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A criança e a cidade Participação infantil na construção de políticas públicas

A criança e a cidade
Participação infantil na
construção de políticas públicas
Levindo Diniz Carvalho
Luciana Maciel Bizzotto (Org.)
A criança e a cidade
Participação infantil na
construção de políticas públicas
Levindo Diniz Carvalho
Luciana Maciel Bizzotto
ORGANIZADORES
Este material foi produzido no contexto do curso de extensão “A criança e a
cidade: participação infantil da construção de políticas públicas”, realizado em
2022 pelo Núcleo de Estudo e Pesquisas sobre a Infância e a Educação Infantil
– NEPEI, com o apoio do grupo Territórios Educação Integral e Cidadania –
TEIA, ambos da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas
Gerais – FaE/ UFMG.

Curso - A criança e cidade: participação infantil da construção de


políticas públicas

Formadores: Colaboradores:
Aline Regina Gomes Cibele Noronha de Carvalho
Maria Fernanda Arias Godoy Eugênia da Silva Pereira
Mara Catarina Evaristo Fábio Accardo de Freitas
C928 A criança e a cidade: participação infantil na construção de políticas Kassiane dos Santos Oliveira
2022 públicas / Organizadores: Levindo Diniz Carvalho, Luciana Maciel Túlio Campos Ilustrações:
Bizzotto. – [Belo Horizonte]: UFMG/FaE/NEPEI/TEIA, [2022]. Mariana Cabral
257 p., il., color. Tutores:
Antônio Marcos de Sousa Barbosa Miranda Identidade visual e
ISBN: 978-65-88446-22-5 (e-book). Charllane Synara Assis dos Santos Webdesign:
Inclui bibliografias. Gustavo Eleutério Pena Micrópolis
Jéssica Sapore de Aguiar
1. Infância. 2. Políticas públicas. 3. Direitos das crianças. 4. Larissa Maria Santos Altemar Desenvolvimento web:
Educação de crianças.
Lucas Rocha de Brito Rodrigues Ian Godoi
I. Título. II. Carvalho, Levindo Diniz, 1978-. III. Bizzotto, Luciana
Talita Gabriela de Oliveira Ribeiro
Maciel.
Virgínia Souza Oliveira Agradecimentos:
Adriana Torres Máximo Monteiro
CDD- 320.6 Bolsistas de Graduação: Áurea Carolina
Catalogação da Fonte : Biblioteca da FaE/UFMG (Setor de referência) Ana Júlia Lopes Souza Danúbia Gardênia
Bibliotecário: Albert Torres CRB6 2582 Camila Trigo Matos Isabella Gregory
(Atenção: É proibida a alteração no conteúdo, na forma
e na diagramação gráfica da ficha catalográfica.) Gabriel Fonseca Fischer Kassiane dos Santos Oliveira
Júlia Ribeiro Tamietti Lúcia Helena Alvarez Leite
Késia Cristina Matos da Silva Mara Catarina Evaristo
Lariane Fátima Spinula Mônica Correia Baptista
Roberto Andrés
Secretaria: Rômulo Silva
Coordenação editorial: Levindo Diniz Carvalho e Luciana Maciel Bizzotto
Aline de Oliveira Chagas Sandro Vinicius Sales dos Santos
Revisão: Maria Cristina Soares de Gouvêa Sílvia Maria de Miranda Túlio Campos
Revisão e normalização: Olívia Almeida
Imagem de capa: Mariana Cabral Suporte tecnológico:
Micrópolis Cirdes Lopes de Oliveira
A criança e a cidade Infâncias, direitos e políticas

06 Apresentação 122 Participação infantil


Maria Fernanda Arias Godoy e
Levindo Diniz Carvalho
12 Infâncias, direitos e políticas
Cibele Noronha de Carvalho 124 Introdução

14 Isso é coisa de criança? 127 As crianças podem participar?

29 Direitos das crianças: o marco legal 140 Como as crianças participam da vida social
e política?
45 As políticas públicas para a infância
157 Como escutar as crianças?
54 O direito das crianças à cidade
176 Gostou do assunto e quer saber mais?
59 Gostou do assunto e quer saber mais?
180 Referências
63 Referências

184 Políticas públicas, educação


66 A criança e a cidade e contextos de participação
Maria Fernanda Arias Godoy Aline Regina Gomes

68 Introdução 186 Introdução

Como se articulam diferentes políticas para


70 Como pensar diversidade e desigualdade
na infância das cidades? 188 a infância no território?

80 Onde estão as crianças nas cidades? 218 Como a cidade pode cuidar das crianças?

Como as crianças podem participar na


97 Por onde e como as crianças circulam 244 construção de políticas públicas na cidade?
nas cidades?

113 Gostou do assunto e quer saber mais?


253 Gostou do assunto e quer saber mais?
256 Referências
118 Referências

8 9
Este material foi elaborado para o curso de
aperfeiçoamento que compõe o projeto
realizado pelo Núcleo de Estudo e Pesquisas
sobre a Infância e a Educação Infantil –
NEPEI, com o apoio do grupo Territórios
Educação Integral e Cidadania – TEIA, ambos
da Faculdade de Educação da Universidade
Federal de Minas Gerais – FaE/UFMG. O
projeto nasce do pressuposto de que as
crianças são atores sociais, sujeitos históricos
e de direitos, entretanto são pouco ouvidas na
formulação de políticas a elas destinadas.

O principal objetivo do curso foi oferecer um

acerca da infância, da cidade e da participação


das crianças na elaboração de políticas
Apresentação públicas, reunindo agentes diversos na cidade
que são envolvidos com a temática da infância

A criança
e dos direitos das crianças. A proposta foi de
colocar em diálogo educadores, gestores e
técnicos dos campos da Educação, Assistência

e a cidade: Social, Cultura, Saúde e Planejamento Urbano,


e ainda conselheiros tutelares e lideranças
comunitárias de contextos territoriais
participação infantil diversos. Nosso propósito é colaborar para
na construção de a criação e o fortalecimento de redes de
políticas públicas políticas transversais sensíveis à participação
das crianças.
Como pensar diversidade e desigualdade na um importante guia a ser explorado da forma
infância? Onde estão as crianças nas cidades? que lhe for mais interessante, considerando
Por onde e como elas circulam? Como sua área de atuação e sua disponibilidade.
participam da produção do espaço urbano? Ele encontra-se organizado em quatro
Como escutar as crianças no processo de módulos conforme se deu a organização
construção de políticas e projetos? Como do curso, a saber:
articular políticas públicas para a infância
no território, em prol de uma cidade que
cuida das crianças? Essas foram algumas das Módulo 1: Infâncias, direitos e políticas
questões que serão colocadas ao longo do
Módulo 2: A criança e a cidade
percurso formativo. Esperamos que elas sejam
Módulo 3: Participação infantil

Este material, organizado para orientar a Módulo 4: Políticas públicas, educação e


sua trajetória, é uma coletânea de diversos contextos de participação
conteúdos para consulta, que incluem
vídeos, textos, podcasts, entrevistas, notícias, A principal intenção desta coletânea de
dentre outros. Para guiar seus estudos,
algumas perguntas orientadoras conduzirão crianças são sujeitos históricos e de direitos,
a conceitos-chave do campo acadêmico dos que constroem o mundo a partir de uma
estudos da infância, políticas públicas e lógica singular e relevante, e ainda fortalecer
direitos das crianças. Sem perder de vista a
dimensão das experiências concretas, esses a cidade. Esperamos que este material possa
conceitos se somarão, neste material, a um
convite para navegar por várias iniciativas no com a construção de cidades como espaços
Brasil e na América Latina que poderão revelar educativos e de políticas públicas mais
como a participação infantil pode se dar em sensíveis às crianças.
diferentes contextos. Este material é, portanto,

8 9
Como ler este material:

Ao longo do texto, você encontrará hiperlinks Para uma melhor experiência de leitura deste
com materiais externos, compostos por material, recomenda-se baixar o arquivo PDF e
diversas mídias categorizadas segundo os abri-lo fora do navegador da internet.
ícones abaixo:
Todo o conteúdo também está disponível para
leitura no site www.criancacidade.com.br.

e a produção deste material didático,


notícia vídeo podcast de circulação livre e gratuita, é parte do
compromisso da Universidade Pública, espaço
democrático de encontro e troca de saberes,
com a cidadania desde a infância.

texto entrevista site

Material básico é um contúdo essencial para o


módulo e sempre aparece na cor laranja.

Material complementar é um conteúdo extra e


sempre aparece na cor azul.

Basta clicar no triângulo roxo localizado no


canto inferior direito da página para voltar
ao sumário.
10 11
Infâncias, direitos e políticas

O que você vai ver aqui:


Este módulo tem o objetivo de
apresentar e debater um conjunto de
ideias que nos ajudam a pensar sobre
o processo de construção social da
infância, dos marcos legais referentes
aos direitos das crianças e das políticas
públicas para a infância, abordando

sobretudo do Brasil. Destacam-se


algumas tensões entre o que
chamaremos de infância hegemônica e
as realidades diversas e desiguais em que
vivem as crianças no contexto brasileiro.
Módulo 1
Os tópicos orientadores deste

Infâncias, módulo são:

direitos e Isso é coisa de criança?

políticas
Direitos das crianças: o marco legal
As políticas públicas para a infância
Cibele Noronha de Carvalho O direito das crianças à cidade
13
Infâncias, direitos e políticas

1. Isso é coisa de criança?


Fábio Baroli, Sem título,
série “Vendeta”, óleo
sobre tela, 2010.
Imagem disponível no
site Prêmio Pipa.
Sebastião Salgado, Crianças em
uma acampamento de sem-terra
à beira da estrada PR-158, 1996.
Imagem disponível no
site Sebastião Salgado.

Bansky, Policeman
Searching Girl,
Londres, 2007.
Imagem disponível
no site de Bansky.

Cláudia Jaguaribe,
Mariana e amiga, 2010.
Imagem disponível no
site de Claudia Jaguaribe.

14 15
A criança e a cidade Infâncias, direitos e políticas

Como você se sentiu ao ver essas imagens? Porém, para atingir os nossos objetivos,
Comovido? Indignado? Incomodado? basta observarmos que a escola e a casa são
Indiferente? Imagina por que se sentiu assim? na atualidade os lugares onde as crianças
passam a maior parte de seu tempo. Por isso,
Nossa reação diante de imagens como essas
é uma manifestação do que historiadores da espaço doméstico e as instituições educativas
infância apontam como uma nova fronteira seriam os únicos espaços realmente infantis,
entre gerações traçada pelo mundo moderno enquanto a rua seria um lugar inadequado
ocidental -
tos, as informações e as atividades compreen- para circular desacompanhado. Com isso,
didas como infantis. Nesse processo, o espaço as atividades infantis, que antes aconteciam
público da rua, onde reuniões e decisões cole- ao ar livre, em grupos de diferentes idades
tivas da vida em sociedade acontecem, passou e longe do olhar adulto, se tornaram mais
a ser atribuído aos homens adultos, sendo o supervisionadas, sendo o contato entre os
espaço doméstico da casa, onde se realizam pares reduzido a relações entre crianças
as atividades de cuidado para a sobrevivência agrupadas por idade em instituições escolares
e as decisões individuais sobre a família, ou sociais.
destinado a proteger as mulheres e as
crianças. Paralelamente, surgiram as escolas,
que se encarregaram da formação preparató-
ria para a vida adulta, social e produtiva,
separando as crianças das atividades laborais
e de outros assuntos e vivências, como aqueles
relacionados à violência e ao sexo.

E o que esse processo tem nos ensinado?

As suas consequências são tão extensas e


complexas que não caberiam neste material.
16 17
A criança e a cidade Infâncias, direitos e políticas

Especialistas e ativistas têm alertado para as participação das crianças, como o direito ao
inúmeras, diversas e graves consequências acesso às informações que lhes dizem respeito,
decorrentes dessa situação. Mas, neste o direito à organização coletiva e, até mesmo, à
material, gostaríamos de chamar atenção mobilização para pressionar as autoridades na
para um aspecto para o qual pouco destaque defesa de seus interesses.
é dado: o fato de que a ausência de meninos
e meninas no espaço público produz a Veja a seguir algumas experiências interessan-
invisibilidade social das crianças. Nem tes do exercício da cidadania na infância:
eleitoras, nem contribuintes, as crianças foram
– e continuam sendo – privadas do direito à
participação social e política, o que muitas
As cartas
vezes impede que instituições, governantes
das crianças da
e agentes sociais levem em consideração os Maré: “Não gosto
impactos que as decisões políticas podem ter do helicóptero
porque ele atira
sobre suas vidas. e as pessoas
morrem”. El País,
14 ago. 2019.
Qual a primeira coisa que lhe vem à cabeça
quando você pensa em participação social e
política? Eleições? Pois bem, no senso comum,
a participação social e política é imaginada
como algo a se realizar na vida adulta, sendo
necessária uma longa preparação até que
esse direito seja adquirido. Você pode estar
pensando, “Ah, mas, é claro, as crianças não
podem votar”, e não vamos aqui refutar esse
argumento. Mas o que estamos propondo é que
a cidadania não seja associada exclusivamente
ao exercício do voto. Ao contrário, convidamos
você a imaginar diversas formas possíveis de
18 19
A criança e a cidade Infâncias, direitos e políticas

Crianças
que citaram
Paulo Freire
Sem Terrinhas
em protesto
cobram mais atenção
conseguem
às escolas do campo,
mais tempo de
no Rio. Brasil de Fato,
recreio. Correio
1 nov. 2017.
Braziliense,
1 out. 2021.

Carta de um menino
negro da Escola
Integrada à sua
professora. Acervo
pessoal de Mara
Evaristo, 2022.

20 21
A criança e a cidade Infâncias, direitos e políticas

O que você pensa sobre esses exemplos? estado do Espírito Santo. Através de um
Conhece outras iniciativas assim? telefone de lata, elas falam sobre práticas

Infelizmente, as manifestações sociais e


políticas das crianças são menos frequentes algumas dessas práticas?
do que gostaríamos, já que, como vimos,
a ausência delas no espaço social torna a
infância socialmente invisível. Como se não
M AT E R I A L
bastasse, a institucionalização da infância BÁS I CO
(alguns autores vão falar de domesticação,

está relacionada à expectativa de deter-


minados padrões que cada criança deve
corresponder. O problema é que esse papel
social foi universalizado a partir da experi-
ência das crianças de famílias de camadas Disque quilombola
sociais superiores de países europeus e
Clique aqui
norte-americanos, e foi estendido como Vídeo disponível no canal do YouTube da
para assistir
modelo universal de infância a ser repro- ao vídeo. Equipe Disque, 2016.
duzido em contextos muito diversos, como
na Ásia, África e América Latina – incluindo
o Brasil –, sem que se levasse em conta a
diversidade de formas de se viver a infân- Circular pelas ruas, dançar funk ou brincar
cia, ou, melhor seria até dizer, as infâncias. com fogo são atividades que não fazem
parte da chamada infância hegemônica e
Para ilustrar essa ideia, dê uma olhada podem ser consideradas erradas. Sobre a
no Disque Quilombola, vídeo que traz um recusa da pluralidade das formas de viver
diálogo divertido entre crianças de uma das crianças ao redor do mundo, ouça o que
comunidade quilombola e de um morro no diz a antropóloga Clarice Cohn:
22 23
A criança e a cidade Infâncias, direitos e políticas

M AT E R I A L observamos que essa diversidade muitas ve-


BÁS I CO
zes se converte em desigualdades. Segundo
o relatório da Fundação Abrinq, o Brasil, país
de dimensão continental, tem 69,8 milhões
de crianças e adolescentes entre 0 e 19 anos
de idade, o que representa 33% da população
do país. É importante ressaltar que as con-
dições em que essas crianças vivem não são
Trecho de Na Íntegra - Clarice Cohn e
apenas diversas, mas também extremamente
Clique aqui Mary Del Priori - Infância
desiguais. Os dados revelam que, entre julho
para assistir
ao vídeo.
e novembro de 2020, 45,4% de crianças entre
Vídeo disponível originalmente no canal do
0 a 14 anos viviam em famílias em situação de
YouTube da UNIVESP, 2016.
pobreza, 4,6% da população nessa faixa etária

A fala de Clarice Cohn nos mostra que aquilo de trabalho infantil e 1,6 milhão de crianças
que geralmente consideramos infância – ou
seja, o período da vida para brincar, estudar e estar na escola.
ser protegido do mundo considerado adulto –
não corresponde às formas de vida de todas Infelizmente esses dados não são isolados,
as crianças. Aliás, sobre meninos e meninas
que vivem outras infâncias, costuma-se dizer
- experimentada na região a partir do século
ção, ainda que preocupada com a violação XXI, em 2016, a cada 100 crianças com menos
de direitos, nega a riqueza e a complexidade de 15 anos, 47 viviam em situação de pobreza,
das experiências infantis. Não é porque essas sendo que 17 delas se encontravam em situ-
crianças não correspondem a uma imagem ação de pobreza extrema, como mostra um
idealizada que podemos dizer que elas não estudo realizado pela Comissão Econômica
têm infância.
24 25
A criança e a cidade Infâncias, direitos e políticas

Embora as desigualdades que recaem sobre a indígenas que vivem nas regiões Norte e
infância brasileira sejam históricas e persisten-
tes, diversas pesquisas têm apontado para o de renda, em comparação com brancos das
agravamento da situação durante a pandemia, demais regiões do País, chegando a pobreza
monetária infantil a dobrar no primeiro grupo
abandono escolar, o recuo nas matrículas em em relação ao segundo. Esses dados são
creches, a estagnação da taxa de mortalidade preocupantes porque a pobreza e as múltiplas
privações (à educação, saúde, informação,
número de crianças abaixo de 5 anos desnu-

doméstica e sexual, além da diminuição da pobreza entre gerações, contribuindo para a


cobertura vacinal obrigatória de crianças. Em reprodução estrutural das desigualdades na
comum, esses estudos trazem a constatação sociedade no Brasil.
de que a situação é ainda mais grave para
crianças brasileiras moradoras de áreas rurais,

E esse contexto de desigualdades não


para por aí. Segundo o estudo Pobreza
Infantil Monetária no Brasil – Impactos
da pandemia na renda de famílias com
crianças e adolescentes, realizado pelo
Fundo das Nações Unidas para a Infância

monetária e a pobreza monetária extrema


impactam, proporcionalmente, o dobro de
crianças e adolescentes, em comparação
com os adultos. A pesquisa aponta também
que meninas e meninos pretos, pardos e
26 27
A criança e a cidade Infâncias, direitos e políticas

2. Direitos das crianças: o marco legal

Por isso, a construção de políticas públicas A infância não foi inventada em uma
que tenham por objetivo garantir os direitos
A construção da ideia de infância, como
reconhece a diversidade cultural e as desigual- pensamos hoje, foi uma obra coletiva de
dades sociais (econômicas, culturais, raciais, adultos e crianças que começou há séculos
atrás, sofreu avanços e recuos e, claro, ainda
brasileiro. Sobre esse tema, ouça a fala de não terminou. Um dos desdobramentos desse
Maria de Salete Silva, especialista em Políticas percurso foi o reconhecimento da criança
Públicas para a Infância: como um sujeito de direitos, processo que
implicou no surgimento de uma série de
marcos legais, dentre os quais se destaca
a Convenção sobre os Direitos da Criança
M AT E R I A L
BÁS I CO
das crianças tenham surgido com esse
documento. Na verdade, eles são fruto de
um intenso debate que antecedeu a sua
aprovação e de conquistas que marcam esse
percurso histórico.

crianças e adolescentes
Clique aqui
para assistir Vídeo disponível no canal do YouTube do
ao vídeo. Instituto Arcor Brasil , 2021.

28 29
A criança e a cidade Infâncias, direitos e políticas

Curiosidade pontuais. Não se pensava ainda em exigir do


Conheça a legislação anterior à Convenção de 1989 estado a formulação de políticas voltadas à
garantia do bem-estar e do pleno desenvolvi-
A Declaração de Genebra sobre os Direitos da Criança, mento desse grupo etário, nem na possibili-
de 1924, é considerada a primeira menção, registrada em dade de atribuir às crianças também o direito
instrumento internacional, à necessidade da infância e da
adolescência contarem com tratamento diferenciado por
de participação.
parte dos adultos. Alguns anos depois, a Declaração Universal
dos Direitos Humanos de 1948 destacou a necessidade de que Buscando contribuir com a assimilação da
todas as crianças e suas mães recebam cuidados e assistência Convenção sobre os Direitos das Crianças
especial. Em 1959, a Declaração Universal dos Direitos
da Criança forneceu as bases doutrinárias da Convenção
aprovada três décadas depois, em 1989.
garantidos pela Convenção em três categorias:

Apesar de a Convenção de 1989 não inaugurar (1) Direitos à provisão: Reúne os direitos
essa ideia de criança como sujeito de direitos, relativos aos recursos necessários para se
ela inovou, em relação aos documentos ante- garantir o desenvolvimento físico, mental,
cedentes, por sua extensão, por sua pretensão espiritual, moral e social adequado, incluindo
de abarcar diversas dimensões da vida infantil os direitos à alimentação, vestuário, moradia
e por reconhecer às pessoas menores de 18
anos todos os direitos e liberdades inscritos à educação, através do estabelecimento
na Declaração dos Direitos Humanos. Vale da obrigatoriedade do primário e da
lembrar que, na maior parte dos documentos acessibilidade dos níveis seguintes, do estímulo
anteriores, as crianças e os adolescentes eram à frequência e do combate à evasão escolar
reduzidos a objeto de proteção, que precisa-
vam ser tutelados pelos adultos, principalmen-
te pelos pais. Isso porque os “menores”, como
frequentemente eram chamados, eram con- (2) Direitos à proteção: Diz respeito à
siderados responsabilidade de suas famílias,
cabendo aos governos apenas intervenções desenvolvimento e aos direitos à proteção
30 31
A criança e a cidade Infâncias, direitos e políticas

Além de contemplar esses três grupos de


abandono, exploração e crueldade (arts. 19 direitos, as políticas públicas dos países
signatários da Convenção de 1989 devem
exploração econômica e contra a realização de ser regidas por princípios que foram
qualquer trabalho que possa interferir em seu estabelecidos no Comentário Geral nº 5

Dentre esses princípios, vale a pena


mencionar ao menos dois:

(3) Direitos à participação: São aqueles que (1) Princípio da não discriminação:
garantem às crianças e aos adolescentes o Estabelece que todos os direitos devem ser
direito à liberdade de expressão, de manifes- garantidos, independentemente de gênero,
tar sua opinião sobre questões que afetam raça, etnia, idioma, religião, posição eco-
nômica, opinião política ou nacionalidade.
de forma individual, mas também de forma Esse princípio se faz especialmente relevan-
te no contexto brasileiro, em que a negação
à participação, que é um dos pontos em que do acesso aos direitos das crianças atende
a Convenção dos Direitos da Criança de 1989 a critérios étnico-raciais, de classe social, de
avança em relação aos marcos anteriores,
falaremos mais nos módulos seguintes.

(2) Princípio do melhor interesse (ou


interesse superior da criança): Determina
que os Estados Nacionais devem conceder
prioridade à infância e à adolescência na
formulação de normas e políticas públicas,
na qualidade dos programas e serviços e no
direcionamento de recursos públicos. Além
de fundamentar as políticas públicas, essa
32 33
A criança e a cidade Infâncias, direitos e políticas

perspectiva deve nortear também a atividade com a redemocratização pós-ditaduras mili-


de tribunais, órgãos administrativos e legis- tares. Mais de 20 anos depois da aprovação
lativos, e até mesmo as instituições privadas do documento pela Assembleia Geral da ONU,
que atuam prestando algum tipo de serviço quase todos os países da América Latina
a crianças e jovens. Isso porque considera-se revisaram suas normas, incluindo nelas os
que as privações de direitos sofridas pelas direitos das crianças. A exceção é o Chile, que,
crianças, consideradas pessoas em desenvolvi- apesar de ter assinado a Convenção, só em
mento e vulneráveis biopsiquicamente, trazem 2022 começou a atualizar a sua Constituição
consequências para a vida toda. para inserir novos direitos sociais, uma vez
que a carta do país remonta ainda à ditadura
Quando um país se torna signatário da de Pinochet.
Convenção, ele automaticamente assume
algumas responsabilidades, como a de
atualizar seu marco legal contemplando
esses direitos e princípios, investir em
políticas públicas correspondentes e destinar
recursos orçamentários para esses programas
e ações. A Convenção é o documento de

e desencadeou a revisão das legislações


nacionais dos mais de 190 países signatários.

Curiosidade

Os Estados Unidos foram o único país do mundo a assinar, mas

A América Latina e o Caribe foram pioneiros


-
mento coincidido, em vários países da região,
34 35
A criança e a cidade Infâncias, direitos e políticas

O Brasil foi o primeiro país da região a


adaptar a legislação nacional aos preceitos movimento representou um importante
da Convenção de 1989, processo que ocorreu avanço, uma vez que nas normas anteriores –
em meio à redemocratização e à elaboração
da Constituição Cidadã. Sobre isso, assista
ao curta-metragem A história, as lutas e a mencionadas na condição de infratores. Isso
evolução dos direitos das crianças: acontecia porque, na ausência de políticas
adequadas do estado brasileiro para a
situação das crianças pobres, principalmente
M AT E R I A L dos meninos e meninas de rua, essas leis
BÁS I CO apontavam como solução o controle social dos

A percepção das crianças pobres e negras


como um problema a ser resolvido através
de um aparato repressivo não aconteceu por
acaso ou coincidência, mas está associada
A história, as lutas e a evolução dos direitos ao processo histórico de formação da nossa
das crianças sociedade, marcado pelo genocídio dos povos
Clique aqui
para assistir Vídeo disponível no canal no YouTube do africanos. Na sociedade imperial, por exemplo,
ao vídeo. Portal Lunetas, 2018. crianças indígenas e negras experimentaram
a violência da separação de seus familiares
em processos forçados de evangelização
Como mostra o vídeo, a atualização da e exploração do trabalho, permeados por
legislação brasileira à Convenção de 1989 castigos e humilhações.
ocorreu através da inclusão dos artigos 227
e 228 na Constituição de 1988 e através da A Lei do Ventre Livre, de 1871, estabeleceu
promulgação do Estatuto da Criança e do que as mulheres escravizadas dariam à luz
36 37
A criança e a cidade Infâncias, direitos e políticas

apenas a bebês livres. Contudo, ela não foi


acompanhada por uma política que permitisse M AT E R I A L
BÁS I CO
a essas crianças o acesso à saúde, ao lazer e
à educação, nem tampouco à participação
na vida política, culminando no abandono
de milhares de crianças. Por essa razão, a
data de abolição da escravatura, em 1888,
é considerada por alguns estudiosos como
o início de uma nova forma de desproteção
da juventude negra. O arcabouço jurídico
construído após a proclamação da República em 18 anos
levou à criminalização e institucionalização Clique aqui
de crianças e adolescentes brasileiros, para assistir Vídeo disponível no canal do YouTube do
consolidando, assim, uma política de controle ao vídeo. Senado Federal, 2015.
e repressão do estado que permeia até os dias
de hoje. Por tudo isso, podemos dizer que a
construção do marco legal brasileiro referente A substituição do modelo assistencialista-
às crianças é fortemente atravessada pelas correcional-repressivo por uma visão
relações étnico-raciais. sistêmica da infância nas normas brasileiras
não foi automática, mas fruto da articulação
e mobilização da sociedade civil nos anos que
brasileiras que tratavam das crianças e dos antecederam a redemocratização. Destaca-se
adolescentes e a reviravolta legislativa que nesse processo a criação, em 1985, do
ocorreu após a redemocratização, assista a Movimento Nacional de Meninos e Meninas
seguir à reportagem de Ricardo Westin.
Defesa dos Direitos da Criança, formada
principalmente por agentes municipalistas.
Também foram determinantes o Movimento
da Criança Constituinte e a Campanha
38 39
A criança e a cidade Infâncias, direitos e políticas

“Não matem nossas crianças”, resultado da (2) Os Encontros Nacionais de Meninos


mobilização do movimento negro. e Meninas de Rua, que fomentaram a
organização das crianças em situação de
Dois episódios marcaram esse momento, rua para a defesa de seus direitos e foram
sensibilizando a opinião pública, a imprensa e determinantes para a promulgação do ECA.
os parlamentares: Assista a trechos do documentário Crianças
abandonadas – II Encontro Nacional de
(1) A Ciranda da Constituinte, quando mais Meninos e Meninas de Rua, em Brasília no
de 20 mil crianças e adolescentes cercaram ano de 1989.
o Congresso Nacional, em 5 de outubro de
1985, data em que seria votada a inclusão dos
M AT E R I A L
artigos 227 e 228 na Constituição.
BÁS I CO

Trecho de Crianças Abandonadas - II Encon-


Manifestação tro Nacional de Meninos e Meninas de Rua
organizada pelo
Movimento Clique aqui
Nacional Meninos para assistir Vídeo disponível originalmente no canal do
e Meninas de ao vídeo. YouTube de Eduardo Mota, 2014.
Ruas (MNMMR)
em frente ao
Congresso
Nacional. Assim, o ECA representou uma vitória para as
Foto de Reynaldo crianças e adolescentes brasileiros, sobretudo
Stavale, disponível
no site da Câmara
para os pobres e negros que vinham sofrendo
dos Deputados. com a repressão policial. Dentre as conquistas
40 41
A criança e a cidade Infâncias, direitos e políticas

expressas no estatuto, ressaltamos a institui- aqueles direitos que dizem respeito às espe-
ção da inimputabilidade penal de crianças e
jovens menores de 18 anos e a previsão da após essas importantes conquistas normativas,
criação de órgãos do sistema de garantia de -
direitos da criança no Brasil, que têm por sistem, o Brasil observa a diminuição da taxa
função acompanhar e efetivar as políticas de mortalidade infantil, o avanço no acesso das
para a infância, como: crianças e adolescentes à educação, além da
redução da exploração do trabalho infantil.
(1) Conselhos Tutelares: Constituídos por
membros eleitos da sociedade civil, são encar- Na sua área de atuação, houve avanços no
regados de acompanhar e eventualmente atendimento às crianças depois do ECA? Você
encaminhar à rede de proteção casos de
crianças e adolescentes em privação de na realidade nacional e/ou local?

A consolidação de um novo entendimento


(2) Conselhos de Direitos da Criança e do dado pela promulgação do ECA abriu caminho
Adolescente: Constituídos por representan- para diversas iniciativas do poder público,
tes do poder público, da sociedade civil e do do terceiro setor e da sociedade civil, como a
terceiro setor (que inclui iniciativas privadas criação, em 1996, do Programa Prefeito Amigo
da Criança, implementado em mais de 1.370
municípios brasileiros. Promovido pela
estabelecidos no ECA. Fundação Abrinq, o programa tem o objetivo
de apoiar tecnicamente os gestores munici-
Junto aos artigos 227 e 228 da Constituição pais para que priorizem políticas públicas em
Federal de 1988, o ECA consolidou a substi- favor das crianças e adolescentes.
tuição da doutrina da situação irregular pela
doutrina da proteção integral, atribuindo às Reconhecendo os benefícios individuais e
crianças não apenas os direitos fundamentais coletivos do investimento na primeira infância,
conferidos a todos os cidadãos, mas também foi criada, em 2007, a Rede Nacional Primeira
42 43
A criança e a cidade

- 3. As políticas públicas para a infância


zações da sociedade civil, do governo, do setor
privado e de organizações multilaterais que
atuam pela promoção e garantia dos direitos
da Primeira Infância. Em 2010, a RNPI lançou
o Plano Nacional da Primeira Infância (2010-

Direitos da Criança e do Adolescente

Direitos Humanos da Presidência.

Ainda de olho na primeira infância, em 2016,


o Brasil aprovou o Marco Legal da Primeira

objetivo estabelecer princípios e diretrizes


para as políticas públicas voltadas às crianças O Brasil, como já vimos, foi pioneiro na
de 0 a 6 anos. Para evitar que os entes federa- América do Sul na atualização das leis
tivos empurrem as responsabilidades uns aos nacionais relativas aos direitos das crianças,
outros, o documento menciona a correspon- além de ter produzido, com participação da
sabilidade e a complementaridade das ações sociedade civil, uma legislação avançada no
de municípios, estados (incluído o Distrito reconhecimento dos direitos da criança.
Contudo, observa-se uma grande distância
a responsabilidade de promover a articulação entre os direitos reconhecidos e a realidade
entre os demais níveis. Tanto o Plano Nacional em que vivem os meninos e as meninas
da Primeira Infância quanto o Marco Legal da no país.
Primeira Infância recomendavam que todos os
municípios brasileiros deveriam criar e imple- -
mentar, até 2022, um Plano Municipal pela postos à aplicação dos direitos reconhecidos
pelo ECA?
44 45
A criança e a cidade Infâncias, direitos e políticas

Esses problemas mostram que o reconhecimen- (2) Políticas de desenvolvimento social


to legal não basta para garantir a efetiva vigência (ou de assistência): São direcionadas para
das normas e a mudança da realidade. É neces- famílias ou crianças que necessitam de apoio
sário desenhar políticas públicas para a infância, para superar vulnerabilidades ou condições
- de exclusão e desigualdade. São exemplos
dos para viabilizar os direitos desse grupo etário. os programas de transferência de renda com
condicionalidades, como o Auxílio Brasil,
Na publicação Hacia la garantía efectiva de los substituto do bem-sucedido Bolsa Família,
derechos de niñas, niños y adolescentes: que vigorou por 18 anos no país, o Asignação
Sistemas Nacionales de Protección, a Comisión Universal por Hijo para Protección Social
Interamericana de Derechos Humanos/ Organi-

categorizou as políticas públicas da América (3) Políticas de proteção especial: São


Latina em quatro grupos, com foco nos direitos focadas em crianças e adolescentes que
da infância e da adolescência: se encontram em situação de risco ou de
violação de direitos, incluindo aqui as medidas
(1) Políticas sociais básicas ou universais: São contra todas as formas de violência e contra
voltadas para crianças e adolescentes em geral, o trabalho infantil. São exemplos brasileiros o
como é o caso das políticas da educação e da Programa de Erradicação do Trabalho Infantil
saúde. No Brasil, são exemplos: o Calendário
Nacional de Vacinação, que oferece quase 20
vacinas destinadas exclusivamente às crianças;
o ProInfância, que tem por objetivo aumentar
o número de creches para o atendimento das
crianças de 0 a 5 anos; o Programa Nacional de

46 47
A criança e a cidade Infâncias, direitos e políticas

(4) Políticas de defesa jurídica, vale destacar o Sistema de Garantia dos Di-
exigibilidade de direitos e garantia de
direitos no marco dos procedimentos criado, em 2006, para buscar a integração de
administrativos e judiciais: São incluídas aqui atores sociais, instâncias públicas governa-
as ações destinadas a garantir uma justiça mentais ou da sociedade civil que atuam para
adaptada a crianças e adolescentes. No Brasil, garantir os direitos humanos de crianças e
destaca-se a criação, em algumas cidades, adolescentes em todo o território brasileiro.
de Centros de Atendimento Integrado, que
A desarticulação entre atores, instituições
crianças vítimas de violências e possuem e níveis de governo não é um problema
exclusivo do Brasil, mas compartilhado por
de cuidado e de escuta da criança e do outros países latino-americanos, já que,
adolescente sobre os fatos ocorridos. historicamente, as políticas de assistência
social e educação se desenvolveram na região
Algumas dessas políticas, como o Progra- separadamente. Para evitar leis e instituições
duplicadas, além de iniciativas institucionais
Agricultura Familiar, articulado ao Programa fragmentadas, os governos latino-americanos
têm investido na criação de políticas
intersetoriais, ou seja, articulam mais de um suprainstitucionais, buscando maior sinergia
políticas das ações. São exemplos os programas Cero
intersetoriais respondem a uma concepção a Siempre na Colômbia, Chile Crece Contigo,
holística da criança, superando a fragmen- Estratégia Nacional Intersetorial para a
tação dos conhecimentos e a desarticulação Primeira Infância: Infância Plena no Equador, o
de instituições e agentes sociais para poten- Programa Uruguay Crece Contigo e o Sistema
cializar recursos, ações e resultados. Outras Rector Nacional para la Protección Integral
políticas foram desenhadas de modo a envol- de Niños, Niñas y Adolescentes na Venezuela.
ver diferentes entes federativos, e a própria (O tema da intersetorialidade será tratado de
modelo de
governança democrático e multinível. Aqui, Além da articulação dos diversos setores e
48 49
A criança e a cidade Infâncias, direitos e políticas

níveis governamentais, o Brasil, país de


dimensão continental, também enfrenta os M AT E R I A L
BÁS I CO

que o caracteriza e da diversidade étnico-


racial, de gênero e religiosa de suas crianças.
Mesmo contando com um arcabouço legal
robusto e atualizado no que diz respeito
aos direitos das crianças, e ainda que esses
direitos sejam sustentados pelo princípio
da não discriminação, o país não está isento Trecho do Seminário 30 anos ECA: da ação
de aplicações discriminatórias de suas
leis. Essa ideia parece contraditória, não
é? Acontece que as decisões tomadas nas Clique aqui
Vídeo disponível originalmente no canal do
políticas públicas implicam em um certo para assistir YouTube do Núcleo de Estudos e Pesquisas
grau de interpretação dessas normas. Sobre ao vídeo. em Infância e Educação Infantil, 2020.
isso, ouça a fala de Assis de Oliveira no

realizado pelo NEPEI/FAE/UFMG em 2020. Assis fala sobre um movimento conservador


que instrumentaliza os novos direitos das
crianças, paradoxalmente negando-os quando

estado contra crianças e adolescentes negros,


-
timação da participação social e política de

discriminatórios dos direitos das crianças


contra a diversidade das infâncias. Sobre esse
último ponto, Assis defende que a doutrina
50 51
A criança e a cidade Infâncias, direitos e políticas

cultura da desconti-
nuidade das políticas públicas do país. Um
exemplo é a substituição do Bolsa Família,
maior programa condicionado de transferên-
cia de renda do mundo, pelo Auxílio Brasil.
Sobre esse tema, não deixe de ler abaixo a
entrevista com Rogério Veiga, realizada pelo
projeto Criança Livre de Trabalho Infantil.
Especialista em políticas públicas, Veiga tra-
balhou no Ministério da Educação, entre 2009
a 2011, e participou da equipe de formulação
e implementação do programa São Paulo
Carinhosa, voltado para políticas de primeira
infância da cidade de São Paulo.

da proteção integral, baseada em um modelo O que muda


no “novo Bolsa
Família” para
para garantir a proteção de todos os meninos os direitos
e meninas, sendo necessário complementá-la de crianças e
adolescentes.
com a doutrina da proteção plural. Isso im- Reportagem de
plicaria na reestruturação de toda a rede de Bruna Ribeiro.
Criança Livre de
proteção para garantir a representatividade
Trabalho Infantil,
nos ambientes de decisão e atendimento, 27 set. 2021.

que considerem a diversidade de infâncias.

direitos das crianças, cujas políticas possuem


forte apelo eleitoreiro, também enfrenta o
52 53
Infâncias, direitos e políticas

4. O direito das crianças à cidade de poder, obedecendo a uma lógica masculina


e elitista, e claro, adultocêntrica.

Os dados a seguir ilustram bem essa ideia. Se


pensarmos sobre a violência de uma forma
Como vimos anteriormente, a consolidação de geral, e não apenas na violência no trânsito,
uma concepção universal de infância pautada percebemos como a segurança urbana é de-
pelo mundo moderno ocidental estabeleceu o sigualmente distribuída. Segundo o Panorama
espaço público como lugar dos homens adul- da violência letal e sexual contra crianças e
tos, reservando o espaço doméstico às mulhe- adolescentes no Brasil, realizado pelo Unicef,
res e às crianças. De certo modo, o domínio do meninos brasileiros entre 10 e 14 anos vivem
espaço se tornou um marcador geracional: uma transição da violência doméstica para a
a autonomia do deslocamento e o gradativo prevalência de mortes fora de casa, causadas
aumento do perímetro de circulação poderiam por arma de fogo e com autor desconhecido.
até mesmo indicar a idade de uma pessoa. Essas mortes violentas possuem um alvo es-

Essa diminuição da sociabilidade das crianças em cada cinco vítimas entre 15 e 19 anos, faixa
nos espaços públicos faz parte de um proces- etária em que ocorre a maior parte das mortes.
so relacionado a uma concepção individualista
de cidade, que priorizou o deslocamento por
carros, alargando progressivamente as ruas,
reduzindo as calçadas e tornando as cidades
mais perigosas para os pedestres, principal-
mente os de pouca idade. Para se ter uma
ideia, o trânsito é a principal causa de mortes
de crianças de 1 a 14 anos no Brasil, segundo
o site Criança Segura. Por isso, o espaço
urbano não deve ser pensado como um lugar

54 55
A criança e a cidade Infâncias, direitos e políticas

E essa situação está se agravando. Entre debate público sobre o planejamento urbano
2016 e 2020, o número anual de mortes a partir do projeto Cidade das Crianças. Essa
violentas de crianças com idade entre 0 e discussão teve seus desdobramentos na
4 anos aumentou 27%. Somente em 2020 legislação brasileira, como mostram as falas
das urbanistas Tainá de Paula e Irene Quintàns.
e adolescentes entre 10 a 19 anos como
decorrentes de intervenção policial, indicando
uma média de mais de duas mortes por dia no
M AT E R I A L
país. Esses dados evidenciam a centralidade BÁS I CO
da questão racial no debate sobre o direito das
crianças e adolescentes brasileiros à cidade.

A noção do direito à cidade foi formulada

amplamente adotada por quem pensa, trabalha


e luta por um espaço urbano mais democrático Marcos e Leis
e inclusivo. Essa ideia emerge das diferentes
Clique aqui
formas de opressão da vida cotidiana no Disponível no canal do YouTube do Centro de
para assistir
contexto urbano e expressa o desejo por uma ao vídeo.
nova forma de construir a cidade e viver nela.
Já imaginou, outras formas de morar, trabalhar,
festejar e brincar nas cidades?
Como vimos até aqui, o século XX
O direito à cidade implica na participação de construiu um grande arcabouço teórico e
todos os sujeitos na construção e fruição do jurídico para as crianças, mas os direitos
espaço. Foi o pedagogo italiano Francesco das crianças, no Brasil como na maior
Tonucci quem contribuiu para dar visibilidade parte dos países do mundo, ainda não
às crianças nessa construção coletiva, trazen- estão garantidos. Para que isso aconteça, é
do a importância da participação infantil no cada vez mais necessário que a sociedade
56 57
A criança e a cidade

civil e os governos revertam a invisibilidade


social da infância nas políticas públicas, nos
Gostou do assunto e
orçamentos, nas estatísticas, nos programas quer saber mais?
e nas ações, para que sejam garantidos
os direitos sociais de todas as crianças,
indiscriminadamente. Veja abaixo um conjunto de exemplos de
políticas intersetoriais para a infância na
No Brasil e na América Latina, veremos que América Latina:
a escola, enquanto equipamento público de
larga capilaridade na malha urbana, assume Chile: Chile Crece Contigo
centralidade na conexão entre estado, Colômbia: Cero a Siempre
políticas públicas, sujeitos e territórios. Nos Equador: Estratégia Nacional Intersetorial
módulos seguintes, traremos outros conceitos, para a Primeira Infância: Infância Plena
além de exemplos inspiradores de iniciativas Uruguai: Programa Uruguay Crece Contigo
que levam em conta as crianças que, como
Venezuela: Sistema Rector Nacional para
nós, também desejam uma outra cidade.
la Protección Integral de Niños, Niñas
y Adolescentes

PODCAST

No quarto episódio do podcast A Criança e a


Cidade, Ana Estela Haddad conta sobre o São
Paulo Carinhosa, programa que articula 14
secretarias municipais para promover políticas
direcionadas à primeira infância, priorizando
Clique aqui ações dirigidas a territórios vulneráveis para
para ouvir. resgatar a cidadania de crianças e suas famílias.
58 59
A criança e a cidade Infâncias, direitos e políticas

SITE CINEMA

Viver (Ikiru), (1952)


O site do programa Prioridade Absoluta do
Instituto Alana traz excelente material sobre
o que é prioridade absoluta, matérias de jor-
o Lobo de Ouro no Festival de Cinema de
Clique aqui nais, notícias e uma seção com publicações
Bucareste, em 1953, e o Prêmio Especial do
para acessar. sobre o tema.
Senado de Berlim no Festival de Berlim, em
1954. Ikiru conta a história de um grupo de
mulheres que busca transformar um terreno

brincarem. Mas o que essas mães vivenciam


VÍDEO é um outro tipo de jogo, o jogo de empurra da
administração pública: a solicitação é enca-
O canal do Luan Manzo, menino quilombola minhada de um setor para outro do governo,
de seis anos, apresenta uma série de vídeos
produzidos por ele no Kilombo Manzo Ngunzo
Kaiango, localizado próximo ao bairro Santa própria morte, toma o problema em suas mãos.

ele conta sobre a cultura afro-brasileira e os


mistérios das religiões de matriz africana. O
Clique aqui curta-metragem Olhos de Erê, produzido por
para acessar
o canal e aqui
Luan, já foi reproduzido em diversos festivais e,
para assistir em junho de 2022, venceu o primeiro lugar no
ao vídeo. 6º Prêmio BDMG Cultural.

60 61
A criança e a cidade

Crianças Invisíveis (2014) Referências bibliográficas


Esse projeto, dirigido por Kátia Lund, Spike
Lee, Emir Kusturica, John Woo, Mehdi Charef, ANDRÉS, Roberto. O mundo sem carros. PISEAGRAMA,
Stefano Veneruso, Ridley Scott, Jordan Belo Horizonte, n. 14, p. 92-99, 2020.
Scott, reúne cineastas de diferentes países
para trabalhar solidária e gratuitamente. O CARVALHO, Cibele Noronha de. Quartos das crianças
contemporâneas: a construção de um novo objeto de
resultado são sete curtas-metragens sobre
pesquisa, Pro-Posições, v. 30, 2019.
infâncias invisibilizadas em diferentes regiões
do mundo e contextos sociais. O episódio COHN, Clarice. Concepções de infância e infâncias: um
brasileiro, dirigido por Kátia Lund, mostra estado da arte da antropologia da criança no Brasil. Civi-
tas, Porto Alegre, v. 13, p. 211-234, 2013.
a rotina dos irmãos João e Bilu, catadores
de latinhas, que transitam pela cidade e GÓES, Djalma Lopes et al Criança, adolescente e
enfrentam inúmeros perigos e obstáculos racismo: 31 anos do Estatuto da Criança e do Adolescente.
com inventividade, humor e uma perspectiva São Paulo: Editora Casa Flutuante, 2022.
genuinamente infantil.
GOUVÊA, Maria Cristina Soares de; CARVALHO, Levindo
Diniz; SILVA, Isabel de Oliveira. Movimentos sociais,
participação infantil e direitos da criança no Brasil.
Educação e Pesquisa, v. 47, 2021.

OLIVEIRA, Assis da Costa. O que a Antropologia da Crian-


ça pode fazer pela construção intercultural dos direitos
das crianças no Brasil? Revista de Antropologia da
UFSCar, v. 11, n. 1, p. 330-346, 2019.

QVORTRUP, Jens. Visibilidades das crianças e da infância.


Linhas Críticas, v. 20, n. 41, p. 23-42, 2014.

RIZZINI, Irene. O século perdido: raízes históricas das


políticas públicas para a infância no Brasil. São Paulo:
Cortez, 1997.

62 63
A criança e a cidade Infâncias, direitos e políticas

ROSEMBERG, Fúlvia. A criança pequena na agenda de FUNDAÇÃO ABRINQ. Cenário da Infância e Adolescência
políticas para a infância: representações e tensões. In: no Brasil. 2021.
A Primeira Infância (0
. Madri: Fundação Santillana, 2009. UNICEF – Fundo das Nações Unidas para a Infância.
p. 49-62. Panorama da violência letal e sexual contra crianças e
adolescentes no Brasil. 2021.
ROSEMBERG, Fúlvia; MARIANO, Carmem Lúcia Sussel. A
convenção internacional sobre os direitos da criança: de- UNICEF – Fundo das Nações Unidas para a Infân-
bates e tensões. Cadernos de pesquisa, v. 40, p. 693-728, cia. Pobreza Infantil Monetária no Brasil – Impactos
2010. da pandemia na renda de famílias com crianças e
adolescentes. 2022.
SARMENTO, Manuel Jacinto. Visibilidade social e estudo
da infância. In: VASCONCELOS, Vera Maria Ramos de; Alguns documentos do marco legal dos direitos da criança
SARMENTO, Manuel Jacinto. .
São Paulo: Junqueira & Marin Editores, 2007. p. 25-49. BRASIL. Decreto nº 17.943-A, de 12 de outubro de 1927.
Consolida as leis de assistência e proteção a menores.
SANTOS, Gevanilda. Da lei do ventre livre ao Estatuto da
Criança e do Adolescente: uma abordagem de interesse BRASIL. Código de Menores. Lei nº 6.697, de 10 de
da juventude negra. Boletim do Instituto de Saúde, n. 44, outubro de 1979.
p. 15-18, 2008.
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SERTORIO, Henrique Nascimento. Crianças e adolescen- 8.069, de 13 de julho de 1990.
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Djalma Lopes et al Criança, Adolescente e Racis- BRASIL. Plano Nacional da Primeira Infância. 2010
mo: 31 anos do Estatuto da Criança e do Adolescente.
São Paulo: Casa Flutuante, 2022. p. 162-172. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil
de 1988.

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CEPAL – Comissão Econômica para a América Latina e o de 8 de março de 2016.
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Hacia la garantía efectiva de los derechos de niñas, niños UNICEF, 1989.
y adolescentes: Sistemas Nacionales de Protección. 2017.

64 65
A criança e a cidade

O que você vai ver aqui:

Neste módulo vamos analisar, a partir


de experiências concretas, como as
relações entre as crianças e as cidades
acontecem em um mundo desigual
e diverso.

As perguntas orientadoras deste


módulo são:

Como pensar diversidade e


desigualdade na infância das cidades?
Onde estão as crianças nas cidades?
Por onde e como as crianças circulam
Módulo 2 nas cidades?

A criança
e a cidade
Maria Fernanda Arias Godoy
67
A criança e a cidade A criança e a cidade

1. Introdução previsão é de que, em 2050, chegue a 70% da


população mundial morando em cidades (Ban-
co Mundial, 2021). A América Latina é a região
do mundo com maior população urbana (81%)
Bem, vamos aqui pensar juntos a relação entre e também a mais desigual.
a criança e a cidade. Relembre sua infância.
Como você vivia e experimentava a cidade? Curiosidade
Você se lembra da excitação em ir até o cen-
tro, acompanhando os pais, amigos ou irmãos
mais velhos, olhando os prédios, as lojas e -
as pessoas tão diferentes que passavam?
-
Lembra-se da primeira vez em que saiu
sozinho(a) pela cidade?
-
Essas lembranças nos dizem como a experiên-
cia das crianças com o ambiente urbano é fun-
damental para o seu desenvolvimento integral.
A cidade não é apenas um espaço de moradia,
mas um espaço educativo através do qual
desenvolvemos olhares, sensibilidades, nos
abrimos para a diversidade, ao mesmo tempo Embora a mancha urbana no Brasil represente
em que nos afetamos pela desigualdade que 0,5% do território (MAPBIOMAS, 2021), 85%
caracteriza nosso mundo social. da população brasileira mora nas cidades
(IBGE, 2016). Mas de qual cidade estamos
- falando? Será que as crianças têm a mesma
mos que nos possibilitem compreender me- experiência em cidades grandes e pequenos
lhor como analisar e desenvolver políticas que vilarejos? E será, inclusive, que crianças com
pensem a relação entre a criança e a cidade. maior ou menor renda se deslocam da mesma
Vivemos em um mundo 57% urbano, cuja forma e frequentam os mesmos lugares?
68 69
A criança e a cidade

2. Como pensar diversidade e


desigualdade na infância das cidades?

A vivência no espaço urbano diferencia-se de


acordo com a classe social, a idade, a raça e
o gênero. No contexto brasileiro, as crianças
pobres têm maior autonomia de circulação
pela cidade, meninas têm menor acesso que
meninos, meninos negros sofrem continua vio-
lência, ao serem criminalizados, independente
de sua classe social. Como destaca Gevanilda
Santos (2008), após a abolição da escravatura, politanas e houve uma rápida reprodução de
a infância negra foi fortemente associada à assentamentos com condições precárias para
ideia de delinquência, e crianças e adolescen- grande parte da população. As aglomerações
tes negros passaram a ser criminalizados e urbanas foram se consolidando à medida que
associados à perturbação da ordem, da mais pessoas saíam das áreas rurais para as
tranquilidade e da segurança pública. urbanas, em busca de supostas melhores
condições de vida e de trabalho, atraídos pelos
Quando recuperamos a história das cidades novos polos industriais brasileiros.
brasileiras, percebemos que seu crescimento
foi relativamente recente e desordenado. À histórica concentração de terras em nosso
Inicialmente, os grandes centros urbanos país somou-se o descaso do Estado na criação
foram marcados pela exploração e pelo domí- de políticas públicas de moradia, saúde, edu-
nio colonial. Com o avanço da urbanização, em cação e transporte para as populações vindas
meados do século XX, o crescimento acelerado do campo. Diante deste contexto, a exploração
das cidades se concentrou nas áreas metro- da mão de obra barata pelos setores privados
70 71
A criança e a cidade A criança e a cidade

localizados nos centros urbanos tornou-se


fator determinante para a grande desigual- MATERIAL
COMPLEMENTAR
dade nas formas de habitar que predominam Projeto criado em 1999 pela Prefeitura Municipal de
nas cidades brasileiras atualmente, resultando Belo Horizonte e outras associações culturais que visa
no que chamamos de segregação urbana. disponibilizar as histórias dos diversos bairros que com-
Vale lembrar que, no Brasil, a transformação põem o município. O resultado do projeto supre uma
demanda do público estudantil, cujo resultado foram
das cidades foi marcada pela transição do Clique aqui
para acessar cadernos didáticos voltados para crianças entre 9 e 11
modo de produção escravista para o modelo o site. anos que contam histórias da cidade.

negros em tais assentamentos, uma vez que


o processo de abolição não foi seguido de As características da desigualdade no Brasil
medidas de proteção social ou de reparação e na América Latina são estruturais e vão se
a essa população (SERTORIO, 2022; SANTOS, agravando devido à concentração de renda
2008). Assim, as favelas e os aglomerados e de poder das elites locais. Essa condição
nos deixa mais vulneráveis, considerando
população negra diante da ausência de garan- momentos de instabilidade da política
tia de acesso a direitos básicos pelo Estado. nacional e os acontecimentos mundiais,
como a própria pandemia de Covid-19.
Observe como nossa cidade reproduz, em
Você se lembra de que, no início da pandemia,
sociorracial brasileira. Onde surgiram e se con- dizia-se que o vírus atingia indistintamente
centram equipamentos públicos importantes, pobres e ricos? Na verdade, o acesso a direi-
como escolas e hospitais? Recupere a história
de implantação, no seu bairro, desde a primei- mais concentrado. Especialmente no Brasil,
ra escola até o posto de saúde, passando pela um dos países mais desiguais do mundo, a
chegada das linhas de ônibus. Observe as mu- pandemia potencializou a desigualdade nas
danças que aconteceram nas últimas décadas. condições de vida e no acesso a direitos entre
As ruas privilegiam os carros ou os ônibus? ricos e pobres, brancos, negros e indígenas.
72 73
A criança e a cidade A criança e a cidade

No caso de crianças e adolescentes, que E você? Quais problemáticas urbanas, espe-


constituem o grupo mais impactado por
esse abismo social, a pandemia surtiu efei- observa que as crianças têm? Para se aprofun-
tos diretos no acesso e na permanência na dar sobre a questão da experiência das crian-
escola, nos índices de violência doméstica, ças das camadas populares latino-americanas,
na desnutrição e na insegurança alimentar. indicamos esta entrevista com a professora
argentina Patrícia Redondo.
Pensar as infâncias latino-americanas é en-
tendê-las na sua diversidade. Os contextos
de pobreza, as condições de desigualdade, MATERIAL
a degradação ambiental, a precariedade COMPLEMENTAR

urbana, assim como as conquistas alcan-


çadas através da mobilização popular,
aproximam as experiências de países como
Colômbia, Brasil e Argentina, entre outros, Entrevista realizada por Pâmela Cristina Santos e
Clique aqui para Joana Célia dos Passos. Revista Zero-a-Seis, v. 21, n.
que inspiram uns aos outros. Mas essas
ler o texto. 40, 2019.
realidades também apresentam muitas
diferenças, de modo que buscar soluções
iguais para contextos diferentes pode ser
As palavras da professora Patrícia Redondo
a cultura das crianças, suas relações fa-
miliares e sociais, para depois realizarmos a diversidade de infâncias que ocupam os
propostas que se adequem melhor a suas territórios e em como atuar na melhoria dos
realidades. Aí encontram-se perguntas espaços urbanos para e com as crianças. É im-
diversas para se trabalhar com as crianças, portante construir práticas participativas das
por exemplo: como são seus bairros? De crianças, elaborando mecanismos de diálogo
que as crianças brincam? Quais são suas e escuta sobre a experiência urbana desses
sujeitos e de sua visão de mundo. Mas como
escutar as crianças?
74 75
A criança e a cidade A criança e a cidade

Vejamos alguns desenhos das crianças nos


quais elas representam o espaço em que
vivem. No primeiro desenho, o menino de
14 anos revela sua experiência no contexto
da pandemia de Covid-19, em que as telas
se destacam entre as atividades de lazer,
a convivência familiar se apresenta como
central para lidar com o isolamento social,
e a preocupação com a contaminação e a
manutenção da higiene, como lavar as mãos
para se proteger, emerge diante do contexto
da crise sanitária.

No segundo, a criança destaca a aridez que


contorna dois prédios na cidade, divididos por
uma área de estacionamento, revelando sua
Para isso, temos que ser sensíveis às formas grandeza com as inúmeras janelas. No terceiro,
de comunicação das crianças, às suas diferen- as crianças revelam no desenho o contexto
tes linguagens, por meio das quais dão signi- de fronteira de uma ocupação urbana, onde o
chão de terra, que é contornado por moradias
se manifestam nas culturas infantis, em suas de famílias em luta, se encontra com o asfalto,
diferentes expressões, como a brincadeira, onde podemos ver a cidade dominada por
o desenho, a música e a imaginação. Através carros e prédios. E no último, uma menina de
delas, as crianças nos dizem como veem o 11 anos registra a diversidade cultural de sua
mundo e o espaço social em que habitam: comunidade, presente na música, na dança,
as cidades, bairros e comunidades onde elas nas brincadeiras, no trabalho e no alimento
estão inseridas. que a cerca.

76 77
A criança e a cidade A criança e a cidade

Fonte: Arquivo do
NEPEI, 2021.

Fonte: BIZZOTTO,
2022.

Fonte: COUTINHO,
2019.

Fonte: EntrImagens,
2020.

Nesse sentido, propomos aqui algumas


perguntas disparadoras que nos ajudam a
pensar essa relação das diferentes infâncias
nos diversos tipos de cidades: onde estão as
crianças nas cidades? Por onde e como andam
as crianças na cidade?
78 79
A criança e a cidade

3. Onde estão as crianças nas cidades? A ideia de domesticidade da infância,


contudo, não pode ser considerada universal,
como demonstramos no primeiro módulo.
Dependendo do contexto social, ela se
Vamos propor um exercício para tentar perce-
ber as crianças nos espaços públicos. Que tal, Exemplo disso é que, nas cidades, parte das
no decorrer de seus deslocamentos pela cidade, crianças tem o espaço de lazer restrito aos
você buscar observar onde estão as crianças? parquinhos, em espaços públicos ou privados,
Como elas se deslocam? Com quem? Fazendo com brinquedos e aparelhos, muitas vezes de
o quê? Elas brincam ou conversam nas calçadas função única e predeterminada, sem deixar
e praças? espaços para que a imaginação complemente
esses brinquedos. Outras crianças, como as
As respostas a essas perguntas podem depen- que vivem em bairros populares, muitas vezes
der de muitos fatores. De forma generalizada, podem usufruir de quintais e ocupar as ruas ou
é comum acreditarmos que o lugar da criança lotes vagos com suas brincadeiras, mas têm o
é na escola, na casa, na creche, ou em outros acesso muito limitado a espaços como museus
espaços fechados e supervisionados, onde a e parques, quase sempre situados em áreas
maioria delas passa grande parte do seu tempo. mais nobres da cidade, que, por estarem em
locais mais centrais, encontram-se distante das
A institucionalização da infância que vive- regiões periféricas.
mos atualmente é chamada por alguns autores
de vivência compartimentada da cidade. Esse A casa ou o espaço doméstico onde as crianças
“entre” espaços fechados também é chamado moram encontra-se inserido em um contexto
de urbanismo de caixas ou cidade arquipélago. territorial: crianças e suas famílias – quando as
Trata-se de um fenômeno que aprofunda a têm – moram em ocupações, favelas, assenta-
invisibilidade das crianças e limita sua vivência mentos, prédios, casas, condomínios fechados,
espontânea nas nossas cidades. Assim, as bairros de classe média, bairros populares,
crianças terminam segregadas em espaços vilas, quilombos urbanos, comunidades indí-
especializados para elas. genas, instituições de acolhimento e algumas
80 81
A criança e a cidade A criança e a cidade

Essa relação com a rua que as crianças dos


bairros populares têm, de forma menos
compartimentada que a das crianças de
apartamentos ou de áreas da cidade mais
planejadas, não é motivo de romantização.
É importante destacar a ausência de
equipamentos públicos (de lazer, cultura,
educação e saúde) e de infraestrutura urbana
(transporte, iluminação pública, espaços
públicos, saneamento) nos territórios onde
habitam as camadas populares, o que se
traduz em condições desiguais para a vida
em situação de rua. Essas diversas condições social dessas comunidades e para a fruição
mudam as relações das crianças com a rua das famílias desses espaços e serviços
e com a sua permanência ou perambulação públicos. Essa ausência é resultado, dentre
pelos espaços públicos. outras coisas, da forma como as cidades
se desenvolvem no modo de produção
capitalista, em que os investimentos se
um contato diferenciado com o espaço do concentram nas regiões mais valorizadas
entorno. Muitas vezes, as pequenas dimensões e, portanto, mais nobres e centrais, onde o

populares em que residem crianças em favelas


acabam por incentivar que o livre brincar seja
realizado na rua, na quadra, nas calçadas e em
outros espaços no entorno da moradia. A rua é,
então, utilizada como extensão da casa, inclusi-
ve para as crianças brincarem e socializarem, e
as fronteiras entre o espaço público e privado
se deslocam.
82 83
A criança e a cidade A criança e a cidade

Por outro lado, as crianças das camadas médias advoga pelo desemparedamento da infância,
e superiores pouco usufruem dos espaços da conceito criado pela professora Lea Tiriba. Ela
cidade, que não foram pensados para as crian- nos alerta para a importância de oferecer possi-
ças. O lazer se reduz aos espaços privados ou bilidades para que as crianças se conectem com
a praças, nem sempre voltadas para o brincar a natureza e com os espaços livres de forma
infantil, e os deslocamentos se dão a partir de rotineira. Veja no vídeo abaixo como Lea Tiriba
carros que não promovem nenhuma interação apresenta a importância de “desemparedar” as
com a cidade. crianças na escola, permitindo que elas se rela-
cionem com os elementos do mundo natural.
Pensando no cotidiano da criança, geralmen-
te são as instituições de educação que retêm
as crianças por um maior tempo em espaços M AT E R I A L
fechados e supervisionadas, sendo em muitas BÁS I CO
escolas o acesso aos espaços livres bastante res-
trito. As experiências urbanas e com a natureza
não podem ser apartadas. Crianças precisam
de espaços livres onde possam correr, pular,
cair. Precisam de subir em árvores e pisar na
grama, entre outras importantes experiências
sensório-motoras. Porém, muitas vezes, essas
experiências são limitadas quando se substitui
Vídeo disponível no canal do YouTube
a grama e a areia dos parquinhos por materiais Clique aqui
para assistir do Instituto Alana, Programa Criança e
-
ao vídeo. Natureza, 2017.
tirando da criança toda a riqueza de exploração
do ambiente natural.

Uma iniciativa que lembra a importância da Leia também a reportagem sobre o desloca-
relação das crianças com os espaços livres e mento das crianças na cidade do Recife.
com os elementos naturais é o movimento que A reportagem, além de trazer entrevista a
84 85
A criança e a cidade A criança e a cidade

especialistas, apresenta pesquisas sobre a


mobilidade urbana de crianças e de mães. MATERIAL
COMPLEMENTAR

A série A criança e a cidade do podcast Edu Voices


M AT E R I A L convida a pedagoga Jaqueline Moll, professora da
BÁS I CO
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS),
para falar sobre sua trajetória de pesquisa e a política
Clique aqui para
Reportagem de Alice Souza e Anamaria ouvir o podcast.
de educação em tempo integral no Brasil.
Nascimento, Diário de Pernambuco,
8 maio 2018. Buscar maior vinculação das crianças com os
seus territórios nos provoca, como adultos e
Clique aqui adultas, a pensar no paradigma da proteção
para ler Estar ao ar livre e experienciar a cidade é vs. autonomia das crianças, no qual, sem
a notícia. uma premissa fundamental para a Educação deixar de protegê-las, precisamos criar esses
Integral das crianças, que busca não privilegiar espaços físicos e sociais para que elas possam
apenas a dimensão intelectual das crianças. viver experiências que as deixem tomar
Educar na e com a cidade é uma forma de decisões e tomar seu papel como agentes
viver suas dimensões cultural, social, física da sociedade.
e emocional. Para mais informações sobre
Educação Integral, escute o Podcast, com Nesse sentido, a ludicidade, como princípio
Jaqueline Moll, sobre os desdobramentos
desse conceito no Brasil, especialmente a das relações das crianças com a cidade,
partir do Programa Mais Educação. assumindo o brincar como linguagem e
como forma de perceber seu lugar no mundo.
Pensar em cidades melhores para as crianças
é pensar em cidades melhores para todas
as pessoas, assim, apostamos, aqui, que as
cidades possam se abrir para o lazer, para a
convivência e para as aprendizagens coletivas.
86 87
A criança e a cidade A criança e a cidade

Quando pensamos nas cidades para crianças

cidade em disputa. Como apontou Mayumi


Lima, arquiteta e educadora, no seu livro A
cidade e a criança: se existem calçadões e
privilegia-se os pedestres quando se trata de Leia a entrevista com o educador italiano
um interesse comercial, porque não o fazer Tonucci, em que ele explica melhor a proposta
para atender ao interesse das crianças? de uma cidade voltada para a infância, e assis-
ta ao minidocumentário produzido pela Maria
Trazer o potencial educativo e incorporar o Farinha Filmes (2021), em que especialistas de
lúdico nas cidades é romper a hegemonia diferentes localidades no mundo falam sobre
das atividades produtivas sobre todas as ou- como os espaços urbanos podem ser mais
tras que nos fazem humanos e nos permitem acolhedores para as crianças.
existir e reproduzir, rompendo também com a
centralidade do transporte motorizado indivi-
dual, o chamado carrocentrismo, imposto às M AT E R I A L
nossas cidades. BÁS I CO

O pedagogo italiano Francesco Tonucci propõe


três inversões à forma de planejar as cidades, Entrevista realizada por Raiana Ribeiro.
considerando a escala de cidade experimen- Clique aqui
para ler a Educação e Território, 21 set. 2016.
tada pelas crianças: sair da hegemonia do entrevista.
cidadão universal, homem, adulto (e, podemos
acrescentar, branco) e incorporar a perspec-
tiva das crianças; democratizar o espaço da
cidade, cedendo o lugar dos carros aos
pedestres, às bicicletas e ao transporte coleti-
vo; e partir do bairro como uma célula urbana
para construir as regras da cidade.
88 89
A criança e a cidade A criança e a cidade

aos espaços de cultura, entre outros elemen-


M AT E R I A L tos que negam o direito à cidade de muitas
BÁS I CO
crianças brasileiras.

As relações de gênero
forma como uma criança experimenta a vida
na cidade. Vemos que meninos, negros e
pobres são mais presentes desacompanhados
na cidade, especialmente no contexto de crise
contemporânea. Eles são também as vítimas
mais frequentes de violência urbana, sendo
constantemente criminalizados. No vídeo a
Clique aqui
Vídeo disponível no canal do YouTube da seguir, vejam como Zianna Oliphant, uma
para assistir
ao vídeo. Maria Farinha Filmes, 2021. menina negra de 9 anos, interrompeu uma
assembleia na cidade de Charlotte, nos Esta-
dos Unidos, palco de violentos protestos por
causa da morte de um homem negro por um
policial, manifestando-se sobre esse cenário
Será que todos e todas vivenciamos o de violência.
mesmo tipo de cidade? Será que ser menina
ou menino, ser negro ou branco, morar na
periferia ou num bairro central faz diferença
nas experiências das crianças? Sim, faz dife-
rença. Existem pesquisas em cidades brasilei-
ras que revelam como diferentes marcadores
sociais – principalmente gênero, raça e renda

limitar o acesso aos espaços públicos – e aos


tipos de espaços –, assim como a frequência
90 91
A criança e a cidade A criança e a cidade

camadas superiores têm menor autonomia na


M AT E R I A L circulação pela cidade, tanto por uma repro-
BÁS I CO
dução de um ideário de domesticidade quanto
pelo perigo vivido por mulheres no espaço
público. De algum modo, as experiências de
cidade de todas as crianças são atravessadas
pela ausência de segurança.

Pensar o direito da criança à cidade implica


pensar também numa cidade que garanta o
direito à vida da criança em espaços públicos
e privados que sejam seguros. Uma cidade
acessível e segura para as crianças é também
Clique aqui uma cidade que acolhe as mulheres. Como
para assistir Vídeo disponível no canal do YouTube da BBC
ao vídeo.
exemplo, assista ao documentário experimen-
News Brasil, 2016.
tal a seguir que nos mostra como pode ser dis-
tinto e desigual o cotidiano de duas mulheres
na cidade, comparando diferentes acessos ao
Mais recentemente, vemos que a violência direito à cidade e trazendo pistas sobre como
nas cidades brasileiras não se restringe aos essa desigualdade também se faz presente na
espaços públicos. A violência física ou o abuso vida das crianças.
sexual contra crianças e adolescentes aconte-
ce principalmente nos espaços domésticos. Os
frequentes tiroteios e os assustadores índices
de homicídio por balas perdidas de crianças
dentro de casa e da escola em aglomerados
urbanos nos mostram que a desigualdade
sociorracial tem impactos cada vez mais pro-
fundos. No outro polo, meninas, brancas, das
92 93
A criança e a cidade A criança e a cidade

M AT E R I A L
BÁS I CO

é fundamental para o fortalecimento dessa


vinculação que, acreditamos, é direito das
nossas crianças exercer.

Finalmente, aponta-se que os lugares das


crianças na cidade podem e devem ser
múltiplos e fazem parte de redes de espaços
públicos que conectam as cidades. Olhar
para esses espaços livres e públicos como um
Clique aqui
Vídeo disponível no canal do YouTube da sistema implica na elaboração de políticas
para assistir
ao vídeo. Support the Right to the City, 2017. públicas transversais que visem ao bem-estar
integral das crianças. Pensar cidades para
crianças implica articular o urbanismo, a
educação, a saúde, a segurança viária, a
Morar na periferia ou longe da concentração cultura, a assistência social, o meio ambiente,
dos grandes equipamentos públicos, parques entre outros campos que precisam atuar
em conjunto para a formulação de políticas
existem potenciais pedagógicos a serem efetivas, que diminuam as desigualdades e
trabalhados junto com as crianças? A resposta a precariedade.
é não. Olhar para o nosso cotidiano com
olhos apurados é fundamental para descobrir, Veja a seguir duas interessantes experiências
juntos com as crianças, o quanto a cidade e urbanas latino-americanas de política pública
o nosso entorno podem nos oferecer para o intersetorial que visibilizam a ocupação da
fortalecimento das relações de pertencimento cidade pelas crianças, sua vinculação com a
e autoestima com o coletivo. Descobrir os natureza e sua participação na construção
valores e saberes locais que nos rodeiam desses e espaços.
94 95
A criança e a cidade

4. Por onde e como as crianças circulam


nas cidades?

Existem muitas crianças que andam a pé nas


MATERIAL
cidades para ir e vir da escola. Os horários
COMPLEMENTAR
próximos ao meio-dia, inclusive, são os mo-
Com a pergunta “o que podemos fazer para trazer
mais natureza para os espaços públicos e privados nas
grandes cidades?”, a cidade de Fortaleza criou uma circulação de pedestres e motoristas, pela
política pública para restaurar espaços degradados saída do turno da manhã e entrada da tarde
e expandir suas áreas verdes a partir do conceito de em muitas das escolas urbanas. O grande
parques naturalizados. Esses novos microparques,
volume de crianças e adolescentes reunidos
além de fornecer benefícios ambientais aos bairros,
promovem o contato rotineiro das crianças com nas portas das escolas, mais os responsáveis
elementos naturais. que vão buscá-las, mais os professores saindo
ou chegando fazem parte desse movimento
Reportagem de Laís Fleury. Conexão Planeta,
Clique aqui para pendular. Essa é, por exemplo, uma das razões
ler a notícia. 12 fev. 2021.
pelas quais se reivindicam melhores projetos
urbanos que visem à segurança viária das
crianças e de suas famílias.
A partir de um amplo projeto de integração da cidade
ao seu principal rio, a cidade de Medellín pretende Em 2018, 1.010 crianças brasileiras de 0 a
gerar mais de 80 mil m² de espaço público, com 14 anos morreram por causa de acidentes
equipamentos para brincar e descansar ao longo dos de trânsito, representando 30% de todas as
novos passeios arborizados, compartilhando o espaço mortes por acidentes. Em 2019, 10.832 crian-
entre crianças e adultos, pedestres ou ciclistas.
ças foram internadas no Brasil pelo mesmo
Clique aqui para Reportagem de Deicy Johana Pareja M. El Tiempo, motivo (CRIANÇA SEGURA, 2020). Em termos
ler a notícia. 12 out. 2016. regionais, entre 2013 e 2018, Minas Gerais foi
o segundo estado com maior número de
96 97
A criança e a cidade A criança e a cidade

(1) Pensar a partir de 95 cm, altura média de


uma criança de 3 anos de idade.

(2) Desincentivar o uso de veículos particu-


lares, realizando mudanças para o transporte
óbitos e internações de crianças por acidentes público ou modos ativos (caminhada e bicicleta).
de trânsito, depois do estado de São Paulo.
(3)
coletivo essas questões estão associadas ao
conforto, à frequência e à disponibilidade do
- transporte coletivo de qualidade em todas as
regiões da cidade.

(4) Construir calçadas largas e acessíveis,


Esse tipo de fatalidade poderia ser reduzido a
zero, que é a visão que compartilham os livre público.
planos de mobilidade que estão sendo
elaborados nas grandes cidades brasileiras (5) Acrescentar espaços para brincadeira e
e no mundo, os quais promovem projetos e aprendizagem, diretriz esta que visa à incorpo-
políticas que visam à segurança viária e mo- ração de elementos que propiciem às crianças
delos de cidades onde o automóvel não seja espaços para experimentação da cidade a partir
hegemônico nem o padrão de medida para as do lúdico.
nossas ruas.

Um dos manuais recentes que propõe ações

foco nas crianças é o Desenhando Ruas para


Crianças (2020), que apresenta dez princípios
para melhorar as ruas para as crianças:
98 99
A criança e a cidade A criança e a cidade

(6) Fornecer uma infraestrutura cicloviária


segura, oferecendo alternativas para o desloca- nas cidades, que muitas vezes andam com suas
mento de crianças e cuidadoras/es. cuidadoras e cuidadores, no caso das mais pe-
quenas, é contemplar que esses deslocamen-
(7) Melhorar as travessias de pedestres, tos ocupam um espaço no território, o qual é
buscando diminuir os riscos e aumentar a permanente nas cidades como parte da nossa
segurança viária. reprodução e da nossa vida em sociedade.

(8) Reduzir intencionalmente as velocidades, Você pode estar pensando: isto é muito
estabelecendo vias com velocidade máxima bonito no papel, mas como fazer? Veja a
reduzida e planejando o desenho delas de seguir uma série de experiências nacionais e
forma a favorecer tal comportamento. estrangeiras que nos ajudam a pensar uma
cidade para as crianças.
(9) Promover a arborização e o paisagismo,
que, além de promover o vínculo das crianças
com a natureza, favorece a qualidade do ar e
MATERIAL
temperaturas mais amenas. COMPLEMENTAR diseñadas para los niños

(10) Priorizar as crianças nas políticas O que faz que uma rua seja pensada – também –
públicas, lembrando que, para essa questão, para crianças? As cidades de Fortaleza e Bogotá
irrefutavelmente, é preciso a participação delas. transformaram algumas de suas ruas pensando no
bem-estar e na segurança das crianças, a partir da
prioridade da bicicleta, criando novos espaços públicos
e diminuindo o espaço do automóvel, entre outras
ações que promovem o encontro e o brincar.
Clique aqui para
ler a notícia. Reportagem disponível em La Network, 13 ago. 2020.

100 101
A criança e a cidade A criança e a cidade

MATERIAL
COMPLEMENTAR

A partir de estratégias de urbanismo tático, e


envolvendo as crianças no processo, a empresa
municipal de transporte em Campinas materializou um
projeto que melhorou a entrada e saída das crianças e
cuidadoras(es) da escola, entre outras problemáticas

Clique aqui para Texto de Bruno Batista e Fernando Corrêa.


ler o texto. Wri Brasil, 2 mar. 2020.

No vídeo sugerido, Eveline Trevisan conta


sobre a experiência do projeto Zona 30 em
Belo Horizonte. Projetos como esse, além de

nos entornos escolares, visibilizam a ocupação


do território pelas crianças. A intervenção tem
Palestra do ciclo de seminários Infâncias na cidade, sido realizada em diversos bairros da cidade,
com a participação de Adriano Mattos Correia (UFMG) sendo o piloto no Bairro Cachoeirinha, área
e Eveline Trevisan (BHTrans/UFMG), disponível com presença de várias escolas e altos índices
originalmente no canal do YouTube do Núcleo
de atropelamento de pedestres, onde a co-
Clique aqui para de Estudos e Pesquisas em Infância e Educação
assistir ao vídeo. Infantil, 2021. munidade escolar, a partir das escolas como
equipamentos de referência, foi envolvida em
102 103
A criança e a cidade A criança e a cidade

todo o processo. O projeto mais completo foi Nesse sentido, é de grande importância con-
siderar que o tempo das crianças é diferente
protagonismo das crianças da Escola Munici- do tempo das pessoas adultas. A educadora
pal Anne Frank e de outros grupos vulneráveis Maria Montessori, ao discutir sobre o “andar”,
da região.
e para uma meta, já a criança, nessa jornada,
tinha outros propósitos. Andar é contemplar, é
tocar, é explorar, é usar os cinco sentidos.

Veja a seguir uma notícia e vídeos que nos


provocam a pensar a exploração da cidade e o
deslocamento urbano a partir da perspectiva
da criança em diferentes lugares do mundo. Já
pensou como é ocupar com as crianças uma
das principais praças da metrópole paulistana?
As crianças da EMEI Armando Arruda Pereira
na praça da República, no centro de São Paulo,
nos trazem imagens a respeito. Com triciclos e

por esse espaço público e conversam com os


transeuntes junto a suas professoras.

Fonte: Acervo pessoal de Túlio Campos. 2019.

104 105
A criança e a cidade A criança e a cidade

M AT E R I A L M AT E R I A L
BÁS I CO BÁS I CO

Clique aqui
para ler Reportagem de Tereza Novaes. TAB Uol, Clique aqui
a notícia. 5 jun. 2022. para assistir Coalición Unidos San Agustín Convive.
ao vídeo. Caracas, Venezuela, 2017.

Assista, também, no vídeo a seguir as crianças


de San Agustín del Sur, bairro popular de
Caracas, apresentando como seu bairro
é alegre, cheio de música e cor, enquanto

sempre passam, como espaço de encontro


e de brincadeiras.

106 107
A criança e a cidade A criança e a cidade

Não perca, ainda, a série Jovens Exploradores, Em que as experiências das crianças desses
que conta a experiência de três crianças vídeos se diferenciam? Quais são os olhares
de até 6 anos. Tristam em Canarsie, Nova em comum entre elas?
Iorque, Estados Unidos, Lulu em Recife,
Pernambuco, Brasil e Ahaan em Pune, Índia, Além da caminhada, é necessário prever
exploram suas cidades a partir da caminhada. que os sistemas de transportes coletivo
Cair e levantar-se, andar de costas, recolher acolham as crianças e forneçam a elas e suas
uma folha seca do chão e cumprimentar os famílias viagens mais seguras e acessíveis.
vizinhos, faz parte do deslocamento para elas. Principalmente as crianças que moram
em áreas periféricas, mais distantes dos
equipamentos urbanos de cultura e lazer,
M AT E R I A L
BÁS I CO
cidades que impliquem longas distâncias,
tanto pelo preço da passagem como pela
própria frequência e cobertura das linhas de
transportes em alguns setores das cidades.
Pensar no acesso ao transporte das crianças
mais pequenas é também pensar em quem
cuida delas, criando igualmente condições
confortáveis e acessíveis para essas pessoas.

Veja a seguir a notícia de liberação da catraca


para as crianças em Belo Horizonte. Para se
Vídeos disponíveis, respectivamente, no aprofundar no assunto, indicamos a tese de
canal do Vimeo de Wild Combination, doutorado de Túlio Campos sobre como as
Clique aqui,
aqui e aqui
Estados Unidos, 2018; e no canal do YouTube crianças conhecem e exploram a cidade nas
para assistir de Bernard van Leer Foundation, Brasil, 2019 excursões escolares do Programa BH para
aos vídeos. e Índia, 2019. as crianças.

108 109
A criança e a cidade A criança e a cidade

as bicicletas, promovendo uma mudança de


MATERIAL hábito e de relação com os espaços urbanos.
COMPLEMENTAR
Ainda, faz parte desse movimento promover
Tese de Túlio Campos, defendida, em 2019, junto
políticas de melhoria e ampliação dos serviços
ao Programa de Pós-Graduação em Educação, de mobilidade urbana, como a ampliação de
Clique aqui para Conhecimento e Inclusão Social, da Faculdade de linhas e frotas de transporte coletivo, além de
ler o texto. Educação da Universidade Federal de Minas Gerais. subsídios públicos que resultem em tarifas
mais justas e acessíveis. Veja a seguir algumas
importantes políticas públicas e iniciativas
neste sentido.

Clique aqui para Reportagem de Cristiane Silva. Estado de Minas,


ler a notícia. 30 dez. 2021.
MATERIAL
COMPLEMENTAR

A cidade de Barcelona criou uma política pública que


Logo, olhar para a mobilidade de crianças nas realiza melhorias nas ruas ao redor das escolas para
cidades implica em uma visão sistêmica sobre deixá-las mais seguras e saudáveis através do acalma-
o assunto, formulando programas e políticas mento do trânsito, dando mais espaços aos acessos do
que assumam esse transitar como um assunto equipamento, ampliando as áreas de permanência e de
vegetação e áreas para o brincar espontâneo.
educativo, mas também ambiental e de socia-
bilidade, entre outros fatores que se misturam. Reportagem disponível em Ajuntament, Barcelona,
Clique aqui para
ler a notícia. Espanha, 2020.
escolas é tão importante como planejar em
quantas escolas se fará esse tratamento e por
onde começar. Construir melhores calçadas,
com arborização e mobiliários adequados, é
tão importante como implementar programas
educativos que ofereçam às comunidades
outras alternativas de deslocamento, como
110 111
A criança e a cidade

Gostou do assunto e
quer saber mais?
MATERIAL
COMPLEMENTAR

A cidade de Fortaleza incorporou no seu programa de


bicicletas públicas compartilhadas bicicletas para o pú- PODCAST
blico infantil. Além de ser de baixa estatura, as bicicletas
infantis contam também com rodinhas, para promover No sétimo episódio da série de podcast
o primeiro contato das crianças com este modo de
A criança e a cidade, a arquiteta e urbanista
transporte não motorizado.
Sylvia Angelini fala sobre o processo de sensi-
Clique aqui para
ler a notícia. Reportagem disponível em Mobilize Brasil, 2021. bilização de servidores públicos para a escuta
Clique aqui e a participação da criança na elaboração de
para ouvir. planos, programas e projetos.
No próximo módulo vamos continuar debatendo
sobre as relações entre infância e cidade, discu-
tindo especialmente a participação das crianças VÍDEO
como direito e a importância de ampliarmos
nossos referenciais para ouvirmos as crianças
em suas diferentes formas de expressão.

Uma adaptação do conto de Jader Lopes com


desenhos de Juan Enrique Plaza. O vídeo
112 113
A criança e a cidade A criança e a cidade

baseou-se na obra de Jader Janer e foi utili- de cidade. Mas vale ressaltar que, diante das
zado no Chile para a Campanha "MINEDUC- grandes transformações na economia nas
NOMATESLAGEOGRAFIA", que buscou impedir últimas décadas e da aceleração dos proces-
que o Ministério da Educação retirasse a sos de produção do espaço, muitas dessas
comunidades não podem mais ser vistas como
apartadas da realidade urbana, que também
Clique aqui Vídeo disponível no canal do YouTube do permeia a sua realidade. Podemos, ainda, nos
para assistir. pautar no que a prática de resistência dos
povos tradicionais latino-americanos defende
como o bem viver para construir um novo
paradigma para o planejamento das cidades e
a construção das políticas públicas, cultivando
a harmonia na relação entre seres humanos
e natureza, compreendendo a complementa-
ridade presente na diversidade que nos atra-
vessa, e nos deslocando de uma trajetória de
exclusão e violência.

Clique aqui Vídeo disponível no canal do YouTube do Insti-


O vídeo Construção de Plano de Estudos para assistir. tuto Tomie Ohtake, 2021.
Tutorado (PET), com base na cultura e língua
Maxakali, produzido por Mariana Mitre,
Alessandra Iglesias e Thiago de Paulo Pache- PUBLICAÇÃO
co (2021), trata da construção coletiva de um
plano de estudos no contexto indígena da EE O projeto Infâncias e Adolescências Invisibi-
Indígena Capitãozinho Maxakali, em Bertópo- lizadas: da escola ao cotidiano – a prioridade
lis, Minas Gerais. Aldeias indígenas como as do absoluta abandonada pelo Estado lançou uma
Maxakali estão inseridas em um território que série de estudos que denunciam a situação de
não corresponde ao nosso imaginário social negação de direitos de crianças e adolescentes

114 115
A criança e a cidade A criança e a cidade

invisibilizados. Organizado em uma agenda


coletiva de pesquisa e política, os participan-
CINEMA
tes envolvem entidades e movimentos popula-
res em defesa dos direitos humanos, a saber: A horas das crianças: acampamentos e escolas
Associação Nacional dos Centros de Defesa da ao ar livre, a revolta educacional na Catalunha
Criança e do Adolescente (Anced), Campanha O documentário de 2022 tem direção de
Nacional pelo Direito à Educação, Centro de Eduard Miguel e Martí Boneta, produção de
Defesa da Criança e do Adolescente do Ceará Goita! Audiovisuals e participação de TV3, e
(Cedeca-CE), Fórum Nacional de Prevenção e suporte do Departamento de Cultural Geral
Erradicação do Trabalho Infantil (FNPETI), Mo- de Alacarta.
vimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
(MST), Movimento Nacional Meninos e Meni-
nas de Rua (MNMMR) e Serviço Franciscano
de Solidariedade (Sefras). Também participa-
ram do desenvolvimento dos estudos a Coor-
denação Nacional de Articulação de Quilom-
bos (CONAQ) e a Associação Nacional de Ação
Indigenista (ANAÍ). A publicação é composta
por oito pesquisas que sistematizam dados e
apresentam leituras contemporâneas sobre a
ação e a ausência do Estado como assegura-
dor de direitos de crianças e adolescentes nos
seguintes contextos: quilombola, indígenas,
em medidas socioeducativas, da agricultura
familiar, migrantes, em áreas de reforma agrá-
ria, em situação de rua e de territórios urbanos
em situação de violência. Os estudos encon-
Clique aqui tram-se disponíveis no acervo da Campanha Clique aqui
para ler. Nacional pelo Direito à Educação. para assistir.

116 117
A criança e a cidade

Referências FUNDO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A INFÂNCIA –


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pela pobreza monetária no Brasil na pandemia, diz
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A criança e a cidade A criança e a cidade

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120 121
Participação infantil

O que você vai ver aqui:

Neste módulo vamos debater a


participação das crianças como um
direito. Vamos, também, conhecer
experiências de diversos contextos
socioeconômicos e culturais que
evidenciam os modos peculiares
como elas participam na vida política.
Discutiremos como o direito à cidade
compreende a participação infantil
e que para escutar as crianças
precisamos nos distanciar de nossos
referenciais adultocêntricos.

As perguntas orientadoras deste


Módulo 3 módulo são:

Participação As crianças podem participar?

infantil
Como as crianças participam da vida
social e política?
Como escutar as crianças?
Maria Fernanda Arias Godoy e
Levindo Diniz Carvalho
123
A criança e a cidade Participação infantil

1. Introdução
M AT E R I A L Participação política de crianças
BÁS I CO
e adolescentes

No Módulo 1, vimos que participar é um direi- Centro de Defesa da Criança e do


Adolescente do Ceará (CEDECA). 2017.
em convenções internacionais como nas legis-
Clique aqui
lações nacionais de muitos países. Agora, para
para ler
que meninas e meninos possam efetivamente o texto. Porém, pensar e criar espaços para a
exercer esse direito, é fundamental que exis-
tam iniciativas e espaços para isso. O primeiro deles é entender que as crianças
participam da vida social (e política) de modo
Na publicação Participação política de crian- diferente dos adultos. A participação das
ças e adolescentes, do Centro de Defesa da crianças acontece por meio de diferentes
Criança e do Adolescente do Ceará (CEDECA), linguagens, quase sempre marcadas pela
você poderá conhecer, em profundidade, imaginação, que é uma “lente” pela qual as
como o direito à participação é parte funda- crianças se relacionam com o mundo. O brin-
mental dos direitos de crianças e adolescentes car, como forma de perceber e se comunicar,
e é, também, imprescindível para que elas é também uma forma de socialização e apren-
efetivem o exercício da cidadania e sejam re- dizagem entre as crianças. No brincar e nas
conhecidas em ambientes democráticos. diversas formas de interação com o outro, seja
entre seus pares ou com os adultos, a criança
exerce um aprendizado da vida coletiva, bem
como interpreta e elabora sobre o mundo em
que vive, expressando-se.

Um ponto importante a ser superado é a ideia


de que as crianças devem participar apenas
de temas relativos ao que se denomina por
124 125
A criança e a cidade

“universo infantil”. As crianças podem reivindi- 2. As crianças podem participar?


car melhores condições de vida e convivência
com os outros? Não só podem, como devem
e, na verdade, já o fazem. Como apresentare-
mos a seguir, crianças do mundo inteiro, em Como vimos no Módulo 1, falar de infância ou
diferentes contextos e condições sociais, não criança na atualidade é muito diferente de
somente lutam diariamente por condições como foi em décadas ou séculos passados.
mínimas de subsistência e direitos básicos Pensemos na própria etimologia da palavra
para a preservação da vida, mas também infância: você sabia que sua origem vem do
participam de debates relativos ao direito à latim,
cidade e às questões ambientais, por exemplo. incapacidade de falar, mudez, que não fala?

Porém, para escutar as crianças, não podemos


pensar nas mesmas formas de diálogo nem es-
perar elaborações semelhantes às dos adultos.
Para escutá-las é necessário um distanciamen-
to de nosso referencial adultocêntrico e buscar
formas mais sensíveis para estabelecer diálo-
gos e pontes; estar aberto e atento às sutilezas
e riquezas do universo infantil, e compreender
que as expressões das crianças se diferenciam
das dos adultos por terem outros tempos e
formas de elaboração e de comunicação.

A seguir, convidamos você a conhecer


diferentes formas de se comunicar com as
crianças e, principalmente, de escutá-las, a

de participação infantil.
126 127
A criança e a cidade Participação infantil

especialmente no mundo ocidental, não


ter domínio da linguagem, em especial da
linguagem oral, era sinônimo de não possuir
pensamento, conhecimento ou até mesmo de
não ser racional. Ou seja, a criança era vista
como sujeito menor, alguém que precisava
ser moralizada, preparada para se manifestar
apenas quando adulta.

Porém, pesquisadores e pesquisadoras têm


denunciado que continuar descrevendo a
infância pela negação é, na verdade, uma da Infância da Universidade do Minho, em
expressão do nosso adultocentrismo. Nós, Portugal, propõe não buscar ausências nas
adultos, continuamos adjetivando a infância crianças a partir de parâmetros adultos, mas
a partir do que falta nela, ou do que a criança vislumbrar outras características.
não pode ser ou fazer, por trás da noção do
A infância não é a idade da não fala: todas as crianças, desde
a criança vive uma condição peculiar de bebês, têm múltiplas linguagens (gestuais, corporais, plásticas
desenvolvimento e não é inferior em relação e verbais) porque se expressam. A infância não é a idade da
ao adulto. Assim, a infância não é um período não razão: para além da racionalidade técnica-instrumental,
hegemônica na sociedade industrial, outras racionalidades se
de preparação para a vida adulta, mas é um
constroem, designadamente nas interações de crianças, com
tempo no ciclo da vida com formas próprias a incorporação de afetos, da fantasia e da vinculação ao real.
A infância não é a idade do não trabalho: todas as crianças
como a juventude, a adultez e a velhice. trabalham, nas múltiplas tarefas que preenchem os seus
cotidianos, na escola, no espaço doméstico e, para muitas,

Para compreender as crianças como sujeitos vive a idade da não infância: está aí, presente nas múltiplas
participantes ativos na construção da socieda- dimensões que a vida das crianças (na sua heterogeneidade)
de, Manuel Sarmento, professor de Sociologia continuamente preenche (SARMENTO, 2007, p. 35-36).

128 129
A criança e a cidade Participação infantil

A criança é um sujeito que vem ao mundo


inserida em uma cultura na qual valores e M AT E R I A L
BÁS I CO
conhecimentos lhes são transmitidos. Contudo,

às suas experiências sociais. Entendendo a


cultura como um sistema simbólico, podemos

interpretações e dá sentido ao mundo que a


rodeia se expressando de múltiplas formas.

diferença entre crianças e adultos não é Em nome das crianças do Pijp


quantitativa, mas qualitativa, de modo que não (Amsterdam, 1972)
se pode dizer que uma criança sabe menos, Clique aqui
pois ela sabe, na verdade, outras coisas e de para assistir Vídeo disponível no canal do YouTube de
outra forma. ao vídeo. Ícaro Farias, 2015.

Nos vídeos a seguir, apresentamos duas


experiências de crianças de diferentes

que evidenciam a participação infantil em


situações políticas diversas. O primeiro
vídeo traz uma experiência nos Países Baixos
de 1972, quando crianças de De Pijp se
organizaram e evidenciaram a necessidade
de uma rua para brincar no bairro em
que moravam, que era de alta densidade
populacional e tinha muitos automóveis,
ocupando a maior parte do espaço público.

130 131
A criança e a cidade Participação infantil

O próximo vídeo narra uma experiência O que você acha dessas experiências de
chilena, na qual crianças com suas famílias participação política das crianças? Você
foram à Plaza de la Dignidad para defender conhece outros casos de crianças que têm
seus pontos de vista e argumentar sobre os lutado pelos seus direitos?
seus motivos da necessidade de construção de
um país mais democrático e de uma sociedade Esses vídeos demonstram que, sim, as
nova. Veja como o contexto dos protestos crianças podem e devem participar da
foi uma explosão de manifestações, que vida política e social. Seus pontos de vista
começaram com estudantes do ensino médio, são singulares e relevantes, e elas revelam,
inclusive, forte capacidade de propor soluções,
da passagem de metrô, mas que depois a partir de seus olhares e experiências.
denunciavam também a violência policial e os
altos índices de desigualdade no país. A participação como direito no Brasil é
resguardada às crianças principalmente pelo
Estatuto da Criança e do Adolescente. Vimos
M AT E R I A L no Módulo 1 que, anos após a promulgação do
BÁS I CO ECA, em 2016, foi aprovado o Marco Legal da

aprofundou alguns dos direitos adquiridos no


ECA, em especial em relação à proteção e às

6 anos, período denominado como primeira


infância. Uma das ações mais importantes
do Marco Legal é que ele atribui aos estados
Los niños y niñas de la dignidad e municípios a competência de elaboração
Clique aqui dos Planos Municipais pela Primeira
para assistir Vídeo disponível no canal do YouTube da Infância (PMPI) a partir de abordagens
ao vídeo. Piola Vaguita, Santiago, 2020. multi e intersetoriais. Tais planos devem
prever a participação e a escuta das crianças
132 133
A criança e a cidade Participação infantil

em relação às políticas públicas que lhes


digam respeito.

Assista ao vídeo a seguir em que


representantes da prefeitura de Campinas
compartilham sua experiência na elaboração
do PMPI e leia a entrevista em que a cientista
social Mariana Koury fala de estratégias de Como usuárias habituais dos serviços públicos
participação das crianças. de saúde, educação, assistência social, cultura
e segurança, a participação das crianças
em processos coletivos de apropriação e
M AT E R I A L
BÁS I CO reivindicação pelo acesso aos espaços da
cidade é um direito. Em todos esses assuntos
as crianças devem ser consultadas e também
podem sugerir propostas e manifestar suas
inquietações. Ainda, a criação de espaços para
que as crianças exerçam sua cidadania é uma
forma de promover seu direito à cidade.
Clique aqui A infância em Campinas
para assistir Várias pesquisas e experiências, como as
ao vídeo. Vídeo disponível no canal do YouTube do relatadas nos módulos anteriores, têm
Centro de Criação de Imagem Popular, 2019. indicado que as crianças não se interessam
apenas por temas ligados ao que se entende
Participação infantil: opinar também é por “mundo infantil”, ou a seus interesses
direito das crianças individuais, mas demonstram preocupação
Clique aqui pelo convívio intergeracional, isto é, com
para ler a Entrevista a Mariana Koury por Mayara pessoas mais velhas: jovens, adultos e idosos.
entrevista. Penina. Portal Lunetas, 2016. A partir daquilo que lhes é apresentado
como “mundo adulto”, muitas vezes, elas
134 135
A criança e a cidade Participação infantil

demonstram empatia e solidariedade por na crítica ou na defesa de a criança partici-


grupos vulneráveis nas cidades, revelando par com os adultos de ações e manifestações
capacidade de entendimento sobre os coletivas junto de movimentos sociais, como
espaços urbanos em uma perspectiva plural. ocupações ou passeatas. O vídeo a seguir traz
o caso de uma experiência norte-americana,
A construção de formas de participação que ocorreu na cidade de Birmingham, Alaba-
das crianças nas políticas públicas é um ma, em 1963. Na ocasião, mais de 700 crian-
percurso marcado por vários obstáculos. De ças negras saíram da escola para protestar
contra a segregação racial nos Estados Unidos,
crianças gera uma demanda por proteção situação na qual a polícia local respondeu com
pelo adulto e, consequentemente, alimenta agressões, ataques de cães e até mesmo a
a ideia de que elas são incapazes de assumir prisão de crianças.
responsabilidades por si mesmas. Por outro,

sujeito de direitos civis, dentre os quais M AT E R I A L


está o direito a participar de decisões que BÁS I CO
interferem nas suas vidas. O texto a seguir

MATERIAL Os Direitos das Crianças nas encruzilhadas da


COMPLEMENTAR Proteção e da Participação

Texto de Natália Fernandes Soares, publicado na


revista Zero-a-Seis, v. 7, n. 12, 2005. Crianças negras presas e agredidas na
Clique aqui para Cruzada Infantil de Birmingham
ler o texto.
Clique aqui
para assistir Vídeo disponível no canal do YouTube de
A tensão entre as perspectivas pela proteção ao vídeo. Bruno Bispo, 2020.
e pela participação se manifesta, por exemplo,
136 137
A criança e a cidade Participação infantil

Curiosidade Na perspectiva de muitos adultos, as crianças


não estão preparadas para a participação
a tensão entre permitir ou não que as crianças negras parti- social devido à sua falta de competência e
cipassem desse movimento ocorrido nos Estados Unidos, em responsabilidade. Essa visão limita o direito
1963, em defesa dos seus direitos.
de participação em relação a outros direitos,
Lembro que, em 1963, durante a época da luta pelos direitos
e coloca no centro do debate a necessidade
civis, antes da Marcha sobre Washington, no verão daquele de a sociedade rever a relação assimétrica
ano, houve uma cruzada infantil em Birmingham, Alabama. As entre adultos e crianças e construir espaços
crianças foram mobilizadas para enfrentar jatos d’água de alta de diálogo e negociação. Nesse sentido, um
potência e a polícia, que em Birmingham estava sob as ordens
caminho importante é o de superar a ideia de
de Bull Connor. Óbvio que algumas pessoas não concordaram
em permitir que as crianças tivessem tal grau de participação que as crianças são como folhas em branco,
– mesmo Malcom X pensava que não era apropriado expô- receptoras passivas de um processo de
-las a tamanho perigo –, mas elas quiseram participar. E as socialização, em uma lógica na qual o adulto é
imagens das crianças fazendo frente aos cães da polícia e aos um mero transmissor de conhecimento, ideia
jatos d’água circularam por todo o mundo, ajudando a criar
já amplamente debatida e superada no campo
uma conscientização global sobre a brutalidade do racismo.
Foi uma iniciativa extraordinária. E esse papel que as crianças da pedagogia.
desempenharam para romper a barreira de silêncio em torno
do racismo é algo com muita frequência esquecido. (DAVIS,
2018, p. 81)

A situação descrita por Angela Davis, historicamente situada,


evidencia o quanto as crianças foram protagonistas naquela
ação e como a sua participação colaborou para o fortaleci-
mento do movimento negro americano. Contudo, não se pode
desconsiderar a tensão presente no ato de colocá-las na linha
de frente em um confronto com a polícia. Esse é, portanto,

participação infantil.

138 139
Participação infantil

3. Como as crianças participam da vida


M AT E R I A L
social e política? BÁS I CO

se expressando por diferentes linguagens.


Mas elas também participam em formas e
espaços de construção coletiva tipicamente
adultos, como fóruns, assembleias e comitês. Trecho de Pode um vírus mudar a escola?
Nesses espaços, a participação das crianças
se dá, inclusive, na interlocução com as Clique aqui
Vídeo disponível originalmente no canal do
práticas adultas, nas quais elas podem opinar para assistir YouTube do Núcleo de Estudos e Pesquisas
e construir junto. Em um movimento em ao vídeo. em Infância e Educação Infantil, 2021.
que elas internalizam valores e apreendem o
mundo.
Como nos aponta Francesco Tonucci na Mas em que consiste a participação ativa de
palestra Pode um vírus mudar a escola?, “a crianças? Bom, acreditamos que para possi-
democracia é uma experiência formativa. bilitar que as crianças (e também os adultos)
Nela, as crianças devem ser protagonistas possam participar ativamente de projetos,
e não apenas destinatários”. Ao fazer uma planos e ações é essencial ampliar nossas
breve retrospectiva sobre como as infâncias perspectivas de participação. A participação
foram afetadas pelo isolamento social na vida pública vai muito além da mera
durante a pandemia de Covid-19, o pedagogo consulta às crianças sobre um tema, podendo
nos relembra que, entre outras mudanças ocorrer em diferentes situações e de modos,
necessárias à escola, encontra-se a criação de igualmente, variados. É também importante
espaços de participação ativa das crianças, garantir que meninos e meninas participem do
como em conselhos infantis. planejamento, da organização, da execução e,
140 141
A criança e a cidade Participação infantil

por que não, da avaliação de tais ações,


tendo a possibilidade de expressarem suas assim como a demanda pelo reconhecimento
ideias, em diálogo com as questões coletivas, de seu protagonismo na ação política e de sua
e serem ouvidos com sensibilidade. condição de atores sociais.

Cabe destacar que a participação das crianças Leia o texto a seguir que discute a participação
e a própria ideia de protagonismo infantil infantil a partir da inserção de crianças
têm sido compreendidas em nossa socieda- em dois movimentos sociais brasileiros: o
de a partir de uma perspectiva idealizada de Movimento Nacional dos Meninos e Meninas
infância, que não necessariamente correspon- de Rua e o Movimento dos Sem Terra.
de à realidade de países desiguais e diversos
como o Brasil. Assim como apontamos no
Módulo 1, é importante estarmos atentos para M AT E R I A L
compreender que a concepção universal de BÁS I CO

infância que permeia nosso imaginário social


não coincide com a realidade experimentada
por todas as crianças.

No contexto brasileiro, por exemplo, a dis-


Elitiel Guedes,
cussão da participação infantil ganhou maior 2021. Imagem
visibilidade no processo de redemocratização disponível no
.
nos anos 1980, quando a luta por direitos e
pelo exercício da cidadania foi amplamente Movimentos sociais, participação infantil e
apropriada por grupos sociais organizados, em direitos das crianças no Brasil
sua maioria parte das populações vulneráveis,
na busca por direitos. A manifestação desses Clique aqui
Texto de Isabel Silva, Levindo Carvalho e
grupos, como mulheres, indígenas e negros, para ler Maria Cristina Soares de Gouvêa, publicado
trouxe relevância às categorias identitárias, o texto. na revista Educação e Pesquisa, 2021.
nas quais as particularidades das reivindica-
142 143
A criança e a cidade Participação infantil

Os vídeos a seguir apresentam exemplos de não apenas puderam expressar suas opiniões
espaços comunitários de participação e desejos, mas também tomaram frente e
infantil na América Latina. O primeiro apre- geraram, junto a outros adultos, um projeto
senta a iniciativa de uma fundação no bairro cultural comunitário, participando como
Pátio Bonito, em Bogotá, na qual crianças sujeitos coletivos e históricos.
participam de diversos projetos a partir de
seus interesses, aprendendo sobre seus
direitos e como exercê-los M AT E R I A L
BÁS I CO

M AT E R I A L
BÁS I CO

Escola de Comunicação da Meninada


do Sertão, Fundação Casa Grande,
Experiência colombiana de organização Clique aqui em Nova Olinda, Ceará
comunitária e protagonismo infantil para assistir
Clique aqui
ao vídeo. Vídeo disponível no canal do YouTube do
para assistir Vídeo disponível no canal do YouTube da Centro de Criação de Imagem Popular, 2014.
ao vídeo. Fundación PT, Bogotá, Colômbia, 2019.

Entre nós, adultos, as formas de participação


Já o segundo vídeo traz a experiência da se dão através de espaços organizados, em
Escola de Comunicação da Meninada do que se exprime uma racionalidade centrada
Sertão, da Fundação Casa Grande em Nova na oralidade e na escrita, e se apresentam e
Olinda, Ceará, na qual crianças e adolescentes discutem pontos de vista. Contudo, no caso
144 145
A criança e a cidade Participação infantil

das crianças, nem sempre é assim. Como


e em condições favoráveis para o brincar
de Crianças Trabalhadoras no Peru: “Os espontâneo e autônomo representam meios
adultos falam demais” (TAFT, 2014). Mas para as crianças participarem.
quais seriam as outras formas de participação
das crianças? Como exemplos desse exercício, assista ao
vídeo do projeto Menino Mestre. Nele, o
Como vimos no Módulo 1, a noção de infância pesquisador da cultura popular e brincante
universal é baseada numa experiência social Roquinho Soares registrou os saberes das
fortemente institucionalizada, no âmbito crianças e sua relação com a natureza. No
doméstico e escolar. Nesse contexto, a vídeo, as crianças explicam como constroem
participação é mais compreendida como seus brinquedos e como, ao mesmo tempo,
um processo de formação para a vida adulta constroem uma experiência comunitária.
ou reproduz modelos de participação,
organizados a partir da perspectiva adulta e
M AT E R I A L
individualista, restringindo-se meramente ao
BÁS I CO
exercício do voto. Essa compreensão perde
de vista a diversidade de possibilidades de
participação centradas na ludicidade e na
expressão coletiva que observamos nos vídeos
anteriores, especialmente a partir da prática
do brincar.

O brincar é uma prática essencial para o Projeto Menin@Mestre Piorra De


desenvolvimento e socialização das crianças, Cabacinha Mercadinho
e também uma forma de expressão e Clique aqui
interpretação do mundo. A brincadeira, em para assistir Vídeo disponível no canal do
muitos casos, é o modo de resistir a situações ao vídeo. YouTube da Carretel Cultural, 2007.
de violência e opressão vividas. Nesse sentido,
146 147
A criança e a cidade Participação infantil

Veja, também, no vídeo O direito de brincar,


crianças de Salvador (BA) que explicam como MATERIAL Rua de crianças
COMPLEMENTAR
e em quais condições brincam, e especialis-
Documentário sobre as ideias de cidade e espaço
tas falam sobre as potencialidades das ações
público de crianças para a composição coletiva da
lúdicas, assim como a importância de assumir música “Bebezinha”, em Recife.
o brincar como elemento estruturante na vida
das crianças. Clique aqui para Vídeo disponível no canal do Vimeo da Usina da
assistir ao vídeo. Imaginação, 2019.

M AT E R I A L
BÁS I CO Achou interessante a experiência? Ouça
também o 13º episódio do podcast Cidades
Possíveis, em que Eveline Trevisan, arquiteta
e urbanista de Belo Horizonte, e Rita de
Cacia Oenning da Silva, uma das diretoras
do documentário, se encontram para um
bate-papo sobre suas experiências com
O direito de brincar infâncias e cidades.
(Rede Nacional Primeira Infância)
Clique aqui
Vídeo disponível no canal do YouTube do MATERIAL
para assistir COMPLEMENTAR , Cidades Possíveis,
ao vídeo. Avante – Educação e Mobilização Social, 2017.
com Eveline Trevisan e Rita de Cacia Oenning
da Silva, 2020.

Falando do brincar como forma de participa-


ção, veja a seguir o documentário sobre os
Clique aqui para
desejos de crianças de diversos bairros em ouvir o podcast. Já pensou em como são diversas as brincadei-
Recife (PE) para uma nova moradora do local – ras das crianças das cidades brasileiras?
uma bebezinha – e o processo de construção Veja alguns minidocumentários do projeto
da música que compuseram para ela. Território do Brincar que indicamos a seguir.
148 149
Participação infantil

As culturas infantis, constituídas por


repertório de jogos, brinquedos e brincadeiras,
são atravessadas por marcadores sociais,
como a classe, o gênero, a raça, a etnia, entre
outros. A pesquisa do sociólogo Florestan
Fernandes, nos anos 1940, já apontava para
os marcadores sociais que envolvem as
MATERIAL culturas infantis em um bairro central de São
COMPLEMENTAR Paulo. Uma de suas principais contribuições
Série de minidocumentários que apresenta diferentes foi destacar a criança como mediadora de
formas de brincar em diversos estados brasileiros e relações entre os adultos, acolhendo famílias
sua multiplicidade de infâncias.
imigrantes à cultura brasileira.
Clique aqui para Os 26 minidocumentários estão disponíveis no canal
assistir ao vídeo. do YouTube do Território do Brincar, 2016. Estudos como o de Florestan Fernandes nos
apontam que o brincar acontece de forma
diferente em cada contexto. Por exemplo, a
O brincar é uma prática social e também ocupação do espaço da rua possui conota-
uma experiência fundamental para entender ções distintas quando acontece na Europa
a participação infantil. Ao brincar, as crianças ou na América Latina, ou quando se trata de
uma ação realizada por populações abastadas
o que alguns sociólogos chamam de agência. ou pelas camadas populares de uma mesma
Assim, a rua, o pátio da escola, o parquinho, cidade. Ainda assim, podemos observar que
a área de lazer do condomínio, entre outros as crianças que residem em grandes metró-
espaços coletivos que as crianças têm acesso, poles compartilham o esvaziamento da rua
são lugares onde os jogos e as brincadeiras como espaço de sociabilidade infantil, em
acontecem, e as crianças têm a possibilidade grande parte, devido à segregação espacial,
de se comunicar e socializar entre pares, com- que divide e exclui as camadas populares dos
partilhando saberes aprendidos na própria grandes centros urbanos, e ao rodoviarismo,
experiência de ser criança. dado pelo crescimento da cidade centrado
150 151
A criança e a cidade Participação infantil

em uma lógica de transporte por meio de -


veículos motorizados. formação do espaço público e de resistência
de diferentes grupos sociais. Como podemos

forma de ocupar a cidade? Veja o texto a Cristina Soares de Gouvêa, a criação do projeto
seguir sobre a construção coletiva de uma Nossa Pracinha na Vila Pindura Saia, em Belo
praça, com o protagonismo das crianças, Horizonte, é um exemplo disso. Como resultado
em Vila Pindura Saia, em Belo Horizonte. dessa intervenção, atualmente, os moradores
da Vila se apropriaram da praça como espaço
de sociabilidade e convivência intergeracional.
M AT E R I A L Inclusive, o poder público local reconheceu a
BÁS I CO
praça formalmente como espaço público,
passo importante para resistir à privatização
do local por setores de interesse econômico.

A organização das crianças para planejar


Amigos da Rua,
a transformação de espaços residuais ou
Pindura Saia,
2020. Imagem subutilizados é uma realidade dos países
disponível no site latino-americanos. Assim, esses espaços,
.
geralmente esquecidos ou abandonados por
O brincar como prática social de não serem valorizados pelo mercado imobiliário
territorialização infantil convencional ou interessantes para o poder
público, vão se tornando espaços de brincar,
com a construção de brinquedos coletivos,
Soares de Gouvêa, publicado no livro espaços de luta pelo direito à educação, com a
Clique aqui
O direito das crianças à cidade: construção de creches comunitárias, ou ainda
para ler perspectivas desde o Brasil e espaços de luta pela moradia, pela terra e pela
o texto. Portugal, 2022. alimentação saudável, com a produção de
ocupações, assentamentos e hortas urbanas.
152 153
A criança e a cidade Participação infantil

Um exemplo que revela a complexidade e a


riqueza da participação infantil é a experiên- M AT E R I A L
BÁS I CO

crianças que fazem parte do Movimento dos


Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Por
meio da Ciranda Infantil, espaço educativo
não formal organizado pelo MST, as crianças
vivenciam o movimento social desde a infân-
cia, na luta pelo exercício da sua cidadania.
Nesse processo, a participação assume mais
claramente um sentido de participação po- Sem Terrinha em Movimento: brincar, sorrir
lítica voltada para a promoção da justiça so- e lutar!
cial e para o acesso a direitos básicos. Veja o Clique aqui
vídeo a seguir sobre o 1º Encontro Nacional para assistir Vídeo disponível no canal do YouTube do
das Crianças Sem Terrinha, que foi um espaço ao vídeo. Movimento sem Terra, 2019.
organizado para promover a participação das
crianças a partir das suas próprias demandas.
A participação das crianças em
movimentos sociais e ações coletivas
ocorre de diversas formas no contexto
contemporâneo. As experiências de crianças
do MST, de ocupações urbanas, crianças
quilombolas, ribeirinhas e indígenas junto
à sua comunidade são expressões de
participação de crianças, no interior de
famílias historicamente excluídas de seus
direitos, na busca por melhores condições
de vida. Nesses movimentos, as crianças
participam ativamente, seja em atividades
154 155
A criança e a cidade

4. Como escutar as crianças?

A escuta das crianças implica aspectos éticos


e metodológicos que permitem aos adultos
superar seus referenciais adultocêntricos.
É importante estarmos abertos às falas, aos
gestos e às diferentes formas de expressão
das crianças, assumindo uma postura atenta
e sensível.

Entretanto, quais os princípios que funda-


mentam a escuta das crianças para que a
participação delas seja efetiva? Veja no vídeo

sobre a complexidade da escuta de crianças.

cotidianas, seja em espaços organizados


próprios, estando presentes em ações de
ocupação e resistência, entendendo-se como
parte do coletivo. Esses exemplos revelam que
as crianças não ocupam um mundo à parte,
mas são sujeitos sociais no interior de famílias
e coletivos, nos quais exercem e aprendem a
exercer a cidadania.
156 157
A criança e a cidade Participação infantil

criativas, estéticas, expressivas e emocionais”


M AT E R I A L (ROCHA, 2001, p. 31).
BÁS I CO

sensível que defendemos aqui. Elas sugerem


que a criança é um sujeito social por
excelência e constitui o centro da vida escolar,
de modo que as interações entre pares e as
brincadeiras nas relações entre adultos e
crianças são eixos para a prática pedagógica
A escuta da criança e as contribuições para e princípios para a participação infantil. Que
nosso aprendizado sobre a infância tal conhecer um pouco mais as pedagogias da
Clique aqui
infância? Convidamos você a ler essa breve
para assistir Vídeo disponível no canal do YouTube do resenha do livro Pedagogia(s) da infância:
ao vídeo. Composição - Formação, 2020. dialogando com o passado e construindo
o futuro
pedagogos dos dois últimos séculos
Nas últimas décadas, o campo da Educação destacando o papel ativo das crianças em seus
processos de aprendizagem.
e a organização da escola que colocam a
criança como protagonista, o que tem sido MATERIAL Resenha do livro: Pedagogia(s) da Infância: dialogando
designado como pedagogias da infância. COMPLEMENTAR com o passado e construindo o futuro.
Para Eloisa Rocha, professora e pesquisadora
Texto de Marineide de Oliveira Gomes e Amabille Silva
da Universidade Federal de Santa Catarina
Paschoim, publicado pela revista Paideia, em 2007.
(UFSC), tais pedagogias tomam a criança em
Clique aqui para
sua integralidade, levando em consideração
ler o texto.
“seus processos de constituição como seres Em paralelo, em outras tendências do
humanos em diferentes contextos sociais, pensamento pedagógico, os processos de
sua cultura, suas capacidades intelectuais, ensino e aprendizagem têm ganhado maior
158 159
A criança e a cidade Participação infantil

relevância, evidenciando a importância


do engajamento das crianças nas práticas Mas como criar e promover esses espaços
educativas. Esse é o caso das pedagogias de participação onde elas possam, de fato,
participativas, que propõem uma ruptura com construir junto com os adultos?
a ideia de que o conteúdo é “transmitido” para Fabiana Oliveira, professora em Ciências
Humanas e Letras da Universidade Federal de
motivada pelo interesse próprio das crianças Alfenas (UNIFAL-MG), nos traz algumas dicas
em um ato colaborativo. Nessa lógica, o para que a participação infantil em projetos
aprender se dá a partir de uma experiência coletivos aconteça. A criança precisa enten-
der do que se trata a iniciativa e qual é o seu
se como um mediador dos processos de papel, sendo necessário discutir quais são as
ensino e aprendizagem, além de observar e regras e os combinados estabelecidos durante
escutar as crianças para organizar sua prática. todo o projeto. Também é fundamental que
É essa concepção de criança competente que as relações de poder e os parâmetros para as
pode sustentar a promoção de iniciativas de tomadas de decisão sejam transparentes,
participação infantil. promovendo o compartilhamento de poder
entre adultos e crianças em todas as etapas,
abrindo às possibilidades para que elas parti-
cipem, também, dos processos de decisão.

Tratar todas as crianças sem distinção, ainda


que elas se diferenciem (por idade, gênero,

uma estratégia de grande importância, já que


possibilita uma participação inclusiva, que se
potencializa na medida em que se reconhece
e legitima as diferenças. Considerando que,
muitas vezes, as crianças reproduzem este-
reótipos e preconceitos em suas interações,
160 161
A criança e a cidade Participação infantil

cabe aos adultos valorizar o engajamento de ser mais instigantes, uma vez que as crianças
crianças menores ou mais tímidas e fomentar valorizam a materialidade. Essa feitura pode
a participação de meninas e crianças negras, se dar a partir de uma dinâmica coletiva de
buscando evitar que preconceitos raciais e de trocas entre os pares, como em modelos de
gênero sejam reproduzidos.
e mais pragmáticos.
Além disso, é preciso garantir que as
crianças tenham autonomia de deixar o Para ajudar a pensar em metodologias de
projeto a qualquer momento, seja por algum escuta de crianças, veja o material produzido
constrangimento ou apenas por ter perdido o pelo Centro de Criação de Imagem Popular
interesse. Por isso, é necessário compreender (CECIP), que contém sugestões de atividades
os diferentes tempos da criança em cada
atividade proposta.

Por último, é necessário compreender


que as metodologias dos projetos que MATERIAL Vamos ouvir as crianças?
COMPLEMENTAR
almejam a participação infantil devem se
Caderno de metodologias participativas do Projeto
adequar às perspectivas infantis. O uso Criança Pequena em Foco. CECIP, 2013.
dessas metodologias visa captar o ponto
de vista das crianças, nos aproximando de Clique aqui para
suas formas de compreensão do mundo e ler o texto.
de expressão. Para tanto, é possível fazer
uso de métodos e instrumentos diversos Folha miúdas
que abordam as múltiplas linguagens, infância em terreiros, produzido por Stela
principalmente aquelas derivadas do campo Caputo, o resultado de uma experiência de
escuta de crianças no contexto de vários
audiovisual, entre outras. As atividades de terreiros brasileiros realizada a partir de um
participação infantil que resultam em um debate ético sobre a participação infantil
produto construído coletivamente tendem a em pesquisas.
162 163
A criança e a cidade Participação infantil

M AT E R I A L
BÁS I CO

Folha Miúdas Infância em Terreiros


Clique aqui
para assistir Vídeo disponível no canal do YouTube da
ao vídeo. ANPEd Nacional, 2020.

Ambiente-Educação (GAE) e pelo Grupo Siste-


distintas. É possível realizar pesquisas junto ma de Espaços Livres (SEL-RJ), ambos da Uni-
a elas, entendendo-as como participantes de versidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). A
uma investigação – nunca como objeto – e, ideia da pesquisa foi realizar um mapa a partir
a partir das suas percepções, compartilhar da escuta de crianças do Ensino Fundamental
visões de mundo entre as diversas infâncias da rede pública municipal, buscando entender
participantes e os diferentes contextos onde as complexidades da cidade a partir do olhar
se situam essas adultas e esses adultos pes- infantil. Faz parte do projeto incorporar os
quisadores. Vamos ver a seguir dois interes- resultados dessa participação das crianças na
santes exemplos. elaboração do Plano de Desenvolvimento Sus-
tentável do Município do Rio de Janeiro (PDS-
A pesquisa Mapeamento afetivo da cidade do -RJ). Os resultados das percepções e desejos
Rio de Janeiro abriu espaços para escutar as das crianças revelam sua percepção crítica da
crianças e fornecer insumos para a constru- cidade, expondo desigualdades, mas também
ção de políticas públicas. Essa experiência, manifestando afetos e propostas concretas
realizada em 2019, foi formulada pelo Grupo para melhorar seus territórios.
164 165
A criança e a cidade Participação infantil

pesquisa se fundamentou no reconhecimento


dos direitos das crianças, entre eles, o próprio
exercício do direito de ser ouvida. A partir de

e entrevistas enviadas e realizadas com as


crianças participantes, buscou-se compreen-
der as formas como as crianças vivenciavam
o isolamento e como suas rotinas, relações
sociais e experiências foram alteradas. Um dos
resultados da pesquisa é a constatação de que
crianças, através de suas falas e expressões,
manifestam consciência de suas condições de
vida, seus direitos, suas responsabilidades e
do próprio contexto de crise sanitária, social
e política que vivemos. Quando uma menina
de 10 anos descreve o coronavírus como “a
GAE/SEL-RJ, Outro exemplo de pesquisa com crianças é a doença que afasta e aproxima as pessoas”,
Resultados
preliminares do investigação Infância em tempos de pande-
Mapeamento mia: experiências de crianças da Grande Belo sobre a vida no coletivo.
Afetivo da Cidade
do Rio de Janeiro,
Horizonte, realizada em 2020 pelo Núcleo
2020. Imagem de Estudos e Pesquisas sobre a Infância e a
disponível no site
Educação Infantil (NEPEI), da Faculdade de M AT E R I A L Infância e Pandemia na Região
da pesquisa. BÁS I CO
Educação da Universidade Federal de Minas Metropolitana de Belo Horizonte:
Gerais. Essa pesquisa surgiu em um contexto primeiras análises
de vulnerabilidade generalizada no mundo,
frente à pandemia de Covid-19 e às medi- Texto de Isabel de Oliveira e Silva, Iza
das de isolamento, e que teve impactos mais Clique aqui Rodrigues da Luz e Levindo Diniz Carvalho,
acentuados no cotidiano de crianças e famílias para ler publicado pela FaE/UFMG, em 2021.
das camadas populares. Nesse contexto, a o texto.

166 167
A criança e a cidade Participação infantil

blicas. Assista ao vídeo a seguir para conhecer


MATERIAL Trecho de Infância e pandemia: Escutar as crianças um pouco mais sobre a experiência da cidade
COMPLEMENTAR em contextos de Crise
de Jundiaí no fortalecimento de políticas pú-
Palestra do professor Levindo Diniz Carvalho na blicas para a infância.
conferência de encerramento do III Congresso de
Estudos da Infância, realizado pela Universidade do
Estado do Rio de Janeiro, em 2021.
MATERIAL A Infância em Jundiaí
Clique aqui para COMPLEMENTAR
assistir ao vídeo.
Vídeo disponível no canal do YouTube do Centro de
Criação de Imagem Popular, 2019.
Diante desses exemplos, cabe questionar: por
que não somar as crianças nas discussões que
Clique aqui para
se relacionam com a nossa vida em comum assistir ao vídeo.
e reconhecê-las como participantes das
decisões políticas?

Outras escutas com crianças se caracterizam


pelo intuito de subsidiar a elaboração de po-
líticas públicas, como é o caso do Comitê das
Crianças da Cidade de Jundiaí (SP), inspirado
no projeto de rede de cidades que Francesco
Tonucci impulsiona, Cidade das crianças. Os
participantes do Comitê representam diferen-
tes regiões do município e são renovados anu-
almente. Com reuniões quinzenais, as crianças
pensam juntas sugestões de melhorias para a
cidade, que são enviadas posteriormente ao
Prefeito, que participa de algumas reuniões e
cuja gestão se compromete a materializar as
ações propostas pelo Comitê em Políticas Pú-
168 169
A criança e a cidade Participação infantil

Essa forma de escuta das crianças traz


visibilidade frente ao resto da sociedade e dá lúdicas para as crianças se expressarem
voz às discussões e aos seus desejos sobre sobre como é a cidade onde querem viver.
a cidade. Aprender a ouvir, especialmente Veja no vídeo a seguir como, a partir do
uso de narração, maquetes, brinquedos e
brincadeiras, buscou-se compreender as
públicos dedicados às crianças e ao brincar ideias das crianças sobre o planejamento da
simboliza o reconhecimento, por parte do “cidade das crianças”.
Estado, da importância de espaços na cidade
para fruição das crianças. Contudo, para que
a cidade seja pensada como um espaço para M AT E R I A L
as crianças, é importante, também, superar BÁS I CO

modelos funcionais e segregacionistas de


cidade que levem à separação de usos e
grupos etários, o que em geral se chama de
“lugar para brincar”, “lugar para se educar” ou
“lugar para cuidar”.

e criar espaços para que elas exerçam seu Cidade das crianças
direito à participação e compartilhem sua Clique aqui
visão de mundo não é, também, uma forma para assistir Vídeo disponível no canal do YouTube da
de mobilizar os adultos e de criar diálogos ao vídeo. Usina da Imaginação, 2022.
educativos intergeracionais?

O projeto Inspiração da Usina da Imaginação, Os exemplos de escutas que apresentamos


iniciado em 2021 com crianças e adolescentes até aqui utilizam diversas atividades e
a partir dos 7 anos de idade de diferentes linguagens para se aproximarem das crianças
contextos socioeconômicos em Florianópolis, de modo sensível. O desenho, a ,
170 171
A criança e a cidade Participação infantil

as entrevistas, as maquetes, os comitês


ou conselhos são apenas algumas das M AT E R I A L
BÁS I CO
ferramentas disponíveis para estabelecer
diálogos com as crianças das quais
pesquisadores e ativistas têm utilizado.

Dentre outras iniciativas interessantes, vale

em mobilidade, que atua e pesquisa as


infâncias e seu acesso à cidade na perspectiva Apé-estudos em mobilidade e os
da mobilidade urbana e educação. Os projetos “exploradores da rua”
do grupo combinam ferramentas diversas, Clique aqui
que incluem as citadas anteriormente, além para assistir Vídeo disponível no canal do YouTube do
de rodas de conversa, mapeamentos afetivos, ao vídeo. Centro de Criação de Imagem Popular, 2020.
histórias orais, ocupações temporárias do
espaço público e caminhadas, todos dentro
de uma perspectiva lúdica. Em experiências Sugerimos também a leitura de outros tra-
como a dos Exploradores da rua, o grupo balhos do Grupo Ambiente-Educação (GAE),
reúne estratégias como mapeamento, publicados no livro Diálogos entre arquitetura,
caminhada e jogos nas ruas, integrando- cidade e infância: territórios educativos em
as com a perspectiva da escola conectada ação, que dialogam com as crianças reconhe-
com o território do entorno e com ações de cendo que imaginar e brincar são também for-
formação de professores, desenvolvendo uma mas de participação. As ferramentas do GAE
metodologia de exploração do entorno escolar são formuladas pelo grupo como dispositivos
com as crianças. Veja o vídeo a seguir sobre de escuta e interlocução, os quais são apli-
essa rica experiência lúdica em várias escolas cados também na cocriação de projetos
de São Paulo. com crianças. Ouça também um episódio do
podcast em movimentos, iniciativa do grupo
de estudos e pesquisas Crianças, Práticas
172 173
A criança e a cidade Participação infantil

Urbanas, Gênero e Imagem, da Faculdade de A escola constitui um espaço fundamental de


Educação da Universidade de São Paulo (USP), exercício da democracia, tanto no cotidiano
que, diante do contexto da pandemia de da sala de aula quanto nos outros espaços
escolares. O fomento à participação infantil
sobre as experiências de crianças e mulheres no contexto escolar está relacionado à
invisibilizadas nesse contexto. organização dos tempos e espaços da escola
que consideram a centralidade da criança.
Os materiais didáticos, os livros de história e
MATERIAL Diálogos entre arquitetura, cidade e infância: a estética dos espaços escolares devem ter
COMPLEMENTAR
em vista a valorização da criança que habita
a escola, na medida em que a reprodução de
Livro organizado por Giselle Azevedo, 2019.
imagens eurocêntricas de crianças constitui
um ato de exclusão da criança sujeito daquela
Clique aqui para
ler o texto. - escola. Cada material envolve uma escolha
Marcia Gobbi ética e estética da escola. No espaço da escola,
também, cabe criar instâncias de escuta e
Nesse episódio do podcast em movimentos, Lilith tomada de decisões protagonizadas pelas
Neiman conversa com Márcia Gobbi, pesquisadora e
crianças, integrando, ao cotidiano escolar,
educadora com relevante produção sobre o desenho
assembleias, votações e rodas de conversa.
importantes e complexas criações, e comenta como as
Clique aqui para crianças têm utilizado, durante a pandemia, o desenho Agora que temos um panorama de como escu-
ouvir o podcast.
tar as crianças e das possibilidades de diálogo
com elas (entre outras que possamos reinven-
tar e criar), podemos nos perguntar: estamos
Até agora apresentamos situações de dispostas e dispostos a nos surpreender com
participação das crianças em alguns espaços as descobertas das crianças e com as nossas
formais e informais da cidade. Mas e a escola? próprias descobertas nesse processo? Estamos
Ela não constitui um espaço de exercício realmente abertas e abertos a nos surpreender
da participação? com as manifestações das crianças?
174 175
Participação infantil

Gostou do assunto e LIVRO

quer saber mais? Quer aprofundar seus estudos em relação às


pedagogias participativas? No livro Pedagogia-
SITE em-participação: a perspectiva educativa
da associação criança (2013), Júlia Oliveira-
Plataforma de infância Formosinho e João Formosinho apresentam
uma proposta de pedagogia participativa
A Plataforma da Criança, criada na Espanha, socioconstrutivista para a educação na
busca promover a participação infantil para infância utilizada em Portugal desde os
levantar a voz de crianças e garantir que suas anos 1990.
demandas cheguem aos responsáveis pela
Clique aqui elaboração e implementação das políticas
para acessar. públicas que os afetam.

DOSSIÊ
TESE
A publicação Quem está na escuta? Diálogos,
No capítulo “Sobrevivendo na ilha: decidir, ima-
ginar e participar” de sua tese intitulada Infân- e voz às crianças reúne uma série de artigos
cia e movimentos sociais: participação política de pesquisadores que atuam em diferentes
de crianças no Movimento dos Trabalhadores áreas e que se propõem a escutar as
Rurais Sem Terra (MST), Fábio Accardo de Frei- crianças. A leitura aponta para a diversidade
tas propõe uma discussão sobre a experiência de linguagens, brincadeiras, histórias e
paisagens que permeiam o encontro com
elas simulam estar numa ilha deserta. A tese as crianças, anunciando a importância de
pode ser acessada pela Biblioteca da Universi- Clique aqui uma educação sensível à poesia presente na
dade Federal de Minas Gerais. para ler. expressão infantil.

176 177
A criança e a cidade Participação infantil

LITERATURA CINEMA

A república luminosa (2017), Os Meninos da Rua Paulo


por Andrés Barba.

Um romance angustiante e grandioso a gênero drama, dirigido por Zoltán Fábri, foi
respeito da infância e violência. O apareci- baseado no livro homônimo de Ferenc Molnár,
mento de crianças violentas de origem des- publicado em 1906. A história se passa em
conhecida perturba – e subverte – a vida de Budapeste, em 1889, e retrata um grupo de
San Cristóbal, uma cidade encravada entre garotos na pré-adolescência, os meninos da
a selva e o rio. Vinte anos depois, uma das Rua Paulo, que ocupa um playground
testemunhas revisita o episódio numa crônica da vizinhança.
recheada de fatos, evidências e especulações
sobre como a cidade foi forçada a reformu-
lar sua ideia de ordem e violência, além da
própria noção de infância.

178 179
Participação infantil

Referências bibliográficas
GOBBI, Márcia et al. O direito das crianças à cidade:
In:______. (org.). O direito das
crianças à cidade: perspectivas desde o Brasil e Portugal.
São Paulo: FEUSP, 2022. p. 17-34.
ABRAMOWICZ, Anete. Crianças e guerra: as balas
perdidas! Childhood & Philosophy, v. 16, 2020. GOMES, Marineide de Oliveira; PASCHOIM, Amabille Silva.
Dialogando com o passado, construindo o futuro. Paidéia,
Exploradores da rua. v. 17, n. 37, p. 273-276, 2007.

GRUPO AMBIENTE-EDUCAÇÃO – GAE. Programa de


AZEVEDO, Giselle (org.). Diálogos entre arquitetura, Pós-Graduação em Arquitetura – PROARQ, Faculdade
cidade e infância: territórios educativos em ação. de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal
Rio de Janeiro: UFRJ; FAU; PROARQ, 2019. do Rio de Janeiro.

CARVALHO, Levindo. Infância, brincadeira e cultura. JUNDIAÍ. Prefeitura Municipal. Comitê das Crianças 2022.
ANPED, 2008. 2022.

COHN, Clarice. Antropologia da criança. Rio de Janeiro: JUNDIAÍ. Prefeitura Municipal. Mundo das Crianças.
Jorge Zahar, 2005. O mundo. [s.d.].

DAVIS, Angela. A liberdade é uma luta constante.


São Paulo: Boitempo, 2018. experiência de participação infantil no Brasil envolvendo
os espaços urbanos e a perspectiva das crianças. Revista
FRIEDMANN, Adriana. Brincadeira: a linguagem da Portuguesa de Educação, v. 30, n. 1, p. 157-179, 2017.
infância. SESC São Paulo. 29 mar. 2012.

GALZERANI, Maria Carolina. Imagens entrecruzadas Morchida; PINAZZA, Mônica Apezzato (org.).
de infância e de produção de conhecimento histórico Pedagogias(s) da infância: dialogando com o passado:
em Walter Benjamin. In: FARIA; Ana Lúcia Goulart de; construindo o futuro. Porto Alegre: Artmed, 2007
DEMARTINI, Zelia de Brito Fabri; PRADO, Patrícia Dias
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pesquisa com crianças. Campinas: Autores Associados, infantil. Revista Brasileira de Educação, n. 16, 2001.
2005. p. 49-68. SARMENTO, Manuel. Visibilidade social e estudo da

180 181
A criança e a cidade Participação infantil

infância. In: VASCONCELLOS, Vera; SARMENTO, Manuel


(org.). Infância (in)visível. Araraquara: Junqueira & Marin,
2007. p. 25-49.

SILVA, Isabel; LUZ, Iza; CARVALHO, Levindo. Infância e Pan-


demia na Região Metropolitana de Belo Horizonte: primei-
ras análises. Belo Horizonte: UFMG; FaE; NEPEI, 2021.

Pode o subalterno falar. Belo


Horizonte: Editora UFMG, 2010.

TAFT, Jessica K.

children. Childhood, v. 22, n. 4, p. 460-473, 2015.

TREVISAN, Gabriela et al. Infância, espaço público e


participação: a abordagem do território de aprendizagem.
In: GOBBI, Márcia et al. (org.). O direito das crianças à
cidade: perspectivas desde o Brasil e Portugal. São Paulo:
FEUSP, 2022. p. 35-55.

USINA DA IMAGINAÇÃO. Inspiração. [s.d.].

182 183
Políticas públicas, educação e contextos de participação

O que você vai ver aqui:

As perguntas orientadoras deste


módulo são:
Módulo 4
Políticas públicas,
educação e contextos
de participação
Aline Regina Gomes
185
Políticas públicas, educação e contextos de participação

1. Introdução

186 187
Políticas públicas, educação e contextos de participação

2. Como se articulam diferentes políticas


para a infância no território? tempo
integral

Mariana

Ela também já recebeu em sua agenda escolar

O Caso de Mariana

Mariana tem 10 anos e junto com seus dois


irmãos, Paulo (6 anos) e André (4 anos), vai

vendinha conversa com ela quase todos os dias,

de almoçar com seus amigos na escola,

188 189
A criança e a cidade Políticas públicas, educação e contextos de participação

Constituição Cidadã
Estatuto da Criança e do
Adolescente (ECA)

Mariana

190 191
A criança e a cidade Políticas públicas, educação e contextos de participação

Educação

Assistência
Mariana Saúde
Segurança

equipamentos públicos

Mariana

192 193
A criança e a cidade Políticas públicas, educação e contextos de participação

M AT E R I A L
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194 195
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MATERIAL Trecho de Quem cuida de quem?


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medidas de
proteção social

196 197
A criança e a cidade Políticas públicas, educação e contextos de participação

reparação histórica

198 199
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Trecho de

intersetoriais

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200 201
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M AT E R I A L intersetorialidade
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Mariana

Trecho de

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sujeito integral

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208 209
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Trecho de

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210 211
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Mariana

Mariana

Mariana

gestão compartilhada
território de Mariana

o território

Mariana

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COMPLEMENTAR e encaminhamentos

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Políticas públicas, educação e contextos de participação

3. Como a cidade pode cuidar das crianças?

Mariana

MATERIAL Trecho de
COMPLEMENTAR

Mariana

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Mariana

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Marianas
cidade
educadora

Promover a ideia de que a cidade – essencialmente quando

estruturas sociais e administrativas e suas redes culturais, não

MATERIAL
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crianças como protagonistas

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220 221
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escola

M AT E R I A L A centralidade da escola como instituição


BÁS I CO cuidadora da e na cidade

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Mariana

capilaridade da escola pública pedagogias da infância

Mariana

Mariana

Mariana

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território educativo

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integral e inclusiva

MATERIAL
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entrevista.

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Mariana

papel articulador
nos territórios

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Mariana

política multissetorial
Mariana

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BÁS I CO Mariana

Trecho de

articulação intersetorial e
territorializada das políticas.
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A criança e a cidade Políticas públicas, educação e contextos de participação

A escola não pode ser o único


setor responsável Mariana

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Rede de Proteção

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Educação Integral

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4. Como as crianças podem participar na


construção de políticas públicas na cidade?

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ESTUDO

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DOSSIÊ

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Políticas públicas, educação e contextos de participação

Referências

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