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A Pátria Brasileira
Rio de Janeiro
Francisco Alves
1940
27ª edição
Para oeste!
O índio Potí nascera no ceará, nessa bela terra infeliz, que as secas
periódicas abrasam, e que tem dado à Pátria Brasileira tantos exemplos de
bondade, de bravura, de modéstia na felicidade e de resignação no martírio.
Nascido naquelas florestas virgens, Potí, agregado depois aos habitantes
brancos, pouco a pouco se civilizara. Defendendo a terra brasileira do
ataque holandês, não defendia a possessão portuguesa ou espanhola:
defendia a terra do seu amor e do seu berço, e defendia aqueles que lhe
haviam dado, com a civilização, o sentimento de pátria, a consciência do
seu valor moral de homem.
Para o estado de homem civilizado trouxera as fortes e boas
qualidades de sua raça: a competição robusta e resistente à fadiga; a alma
inacessível ao medo; o amor da hospitalidade; a audácia; a desconfiança; a
astúcia; a impavidez diante do suplício e da morte; a independência de
caráter; o faro desenvolvido, que lhe permitia pressentir a grandes
distâncias a aproximação do inimigo; os olhos perspícuos, dotados de um
poder visual extraordinário; o ouvido apuradíssimo, capas de apreender e
distinguir de longe os mais fracos rumores; e, sobretudo, esse admirável
instinto, com o auxílio do qual os selvagens, perdidos, depois de mil
caminhadas e rodeios complicados, conseguem maravilhosamente orientar-
se, dentro da floresta mais cerrada.
Possuidor de tão preciosas qualidade, apuradas e acrescentadas
pelas qualidades novas que lhe dera a civilização, conhecedor das armas
européias, educado pelos soldados portugueses na arte da guerra, — o índio
Potí, que depois do batismo se ficou chamando Antônio Felipe Camarão,
foi talvez o mais encarniçado inimigo que os holandeses tiveram, durante a
segunda longa e sanguinária guerra.
Os marinheiros da Holanda tinham já, por mais duas vezes, atacado
o litoral da Bahia, saqueando portos e aprisionando navios, quando uma
esquadra sua, de mais de setenta navios, rompeu fogo contra Olinda, na
capitania de Pernambuco. Ao mesmo tempo, a quatro léguas da povoação,
desembarcavam três mil holandeses, comandados por Weerdenburch, e
marchavam sobre ela. A perda de Olinda e Recife não se fizeram esperar: a
capitania estava desapercebida de recursos bélicos. Mas os Pernambucanos
não desanimaram. Enquanto Matias de Albuquerque se fortificava, entre
Olinda e Recife, no arraial do Bom Jesus, — Camarão organizava as suas
famosas companhias de emboscada, que impediam as comunicações entre
as cidades tomadas pelos holandeses.
Joelho em terra, mosquete em punho, ouvido alerta ao menos
barulho, escondida pela vegetação dos matos, a gente de Potí, contendo a
respiração, esperava, horas inteira, o inimigo. Ninguém imaginava que
dentro daquelas moitas imóveis e calmas estavam punhados de homens
decididos a morrer ou a vencer, — tão silenciosos tão quietos, tão serenos
como as mesmas árvores que os cercavam. Passavam as horas... De repente,
o inimigo chegava. Já ao longe, o ouvido agudo do índio lhe adivinhava a
chegada e lhe contava os passos descuidados. Desprevenidos os holandeses
avançavam. De repente, estacavam, envolvidos numa nuvem de fogo. De
cada grupo de árvores partia um tiro ou uma flecha. Parecia que era o
próprio mato quem despejava sobre eles a morte e o medo.
Mais de uma vez, assim, Potí, o bravo Antônio Felipe Camarão,
fez recuar a gente holandesa, que, superior em força e em número, não
podia resistir a essa guerra implacável e misteriosa, cujos ataques partiam
do desconhecido, da sombra, do invisível.
Calabar
Foi à margem esquerda do rio desse nome que caiu mortalmente ferid
para em pouco expirar, o tirano Francisco Solano Lopes, ditador do Paraguai.
A sua morte pôs termo à sanguinosa guerra, que, se muitas lágrim
inconsoláveis arrancou à família brasileira e se deflorou de louros imarcessíveis
pavilhão da pátrias tão denodadamente defendido pelos nosso irmãos, deixou um
riquíssima terra devastada, e na miséria um povo de valente que a perversidade
um déspota sacrificara.
Convencido da impossível resistência, vendo enfraquecido o seu exérc
pelas constantes derrotas, Solano Lopes viu na evasão o meio único de salvar
vida; e, cercando-se de alguns fiéis soldados, pôs-se a caminho, seguindo pel
mais complicados desvios para assim iludir a vigilância do exército brasileir
Tal, porém, não sucedia, porque os heróis da expedição comandada pe
brigadeiro José Antônio Correa da Câmara não perdiam o rastro dos fugitivo
Lopez, que ia despercebido de quanto se passava perto, ignorando a presença d
nossos nas cercanias do seu refúgio extremo, acampou no campo
Aquidabaniguí. A demora dos emissários que despachara para observarem
imediações, os quais haviam sido aprisionados pelos nossos, fez que o impacien
ditador descesse ao passo do Aquidabã, de onde pouco depois tornou ao s
acampamento. Já operavam as forças aliadas; e num dado momento, surgindo d
matos e de todos os caminhos que iam ter ao acampamento do tirano, caíra
sobre as suas forças, destroçando-as sem grande trabalho. Lopes, vendo-
perdido, abandonou o acampamento, seguindo em direção ao mato que margeia
Aquidabaniguí. Avistado pelo coronel Silva Tavares, não pode fugir com tan
pressa que evitasse os perseguidores. Cercado por uma pequena força, longe
acovardar-se, desembainhou a espada, e dispôs-se a combater, — correndo, entã
para o seu lado, afim de protegê-lo, vários oficiais e soldados do seu exército. F
nesse momento que os nossos fizeram fogo, e viram o tirano dar as rédeas
cavalo, que montava, desaparecendo no mato próximo, Cegando ao sítio
combate o brigadeiro Câmara, e sabendo da direção que tomara Lopes, segu
para aprisioná-lo ou matá-lo, caso resistisse. Saíram ao seu encontro do
clavineiros que declararam ter atirado sobre o tirano, deixando-o mortalmen
ferido. Dirigindo-se ao lugar indicado, o brigadeiro Câmara encontrou o ditad
caído na barranca do arroio, com o corpo apoiado sobre a mão esquerda, a espa
na direita e os pé n’água. Intimado a render-se atirou um golpe estouvad
dizendo que não se entregaria, preferindo morrer pela pátria. Desarmado, expir
momentos depois, abreviando-lhe a morte um tirou disparado da margem oposta
Com a morte de Solano Lopes, 1º de Março de 1870, terminou es
guerra entre povos que não se odiavam, e que apenas tinham sido vitimados pe
ambição desmedida de um déspota alucinado.
São inumeráveis as ações de valor praticadas na terrível campanha,
maior e mais renhida que se tem disputado nos campos da América.
A vida nas fazendas
Os autores
{*} Especiarias, drogas aromáticas, com que se adubam iguarias.
{*} carta de Paulo, físico, a Fernandes Martins, cônego de Lisboa. Florença,
1747.
{*} O Evangelho nas Selvas.
{*} Warden diz 5.000 homens.
{*} “Guararapes, na língua do gentio, é o mesmo que estrondo ou estrépito,
que causam os instrumentos de golpe, como sino, tambor, atabale e outros;
e o rumor que fazem as águas, pelas roturas e concavidades dos montes,
lhes deu o nome de Guararapes” Castrioto lusitano por Fr. Rafael de Jesus,
1679.
{*} Hoje, cidade de Ouro Preto.
{*} Hoje, cidade de Mariana.
{*} Oliveira Martins. História de Portugal.
{*} Oliveira Martins. História de Portugal.