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Emerson Silva2
Os anos de 1961 a 1965 foram decisivos para os passos futuros do catolicismo romano.
A palavra italiana “aggiornamento” (atualização) movia a consciência de leigos,
teólogos e clérigos que insistiam na abertura das “janelas” do Vaticano para os “ventos
da modernidade”. O XXI Concílio Ecumênico da Igreja: O Concílio Vaticano II, se
estabelecia criando várias comissões designadas a discutir a importância do cristianismo
em um mundo que vinha se constituindo cada vez mais avesso a qualquer tipo de
crença3. Sob Pontificado de João XXIII os cristãos católicos são conclamados a um
concílio que visava:
“[...] rearmar toda a nossa confiança em nosso Salvador, que não se afastou do mundo,
por ele remido. Antes, mesmo, apropriando-nos da recomendação de Jesus, de saber
distinguir "os sinais do tempo" (Mt 16,3), pareceu-nos vislumbrar, no meio de tanta
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Artigo publicado no site: https://emersonsilvaopiniao.webnode.page.
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Doutor em Ciências da Religião pela Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP). Mestre em
Ciências da Religião pela Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP). Graduado em Teologia pela
Faculdade de Teologia Integrada (FATIN) e pelo Instituto Aliança de Linguística, Teologia e
Humanidades (IALTH). Graduado em Serviço Social pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).
Professor convidado do departamento de teologia do Seminário Teológico Congregacional Robert Kalley
e pesquisador nas áreas de Teologia, Filosofia e Ciências da Religião. Pastor da Igreja Evangélica
Congregacional em Gravatá-PE. Email: contatos.emersonsilva@gmail.com.
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“A Igreja assiste, hoje, à grave crise da sociedade. Enquanto para a humanidade surge uma era nova,
obrigações de uma gravidade e amplitude imensas pesam sobre a Igreja, como nas épocas mais trágicas
da sua história. Trata-se, na verdade, de pôr em contacto com as energias vivificadoras e perenes do
evangelho o mundo moderno: mundo que se exalta por suas conquistas no campo da técnica e da ciência,
mas que carrega também as conseqüências de uma ordem temporal que alguns quiseram reorganizar
prescindindo de Deus. Por isso, a sociedade moderna se caracteriza por um grande progresso material a
que não corresponde igual progresso no campo moral. Daí, enfraquecer-se o anseio pelos valores do
espírito e crescer o impulso para a procura quase exclusiva dos gozos terrenos, que o avanço da técnica
põe, com tanta facilidade, ao alcance de todos; e mais ainda - um fato inteiramente novo e desconcertante
- a existência do ateísmo militante, operando em plano mundial” (JOÃO XXIII, 2007, p.1-2).
treva, não poucos indícios que dão sólida esperança de tempos melhores para a Igreja e
a humanidade. Pois mesmo as guerras sangrentas que se seguiram em nossos tempos, as
ruínas espirituais causadas por tantas ideologias e os frutos de experiências tão amargas,
não se processaram sem deixar úteis ensinamentos” (JOÃO XXIII, 2007, p.2).
Entre 1962-1965, o Cardeal da Colônia Joseph Frings, recebe como conselheiro e perito
do concílio o recém ordenado ao presbitério eclesiástico Joseph Aloisius Ratzinger que
começa a ganhar destaque dentro da instituição em um caminho de sucessos que
culminaria na sua eleição papal em 2005. Nascido em Marktl am Inn (Baviera) em 16
de Abril de 1927, estudou em Munique e em Freising. No ano de 1957, com um estudo
sobre Boaventura, obteve a livre-docência na Universidade de Munique passando a
lecionar a disciplina de Teologia Fundamental. Em 1977 foi nomeado Arcebispo de
Munique e Freising, recebendo no mesmo ano também o título de Cardeal. Em 1981 lhe
foi conferido pelo então Papa João Paulo II, o cargo de Prefeito da Congregação para
Doutrina da Fé. Após a morte do então Pontífice, mais precisamente em 19 de Abril de
2005, o Cardeal Joseph Ratzinger foi eleito Papa, assumindo o nome de Bento XVI. Em
fevereiro de 2013 ele renuncia tornado-se Pontífice emérito.
Sua produção intelectual se destaca hoje no mundo inteiro, inclusive para além dos
ciclos eclesiásticos católicos e da tradição cristã. Sobre o diálogo que vem sendo feito
nas últimas décadas com o pensamento protestante, Ratzinger esboçou algumas
compreensões analisadas pelo professor James Corkery SJ4. A palestra intitulada:
“Lutero e a Teologia de Joseph Ratzinger/Bento XVI” 5 aponta as significativas linhas
de semelhanças traçadas quanto à reflexão teológica destes dois pensadores.6
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James Corkery é professor de teologia da Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma. Ordenado Padre
Jesuíta no ano de 1984, é autor de importantes obras dentro da teologia católica contemporânea, dentre
tais: O Papado Desde 1500: Do Príncipe Italiano ao Pastor Universal (2010) e Idéias Teológicas de
Joseph Ratzinger: Cuidados Sábios e Esperanças Legítimas (2009).
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A síntese da palestra, que tem por base uma entrevista do Papa emérito intitulada: Lutero e a unidade
das igrejas (1983) pode ser conferida em: https://www.ihu.unisinos.br/78-noticias/567885-lutero-e-a-
teologia-de-joseph-ratzinger-bento-xvi. Acesso em 09 de Ago. de 2023.
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Um grande destaque quanto a estas aproximações pode ser apontadas no documento: Declaração
Conjunta sobre a Doutrina da Justificação (1999) em que está registrado que católicos e luteranos
professam a mesma doutrina referente à justificação pela fé, embora com diferentes desdobramentos. O
documento está disponível em: https://www.vatican.va/content/john-paul-ii/pt/angelus/1999/documents/
hf_jp-ii_ang_31101999.html. Acesso em: 09 de ago. de 2023.
religioso, e como este pode abrir perspectivas futuras no que diz respeito às questões
envolvendo a dignidade humana e a integração social. A conversa foi copilada para o
livro: A dialética da secularização: sobre razão e religião (2007). Sua capacidade de
pensar os questionamentos relacionados à doutrina cristã de forma acadêmica e ao
mesmo tempo permanecendo fiel aos principais dogmas constituintes do cristianismo,
trouxe-lhe durante todo o tempo da sua vida um lugar de destaque nos debates
contemporâneos sobre fé e ciência.
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“Exatamente esse tinha sido o propósito do Vaticano II: conferir ao cristianismo novamente a força de
fazer história. Durante o século XIX formare-se a convicção de que a religião pertence ao âmbito
subjetivo e particular ao qual deveria restringir-se. Fazendo parte da esfera subjetiva, ela não podia ser
uma força determinante no grande processo da história e nas decisões que deveriam ser tomadas. Mas
uma das consequências do Concílio deveria ser justamente essa: realçar de novo o fato de que a fé do
cristão abrange a vida inteira, de que o seu lugar é no meio da história e do tempo, ultrapassando a sua
importância o âmbito meramente subjetivo” (RATZINGER, 2012, p.12).
transformação do mundo proposta por Karl Marx, e assimiladas pelas teologias da
libertação do século XX, acabara por neutralizar a força escatológica da pregação cristã,
substituída pelo emergente pragmatismo político que a igreja começara a exercer.
Logo:
“Quem faz de Marx o filósofo da teologia aceita a primazia dos elementos político e
econômico que passam a ser as verdadeiras forças de salvação (e, quando mal
empregadas as forças da desgraça): nessa perspectiva, a salvação humana é realizada
pela política e pela economia que determinam a face do futuro. A supremacia da práxis
e da política significa sobretudo, que Deus não é visto como “prático”. A “realidade” a
ser considerada era somente a realidade material dos dados históricos que precisava ser
compreendida e refundida com os recursos adequados, entre os quais era indispensável
também a violência. Nessa perspectiva, falar de Deus não fazia parte nem da prática
nem da realidade. Era um discurso que devia ser adiado, pelo menos até que o mais
importante estivesse realizado” (RATZINGER, 2012, p.13-14).
É um sentido que é anterior ao calcular e ao agir do ser humano e sem o qual ele nem
teria condições de calcular ou de agir, porque ele só pode fazê-lo no lugar onde há um
sentido que o sustente. Pois, com efeito, o ser humano não vive apenas do pão da
factibilidade; como ser humano e na sua essência humana autêntica ele vive do amor, do
sentido. O sentido é o pão de que o ser humano vive na essência do seu ser
(RATZINGER, 2012, p.55).
O cristão não deve criar um mundo modelar para viver a parte dos mundos
mencionados, mas deve agir com responsabilidade na devida compreensão da natureza
de todos eles e intervir de maneira adequada em cada um: “Entretanto, o ‘mundo de
hoje’ exige a vigilância e o sentido crítico do crente” (RATZINGER, 2013, p.173). E
mais: “A resposta do cristão para os problemas de hoje não pode ser crer a metade e
deixar-se arrastar pela outra metade para um mundo do qual não pode sair. Antes a sua
resposta deve ser crer inteiramente, enfrentando com fé total o todo do mundo de hoje
[...]” (RATZINGER, 2013, p.174).
É possível falar em justiça ou em direito em geral, quando uma maioria, por mais
absoluta que seja, aflige, por exemplo, uma minoria religiosa ou uma raça por meio de
leis opressoras? Vê-se, portanto, que o princípio da maioria continua deixando sem
solução a questão dos fundamentos éticos do direito: será que não existe aquilo que
nunca poderá vir a ser direito, isto é, que será sempre injusto? E não existira,
inversamente, também aquilo que, por sua essência, há de ser sempre direito, sendo
anterior a qualquer decisão de maioria e devendo ser respeitado por ela? (RATZINGER,
2007b, p. 67-68).
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“Así pues, es indiscutible que la democracia sea un producto de la interacción mutua de la doble herencia
griega y cristiana; y, por lo tanto, sólo puede sobrevivir al reconectarse completamente con esas raíces
fundamentales”.
Refletindo sobre a relação entre religião e espaço público, trás concordâncias com o
pensador frankfurtiano, sobretudo no que se conceituou como sociedade pós-secular. A
razão precisa entender suas limitações no que diz respeito à fundamentação das
cosmovisões dos indivíduos e a religião, por sua vez, a se despir de todo
fundamentalismo e pretensões de verdade excessivamente excludentes. Para ele, esta
correlacionalidade favorece um tipo de correção mútua entre os saberes seculares e
religiosos, além de fortalecer: “os valores e normas que, de alguma forma, são
conhecidos ou vislumbrados por todos os homens, para que possa ganhar nova força e
eficácia na humanidade àquilo que mantém o mundo unido” (RATZINGER, 2007b,
p.90).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS