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1. A batalha de Lepanto: o fato histórico

Fonte: Ludovico Pastor, Historia de los Papas, Ed. G. Gili, Buenos Aires,
1948, Vol. XVIII, pp.358,359; J.B.Weiss, Historia Universal, Tipografía La
Educación, Barcelona, 1929, Vol. IX, p.537; Luís Coloma, S.J., Jeromín, Sopena,
Buenos Aires, 1946, pp.139/145; William Thomas Walsh, Felipe II, Espasa-
Calpe, Madrid, 1976, pp.568/576.

O Papa S. Pio V era favorável a lutar por cima de tudo, e este espírito
invencível do santo ancião do Vaticano foi talvez o fator decisivo. Quando seu
Núncio, o Bispo Odescalchi, chegou a Messina para abençoar a esquadra e
distribuir uma parte da Verdadeira Cruz entre as tripulações — de sorte que cada
navio teve uma partícula do Santo Lenho —, trouxe também a D. João d'Áustria
a solene certeza de que, se travasse combate, Deus lhe daria a vitória. Se fossem
derrotados, o Papa prometia “ir ele mesmo à guerra, com seus cabelos brancos,
para envergonhar os jovens indolentes”, mas com coragem tudo daria bom
resultado. Não tinham aparecido já várias revelações, inclusive duas profecias de
Santo Isidoro de Sevilha, descrevendo uma batalha ganha por um jovem muito
semelhante a D. João?
Encorajado pelo Santo Padre, D. João adotou um modus operandi
raramente empregado nas escolas navais: castigavam-se as blasfêmias com a
morte e, enquanto se esperava um vento propício, o generalíssimo jejuou durante
três dias, fazendo o mesmo todos os seus oficiais e soldados. Os relatos
contemporâneos são concordes ao afirmar que todos os 80.000 marinheiros e
soldados, sem exceção, confessaram-se e receberam a Sagrada Comunhão.
A partida foi um espetáculo inesquecível: O Núncio do Papa, figura
ardorosa, trajado de vermelho da cabeça aos pés e erguido no cais com a mão
levantada para abençoar cada navio à medida que passavam os cruzados, de
joelhos nos tombadilhos. Os cavaleiros e homens de armas com reluzentes
armaduras; os marinheiros com uniformes e gorros vermelhos; as escuras velas
latejando até apanhar a primeira brisa; e na alta proa da galera almirante, D. João,
com sua armadura de ouro, como anjo vingador sob a bandeira azul dAquela que
esmagou a cabeça da serpente.
Assim foram os navios entrando no Mediterrâneo de dois em dois. As seis
grandes galeaças venezianas, verdadeiras fortalezas, cada uma eriçada de 40
canhões, abriam o caminho no esplendor de safira do amanhecer.
A armada otomana encontrava-se em Lepanto. Pujante, muito superior em
número à cristã e sem nenhuma intenção de fugir do combate, dispunha-se pelo
contrário a provocá-lo.
Dividia-se em três corpos: o centro, comandado pelo grande Almirante
Ali-Pachá, moço arrogante, de mais valor que prudência, com todo o arrojo de
sua juventude; a ala direita às ordens do rei de Negroponto: Mahomet Scirocco,
homem maduro e sisudo, valente e veterano ao mesmo tempo; e a ala esquerda
dirigida pelo vice-rei de Argel Aluch-Ali, antigo renegado calabrês, velho de
sessenta e oito anos, prudente, corajoso e astuto, experiente de quarenta anos de
pirataria por aqueles mares.
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Estavam já ambas frotas a um lado e outro do cabo Scrofa, como dois


inimigos que, atraídos pelo ódio, se espreitam, se aproximam sem sabê-lo,
tomam posição e se encontram de repente frente a frente, sem suspeitar, ao
virarem juntos a mesma esquina.
Ao amanhecer do dia 7 de outubro, quando surgiu o sol radiante sobre o
golfo de Lepanto, o vigia de Andrea Dória, na vanguarda, avistou um esquadrão
inimigo a doze milhas de distância. A bandeira de sinal apareceu no alto do
mastro da galera de Dória.
— “Aqui venceremos ou morreremos!” — bradou D. João exultante.
Em seguida mandou seu piloto desembarcar numa das altas ilhotas para
observar as forças inimigas. Abarcava-se dali todo o amplo golfo e nele viu o
piloto a frota turca, quase uma metade maior do que se supunha, empurrada por
uma brisa favorável que embaraçava ao mesmo tempo as manobras dos cristãos.
Angustiou-se ele vendo isto e, já de volta na galera Real, não ousou comunicar a
ninguém tão temível notícia, mas limitou-se a dizer ao ouvido do Generalíssimo:
— “Mostrai vossas garras, senhor, pois a jornada será rude!”
Nem pestanejou D. João ao ouvi-lo, e como lhe perguntassem naquele
momento alguns capitães se não convocaria o último conselho de guerra, ele
respondeu serenamente:
— “Já não é tempo de deliberar, mas sim de combater”.
E ordenou que se desfraldasse a bandeira verde, sinal combinado para
todos colocarem-se em ordem de batalha. O jovem Almirante, com sua armadura
dourada, foi num barco rápido, de galera em galera, levando um crucifixo de
ferro que mostrava aos que iam combater:
— “Eia, soldados valorosos — bradava —, tendes a hora que desejastes.
Humilhai a soberba do inimigo, alcançai a glória em peleja tão religiosa, vivendo
e morrendo sempre vencedores, pois ireis ao Céu!”
Dizia-lhes também que não há Céu para os covardes. A presença de sua
guerreira figura juvenil e o som de sua voz fresca produziram um efeito
surpreendente. Um grande brado o acolheu em cada navio e uma longa
aclamação atravessou o mar rutilante quando o estandarte da Liga do Papa com a
imagem de Cristo Crucificado, iluminado pelo sol, se ergueu na Real junto à
bandeira azul de Nossa Senhora de Guadalupe. No mastro dianteiro de sua
capitânia colocou D. João um crucifixo.
Quando os turcos avançaram, formando um imenso crescente, ele se
ajoelhou à proa e em alta voz pediu a Deus sua bênção para as armas cristãs,
enquanto sacerdotes e frades, em toda a esquadra, mostravam os crucifixos aos
marinheiros e soldados de joelhos. O sol estava em seu ponto mais alto. A água
cristalina, quase sem ondas, era um espelho trêmulo onde se refletiam as cores
vivas de milhares de estandartes, pendões, bandeiras e gonfalões, e os fulgores de
ouro e prata das armaduras como um maravilhoso caleidoscópio, entre o mar azul
e o céu deslumbrante. Um silêncio solene, como o que se sente antes da
Consagração, durante a Missa, estendeu-se por toda a armada.
Vinha entretanto a frota turca a toda vela, impulsionada por vento
favorável, espantosa, imponente, e via-se já a uma milha da linha de batalha dos
cristãos. D. João não quis esperar mais: persignou-se humildemente e mandou
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dar o tiro de canhão de desafio. Um instante depois respondeu a galera de Ali-


Pachá com outra detonação, aceitando o combate, e desfraldaram na popa a
bandeira do profeta guardado em Meca, imensa e branca, tendo bordados no
centro, com letras de ouro, versículos do Alcorão.
Neste mesmo instante houve um fenômeno, simplíssimo em qualquer
outra ocasião, mas que por fartas razões foi considerado milagre: caiu de repente
o vento até permanecer tudo em calma, e começou logo a soprar favoravelmente
para os cristãos e contrário aos turcos. Parecia como se houvesse ressoado ali
aquela voz que disse ao mar: “Cala-te”, e ao vento: “Sossega-te”.
As galeras cristãs foram empurradas contra o inimigo. Quando os remos
turcos começaram a bater as águas, as seis galeaças venezianas abriram fogo com
seus 200 canhões e romperam a linha maometana.
Houve então um movimento espontâneo de retrocesso na armada turca,
que a energia de Ali-Pachá refreou imediatamente: Lançando-se ao timão, fez
passar a galera Sultana entre as galeaças com a rapidez de uma flecha, e seguiu-o
toda a sua frota, desfeita já a linha de formação, mas disposta a unir-se
novamente. Começou então o choque entre ambas armadas.
Atacou Mahomet Scirocco a ala esquerda cristã com imensa raiva e
empuxe. Cinco de seus navios rodearam a galera de Agostinho Barbarigo,
capitão dos venezianos, e os arqueiros mouros lançaram sobre ela uma nuvem de
flechas envenenadas. As galeras se abordaram e começou a luta corpo a corpo,
entrando os turcos até o primeiro mastro da veneziana. Defendiam-se os cristãos
como feras, encurralados na popa; o grande Barbarigo lutou como um leão; tinha
a viseira erguida e defendia-se com o escudo das flechas que cruzavam os ares,
mas descobriu-se um momento para dar uma ordem e entrou-lhe uma pelo olho
direito, cravando-se no crânio. Morreu no dia seguinte.
Houve então o gravíssimo risco de que os turcos, apoderados da capitânia
de Veneza, destroçassem toda a ala esquerda e atacassem depois o centro pelo
flanco esquerdo, ganhando assim facilmente a vitória. Mas Marino Contarini,
sobrinho de Barbarigo, afastou o perigo: Abordou a galera de seu tio com toda a
sua gente e travou-se sobre a capitânia a peleja mais furiosa que talvez esta
jornada registre.
Tudo ali era furor, ira, carnificina e espanto até que, expulso Mahomet
Scirocco da galera veneziana e cercado por sua vez na própria, sucumbiu por fim
às suas feridas agarrado a uma borda; ali o degolaram e jogaram-no ao mar.
Espalhou-se então o terror entre os turcos da ala direita e, voltando as proas em
direção à terra as poucas galeras livres, ali encalharam salvando-se a nado.
A ala direita dos cristãos teve de sustentar o ataque mais forte dos turcos.
Andrea Dória era temido pelos muçulmanos e ocupava o lugar de mais perigo,
mas se havia um rival digno dele, entre os piratas do Mediterrâneo, era Aluch-
Ali, o apóstata calabrês. Quando a ala esquerda turca tentou ganhar o alto mar,
num movimento envolvente, Dória estendeu sua linha e deixou um espaço aberto
entre sua frota e o centro cristão. Aluch-Ali lançou então suas galeras pela
perigosa brecha.
A matança foi espantosa: na capitânia de Malta só ficaram três homens
com vida: o Prior Fra Petro Giustiniani, com cinco flechas cravadas; um
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cavaleiro espanhol com ambas as pernas quebradas e outro italiano com um


braço decepado por uma machadada. Na capitânia da Sicília sobraram cinqüenta
homens, de quinhentos.
La Fierenza e La San Giovanni, do Papa, e La Piamontesa, de Sabóia,
sucumbiram sem render-se; dez galeras já tinham ido ao fundo, uma ardia e doze
outras flutuavam sem direção nem rumo. Andrea Dória, vermelho de sangue da
cabeça aos pés e esmagado pelo número dos inimigos, lutou de modo magnífico.
Quanto às galeras do centro cristão, estavam elas empenhadas em
contenda mortal contra o centro turco. Com efeito, assim que Ali-Pachá viu as
santas bandeiras tremulando na galera de D. João, lançou-se direto contra ela. Os
dois enormes cascos chocaram-se, proa com proa, ouviu-se um enorme estralo e
horríveis gritos, e viu-se, entre o denso fumo da pólvora, saltarem estilhaços,
remos quebrados, ferros, armas, membros humanos, corpos destroçados que se
elevavam no ar e caiam nas águas, tingindo-as de sangue.
A galera de Ali-Pachá era mais alta e pesada, e a tripulavam 500 janízaros
escolhidos; D. João levava a bordo 300 veteranos espanhóis. Enquanto o fogo da
artilharia turca passava entre as cordas da Real, o Generalíssimo, atirando mais
baixo, semeava a morte entre as fileiras dos janízaros. Lutou-se em ambos navios
corpo a corpo, de tombadilho a tombadilho, durante duas horas.
Ordenou então D. João lançar os ganchos pela proa e, amarradas já as duas
galeras, converteram-se em um só campo de batalha. Atiraram-se à abordagem os
cristãos como leões, destroçando tudo quanto se lhes opunha, e por duas vezes
chegaram até o mastro maior da Sultana. Outras tantas tiveram de retroceder
disputando-se palmo a palmo aquelas frágeis tábuas.
Reforçaram a Sultana sete galeras turcas de reserva e lançou-se Ali, por
sua vez, à abordagem. Sendo a Sultana de mais alto bordo que a Real, caíram os
turcos como catarata que jorra do alto: o impacto foi tão tremendo que os Mestres
de Campo Figueroa e Moncada retrocederam com sua gente até o primeiro
mastro.
D. João d'Áustria atirou-se então, de espada na mão, para obrigar o
inimigo a recuar, mas à medida que morriam os janízaros eram substituídos por
outros dos navios de reserva. A horda turca, com horríveis gritos, penetrou duas
vezes na Real e outras tantas foi rechaçada.
Este foi o momento crítico da batalha. Já não havia formação, nem direita,
nem esquerda, nem central; só se via fogo, fumo e massas compactas de galeras
travadas entre si, lançando chamas e morte. Matar, ferir e queimar era o que se
fazia, e caíam na água corpos mortos e vivos, mastros, cabeças arrancadas,
turbantes, espadas, cimitarras e canhões. O estrondo dos mosquetes, os gritos de
cólera e de dor, o entrechoque dos ferros, o troar da artilharia, a queda dos
mastros quebrados e o golpe das águas sangrentas sobre os cascos ressoaram
durante a tarde inteira.
Houve proezas magníficas: O velho Sebastião Veniero, com seus setenta
anos, combateu de espada na mão à testa de seus homens. O jovem príncipe de
Parma, Alexandre Farnésio, entrou sozinho numa galera turca e pôde contá-lo
depois.
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Em certo momento desprendeu-se com esforço sobre-humano uma galera


daquele caos de morte, e lançou sua proa com a violência de formidável catapulta
contra a popa da Sultana, cravando nela o esporão: era Marco Antônio Colonna
que vinha em auxílio de D. João d'Áustria.
Encorajados pelo reforço, atiraram-se os espanhóis com tanta fúria contra
Ali e seus janízaros que os obrigaram a recuar até sua própria galera. Três vezes
saltaram os cristãos à abordagem, sobre o tombadilho vermelho e escorregadio de
sangue, cheio de montes de cadáveres, de troncos horrivelmente talhados, de
pernas e braços que ainda estremeciam.
O momento era crítico e o desenlace ainda duvidoso, quando Ali-Pachá,
defendendo sua galera do último empuxe cristão, caiu derrubado por uma bala
espanhola. Seu corpo foi arrastado até os pés de D. João, e um soldado espanhol,
triunfante, cortou-lhe a cabeça. O príncipe cravou-a na ponta de uma comprida
lança e a ergueu para que todos a vissem.
Brados de vitória ecoaram na Real, enquanto os cristãos jogavam ao mar
os aterrados turcos e hasteavam o estandarte de Cristo Crucificado no mastro
maior da Sultana. Não havia um só furo na santa bandeira, sendo que tudo em
seu redor estava crivado de golpes e o mastro que a sustentava via-se eriçado de
flechas como um ouriço. De galera em galera correu um clamor de triunfo, com a
notícia de que Ali-Pachá morrera e os cristãos venciam. O pânico se apoderou
dos inimigos, que só pensaram em fugir.
D. João, ferido e sem descansar das fadigas da própria luta, atirou-se então
com suas galeras em auxílio de Andrea Dória, seguido pelo Marquês de Santa
Cruz. Compreendeu Aluch Ali, o astuto renegado, que lhe arrancavam a presa
das garras e fugiu desesperadamente com quarenta galeras para o alto mar que o
sol poente iluminava de vermelho. A esquadra de Dória o perseguiu até que a
noite e a tempestade próxima a obrigaram a voltar.
Naquele mesmo dia 7 de outubro, durante o fragor dessa imensa batalha,
São Pio V, que não imaginava dar-se tão logo o enfrentamento, trabalhava com
seus cardeais. Subitamente se levanta, abre uma janela e olha para o céu. O que
viu então? Imediatamente exclama:
— “Cessem os assuntos! Não pensemos mais que em dar graças a Deus
pela vitória que Ele acaba de conceder à armada cristã”.
Os espantados cardeais seguem o Papa que se dirige à basílica de S. Pedro.
O povo é logo informado; o prodígio é atribuído à Santíssima Virgem, protetora
da esquadra, e canta-se com júbilo a ladainha, que São Pio V enriquece nesse dia
com uma nova invocação, conservada desde então pela Cristandade agradecida:
Auxilium Christianorum!
O augusto Pontífice institui para o dia 7 de outubro a solenidade do Santo
Rosário, celebrada fielmente pela Igreja. Assim festejava-se em Roma, com
públicos regozijos, uma batalha travada a trezentas léguas de distância; e esta
alegria não era vã: os cristãos eram com efeito vencedores.
Após doze horas de combate, os muçulmanos perderam trinta mil homens.
Duzentos navios foram capturados ou afundados pelos católicos, e oitenta outros,
encalhados, entregues às chamas. Os vencedores conquistaram ainda trezentos e
setenta canhões, e vinte e cinco mil escravos cristãos foram libertados.
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Maria Santíssima aparecera contra os turcos como nuvem ameaçadora,


carregada de trovões, e no mesmo instante passara como suave brisa diante dos
balcões de São Pio V, para anunciar-lhe a vitória.
O islã recebera em Lepanto um golpe do qual não mais se reergueria.

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