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Como funcionou a Ordem dos Templários

por Sílvio Anaz

Introdução sobre os Cavaleiros Templários

No fim do século 13, restava apenas um pedacinho de terra cristã a ser


conquistada pelos muçulmanos na Terra Santa: uma fortaleza com um
punhado de Cavaleiros Templários na cidade litorânea de Acre (situada onde
atualmente é o norte do Estado de Israel). Sabendo o que iria enfrentar, apesar
de contar com milhares de soldados muçulmanos que cercavam o lugar, o
sultão Al-Sharaf preferiu oferecer um salvo-conduto para que as duas centenas
de Templários deixassem o local levando as riquezas que tinham e assim evitar
um combate com eles. O episódio não terminou bem para nenhum dos lados,
mas ilustra o temor que esses "guerreiros de Cristo" impunham em seus
adversários durante os dois séculos em que a Ordem dos Pobres Cavaleiros
de Cristo e do Templo de Salomão existiu.
A Ordem dos Cavaleiros Templários, como ficou mais conhecida, surgiu da
iniciativa de um grupo de nobres franceses no começo do século 12 de garantir
as conquistas na Terra Santa feitas pela Primeira Cruzada e de proteger os
peregrinos europeus que para lá se dirigiam. O grupo ganhou a benção de
ninguém menos do que o futuro São Bernardo - o monge e abade francês
Bernardo de Clairvaux, um dos mais influentes intelectuais da Europa na
época. Com a ajuda dele, a Ordem conseguiu o apoio oficial do papa e
privilégios especiais que a tornaram a mais importantes ordem militar a serviço
da Igreja Católica. Rapidamente, os Templários obtiveram também o apoio de
reis e da nobreza europeia que lhes fizeram doações e deixaram heranças
tornando a Ordem rica e poderosa, o que a levaria a funcionar como uma
espécie de banco internacional.

A Ordem dos Templários acabou perseguida e extinta há sete séculos, pela


própria Igreja que a apoiou e deu-lhe poder. Mesmo assim, não param de
surgir narrativas lendárias sobre seus feitos. Na imaginação de muitas pessoas
as aventuras dos Templários envolveram a busca do Santo Graal, a guarda da
Arca da Aliança e a descoberta de supostos segredos do Templo de Salomão
que possibilitariam uma comunicação com Deus, entre outras coisas místicas.
Muitas dessas lendas nasceram a partir da mistura de fatos históricos, crenças
religiosas e, principalmente, de suposições alimentadas pelos mistérios que
envolviam o funcionamento da Ordem.

Lendas à parte, uma das evidências sobre os Templários, confirmada por


historiadores, é a bravura e o fanatismo religioso que eles demonstravam. Isso
os levou a cometer verdadeiras batalhas suicidas crentes de que sempre
tinham Deus ao seu lado. Além disso, eles tinham permissão divina para matar
os "infiéis" conforme atestou Bernardo de Clairvaux no "Livro dos Soldados do
Templo". Segundo o futuro santo, nesses casos os Templários não estariam
desrespeitando os Dez Mandamentos, afinal não matariam homens e sim a
encarnação do "mal": “o soldado de Cristo é o instrumento de Deus para a
punição dos malfeitores e para a defesa dos justos. Na verdade, quando ele
mata malfeitores, não se trata de homicídio, mas de malicídio”.

Na próxima página, saiba como surgiu a Ordem dos Templários, mas antes
descubra como ela ficou tão rica e poderosa.

Banqueiros internacionais
Menos de meio século após sua fundação, a Ordem
dos Pobres Cavaleiros de Cristo e do Templo de
Salomão só era pobre no nome. Reis e nobres da
Espanha, França e Inglaterra doaram para a Ordem
castelos, propriedades, títulos de nobreza e
autoridade territoriais que a fez acumular milhares de
propriedades espalhadas pela Europa Ocidental,
regiões do Mediterrâneo e Palestina. Sua força
militar e os votos de fé cristã a tornou também
confiável para fazer a colet a, o armazenamento e a
entrega de barras de ouro, moedas e outras riquezas
de nobres europeus em seus país es e na Terra
Santa. Os Templários estabeleceram uma rede
segura de locais para guarda dos tesouros e de
transporte de valores que passou a funcionar como
verdadeiro banco internacional tanto para realezas
como para os peregrinos que iam para a Terra
Santa. Além de cobrarem juros (ironicamente algo
condenado pela Igreja Católica) quando realizavam
empréstimos das riquezas que guardavam e estarem
isentos de impostos e do dízimo, eles também
lucravam com heranças que recebiam de monarcas
e nobres, como a fortuna deixada para a Ordem pelo
rei Henrique 2.° da Inglaterra.

Origem e apogeu dos Cavaleiros Templários


Entre os anos de 1095 e 1099 aconteceu a Primeira Cruzada que levou os
cristãos europeus a conquistarem territórios que estavam sob controle
muçulmano na Terra Santa. Mas no reino que eles estabeleceram por lá
faltavam tropas militares para garantir a segurança numa terra cercada por
inimigos. Além disso, muitos peregrinos cristãos europeus que iam para
Jerusalém ficavam à mercê de ataques de bandidos. Entre 1119 e 1120, um
nobre francês chamado Hugo de Payens e um grupo de oito cavaleiros
franceses prometeram se dedicar à proteção dos peregrinos e a formar uma
ordem militar-religiosa com esse propósito.
© iStockphoto.com /JoseIgnacioSoto
Castelo dos Templários em Ponferrada, na Espanha. Em 1178, a cidade
foi doada aos Templários para que eles protege ssem os peregrinos

Eles partiram para o Reino de Jerusalém e ofereceram seus serviços ao rei


Balduíno 2.°, que não só aceitou como também ofereceu para a futura Ordem
uma parte do palácio real que ficava loca lizada onde eles acreditavam havia
sido o Templo do Rei Salomão. Payens iniciou então a formação de uma
milícia que foi nomeada como Ordem dos Pobres Cavaleiros de Cristo e do
Templo de Salomão. Mas Hugo e os cavaleiros não queriam apenas defender
o Santo Sepulcro e os peregrinos, eles pretendiam também viver como monges
com votos de pobreza e castidade.

Em 1127, Hugo partiu de volta para a Europa em busca de mais recursos para
a Ordem. Sua ideia foi muito bem recebida por nobres, principalmente na
França, Espanha e Inglaterra e ele obteve generosas doações. Nos anos
seguintes, além das doações ele conseguiria um apoio fundamental para a
importância e o poder que os Templários teriam: a simpatia e o apoio do abade
Bernardo de Clairvaux, na época um dos mais influentes intelectuais europeus.
Bernardo não só escreveu as regras que regeriam os Templários e textos que
defenderam a Ordem das críticas por sua atuação religiosa-militar, como
também ajudou os Templários a conseguir vários privilégios do papa Inocêncio
2.°, como o que que os isentava das jurisdições epsicopais e os ligava
hierarquicamente direto com o papa.
Bernardo - que seria canonizado e viraria santo - obteve também para os
Templários o direito ao "malicídio", uma espécie de "licença para matar", no
melhor estilo James Bond. Só que como o ato de matar outro ser humano era
algo condenado pelos Dez Mandamentos, e portanto por Deus, era preciso
justificar a tarefa dos Templários de matar os "infiéis", nesse caso os
muçulmanos. O abade Bernardo então teorizou que nesses casos matar em
nome de Deus não era um homícidio, pois não estava se matando homens e
sim encarnações do mal, portanto tratava -se de um "malicídio", e isso podia.

Em meados do século 12 os Cavaleiros Templários eram ricos, poderosos e


independentes. Calcula-se que a Ordem chegou a acumular nove mil
propriedades espalhadas pela Europa e a Palestina. Os Templários
construíram castelos e igrejas e guardaram tesouros da nobreza e da realeza.
Começaram também a emitir cartas de crédito para peregrinos europeus que
iam a Terra Santa. A pessoa depositava uma quantia na Europa e poderia usá-
la quando estivesse em Jerusalém.

Ainda que ricos e acumulando a inédita função de banqueiros internacionais, o


que mais interessava aos Templários era lutar. A mistura da habilidade com a
espada e como cavaleiros com a valentia, o fanatismo religioso e a arrogância,
que muitas vezes os conduziu a batalhas suicidas, tornaram os Cavaleiros
Templários verdadeiros guerreiros temidos por todos os inimigos. A estrut ura
hierárquica da Ordem tinha um grão-mestre como líder principal e vitalício, que
ficava em Jerusalém, e os territórios sob influência dos Templários eram
divididos em províncias, cada qual com seu comandante templário.

As vitórias em batalhas fizeram a reputação da Ordem crescer e aumentaram


as doações e o interesse de cavaleiros em participar da Ordem. Mas a
arrogância e a ganância dos Templários também cresciam, o que os fez
desviar de seu objetivo principal. Além disso, a postura belicista da Ordem
começou a ser um problema para os governantes cristãos na Terra Santa, que
cercados por uma mar de muçulmanos viam cada vez mais a negociação com
os adeptos do Islamismo como uma solução para sua sobrevivência por ali,
nem que fosse temporariamente. No entanto, os Templários não pensavam
assim e preferiam sempre partir para a luta de uma vez, o que foi um erro fatal
como veremos na próxima página.

Vida de monge-guerreiro

O cotidiano dos Templários era muito


similar ao dos monges. Baseada nas seis
centenas de regras escritas por Bernardo
de Clairvaux, a vida espartana deles incluía
dezenas de orações diárias, participar dos
serviços religiosos nas horas canônicas, um
calendário com datas de jejum e
abstinência de carne. Eles não podiam
apostar, beber e xingar, tinham de viver em
comunidade e dormir em quartos coletivos,
nunca no escuro e sempre de calças e
botas. Deviam fazer as refeições todos
juntos, não podiam fazer a barba, era
proibido caçar e não podiam ter qualquer
contato com mulheres - era proibido
inclusive beijar a mãe e a irmã. Um
cavaleiro que fugisse de uma batalha,
voltasse vivo após uma derrota ou
ameaçasse um cristão era afastado da
comunidade, perdia seu manto branco e
tinha que comer nos corredores durante um
ano. Já o que adotasse práticas
homossexuais era banido da Ordem e teria
que expiar os seus pecados numa outra
ordem religiosa.

O fim dos Cavaleiros Templários


Apesar de possuírem vários inimigos, enquanto os territórios cristão
permaneceram protegidos na Terra Santa, os Templários mantiveram seu
poder e influência. No entanto, uma atitude de arrogância começou a fazer o
prestígio da Ordem ruir. Desde 1170, quando subiu ao poder, o líder
muçulmano Saladino iniciou um processo de unificação no mundo muçulmano
que fez os territórios cristãos na Terra Santa ficarem totalmente cercados.
Saladino pretendia retomar todas as cidades na Palestina que foram
conquistadas pelos cristãos durante as Cruzadas. As tropas muçulmanas de
Saladino e os Templários já tinham se enfrentado em várias batalhas.

Em 1187, uma tropa de cerca de cinco mil soldados muçulmanos liderados por
Al-Afdal, filho de Saladino, pediu permissão para atravessar pacificamente a
Galiléia. Raimundo 3.°, príncipe da Galiléia, mantinha um acordo de paz com
Saladino e autorizou a passagem da tropa muçulmana. Mas o grão -mestre dos
Templários, Gérard de Ridefort tinha desavenças com Raimundo e ao saber da
autorização decidiu atacar os muçulmanos com cerca de uma centena de
cavaleiros. Os Templários foram massacrados - Ridefort fugiu - e Saladino
considerou o acordo rompido e atacou o Reino de Jerusalém. Em outubro de
1187 ele tomou a cidade e mais de duas centenas de Cavaleiros Templários
foram decapitados.

Os cristãos, no entanto, mantiveram outras cidades na região e com a ajuda


dos Templários e da Terceira Cruzada, organizada e liderada pelos reis Filipe
Augusto, da França, Frederico Barbaruiva, do Sacro Império Romano
Germânico, e Ricardo Coração de Leão, da Inglaterra, chegaram a recuperar
por alguns anos Jerusalém. As disputas acirraram-se ao longo do século 13 e
em 1291 restava apenas a cidade de Acre, sede do cada vez menor reino
cristão na Palestina. O último bastião cristão na Terra Santa foi uma for taleza
dos Cavaleiros Templários na ilha de Ruad que resistiu durante doze anos aos
ataques muçulmanos até que caiu em 1303.
A perda da Terra Santa foi o argumento que os inimigos dos Templários
necessitavam para atacar a Ordem que agora não tinha mais razão de existir
mas que continuava rica e poderosa - lembre-se que a finalidade dos
Templários era proteger os territórios cristãos na Terra Santa e os peregrinos.
O principal inimigo deles nesse caso era o rei Filipe, o Belo, da França, que
estava interessado no confisco dos bens da Ordem. Para piorar as coisas, o
então papa Clemente 5.° era um fantoche do rei da França. Em 1307, três anos
após um ex-cavaleiro templário ter acusado a Ordem de blasfêmia e
imoralidade, Filipe ordenou a prisão de todos os cerca de 15 mil Templários em
território francês. Ele os acusou de heresia, com a adoração de ídolos e rituais
secretos que negavam Cristo, e por imoralidade, como a prática de
homossexualismo, entre outros crimes que certamente levariam à condenação
por morte na fogueira nos tribunais da Inquisição.

A perseguição orquestrada pelo rei francês incluiu torturas para obter falsas
confissões e pressões para que o papa Clemente 5.° revogasse uma decisão
do Concílio de 1311 que considerou os Templários inocentes das acusações.
As propriedades dos Templários em toda a Europa foram confiscadas ou
transferidas para outra ordem militar-religiosa, a dos Hospitalários. A
perseguição política aos Cavaleiros Templá rios empreendida por Filipe, o Belo,
e o papa levaram ao fim da Ordem mas não acabaram com o imenso prestígio
que eles construíram na Europa e na Terra Santa e acabaram por alimentar
novas lendas e mistérios que envolvem os Templários até hoje.

Conspirações templárias

Se há alguma conspiração que envolve algo


sagrado, há uma grande chance de os
Templários estarem nela. Pelo menos é o
que a imaginação popular e de escritores
tem nos mostrado. Exemplos não faltam:
das lendas sobre a busca do Santo Graal a
romances como "O Pêndulo de Foucault",
de Umberto Eco, e "O Código da Vinci", de
Dan Brown. A fama que os Templários
alcançaram na Idade Média, os mistérios
que envolviam os planos e rituais da Ordem
e os locais onde ela se estabeleceu
alimentam lendas e mitos sobre os
Templários. Para muitos, eles teriam
descoberto coisas sagradas em escavações
que fizeram na sede da Ordem em
Jerusalém, supostamente localizada onde
teria sido o Templo do Rei Salomão e local
onde ficou guardada a Arca da Aliança.
Especula-se que eles teriam achado o
Santo Graal ou a cabeça embalsamada de
Jesus Cristo, o que provaria que ele não
teria ressuscitado. A maçonaria reivindicou,
séculos após a destruição da Ordem, ser
herdeira de seus ensinamentos esotéricos.
Outra teoria conspiratória sustenta que os
Templários faziam parte de uma trama para
preservar a linhagem sagrada de Jesus.

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