Você está na página 1de 11

RELATIVIZAÇÃO DE LANDMARKS:

Quais lições a Igreja Católica nos ensina?

Valério Macena de Sousa lima. MM


CIM 332905 – GOB/GOBMINAS

As últimas cinco décadas foram marcadas por várias transformações sociais, econômicas, e
intelectuais. O mundo ficou globalizado. O fluxo de informações ganhou um dinamismo tão
grande como nunca contemplamos antes. Os fatos nem bem acabam de ser realizados e já estão
sendo noticiados pelos mais diferentes meios de comunicação. E, para potencializar este fluxo de
dados, surgem as redes sociais que pulverizam informações para todos os cantos1.
Na parte intelectual todas essas transformações serviram de instrumentos de
potencialização, de revisão e questionamentos de conceitos e valores, até então, de certa forma,
considerados imutáveis. A todo esse quadro, pode ser acrescentado, a própria vocação humana de
buscar algo novo e de questionar.
Esse quadro de em que valores, conceitos, e paradigmas são reavaliados e/ou relativizados,
ocorre em meio uma “febre modernista”; como se o certo fosse a tentativa ou até mesmo a quebra
dessas tradições. Dentro desse contexto, instituições seculares têm sido alvo dessa movimento que
busca a relativização e a validação de conceitos, valores, dogmas, e tradições já interiorizados por
tais instituições.

1. As vicissitudes da Igreja Católica na última metade de século


Instituição milenar, a Igreja Católica não se manteve fora da mira dessa “febre modernista 2”
ou “globalismo” como alguns preferem denominar.
Desde a realização do Concílio Vaticano II, a Igreja vem passando por uma série de
transformações. Muitas delas adotadas sob o manto da tolerância e baseadas em reinterpretações
de dogmas ou tradições3. Sobretudo, na última década, sob o papado de Francisco, o que tem
provocado um exaustivo debate sobre as medidas tomadas pelo Santo Padre.
A gravidade do assunto tem feito com que alguns analistas da Igreja de Roma, cogitem a
existência de sinais da possibilidade de um novo Cisma na Igreja Católica. No texto de Henrique
Sebastião, sob o título de “Divisão da Igreja: Um novo Cisma se aproxima?” 4 é citado que: “vai
ficando cada vez mais difícil negar que temos hoje "duas igrejas" dentro da Igreja, em dois grupos
que claramente adotam religiões muito diferentes, não só em práxis religiosas diferentes (nos
1. Não vamos aqui entrar no mérito da qualidade da informação divulgada por tais meios.
2. Ao que classificamos de “Febre Modernista” vai, de certa forma, ao encontro do que Michel Maffesoli chama de pós-
modernidade.
3. Lembrar que as instituições seculares vivem de tradições que são, na prática, leis não escritas, os ditos usos e costumes, desde
que estes não contrariem as normativas.
4 Publicado em 2019, no site “O Fiel Católico” (https://www.ofielcatolico.com.br),
valores morais, no modo de rezar, na liturgia, na maneira de entender e celebrar a própria Missa)
mas até mesmo no modo de crer naquilo que a Igreja ensina desde o seu cerne, a sua essência. Um
dos primeiros a falar sobre isso, já na década de 1970, foi o grande Gustavo Corção” 5.
Interessante observar que tais colocações foram realizadas anos antes das ultimas medidas e
pronunciamentos realizadas pelo Papa, o que demonstra que esse processo já vem sendo realizado
ha algum tempo.
Desde a publicação do artigo de Henrique Sebastião, diversas medidas tomadas pelo Papa
tem desagradado parcela significativa do clero regular. Tais medidas, aliadas a facilidade com que
as informações transitam por redes sociais e canais particulares de notícias, resultam numa
variedade de críticas ao Sumo Pontífice e ao rumo que este tem dado a Igreja6.
Dentre as medidas tomas pelo Papa Francisco ou com sua aquiescência, destacam-se:
aproximação com agendas de cunho “modernista” ou “globalista’; relativização de dogmas da
Igreja; promoção de bispos que coadunam com ideias políticas e de tolerância a pautas
esquerdistas; permissão para que bispos concedam a benção a casais do mesmo sexo; promulgação
do Motu Proprio Traditionis custodes7.
Em oposição a essa corrente mais tendente a uma agenda globalista e liberal, existe uma
camada mais tradicionalista (ortodoxa) da Igreja, da qual um dos expoentes, era o Cardeal Joseph
Aloisius Ratzinger8. Em certa ocasião, ao realizar a homilia, durante a Santa Missa «Pro Eligendo
Romano Pontífice», no dia 18 de abril de 2005, assim se pronunciou sobre os temas que julgava
prejudiciais a fé católica:
“Quantos ventos de doutrina conhecemos nestes últimos decênios, quantas correntes
ideológicas, quantas modas do pensamento... A pequena barca do pensamento de muitos cristãos
foi muitas vezes agitada por estas ondas lançada de um extremo ao outro: do marxismo ao
liberalismo, até à libertinagem, ao colectivismo radical; do ateísmo a um vago misticismo
religioso; do agnosticismo ao sincretismo e por aí adiante. Cada dia surgem novas seitas e
realiza-se quanto diz São Paulo acerca do engano dos homens, da astúcia que tende a levar ao
erro (cf. Ef 4, 14). Ter uma fé clara, segundo o Credo da Igreja, muitas vezes é classificado
como fundamentalismo. Enquanto o relativismo, isto é, deixar-se levar "aqui e além por
qualquer vento de doutrina", aparece como a única atitude à altura dos tempos modernos. Vai-se
constituindo uma ditadura do relativismo que nada reconhece como definitivo e que deixa como
última medida apenas o próprio eu e as suas vontades.9

Interessante observar que o discurso realizado por Ratzinger, há duas décadas, permanece
sincronizado com os fatos que vivemos atualmente, prova de que o sistema atua disciplinadamente
a fim de obter suas metas.

5. Idem 4
6. A lguns articulistas já se refere ao papado de Francisco como sendo um Pontificado da Ruptura.
7. Visa estabelecer restrições para a celebração do rito latino na forma tradiciona
8. Foi Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, da Igreja Católica no período de 1981 a 2005, quando foi eleito
papa no conclave de 2005, e assumiu o nome de Bento XVI. Ao longo de sua vida religiosa foi terminantemente
contra a teologia da libertação, e a temas
9. Disponível em https://www.vatican.va/gpII/documents/homily-pro-eligendo-pontifice_20050418_po.html, acessado em 23 de janeiro de 2024.
Tomemos, por exemplo, a publicação da Constituição dogmática “Pastor Aeternus”, que
ensina e define como dogma, logo algo que não pode ser questionado, que o Romano Pontífice
quando fala ex-cathedra, goza da Infalibilidade. Mesmo à época de sua edição esse dogma
suscitava algo em dissonância com o pensamento racional, pois como pode um ser humano estar
imune a cometer desvios. Então, nesse sentido, o dogma da infalibilidade merece, sim, uma
refutação, visto que a despeito de toda sapiência requerida para aquele que é o titular da cadeira de
Pedro, não podemos nos esquecer que por baixo das vestes papais está um homem, que é passível
de cometer erros. Foi dentro desse contexto que se pronunciou de forma racional e coerente Dom
Antônio de Castro Mayer10, da seguinte forma:
“… tal é o valor da Tradição, que mesmo as Encíclicas e outros Documentos do
Magistério ordinário do Sumo Pontífice, só são infalíveis nos ensinamentos corroborados pela
Tradição, ou seja, por uma doutrinação contínua, através de vários Papas e por largo espaço de
tempo. De maneira que, o ato do Magistério ordinário de um Papa que colida com o
ensinamento caucionado pela Tradição magisterial de vários Papas e por espaço notável de
tempo, não deveria ser aceito…” 11

Em seu posicionamento Mayer toca justamente na questão de que uma única pessoa não
pode sozinha, por intermédio de um único ato mudar radicalmente o destino de toda uma história
secular, sendo portanto necessário que esses atos sejam corroborados pela tradição e por outros
ocupantes da cadeira de Pedro
Percebemos que o movimento de quebra das estruturas tradicionais da Igreja vem sendo
identificado e combatidos ao longo de várias décadas. Mas, o sistema é implacável com todos os
que procuraram e procuram de uma forma ou de outra se opor a “febre modernista”. Estes, em
resposta, são perseguidos ou banidos como ocorreu com Marcel François Marie Joseph Lefebvre e
Antônio de Castro Mayer. 12
Concluímos, desta forma, que a conclusão do Concílio Vaticano II trouxe para o cerne da
Igreja uma permissividade de interpretações, que afetaram e afetam profundamente as estruturas
da Igreja, chegando-se a temer, nos dias atuais, a possibilidade de um novo Cisma.

2. A Imposição da Relatividade Maçônica


Agora, voltando-nos para a Sublime Ordem e a partir desse quadro analítico da Igreja
Católica, convidamos o leitor a refletir sobre o que parece acontecer em algumas de nossas
oficinas.

10 Foi Arcebispo da cidade de Campos, no Estado do Rio de Janeiro, no período de 1949 a 1981. fez este pronunciamento na
“Carta Pastoral "Aggiornamento" e Tradição”, de 11 de abril de 1971.
11 Disponível em https://www.fsspx.com.br/carta-pastoral-aggiornamento-e-tradicao/, acessado em 24 de janeiro de 2024.
12 Foram excomungados, por intermédio da Carta Ecclesia Dei, em forma de Motu Próprio, expedida pelo Papa João Paulo II, em
julho de 1988. Posicionaram-se contra as resoluções do Concilio Vaticano II, convencidos de que o Concílio e as reformas
que dele seriam produzidas conduziriam os fiéis ao erro. Dom Lefebvre acredita que as consequências produzidas poderiam
ser vistas como a “protestantização da Igreja”.
O estudo, a pesquisa, a liberdade de expressão e pensamento, e o consequente avanço
intelectual de nossos irmãos faz parte de nossos objetivos e, é motivo de estímulo em nossa
Ordem; para que, a partir desse vetor possamos atingir um de nossos objetivos: o progresso da
humanidade. Contudo, essa busca não pode ser realizada sem ter em mente nossos paradigmas,
pois se assim não o fizermos podemos correr o risco de cairmos no campo minado da modernidade
relativista, que contesta valores e conceitos, às vezes pelo simples fato de querer impor algo novo.
Estar em atenção com o avanço temporal da humanidade não significa dizer que seja
imperativo que transportemos para nossas sessões ritualísticas tais vicissitudes. Ao contrário, toda
vez que nossas oficinas se mostram vulneráveis ao “canto da sereia” devemos nos lembrar dos
ensinamentos que o estudo da quintessencia nos ensinou, para que nos tornemos mais sólidos e
coesos diante da fragilidade intelectual que nos cerca, qual seja: o modismo do questionamento
para está em acordo com o modismo da época. Ou, como diz Maffesoli, pelo simples ‘desejo-de-
estar-juntos” (pertencer ao grupo), sem obrigação. Onde seus pensamentos e decisões são tomadas
de acordo com o desejo do grupo.
O desenvolvimento humano só será capaz de ser movido por instituições que sejam
sólidas em suas estruturas e firmes em seus propósitos.
O processo de enfraquecimento institucional não é realizado da noite para o dia – basta
lembrar tomando como exemplo a Igreja, sobretudo na fala de Ratzinger realizada em 2005 e o
que esta ocorrendo neste momento com a Igreja, que o processo se arrasta por mais de cinco
décadas. É um processo lento e continuo, onde, nem sempre, seus autores agem voluntariamente,
mas sim movidos por um sistema do qual nem mesmo eles tem conhecimento.
“Ungidos” pela liberdade de expressão que impera na maçonaria e pela “febre
modernista” utilizam-se dos Tempos de Estudos para levantar temas de questionamentos e/ou
relativização aos paradigmas seculares que norteiam a Sublime Ordem, induzindo a afirmação de
que tudo aquilo que é antigo, está ultrapassado; logo, passível de questionamento, da tolerância em
demasia, e da relativização.
O processo vai se construindo: primeiro, com a prática de uma tolerância abusiva, para
logo em seguida passar a contestar landmarks. No primeiro momento, as normas, regulamentos,
códigos são reinterpretados de forma benevolente, desconsiderando o objetivo do legislador, ou
simplesmente ignorando a normativa. Caracteriza-se uma “seletividade” na aplicação da
normativa, onde esta é aplicada de acordo com o interesse do “grupo dominante” ou simplesmente
é ignorada. Desta forma, fatos concretos idênticos resultam em pareceres diferentes. Assim, de
forma consciente ou inconscientemente importamos, para dentro de nossos templos, determinados
vícios ou “joguetes” que em nada contribuem para a construção do edifício social que tanto
almejamos. É mister que tenhamos em mente que a tolerância em excesso sugere impunidade. E,
esta, por sua vez, estimula a repetição dos erros.
Impondo a ideologia de que a aplicação da normativa não é uma regra, mas sim um
instrumento de uso seletivo ou secundário na atividade de uma oficina maçônica, encontramos
duas trilhas a percorrer: uma que é o descumprimento do juramento realizado, que consiste em se
submeter as normas da maçonaria e do país, quais sejam: Constituição, Regulamentos, leis,
decretos, etc. A segunda propaga que em prol de uma liberdade de pensamento e expressão, tudo
pode ser refutado.
A adoção dessa prática entra em choque ao princípio da “Retidão” que, dentre outros,
norteiam a maçonaria universal. Bom, que nos lembremos desse conceito: A Maçonaria não é
regional, mas sim Universal e suas oficinas espalham-se por todos os cantos da terra.
Massificada a ideia de que as normativas podem ser relativizadas, o próximo passo e que
pode ser visto como ponto crucial, é o questionamento dos próprios Landmarks. Observemos que
os rituais nos ensinam que os landmarks:
“Landmarks (do inglês, land = terra e marks = marcas) são, na Maçon.·. as leis
imutáveis, não escritas, cujas origens são desconhecidas, mas reconhecidas por todos os
MMaç.·. RRegul.·. do Universo, como sendo a base fundamental da Instituição. A figura dos
Landmarks e a antiguidade e constituem-se, assim, em um conjunto, marcos inalteráveis, os
quais servem de “guias” para toda Maçon.·. Universal. Os RRegulam.·. e os EEstat.·. podem ser
revogados, modificados ou anulados; os Landmarks, porém, nunca podem ser alvo de qualquer
modificação, nem ser alterados. O que eram, há séculos, sê-lo-ão até que a Maçon.·. deixe de
existir. São, portanto, eternos.” (In Ritual Aprendiz Maçon, GLEAC, Ed 2018, pag 20)

Ao citar que os landmarks são leis não escritas, sem autoria conhecida, porém
reconhecidas por todos os maçons, o que o autor faz, senão recorrer a tradição? A mesma tradição
invocada por Mayer para questionar a legitimidade da infalibilidade papal.
É fato que o próprio ritual cita que Regulamento e Estatutos podem ser revogados, e aqui
é uma prova cabal de que a maçonaria pode estar em harmonia com a evolução social, assim como
o Direito está, por que o que não faz as ciências jurídicas, a não responder as demandas da
sociedade, dotando estas de normativas que harmonizem o convívio social?. Contudo, um fato é
buscar por meio legítimo a atualização das normativas de acordo com os anseios da comunidade;
fato bem diferente é deliberadamente deixar de cumprir as normas.
Os landmarks, portanto, são os pilares que sustentam a maçonaria, assim como a
hierarquia e disciplina são pilares que sustentam as Forças Armadas de um país. Não sendo
concebível, desta forma, seu questionamento.
Uma vez que os pilares são fragilizados, as estruturas apresentam poucas possibilidade
de se manterem de pé (fortes, indissolúveis e perenes) vindo a colapsar.
A partir do exemplo que nos mostra a Igreja Católica com sua possibilidade de
fragmentação, sem saber ao certo qual caminho seguir, e incerta de seus passos futuros, bem como
diante do que observamos em algumas de nossas oficinas é que nos colocamos nesta celeuma,
quanto a que rumo devemos dar a nossos passos.
Não diferentemente de outras instituições, ao ingressarmos na maçonaria nos é exigido:
respeitar seus estatutos, regulamentos, regimentos, amar à pátria, respeitar aos governos
legalmente constituídos, acatar as leis do país, etc;
Jean Jacques Rousseau, pensador que tem seus princípios teóricos liberais seguido pela
maçonaria universal, ao elaborar seu Contrato Social, já ciente de que a vontade da maioria deve
ser atendida, e que o instrumento prático para que essa vontade popular fosse respeitada; era o fiel
cumprimento da constituição, ou seja, das normas, sendo este o canal para nos opormos ao poder
absolutista do homem. Buscando, novamente, sustentação teórica em Rousseau, temos que:
“Quando porém, o liame social começa a afrouxar e o Estado a enfraquecer, quando os
interesses particulares passam a se fazer sentir e as pequenas sociedades a influir na grande, o
interesse comum se altera e encontra opositores, a unanimidade não mais reinas nos votos, a
vontade geral não é mais à vontade de todos, surgem contradições e debates, e o melhor
parecer não é aprovado sem disputa” (In: Rousseau, coleção Os Pensadores, Tomo I, Nova
Cultural, 1997, pag 200)

Observe que ele submete a harmonia democrática do convívio social ao acatamento da


legislação. Não custa recordar que esta observação foi realizada a quase três séculos, e já naquela
época o pensador ressaltava a importância de se cumprir as normas.
O passado recentemente já nos mostrou que quando a interpretação e aplicação da
normativa está submetida aos interesses particulares, a desarmonia passa a imperar. E, daí,
fragmenta-se a Ordem, surgem novas potências, potências regulares tornam-se espúrias, e tantas
outras consequências desagradáveis que vivenciamos ao longo dos tempos. Tudo por conta da
vaidade, só vaidade.
Desta forma, cabe-nos observar o que a história nos ensina com exemplos práticos e
contemporâneos a nossos dias, para que não corramos o risco de cometermos os mesmos erros
anteriormente cometidos ou praticados por outros sujeitos.
O enfraquecimento das instituições, podem estar, a nosso ver, associados a dois
eventos, em particular: “febre modernista” que já mencionamos aqui e a Indisciplina, ou se
preferirem a falta de Disciplina. Vejamos cada um desses aspectos.

a) “Febre Modernista”
O sociólogo francês e professor da Sorbonne, Michel Maffesoli, nos chama a atenção
para o fato de que mais especificamente nos últimos quarenta anos, as mudanças comportamentais
influenciadas por esse “avanço social” (o que ele classifica de pós-modernidade) sofreram uma
abrupta escalada. O avanço desse não tão novo “modus vivendi” 13 social foi em muito facilitado
pelo advento e utilização das redes sociais, que possibilitaram uma massificação da imposição da

13 Segundo Adílson Schultz no seu artigo “A Socialidade Pós-Moderna em Gestação: Segundo O Pensador Michel Maffesoli”, “Está em curso,
portanto, um novo modo de viver as relações sociais. Saem de cena as relações contratuais, baseadas em identidades claras, e surge uma
realidade confusa, baseada em atração e participação, imitação e contágio afetivo…”
forma de pensar e agir, sobretudo a partir de temas considerados como politicamente corretos, tais
como meio ambiente, aquecimento global, queimadas, tolerância em seus diversos espectros.
Consequentemente, a partir desses temas criam-se grupos, associações, coletivos, que
monopolizam o discurso de acordo com os seus interesses.
Dentre desse contexto para os adeptos da “Febre Modernista”, o que importa é fazer
parte do grupo, para que não fique à margem da “tchurma”, pois pouco importa a profundidade do
discurso, mas sim de quanto ele é capaz de agregar. Nesse momento, ainda recorrendo a Schultz o
que temos “é uma realidade confusa, baseada em atração e participação, imitação e contágio
afetivo”.
A individualidade já não mais importa, sua opinião coesa, coerente, racional de nada
adianta se não for do agrado dos manipuladores da vontade alheia. Via de regra, colocações com
tais características não os interessa. A profundidade da razão já não tem mais valor, o que impera é
a superficialidade. Contando, apenas que esteja ao interesse da massa. O SER perde espaço para o
ESTAR. Assim, sua opinião pessoal não tem valor, se não se insere no gosto do grupo que a esta
altura já é dominante. Sobretudo, pela inserção de muitos jovens que estão unicamente
preocupados em não ficar de fora do grupo, da onda do momento. Aqueles que ousam se opor a
superficialidade da massa são perseguidos e/ou excluídos, ou mesmo tachados de arcaicos,
ortodoxos, chatos, tumultuadores, e por aí se segue um elenco de adjetivos pejorativos.
Assim, trocamos a qualidade pela quantidade, deixando de lado a Razão e a Ética, em
prol de uma suposta sociabilidade.
A face mais cruel desse novo “modus vivendi social” é que ele está ultrapassando a
linha limítrofe de nossas colunas e adentrando em nossos templos, contrariando o que cita
Bastos14, quando nos diz que “a racionalidade ética, livre de contaminações nefastas ideológicas,
muitas deformadoras e dominadoras, garantiu à Sublime Ordem cumprir seu fim ao longo dos
Séculos”.
Imersa nesse contexto, a sociedade é estimulada e/ou forçada a prática da Indisciplina,
que é o segundo aspecto que acreditamos ser um dos vetores responsáveis pela fragilização das
instituições. E, que passaremos a analisar a seguir.

b. Disciplina
Um antigo professor de eletrônica que tive lá pelos idos de 1986, no Colégio Técnico
Estadual Visconde de Mauá, no Rio de Janeiro, costumava dizer a seus alunos que o indivíduo
pode ser tudo na vida, menos indisciplinado. Pois, qualquer atividade para que tenha sucesso

14 Carlos Roberto Sousa das Silva Bastos, membro da Loja Maçônica Renascimento e Justiça Nº 179, da cidade Manhuaçu-MG ; defende tal
ideia em seu estudo sobre Maçonaria, Racionalismo e Ideologias. O Racionalismo Ético Maçônico e sua Oposição às Funções de Deformação
e Dominação das Ideologias, realizado no ano de 2022. Cita o autor, ainda, em sua pesquisa: “ A contaminação da razão pela ideologia, ou
pelas ideologias, é perigoso no mundo profano e trágico para a Ordem. Compreender as funções das ferramentas ideológicas deformadoras
com objetivo de dominação humana é fundamental para impedir o colapso de dentro para fora dos pilares que sustentam as organizações
sociais e políticas, como também, para evitar a contaminação em nossas Lojas por ideologias pouco justas e perfeitas”.
depende da disciplina. Até mesmo, dizia ele, para ser bandido, necessita de disciplina, pois se
falha com as normas internas do bando a que pertence, a cobrança quase sempre é capital. Daí a
importância de ser disciplinado até mesmo quando inserido em grupo de bandidos.
Se até mesmo organizações marginais exigem de seus integrantes a disciplina, por que
instituições seculares que buscam uma sociedade mais justa e ética, não o farão?
Toda instituição seja ela qual for, possui um conjunto de normas escritas ou não que
necessitam serem cumpridas para que a harmonia institucional não ceda espaço para a desordem e
o caos interno, causando desta forma, sua dissensão. As instituições serão tão mais fortes e coesas
à medida que seus integrantes se submetam ao cumprimento “religioso” de suas normas e regras.
E, isso requer Disciplina.
Para que tal objetivo seja atingido é necessário que seu corpo constitutivo seja
disciplinado. Disciplina para cumprir sem vacilar o que deve ser cumprido, acreditando que deste
acatamento sem transigência, depende a continuidade harmônica da instituição.
Disciplinados para cumprir e fazer cumprir tudo aquilo que a ordem nos exige,
sobretudo suas normas, regulamentos e leis, para que sejamos capazes de desbastar a Pedra Bruta
que carregamos em nosso Ser. Não existe um plano “B”; ou seja, deixar de cumprir ou fazer
cumprir a normativa não é facultativo, é impositivo. Da mesma forma que não existe a
possibilidade de cumprir ou fazer cumprir de acordo com a conveniência pessoal de cada um.
Agir com retidão sem desvios de conduta não é tarefa fácil, é uma batalha diária a qual
o candidato a entrar para a maçonaria opta por aceitar, voluntariamente e após passar por um
minucioso processo investigativo. Fazer o certo não é, para um verdadeiro maçom, um favor ou
uma virtude. É, pois, condição “sine qua non” para todos aqueles que colocam sua mão sobre a
bíblia e juram diante do Delta Sagrado cumprir o que o ingresso na Ordem lhes exige.
Se fracassamos no exercício diário da prática da Disciplina, deixamos de lado, em
consequência, o malho e o cinzel, deixando, desta maneira, de desbastar nossa Pedra Bruta, o que
impede a construção interna de nosso edifício social.

d. Caminhos para fazer frente a fragilização das Instituições


Para fazer frente a esta tendência de ações que enfraquecem as instituições, necessário
se faz que se percorra um caminho de vias paralelas. A primeira, diz respeito a se manter uma
disciplina fiel as normas e agir de forma inflexível diante de situações que são colocadas à mesa; a
segunda, que não deixa de estar vinculada a primeira via, trata-se de se perceber que esses
movimentos intelectuais de pensamento e condução da vida social, que aqui chamamos de “febre
do modernismo”, são sazonais, e que, portanto, a disciplina deve ser mantida, no sentido de
permanecer fiel a Razão. Pois, ideologias surgem a todo momento, dentro do movimento cíclico
da História.
Disciplina deve ser entendida como: o ato de submeter-se ao elenco de normas e
regras estipulados por um organismo qualquer do qual se faça parte (Ex. Igreja, clubes, ordens,
associações, etc.), logo é disciplinado aquele que prática tal ato.
Ésquilo15 definia a “disciplina como a mãe do êxito” 16, e o que todas as instituições
almejam senão serem bem sucedidas. A partir daí podemos afirmar ser a disciplina elemento
fundamental na amálgama de sustentação das instituições, sobretudo aquelas bem sucedidas.
Na atualidade vários palestrantes que dão “receita de sucesso”, passam pela questão da
disciplina, como um dos fatores determinantes para se alcançar o sucesso.
Para que não transpareça uma ideia vaga de que disciplina se refere; a que invocamos
para ser um dos pilares das instituições, sobretudo a Igreja e a maçonaria, é aquela que deve ser
praticada no meio militar, ou seja, a fiel observância irrestrita das normas, leis, e regulamentos que
regem a Instituição. Pois, só assim é que não haverá espaço para desentendimentos de opiniões
(visto que todos rejam pela mesma cartilha) que só levam a desarmonia.
O segundo aspecto que gostaríamos de ressaltar diz respeito a ser vacinado contra a
“febre modernista”. Nesse sentido, primeiro ponto a ser levado em consideração é que assim
como as ondas do mar a história vai e volta em seus movimentos cíclicos, sem, porém, serem os
mesmos. Com isso queremos dizer que pouco importa esses movimentos de tentativa de abalo das
estruturas perdurarem 30, 40, 50 anos que não serão capazes de abalarem as estruturas de
Instituições sólidas, coesas, e perenes. Contanto que se tenha a disciplina intelectual para cumprir
as normas sem hesitação.
Por exemplo, o que são 50 (cinquenta) anos diante da história da Igreja Católica.
Contudo, é necessário ter na consciência que quando existe a tentativa de imposição de uma
ideologia sobre pessoas ou instituições, trilha-se o sério risco de que ocorra o desvio da ética, o
que, por sua vez, resultaria na transformação do ambiente social, que também pode levar a
desagregação e, por conseguinte, a fragilização. Muito embora, para estes, como nos lembra
Bastos: “as virtudes são esquecidas, a razão não importa, a moral e os costumes flutuam em
inverdades e os críticos são cancelados”. Notamos claramente uma inversão de valores, onde a
“racionalidade e a ética chegam a ser vaiadas e vistas como defeito individual e coletivo”.
Dentro desse contexto é que a Razão deve ser empregada como elemento dissuasor dos desvios de
pessoas ou de grupos.
A inflexibilidade contra a tentativa do estabelecimento de novas ideologias que se
chocam com os preceitos institucionais já enraizados, como dogmas, normas, leis, e landmarks,
destas mesmas instituições deve ser repelidos com firmeza e racionalidade.

15 Dramaturgo da Grécia Antiga, que viveu entre os anos de 524aC a 569 a.C. É reconhecido, por muitos, como pai
da tragédia grega.
16 Disponível em https://www.valongueiro.com/disciplina/, acessado em 20/02/2024.
O fato de se tentar repelir tais movimentos não implica dizer que a igreja, assim como
a maçonaria sejam tão rígidas e imutáveis que não possam interagir com a evolução social da
humanidade, já ficou claro anteriormente, que pode haver essa interação. Agora, interagir não é o
mesmo que se sujeitar.
Por fim, rogamos ao GADU que este texto não permita que sejam esquecidas as
palavras de Ratzinger, Rousseau e Ésquilo. No que se refere ao primeiro, quando nos alertou
quanto as correntes ideológicas, a construção da ditadura do relativismo, e ao fato da ultima
medida ser os seus desejos (daqueles que tentam manipular as massas). Da mesma forma, que se
mantenham vigilantes ao fiel cumprimento da legislação, elemento fundamental, na concepção de
Roussaeu, para a harmonia do Estado; não permitindo que “interesses particulares e pequenas
sociedades” ou grupos possam modificar a harmonia e a perenidade das instituições; muito das
vezes por conta da omissão de alguns, que preferem calarem-se para que não sejam “cancelados”
pelo sistema. Porém, tais posicionamentos só serão factíveis se empregados sob o manto da
Disciplina, a qual Ésquilo definiu como a mãe do êxito e sucesso.
REFERENCIA E BIBLIOGRAFIA

- “URGENTE: Pronunciamento de Dom Huonder sobre a Crise na Igreja”. Disponível em: (https://www.youtube.com/watch?
v=V4OW9em_9-Y, acessado em 22/01/2024)
- No meio da tempestade, Arcebispo pede ao Papa que cancele Sínodo dos bispos e promova outro, para a reflexão dos próprios
bispos. In. https://www.ofielcatolico.com.br/2008/09/no-meio-da-tempestade-arcebispo-pede-ao.html
- O que diz o Motu Proprio do Papa Francisco. In. https://www.youtube.com/watch?v=JxAlcujE7KE , acessado em 19/01/2024

- Divisão na Igreja: Um novo cisma? https://www.ofielcatolico.com.br/2019/09/divisao-na-igreja-um-novo-


cisma-se.html, acessado em 26 jan 24
- A Igreja Católica e a Outra, Dom Lourenço Fleichman OSB, in https://permanencia.org.br/drupal/node/3300
- Bastos, Carlos Roberto Sousa das Silva. Maçonaria, Racionalismo e Ideologias O Racionalismo Ético Maçônico e sua Oposição
às Funções de Deformação e Dominação das Ideologias, 2022.
- Lima, José Amâncio de. “Disciplina”. membro da ARLS Estrela de Davi II Nº 242, do oriente de Belo Horizonte-MG, filiada a
GLMMG.
- Ritual do Aprendiz Maçom. GLOMEAL. 2016
- Mérida, Vinicius Gouzzi. O pensamento de Dom Antônio de Castro Mayer diante das questões políticas, econômicas e sociais do
século XX. Disponível em
https://www.snh2017.anpuh.org/resources/anais/54/1502772859_ARQUIVO_OpensamentodeDomAntoniodeCastroMayer(1).pdf;
acesso em 24/02/2024

Você também pode gostar