), Fernão Dias Paes (1674) e Caio César Boschi afirma que
Júnior, a bandeira de Lourenço Bartolomeu Bueno da Silva (1676). há uma imprecisão característica
Castanho Taques, em meados 84. RESENDE (2007, p. 29). na designação dessas associações.
do século XVII, empreendeu 85. SOUZA, op. cit., p. 183-184. (BOSCHI, op. cit. p. 9).
ataques sucessivos em território 86. O Conselho Ultramarino 89. TORRES (1984, p. 62).
catagua, que se estendia até os em 1732 é claro: “por este 90. BOSCHI, op. cit., p. 36.
limites da atual cidade de Paracatu. modo se despovoará o Reino”. 91. DVD Semana Santa em Prados de
Segundo Capri, essa bandeira (SERRÃO, 1970, p. 601). Adhemar Campos Filho. Projeto
foi especialmente danosa para os 87. ÁUREO Throno Episcopal do Instituto Histórico e Geográfico
cataguases denominados Araxás (apud FURTADO 1997, 251-279). de Prados com o fim de registrar as
que viviam nos territórios entre os 88. Para a Igreja, o “traço manifestações culturais da cidade.
rios das Velhas e o Quebra Anzol. distintivo e dominante é ser uma Depoimento gravado por Átila
Depois dessa incursão, considerada fraternidade, uma fraternidade Alves e Costa e Aureliano Magela de
decisiva para a exploração desses sobrenatural, e não mais artificial, Rezende durante a Semana Santa
sertões, outras bandeiras foram pois que todos os seus membros de 1997 na cidade de Prados (MG).
organizadas com o objetivo de são unidos pelo Cristo: a doutrina 92. Cf. SALLES, op.
atacar e escravizar os cataguases. Cf. do corpo místico já exprime essa cit., p. 24; 97-98.
RIBEIRO (2005, p. 95, passim). unidade profunda”. Como essas 93. Ibid., p. 95.
83. As bandeiras mais associações apresentam uma 94. Ibid., p. 97.
conhecidas que desbravaram os grande variedade de designações 95. Valor pago para
sertões dos Cataguases foram a de – confraternitas, sodalitas, sodalitium, ingressar na associação.
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tendo como referência as cidades de São João del-Rei, Ouro Preto, Mariana,
Catas Altas, Congonhas do Campo, Diamantina, Sabará, Serro e Tiradentes

A LTO
S I NO DA I G R EJ A MATRIZ D E NOS SA SE NHORA DA
C O NCEI ÇÃO, CATAS ALTAS.
FOTO: P EDRO DAV I D, 2004.

B AI XO
J A NELA DA TOR RE DA IGRE JA M ATRIZ NOS SA
S E N HOR A DA CONCEI Ç ÃO, C ATAS ALTAS.
FOTO: P EDRO DAV I D, 2004.

96. CARPEAUX (1990, p. 18). em sua residência, Ouro Preto,


97. BOSCHI (2007). concedida a Josanne Guerra
98. AVILA (1994). Simões e Chiquinho de Assis.
99. DANGELO (apud 106. Entrevista com Juvelino
FRANCO, 1997, p. 4). Teodoro da Silva, 12-13 dez 2004,
100. FURTADO em sua residência, Ouro Preto,
(1997, p. 17-19). concedida a Josanne Guerra
101. Ibid., p. 9. Simões e Chiquinho de Assis.
102. Ibid., p. 8. 107. Entrevista com Eliseu
103. Citações retiradas de Damasceno Matos e Rodrigo Fina
entrevista com José Paulo da Ferreira, 2 nov 2004, na Casa
Cruz, concedida a Juliana Paroquial de Antônio Dias, Ouro
Araújo e Pablo Lobato, em 29 de Preto, concedida a Josanne Guerra
maio de 2007, na Igreja de São Simões e Chiquinho de Assis.
Francisco de Assis, Diamantina. 108. Entrevista com Fábio
104. Projeto Sino César Montanheiro, 3 nov 2004,
Cidadão, idealizado pelo na residência de Chiquinho de
jornal Voz de Diamantina, Assis, Ouro Preto, concedida
pela Academia de Letras e a Chiquinho de Assis.
Artes de Diamantina e pela 109. Entrevista com o
Associação dos Diamantinenses padre Geraldo Barbosa, 3 nov
Residentes em Belo Horizonte. 2004, na Casa Paroquial de
Diamantina, 2007. Antônio Dias, Ouro Preto,
105. Entrevista com Juvelino concedida a Josanne Guerra
Teodoro da Silva, 12-13 dez 2004, Simões e Chiquinho de Assis.
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tendo como referência as cidades de São João del-Rei, Ouro Preto, Mariana,
Catas Altas, Congonhas do Campo, Diamantina, Sabará, Serro e Tiradentes

110. Entrevista com Marcelo del-Rei”, incluída no processo Senhora da Boa Morte, além de
Eduardo Soares (e sua mãe, Délcia de instrução do registro dos uma marcha processional para
Maria do Carmo, Dona Dó), em 2 toques dos sinos nas cidades banda de música para a procissão
de novembro de 2004, na Igreja de históricas mineiras, Iphan. da Boa Morte; 3) Rapsódia
Bom Jesus do Matosinhos, Ouro 115. Parecer Técnico nº são-joanense, para Orquestra
Preto, concedida a Josanne Guerra 27/GR/DPI/Iphan. Brasília, Sinfônica; 4) Suíte das Idades,
Simões e Chiquinho de Assis. 30 de setembro de 2009. em que o ritmo do repique é
111. Idem. 116. Idem. usado como ostinato no quarto
112. Entrevista com Nilson José 117. Entrevista com o movimento. (VIEGAS, Aluízio.
dos Santos, concedida a Cristina padre José Feliciano da Costa Linguagem dos sinos de São João del-
Leme, Juliana Araújo e Pablo Simões, 1º nov 2004, na Casa Rei. Ouro Preto, 1990. Não
Lobato, em 6 de setembro de Paroquial do Pilar, Ouro Preto, publicado. Palestra proferida no
2007, na Igreja de São Francisco concedida a Josanne Guerra Salão da Escola de Farmácia da
de Assis, São João del-Rei. Simões e Chiquinho de Assis. Universidade Federal de Ouro
113. Entrevista com 118. Entrevista com Marcelo Preto, no âmbito do projeto
Aluízio Viegas, concedida Eduardo Soares, 2 nov 2004, Piques e Repiques, promovido pela
a Cristina Leme, Juliana na Igreja de Bom Jesus do mesma universidade. Esse texto
Araújo e Pablo Lobato, em Matosinhos, Ouro Preto, integra o material fornecido pelo
7 de setembro de 2007, na concedida a Josanne Guerra Iphan à equipe de pesquisadores
Catedral de Nossa Senhora Simões e Chiquinho de Assis. responsável por este inventário).
do Pilar, São João del-Rei. 119. Os nomes das peças são, 120. Recomenda-se o estudo
114. Entrevista com Aluízio respectivamente: 1) Abertura da experiência realizada na
José Viegas, transcrita sob o para o dia 14 de agosto; 2) Outra Superintendência do Iphan, no
título “Questionário sobre Abertura para 14 de agosto e uma Ceará, onde a restauração dos
linguagem dos sinos em São João Ladainha para novenas de Nossa sinos (e não sua refundição)
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tendo como referência as cidades de São João del-Rei, Ouro Preto, Mariana,
Catas Altas, Congonhas do Campo, Diamantina, Sabará, Serro e Tiradentes

PRAÇ A C O M C H A RRE T E S E M T I R A D ENT ES .


FOTO : AC E RVO T É C NIC O I P H A N , 2 0 0 9 .

garantiu a preservação da
sonoridade original. Na cidade
do Serro, moradores e devotos
aguardam solução para o impasse
relacionado à construção de
um espaço para abrigar o sino
da igreja de Nossa Senhora do
Rosário: Torre sineira acoplada
ao templo, semelhante a outras
que já existiram em diferentes
momentos no passado e como
deseja a irmandade, ou desligada
do corpo da igreja, como propõe
o Iphan, para deixar claro que
se trata de nova construção? Em
Milho Verde, distrito do Serro,
os problemas giram em torno da
segurança dos sinos na Igreja de
Nossa Senhora dos Prazeres, que
ficam desprotegidos, do lado de
fora do templo, bem ao alcance das
mãos. A comunidade solicita uma
providência, temendo que os sinos
sejam roubados, tal como foram
algumas imagens da igreja. ¢
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Catas Altas, Congonhas do Campo, Diamantina, Sabará, Serro e Tiradentes

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tendo como referência as cidades de São João del-Rei, Ouro Preto, Mariana,
Catas Altas, Congonhas do Campo, Diamantina, Sabará, Serro e Tiradentes

DA E S QU E RDA PA RA A DIREI TA
DE TA L H E DO S INO DA IGRE J A D E S A NTO A NTÔ N I O ,
M A RIA NA .
FOTO : PE DRO DAV ID, 20 0 4 .

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tendo como referência as cidades de São João del-Rei, Ouro Preto, Mariana,
Catas Altas, Congonhas do Campo, Diamantina, Sabará, Serro e Tiradentes

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tendo como referência as cidades de São João del-Rei, Ouro Preto, Mariana,
Catas Altas, Congonhas do Campo, Diamantina, Sabará, Serro e Tiradentes

PRO C IS S ÃO DE C O RPU S C H R I ST I E,
S ÃO JOÃO DE L - RE I.
FOTO : JOÃO RA M A L H O NE TO , 2 0 0 9 .

DOCUMENTÁRIOS
VIDEOGRÁFICOS

ENTOADOS. Realização Santa Rosa


Bureau Cultural.

SEMANA Santa em Prados. Arranjos


de Adhemar Campos Filho. Projeto
do Instituto Histórico e Geográfico
de Prados com o fim de registrar as
manifestações culturais da cidade.
Prados, MG, 1997. ¢
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tendo como referência as cidades de São João del-Rei, Ouro Preto, Mariana,
Catas Altas, Congonhas do Campo, Diamantina, Sabará, Serro e Tiradentes

Anexo 1
Parecer do
relator
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Catas Altas, Congonhas do Campo, Diamantina, Sabará, Serro e Tiradentes
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Catas Altas, Congonhas do Campo, Diamantina, Sabará, Serro e Tiradentes
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Catas Altas, Congonhas do Campo, Diamantina, Sabará, Serro e Tiradentes
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Catas Altas, Congonhas do Campo, Diamantina, Sabará, Serro e Tiradentes

Anexo 2
Certidão de
Registro do
Toque dos Sinos
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tendo como referência as cidades de São João del-Rei, Ouro Preto, Mariana,
Catas Altas, Congonhas do Campo, Diamantina, Sabará, Serro e Tiradentes
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tendo como referência as cidades de São João del-Rei, Ouro Preto, Mariana,
Catas Altas, Congonhas do Campo, Diamantina, Sabará, Serro e Tiradentes

Anexo 3
Certidão de
Registro do
Ofício de Sineiro
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tendo como referência as cidades de São João del-Rei, Ouro Preto, Mariana,
Catas Altas, Congonhas do Campo, Diamantina, Sabará, Serro e Tiradentes
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tendo como referência as cidades de São João del-Rei, Ouro Preto, Mariana,
Catas Altas, Congonhas do Campo, Diamantina, Sabará, Serro e Tiradentes

Anexo 4
Modalidades de
Toques em São
João del-Rei

Descrição (quantos sinos são utilizados, como cada sino é utilizado,


Modalidade de toques as partes que compõem os toques, etc.) e função/significado
Repiques comuns: Tencão do Rosário; Tencão Cada um destes repiques tem sua configuração rítmica própria.
da Boa Morte; Tanquins; Tens-Tens; Podem ser utilizados em diversas ocasiões à escolha do sineiro
Tens-Tolim; Batucada; Batuquinho; um a cada vez, principalmente para chamadas de missas ou novenas.
Repique Especial de Nossa Senhora da Geralmente são combinados com outros toques
Boa Morte ou Senhora é Morta
Tencão Festivo Repique executado na maior parte das festas em homenagem aos santos
Repique executado somente na Catedral Basílica do Pilar, em todos
Tencão Atravessado os sinos
Repique usado para finalizar conjunto de repiques. É chamado por
Terentena alguns de repique conclusivo
Repique executado em andamento lento, usado após o Ângelus das 18 h
Clens durante o mês de Maria (maio) e durante a Bênção solene do
Santíssimo Sacramento, nas missas
Canjica Queimou ou Pé-de-Galinha Repique usado nos finais de festa em todas as igrejas, exceto na Catedral
ou Canjiquinha Basílica do Pilar

Introduz conjuntos de repiques, com pancadinhas iguais, primeiro no


Principiada sino pequeno, em seguida no médio, e por último no grande

Dezoito a 80 pancadas espaçadas no sino pequeno da igreja em que se


celebrará missa, seguidas por pancadas mais rápidas e menos espaçadas,
Toque de Entrada cujo número indicará quem será o celebrante (se for coadjutor ou o
padre, três pancadas; se for o pároco, quatro; se for o bispo, sete; se o
arcebispo metropolitano, nove pancadas; se for o papa, 14 pancadas)
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tendo como referência as cidades de São João del-Rei, Ouro Preto, Mariana,
Catas Altas, Congonhas do Campo, Diamantina, Sabará, Serro e Tiradentes

Descrição (quantos sinos são utilizados, como cada sino é utilizado,


Modalidade de toques as partes que compõem os toques, etc.) e função/significado
Tocam-se nove pancadas no sino grande, uma hora, 30 minutos e 15
Toque de Chamada de irmãos às eleições minutos antes do horário estabelecido (são executados apenas quando
e definitórios tais eventos se realizam separadamente de outras cerimônias para as
quais os irmãos já estejam reunidos)
Três pancadas fortes que vão se sucedendo em acelerando e decrescendo
Toque de Chamada de sineiro e sacristão até chegar-se a pianíssimo. Usado para chamar à igreja sacristão,
sineiros ou ajudantes dos sineiros
Nove pancadas espaçadas no sino principal das igrejas, às 12 h, 18 h e 20
Toque de Ângelus h, durante todo o ano, exceto na Sexta-Feira Santa e no Sábado Santo
Toque de Almas É o último Ângelus do dia, executado às 21 h no verão e às 20 h no inverno
Toque de Matinas É o primeiro Ângelus do dia, executado às 6 h
Toque de Ângelus executado em dois sinos simultaneamente, durante o
Toque de Ângelus da Páscoa período pascoal (Domingo de Páscoa até Corpus Christi)
Pancadas descompassadas no sino grande, seguidas pelo sino médio.
Toque de Rebate É usado para alertar sobre incêndio ou outra calamidade
Sete pancadas espaçadas de meia em meia hora, no sino grande da
Igreja das Mercês, até que a criança nasça. Toque executado a pedido,
Toque de Parto quando de dificuldades de parto. A escolha do sino é devido ao
seu nome, São Raimundo Nonato, que teria nascido após a morte
de sua mãe, por uma operação de cesariana
É executado apenas quando se celebra Vésperas solenemente,
Toque de Vésperas a partir das 15 h
Quatro dobres bem espaçados de uma pancada no sino de Nosso Senhor
dos Passos (Catedral Basílica do Pilar), seguidas de “descaimento”
Toque de Chagas ou Morte do Senhor do sino. É executado às 15 h de todas as sextas-feiras do ano,
excetuando-se a Sexta-Feira da Paixão
Nove pancadas no sino principal do sodalício a que pertence o irmão.
Normalmente o espaço entre as pancadas corresponde ao tempo de se
Toque de Agonia rezar uma ave-maria. Há a possibilidade desse toque ocorrer na Igreja de
Nossa Senhora das Mercês independentemente da filiação a ela
Dezoito pancadas no sino principal do sodalício em que o falecido
Toque de Chamada de irmãos para enterros foi irmão, 45, 30 e 15 minutos antes do horário estabelecido
Duas séries de dobres simples (de uma pancada), começando pelo sino
Dobre Fúnebre para Mulher menor, passando pelo médio e em seguida pelo maior, descaindo-se os
sinos após cada série. São executados no sodalício a que pertenceu a irmã
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tendo como referência as cidades de São João del-Rei, Ouro Preto, Mariana,
Catas Altas, Congonhas do Campo, Diamantina, Sabará, Serro e Tiradentes

Descrição (quantos sinos são utilizados, como cada sino é utilizado,


Modalidade de toques as partes que compõem os toques, etc.) e função/significado
Três séries de dobres de uma pancada, começando pelo sino menor,
Dobre Fúnebre para Homem passando pelo médio e em seguida pelo maior, descaindo-se os sinos
após cada série. São executados no sodalício a que pertenceu o irmão
Dobre Fúnebre para Mulher ex-mesária Duas séries de dobres duplos (de duas pancadas).
de sodalício São executados no sodalício a que pertenceu a irmã
Dobre Fúnebre para Homem ex-mesário Três séries de dobres duplos. São executados no sodalício a que
de sodalício pertenceu o irmão
Dobre Fúnebre para Irmão mesário ou mesária Três ou duas séries de dobres duplos (como os demais ex-mesários),
que prestou relevantes serviços ao sodalício de hora em hora. São executados no sodalício a que pertenceu o irmão
Catorze séries de dobres duplos, em ordem inversa: começando pelo sino
Dobre Fúnebre para Papa maior; descaindo-se os sinos após cada série, em todas as igrejas e capelas
Sete séries de dobres duplos, em ordem inversa: começando pelo sino
Dobre Fúnebre para Bispo maior; descaindo-se os sinos após cada série, em todas as igrejas e capelas
Cinco séries de dobres duplos, em ordem inversa: começando pelo sino
Dobre Fúnebre para Vigário maior; descaindo-se os sinos após cada série, em todas as igrejas e capelas
Quatro séries de dobres duplos, em ordem inversa: começando pelo sino
Dobre Fúnebre para Sacerdote maior; descaindo-se os sinos após cada série, em todas as igrejas e capelas
Toque para Saída do Cortejo Fúnebre Três dobres duplos, da saída do cortejo até a entrada do féretro na igreja
É o clens tocado com andamento bem mais lento e em pianíssimo.
Clens Fúnebre É usado como toque fúnebre para criança
É o Tens-Tens tocado com andamento bem mais lento e em pianíssimo.
Tens-Tens Fúnebre É usado como toque fúnebre para criança
É a Terentena tocada com andamento bem mais lento e em pianíssimo.
Terentena Fúnebre É usado como toque fúnebre para criança.
Dobre duplo em cada um dos sinos da Catedral Basílica do Pilar,
Dobre de Trevas começando pelo sino das almas. É feito exclusivamente na catedral,
somente na Quarta-Feira Santa, depois do Ofício de Trevas
Dobre duplo bastante compassado, executado no sino do Santíssimo
Sacramento, na Catedral Basílica do Pilar. Esse toque é executado na
terça-feira de Carnaval, às 21 h, durante cerca de dez minutos,
Dobre de Cinzas como aviso de que haverá missa no dia seguinte; e na quarta-feira
de Cinzas, para anunciar a missa e durante a missa, desde seu início
até após a imposição das cinzas, quando se descai o sino
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tendo como referência as cidades de São João del-Rei, Ouro Preto, Mariana,
Catas Altas, Congonhas do Campo, Diamantina, Sabará, Serro e Tiradentes

V ISTA GE RA L DE DIA M A NT I NA CO M D ESTAQUE


À IGRE JA DO RO S Á RIO E S ER R A D O ES P I N H AÇO
AO FUNDO .
FOTO : C RIST INA L E M E , 20 0 9 .
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tendo como referência as cidades de São João del-Rei, Ouro Preto, Mariana,
Catas Altas, Congonhas do Campo, Diamantina, Sabará, Serro e Tiradentes

A BA IXO , DA E S QU E RDA PA RA A D I R EI TA
S IST E M A A NT IGO
S IST E M A M O DE RNO

Anexo 5
Afinação do Sino

D e acordo com o portal


http://sinos.cousinha.pt/som,
os sinos são sempre afinados em
portal http://sinos.cousinha.pt.
Devemos nos lembrar de
que os sinos são feitos por
cinco harmônicas, conforme encomenda e, portanto, podem
mostra a imagem. Elas são: variar de tamanho, largura e,
(1) a nominal (N), (2) a quinta consequentemente afinação.
da nota fundamental (Q), Sistema Moderno – ­ esse tipo de
(3) a terceira menor da sino caracteriza-se por uma altura
nota fundamental (T), (4) a (A) muito aproximada ao diâmetro
fundamental, nota da primeira da boca (L). Comparando com
oitava inferior – ou abaixo (F), um sino do Sistema Antigo,
(5) e o bordão, nota da segunda este é mais baixo e largo.
oitava inferior – ou abaixo (B).
A afinação do sino é dada a
partir de algumas características
relacionadas à altura, o
diâmetro da boca e seu peso.
A relação entre esses três
elementos determina a nominal
do sino. Antigamente, os sinos
eram mais altos e sua boca
mais larga. Hoje, em dia, são
fabricados com menor altura.
Apenas a título de exemplo
seguem duas tabelas fornecidas no
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Altura Diâmetro Nota Altura Diâmetro Nota


Peso (k) Peso (k)
A (m) L (m) Musical A (m) L (m) Musical
1.42 1.52 1.840 dó 1.26 1.49 2.160 dó
1.33 1.43 1.570 dó# 1.18 1.40 1.700 dó#
1.25 1.34 1.350 ré 1.15 1.32 1.550 ré
1.18 1.27 1.200 ré# 1.10 1.25 1.280 ré#
1.11 1.20 1.000 mi 1.00 1.19 1.100 mi
1.08 1.14 840 fá 0.95 1.12 920 fá
0.99 1.06 650 fá# 0.89 1.04 720 fá#
0.93 1.02 540 sol 0.84 0.97 620 sol
0.87 0.94 450 sol# 0.78 0.93 520 sol#
0.83 0.91 380 lá 0.75 0.89 450 lá
0.80 0.86 310 lá# 0.71 0.84 380 lá#
0.75 0.80 265 si 0.66 0.79 315 si
0.71 0.76 220 dó 0.63 0.74 260 dó
0.67 0.72 185 dó# 0.59 0.70 210 dó#
0.63 0.68 155 ré 0.55 0.66 190 ré
0.59 0.63 130 ré# 0.53 0.62 150 ré#
0.55 0.60 115 mi 0.50 0.57 135 mi
0.53 0.57 95 fá 0.47 0.55 110 fá
0.50 0.53 80 fá# 0.45 0.52 95 fá#
0.47 0.50 70 sol 0.42 0.49 80 sol
0.44 0.48 60 sol# 0.39 0.46 65 sol#
0.42 0.46 48 lá 0.38 0.44 58 lá
0.40 0.43 42 lá# 0.36 0.42 50 lá#
0.33 0.40 40 si
0.31 0.37 32 dó
0.30 0.34 27 dó#
0.28 0.33 23 ré
0.26 0.31 19 ré#
0.26 0.31 19 ré#
JANE L A C O M S INO NA IGRE JA DE S A NTO A NTÔ NIO ,
M ARIA NA .
FOTO : PE DRO DAV ID, 20 0 4.

Este livro foi produzido no


outono de 2016 para o Instituto
do Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional.

Foi composto nas tipografias


Rosewood (títulos) e MrsEaves
(textos), corpo 12/14.4, em papel
couché matte 150 g/m (miolo).
DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGAÇÃO

NA PUBLICAÇÃO (CIP)
BIBLIOTECA ALOÍSIO MAGALHÃES, IPHAN

T675 O Toque dos Sinos e o Ofício de Sineiro em Minas Gerais :


tendo como referência as cidades de São João del-Rei,
Ouro Preto, Mariana, Catas Altas, Congonhas do Campo,
Diamantina, Sabará, Serro e Tiradentes / coordenação,
Yêda Barbosa. – Brasília, DF : Iphan, 2016.
152 p. : il. color. ; 25 cm. – (Dossiê Iphan ; 16)

I S B N : 978-85-7334-293-2

1. Patrimônio imaterial – Minas Gerais (MG). 2. Sino.


3. Sineiro. 4. Artes e Ofícios. I. Barbosa, Yêda. II. Série.

CDD 390.4

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