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Leitura e Ensino

Formação de Professores - EAD

RENILSON JOSÉ MENEGASSI


(ORGANIZADOR)

Leitura e Ensino
2. ed.

19
Maringá
2010
Coleção Formação de Professores - EAD

Apoio técnico: Rosane Gomes Carpanese


Normalização e catalogação: Ivani Baptista CRB - 9/331
Revisão Gramatical: Annie Rose dos Santos
Edição, Produção Editorial e Capa: Carlos Alexandre Venancio
Júnior Bianchi
Eliane Arruda

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

Leitura e ensino / Renilson José Menegassi. 2. ed. Maringá : Eduem, 2010.


L533 190 p. ; 21 cm. (Formação de Professores - EAD; v. 19).

ISBN 978-85-7628-285-3

1. Leitura – Estudo e ensino. 2. Leitura – Conceitos. 3. Ensino de leitura – Estratégias.


4. Literatura para crianças – Narrativas. I. Menegassi, Renilson José, org.

CDD 21. ed. 372.4

Copyright © 2010 para o autor


Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo
mecânico, eletrônico, reprográfico etc., sem a autorização, por escrito, do autor. Todos os direitos
reservados desta edição 2010 para Eduem.

Endereço para correspondência:

Eduem - Editora da Universidade Estadual de Maringá


Av. Colombo, 5790 - Bloco 40 - Campus Universitário
87020-900 - Maringá - Paraná
Fone: (0xx44) 3011-4103 / Fax: (0xx44) 3011-1392
http://www.eduem.uem.br / eduem@uem.br
S umário
Sobre os autores > 5

Apresentação da coleção > 7

Apresentação do livro > 9


CAPÍTULO 1
Conceitos de leitura > 15
Renilson José Menegassi / Cristiane Malinoski Pianaro Angelo

CAPÍTULO 2
Estratégias de leitura > 41
Renilson José Menegassi

CAPÍTULO 3
A produção de sentidos na aula de leitura > 65
Lílian Cristina Buzato Ritter

CAPÍTULO 4
Avaliação de leitura
Renilson José Menegassi
> 87

CAPÍTULO 5
Literatura para crianças: a narrativa >109
Rosa Maria Graciotto Silva

CAPÍTULO 6
A leitura de poesia na escola >139
Mirian Hisae Yaegashi Zappone

CAPÍTULO 7
Perguntas de leitura
Renilson José Menegassi
>167
3
4 Avaliação de leitura

Renilson José Menegassi

A AVALIAÇÃO COMO INSTRUMENTO PARA FORMAÇÃO DO LEITOR


O entendimento da avaliação de leitura como um instrumento na situação de ensi-
no de língua materna é primordial para compreendermos que, através dela, podemos
contribuir para a formação de um leitor competente, como designam os Parâmetros
Curriculares Nacionais (BRASIL, 1997). Não podemos deixar de compreender que os
princípios da avaliação são os mesmos em qualquer disciplina, ou seja, conhecer o que
o aluno aprendeu e saber o que foi efetivamente internalizado pelo ensino oferecido.
Assim, com as novas concepções de ensino de língua, envolvidas aí também as novas
concepções de leitura, de escrita e seus respectivos ensinos podemos pensar que a
avaliação de leitura deve ser vista sob parâmetros diferenciados daqueles da visão tradi-
cional. Pela abordagem tradicional, a leitura era avaliada sob duas perspectivas: prova
da leitura oral, incluindo a pronúncia das palavras e a velocidade de leitura do aluno,
que demonstrava uma adequada relação da letra (o grafema) com o som; e prova com
questionário fechado de perguntas de compreensão sobre um texto. Esses instrumen-
tos demonstraram-se, ao longo dos anos, como não eficazes na formação do leitor com-
petente esperado pela sociedade, já que não ultrapassavam os limites do texto.
Atualmente, discute-se o que se tem denominado avaliação formativa de leitura
(SOLÉ, 1998; COLOMER; CAMPS, 2002). Essa avaliação, definida no seio da concepção
sócio-interacionista de linguagem, a qual concebe a língua como uma realidade sócio-
histórica, a partir de bases do socioconstrutivismo, propõe não mais uma avaliação de
um produto pronto, centrada exclusivamente ao final do processo de leitura, no qual
se pode “estabelecer um balanço do que o aluno aprendeu” (SOLÉ, 1998, p. 164),
como se fosse a averiguação da somatória dos conhecimentos que o aluno guardou
na memória (o que não significa ‘aprender’), uma mensuração do saber declarativo
do aluno, que ele pode expor de maneira a declarar o que aprendeu. A partir de seus
instrumentos diversificados, a avaliação formativa, que, aqui, é o foco da atenção como
avaliação de leitura,

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Leitura e Ensino tem dupla função de, por um lado, informar aos alunos, como
avançaram e em que ponto se encontram no processo de aquisi-
ção de conhecimentos e, por outro lado, dar subsídios aos pro-
fessores para que possam ajustar os resultados da avaliação, se os
objetivos previstos estão sendo alcançados ou não (COLOMER;
CAMPS, 2002, p. 172).

Para a adoção dessa concepção de avaliação de leitura, o professor precisa ter cons-
ciência de que o aluno não é mais avaliado apenas ao final de um mês ou um bimestre
de aulas. Ele é avaliado como leitor em formação, no decorrer do processo em que o
conteúdo está sendo ainda ensinado, não como leitor pronto, maduro. Assim, a avalia-
ção torna-se um processo contínuo que averigua o que está acontecendo na situação
de ensino e aprendizagem, envolvendo, neste sentido, o aluno, o professor, o material
didático, os textos e as condições de produção da leitura. Para tanto, de acordo com
Colomer e Camps (2002), alguns aspectos são observados:
A) “a avaliação deixa de ser um instrumento nas mãos do professor e passa a en-
volver também o aluno no controle de seu próprio processo” (p. 172). Nessa
perspectiva, o aluno tem consciência de que está sendo avaliado para lhe per-
mitir a apresentação dos resultados de sua aprendizagem, evidenciando-se as
suas dificuldades e, consequentemente, as maneiras de superá-las. Observamos
que não se aponta apenas o problema, mas também se conduz o aluno a tomar
consciência dele, mostrando qual o caminho para superá-lo;
B) “o reconhecimento da aprendizagem como uma construção do próprio alu-
no implica uma mudança na utilização dos instrumentos de avaliação, que
perdem seu habitual sentido sancionador” (p. 172). Nesse aspecto, o erro do
aluno deixa de ser visto como determinante de má compreensão e passa a ser
encarado como uma fonte de informação do estágio atual de compreensão
do processo de leitura, demonstrando, inclusive ao professor, as diferenças
individuais de cada aluno, quebrando a crença da homogeneidade de apren-
dizagem em sala de aula. A partir dessa noção, o erro é um forte indício das
hipóteses que o aluno levanta sobre o texto lido. Assim, a avaliação de leitura
deixa de ter o caráter sancionador que a concepção tradicional lhe conferiu,
pressuposto a partir de um único instrumento de avaliação: a prova mensal/
bimestral. Na concepção formativa, os instrumentos de avaliação se diversifi-
cam, sendo aplicados ao longo do processo de aprendizagem, permitindo ao
aluno o controle de sua aprendizagem, consequentemente, a consciência dos
seus modos de ler, de aprender;

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C) “a integração da avaliação no processo de ensino-aprendizagem comporta Avaliação de leitura

a diversificação dos instrumentos de observação e medida” (p. 173). Nessa


perspectiva, incluem-se:a observação dos conhecimentos prévios do aluno
sobre o tema da leitura; o uso real dos conhecimentos armazenados, ou seja,
o que o aluno já sabe fazer com aquele conhecimento prévio na sua vida; a
diversificação de exercícios produzidos especificamente para caracterizar as
facilidades e as dificuldades de cada aluno-leitor, objetivando o acesso à cons-
ciência do processo; a produção de momentos avaliativos diversificados, não
estanques a um período determinado do mês.

A partir desses aspectos, segundo Solé (1998), a avaliação formativa possibilita


ao professor e ao aluno, ambos enquanto leitores do mesmo texto, enquanto co-
produtores de sentido, em situação de ensino e aprendizagem:
• observar a situação real de leitura, com suas peculiaridades próprias do mo-
mento, que se diversifica a cada texto, a cada momento;
• observar a si próprio, enquanto leitor, para tomar consciência de seu proces-
so de leitura;
• observar o resultado da própria atuação na leitura, analisando as estratégias
empregadas (seleção, antecipação, inferência e verificação), criando, assim,
um processo consciente do uso de estratégias durante a leitura, podendo
modificar esse uso conforme as necessidades da leitura e do texto;
• permitir ao professor analisar: o funcionamento do seu planejamento para o
trabalho com a leitura junto aos alunos; o interesse do aluno; a posição de
compreensão do aluno; a clareza das informações oferecidas aos alunos; a
clareza de informações oferecidas pelos alunos; o nível das informações e do
conteúdo oferecido aos alunos, assim como sua compreensão;
• tomar decisões como: se o professor continua a intervenção da mesma ma-
neira; a readequação dos procedimentos de leitura com o aluno; descobrir por
que um aluno se perdeu no processo; recapitular pontos importantes; propor
desafios que sirvam como objetivos de leitura; reiniciar o processo de maneira
diferente, após constatar que o procedimento inicial foi inadequado.

A partir desses pontos, o critério básico para a avaliação formativa, entendida como
o rompimento com o critério principal da avaliação tradicional, é a noção de “diversi-
ficação de instrumentos avaliativos”. Desta maneira, não se pensa mais em uma prova
única que inclua todos os pontos ensinados aos alunos, que são mensuráveis nesse es-
tilo de instrumento. Pensa-se na construção de instrumentos que avaliem os diferentes

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Leitura e Ensino componentes e momentos da leitura, que permitam o acompanhamento do processo
de ensino e aprendizagem da leitura tanto pelo professor, quanto pelo aluno.

ATIVIDADES PARA AVALIAÇÃO FORMATIVA DE LEITURA


Os instrumentos de avaliação de leitura, comuns à escola, como questionários fe-
chados, provas, resumos, relatórios e discussões não podem ser relegados, porque
no decorrer da história educacional demonstraram suas eficácias, considerada a con-
cepção de ensino de língua a que estava ligada. O professor consciente e ponderado
não relega os instrumentos já marcados pela escola; pelo contrário, ele os utiliza,
readequando-os à nova realidade proposta, no caso aqui defendido a da avaliação
formativa de leitura, incorporando, criando, produzindo e aplicando novos instru-
mentos, conforme as necessidades se manifestem.
Além das atividades conhecidas, Colomer e Camps (2002) sugerem algumas outras
que podem ser incorporadas à avaliação escolar, com o objetivo de analisar o processo
e o controle da leitura do aluno, que são aqui citadas e comentadas:
• a análise dos erros cometidos durante uma leitura em voz alta – essa atividade
permite ao professor detectar quais procedimentos deve tomar para melhorar
a leitura do aluno, não para denegrir sua postura frente à atividade; para isto, o
professor deve saber que a leitura em voz alta é uma estratégia própria que não
deve ser utilizada unicamente como maneira de avaliar a compreensão do leitor,
já que nem todos os leitores que a utilizam conseguem compreender o texto ao
mesmo tempo que o lêem em voz alta;
• a análise das autocorreções realizadas pelo próprio leitor – durante a leitura,
seja em voz alta ou silenciosa, o aluno demonstra certos indícios de autocor-
reção, os quais indicam o seu nível de consciência sobre os erros que comete
e os quais arruma no momento em que se produzem; a partir dessa atividade,
o professor consegue identificar o nível de consciência do processo de leitura
que o aluno possui, permitindo a produção e o planejamento de atividades
que auxiliem na manutenção dessa consciência e na superação dos problemas
apontados pelo aluno-leitor;
• o nível de consciência do leitor sobre seus erros e autocorreções durante a
leitura em voz alta – determinar o nível de consciência do aluno e permitir
que ele tome essa consciência faz com que o processo de leitura tenha sentido
para o aluno e para o professor. É preciso lembrar que, em situação de ensino
e aprendizagem, a consciência, por parte do leitor, é um fator primordial para a
adequada construção de conhecimentos;
• a hipótese levantada pelo leitor para preencher os espaços que exigem

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inferências no texto – essa atividade exige por parte do aluno uma explicação Avaliação de leitura

oral ou escrita da hipótese que levantou para construir a inferência no texto.


Assim, ao esclarecer como descobriu, como chegou à inferência textual, o aluno
está utilizando-se de uma estratégia metacognitiva, isto é, uma estratégia que faz
uso da linguagem verbal para explicar conscientemente como procedeu para
compreender o texto, na verdade, é uma explicação oral de sua compreensão.
Por ela, é possível que o professor identifique o percurso de leitura e detecte o
procedimento que o aluno emprega na leitura dos diversos textos que lhe são
oferecidos. Por exemplo, observemos as piadas:

1.
- Desculpe, querida, mas eu tenho a impressão de que você quer
casar comigo só porque eu herdei uma fortuna do meu tio.
- Imagina, meu bem! Eu me casaria com você mesmo que tivesse
herdado a fortuna de outro parente qualquer!

2.
Perguntaram ao português:
- O que é um homossexual?
- É um sabão para lavar as partes.

(POSSENTI, Sírio. Os humores da língua: análises lingüísticas de


piadas. Campinas/SP: Mercado de Letras, 1998.)

Ao ler esses dois textos, o leitor é convidado a explicar a graça que há em cada pia-
da. Nesse momento, o professor consegue avaliar o nível de inferência e compreensão
do leitor, pois ao explicar oralmente, o aluno está expondo o seu processo de com-
preensão e a maneira como constrói o conhecimento pela leitura. É um procedimento
avaliativo importante, já que, além de mensurar a capacidade compreensiva do leitor,
também se está avaliando o nível de argumentação oral do aluno, o seu discurso oral,
podendo, inclusive, orientar o trabalho do professor para os pontos que devem ser
atacados para melhorar a exposição oral dos alunos;
• as estratégias adotadas pelo leitor para localizar, explicar ou corrigir erros en-
contrados no texto, propositadamente oferecidos pelo professor – nessa ativi-
dade, são alteradas algumas partes do texto deliberadamente pelo professor,
para avaliar o nível de atenção do aluno e solicitar, posteriormente, explicações
orais ou escritas sobre os procedimentos empregados para localizar, explicar e

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Leitura e Ensino corrigir a inadequação encontrada;
• a utilização de textos completos, não apenas fragmentos textuais – essa é uma
estratégia importantíssima para ser seguida em situação de ensino de leitura.
Durante muito tempo, o material didático oferecido ao aluno trazia fragmentos
de textos, muitas vezes sem um mínimo de coerência entre as partes recortadas,
para sugerir ao aluno a leitura da obra que se apresentava. Ao considerar-se
que no seio da sociedade não se trabalham com fragmentos de textos, mas sim
com textos completos, é presumível que a escola, como uma das instâncias
sociais, também deva trabalhar com textos na íntegra. É lógico que, em alguns
momentos, o fragmento cabe bem como exemplo, desde que seja explicado o
procedimento da utilização desse fragmento. Recomenda-se trazer aos alunos o
máximo possível de textos na íntegra, para que, além de conhecer todo o senti-
do do texto, o leitor em formação possa também manuseá-lo como se procede
naturalmente na sociedade;
• a realização de situações de leituras próximas das situações reais da sociedade
– o artificialismo comum às situações de leitura na sala de aula deve dar lugar
à criação de situações de leituras mais próximas possíveis de situações reais. É
certo que as situações de leituras sociais não são trazidas na íntegra para o am-
biente escolar, porém, elas podem ser apresentadas próximas da realidade, em
uma tentativa de se minimizar esse artificialismo inerente à escola. Neste senti-
do, as avaliações de leitura, por si só, devem ser as mais próximas das situações
reais de leitura que o conteúdo ensinado exige. Desse modo, produzir situações
de avaliação de leitura que se assemelhem ao que o aluno encontra na socieda-
de em que vive é muito importante. Para isto, durante o período antecedente
à avaliação, várias situações são construídas com o aluno, para que se aproprie
dos procedimentos necessários. Ao chegar o momento da avaliação, que tam-
bém pode ser uma das situações corriqueiras de sala de aula, o aluno não se
sentirá despreparado; ao encontrar, na sociedade, uma situação de leitura que
exija dele uma posição de leitor competente, estará pronto para enfrentá-la;
• o controle das diferenças do progresso individual dos alunos, nos diferentes
tipos de leitura – ao se considerar que, no Ensino Fundamental, os alunos são
crianças em fase de aquisição e início de desenvolvimento da linguagem escrita,
está-se tratando também de aquisição e desenvolvimento da leitura, necessaria-
mente. Assim, cabe ao professor considerar cada aluno em seus aspectos indi-
viduais e não uniformizar o processo de leitura como se fosse coletivo, como
se o conjunto de alunos tivesse o mesmo procedimento de aquisição e desen-
volvimento da leitura. Neste sentido, acompanhar, através de anotações, de um

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fichário, os diferentes progressos individuais dos alunos permite ao professor Avaliação de leitura

identificar em que tipo de leitura o aluno está progredindo, em qual está com
problemas, quais os procedimentos e estratégias que já domina etc., tendo, com
isso, uma classificação eficaz da avaliação de cada leitor e, por consequência, da
classe como um todo;
• a consideração das possíveis diferenças interpretativas para um mesmo texto
– esse ponto marca a interação entre o leitor e o texto, consequentemente
com seu autor, a partir da mediação do professor. O texto, com seu significado
oferecido pelo autor, apresenta-se ao leitor para ter sentidos construídos em
um processo dialógico que se inicia com as possíveis interpretações que o leitor
realiza sobre o que lhe foi oferecido. Nesse momento, a participação do profes-
sor como mediador de leitura é importantíssima, porque ele orienta o diálogo
do aluno com o texto, mostrando que toda leitura coerente é passível de ser
aproveitada e considerada, na discussão em sala de aula;
• a exploração do conhecimento prévio do aluno com questões que não tratem
exclusivamente do significado do texto, apenas do seu tema – nessa atividade, o
professor consegue identificar, a partir da discussão inicial com o aluno, o nível
de conhecimento prévio do leitor sobre o assunto do texto. Toma-se cuidado,
nesse momento, para não direcionar, através das discussões antecipatórias, um
sentido para o texto, mostrando ao aluno como se deve ‘compreender’ o tema
apresentado. Na verdade, nessa fase de pré-leitura, o professor já efetiva uma
avaliação inicial, para saber qual procedimento tomará no decorrer da leitura e
no após para auxiliar e verificar a compreensão do aluno;
• a síntese de textos, como construir títulos ou resumos a textos oferecidos para
leitura – nessa atividade, oferecem-se aos alunos textos para a produção de
sínteses que, em uma perspectiva formativa de avaliação, demonstram a capaci-
dade de o leitor compreender e sintetizar o conteúdo do texto. Neste sentido,
utiliza-se uma máxima da Psicolinguística, que propõe: ‘quem compreende, sin-
tetiza informações’. Essa é uma atividade própria da sociedade, pois ao assistir
a um filme, ler um texto no jornal, na revista, um livro, normalmente o leitor é
chamado a sintetizar o que leu para manifestar sua compreensão;
• o levantamento das informações que se lembra imediatamente após a leitura e
aquelas que demandam algum tempo depois – em um processo de avaliação
de leitura, nem todas as informações são aproveitadas imediatamente após a
leitura do texto; muitas delas são utilizadas em momentos posteriores, que são
recuperadas da memória para que se concretize a compreensão do texto. De tal
modo, em uma avaliação formativa, o levantamento das informações que estão

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Leitura e Ensino armazenadas na memória deve ser objeto de investigação com instrumentos
que mensurem um tipo de leitura que seja voltada à realidade social, que faça
significado ao leitor, demonstrando seu uso efetivo na sociedade, não apenas
para a produção de um momento único, que serve somente para mostrar que
tem armazenada a informação solicitada.

Cada uma dessas atividades pode ser apresentada em diferentes instrumentos de


verificação, dependendo do texto e do objetivo de leitura oferecidos ao aluno.
Marcuschi (2001; 2004), ao discutir sobre a compreensão como um processo
“criador, ativo e construtivo que vai além da informação estritamente textual” (2001,
p. 56), apresenta sugestões de trabalho com a compreensão leitora, com o objetivo
de “propor alternativas para o tratamento textual no contexto de nossas atividades
discursivas” (MARCUSCHI, 2004, p. 49); são atividades de compreensão que podem
ser realizadas tendo por objetivo as leituras produzidas no cotidiano da sociedade.
É possível observarmos que muitas das sugestões de Marcuschi se assemelham às de
Colomer e Camps (2002), por isso são aqui comentadas, tendo-as como possibilidades
de atividades de avaliação formativa contínua, não somente específicas a um momento
avaliativo. As sugestões do autor são citadas e comentadas para melhor compreensão:
• “Identificação das proposições centrais do texto” – o levantamento das ideias
centrais do texto permite construir uma ideia mais concreta das possíveis in-
tenções do autor, já que nem todas as informações estão diretamente expostas
no texto, devendo ser observadas a partir da inferência textual. Nesse ponto, é
possível um levantamento, em forma de listagem, de enunciados que formem
um panorama do conteúdo básico do texto. Além disso, a partir dessa identifica-
ção, o leitor consegue levantar as explicações oferecidas pelo autor e produzir
também exemplos que elucidam essas explicações;
• “Perguntas e afirmações inferenciais” – a produção de um conjunto de per-
guntas que reúna várias informações sobre o texto, exigindo do leitor busca,
construção e produção de conhecimentos a partir das informações oferecidas
pelo texto e as que ele tem em sua memória, dá origem à inferência textual.
Como afirma Marcuschi (2001, p. 56), “inferir é produzir informações novas
a partir de informações prévias, sejam elas textuais ou não”. Assim, através de
perguntas e afirmações inferenciais, o leitor costuma “acrescentar ou eliminar;
generalizar ou reordenar; substituir ou extrapolar informações” (MARCUSCHI,
2004, p. 49), produzindo novos sentidos ao texto, isto é, avaliando, generali-
zando, comparando, associando, reconstruindo, particularizando informações,
como se faz cotidianamente na sociedade;

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• “Tratamento a partir do título” – a leitura de títulos em jornais e revistas é uma Avaliação de leitura

estratégia que consente ao leitor identificar o tipo de informação que o texto


veicula, permitindo, inclusive, conhecer um pouco do que é tratado no texto.
Isto é possível porque o título é um resumo do texto, nem sempre preciso,
já que, muitas vezes, encontram-se títulos diferentes para o mesmo tema, em
jornais diversos. Dessa maneira, a partir dessa atividade, é permitido ao leitor
lançar hipóteses sobre o conteúdo do texto, que são confirmadas ou não pos-
teriormente. Outra atividade que se pode realizar é a comparação de títulos
diferentes para a mesma temática, em uma tentativa de explicação de suas cons-
truções. Além disso, são possíveis outras maneiras de trabalho com títulos: a)
atribuição de títulos a textos oferecidos ao leitor, em que possa demonstrar a
compreensão do texto a partir da síntese que apresenta no título produzido; b)
justificativa de escolha de títulos diferentes para a mesma temática, permitindo
a exposição das compreensões diversas dos textos trabalhados, comparando-os.
O trabalho com o título do texto é uma forma de compreensão e percepção de
como se constrói “um universo contextual e ideológico para os textos mesmo
antes de lê-los” (MARCUSCHI, 2001, p. 57);
• “Produção de resumos” – o trabalho como resumo assemelha-se à atividade de
síntese proposta por Colomer e Camps. No cotidiano da sociedade, o resumo é
uma mostra de compreensão constante, já que se resumem os filmes assistidos,
o conteúdo de um livro lido, uma notícia de jornal, uma conversa etc. Reforçan-
do o que já foi apresentado, para que se efetive um resumo, é necessário que o
texto tenha sido compreendido;
• “Reprodução de um texto em um gênero textual diferente” – a transformação
do conteúdo lido de um texto em outro texto, seja oral ou escrito, é uma ma-
neira de avaliação que exige do leitor uma produção textual. Essa prática já é
presente na avaliação tradicional. A diferença proposta pela avaliação formativa
é que o gênero textual escolhido para a reprodução deve ser próximo da rea-
lidade social do leitor, um texto que seja realmente empregado pelo aluno no
seu cotidiano social. Nesse âmbito, solicitar a um aluno que transforme um
texto poético em prosa necessita de definições precisas sobre o gênero em que
o aluno produzirá o texto em prosa, não basta apenas reproduzir a leitura num
gênero textual diferente do que foi lido, é preciso ter noções claras sobre o es-
tilo formal do gênero escolhido, o público alvo que o lê e o nível de linguagem
que deve ser empregado nesse novo texto. Além disso, essa atividade é uma
boa sugestão para “tratar integradamente a produção e compreensão de texto”
(MARCUSCHI, 2001, p. 57);

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Leitura e Ensino • “Reprodução do texto em forma de diagrama, mapa etc.” – a representação
de um texto escrito em forma de diagrama, mapa ou outra forma visual exige
do leitor a capacidade de compreender e transformar a leitura em um tipo de
visão do texto que estabelece raciocínios e relações esquemáticas e formais.
Essa atividade não é tão simples para ser produzida, pois ao leitor é exigida
uma capacidade de síntese e transformação de um código verbal escrito em um
código visual esquemático. A sugestão pode ser empregada em textos de várias
disciplinas que possibilitam a reprodução visual pretendida. É uma forma de
produzir relações interdisciplinares e um diálogo entre os diversos professores
das disciplinas, facilitando o trabalho dos alunos e dos docentes;
• “Reprodução do texto oralmente” – essa sugestão já foi apontada anteriormen-
te, contudo ela merece destaque porque está sendo esquecida como um trata-
mento de produção textual em sala de aula. No cotidiano da sociedade, o texto
mais empregado pelos falantes, que são também leitores, é o texto oral. Sendo
assim, uma forma de capacitar o aluno à participação social e sua transformação
como cidadão é o trabalho com a reprodução da leitura em forma de texto oral.
Após ler o texto, o leitor o reproduz, isto não quer dizer descrevê-lo, utilizando-
se de seu estilo próprio de linguagem, porém sob orientação certa do professor
quanto à postura oral e à coerência na exposição das informações.

Todas as sugestões de atividades aqui propostas e comentadas podem ser rea-


lizadas em sala de aula pelo professor, servindo como instrumentos da avaliação
formativa, requerendo do professor e do aluno uma posição como co-autores na
leitura e, consequentemente, levando à formação e desenvolvimento de um leitor
competente.

AS PERGUNTAS NA AVALIAÇÃO DE LEITURA


As perguntas apresentadas pelo professor, em sala de aula, quando do trabalho
com textos diversos, orientam a leitura dos alunos, muitas vezes direcionando a sua
compreensão. É certo que as perguntas são o instrumento de avaliação mais empre-
gado pelo professor. Nesse contexto, considerá-las no processo de produção de lei-
tura é considerar, também, o estudo da compreensão do texto efetivado pelo leitor.
Em uma pesquisa com crianças em meios iletrados, Terzi (1995) percebeu que o tipo
de pergunta utilizado pelo professor e a maneira como é empregado influenciam na
aquisição e no desenvolvimento do processo de leitura dos alunos, isto é, o dire-
cionamento através das perguntas apresentadas, tanto na oralidade como na escrita,
possibilita levar os alunos a uma gama variada de progressos em leitura. Por sua vez,

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esse desenvolvimento é a premissa para o despertar de um leitor crítico, que interage Avaliação de leitura

com o texto que lê, ou de um leitor inerte, que apenas realiza uma leitura a partir da
direção apresentada pelas perguntas.
As perguntas que direcionam a compreensão da leitura normalmente são presentes
nos livros didáticos, que, na maioria dos casos, trazem os textos já interpretados atra-
vés dos enunciados da questão, não exigindo muito raciocínio do aluno. O professor
assume o papel de intermediário, uma vez que ele serve de mediador entre o livro
didático (na verdade, o texto trabalhado) e os alunos. Esse deslocamento de papéis
é resultado do tipo de escolha de trabalho realizado em sala de aula pelo professor,
como atesta Matencio:

Uma opção de trabalho que reduz-se ao uso do livro didático não pode ser con-
siderada como centrada no professor ou no aluno, mas sim nas propostas do
livro: professor e alunos têm papéis deslocados. A opção por uma das propos-
tas determina o tipo de interação entre professor e alunos, porque determina
também uma boa parte do texto construído para a aprendizagem (1994, p. 97).

Nessa opção tradicional de trabalho e de avaliação de leitura, o professor não


interage com os alunos, já que não constrói perguntas próprias que possibilitam a
interação do aluno com o texto, em sala de aula ou fora dela; ao contrário, somente o
emprego das perguntas propostas pelo material didático, ou construídas a partir des-
se modelo, não propicia condições para que a criatividade e a criticidade do professor
e dos alunos se instaurem na sala de aula. É certo que, em muitos casos, as perguntas
do livro didático auxiliam o professor, todavia, o apego exacerbado não demonstra
ser completamente benéfico. Uma situação intermediária, em que se usem perguntas
do livro didático e em que professor e alunos criem novas perguntas, demonstra-se
mais salutar.
Neste sentido, Molina postula que:

Perguntas não devem ser utilizadas com o objetivo exclusivo de avaliação, para
classificar o aluno. Elas são, e como tal devem ser usadas, importantes guias
para o raciocínio do aluno. Devem ser usadas para ensinar, antes que se pense
em cobrar o que, muitas vezes, nem chegou a ser ensinado (1992, p. 55).

Para demonstrar como essa tradição é tão forte na sala de aula, reproduzimos um
exercício de leitura retirado de Menegassi (1995), em que o texto é “lido” e as pergun-
tas “respondidas” sem a mínima compreensão.
Leia o texto abaixo e responda às questões:

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Leitura e Ensino
Era uma vez dois trafelnos, Mirimi e Gissitar. Os dois trafelnos eporavam longe
das perlogas. Um masto, porém, um dos trafelnos, Mirimi, felnou que ramalia rizar
e aror uma perloga. Gissitar regou muito. Ele rurbia que Mirimi não rizaria mais
da perloga. Gissitar felnou, felnou, regou, regou, mas nada. Mirimi estava leruado:
ramalia rizar e aror uma perloga. No masto do fabeti, Mirimi rizou muito lonto. No
meio do fabeti, proceu Gissitar e os dois rizavam ateli. Gissitar não ramalia clenar
Mirimi.

1. Quem eram os dois trafelnos?


2. Onde eporavam?
3. O que aconteceu, um masto?
4. No 5º período, a que se refere o pronome “ele”?
5. Quem felnou?
6. Mirimi estava leruado para quê?
7. O que aconteceu no masto do fabeti?
8. Por que Gissitar rizou com Mirimi?

As questões de números 1 a 7 são respondidas perfeitamente, sem qualquer proble-


ma, já que basta seguir a sequência do texto para que as respostas sejam produzidas:

1) Quem eram os dois trafelnos?


R.: Mirimi e Gissitar.
2) Onde eporavam?
R.: Longe das perlogas.
3) O que aconteceu, um masto?
R.: Um dos trafelnos, Mirimi, felnou que ramalia rizar e aror uma perloga.
4) No 5º período, a que se refere o pronome “ele”?
R.: Gissitar.
5) Quem felnou?
R.: Gissitar.
6) Mirimi estava leruado para quê?
R.: Ramalia rizar e aror uma perloga.
7) O que aconteceu no masto do fabeti?
R.: Mirimi rizou muito lonto.

Por outro lado, a questão 8, Por que Gissitar rizou com Mirimi?, não permite uma
resposta, pois como não houve compreensão do texto, ela não consegue ser respon-
dida. As demais questões são literalmente respondidas com cópias de partes do texto,

98
não exigindo qualquer trabalho ou reflexão do aluno, do leitor em formação. Assim, Avaliação de leitura

percebemos nesse exercício que a avaliação de leitura realizada através das perguntas
tinha como concepção a extração de partes do texto, a simples decodificação.
É certo que esse tipo de atividade é necessário dentro da formação do leitor; con-
tudo, a manutenção constante dessa prática leva o aluno a criar uma visão inadequada
do tratamento com leitura, inclusive construindo uma inaptidão ao trato com o texto,
levando o leitor a se negar, com o tempo, a mergulhar no texto, já que as questões
avaliativas que lhe foram oferecidas sempre tiveram como princípio a cópia de partes
do texto.
Em uma perspectiva sócio-interacionista, tendo como abordagem teórico-metodo-
lógica a avaliação formativa de leitura, as perguntas orientam o aluno na produção
dos sentidos do texto trabalhado, através do diálogo entre o professor, o aluno-leitor
e o texto, permitindo a construção de conhecimentos que amparam essa interação.
Para exemplificar o procedimento de avaliação com perguntas, exploramos o texto de
Pedro Bandeira, tendo os alunos de 2ª série do Ensino Fundamental como referência.

Grande ou pequeno?
Se eu me meto na conversa,
para ouvir do que é que falam
os adultos e os parentes,
lá vem bronca da mamãe:
“Não, não, não! Já para fora!
Você é muito pequeno
para ouvir nossa conversa”.

Mas seu eu faço algum errinho,


qualquer coisinha malfeita,
ou alguma reinação,
lá vem bronca do papai:
“Mas você não tem vergonha?
Isso é coisa que se faça?
Você já está muito grande
Para coisas como essa!”

Afinal, quem é que eu sou?


Ou eu sou muito pequeno,
ou sou grande até demais!
Ora, tenham paciência!
Deixem-me crescer em paz!

(BANDEIRA, Pedro. Mais respeito, eu sou criança! 2. ed. São Paulo: Moderna,
2002. p. 13).

A) Perguntas que buscam respostas diretamente em partes do texto:


- A personagem principal da história é um menino ou uma menina? Como você
consegue provar sua resposta?

99
Leitura e Ensino - O que essa personagem fazia que sua mãe não gostava?
- Por que a mãe não deixava a personagem principal ouvir a conversa dos adultos?
- Como era a atitude do pai quando a personagem cometia algum erro?

B) Perguntas que exigem do leitor a produção de inferências textuais:


- Por que a personagem ficou na dúvida se é pequeno ou grande?
- O que você pensa que a personagem quis dizer com a fala “Ora, tenham paciên-
cia! Deixem-me crescer em paz!”?

C) Perguntas que levam o leitor a refletir sobre o tema do texto a partir de expe-
riências de sua vida, criando uma interpretação textual:
- Como você imagina que a personagem se metia na conversa dos adultos?
- Que tipo de erro, de malfeito, de reinação você imagina que a personagem fazia
para o pai dar uma bronca?

D) Perguntas que relacionam o tema do texto com a vida do leitor:


- Já aconteceu com você alguma situação semelhante a da personagem? Como
você se comportou?
- Você se acha uma pessoa grande ou pequena?
- Faça uma lista de coisas que uma criança pode fazer sozinha e outra lista de
coisas que deve fazer somente acompanhada por um adulto.

As questões sugeridas avaliam quatro pontos específicos:


A) a compreensão do texto a partir do estudo textual de suas partes;
B) a construção de novas informações a partir do estudo do texto, sem sair de seus
limites;
C) a relação da temática apresentada no texto com as informações que o leitor pos-
sui em sua memória sobre a questão, levando-o a construir novas informações
à leitura que está produzindo;
D) o relacionamento da temática do texto com a vida do leitor, possibilitando-lhe
uma interpretação das informações, consequentemente, a produção de novos
sentidos.

Com esse procedimento de avaliação de leitura, é possível observar-se a interação


que se estabelece entre o leitor e o texto, mediada pelo trabalho do professor.

100
UMA NOTA SOBRE A LEITURA EM VOZ ALTA Avaliação de leitura

É tradição, na escola, o emprego da leitura em voz alta como um recurso para avaliar
a leitura do aluno. Essa concepção de avaliação instaurou-se no meio escolar através
da leitura dos clássicos da literatura, como um meio de exposição oral que levava aos
alunos uma literatura de boa qualidade, que possibilitava a formação de um leitor com-
petente. Além disso, como a sociedade brasileira tem uma formação cristã, e nos cultos
cristãos lê-se a Bíblia em voz alta para os fiéis, seja pelo sacerdote, pelo celebrante ou
pelos fiéis, tornou-se prática na sociedade essa leitura, estendendo-se, consequente-
mente, à escola, através dos primeiros professores em solo brasileiro: os jesuítas. Dessa
maneira, através da leitura em voz alta da Bíblia e dos clássicos da literatura portuguesa,
posteriormente da brasileira, instaura-se na escola a tradição de ler em voz alta para se
avaliar a leitura do aluno.
Até que ponto essa leitura em voz alta é eficaz para avaliação de leitura? Como com-
provar que o aluno que leu em voz alta compreendeu o texto? O que a leitura em voz
alta avalia? Essas questões não são para questionar a prática de leitura em voz alta na
sala de aula; são, na realidade, para reflexão e compreensão do processo que ocorre na
sala de aula e sua adequação à realidade atual dos alunos.
Na sociedade atual, há lugares determinados para leitura em voz alta. Por exemplo,
lê-se em voz alta nos templos religiosos, nos tribunais, nas conferências e apresentações
acadêmicas, ao ter uma letra de música à mão etc. O número de eventos sociais em
que a leitura em voz alta ocorre é muito menor do que o de eventos em que a leitura
silenciosa se manifesta. Desta forma, por que, na escola, todo texto escrito deve ser lido
pelo aluno em voz alta? Tradicionalmente, essa leitura é uma manifestação material, no
sentido do som que sai do ser humano – sua voz, que comprova a realização da leitura.
É ler com a voz, com a boca. Não significa efetivamente que o leitor tenha compreendi-
do o que leu. No entanto, para os padrões tradicionais, houve leitura.
Foi recorrente, ao final do primeiro ano do Ensino Fundamental, a antiga primeira
série, um teste de leitura oral, em que se oferecia ao aluno um texto mimeografado
que deveria ser lido em voz alta pelo aluno. Quanto menos erros de pronúncia, menos
equívocos com a pontuação, melhor seria o resultado da leitura, o que levava a criança à
aprovação para a segunda série. Muitas vezes, o professor sabia que a criança não havia
compreendido nada do que tinha acabado de ler; entretanto, a regra era certa: leu em
voz alta corretamente, passou no teste de leitura, por consequência, é promovida à sé-
rie seguinte. Em um determinado momento da sociedade, isto foi procedente, pois era
a visão de alfabetização que se tinha e a noção de concepção de leitura apregoada. Não
se imprime uma noção de erro aqui, porque foi um método de trabalho aceito pelas
autoridades educacionais e pelos professores, consequentemente, por toda a sociedade

101
Leitura e Ensino no período vigido, por isso não cabe uma crítica negativa a esse procedimento, cabe,
sim, conhecer e entender o contexto de sua realização.
Esse mesmo procedimento ainda existe em muitas escolas brasileiras, estendendo-
se do primeiro ano do Ensino Fundamental a todos os demais anos da formação básica.
Não obstante, o momento educacional vivido neste início de século mostra uma ne-
cessidade de rever práticas cristalizadas e repensar seus procedimentos em função das
exigências sociais atuais. Hoje, faz-se necessário mais a compreensão do texto lido do
que sua oralização em voz alta. Requer-se muito mais a compreensão e a reflexão do que
foi lido, para sobrevivência social, do que a simples leitura em voz alta.
Neste sentido, não propomos abolir a leitura em voz alta na sala de aula, pelo con-
trário, sugerimos um lugar certo para esse procedimento, que não sirva como principal
referência de avaliação em leitura, mas sim uma das maneiras de avaliação do texto lido.
A criança, ao iniciar seu processo de leitura, lê quase tudo com a voz, manifestando
ao mundo externo que sabe ler, que já é parte da cultura letrada, que está em pleno
‘rito de passagem’ para a cidadania. Durante certo tempo, essa leitura se manifesta
como interessante, já que a criança descobre que pode dar ‘voz aos símbolos escritos’,
que pode mostrar para todos que ela sabe “ler”. É um momento importantíssimo na
vida social da criança, da família, da escola. Contudo, essa estratégia de leitura não deve
se internalizar na leitura de todos os textos. Há textos que são para serem lidos com
os olhos, não com a boca. Assim, é necessário que a criança seja ensinada a passar da
leitura em voz alta para a leitura silenciosa. Esse momento deve ser de descoberta, em
que ela possa conhecer o seu próprio processo de leitura e apropriar-se do novo proce-
dimento, desenvolvendo suas próprias estratégias.
Essa passagem ocorre diferentemente de leitor para leitor, considerando-se seu nível
de amadurecimento sociocognitivo e emocional. Há crianças que conseguem descobrir
que podem ler silenciosamente já no primeiro semestre do primeiro ano do Ensino
Fundamental. Outras demoram mais, passando, inclusive, do segundo ano. Por isso,
não é possível uma generalização.
O procedimento para a passagem e apresentação dessa nova estratégia de leitura é
simples. Primeiro, pede-se à criança que leia um texto que ela gosta que não seja para
avaliação de conteúdo; por exemplo, uma revista em quadrinhos. Nessa leitura, o pro-
fessor e a criança observam que a leitura se efetiva através da voz. Após essa percepção,
solicita-se à criança que leia o próximo quadrinho sem o uso da voz, apenas ‘com os
olhos’. Ela irá perceber que é possível ler, sem que seja apresentado um produto vocal
para a leitura. Nesse instante, solicita-se à criança que observe que sua leitura silen-
ciosa é acompanhada de uma ‘voz mental’, que substitui a voz produzida pela boca.
A partir dessa passagem, o leitor inicia uma nova etapa em sua formação, passando à

102
consciência de que a leitura silenciosa é mais rápida, permitindo-lhe produzir inferên- Avaliação de leitura

cias e sua compreensão é pessoal, não conduzida pelo exterior. Posteriormente, as lei-
turas alternam-se entre silenciosa e voz alta, até chegar à consciência de que não precisa
da leitura em voz alta constantemente.
Com isso, determina-se que a leitura em voz alta não é uma medida eficaz para a
mensuração da compreensão do texto.
Há empregos certos para a leitura em voz alta na sala de aula, consequentemente, há
maneiras apropriadas para sua avaliação. Para compreender essa questão, levantamos
alguns pontos sobre a utilização da leitura em voz alta em sala de aula:
a) treinamento da leitura – se o professor deseja que seus alunos leiam em voz alta,
ele deve, necessariamente, capacitá-los para isto, oferecendo-lhes técnicas vocais
de leitura, de postura e de conduta, que possibilitem um real procedimento de
leitura em voz alta;
b) seleção de textos – nem todo texto serve para leitura em voz alta na sala de
aula. O professor deve selecionar apropriadamente os textos que necessitam de
expressão oral. Um exemplo é o poema O relógio, de Vinícius de Moraes:

O relógio
Passa, tempo, tic-tac
Tic-tac, passa, hora
Chega logo, tic-tac
Tic-tac, e vai-te embora
Passa, tempo
Bem depressa
Não atrasa
Não demora
Que já estou
Muito cansado
Já perdi
Toda a alegria
De fazer
Meu tic-tac
Dia e noite
Noite e dia
Tic-tac
Tic-tac
Tic-tac...

(MORAES, Vinícius. A Arca de Noé. Rio de Janeiro: Sabiá, 1970. p. 28).

Nesse poema, o aluno, através da leitura em voz alta, percebe a sonoridade exis-
tente, que lhe oferece um sentido apropriado dos movimentos do tempo e do relógio,
com seu passo marcado e o tempo passando.
Para que conduza uma boa leitura em voz alta desse poema, cabe ao professor

103
Leitura e Ensino orientar o aluno nos procedimentos necessários à execução da leitura em voz alta,
que, necessariamente, passa pela compreensão do texto inicialmente, ou seja, pela
leitura silenciosa.
Por outro lado, o texto Os entregadores de pão não caberia a uma leitura em voz
alta, com muita eficácia:

Os entregadores de pão
Se você estuda de manhã, com eu, deve acordar cedo, não acorda? No ve-
rão é gostoso, eu até acordo sozinha, antes da minha mãe chamar. Ah, mas no
inverno, naquelas manhãs escuras e geladas, quando a cerração atrapalha o
nascimento do sol, como é duro sair da cama, não é?
Bom, imagine então se todos os dias você tivesse que estar de pé, pronta pra
trabalhar, às duas e meia da madrugada! Está pensando que é piada, é? Pois não
é, não. É a essa hora que começa a vida dos meninos que a professora conheceu
lá na cidade de Pedreira: Osmar, de 13 anos, Marcelo, de 14, e Júlio César, de 12.
Eles formam o trio de entregadores de pão do seu Luiz, um senhor aposentado
que é dono de uma perua e entrega pães para uma padaria.
(AZEVEDO, Jô; HUZAK, Iolanda; PORTO, Cristina. Serafina e a criança que trabalha. 12. ed. São Paulo: Ática, 2002. p. 27).

Nesse texto, evidencia-se a necessidade de uma leitura silenciosa, em que o leitor


vai formando uma imagem da descrição apresentada pelo narrador, levando-o à pro-
dução de sentido do texto. Isto não impede que ele seja lido em voz alta em alguma
situação específica, todavia é pertinente que sirva para uma leitura silenciosa;
c) apresentação em público – o desenvolvimento da oralidade na escola não está
condicionado à construção de discursos coerentes sobre determinado tema,
também se apega à apresentação de textos lidos em público. Para isto, faz-se ne-
cessário um trabalho que mostre ao aluno como se portar frente a um público,
dando sentido à leitura que faz; é o caso de apresentações em feiras de ciências,
normalmente conduzidas na escola.

Outra questão sobre a leitura em voz alta é o reconhecimento de sua função como
mediadora entre o autor e a plateia que ouve o texto; isto mesmo, ‘ouve o texto’, e o
sentido que o leitor está lhe atribuindo no momento da leitura em voz alta. Depen-
dendo da entonação produzida ao texto, o leitor conduz seu ouvinte a criar um estado
emocional prazeroso ou inadequado.
Ainda cabe estabelecer uma distinção entre a leitura em voz alta, já discutida, e

104
a oralização da leitura. Entendamos por oralização da leitura a discussão que se faz Avaliação de leitura

sobre o texto lido silenciosa ou oralmente, iniciando-se um diálogo entre os leitores,


tendo o texto como um mediador desse diálogo. Desse modo, após a leitura, o leitor
expõe a sua compreensão sobre o texto, criando vínculos com o autor e estabelecendo
um processo de interação com seus interlocutores, que, em situação de ensino, são o
professor e os colegas de sala. Na verdade, é o processo que dá origem à leitura com-
partilhada (SOLÉ, 1998), consequentemente, à produção de vários sentidos, enrique-
cendo a leitura em sala de aula. É um momento adequado para se proceder à avaliação
de leitura do texto trabalhado. Desta forma, todo o processo deve ser considerado:
o aprendizado das técnicas ensinadas; a escolha do texto; a leitura em voz alta e sua
entonação, em função do texto e dos interlocutores; a discussão gerada em sala; a ex-
pressão de leitura de cada aluno; a participação dos leitores na discussão; os sentidos
produzidos durante a discussão. A reunião dessas etapas possibilita mostrar ao aluno
a leitura em uma concepção de trabalho, em que o diálogo dá origem ao trabalho de
relacionamento do leitor com o texto, do leitor com o professor, do leitor com os co-
legas de sala, em um contínuo processo de construção de conhecimentos.
A leitura em voz alta é uma forma de avaliação em leitura, porém não deve ser con-
siderada como a primeira e a mais importante.

Referências

BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais:


primeiro e segundo ciclos do ensino fundamental: língua portuguesa. Brasília, DF:
MEC/SEF, 1997.

COLOMER, T.; CAMPS, A. Ensinar a ler, ensinar a compreender. Porto Alegre:


Artmed, 2002.

MARCUSCHI, L. A. Compreensão de texto: algumas reflexões. In: DIONISIO, A. P.;


BEZERRA, M. A. (Org.). O livro didático de Português: múltiplos olhares. Rio de
Janeiro: Lucerna, 2001. p. 46-59.

______. Compreensão textual como trabalho criativo. In: CECCANTINI, J. L. C.


T.; PEREIRA, R. F.; ZANCHETTA JUNIOR, J. (Org.). Pedagogia cidadã: cadernos de
formação: Língua Portuguesa. São Paulo: Unesp, 2004. p. 31-52. v. 2.

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