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ANN AES
DA

MARINHA POE.TUGUEZA
POR

IGNACIO DA COSTA QJJINTELLA,


Vice-Almirante da Armada Real, Conselheiro <PEsta
do Honorário , Conselheiro do Real Conselho da
Marinha, e Sócio Honorário da Academia
Real das Sciencias.

TOMO I.

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7.—. '

LISBOA
Na Tipografia da mesma Academia.
183 9.
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ARTIGO
EXTRAHIDO DAS ACTAS

DA

ACADEMIA REAL DAS SCIENCIAS


DA

SESSÃO DE 9 DE DEZEMBRO DE 1835.

AJetermina a Academia Real das Sciencias, que


sejao impressos 4 sua custa, e debaixo do seu pri
vilegio, os Annaes da Marinha Portugueza, que lhe
forão apresentados pelo seu Sócio Honorário Ignacio
da Costa Quintella*

Joaquim José da Costa de Macedoj


Secretario Perpetuo da Academia*
1 '

1 * .

* v J
PREFAÇÃO.

Nonjunium exjulgore , ttd ex fuma date luetnt


Cogitai.
Horácio.

X odos conhecem a necessidade de huraa Historia


completa da nossa Marinha, que tamanho brado deu
no Mundo, e tamanhos serviços fez ao género huma
no, reunindo as Nações habitadoras dos extremos do
Globo, pela Navegação, e Commercio maritimo, e
fazendo-as coràmunicar-se humas ás outras os seus co
nhecimentos , e as suas riquezas j revolução admirável ,
que mudou a face do Orbe !
Ainda que os Historiadores , que escreverão a His
toria Geral da Marinha de todos os Povos , compre-
hendêrão a de Portugal , foi de hum modo tao resumi
do, ou tao defectivo em factos essenciaes, que dei
xarão muito a desejar : acerescendó a isto os aleives'
que alguns nos assacarão, copiando-os ás cegas de Me--
morias apaixonadas, e fallazes de Estrangeiros interes
sados era menoscabar a nossa gloria. Da Historia das
Viagens emprehendidas por ordem da Companhia da
Hollanda sahirão quasi todas estas imputações , humas
atrozes, outras absurdas; mas quando eu tratar das
1
nossas admiráveis Conquistas na Ásia , porei em toda
a sua hrc esta verdade servindo-me em. parte para de
monstra-la daquclla mesma Historia , e então alguns
celebres Navegantes do Norte , que os seus Compatrio
tas levantarão até ás nuvens , como se forão novos Ga
mas, e Albuquerque^, desceráõ a oceupar o lugar, que
lhes pertencer.
Igualmente demonstrarei, que das três Nações,
Portugueza , Hollandeza, elngleza, que invadirão , e
conquistarão huma boa porção da Asiá, foi a Portugue
za a que menos opprimió os Povos daquella riquíssima
parte do Mundo, ainda que commetteo vexames, e
violências, que a Justiça imparcial condemna.
Para dar algumas luzes a quem, com menos ida
de, melhor saúde , e mais conhecimentos do que eu, in
tentar fazer a Portugal o relevante serviço de escrever
a sua Historia Naval-, reuni nestas Memorias quanto
achei espalhado por huma multidão de Authores , . que,
cx professo , ou accidentalraente tratarão dos fastos da
nossa Marinha , confrontando huns cora outros, e esco
lhendo nos pontos controversos (que não são poucos)
o que me pareceo mais provável.
Como não possuía a maior parte dós livros, que
era forçoso consultar, vali-me de alguns amigos , e a
estes, e mais que a todos ao meu erudito Consócio o.
Senhor Conselheiro Manoel José Maria da Costa e Sá
devo tributar justos agradecimentos ; porque não só me
emprestou quantos tinha, e quantos pôde adquirir,
mas empregou nesta diligencia tal efficacia, e zelo, que
se poderá igualar, porém nunca exceder.
Dividi em três Partes estas Memorias: na primei
ra Parte, que consta de três Memorias, exponho as
Guerras, Conquistas, e Viagens dos Portuguezes na
Europa, na America, e na Africa Occidental até ao
Cabo de Boa Esperança* Na segunda Parte, que cou
sra de quatro Memorias, comprehendo os mesmos ob
jectos relativamente á Ásia , e Africa Oriental. Na
terceira explico o Governo Politico, Administrativo,
e Económico da nossa Marinha em Portugal , e suas
Conquistas.

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k
V

ri . ■
ANNAES DA MARINHA PORTUGUEZA.

i i.
PARTE PRIMEIRA,

MEMOBIA PRIMEIRA.

Desde o atino de 1095" até 1481. Governo do Conde


D. Henrique , tf Reinado d'E/Rei D. Affonso I.

JT elos annos de 1095" , ou 1096 , começou o Conde D.


Henrique, Príncipe da Casa de Borgonha, a governar
o Estado de Portugal , que lhe cedeo , com independên
cia da sua Coroa, o Rei deCastelIa D. AffbnsoVI., ha-
vendo-o ja casado com sua filha a Rainha D. Tereja, em
recompensa dos assignalados serviços, que lhe fizera nas
guerras contra os Mouros. Coimbra, Lamego, Viseu,
Porto, Braga , Guimarães, e as terras entre Douro, e
Minho, Beira, e Trás dos Montes, arrancadas ao ju
go Mahometano, compunhao este pequeno Estado,
que espantou depois o Mundo com as suas Navega
ções, e Conquistas.
Posto que as nossas Historias não fallem de arma
mentos navaes no Governo do Conde D. Henrique, e
mui «pflueo*. reftrlcf- nVAdé. seu- rUbu D» Affonsa i. ,; he
comtudo evidente que estes dois grandes Príncipes ar
massem algumas Galés, para defenderem as Costas ma*
ritjmas i dos. seifs 'JEstfed.õS ; -que: detriao $ef i\e continuo-,
infestadas dos Mouros da Barberia , e dos que oceupa-
vao a melhor parte do litoral da Península. Qual fosse
a forca desta MarirAa^ -e-wsysKrna do seu governo-j
lie incerto. Hum dos nossos melhores Antiquários (i)
afHrma que a Marinha fora suecessi vãmente crescendo
desde aquella primeira época , até, 30 Reinado de D.
Diniz ; e tivera neste meio tempo alguns Almirantes
(que não nomêa), anteriores a Manoel Paçanha, Fi
dalgo Genovez, o primeiro que. obteve este Cargo de
juro, e herdade, como direi quando chegar ao Gover
no daquelle celebrado Monarcha.
Antes de entrar na exposição dos factos históri
cos, creio indispensável explicar a qualidade das embar
cações ^ que seempregavão na guerra,, e a Táctica íía>-
val que dirigia as, suas operações,- , .,.1 (\ ' '
Anteriormente á invenção da pólvora, e emprego
da artilharia no mar, emprego que alguns affirmão sé
deve aos Pòrtuguezes, os verdadeiros" navios de guerfk
erãò as Galés, e Galeotas, que se manobravão com re
mos, e velas triangulares, ou Latinas. A construcção
destas embarcações parece bem apropriada para o &so
das armas, que então se praticava. Como os remeiros
estavão descobertos aos tiros do inimigo, imaginarão--
sè dois castellos nos extremos da Galé (as Galeotas
não os rinhão): no castello de popa accommodavão-se
os" primeiros Officiaes , e os segundos no de proa ; e es
te era o mais forte. Era acção de combate, ambos sâ

(1) Manoel Severjm de Faria, Noticias de Portugal,,. Disojno '».•


guarnecilo de soldados /os melhores no castello da-
vante, para arremessarem sobre os inimigos as armas
missivas d'aqu.elle tempo, dardos $ lanças, setes, pe
dras, e matérias incendiarias para pegarem fogo no ve
lame, e enxárcias do seu contrario. Na construcção do
casco, a proa era também a parte niais forte j e arma-
va-se o beque (mais baixo, á proporção da altura do
castello) com hum talhamar, ou esporão de metal fijov
A Galé tinha dois mastros, que se abatiao,e, hu-
ira vela Latina em cada hum, a que se dava o nome
de bastardos ; e era commummente de vinte .çipeo a
trinta bancos , cada hum cora "'dois ou rres remos * e
dois ou tres homens a cada bum : tinha de duzentos a
duzentos e cincoenta palmos de comprimento, trinta de
bocca , e dez de pontal (i), A Galeota levava hum só
mastro, e dezeseis bancos de remeiros.
As equipagens das Galés compunhão-se de solda
dos (que se chamavao hemens de armas), de poucos
marinheiros, e dos remeiros necessários: estes ferão
no principio tirados da classe dos pescadores , e bar
queiros, para o que estavao todos matriculados, com
seus OfÊciaes, a que chamavao Vintaneiros , e quando
as Galés se armavão, de cada vinte homens tomava-se
hum para o remo (2). Depois empregavão-se também
neste serviço es criminosos «ondemnados por sentença,
e es prisioneiros de guerra , que naquelles séculos, e
nos posteriores se chamavao cativos, e na realidade o
erão, pois se resgatavão por dinheiro, cu dando ou
tros cativos em seu lugar. .. ,
O modo mais usual de huraa Galé combater con
tra outra, era aprescmando-lhe constantemente a proa

(O Aoton'10 éo Couto , Memorias Militarei, tomo i.°, pag. 27 S»


t;»fBÍn*iií ' U" >*-»<*
(jt) Noticias de PortugaJ, Díkuiso a.«, §. 14.
Ô

de maneira , que os seus remeiros ficassem a coberto


dos tiros; e as velas estavão carregadas, para evitar a
maior facilidade de serem incendiadas, e para poder
investir , e abalroar o inimigo era algum momento
opportuno , apezar de vento contrario : por quanto os
combates erão quasi sempre a remos, e a chusma (no-
toe que se dava aos remeiros) remava com extraordi
nário vigor nas occasiões em que importava fazer al
gum movimento decisivo j sobre tudo porque os Comi-
tres não poupavão os castigos, e mesmo golpes mor-
taes naqtielíes em quem suspeitavao' traição , ou má
vontade, se a chusma se compunha de condemnados,
ou prisioneiros , cujo interesse estava em serem toma
dos. A habilidade da manobra nestes combates singula
res consistia ena abalroar a Galé inimiga era huma li
nha obliqua , ou perpendicular ao meio do costado, de
<]iie no primeiro caso resultavao duas vantagens ; hu
ma de quebrar-lhe os remos d'aquelle lado, edestruir-lhe
a chusma , que ficava exposta aos tiros mergulhantes
tios castellos; a outra , de poder-lhe lançar logo gente
no convés , onde nao havia quem defendesse à entrada ,
por não terem armas os remeiros. No s:gnndo caso, o
choque do talhamar , ou esporão, arrombava o costado
da Galé, e se não a mettia a pique, como ás vezes a-
contecia, tirava-se a' mesma vantagem de lhe matar, é
ferir os remeiros cora os tiros do castello de proa, e de
abordar pelo centro.
Também suecedía ás vezes armarem-se em guerra
os navios redondos, conhecidos pelo nome genérico de
Náos, fossem grandes, ou pequenos. A consrrucção destes
«r-a -a mais torpe, e defeituosa : o casco mui curto , e
alteroso, e o tombadilho, e castello de proa de bas
tante elevação; o mastro da raesena pouco maior que
b mastro de huma lancha, com huma vclinlia trian
gular; o mastro grande, eodotraquete teriao suiK
ciente altura , se levassem mastareos de gávea , que nes
ses tempos ainda se não conhecião. O gurupés , quasí
tão alto como o mastro do traquete , e fazendo com a
quilha hum angulo demais.de 45"°, sustentava huma
verga pouco menor que a deste. Assim o velame des
tes navios reduzia-se a três velas redondas, e huma
Latina. He evidente , que similhantes maquinas não
podião ter a mobilidade necessária para manobrar na
presença das Galés, que pela sua agilidade, e auxilio
dos remos, tomavao todas as direcções que lhes con
vinha, a despeito dos ventos, huma vez que o mar
as não embaraçasse.
As Esquadras navegavão em huma , ou muitas co-
lumnas, segundo o numero das Galés de que se com-
punhão. O lugar do General , ou Almirante era no cen
tro da linha , ou esta fosse linha de marcha , ou de ba
talha: se navegava- em duas columnas, era a sua a de
barlavento; ç a do centro, se navegava em três colum
nas. De dia trazia sempre a sua bandeira larga, e de
noite farol na popa, como signaes constantes de direc
ção. Os combois navegavão a sotavento, ou a barla
vento da Esquadra , segundo as circunstancias.
Na presença do inimigo , as Esquadras formavão-
se era linha de travez, isto he, todas as embarcações
ficando com as proas voltadas para o inimigo , deixan
do só entre si o intervallo necessário para que os re
mos de humas não embaraçassem os das outras , e para
que as Galés inimigas não podessem introduzir-se no
meio delias; porque a Galé investida por ambos os
lados , ou por hum lado, e ao mesmo tempo pela proa,
ou popa , rarissima vez escapava de ser tomada.
Se huma Esquadra em linha de batalha igualava
em extensão a sua contraria , a vantagem era igual ,
supposta a igualdade das embarcações, e equipagens:
mas quando huma Esquadra excedia a outra em nume- .
2
10
ro de Galés, destacava as que lhe erão desnecessárias
na linha , para atacarem o inimigo pelos flancos, ou re
taguarda , ou por ambas as partes ao mesmo tempo, e
em qualquer destes casos , a Esquadra assaltada de'
frente, e de flanco, ou de revez, estava perdida.
Para obviar a tão graves inconvenientes, os Gene-
raes collocavao sempre algumas Galés atrás dos seus
flancos, que os cobrissem dos assaltos do inimigo; ope
ração em que empregavão as mais pequenas.
A linha de batalha formava-se algumas vezes em
meia lua ; methodo bom quando a Esquadra excedia
muito a sua inimiga , porque a cercava desde o princi
pio da acção; ainda tinha seus inconvenientes, e era
péssimo em forças iguaes.
O principio fundamental da Estratégia Naval, era
o mesmo que hoje; cortar huma parte da linha inimi
ga, e cerca-la com forças superiores para a destruir fa
cilmente; isto em quanto ao ataque, e na defensiva to
mar huma posição , ou formatura tal , que evitasse
aquella catástrofe, ou a fizesse reverter em darano do
seu inimigo.
Algumas evoluções, que hoje são diíficeis de exe- '
cutar na presença do inimigo, e pedem muito tempo,
e circunstancias particulares, erão então fáceis; porquê
as Galés, combatendo, e manobrando a remos, podiao
chegar-5e ao vento , e tomar a direcção que quizessem.
Naquelle antigo modo de combater, erão quasi
sempre desastrosas as retiradas feitas na presença de
hum inimigo audaz , e vencedor, excepto quando hum
vento favorável dava meios ao vencido de retirar-se em
columna cerrada, ou de dispersar-se em differentes di
recções ao favor da noite. A ra^ão era, porque cm hu
ma retirada feira a remos, a diminuição das chusmas
não permittia que as Galés desbaratadas navegassem
reunidas, e com a velocidade que cumpria; e assim ti
11
nhão os inimigos tempo folgado para as cercar, e ren
der.
Estes princípios devião ser familiares aos bons
Generaes daquelles séculos , por se deduzirem da boa
razão , e dos exemplos das batalhas navaes dos Cartha-
ginezes , Gregos , e Romanos , que pouco differião dos
Portuguezes nas armas , e censtrucçao dos navios antes
da invenção da pólvora , e do uso da artilheria , qu2
fez perder ás Galés a sua importância absoluta , como
navios de guerra, e só lhes deixou alguma importân
cia relativa até certo tempo, segundo as Costas ou
mares em que se empregavao.
Não sendo da minha intenção escrever hum Tra-
ctado de Táctica Naval antiga , creio ter dito quanto
basta para se entenderem melhor os nossos Historiado
res, e os factos narrados nestas Memorias.
No anno de 1112 falleceo o Conde D. Henrique,
a quem suecedeo seu filho D. Affonso I. (então meni
no), Príncipe igualmente Guerreiro, Politico, e Patrono
dos homens de génio, cujo longo Reinado foi huma se
rie de conquistas, e victorias gloriosas, que não me per
tence relatar; porém não esquecerei, que em 1160 foi
a celebre jornada do Judeo Hespanhol Benjamim Tu-
dela , o qual partindo de Hespanha por terra , visitou
-muitas Províncias da Ásia, e regressou á Europa no
anno de 1 173 , enchendo de assombro os Seus contem
porâneos, e deixando espalhadas as sementes do gosto
das viagens, que depois fruetificarão tanto naPeninsulaf.
1180 — Achando-se em Coimbra o celebre D. Puas
Roupinho, hum dos mais intrépidos, e piedosos Caval
heiros do seu tempo, soube EIRei que andava huma Es
quadra de Galés Mouriscas interceptando as communi-
CaçÔes marítimas de Lisboa (1), e encarregando D.
• "1 ;-■>,<■ ,
(1) Para formar a relação destas três batalhas , consultei aMonaí-
2 ii
12
Fuás do importante serviço de as expulsar das Costas
do Reino, o mandou a esta Cidade com ordens para se
apromptarera as embarcações necessárias, e com ellas
partio D. Fuás a buscar os inimigos, que encontrou so
bre o cabo de Espichel, onde cruzavao. A 15", ou 29 de
Julho (nisto varião os Escritores) se atacarão as duas
Esquadras, e-abordando-se valorosamente as Galés de
huma e outra Nação , segundo o systema daquelle
tempo, forao tomadas, e trazidas a Lisboa todas as
dos Mouros, com morte do seu Almirante, em cujo
nome variao os mesmos Escritores.
Reparada a Esquadra victoriosa , e provavelmente
augmentada com as Galés apresadas, segunda vez sahio
D. Fuás Roupinho a correr as Costas de Portugal , e
do Algarve, e não encontrando inimigos, que deviãò
ficar escarmentados da antecedente derrota , embocou
.0 Estreito de Gibraltar, e entrou na Bahia de Ceuta,
onde se demorou dois dias, apresando quantas embar-
cações inimigas achou alli surtas, que conduzio a Lis
boa.
11 82 — Sahio D. Fuás do Porto desta Cidade a
fazer terceira campanha contra os inimigos da sua Pa-
-tria , e Religião, com huma Esquadra de vinte e huma
Galés ; c cruzando na Costa do Algarve , lhe deu hum
Ponente rijo , que o forçou a entrar pelo Estreito , co
mo de ordinário acontece naquella paragem em prin
cípios de Inverno, e a 17 de Outubro se achou defron
te de Ceuta na presença de huma Armada de cincoenta
e cnjruro Galés, que os Mouros com muita antecipação
tinhão chamado de vários Portos , e reunido naquellfc
para o virem buscar ; e a fortuna , a cujo império tudo
chia Lusitana, tomo j.c , L.0 11 , Cap.0' ji , e t j — Duarte Nunes de
Lião, Chronica cfElRei D. Affonso Henriques — Viegas , Principio* dei
Reino de Portugal , pag. aji — Anuo Histórico, tomo 2. °, pag. 4*5
r-Acenheiro, Qnonicas dos Reis de Portugal, Capitulo i.\ . t .'
13

obedece, lhe? poupava agora' esse trabalho. D. Fuás,


que não via Porro, -em que recolher-se, nem outra al
ternativa, que a fuga, ou a peleja, escolheo esta, reso
luto a morrer como até ai li vivera. O combate foi des
esperado, como devia esperar-se do caracter do Gene
ral, e dos soldados Portuguezes daquelle século, on
de o valor era a primeira, e quasi a uríica qualidade
que se exigia dos homens. He lastima, que se ignorem
as circunstancias desta memorável batalha ! Nella aca
bou D. Fuás Roupinho, e se perderão1 onze Galés, sal-
vando-se ainda as restantes para prova decisiva de que
os vencedores ficarão tão derrotados como os vencidos.
He quanto pude descobrir de acções navaes no
Reinado deste grande Monarcha , que falleceo no anno
de 1185, deixando o Throno a seu filho D. Sancho L

Reinado ePEIRci D. Sancho I.


Este Príncipe teve talentos , e virtudes dignas do
Throno; e em hum século de calamidades, de fomes,
guerras, e pestes, não só mostrou o animo de hum gran
de Soberano, mas também os talentos de hum consum-
mado Economista Politico ; tal he o elogio , que lhe
faz hum sábio Escritor Ingíez, que não he pródigo de
elogios (1).
Não achei memoria de outra expedição naval era
todo o seu Reinado, que o cerco, e tomada de Silvei,
de que vou tratar (2).

(O Clarke , Tlie Progress of Maritime Discovery , Cap." i.°


(a) Vede Duarte Nunes de Leão, Chronica d"ElRei D. Sancho T. —
Historia Geral das Viagens, tomo a.° , L.° aa —brandão, Monarchia
Lusitana, tomo 4.0 , Cap." 7.°, ainda que este Escritor não falia da
Esquadra Portugúeza, de que não teve noticia. —- Acenheiro, Chroni-
cas dos Reis de Portugal , Cap.» 9.0 mas conta este facto do anno db
1189.
14

1188 — Esta Praça, huma das mais fortes do Al


garve, foi cercada por ElRei a 21 de Julho com hum
Exercito por terra , e por mar cora huma Armada de
mais de cincoema navios Hollandezes, Flamengos, Ale
mães, e Dimmarquezes, que indo para o Mediterrâ
neo , aportara a Lisboa , aonde os seus Generaes se con
certarão com ElRei em lhe prestarem todo o auxilio
para aquella empresa, dando-se-lhes todo o despojo, no
caso da conquista. A este grande armamento reunirão
os Portuguezes outro de quarenta Galés, e Galeotas ,
com muitos transportes de viveres, e munições. Silves,
depois de huma vigorosa defensa de mais de dois me-
zes , em que se empregarão todas as maquinas de guer
ra então usadas, e se derão muitos, e sanguinosos as
saltos , capitulou no mez de Setembro, sahindo os
Mahometanos com as vidas, e liberdade, que a gene
rosidade d'ElRei lhes concedeu , ficando os estrangeiros
cora os despojos na forma do seu contrato.
Falleceo D. Sancho I. no anno de 12 11, deixando
por seu testamento tão abundantes legados, que a som-
iiia delles deitaria hoje a mais de três milhões, e meio
de cruzados (1).

Reinado JElRei D. Afonso II.

Não encontrei nas nossas Historias expedição al


guma, em que entrasse a Marinha deste animoso Mo-
narcha ; porque na de Alcácer do Sal apenas apparecê-
rão Esquadras estrangeiras ; ao mesmo tempo, que pa
rece incrível , que ElRei não ajuntasse a ellas as suas
embarcações de guerra.
Até esta época , todos os efFeitos salvos de algum
(1) Vede Brandão, Monirch ia Lusitana, tomo 4.' , Cap.w }f —
Duarte Nunes de Leão na Girooica deste Rei , de que parece nto vio
o teitaiiiento.
u,
naufrágio acontecido nas Costas de Portugal , eráo to
mados para a Fazenda Real ; barbaridade que este Prin*
cipe prohibio por huma lei (i).
Falieceo D. Affonso II. no anno de 1223.

Reinado d"ElRei D. Sancho II.

1240 — No Governo deste infeliz Mona rcha, cu


jo caracter tem sido pintado com cores demasiadamen»
te escuras, não achei mais transacções navaes, que o
cerco, e tomada de Ayamonte, aonde se diz empregou
todas as forças de mar e terra. (2).
No anno de 1246 foi a jornada de Carpini , que
passou á Ásia por terra, visitou muitas Províncias, e
acerescentou interessantes noticias ás que Benjamim
havia communicado á Europa (3).
Falieceo D. Sancho II.. em 1248.

Reinado JElRei D.Affonsfi ílí.


Nb Governo deste Monarcha , dotado de liuma,
aíma vigorosa , e de .grandes talentos politicos, não
achei outras expedições maritimas , que o cerco de Fa
ro (4) , e a jornada de Sevilha (5-).
1250 — Esta Praça, a mais forte do Algarve, foi
. . : , . . ■ 1
(1) Vede Monarchia Lusitana, tomo 4.0 , L° 1 3 , Cap.° ai.
(2) Dita tomo 4.°, Cap.0 19.
(O Neste tempo havia o singular costume Cou ttibuto) de darem
os Judeos huma ancora, e huma amarra para cada Náo , ou Galé, que
EWei armava. Monarchia Lusitana , tomo 5.' , L.° ró, Cap." ia.
(4} Monarchia Lusitana , tomo 4.0 , L." 15, Cap.0 6.9 — Ace-
nheiro, Chronicas dos Reis de Portugal, Cap." 1 3 .— Duarte Nunes ,
Clironica de D. Affonso III.
Cs) Monarchia Lusitana^ tomo 4.0 , pags 199.
. 16

cercada por terra "pelo Exercito j que EIRei comman-


dava em pessoa ; e da parte do mar a Esquadra Por-
tugueza , occupando a entrada do Porto , evitava os
soccorros que dâ Barberia poderiao vir aos sitiados, os
quaes capitularão depois de animosa defensa.
125:4 — Querendo EIRei satisfazer certa divida ao
Mosteiro de Alcobaça, assignou-lhe para seu pagamen
to as rendas dos Portos de Selir, e Atouguia, prove
nientes do azeite de balea (1); otjúe prova estarem
então as Pescarias em estado floreceiite.
1266 — Partio para Sevilha, com grandes forças
de mar, e terra o Infante D. Diniz, para auxiliar a
seu avô o Rei de Castella D. Affonso o Sábio, contra
os Mouros de Africa, que havião feito huma invasão
na Hespânha. ■ .
Fàlleceo D. Affonso III. em 1179.
. : . ! . : t 1
Reinado d'ElRei D. Dinisi.

Este grande Monarcha applicou toda. a sua acti


vidade a promover a prosperidade publica , e a aug-
mentar a povoação interior , e marítima do seu Reino;
e no espaço de dez anhos fez de novo Ou reparou mais
de cincoenta Cidades , Villas , e Castellos (2). Huma
destas Povoações de nova creação foi á Villa de Pare
des em hum Porto deserto , mas vantajoso para o com-
mercio , e pescarias , duas léguas ao Norte da Pedernei
ra , cuja Villa durou até aos tempos d'ElRei D. Ma
noel,, em que as afrêas acabarão de surarr as casas, e
de entulhar totalmente o Porto (3).
As jornadas por terra ao Oriente de Rubriquis,
de Marco Paulo , e de seu pai , e tio , praticadas entre
(1) Monarchia Lusitana, tomo 5.0, L° 16, Cap." j.°.
(2) Acenheiro, Chronica deste Rei.
O) Monarchia Lusitana, tomo 5.0, L° 16, Cap." 51.
17
os annos de n^ , e 129?, cujas noticias escritas, ou
yerbaes se espalharão pela Europa , despertando o es
pirito mercantil adormecido, e o gosto das descober
tas, devião obrar fortemente sobre os Portuguezes, e
attrahir toda a attençáo de hum Príncipe do caracter ,
e talentos políticos de D. Diniz : assim consta , que el-
le creou estabelecimentos navaes nos Portos principaes
de Portugal , e fez plantar o Pinhal de Leiria (1) ; além
do melhoramento, que no seu tempo adquirio a con-
strucção dos navios redondos, e da regularidade, e boa
ordem que se introduzio no serviço, e disciplina marí
tima; consequência natural do continuado exercício das
suas Esquadras , que não só guardavao as Costas do
Reino , infestadas das Galés Africanas, e Granadinas,
mas hião insultar os seus Portos . e interceptar-lhes o
Commercio ; sem nunca em todo o seu Governo haver
paz com os Mahometanos (2).
Cumpre dizer em obsequio da verdade, que D.
Diniz achou ja o Arsenal da Marinha de Lisboa , de
que se ignora a fundação , porém existia no tempo de
ElRei D. Sancho II. ; e que nelle ja se construião gran
des navios, prova-se pela doação, que no anno de 1260
fez D. Affonso III. de huma propriedade de casas ao
Constructor João de Miona , por lhe haver construído
huma Náo (3). O local deste estabelecimento era , pou
co mais, ou menos, pelo sitio da Ribeira Velha, por
dizer a nossa Historia , que as casas da Judiaria se edi
ficarão junto ás laracenas , termo que na linguagem
antiga exprimia o mesmo, que Arsenal de Marinha; e
sabe-se, que a Judiaria oceupava huma parte do Bairro
de Alfama fronteiro áquelle sitio. ■• ■.
(1) Historia Genealógica da Casa Real , tomo l.°, pag. aoa.
(a) Acenheiro, na Chronica deste Rei, Cap.° 14. — MonarchiJ
Lusitana, tomo 6.", L." 18.
CO fllonarchia Lusitana, tomo 5.% L° 16, Cap.° ia.
3
18

Aproveitando EIRei a occasião de achar-se era


Lisboa Manoel Paçanha, Fidalgo Genovez de grande
reputação , ^e experiência no serviço naval, o nomeou
Almirante do Reino de juro, e herdade, por Carta
passada em Santarém no i." de Fevereiro de 1222 (r),
na qual assignou também a Rainha, e o Infante D.
Afíonso , herdeiro do Reino. Exaqui o extracto das
principaes clausulas deste importante documento : Que
EIRei, considerando ser do seu serviço, que Manoel
Paçanha ficasse em Portugal , e mais os seus suecesso-
res, por seu Almirante para o servir, e a todos os ou
tros Reis seus suecespores, lhe dava para sempre em
Lisboa o lugar da Pedreira, com todas as proprieda
des, regalias, e direitos que lhe pertencido. Que lhe
daria mais em cada hum anno três mil livras em di
nheiro, moeda de Portugal ( 480^000 reis ) , pagas ena
três pagamentos, no i.° de Janeiro, no i.° de Maio,
e no i.° de Setembro, a começar daquelle anno que
hia correndo de 1317 (o que mostra ser o Contrato
celebrado cinco annos antes da Carta). Que este orde
nado duraria até lhe dar alguma Villa, Lugar povoa
do, ou Herdade que rendesse igual quantia.
Que Manoel Paçanha, ou seus suecessores, pode
ria vender o lugar da Pedreira, ou fazer delle o que qui-
zesse ; mas que o produeto ficaria em Morgado na sua
familia, em linha direita, passando do pai ao filho legi
timo mais velho Secular, que podesse servir o Cargo
de Almirante com as condições nesta Carta estabeleci
das, de que lhe faria pleito, e homenagem.
Que Manoel Paçanha, e todos seus suecessores,
serviria bem, e lealmente, nas Galés, sempre que fos
se chamado; mas não seria obrigado a sahir ao mar
com menos de três Galés.

(1) Provas ;í Historia Genealógica, tomo 1.% pag. oj.


19
Que sahindo EIRei pessoalmente ■em- Campanha
com Exercito, e mandando-o chamar, oacorupanha-
ria, e serviria em terra. . . ' V., ■'.-.',
Que o Almirante, e seus successores, se obrigava
a ter sempre promptos vinte Genovezes inteliigentes na
navegação, para servirem de Alcaides e Arraizes das
Galés, pagando-lhes á sua custa quando nno estivessem
empregados no serviço Real ; podendo porém elle em
prega-los neste intervallo de tempo, em utilidade. suá
própria, no Commercio naval para Pa izes estrangei
ros; obrigando-se a aprompta-los no caso de serem ne
cessários para o serviço Real. : > ■■>
Que quando estes vinte homens servissem nas Ga
lés d 'El Rei,- venceriáo, o Alcaide doze livras e meia
( zèoco rs. ). por ,mez , e o Arraes oito livras ( 1^280 ) ,
alem de pao , biscoito, e agua. :■■'■'
Que desertando, ou morrendo algum destes vinte
homens, o Almirante mandaria vir outro á sua custa,
no espaço de oito mezes. , \',;y I .
Que adoecendo, ou envelhecendo alguns daque
les homens no serviço Real ,' . o Almirante não seria
obrigado, a pôr outro para servir em seu lugar, senSo
no caso de fallecimento.
Que EIRei lhe concedia, e a seus successores, a
quinta parte das presas , que elle no mar fizesse com as
Galés Reaes , exceptuando cascos das embarcações , ar
mas , e aparelhos, e Mouro de mercê , por serem coi
sas privativamente d'ElRei ; mas quanto ao Mouro de
mercê , se EIRei o quizesse tomar para si, o pagaria
pelo preço então corrente , que érão cem livras
( 1 6&000 rs. ) de que o Almirante teria a quinta par
te (1).

CO Acenheíro, nas Chronicas dos Reis, dp.* 15, paj. 86!.diz


que no anno de 1*79, pondo EIRei D. Affonso III. casa a seu filho
3 ii
20

Que o Almirante teria jurisdicção, e mando so


bre todos os homens que com elle estivessem nas Ga
lés d'ElRei, tanto em Frota, como em Armada (r),
ou no mar, ou nos Portos onde entrasse, sendo todos
obrigados a obedecer-lhe como se EIRei estivesse alli
presente; e todos os que fossem nas Galés obedecerião
aos seus Alcaides , como era de costume.
Que o Almirante poderia castigar nos corpos, sen
do com direito e justiça , aos que lhe desobedecessem,
como o próprio Rei faria se presente estivesse.
Que esta jurisdicção se entenderia desde o dia era
que se armassem as Galés , até ao ultimo dia çm que
o Almirante desembarcasse.
Que acontecendo, que Manoel Paçanha, ou seus
successores , que o Feudo herdassem , não deixasse filho
varão legitimo, e Secular capaz de servir o Cargo de
Almirante , ou não havendo outro herdeiro varão legi
timo, e Secular que delle descendesse por linha direi
ta, legitimamente nascido, tornasse o Feudo para a
Coroa.
Em consequência desta jurisdicçao mixta de que
gosava o Almirante, derao-se-lhe Officiaes de Justiça
privativos, Ouvidores, Meirinhos, Alcaides, e Carce
reiros, com appellaçao dos Alcaides para o Almiran
te , e deste para EIRei.
As ceremonias que se praticavão na posse deste al
to Emprego, erão estas: Feita de noite a vigília na
Igreja, como era usual em todos os actos dos Cavallei-
ros, hia o Almirante no outro dia ao Paço, e EIRei
em sala publica lhe mettia hum annel no dedo da mão
direita , e na mesma huma espada curta , e na mão
D. Diniz, lhe dera 40^000 livras de renda, que erlo iguies a i6j>
_.. i.„
crina tos
(1) No» tempos antigos cham»va-«e Frota a hum pequeno numero
de navios de guerra, c Armada a hum grande numero dos mesmos.
21

querda hum estandarte com as Armas Reaes; e feito


isro, dava-lhe o Almirante homenagem com o jura
mento do costume (i).
1295- — Neste anno , ou no seguinte , mandou El-
Rei de Castella contra Portugal huma Armada de
Náos , e Galés, a qual entrando em Lisboa, tomou al
gumas embarcações mercantes, que estavão carregadas;
mas o Almirante de Portugal (não diz o nome) , qué
alli se achava, armou á pressa algumas Galés e segtiio
os Castelhanos; e alcançando-os no mar alto, lhes deu
batalha, e os trouxe a Lisboa todos, juntamente com
as presas, que levavão (2). Esta narração he suspeita,
por inverosimil ; porém foi a única transacção naval,
que achei hum pouco explicada , por quanto as nossas
Historias antigas são em geral silenciosas em objectos
de Marinha.
Falleceo EIRei D. Diniz no anno de 1325V

Reinado tPElRei D. Afonso IV.

Este Monarcha , que nas suas transacções milita


res, e politicas sustentou o caracter de hum Heroe , e
chegou a fazer esquecer os indesculpáveis desvarios da
sua mocidade, deu todo o seu desvelo á Marinha, e
ao Commercio que a alimenta. Seguindo o systema de
seu illustre Pai, conservou sempre huma Esquadra de
guarda-Costa de três Galés , e cinco navios grandes (%)y
para protecção do Commercio marítimo, que era então
grande, principalmente em pescarias, tanto das Provin
das do Norte de Portugal, como do Algarve, das
quaes se provia o Reino todo , e se exportavão grandes
quantidades deste género para os Paizes estrangeiros k
(1) Sererim, Noticias de Portugal, Discurso a.», §. 1 {.
(a) Duarte Nunes , Clironica de D. Diniz.
(}) Vede Severia», Noticias de Portugal, Discurso a.* §. 15»
22
/dentro e fora :do Mediterrâneo. Nem os Pescadores Por
tugueses se restringião a pescar nos seus mares, pois
consta que os de Lisboa, e Porto fizerao hum Tratado
com Eduardo III. , Rei de Inglaterra , para pescarem
nas Costas daquelle Paiz, e nas Frovincias da França,
que então dependião daquella Coroa (r). Estas úteis
especulações, que hoje talvez pareção a muitos exagge-
radas, erão fáceis naquelles tempos, em que só Tavira
tinha seus próprios setenta barcos de pesca , e muitos
navios de navegação do mar alto, e as outras Cidades
marítimas de Portugal o mesmo á proporção.
No Reinado deste Principe se começarão a intro
duzir cm Portugal as Sciencias Mathematicas, envoltas
nas quimeras da Astrologia Judiciaria (z) ; e o famoso
Napolitano FJavio Gioia descobrio a Agulha Náutica,
posto que muitos annos depois he que se achou a sua
Variação, e se forão pouco a pouco inventando roetho-
dos mais ou menos fáceis e seguros jpara a conhecer
diariamente no mar. Mais tarde descobrio-se , que a
mesma Variação também variava ; e a pesar de milha
res de observações , ignoramos ainda as leis, que pro
duzem esta segunda Variação ; e só sabemos , que era
matéria tão importante á Navegação, resta muito para
descobrir.
1336 — Deu EIRei o commando dê huma Esqua
dra de vinte Galés, guarnecidas com dois mil homens,
a D. Gonçalo Camelo, que sahindo de Lisboa nos fins
de Agosto, appareceo na Costa da Andaluzia, e foi
surgir na bocca de hum riacho, quatro léguas (entendo
CO Veja-se a Memoria sobre a Guaxima, de José Henriques Fer
reira, no tomo 1.", pag. 1.' das Memorias Económica? da Academia
das Sciencias de Lisboa; e também a outra interessante Memoria de
Constantino Uotelho de Lacerda Lobo, no tomo 4.0 pag. jia da cita
da Collecçáo Académica,
(2) Memorias de Litteratura da Academia das Sciencias de Lisboa ,
tomo 8.°, pag. 148, e seguintes.
23
sempre léguas de vinte ao gráo) a Leste do Guadiana.
O seu projecto era assaltar a Villa de Lepe , situada na
margem occidental do mesmo riacho, e liuina légua
distante da sua foz. Para este fim , passou aos seus ba"
teis os soldados , que nelles couberão , e foi desembar
car no lugar que bem lhe pareceo, ainda que não sem
sangue, porque os Hespanhoes se oppozerão á desem-
barcação (i). Ganhada a Villa, e o seu pequeno Cas-
tello, talarão os Portuguezes a campanha por dilatado
espaço, mas reunindo-se os Hespanhoes, capitaneados
por D. Nuno Portocarréiro, Governador de Lepe, fa
rão rechaçados, com perda, e obrigados a recolher-se
aos seus navios, levando comsigo os despojos.
No dia oito de Setembro mandou D. Gonçalo Ca
melo desembarcar hum destacamento para cortar hu-
mas vinhas , e acodindo o Portocarréiro com muita
gente, desembarcou D. Gonçalo em soccorro dos seus:
depois de hum furioso combate , se retirarão os Portu
guezes, deixando nas mãos dos inimigos o seu General
prisioneiro , e levando do mesmo modo mortalmente
ferido a D. Nuno , eom outros dois Fidalgos , que tro
carão por D. Gonçalo. Depois desta miserável expedi
ção, a Esqundra se fez á vela para Lisboa , e soffreo
no caminho hum temporal, que a maltratou muito,
bem como destroçou hum formidável armamento de
quarenta embarcações, que sahirão de Sevilha em bus
ca da Esquadra Portugueza.
Neste mesmo anno fizerao os Hespanhoes huma
entrada na Província do Minho, e EIRei D. Affonso,
ou por fazer diversão a outra, ou por vingar-se desta,
mandou sahir de Lisboa o Almirante Manoel Paçanha
com huma Armada , de que se ignora a força , mas de
via ser considerável , porque a ella se reunio a Esqua^
(1) Duarte Nunes, Chronica de D. Affcmso IV. — Alonarchia Lu
sitana, tomo 7.0 , L." 8.°, Cap.» ia.
24

dra que voltara da expedição da Andaluzia. Correo o


Almirante as Costas do Norte da Península até aos con
fins das Astúrias (i), entrou em todas as Rias, e En
seadas, e tomou, ou destruio todas as embarcações ini
migas que por ellas encontrou; recolhendo-se por fim
sem perder hum só navio.
1337 — No principio deste anno partio de Sevilha
huma Armada Castelhana de quarenta Galés, cora se
te mil e quinhentos homens, commandada pelo Almi
rante Affonso Jofre Tenório; e de Lisboa sahio o Al
mirante Paçanha com trinta Galés a encontra-la na
Costa do Algarve; mas huma furiosa tormenta derro
tou ambas , com perda de muitas Galés , e gente , reco
lhendo-se aos seus Portos as que se salvarão (2).
Reparados do modo possivel os estragos da tem
pestade, partio segunda vez no mez de Julho o Almi
rante Paçanha com vinte Galés, e no dia 21 encontrou
cm Cabo de S. Vicente a Armada Hespanhola , que o
buscava com dobrado numero de Galés. Abordadas hu-
mas e outras , travou-se huma horrorosa batalha que
durou largo espaço, em que os Portuguezes chegarão
a render nove, porém a iramensa desigualdade de nu
mero fez mudar a fortuna , declarando-se a victoria pe
los Castelhanos, que tomarão a Capitania de Portugal,
com algumas outras Galés, mettérão duas a pique, e re
presarão as suas ; levando em triunfo a S. Lucar ( á
custa de muito sangue) o Almirante Paçanha, e seu
fi lho Carlos Paçanha. O resto da Esquadra Portugueza
recolheo-se a Lisboa, ainda que vencida, com hon-
xa.(3)
( 1) Monarchia Lusitana , tomo 7.0 , L.° 8.° , Cap.° ia.
(2) Duarte Nunes relata este facto no anno de 1 a6 , e dá a ea»
tender que a Esquadra Portugueza se perdeo. Vede a sua Chronica. Eu
«egui outra opinião, vede Monarchia Lusitana tomo 7.0, L.° 8.°, Cap.°i4.
(<) Monarchia Lusitana, tomo 7.0 , L.Q 8.°, Cap.os ia, c 14.
25
A perda das nove Galés Castelhanas no principio
da acção (se he verdadeira), mostra que o seu Almi
rante ignorava os elementos da Táctica, sendo tal a
sua superioridade numérica , que elle podia cercar logo
a Esquadra Portugueza , e decidir a victoria; mas he
inútil discorrer quando faltão dados certos, em que as
sente o raciocínio.
1340 — Neste anno foi a terrível invasão dos
Mouros, que se lhe mallogrou na batalha do Snlado.
Como elles havião de atravessar das Costas -de Barbe-
ria para as de Hespanha fronteiras ao Estreito de Gi
braltar, onde possuião esta Praça, e a de Algeziras,
concordarão os Reis de Portugal , e Castella em reuni
rem huma armada, que cruzasse naquellas aguas, para
interceptar a passagem dos Mahornetanos. Este plano
era judicioso, e de infallivel suecesso, mas falhou na
execução. Escolheo-se Cadiz para o ponto de reunião
das Esquadras de Portugal, Castella, Aragão, e Géno
va , de que devia compor-se a Armada. Chegou primei
ro a Esquadra Portugueza , commandada pelo Almiran
te Manoel Paçanha , e alli achou a Castelhana de quin
ze Galés, e doze Náos, de que era General D. Affon-
so Ortiz; e tanto tempo tardarão as oirtras duas Esqua
dras, que quando a Armada, a final sahio, tinha o Exer
cito Africano passado o Estreito , e se achava era Al
geziras prompto a começar as suas operações militares;
e a Frota de Galés que o comboiara , estava ja reco
lhida aos seus Portos.
Sahirão de Algeziras os Reis Mouros a cercar
Tarifa, Praça então mui forte, e da maior importân
cia. A Armada Catholica estendeo-se por aquella face
do Estreito, a fim de proteger a Praça ,, e obstar a al
gum ataque marítimo, se os inimigos o intentassem.
Huma tormenta de vento Ponente, que sobreveio, pró
pria daquella estação, a derrotou totalmente , espa
4
20

lhando os navios por vários Portos do Mediterrâneo,


e fazendo naufragar muitos em que entrarão oito Ga
les Castelhanas, e quatro Náos Portuguezas. Assim aca
bou a campanha (i).
Ou neste mesmo anno, ou no seguinte de 1341,
começando novamente o Rei de Marrocos a mandar
tropas a Hespanha , a fim de que unidas ás de Grana
da, se tentasse segunda invasão, mandou ElRei D.
Affònso o Almirante Paçanha com dez Galés bem ar
madas em soccorro do de Castella , e juntas no Estrei
to as duas Esquadras, interceptarão na passagem huma
Esquadra Africana, que de Ceuta atravessava a Estepo-
na; e dando-Ihe batalha, a derrotarão.
Neste meio tempo , a Frota Mourisca , que havia
ja desembarcado em Algeziras as tropas, que conduzi
ra para esta nova invasão , achava-se ancorada no Rio
de Palmones, huma légua ao Norte daquella Cidade.
As Esquadras combinadas a forão ahi atacar, e depois
de grande resistência, tomarão vinte e seis Galés, e
mettérlo muitas a rique, de maneira que poucas embar
cações escaparão. Morrerão na peleja os Almirantes de
Granada , e Marrocos ; e para maior fortuna , achou-se
a bordo de huma Galé quantidade de dinheiro em ouro*
e prata , que de Marrocos se enviava para pagamento
do seu Exercito, e veio a servir para o de Hespanha.
Estas duas vktorias custarão aos inimigos mais de cem
navios, e destruirão os seus projectos oe invasão (1).
1343 — Determinado ElRei de Cas-te;la a cercar
Algeziras, pedio aux.Iio aos Príncipes Christãos: D.
ASònso mandcu-!he o Almirante Paçanha com dez Ga
lés, as quaes unidas ás Ese-aadras de Castella, Ara
gão, e Génova, bksj-aeárão a Praça por soar, em
quanto o Rei de Castella a sitiava por terra cora hum
27
poderoso Exercito , que abrio a trincheira a 25* de Ju
nho: alli concorrerão muitos Príncipes estrangeiros com
tropas, em cujo numero se contou hum grosso destaca
mento de Portuguezes, commandado por D. Álvaro
Gonçalves Pereira. G cerco foi trabalhoso, assim pela
resistência dos defensores, como pelas tempestades, e
inundações dos invernos, pois durou vinte e dois me-
zes; e só depois da destruição de hum Exercito Grana
dino , que intentou soccorre-la , capitulou a Praça nos
princípios de Abril de 1344. He provável que as Es
quadras combinadas se recolhessem nos máos tempos a
Cadiz, e tornassem ao bloqueio nas estações favoráveis.
■ I349 — Não foi tão feliz EIRei deCastella no cer
co de Gibraltar, que este anno emprehendeo , como fo
ra no de Àlgeziras. Mandou EIRei D. Affonso em
seu auxilio hum corpo de tropas, e huma Esquadra de
Galés: unirão-se a esta a de Aragão, eCastella, e blo
quearão a Praça por mar. Começou o sitio em Setem
bro, e durou até 17 de Março do anno seguinte, dia
em que o Rei de Castella falleceo do contagio, que as
solava, e quasi tinha destruído o seu Exercito. Com a
sua morte se acabou o cerco (1). t
Falleceo D. Affonso no anno de 1357»

Reinado d'ElRei D. Pedro I.

No Governo deste Monarclia , terrível, aos máos ,


e estimado dos bons , só encontrei duas expedições ma
rítimas, ambas em consequência de hum Tratado, que
celebrou com EIRei D. Pedro o Cruel , para o auxiliar
na guerra contra Aragão, com huma Esquadra de dez
Galés, pigas á sua custa por três mezes.
135-9 — Partio em Abril de Lisboa o Almirante

(1) Monarchu LUiltahry L.0 7.°, tomo io.° , Cap.° 11,


4 ii
28

Lançarote Paçanha ( a quem succedeo a triste aventura


com Violante Vasques) commandanJo dez Galés, e hu-
ma Galeota bem guarnecidas (i). Na foz do Ebro en
controu elle a D. Pedro o Cruel com oitenta Nios de
castello davante , trinta e huma Galés, e quatro na
vios pequenos. Encorporada a Armada , dirigio-se a
Barcelona, onde o Rei de Aragíío se achava, cujo
Porto nao ousou D. Pedro accommetter , por estar de
fendido por doze Galés atravessadas na sua entrada, e
protegidas pelos tiros das fortificações. Abandonando-
pois aquella empresa , navegou para a Ilha de Iviça, e
sitiou a Villa deste nome-, mas sabendo que o Monar-
cha Aragonez era chegado a Malhorca com quarenta
Galés, levantou o cerco, e mettendo-se em huma gran
de Galé, a que mandara fazer três castel los, hum na
popa, outto no centro, e outro na proa, guarnecidos
de duzentos e oitenta soldados, foi abrigar-se em Por
to Calpe, na Costa de Hespanha , com toda, ou parte
da sua Armada. A Esquadra Aragoneza , que o seguia ,
comman lada pelo Almirante D. Bernardo Cabreira (o
seu Rei tinha ficado em Malhorca ) , veio á vela tor
neando a terra, da banda do Levante, e como a Cos
ta alli bóia muito, nao vio os navios fundeados em
Porto Cafpev mas duas Galés, que trazia diante, os
descobrirão, e lhe fizenlo signaes, o que o obrigou a
recolher-se no Porto d^ Dénia , que lhe ficava atraz,
0:ide surgio. EIReiD.Pedro, não oquerendo hir atacar,
pela estreiteza do canal, em que as Galés Aragonezas es-
tavão, continuou a sua viagem para a Bahia de Ali
cante, que tinha próxima , onde o esperou seis dias, e
dallJ se recolheo a Carthagena. A Esquadra Portugue--
za, havendo completado os três raezes de serviço, a.

(O Fenúo Lopa na Chronici d'ElRci D* Podro, Cap.0 14.


29

que estava obrigada , voltou para Lisboa. Esta expedi


ção foi o parto da montanha.
1564 — Partio de Lisboa Lançarote Paca nha com
dez Galés em auxilio de outra expedição contra os
Aragonezes. Em Carthagena se reunio >esta Esquadra
com outra de Castella , compondo ambas huma Arma
da de trinta Galés , e quarenta Náos ; mas os ventos
Levantes não lhe permitrirao sahir daquelle Porto a
proteger o sitio, que EIRei D. Pedro tinha posto a
Alicante; e neste meio tempo chegou o Rei de Aragão
com hum Exercito em soccorro da Praça , e huma Es
quadra de doze Galés, com outros navios carregados
de munições; o que sabendo com anticipação D» Pe
dro, levantou o cerco, e foi tomar outra posição qua
tro léguas distante, o que fez entrar o soccorro na Pra
ça. Doze dias depois appareceo a Armada combinada,
á vista da qual os Aragonezes se recolherão a hum Rio
visinho , onde D. Pedro os bloqueou ; porém hum ven
daval de Levante, que poz em perigo as suas Náos, e
sobre tudo a monstruosa Galé Real , que perdeo três
ancoras , e aguentou-se á mercê da quarta , o persuadia
a tomar o caminho dos seus Estados, logo que o tem
po abonançou, levando a mesma gloria , que da campa-
aha antecedente. O Almirante Paçanha retirou-se para
Portugal (i)_ j
Falleceo EIRei D. Pedro I. no anno de 1367*

Reinado d*EIRei D. Fernando.


. 4

No Governo deste Monarcha soffreo Portugal tão


rápida declinação da sua prosperidade interior, que po
deria conduzi-lo á ultima ruina, se os acontecimentos
succcssivos á sua morte , pondo cm fermentação o maia

(j.) Idem, CapiíulD 35. 1 --


exaltado patriotismo , nlo dessem a conhecer hum no
vo, e inesperado caracter, que mudou inteiramente o
systerna politico da Europa, e fez com que Lisboa
apresentasse d'ahi em diante huma scena de tal modo
interessante, que attrahio sobre si a attençao de todas
as Nações.
Na época do fallecimento d'ElRei D. Pedro I.
era Portugal hum dos Paizes mais ricos, e florecentes,
segundo os monumentos históricos que nos restão , por
conter em si as duas fontes principaes das riquezas; hu
ma boa Agricultura, e o Commercio marítimo, que
transportava os seus produetos aos outros Povos da Eu
ropa. Todos os Cereaes, e mais géneros necessários á
sustentação dos homens, abundavão em Portugal (i).
As suas Pescarias erão immensas, incluindo a da Ba-
lea , e na Costa do Algarve a do Coral , que ainda du
rava no tempo de D. AfFonso V. (2). Os Portos de
Vianna , Aveiro , e Villa do Conde, é os do Algarve
não estavão areados, como depois ficarão , e nclles se
construirão navios que levavão a Galliza , -e Biscaia , e
aos Portos do Mediterrâneo os produetos das Marinhas
de sal, e Pescarias. Só Aveiro empregava mais de cem
embarcações no transporte daquelle primeiro género ,
o que durou até 157o (3); e Vianna possuía 'Outras
tantas, que navegavão para difFerentes partes (4).
Os navios estrangeiros affluião aos nossos Portos,
por se haverem estabelecido em Lisboa opulentas casas
de commercio de varias Nações ; e achavão-se aqui
muitas vezes mais de quatrocentos vasos a carregar de

(í) Fetnío I/spes, Clironica d*EIRei D. Fernando, Cap." 89.


; Ca) O. mesmo na dita Chronica , Cap.°5 90, e 91 — Vede a Me-
nKxi* sobre a decadência das Pescarias, uai Memorias da Academia de
Lisboa , como 4.° , pag. j l 2.
(j) Corografia Portugueza , tomo 2., pag. 117.
£4) Idem, tomo i.°, pag. «90.
31

sal, e vinho, sendo ta! a exportação deste ultimo ar»


tigo, que affirma Fernão Lopes (i), que bum anno
chegou a doze mil toneis (talvez toneladas, segundo
o- modo de fallar daquelles tempos), fora o que leva-
rao depois os navios na segunda carregação de Mar
ca. Por isso erao tão grandes as rendas das AJfander
gas , como diz o mesmo Historiador (2) ; e asscmbra
ver os thesouros que este Monarcha achou por morte
d'ElRei D. Pedro seu pai, que .só na Torre <,do<Aver
do Custeilo de Lisboa estavão 800&OCO peças de ou*
ro (ou dobras), e 400&000 marcos de prata (j);:á|etn
do outro aver em grande quantidade , qse em certos
lugares pelo Reino era posto. .:,...-•
O génio pródigo d'ElRei D. Fernando ( que. aliás
possuia qualidades estimáveis), e as suas guerras sem*
pre dispendiosas, e quasi sempre impoliticas, ou mal
dirigidas, consumirão tantos thesouros, e o constr.an*
f;êrao 3 recorrer ás tristes operações fiscaes , de que fal*
ão nossas Historias , cujo resultado foi aniquilar-sç
por fim a Marinha Real , e ver-se Lisboa insultada , e
invadida pelas Esquadras de Castella , que este Princir*
pe poderia fazer tremer dentro dos seus Portos.
Deve-se porém dizer, em obsequio da verdade,
que elle não se esqueceo de promover as vantagens
do Coramercio Portuguez, e augmento das construcr
çóes navaes no seu Reino; .porque depois de publicar
algumas Leis para restaurar a Agricultura , quasi ar»
minada pelos estragos da guerra, conhecendo 05 inter

(1) No principio 'ca Chronica dTSftlel D. Fernanda '-••■ '>


- (a) Ibidem. ' i '•_ . . v . , _,. .■ J(-4 : ;o:,;
(j) Ibidem. O marco de ouro de 22 quilates valia naquella época
7)80 fs. y e continha 50 dobras, o que daria hoje 4:6c Cçjjoco cruza
dos, pouco mais ou menos. O marco de prata valia 972 rs. , e assim
estes 400^000 marcos produzirião- hoje huma ivual- quantia. Vede a
historia Genealógica da Casa Real, tomo 4." x livro j.
32

resses que os Estrangeiros percebião dos fretes de con-


ducçso , e retorno dos seus navios , que vinhío a Lis
boa, Ordenou: Qye os Portuguezes, que construissem
navios de cera toneladas para cima, podessem cortar
nas Matas Reaes, e conduzir a Lisboa as madeiras, e
-mastros que quizessera , sem pagarem cousa alguma,
nem mesmo os direitos dos materiaes , que lhes vies
sem de fora. Que aquelles, que comprassem, ou ven
dessem navios feitos , não paguem por isso direitos.-
Que aos proprietários de navios, da primeira viagem
que sahissera carregados de Portugal , se lhes perdoa-
riáo todos os direitos das mercadorias que levassem , de
qualquer natureza , que fossem , e ou suas, ou alheias:
È que aos proprietários destes navios se lhes abateria
metade dos direitos de toda a qualidade de géneros,
que da primeira torna-viagem carregassem de Portos es
trangeiros para Portugal, ou os géneros fossem seus,
ou alheios. Alem destes grandes favores , concedia-lhes
também muitas isenções , e privilégios (i).
Após destas utilíssimas providencias, creou EIRei
huraa Companhia de Segurança Naval (2), de que Pal
iarei no seu competente lugar ; c creio ser a primeira
desta espécie, que appareceo na Europa. Creou igual
mente o Posto de Capitão Mor da Frota , que era co
mo hoje o de Capitão General do Mar ; ainda que pa
rece não se estendia o seu commando ás Galés, cujo
governo competia privativamente ao Almirante, exce
pto na falta deste; e só governava tudo quanto era re
lativo aos navios de alto bordo. Gonçalo Tenreiro foi
o primeiro nomeado. Ignora-se o anno certo desta crea-
çãoj mas sabe-se, que a 2; de Julho de 1373 lhe fez

(i) FemSo Lope» , Caphulo 90*


{ij Idem , Capitulo 91.
33

EIRei mercê de AJger, com a sua Ribeira, e outras


Terras, em remuneração de serviços (i).
1369 — Entrando EIRei por Galliza para fazer
guerra a D. Henrique de Castella (2) , foi huma Es-'
quadra de oito Galés , commandada por Nuno Mar
tins de Góes, auxiliar por mar as suas operações milita
res, onrie fez algumas presas; mas tendo EIRei ja toma
do sem resistência as Cidades deTuy, c da Corunha, so
bre o aviso de que D. Henrique chegava com grande
Exercito em soccorro da Provinda invadida , 'fez reco->
lher as suas tropas a Portugal; e elle, embarcando-se
na Esquadra , veio para a Cidade do Porto.
Em Maio deste mesmo anno mandou EIRei D.
Fernando huma Armada de trinta e duas Galés, e trin
ta navios redondos, todos bem armados: commandava
cm Chefe o Almirante Lançarote Paçanha , e os na
vios redondos- João Focim , emigrado Hespanhol. Esta
Armada fez grandes damnos na Costa da Andaluzia■■,
sobre tudo em Cadiz, que foi saqueada, e quasi de
struída , e dalli passou a bloquear Sevilha, estabclecen-
do-se as Galés dentro do Rio Guadalquivir, e os navios
grandes fora da sua entrada. Este activo serviço du
rou muitos mezes , revezando-se os navios por varias
vezes, vindo huns ao Algarve, e Lisboa a refazer-se
do necessário ■, para irem render os outros no bloqueio;
onde, apezar de rodos os soccorros , morreo muita
gente de enfermidades, principalmente de escorbuto,
e soffrerão as equipagens fomes, e privações de toda a
espécie, não só pelo continuo trabalho , e inclemência
dos tempos , mas pelo atraso que soffrião as remessas,
que de Lisboa se fazião para a Armada, de viveres,
munições, e fardamentos, tudo procedido das estações,
havendo durado este cerco mais de hum anno sem in-
(1) Motiarchia Lusitana, tomo 8.° Ua la , Cap.' aô,
{1) ternáo Lope», Cap.°* ji', « ja» - • .
ò
34
terrupçao, e Escritor temos, que affirma, que durou'
vinte mezes (i).
Vindo neste meio tempo a Sevilha EIRei D. Hen
rique, fez armar vinte Galés, que estavão naquelle Arse
nal, e entregou-as ao Almirante Ambrósio Bocca-Negra,
hábil marinheiro, que guarnecendo as o melhor, que pô
de , de soldados, e de reraeiros ( as Galés erão de trinta
bancos, a três homens cada hum, e deviáo ter cento
e oitenta remos, mas por falta delles, levarão somente
cem), se. aprestou para pelejar com a Esquadra Por-
tugueza; cujo Almirante, não julgando acertado com
bater dentro.de hum Rio estreiro , onde a corrente
era à favor dos inimigos, pelo impulso que imprimia
ás suas Galés, sahio ao largo a unir-se ao resto da Ar
mada Portugueza. O astuto Bocca-Negra o seguio
com pouca. pressa algum tempo, como para ganhar es
paço em que formar-se, e metrendo se .entre tanto a
noite, fez voltar para Sevilha a sua Esquadra, menos
sete Galés , com que se fez no bordo de Oeste , sem ser
visto, e dobrando -o Cabo de S. Vicente, foi- buscar os
Portos de Galliza, e Biscaia, onde armou , e reunio
todas as forças raaritima«, que por elles achou, á testa
das quaes voltou a soccorrer SeviHia. i
O Almirante de Portugal tinha oceupado de nnvo
a sua antiga posição dentro do Guadalquivir, e estava
bem descuidado do perigo , que o ameaçava, quando
appareceo Bocca-Negra com numa Esquadra formidá
vel , e surgindo na entrada do Rio lhe cortou a sala
da para combater , ou retirar-se. Parece , que os navios
d'alto berdo Portuguezes tinhão então largado o blo
queio, talvez para se irem prover ao Algarve, ou Lis
boa, como costumavão; pois que este acontecimento

(i) Monarchia Lusitana, tomo 8.°, L.° aa, Cap." 15 , e 16. Ve-
de também í enuo Lopes , Cap.0* 4a , e seguintes»
35
he ja do anno de 1371. Hum feliz estrategema salvou
a Esquadra da ultima ruina : tinhao-se tomado duas
embarcações inimigas carregadas de azeite, e o Almi
rante Paçanha, aproveitando-se de huma noite escura ,
e de huma forte corrente, as largou incendiadas pelo
Rio abaixo, o que metteo os Hespanhoes em tal con^'
fusão, que cortarão, ou largarão logo as amarras , pa
ra as deixar passar; e as Galés Portugiiezas, que as se-
guião de perto em linha mui cerrad. t , ganharão 6 mar
largo , e navegarão para Lisboa a salvamento.
1370 — Partio de Lisboa em Março para Barcelo
na httma Esquadra de sete Galés, para trazer a Infan
ta D. Leonor, filha de D. Pedro, Rei de Aragão, com
a qual EIRei D. Fernando se contratara a casar , o-
que não teve effeito. Estas Galés hião soberbamente
adornadas, com particularidade a Capitania; e toda
a gente , que as guarnecia , incluindo os remeiros , vesy
tidos de seda de varias cores. Ignoro o nome do Che
fe, que 'oorpmandava a Esquadra , senão era o Conde
D. João AfFonso Tello , a quem hia encarregada a
commissão de conduzir a Infanta , e a distribuição do
grande cabedal que EIRei mandava (1) p2ra differen-
tes despesas. ■ ■ r
, -i\ Na noite de 13 de Fevereiro, deste mesmo anno
houve tão grande tormenta em Lisboa , que naufraga
rão muitos navios mercantes, é a maior parte, de huma
Esquadra, que- se estava armando, em que se affògou.
muita gente. (a).
(O Ff- Manoel dos Santos no tomo 8.° da Monarchia Lusitana,'
L* 2a, Cap ° 16, diz, que a Esquadra levara quatro Itiil marcos óê-
curo, que hoje' valerião 1 :i 52^000 cruzados. Duarte Nunes- de Leão
na sua Chrouica d'ElRei D. Fernando, d»z que levava desoito 'quintaé*
de atiro ; e Fernão Lopes na Curou ica deste Rei , Cap.3 48 , escreve j
que erão até quatro mil marcos de ouro , e prata nenhuma.
(2) Fernão Lopes, Cap.° $9 — Duarte Nunes, Ghronica do mes
mo Rei. • : ''.'■".' : ' • 'i ■ >
5 ii
3G

1373 — ^m Fevereiro deste anno cercou D. Hen


rique a Cidade de Lisboa com grande Exercito , e EI-
Rei D. Fernando, que estava embetesgado em Santa
rém, expedio logo o Almirante Paçanha, João Focira,
e Vasco Martins de Mello, para armarem os navios,
que lhes fosse possível , e defenderem o Rio a huma
Esquadra de doze Galés , com que o Almirante Bocca-
Negra vinha de Sevilha a bloquear o Tejo. Armadas
com brevidade quatro Galés, e alguns navios redon
dos, se fez o Almirante á vela para ir encontrar os
inimigos; e pouco se tinha aftastado da Cidade, quan
do descobrio algumas Galés Castelhanas adiantadas da
sua Esquadra, que ja vinha entrando. João Focim , que
comraandava as Náos , queria com razão , que se abor
dassem estas primeiras Galés, que serião infalivelmente
rendidas, porém o Almirante, por cobardia, ou igno
rância o não consentio; e assim vicrão ellas a salvo
dar fundo diante do Arsenal, e apôs d'ellas toda a
Esquadra j fazendo o mesmo a Portugueza pouco arre
dada.
Os Hespanhoes reforçarão logo com muita gente
as guarnições das suas Galés ; e Paçanha , pelo contra
rio, abandonou as suas para ir ao Senado da Camará a
pedir-lhe conselho. João Focim desembarcou também;,
e os soldados, vendo em terra os seus Generaes fizerão
o mesmo, ficando a bordo das Galés, e navios os mari
nheiros , e as chusmas. Aproveitou-se Bocca-Negra
de occasião tão opportuna , e investindo a Esquadra
Portugueza, tomou alguns navios, mas as Galés escapa
rão fugindo pelo Tejo acima.
EIRei, indignado da condueta do seu Almirante,
tirou-lhe o Posto , e o proveo no Conde D. João
Affonso Tello, que tinha muito valor, e nenhuma pe
rícia naval (i).
Li) Fernão Lopes, C»p.° 74.
37

1274— Neste anno, ou no seguinte mandou El-


Rei D. Fernando o Capitão Mor do Mar cem cinco Ga
lés bem armadas em auxilio do Rei de Cnstella, contra
os Inglezes , as quaes reunindo-se a huma Esquadra
Hespanhola , que commandava o Almirante Fernão
Sanches de Tovar, forao ás Costas da Inglaterra, on
de fizerão alguns damnos (1).
138 1 — Para obstar ao mal, que poderião fazer
ao Commercio , e Povoações marítimas de Portugal as
forças navaes, que se preparavão em Sevilha, fez El-
Rei D. Fernando aprestar huma Esquadra de vinte é
huma Galés, huma Galeota , e quatro Náos, que -sábio
de Lisboa a 11 de Julho. Era seu Almirante o Conde
de Barcellos D. João Affonso Tello , na Galé Real , e
Capitão Mor Gonçalo Tenreiro, embarcado em outra:
commandavão as demais Galés, Estevão Vaz Filippe,
Gonçalo Vasques de Mello, Aires Pires de CamÉes,
João Alvares Pereira , Affonso Esteves da Azambuja ,
Affonso Annes das Leis, Gil Esteves Fariseu, Ruy
Freire de Andrade, Álvaro Soares, Fernão de Meira,
Gil Lourenço do Porto, Estevão Vasques Filippe, e
outros. A guarnição da Esquadra chegava a seis mil
homens, incluindo soldados, marinheiros, e remeiros,
porém a maior parte destes últimos compunha-se .de
campouezes , trazidos por força das Provindas (2) : e

CO Fernão Lopes, Cap.° oj.


(a) Femáo Lopes, Cap.° 124, 125 , e iz6. — Ignoro a nua»,
pt>r que o Chronista Fr. Manoel dos Santos no tomo 8.°, L.* S2, Cap.°
46, se afusta aqui de Fernão- Lopes (se»umdo-o em todo o resto da
deteripção desta batalha), para dizer, que * nossa Esquadra levava sei*
mil l,tmcnt de armar , alem da chusma dos mçriíiheims ; quando Fernão
Lopes aft irmã , que na Galé Real biáo cincoeitia hemens de armai ; e
he evidente, tue sendo esta a maior, não podíáo as outras levar maior
numero de soleados; nem as Gales admirtem muitos, emo observei
em numa , que se conservava- «m Caithagena para memoria, 110 anua
<k 179Í-
88
como na Táctica antiga quasi todas as evoluções em
huma batalha se fazião a remos, e o bom, ou máo re
sultado delias dependia da perícia das chusmas, a estú
pida ignorância das desta Erquadra a tornava mais
formidável na apparencia, do que na realidade.
Chegado o Conde de Barcellos ao Algarve, e sa
bendo que a Esquadra Castelhana, forte de dezesete
Galés, e commandada pelo Almirante Tovar, havia
pouco se retirara daquella Costa., o attribuio a terror
pânico, e sem mais conselho, nem disposição, ou pla
no anticipado , correu a buscar os inimigos em tanta
desordem , que acontecendo estarem pelo mar espa
lhadas muitas bóias das redes dos pescadores, a duas,
e três léguas de distancia , arriarão as velas oito Ga
lés , e forão demanda-las a remos : as outras continua*
rão a navegar com vento escasso , e bonançoso ; e as
de Gil Lourenço, e de Gonçalo Vasques. por serem
mais pesadas, e menos veleiras, ficarão á ré, como suc-
cedeo por iguaes razoes ás quatro Náos; de maneira,
que doze Galés se acharão avançadas a perder de vista.
Ao meio dia de 17 de Julho descobrirão estas os mas-*
tros das Galés Castelhanas, que estavão surtas em huin
lugar chamado então Saltes. Affonso Annes das Leis
foi quem primeiro as vio, e communicou a noticia ao
Conde, que carregou logo, fazendo o mesmo as mais
Galés, porém não quiz servir-se da Galeota para cha
mar o resto da Esquadra, como o Annes lhe aconse
lhava, e o senso commum estava ensinando. Tovar, ob
servando a temeridade, e bisonharia do Conde, veio
encontra-lo com a sua Esquadra cm linha, elle no cen
tro, e chegando a distancia conveniente, cada Galé das
suas abalroou huma das Portuguezas, em quanto as
cinco, que 1 lie restavão de vantagem, dobrando a nossa
Linha, a assaltavao de revez. A victoria não podia ser
duvidosa , e a pesar da briosa resistência individual dos
39
Officises, e soldados, que durou algumas horas, forno
as doze Galés tomadas, havendo de ambas as partes
poucos mortos, e muitos feridos.
As oito Galés, que andavão levantando redes (co
mo se para isso houvessem sido mandadas) acudirão
tarde, e em desordem ao combate; e atacadas por to
das as forças do inimigo , sofrerão igual destino. Es
capou a Galé de Gil Lourenço, porque vendo de lon
ge a perda da batalha , se poz em fugida , avisando de
caminho as quatro Náos, que nada sabião da acção,
e todas se recolherão a Lisboa. As Galés rendidas en
trarão era Sevilha , onde se mettêrão barbaramente a
ferros todos os prisioneiros , excepto o Conde , e Gon
çalo Tenreiro (i).
. Com esta batalha parece, que acabou" a Marinha
Portugueza , como se verá nos dous factos seguintes ,
em que ella deveria figurar , se ainda existisse.
Primeiro: Nos fins de Novembro, ou princípios
de Dezembro deste mesmo anno de 1381, achando-se
em Lisboa á Frota Ingleza de quarenta e oito embar
cações de guerra , e transporte , com que o Conde de
Cambridge viera auxiliar a EIRei D. Fernando nesta
guerra , que intempestivamente , e contra a opinião
unanime de .todo o seu Conselho declarara a D. João
I. de Castella , entrou no Tejo para a tomar, ou des
truir o Almirante Tovar cora a sua Esquadra, ainda
jactancioso da victoria antecedente. Mas EIRei, que
teve anticipada noticia do objecto da expedição, fez
recolher no Rio de Sacavém os navios Inglezes, e to
dos os mais que estavão era Lisboa, amarrando-se os
maiores na bocca do Rio com as popas para o mar,
bem guarnecidos de trons , e outros jirtificios, e enge
nhos usados naquelies tempos , defendida a entrada

0) FtmSo Lopes no lugar çitatto. .-..;.. .


40

com duas grossas cadcas, que a atravessavâo ; edehuraa,


e de ourra parte na terra próxima muita gente, cora
trons , e engenhos para os proteger. O Almirante Hes-
panhol chegou sem obsticulo a Sacavém, e reconhe
cendo a posição dos navios , e julgando-a inatacável ,
sahio do Tejo; o que os Inglezes também fizerão a 13
de Dezembro (1). Admira, que hum Official tão intel-
ligente, como Tovar, não tentasse queimar os navios
amontoados em hum Rio estreito, aproveitando a occa-
sião opportuna de maré e vento favorável, que não
padia faltar-lhe naquella estação !
1381— Segundo: A 7 de Março entrou no Tejo
huma Armada Castelhana de oitenta navios , entre
grandes e pequenos , com muita gente de guerra. O seu
intento era' fazer huma diversão ás operações militares,
qne se praticavão no Alemtejo entre o Exercito d'El-
Rei D. Fernando , reforçado com as tropas Inglezas do
Conde de Cambridge , seu alliado, e o Exercito Hes-
anhol. Demorou-se a Armada sobre Lisboa até Seteru-
í ro, commcttendo grandes hostilidades por huma , e
outra margem do Tejo, sem a menor opposição (2).
Mas se a nossa Marinha acabou neste Reinado infe
liz, no seguinte a veremos renascer das suas cinzas, e
tomar hum alto vôo , que só declinou com a morte
d'ElRei D. Sebastião.
Falleceo EIRei D. Fernando no anno de 1383.

Reinado tPE/Rei D. João I.

A época mais brilhante da Gloria Portugueza co


meça no Governo deste illustrado Monarcha , por re-
rem nelle principio aquelles immortaes descobrimentos,
que se forao sucessivamente dilatando, a par dos pro-
fI ) Fernão Lopes , Cap.° i ; }.
(2) O meimo Histoiudor, Cap.0 »}5.
' 41

gressos da Sciencia Náutica, e espirito mercantil, até


a linal penetrarem nas extremidades do Globo: hábil
Guerreiro, e consummado Politico, soube arrancar os
seus Estados das mãos de inimigos estrangeiros, e do
mésticos , e fazendo constantes , e bem combinados es
forços para restabelecer o Commercio, e a Marinha,
que achou destruída , obteve ' a satisfação de ver sahir
dos Portos do Reino armamentos consideráveis, e de
publica utilidade. ......
Os Portos de Lisboa , e Setúbal estavão ainda
abertos a's invasões dos navios inimigos, que entravao
nelJes quando bem lhes aprazia, tomando, ou destruin
do as embarcações mercantes , que achavão surtas. Es
tas perniciosas visitas forão obviadas com a construo-
ção da Torre Velha na margem do Sul do Tejo, e a
do Outão em Setúbal (i).
No seu Reinado houverao dois Capitães Mores
da Frota , ou Generaes dos Navios de alto bordo; ò
primeiro foi Affonso Furtado de Mendonça , de cuja
Mercê não achei a data , e o segundo o Conde de
Abranches D. Álvaro Vasques de Almada por Carta
passada em Cintra a 23 de Junho de 1423 , em que se
declara r^Que será Capitão Mor pela maneira, porque
o fora Gonçalo Tenreiro em tempo de seu irmão Él-
Rei D. Fernando (e também no d'E!Rei D. Pedro I. ),
e Affonso Furtado no seu próprio tempo \ e que todos
os Patrões , Alcaides , Arraizes , e Pintitaes , Comi-
tres , e Besteiros, Galeotes , mareantes , e marinhei
ros por tal o reconheção, e lhe obedeçáo ; e que pos-
jsa com elles fazer justiça , ou em cada hum delies ,
ou como Elle Rei faria , se presente estivesse : e Or
dena a todas as Justiças , que cumprão as suas Carta? ,
e mandados em todas as coisas , que elle lhes disser e

(1) Severim, Noticias de Portujal, Discurso a.» §. 13.


G
42

mandar em seu Real Nome , e que pertencerem a sen


Officio, sob pena de serem punidos como os que não
cumprem os mandados de seu Rei= (i).
As clausulas desta Carta são notáveis, por cora-
prehenderem grande parte' da jurisdicção do Almirante
do Reino, segundo a determinou EIRei D. Diniz na
Carta da creaçao deste Cargo, que dei por extracto
na Memoria do seu Reinado; e pôde d'aqut concluir-
se, que o Oíficio de Almirante estava reduzido nas suas
attribuições, o que explicarei melhor quando tratar da
nossa Legislação NavaL
Antes de entrar em narração das viagens para des
cobrir novos Pavzes, cumpre d her alguma cousa do
seu author o Infante D. Henrique (z).
Nasceo este magnânimo Príncipe a 4 de Março
de 1394, e desde os primeiros annos mostrou inclina
ção aos exercidos militares, e estudo das Sciencias, a
que se applkou desde logo, habilitado por bum juizo
são, e exceilente memoria. O seu génio meditativo, e
indagador, em breve lhe deo a conhecer , que Portugal,
encravado por hum. lado no extremo Occidentaí da Pev
ninsula, c cercado de mar pelo outro, nunca poderia
tornar-se huma grande Potencia, se não achasse fora d»
Continente os elementos de força , que lhe faltavaO' pa
ra ser nelle poderoso, creando hum Commercio ma
rítimo com os Povos de Africa existentes alem dos
limites, a que se estendia a navegação costeira da Bar-
beria ; dos quaes davão confusas noticias algumas anti
gas Viagens, mais, ou menos acreditáveis, e as jor
nadas realizadas por terra até á Ásia nos dous séculos
antecedentes.
Estas luzes lhe bastarão para ousar emprehender
(0 Provas, á Historia Genealógica, tomo i.*, de pag. 171- até
174-
(a) Vede Barros , Década 1.» ,. L° i.° , Cap.«« i,.l&
4:5

os primeiros descobrimentos , mandando pequenas em


barcações á sua custa ao longo da Costa de Africa pa
ra o Sul, que não sendo ainda bem manobradas, e di
rigidas , adiantarão pouco os conhecimentos ^práticos
d'aquelles Paizes , como irei mostrando na ordem
chrcnologica , que me propuz seguir.
Nas duas expedições de Ceuta em 1415" , e 1419
ampliou o Infante as suas ideas nas frequentes conversa
ções com os mercadores Mahometanos, que alli concor-
rião de Fez, de Marrocos, e de outros Reinos, e Provín
cias do centro de Africa , que estavao em relações com-
merriaes com os do Egypto , e da Arábia. Assim con
sta , que por elles soubera dos Jalofos , que confinao
com as raias Austraes do vasto deserto de Sarah; e lie
provável , que no discurso das suas indagações sobre a
direcção, e posição daquelles diíferentes Povos, viesse a
confirmar-se em que as Costas da Arábia erão banhadas
pelo mar, bem como as da Africa, pela banda do Orien
te, noticia de que o seu raro talento talvez conjectu
rasse, que continuando a correr para o Sul a porção
da Costa Occidental d'Africa ja conhecida, se chega
ria a hum ponto , mais ou menos remoto , onde for
çosamente ella havia mudar de direcção para o Nor
deste , e fazer hum Cabo, cuja descoberta seria da mais
alta importância aos Portuguezes , para abrirem cami
nho ás Regiões Orientaes tão cubicadas.
Seria aqui o lugar conveniente para lembrar os
dous celebres Mappas, de que fazem menção alguns Es-
criptores nossos: o primeiro trazido pelo Infante D. Pe
dro á volta das suas viagens no anno de 1428 ; e o se
gundo, que se diz achado no Cartório de Alcobaça em
152% , desenhado mais de cento c vinte annos antes:
ambos tenho por apócryfos (1), á vista do que moder
ai) Vede as duas Memorias do Conselheiro António Ribeiro dos
(i ii
44

namente escreverão a favor, ou contra a sua authenti-


cidade alguns Sábios de abalizado merecimento. -,
A fim de promover a execução do seu vasto pla
no de descobertas, e melhorar os conhecimentos das
Sciencias necessárias á Navegação , escolheo o Infante
para sua morada em 1419 depois que voltou de Ceuta:,
a posição vantajosa do Cabo de S. Vicente (o Sacrura
Promontorium dos antigos ) , onde edificou a Villa a
que deo nome de Terça-Nabal chamada hoje , Sa
gres, em huma pequena Enseada , que lhe serve de
Porto , e ofFerece abrigo aos ventos dominantes no Ve
rão. AHi erigio o primeiro Observatório , que vio Por*
tugal, e não sei se a Europa, e no seu próprio Palácio
estabeleceo huma Escola de Mathematicas, de Náuti
ca , e de Geografia , para organizar a qual chamou Sá
bios nacionaes, e estrangeiros com vantajosos partidos,
entre elles o Mestre Jaime da Ilha de Malhorca, fa
moso pelos conhecimentos nas Sciencias auxiliares da
Navegação, que vinha ensinar, e na construcçao de
Cartas Geográficas , que a Escola de Sagres converteo
depois em Cartas Hidrográficas Planas , por não servi
rem aquelhs para o uso da Navegação (1) , as qiucs
durarão séculos (ainda ha menos de trinta annos não
havia outras no Mediterrâneo), até que Mercator des-»

Santos, a primeira intitulada— Sobre alguns Mathematicos Portugueze*


etc. , e a segunda =; Sobre os antigos Mappas Geográficos do Infante D.
Pedro esE a Memoria do Académico Sebastião Francisco de Mendo Tri-
gozo, que tem por titulo = Sobre os Descobrimentos dos Portuguezes
etc, e todas se achão no tomo 8.° das Memorias de Litteratura da Aca
demia- Rear de- Lisboa — Veja-se também a- Obra do diligente Historia
dor James, Stanier Clarke , intitulada —The Progress of Maritime Dis-
covery , L° a.° , Cap.* k° T qufr nega a veracidade daquelles Mappas;
e a Memoria do Tenente General Stockler, que vem no volume i."
das suas Obras a pag. 54.5 , onde desrroe os argumentos a favor ddles».
(1) Vede o Ensaio sobre a origem das Mathematicas, etc do me&»
mo GeneraL
45
cobrio os princípios fundamentaes das Cartas Reduzi
das. Fez-se também vulgar o uso da Bússola , e de ou
tros instrumentos náuticos novamente inventados , pos
to que imperfeitos , de grande vantagem para os Na
vegantes , que até alli não levavão nem Agulha , nem
Carta , nem instrumento algum.
Entre os muitos obstáculos, que este Sábio Princi-
pe teve a vencer, não foi hum dos menores a preoccu-
pação do Povo, que cegamente se oppunha, sem o sa
ber, á gloria , e prosperidade de Portugal ; porque ven-
do-lhe commetter huma empresa tão nova , arriscada ,
c dispendiosa , na infância da Navegação , murmurava
insano , accusando de ruinosos os seus projectos , e
agourando desgraças imminentes , segundo o acredita
do provérbio =: Quem passar o Cabo de Não , ou vol
tara, ou não (i). Dava mais calor a esta inquietação
popular a opinião dos Filósofos do século, que apoia
dos era Escritores antigos, e era alguns máos princí
pios de Fysica , sustentavao que as Regiões visinhas da
Zona Tórrida não podião ser habitadas. O tempo,
que só descobre os erros da Filosofia, e os da Politi
ca, patenteou em poucos annos os destes Sábios; e en
tão os mesmos, que tinhão assignalado o Infante como
destruidor do Reino , o exaltarão acima de todos os
Principes do Mundo. Ordinário resultado de empresas
felizes !
O Infante tomou para sua divisa , como se vê na
sua sepultura =z Talent de bitnfaire — Isto he, Von
tade de fazer bem.
1384 — A 6 de Maio do anno de 1384 ficou alo
jado no Lumiar EIRei de Castella com hum numero
so Exercito (2), para dar principio ao cerco de Lisboa
(O Barros, Década 1.» L* l.°, Cap.0s 14, e %.
(»)- Vede as Memorias d'ElRei D. João L, tomo j,°, Cap." alô".,
* seguintes. — Wonarchia Lusitana , tomo 8." , L0aj, que segue era
4G

logo que entrasse no Tejo a sua Armada , sem a qual


não julgava prudente começa-lo.
EIRei D. João (que então só tinha o Titulo de
Regedor, e Defensor do Reino) achava-se na Capital
com poucas tropas , faltando-lhe as das Provindas do
Norte, que marchavão a reunir-se na Cidade do Por
to , para serem d'alli transportadas por mar a Lisboa.
Esta operação carecia de mais tempo, do que tardaria
a chegada do formidável armamento naval , que se fa
zia em Castella. Em consequência resolveo-se EIRei a
armar promptamente todas as embarcações capazes de
navegar, e expedi-las logo para o Porto, a fira de que
reforçando-se com os navios daquella Cidade, embar
cassem as tropas , e viessem forçar a todo o risco 2 en
trada do Tejo ; pois que deste soccorro dependia a
conservação da Capital , e nella a de todo o Reino.
Existião apenas em Lisboa alguns desmantelados
navios, faltos de reparos, e de aparelhos, e os Arma
zéns quasi nada continhao ; e comtudo era de impe
riosa necessidade aprestar em poucos dias huma Es
quadra. O 'zelo, e o patriotismo produzirão aqui os
milagres, que costumão produzir, sendo bem dirigi
dos, em todas as Nações em que a Moral publica não
está corrompida. Acudirão todos a obra tão necessá
ria : o Arcebispo de Braga D. Lourenço "Vicente , Pre
lado cheio de actividade, e do espirito guerreiro do
século , encarregado por Ordem Regia da superinten
dência do armamento, com huma lança na mão, c o
roquete vestido sobre a armadura , corria a cavallo
por todas as partes em que havia trabalhos, empregan
do nelles Religiosos, Clérigos, e Seculares, de qual
quer qualidade; e se alguns se aventuravão a qúerer-sc
escusar por motivo do seu caracter sagrado , respon
tudo a Fernão Lopes — Chronica do dito Rei publicada pelo Axcebupo
D. Rodrigo d.i Cunha-
47

dia r Que tambera era Sacerdote , como elles; è Arce


bispo, que era mais do que eNes. A bordo dos navios
.havia igual actividade , calafetavão-ye huns , aparelha-
vao-se outros , embarcava-se em todos lastro , manti
mentos, aguada, e munições de guerra ; e em breve
tempo se aprestarão treze Galés , huma Galeota x e sete
Náos.
Foi nomeado General das Galés , e da expedição
Gonçalo Rodrigues de Sousa , Alcaide Mor de Monsa-
rás, e erão Commandantes das outras, Ruy Pereira,
tio de D. Nuno Alvares Pereira, Gonçalo Vasques de
JVÍeíIo, Vasco Martins de Mello, Affonso Furtado de
Mendonça , Estevão Vasques Filippe , o Commenda-
dor Lourenço Mendes, Manoel Paçanha -, João Rodri
gues da Guarda, Aires Vasques de Almada, Antão
Vasques de Almada, Gil Esteves Fariseo, e Aires Pi
res de Camões. A guarnição da Esquadra constava de
oitocentos soldados, e mais de três mil remeiros, ç
marinheiros, (i).
Benzeo-se na Sé com solemnè pompa o Estandar
te Real, entregando-o EIRei com a sua própria1 mão
ao General, que o conduzio em procissão até & praia ,
onde embarcou, e foi arvora-lo a bordo da Galé Capi
tania; e estando para largar, entrarão peio Rio* huma
Galé, e outros cinco navios Castelhanos carregados de
viveres para o seu Exercito, que servirão para o nos
so , sendo apresados todos , menos a Galé , que pôde
íugir.
A 14 de Maio saMo a Esquadra , e aíridar: que
o vento contrario fez no mesmo dia recolher as
Náos , tornarão a sahir no seguinte. Na Atouguia
auiz o General ter communicáção com a terra , e sen-
o-lhe defendida dos moradores por ordem de João1
(1) Sendo as Gales pequeoas, necessitava esta Esquadra de J.jo»
bemens de remo, e marinlwgeiu..
48
Gonçalves Teixeira,- Alcaide Mor de Óbidos, que
seguia o partido de Castella, a quem ellcs obedcciao,
mandou o General desembarcar algumas tropas, e sa
queando a Villa, passou á Cidade do Porto.
, Vio-se agora o bom resultado da prevenção d'El-
Rei em mandar sahir a tempo de Lisboa a sua Esqua
dra , porque a 26 entrou pelo Tejo a primeira divisão
,da grande Armada Castelhana, que eráo treze Galés,
-e huma Galeota , e três dias depois a segunda de qua
renta Nãos. Era seu Almirante Fernão Sanches de
Tovar, e Capitão Mor, ou General dos Navios de al
to bordo Pedro Afan de Ribera. Surgirão os inimigos
cm linha parallela á Cidade , cingindo toda a frontaria
do Sul desde Santa Cathariria até ás portas da Cruz;
€ por fóra desta linha espalharão muitas embarcações
ligeiras bem guarnecidas , estacionando duas Galés ena
Almada para vigiarem o Rio; de maneira, que ficou a
Cidade perfeitamente cercada da parte do mar, a única
donde podia vir-lhe soccorro : e o Exercito , deixando
os quartéis do Lumiar, veio no dia 28 (1) occupar os
postosiconvenientes para começar as operações do ata
que j cuja narração he alheia do objecto destas Memo
rias.
A entrada da Esquadra no Porto mallogrou o pla
no do Arcebispo de S. Tiago, que poucas horas antes
chegara com muita gente para a sitiar, e foi vigorosa
mente assaltado, e expulso da posição, que occupava ,
pelos moradores reunidos ás tropas que desembarcarão
dos navios.
Sendo aqui demittido Gonçalo Rodrigues de Sou-*
sa, por se tornar suspeita a sua lealdade, oífereceo-se
era nome d,E!Rei ao Conde D. Gonçalo Coutinho
poderoso Fidalgo , irmão da Rainha D. Leonor Telles '

(j) Aceuheiro diz, que foi no dia jo. Cap.° 21.


49
Governador, e Senhor de Coimbra , que se trocasse o
partido de Casrella pelo do seu legitimo Príncipe, se
lhe daria o cornmando vago, com outras importantes:
mercês que pedio ; o que elle acceitou , cedendo primei-
. ro Ruy Pereira fdos direitqs que tinha áquelle Cargo.
A Cidade concorreo com -as embarcações, solda
dos, e dinheiro que as circunstancias lhe permittião, e
<io todo se orgauisou huma Enquadra de dezesete Ga
lé-:, e outrVs tantas Kár>s (i), aqudlas completamente
armadas, por meittr .nellas o Condo muita gente sua,
e estas ainda f.Ut.ts.deíilgumas cousas.
Em quanro se reparavão os navios armados de no
vo, sahio a Esquadra a correr os Portos, e Rios de
Galliza , saqueando humas Povoações , pondo em con
tribuição outras, e queimando as embarcações surtas,
recolhendo-se a final sem perda , e com dinheiro que
chegou para pagar três mezes de soldo a toda a gente
da guarnição.
No principio de Julho largou do Porto a Esqua
dra, sem esperar por D. Nuno. Alvares Pereira (que
corria do Alemtejo para ser da expedição), e a 17
veio surgir em Cascaes, que os inimigos oceupavão. O
Conde D. Gonçalo , que ignorava o verdadeiro estado
das cousas em Lisboa , por não ter tomado lingua ,
mandou de aviso em hum batel ligeiro a João Rama
lho, Cidadão do Porto, rico, intelligente , e corajoso,
o qual entrou em Lisboa sem ser sentido das embarca
ções do bloqueio. Informado EIRei de tudo, ficou pe
saroso da pouca gente, e armas com que vinhao as
Náos, e sobre tudo de não trazerem D. Nuno Alva
res; e na mesma noite despedio o mensageiro com or
dem áo General, que em repontando a maré do dia se
guinte, se fizesse á vela, e entrando pela Barra, vies-
(O Manoel Severiín numera dezesete Gales, e dezoito Náos. Dis
curso 2.0 , §. 15.
7
50
se costeando a margem do Sul em demanda da Cida
de, cobrindo as Náos com as Galés quanto possível
fosse, pondo todo o cuidado em evitar qualquer com
bate, que lhe retardasse a marcha ; mas se os inimigos
abalroassem, se defendesse com todo o valor, que elle '
em breve chegaria em seu soccorro.
Expedido João Ramalho com o mesmo segredo,
e fortuna cõm que viera , nessa mesma noite fez EIRei
guarnecer de gente alguns barcos grandes , e navios
nacionaes, ou estrangeiros, que se acharão na Ribeira y
e a pezar da honrada opposiçao do Povo , que não po
dia consentir se arriscasse huma- vida , de que pendia a
salvação do Reino, embarcou ao amanhecer em hum
grosso navio Genovez com quatrocentos soldados, mas
tendo pouco lastro, e tamanho peso de gente em cima,
deitou-se á banda, e não pôde governar; o que obri
gou EIRei a sahir delle. Alguns Fidalgos se mettèrão
igualmente nas outras embarcações, que o vento, e
maré de enchente levarão pelo Tejo acima.
Entretanto EIRei- de Castella, sabendo por espias
a sahida da Esquadra do Porto, convocou na Igreja do
Mosteiro de Santos o Almirante Tovar, o General Ri-
bera , e todos os Commandantes das suas respectivas
Esquadras, com os Fidalgos principaes do seu Conse
lho; e assenta ncio-se nos degráos do Altar Mor, e os
mais em circulo á roda delle , tomado primeiro jura
mento de segredo, relatou as noticias que tinha das
forças daquelle armamento , na falsa hypothese de se
achar a bordo D. Nuno Alvares com as tropas do Alem-
tejo-, e propoz á discussão, se seria mais conveniente
dar-lhe batalha dentro do Rio, ou no mar alto.
O Almirante, abraçando o voto unanime dos Com
mandantes das Galés , sustentou que a Armada cru
zasse sobre as Berlengas , para interceptar , e comba
ter a de Portugal; porque dando-lhe batalha no Rio,
51
poderião vir de Lisboa algumas embarcações armadas,'
que tomassem de revez os Castelhanos no tempo em
que combatião de frente com os Portuguezes , que entra-
vão.
O General Ribera , ouvidos os Comrr.andantes das
Náos , foi de opinião contraria , fundando-se nã impos
sibilidade de conservar no mar alto as Náos unidas
com as Galés, e o perigo em que separadas incorreriao
de serem successivamente tomadas pela Esquadra Por-
tugueza, que vindo ao longo da terra com o vento da es
tação, que era a seu favor, as atacaria com toda a
vantagem. E concluio propondo, que toda a Armada
fosse dar fundo em linha acima de Belém, da banda
do Norte, ficando as Náos na vanguarda ; e quando a
Esquadra Portugueza emparelhasse com ellâ , todos os
navios se. fizessem á vela , e a "seguissem; pois ferfao en
tão a seu favor o vento, e a maré, que lhes daria van
tagem : e em caso de desgraça , tinhão os Castelhanos
segura a retirada para huma , ou outra margem do Te
jo, cujos pontos principaes oceupavão as suas tropas ;
alem dos reforços de soldados, que lhes virião do Exercito.
Com este parecer se conformou ElRei , e o seu Conse
lho. ...
He certo, que a Armada Castelhana, combatendo
dentro do Rio, não podia padecer derrota; mas tam
bém não evita\ra, que a Esquadra Portugueza penetras»
Fe até á Cidade, sacrificando alguns navios; e a entra
da deste soccorro era justamente tudo o que huns que-
rião obter , e qué os outros devião embaraçar. '■■ •
Em consequência daquella resolução, destacou To-
var as duas melhores Galés, para cruzarem duas léguas
ao mar do Cabo da Roca, e por cilas soube, na tarde
do dia 16 a chegada da Esquadra do Porto; o què cau
sou grande alvoroço a bordo dos seus navios, onde em
barcarão logo de reforço muitas tropas; e ao amanhe
7 ii
52
cer se fez á vela com toda a Armada , e foi ancora*
defronte de Belém.
Pelas nove lroras da manhã de 18, começando a
encher a maré, assomou na ponta de S. Julião a Esqua
dra Portugueza , com vento fresco a hum largo, em co-
lumna cerrada. Formavão a vanguarda cinco Náos; na
primeira , e maior de todas chamada Milheira , vinha
o General dos Navios de alto bordo Ruy Pereira, coro
cem soldados de guarnição; seguião-se a ella a Estrella,
Commandante Álvaro Pires de Casn-o; a Farinheira,
Commandante João Gomes da Silva \. a Sangrenta ,
Commandante Aires Gonçalves de Figueiredo ; e outra
commandada por Pedro Lourenço de Távora: nestas
Náos se achavão muitas pessoas principaes. Após esta
divisão, que vinha hum pouco avançada y marchava a
Conde D. Gonçalo com todas as Galés unidas proa
com popa ; e logo sem intervallo as doze Náos restan
tes , humas e outras embandeiradas, e< tocando os instru
mentos de guerra usados naqueJle tempo. • •
Logo que Ruy Pereira chegou á altura do flanco
da Armada Castelhana, orçou para ella querendo reco-
nhece-la , ou provoca-la, imitando o seu movimento as
quatro Náos da sua divisão; e neste meio tempo as Cr,-
lés hião passando á voga arrancada encostadas í parte
du Sul acompanhadas das doze Náos: e Ruy Perei
ra, vendo imtr.oveis os inimigos, arribou para reunir-se
á sua Esquadra.
O Almirante- Tovar, julgando opportuno o mo
mento de largar, para se prolongar com a Esquadra
Portugueza em linha parallela per barlavento , e inrer-
ceptar-lbe o caminho de Lisboa , sarpou ao mesmo tem.
po , largando as amarras ; e hia pór-se em seu alcance ,
quando Ruy Pereira, que conhecia a importância da
entrada do soccorro naquella Cidade, e estava resolu
to a sacrificar a vida por obter tão grande resultado ,
53
metteo de ló no bordo do Norte com a sua divisão;
c embaraçando, e cortando os navios Castelhanos, ain
da desordenados da evolução, abordou a NáoS. João
de Arena, em que vinha o Almirante, fazendo as quatro
do seu commando o mesmo ás inimigas , que acharão
mais adiantadas. Esta hábil manobra espalhou a confu
são entre as Nãos Castelhanas, que por quererem acudir
ao seu Almirante, se enredarão humas com as outras-,
e as que se resolverão a seguir a Esquadra Fortugtieza ,
o fizerão tão tarde, que não pedérao travar cem ella.
As cinco Náos Portuguezas entretanto,, abalroa
das por todas as partes por murtas Castelhanas, forão
Jevadas em montão pela maré, e vento até ao Pontal
de Cassilhas. Era a bordo de todas desesperada a pe
leja , sobre tudo na do intrépido Ruy Pereira , onde
carregava a multidão dos inimigos, que elle tinha mais
de huma vez rechaçado, quando huma frechada lhe
deu pela testa , e o deixou sem vida» Assim acabou glo
riosamente hum dos assignalados Varões do seu sécu
lo, que oceupa mui distincto lugar na guerreira fami^
lia do Condestavel !
Com a sua morte se rendeo a Náo Milheira, e
mais duas, salvando-se porém outras duas, que vierão
surgir na Ribeira, onde se ajuntou o resto da Esqua
dra. EIRei sentio, como devia , a perda de Ruy Perei
ra no momento em que acabava de ganhar huma ver
dadeira victoria , mettendo em Lisboa o soccerro que
a assegurava do perigo eminente , em que estava ; e
vendo-se agora com forças marítimas mais respeitá
veis, determinou aproveitar-se (i) de alguma conjun
ção de vento, e maré favorável para assaltar com van
tagem a linha de ancoragem do» Castelhanos, o que
não teve effeito pela chegada de hum reforço de navios

(O Vede a Monarchia Lusitana, tomo 8.0,L.° jj, Cap." 2»...


54
de Sevilha , que elevou a sua Armada a dezeseis Ga
lés , sessenta e liuma Náos , e outras muitas embarca
ções de guerra mais pequenas. Em consequência deste
incidente, mudou ElRei o seu plano offensivo cm de
fensivo, mandando abicar na praia os navios grandes ,
c amarrar as Galés com viradores em terra, e as proas
ao mar, guarnecidas de cspaldões que cobrirão das ar
mas de arremeço a gente, que as defendia; e cada liu
ma com seu Commandante, e alguns soldados, alem
da marinhagem.
A experiência mostrou em breve o acerto destas
medidas, porque a 27 de Agosto (1), aproveitando-se
os Hespnnhoes de terem maré de cheio de aguas vivas
ao nascer do Sol , sahírão com as suas Galés na direc
ção ái Oeste, figurando nos movimentos hum exercí
cio de manobras ; e chegando defronte do Arsenal, on
de a nossa Esquadra estava disposta pelo modo que ja
expliquei, voltarão de repente sobre ella, e vierão ac-
commette-la ; fazendo ao mesmo tempo ataques falsos
da parte de terra, para attrahir alli a attenção dos cer
cado».
ElRei , a cujo cuidado não escapava movimento
algum dos sitiantes por mar, ou por terra, estava na-
quella occasião observando do Palácio do Castello as
evoluções das suas Galés, e logo que ellas virarão,
penetrando-lhe o intento, correo a galope á Ribeira,
onde achou ja muitos soldados, e moradores bem ar
mados que vinhão soccorrer os navios, e a sua presen
ça influio nelles tal valor, que quando os Castelhanos
os abordarão, fórão rechaçados com muitos mortos, e fe
ridos, e a perda de huma Galé, cujo Commandante
Vasco Martins de Meira acabou na acção, a qual du-
(1) Monarchia Lusitana, ibi, Cap.* 24 -"-Nem Acenheiro, nem
o Arcebispo D. Rodrigo faiem menção deste combate , que tem com-
Jtudo os característicos de verdadeiro.
róu até que a vasante" da- agua obrigou os Castelhanos
a retirar-se, sem poderem recobrar a Gale perdida.
' Aqui esteve EIRei no perigo mais eminente, por
que entrando pelo mar dentro a cavallo, lho matarão
de hum tiro de arremeço, e ao calur, o levou debai
xo sem que pessoa alguma o visse; mas a Providencia
perruittio, que podesse desembaraçar-se , e salur a sal
vo.
Durante o resto do tempo que durou este memo
rável cerco de Lisboa , não achei outra alguma acção
naval , que mereça lembrar-se.
1405" —■ Havendo-se desposado este anno em Lis
boa a Senhora D. Brites, filha natural d'ElRei D.
João, com Thomaz Fitz Alan, Conde de Arundel , a
conduzio a Inglaterra seu irmão o Senhor D. Affonso,
com João Gomes da Silva, Alferes Mor, e outras
muitas pessoas de distineção , em huma Esquadra de
tres Galés, e vinte e oito navios redondos , entre gran
des e pequenos, que chegou aos Portos daquelle Rei
no nos fins de Novembro (1).
1412 — Não se conhece com certeza a época em
3ue, por mandado do Infante D. Henrique, sahírao
e Portugal os primeiros Descobridores a correr a
Costa Occidental da Barberia ; mas sabe-se , que neste
anno de 1412 mandou huma embarcação a essa com-
missão, e talvez fosse a primeira que dobrou o Cabo
de Não (2).
As embarcações empregadas nestas viagens erao
grandes barcos Latinos de coberta , demandando pou
co fundo, e pequenas equipagens, systema bem adapta
do es circunstancias ; porque os Descobridores partião
(1) Chronica de D. João I. pelo Arcebispo D. Rodrigo, Cap.° 104
— Vede a Historia Genealógica, tomo 5.", paj. 58.
(a) O Cabo de Não está situado na Cesta Occidental da Africa
em 28 ; >o' de Lat. N. , * 6o $9' 45* de Lone. Próximo a este Caba
ba huma boa Bahia, onde vem desaguar huru Rio.
56
no Verão, cm que dominao na Barberia os ventos do
primeiro quadrante, e sobre tudo os do quarto, com
os quaes Imo á por>a , mas na volta para Portugal ,
como csfes ventos fícnvão ponteiros, era-lhes necessa-
tío vir bordejando para o Norte , até avistarem algum
p >nro da Costa ja conhecido, donde podessem atraves-
sir em bu^ca dos Porros do Algarve, sem risco de se
desgarrarem para o Oecidente. Tinliao de mais a van
tagem de se poderem chegar bem a terra , ou para
buscarem abrigo , ou para examinarem os Rios, Portos,
e Bahias que descobrissem ; e sendo as suas guarnições
pequenas, achaváo mais facilmente aguada, e refre<cos.
Nestes descobrimentos empregava o Infante duas,
e três embarcações cada anno (i), e ás vezes mais; e
assim porfiou com grandes despesas até ao anno de
1423, 6cm achar hum navegante, que se aventurasse a
dobrar o Cabo Bojador , que parecia tão terrível antes
de o ser, como pareceo pouco formidável depois (2).
Não pude descobrir o nome do Commandante
desta primeira embarcação, que se diz ter chegado ao
Cabo Bojador (3), nem as circunstancias da sua via
gem. A cada passo se encontrão destas omissões nos nos
sos antigos Escriptores, até em matérias de grande im
portância.
1415" — Continuou o Infante a mandar outras em
barcações a descobrir a terra alem do Cabo Bojador,
sem nenhuma ousar dobra-lo, receando amarar-se tan
to, que nâ volta não podesse tomar a Costa do Algar-
•ve, pois que ainda se não ousava perder a terra de yís-

(1) Vede Barros, Década 1., L° 1., Cap.° 3.


(2) Está situado na Lat. N. 26o 9'; c Long. }° 42' 4$'<; e lie
cercado de hum recife, que se estende mais de huma légua ao mar:
da furte do Sul tem huma Riiiia com ancoradouro.
Ci) Faiia e Sousa, Ásia Portugucza , tomo i., parte 1.
37

ta; 'e aquclle Cabo sahia mais de cincoenta léguas para


o Occidente do Cabo de Espartel (t).
1417 — Ajustada a Tregoa com Castella no anno
de 1411, os valorosos filhos d'ElR.ei D.João, Principes
na flor dos annos, de raros talentos, ávidos de gloria,
e cubiçosos da honra de serem armados Cavalleiros ,
que era a maior daquelles séculos, lembrarão a seu
Grande Pai a conquista de Ceuta , Praça no Reino de
Fez, da maior importância pelo seu Commercio ma
rítimo, ricas manufacturas, e situação topográfica na,
bocca Oriental do Estreito, de que era huma das cha
ves, e Gibraltar a outra possuida então pelo Rei Ma-
hometano de Granada. E EIRei, ou incitado por esta
idea , que abonava o Vedor da Fazenda João AfFonso,
ou tendo ja o mesmo pensamento, parece que formou
logo o projecto de ampliar os seus Estados com algu
mas Províncias Africanas , para cuja conquista serviria
de base de operação aquella Cidade ; ao menos he cer- .
to, que conservou toda a sua vida o mesmo systema ,
como demonstra hum artigo do Tratado de Paz de
1431 , de que adiante farei menção (2).
Approvado o plano dos Infantes , a despeito dos
obstáculos que se oppunhão a tão dispendiosa expedi
ção, no momento em que o Reino começava a respi
rar das calamidades da guerra, á sombra de huma
Tregoa com os seus irritados visinhos, gastárão-se ân
uos era completar os preparativos , por faltarem na
vios, munições, e sobre tudo dinheiro, nervo princi
pal de todas as empresas, e muito mais das marítimas,
por serem mui complicados, e falliveis os cálculos das
suas despesas. Tudo porém vencerão os talentos , e ex
periência d'ElRei , coadjuvado da perspicácia , e acti-
(i"> Fatia e Sousa, Ásia Poitugueza , totiift 1. , parte 1.
(a) O fundo da narrativa desta expedição he tirado das Memo»
tias d/EJRei D. João I. , tomo j. , Cap." a. 9 , e seguintes.
•30

vidade dos Infantes, e do génio guerreiro da Nação.


Ajuntárao-sc as sommas necessárias, independen
tes de novos tributos, que nao se podião lançar, sem
convocar Cortes , e descobrir por consequência o segre
do, que cumpria guardar-se inviolável: supprio-se esta
falta com slguns empréstimos, e huma severa econo
mia na administração da Fazenda. Examinánlo-se pelos
Portos do Reino os navios de Guerra , e Commercio
em estado de navegar : reparai ão-se os que erão susce
ptíveis de fabrico, e fretárão-se alguns estrangeiros, e
construírao-se de novo as Galés que. faltavão para
completar o numero de trinta , de que se queria com
por huma Esquadra , cujo armamento se encarregou ao
Almirante Carlos Paçanna ; e a Gomes Loureiro a in
specção das munições e petrechos, ea compra dos man
timentos.
Alistou-se a gente de guerra sufficiente, cuja coro-
missão se deu ao Infante D. Henrique nas Provincias
do Norte , tendo por ponto de. reunião a Cidade do
Porto; e nas outras Provincias ao Infante D. Pedro,
com o ponto de reunião em Lisboa.
Era de absoluta necessidade reconhecer o estado
das fortificações de Ceuta , e os seus meios de defen
sa ; mas de hum modo tão disfarçado, que não exci
tasse desconfiança nos Mouros. Huma e outra cousa
obteve ElRei com este ardil : Chamou o Prior do Cra
to D. Álvaro Gonçalves Camello, e o General do Mar
AfFonso Furtado de Mendonça , c instruindo-os em se
gredo da sua verdadeira commissão, os nomeou Em
baixadores á Corte de Sicilia , para representarem 4
Rainha D. Branca, não ser possível o seu matrimonia
com o Infante D. Duarte, pelos graves inconvenientes
que se seguirião da união das duas Coroas , e que era
seu lugar lhe offerecessem o Infante D. Pedro. Partirão
estes Fidalgos em duas magnifica» Galés, e com pre
59
texto de tomarem refrescos, surgirão em Centa , onde
se dilatarão quatro dias (i) , sondando de noite o Por
to, e examinando de dia a Cidade. Seguindo dalli a
sua viagem para a Sicília, derão a embaixada á Rainha,
e recebida a resposta negativa , que esperavão , volta
rão a Portugal com escala por Ceuta , a fim de recti
ficarem ns primeiras observações.
EIRei os onvio em publico, com fingido senti
mento do máo successo da negociação , e em particular
foi bem informado do estado da Praça á vista de hum
modelo, que na sua presença constmio , e lhe expli
cou o Prior do Crato, em que representava a Cidade
com a sua Bahia , e nesta os melhores pontos para
ancoradouro , e desembarque. Com estas noticias se de
terminou de todo EIRei aemprehender a expedição, ea
communicou logo á Rainha D. Filippa. O mesmo fez
em segredo ao Condestavcl, que estava no Alemtejo,
indo para esse effeito encontra-lo, com pretexto dehu*
ma caçada a Monte Mor o Novo , onde ouvio da,
bocca daquelle Heroe a completa ápprovação do seu
projecto. Era porem necessário communicar este ao
Conselho de Estado, o que fez em Torres Vedras:
achárno-se presentes á discussão deste importante nego
cio (2), a Rainha, os Infantes, o Conde de Barcelr
los, o Condestavel, os Mestres das Ordens de Chfis
to, S. Tiago, e Aviz, o Prior do Crato, o Marechal
do Reino Gonçalo Vasques Coutinho, Martim Affion-
so de Mello, e o Alferes Mor João Gomes da Silva.-
Parece que EIRei esperava opposição da parte de
alguns Conselheiros, porque guardando-se ainda na-
quelle século o costume do Senado Romano, onde os
votos se- davão de maior- para menor , e competindo
' Oi. '.
(1) Assim o diz Matthíus Pnano no seu Livro da Guerra de Ceu-
tt , nem perdia em menos tempo fa7er-se similliante reconhecimento^
(ji) Actnlieiro, Capitulo nj pag. aoj.
i! íi
fio
por consequência aos Infantes votar antes que os ou
tros Conselheiro? , ordenou e!!e ao Condestavel (com
quem estava de intelligencia) que votasse primeiro, o
que fez sustentando a opinitío d'ElRei , e abraçada es
ta juccessivamente pelos Infantes, nenhum Conselheiro
ousou contradize-los, e f: cou o negocio por voto unani
me approvado.
Restava huma difficuldade a vencer: Os Príncipes
visinhos, inquietos nos armamentos de Portugal , tra-
balhavão por descobrir o seu verdadeiro objecto ; Cas-
tella , Aragão, e Granada mandarão a Lisboa Embai
xadores, que voltarão com respostas satisfactorias , me
nos os de Granada , que as receberão equivocas. Para
engrossar mais o véo com que encobria este mysrerio,
mandou El Rei a Fernão Fogaça por seu Enviado ao
Conde de Hollanda , para pedir satisfação de alguns
insultos, que os Holíandezes commettèrão no mar con
tra a Bandeira Portugueza, ameaçando immediato rom
pimento no caso de lhe ser negada. O Conde, ja preve
nido em segredo, ouvio a embaixada em sala publica,
e deu tal resposta a Fernão Fogaça , que podia inter-
pretar-se como huma declaração de guerra.
Este novo artificio persuadi© a todos, que a ex
pedição era contra as Províncias maritimas daquelle
Príncipe, posto que EIRei não o declarasse, nem desse
a entender que queria commanda-la em pessoa; haven
do ja nomeado por Generaes aos Infantes D. Pedra , e
D. Henrique.
A 10 de Julho entrou em Lisboa© Infante D.
Henrique com a Esquadra do Porto , composta de sete
Galés j e vinte Náos, humas e outras bem armadas,
conduzindo a bordo muitas, e valorosas tropas (i).
Erao Commandantes das Galés , o próprio Infante (na-
(i) Severim diz, que eráo dezesete Galés, e cincoenta e três na»
Vios. Noticias de Portuga! , Discurso a.°, §• ij»
61
quelle século o General em Cl' efe commandava o na
vio, em que hia a sua Insignia), o Conde de Barcel-
Jos, seu irmão natural, D. Fernando de Brrgança , fi-
Jho do Infante D. João , o Mr.recbal Gonçalo Vasques
Coutinho, o Alferes Mor João Gomes da Silva , Vas
co Fernandes de Ataide, e Gomes Mcrtins de Lemos.
Commandavao as Kács, D. Pedro de Castro , Gil Vas-
ques da Cunha, Pedro Lourenço de Távora, Diogo
Gomes da Silva, João Rodrigues de Sá, João Alvares
Pereira, irmão do Condestavel, Gonçalo Annes de
Sousa, Martim AfFonso de Sousa, Ma rtim Lopes de Aze
vedo, Fernão Lopes de Azevedo, Luiz Alvares Cabral
Fernão Alvares Cabral, Estevão Soares de Mello, Men
do Rodrigues deRefoios, Garcia Moniz, Paio Rodrigues
de Araújo, Yasco Martins de Albergaria, Álvaro da Cu
nha, Álvaro Fernandes Mascarenhas, e Aires Gcncslves
de Figueiredo, Fidalgo de noventa annos, que se veio
offerecer ao Infante com taes instancias, que obteve o
cominando dehuma Náo. Offerecêrão-se-lheVambem dou
zeCavalleiros de Baiona quasi da mesma idade, que ten
do servido em toda a guerra centra Castelfa, estavão apo
sentados comendo as tenças que EJRei lhes havia dado; e
posto que o Infante procurasse dissuadi-los, vic-se obriga
do a acceita-los. Tanto era o ardor, que a nimava a Nação !
A morte da Rainha D. Filippa , acontecida nes
te tempo i e a peste em que ardia Lisboa, pozerao ain
da em contingência a expedição; que talvez se não
realisara , apesar de se acharem feitas todas as despe
sas , e o armamento prompto , sem a actividade, c re
solução do Infante D. Henrique.
Finalmente no dia 23 de Julho, deixando encar
regado o Governo do Reino, cem Titulo de Vice-Rei,
ao Mestre deAviz Fernão Rodrigues de Siqueira (1), sç

(O Acenheiro, Cap.» z\ , pag. 21 &


€2
embarcou ElRei na Galé Real, e no seguinte foi dar
fundo na Enseada de Santa Catharina , para recolher
alguma gente que faltava; e-no outro dia 25 saliio a
barra com toda a Armada. Hião nella embarcados,
alem dos Fidalgos ja nomeados entre os Commandan-
tes de navios, os Infantes D. Duarte, D. Pedro, e D.
Henrique, o Conde de Barcellos, D. Affonso de Cas-
caes, filho do Infante D. João, o Condestavel , seu so
brinho D. Álvaro Pereira , o Mestre da Ordem de
Christo D. Lopo Dias de Sousa , o Prior do Crato D.
Álvaro Gonçalves Camello, o Almirante Carlos Paça-
nha(i), o Conde deVianna D.Pedro de Menezes, oGe-
neral do Mar Affonso Furtado de Mendonça , e outros
muitos Fidalgos, e pessoas notáveis, assim como muitos
aventureiros illustres Inglezes , Francezes , e Alemães:
hum Barão destes últimos levava quarenta Cavalleiros
seus ; e hum rico Inglez chamado Mondo (talvez Mon-
go) , trazia quatro navios á sua custa bem guarnecidos
4e frecheiros.
Não ha certeza sobre as circunstancias deste armamen
to, mas em geral se concorda em Ihedarcincoenta enove
Galés, trinta e três Nãos, e cento e vinte navios me
nores, com cincoenta mil homens (2), nos quaes se
devem entender (a meu parecer) os soldados , remei-
(1) Acenlieiro , no lus^ar citado, noinea aqui a Lançarote Paça-
nha ; o mesmo segue Mattheus Plzano , e o Arcebispo D. Rodrigo da
Cuníia no Cap.° 87 ; mas consta qve aquellé Almirante fora assassinar
do em Beja no anno de 1 jSj. Vede a Alonarchia Lusitana , tomo í.°,
Cap." jj.
C2) Segundo Mattheus Piaano (L.9 da Guerra de Ceuta, pag. 4})
constava a Annada de vinte e sete GjIcs (irivemiuin) , de trinta e
duas Galeotas (bircmium') t e sessenta e três navios redondos de trans
porte -{imuiitin ontraritirum') , e de outras cento e vinte embarcações
— Segundo a Gironica do Arcebispo D. Rodrigo da Cunha C^-ap.^
87), compunlia-se a Armada de trinta e tros Náos grandes, vinte e se
te Galos de três remos por banco, trinta e duas de dois remos cad«
banco, e cento e vinte navios pequenos-— O Conde da Ericeira (Vi-
63
ros, e marinheiros, «endo vinte mil des primeiros, e
o resto das outras .duas classes (i). .
A 7Ó dobrou a Armada o Cabo de S. Vicente, «
a-ncorou nessa noite em Lagos. No dia seguinte, Do
mingo , desembarcou EIRei com todas as pessoas
principaes, e ouvio Missa na Cathedral; acabada a
qual, leo Fr. João de Xira, Pregador Régio, a Eulla
da Cruzada , que o Papa concedera cm beneficio des
que se achassem na conquista de Ceuta , ficando deste
modo patente o segredo da expedição. Nq dia 3a par-
tio EIRei para Faro, e acalmando; o vento, se demo
rou por alli até 7 de Agosto, que segiiio viagem com
Ponente; e avistando sobre a tarde o Cabo de Blspar-
tel , virou no mar, para vir entrar de noite no Estrei-
to, como fez, surgindo em Tarifa. ,
Governava esta Praça Martim Fernandes Porto-
Carreiro, Portuguez , e tio do Conde de Vianna; o
qual sabendo que vinha alli EIRei, mandou a bordo
seu filho com hum grande refresco de vacas, e carnei
ros, desculpando-se de não ir em pessoa, pelas obriga
- t ,' . - j • ,

da de D. João I. , Lc <* , p>a«. J7$) affirma, que era de cíncóenra


e nove Cales Reaes , trinta c três Nsos grossas, e cento e vinte na
vios pequenos, e mais de cincoenta mil soldados; o que em substan
cia concorda com o epitáfio do mesmo Rei, pesto que este não indi
ca o numero dos homens ; porque diz = Et iageutí suorum naturatiunt
impávida pottntia , cum máxima Classe plusqtiam ducciíti vrginii itsfgrí*
gata uavigiis , quorum pari uumertiior maiores naves, et grauaioFts
extitert triremts , in. Africam transporta-vit. tz
(i) Severim de Faria (Noticias de Portugal, Decurso a.° §. 7)
diz positivamente, que EIRei levava vinte mil homens de lnfonterio.
Com effeito , fazendo-se o calculo dos remeiros, e marinheiros necessá
rios para guarnecer as duzentas e doze embarcações Porttiguezas , com
Sttenção ás suas differentes classes, e ao systema. de on^r-isar^o rias
equipagens então usado, se vera serem precisos mais de virte n>il i^qs
primeiros, e perto de sete mil dos seçundos; e se o total eia de cin«
coenea mil honjtiis, segue-se que o Exercito pouco excedei ia a vinte
xaiL
CA

coes do seu Cargo. Não acceitou EIReí o presente,


respondendo, que a Armada vinha provida de tudo; de
quu sentido Martira Fernandes, fez matar os gados, e
os deixou abandonados na praia. El Rei, que presava os
homens de grande espirito , mandou-lhe varias jóias de
valor, e mil dobras em huma salva' mui rica: os In
fantes imitarão a generosidade Real (i).
De Tarifa foi a Armada ancorar a Algeciras (per
tencente ao Reino de Granada), e os Mouros manda
rão logo hum abundante refresco ,' que EIRei accei
tou , por não lhe6 dar suspeitas de ir fazer guerra aos
seus alliados. Dererminava elle atacar Ceura.no dia 12,
mas sobrevindo grande cerração, com calmaria, levou
a corrente qua6Í até Málaga os navios grandes , em
quanto as Galés , e mais embarcações pequenas se apro
ximarão tanto a Ceuta , que muitas delias surgirão.
Esta Cidade, chamada antigamente Septa , tinha
sido era parte construída, e fortificada pelo Impera
dor Justiniano, e era a melhor Praça da Mauritânia,
centro do Commercio de Damasco, da Libia , de Ale
xandria , e de outros Reinos , e Estados , com as Na
ções de Europa, que por ella exportavão, e recebiãa
os productos da sua reciproca industria. A Bahia he des
abrigada , com fundo pouco limpo , mas assas boa pa
ra as embarcações pequenas daquelle tempo, compara
da com outras da Barberia, tirando grande importân
cia da sua situação, de maneira que em todas as inva
sões da Hespanha tinha servido como de ponte aos
Exércitos Mahometanos; e o seu Porto de perpetuo
ninho de Corsários , que em tempo de guerra sahião a
correr as Costas da Península , e interceptavão a nave
gação dos Portugueses, e Hespanhoes. Da-se o nome
(1) Aeenheiro, no lugar citado, diz que estas dadivas tiverSo !o-
j»ar quando Porto-Carreiro veio a Lisboa: o mesmo diz o Aicebwpo
Cunha no Cap.u H ; mas isto não parece verosímil.
65
tíé Alníina' a-furm nionte pouco alto ,' e longo de mi
lha e meia , que constitue a ponta mais saliente daquela
ía paVteda África, e fica quasi separado do Contineri>
te pelo mar. Sobre este monte está construído o Cas-
tello ' moderno' do Facho, situado na Latitude Norte
•de 3<r° 5-4' , e na Longitude de iz° 5V 36". A Cidade
"naquelle. tempo estava situada na fralda do Almina da.
'parte do Occídente, onde hoje chamáo o Bairro. Pela
fcanda do Nascente deste monte faz a Costa enseada
até Cabo .Negro, na qual podem ancorar os maiores
'navios abrigados dos Ponentes. '
Era Governador, e Senhor de Ceuta Zalá-Benzalá ,
"Mouro mui poderoso, e rico, que temendo-se da Ar-
mnda Portugueza , tinha pedido auxilio ao Soberano de
•Fez,, e' a outros Potentados seus visinhos , dos quaes
lhe acodio multidão de gente, que alguns avalião em
cem mil homens; Este, vendo os navios surgirem den
tro de alcance, lhes mandou atirar das muralhas, o que
■causou bastante damno, sobretudo na Galé do Al mi
grante, que estava mais perto de terra; mas longe de
largar por isso o porto, fez desembarcar alguns solda
rdes, que travarão com os Mouros huma renhida esca
ramuça , em que Estevão Soares de Mello se distin-
guio , rechaçando os inimigos.
No dia 14 determinou EIRei passar-se para a par
te Oriental d'ÁIroiria, por ser lugar abrigado dos Po
nentes, e1 dos tinida Praça , e com a idéa de divertir
a artenção dos Mouros, para que desguarnecessem d
lado opposto, onde pretendia fazer 0 ataque"; ecbrhô
as Náòs-estavãóflóinge, mandou busca-las pelo Infante
D. Henrique com às Galés mais ligeiras; é a V6, ven
do reunida a Armada*, ordenou o desembarque para o
dia seguinte. Estando tudo prestes, sobreveio hum Le
vante mui rijo, ainda que momentâneo, e como. a en*
Beada que faz alli a Costa he desabrigada com' aquelle
a
66
.vento , toda a Armada levou ferro , e se tornou a es
palhar. EIRei, com as Galés, e navios pequenos to
mou Algeciras, e as Náos, acalraando-lhe logo o ven-
lo,.forao levadas da corrente para Leste. Este inci
dente , parecendo desgraçado , foi causa da perdição
de Zalá-Benzalá , porque vendo dispersas as Náos Por-
tuguezas , e que as Galés não apparecião , deu por conr-
cluida a expedição , e julgou acertado despedir os seus
importunos auxiliares, tanto por estar agastado das
suas desordens, como na esperança de os poder ajun
tar com a mesma facilidade: assim ficou só na Cida
de a guarnição ordinária.
Entretanto partio segunda vez o Infante D. Hen
rique com as Galés a conduzir as Náos para Algeci-
res, o que fez com igual fortuna, ajudado do venta,
e trouxe a reboque o navio de que era Commandante
João Gonçalves Homem , que encontrou de noite qua-
si alagado , por haver abalroado com outro.
Reunida a Armada era Algeciras (i), chamou
EIRei a conselho, e rejeitando a opinião dos que que-
rião se abandonasse a empresa, sahio no dia 20, e ao
anoitecer deu fundo defronte de Ceuta. Estavão da
das todas as ordens geraes para o desembarque, e ao
amanhecer de 21 , mettendo-se elJc era hum escaler
(onde ao entrar se ferio gravemente em huma perna) ,
correo as embarcações das principaes pessoas , ordenan-
do-lhes, que em vendo em terra o Infante D. Henrique ,
desembarcassem logo , por lhe haver permittido licen
ça para ser o primeiro, que pisasse a praia Africana.
Feito, o signal na Galé Real para o Infante des
embarcar, Houve nisso alguma demora, o que fez coro
que putrps. impacientes se lhe adiantassem, e dentre
' O) O Ánonymo , que escreveo aChronici antiga do ConoVstavel,
Cap." 7} da edição de Lisboa de 1554» diz, que se reunk) tia ajigrm
êle Gibrahac ,,. ,.-
67

cfíes Joio Fogaça abordou primeiro na sua lancha,


acompanhado de Ruy Gonçalves , e investindo com os
Mouros, que os esperarão, fizetão pfaça para desem
barcarem os que á voga arrancada os seguiao. Õ Infan
te D. Henrique em breve tomou terra com as tropas do
seu especial commando, e travou com elles humárija pe
leja. O Infante D. Duarte, vendo seu irmão ja desem
barcado, fez o mesmo, e estes dois Príncipes unidos j
levarão os Mouros adiante de si até á porta chamada
cVAlmina , por onde os fizerão metter atropellados ,
sendo Vasco Anncs Corte-Real o primeiro que enrroti
de envolta com elles, e o Infante D. Duarte o segun
do. Este ataque foi feito com tanto vigor, que os Mou
ros recuarão sobre as portas da Cidade , diante das
quaes resistirão a pé firme algum espaço ; mas cahiado
morto ás mãos de Vasco Martins de Albergaria , hum
ralente e agigantado negro, que servia de antemurai
aos seus, voltarão as costas, indo misturados com elles
os dois Infantes, o Conde de Barcellos, e outros mui
tos dos principaes Cavallciros. O Infante D. Henrique
com sumrao acordo assegurou-se das portas, em que
deixou hum destacamento, e foi tomar posição em hum
lugar eminente, onde arvorou o seu estandarte , e espe
rou os reforços que lhe erão necessários para penetrar
na Cidade, e decidir a victoria, os quaes suecessiva-
mente chegarão quando EÍRei desembarcou com o In
fante D. Pedro , e o Condestavel.
Depois de huma serie de combates furiosos dentrd
dos muros, e fora delles, em que os Portuguezes sus
tentarão a sua bem provada bravura, o que seria mui
longo referir aqui circunstanciadamente, foi Ceuta ga
nhada no mesmo dia do assalto (i), e Zalá Benzalá des
animado se póz em salvo com a sua familia ao anói-

(i) O Arcebispo Cunha diz (Cap.° 94), que" foi" ganha no dia a],
'.) ii
. «8
tec<r, largando o Castello; o qual, por ser o- ponto
mais forte, reservou EIRei para .as suas armas.
Ignora-se o numero dos inimigos que morrerão ,
ou ficarão cativos, porem he. incontestável que devia
ser mui crescido: dos Portnguezes dizem , que sd falta
rão oito, que parece incrível. O despojo foi riquíssi
mo, tanto ern.metaes preciosos, e objectos de commer-
cio, como em artilharia, e munições navaes , e de
guerra , alem de quatro Galés achadas no Porto.
Nomeou EIRei para Governador ao Conde de
Vianna, que. pedio este Cargo por se haverem escusado
delle outros Fidalgos, a quem primeiro o offerecêra.
Deixou-lhe de guarnição perto de três mil homens (i),
e algumas embarcações , com abundantes provisões de
toda a espécie; e a % de Setembro partio para PortUr
gal , e foi desembarcar em Tavira.
Não apparece, na relação desta grande expedição
marítima huma sd palavra , que denote o uso da arti
lharia a bordo dos navios Portuguezes, havendo-a ja
nas baterias das Praças; e ainda que hum Escritor nos
so, mui curioso indagador das cousas da Marinha, diz,
que na tempo deste Monarcha se começou a usar de
artilharia grossa nos navios, (i), devia ser nos últimos
annos do seu Reinado..
141 8 — Estando Ceuta cercada por terra de hum
grande Exercito de Mouros (3) , mandou o Rei de
Granada huma Frota de sessenta e quatro velas, em
ue entra vão onze Galés, e vinte Galeotas, carregadas
\ e tropas, e por Commandante de tudo Muley Qaide>

. (1) Chronica- do Conde D. Pedro, Cap.° 6\°


(O Couto , Memorias Militares, Tratado 2j , pag. 270.
(}) Vede a Chronica do- Arcebispo D. Rodrigo da Cunha, cap.#
97.»- A Chronica do Conde D. Pedro, por Amrara, L." i.' Cap.° 70
ate 81 — Chronica do Príncipe D. João, por Damião de Góes — Me«-
reor íjs de O. João I. , tomo 2.
69
seu sobrinho,' para atacar a Cidade da banda do mar.
Elitei D.João, que pelo aviso que recebera , ja tinha
mandado hum bom reforço áquella Praça, mal soube
agora por Tarifa da sahida do armamento de Grana
da, não perdeo hum instante em concluir os aprestos
de hum poderoso soccorro, capaz de mallograr as es
peranças que os seus inimigos fundavão em hum plano de
campanha tão bem combinado: e era tala abundância de
munições navaes, e de guerra nos Arsenaes de Lisboa, que
poucos dias depois sahio de Lisboa (em Agosto) o In
fante D. Henrique por General da expedição, levando
comsigo o Infante D. João; e para o Algarve expedío
EIRei os Infantes D. Duarte, e D. Pedro para condu
zirem dalli novas forças se necessário fosse. Não achei
nos Escritores o numero de tropas , e navios que le
vou o Infante D. Henrique; o qual chegando á bocca
do Estreito, encontrou huma Fusta , em que vinha
Affonso Garcia de Queirós com Cartas do Conde de
Vianna , participando ter Muley Çaide oceupado ja
com as suas tropas a parte oriental da Almina , combi
nando os seus ataques com os do Exercito sitiante, em
quanto as Galés bloqueavão o Porto.
A* vista da Armada Portugueza , entrando vaga
rosamente cora vento bonançoso pelo Estreito , o Rei
de Granada , que se achava em Gibraltar prompto a
embarcar para se ir unir a seu sobrinho, e gozar do
triunfo que reputava facir, abandonou esta idea , e es-
íolheo por mais seguro ser dalli espectador do successoi
A fortuna não quiz que o Infante D. Henrique
tivesse a gloria de destruir o armamento naval de Gra»
nada ; porque em quanto navegava a buscar a Praça,
fazia o Conde de Vianna huma sortida á testa da sua
valente guarnição contra as posições, que Muley Çai-
de oceupava no monte. A acção foi disputada com des
esperado valor por este intrépido Granadino, a quemi
70
só resMva hum de dois partidos, ou render-se, ou aca
bar pelejando; e este he o que elle briosamente esco-
Jheo. Para entender a razão desta cruel alternativa,
cumpre saber, que no principio da batalha, as Galés
de Granada estavao surtas na bocca da Bahia, e come
çando neste momento a descobrir-se a Armada Portu-
gueza , de que os Mouros faziao repetidos signaes de
ambas as Costas do Estreito, toda a sua Frota cortou
as amarras, e cada embarcação fugio na direcção que
melhor lhe pareceo. Mulcy Çaide , que não podia em
barcar senão nas praias da Almina da parte opposta á
Bahia, chamou a grão pressa as Galés, para salva
rem as tropas que possivel fosse, mas huma única obe-
deceo ás suas ordens , e recolheo apenas cincoenta ho
mens: tudo o mais, que estava no monte, foi morto,
ou cativo.
Estava concluída a acção, quando desembarcarão
os Infantes, que só poderão ver os montes de mortos,
que cobrião o campo de batalha. Três mezes se deti-
verão em Ceuta, e neste meio tempo o grande espiri
to do Infante D. Henrique lhe suggerio a idea de
tomar Gibraltar á escala ; e ainda que contrariado
pela opinião quasi geral dos que chamou a Conselho,
oeo principio á empresa, e provavelmente a levaria ao
fim , se as ordens positivas d'ElRei não o chamassem
a Lisboa.
1419 — No principio deste anno mandou o Infan
te D. Henrique continuar os descobrimentos ao longo
da Costa occidental da Africa, e as embarcações desti
nadas para essa commissão correrão obra de sessenta
Jeguas para o Sul do Cabo de Não; mas não ousarão do
brar o Cabo Bojador (1).
D.° anno — Neste anno descobrirão os Portugue-

(1) Damião de Goeí, Chroflica do Príncipe D. Joio.


71

xes por hum feliz a ca sp a primeira Ilha , das que ho


je possuem no mar Oceano. Estava pesaroso o Infante
de não ousarem os Commandantes das suas embarca
ções arrostar com os suppostos perigos do Cabo Boja
dor , quando se lhe offerecêrão para isso João Gonçal
ves , de alcunha o Zarco , e Tristão Vaz Teixeira, Ca-
valleiros da sua Casa , que servirão debaixo das suas
ordens com grande valor nas duas expedições de Ceuta
(l). Mandou elle aprestar-lhes huma embarcação, de
que deu o commando a João Gonçalves (talvez por
mais idoso) com instrucções para commetter a passa
gem do Cabo (2) e no caso de a conseguir, correr a
Costa para o Sul até onde podesse chegar.
Partidos os dois Cavalleiros , antes de ferrarem a
Costa d'Africa , lhes deu hum temporal de Levante, e
não podendo bordejar, nem aguentarse á capa, em ra
zão da má construcção , e aparelho das embarcações
daquelle tempo , e dos poucos conhecimentos da Náu
tica , ainda na infância , correrão em popa com o tem-

(1) Gtrtloquef o descobrimento de Porto Santo em 1419, seguin


do a Damião de Góes (Chronica do Príncipe D. João, Cap.9 8.")» e a
Soares da Silva (Memorias de D. João i." , tomo 1.*, cap.° 76). O
Padre António Cordeiro (Historia Insulana, L." 6.» , Cap.8 j.^diz,
que sem duvida foi descoberta de 141 7 até 1419, ainda que em ou
tro lugar (L.° j.°, Cap.° ».') pôz este descobrimento cm 1420. com
equivocado manifesta, como facilmente se colhe da sua Histoiia. He
certo, que António Galvão (Tratado dos Descobrimentos , pag. ao)»
c Faria e Sousa (Ásia Portugueza, tomo. i.*" , patte 1.", cap." ».*,•.
seguinte*) dizem que se descobrio em 1418. Mas esta opinião parece)
insustentável, porque sendo constante da nossa Historia, que o Infan
te se estabeleceo em Sagres no anno de 1419, depois de voltar do soc-
corro de Ceuta nos fins de 1418 , e que de Sagres , eu de lagos expe-
dio a João Gonçalves, fica evidente, que não podia este verificar o
seu descobrimento no anno antecedente.
(3) A narração deste descobrimento he deduzida dos Eicritoret
mencionados , e também do que diz Jcão de Eanos na sua Década 1/,
L.« i.« , Cap.0 a.".
po , quasi alagados , e perdidos ; e 'guiados <4a Provi
dencia , descobrirão huma pequena Ilha deserta , onde
surgirão, e lhe derão o nome de Porro Santo, peio
abrigo que acharão. Havia nesta Ilha muito arvoredo,
e tão grossos Dragoeiros, que delles se fízerão depois
gamelas capazes de conter hum moio de trigo, e bar
cos que levaváo seis homens (r).
Forão mui bem recebidos pelo Infante os dois
Descobridores na sua volta a Portugal , e ofFerecendo-
se para irem povoar a Ilha , fez-lhes armar a toda a
■pressa três embarcações, de que os nomeou Comman-
dantes, e a Bartholomeu Perestrello, Fidalgo da Casa
do Infante D. João, a quem deu a Capitania da Ilha;
e acompanhados de algumas pessoas, que para o mes
mo fim se offerecêrão, levando sementes, e todos os
instrumentos, e ferramentas necessárias, bem como al
guns animaes domésticos, partirão de conserva, e che
garão com felicidade a Porto Santo, onde aconreceo,
que largando no campo huma coelha, com seus filhos,'
que havia parido na viagem, foi tal a producção des
tes animaes, que chegarão a pôr quasi em desesperação
.os Povoadores , roendo , e destruindo quanto planta
rão.
' Perestrello, ou ja descontente da Ilha, ou por outra
qualquer causa , voltou para Portugal , deixando nella,
os dous Descobridores, que a fortuna guardava para
outra empresa de maior valia.
•J . 1420 — Descobrio-se de Porto Santo a huma con
siderável distancia (2) , hum perpetuo negrume cercado
• • 1

(I) Cordeiro, L" }.•-, Cap.« s.°


'■ (a) Na relação do descobrimento da Madeira, e:anriô em que sue*
cedeu , segui a Damião de Góes (Chronica do Principe D. João, Cap.
8.u), a Soares da Silva (Memorias etc. , tomo i.°, cap.0 77)i *
.António Galvão (Tratado dos Descobrimento- , pas;. 21), a João de
íarros (Década j.1, L" l.°, Cap.» j.°) e a Duarte Nunes de L*á°
73
de nevoeiros, mais ou menos espessos , que nso deixa-
vão enxergar bem o que era ; e ainda que a razão di-
cnva a alguns, que existia alli liuma Ilha, a supersti
ção figurava a outros cousas sobrenaturaes, e horrorosas.
Nesta perplexidade resolverao-se os dois Descobrido*
res João Gonçalves, e Tristão Vaz Teixeira a ir pes
soalmente examinar aquelle fenómeno; cno i.° dejulho
deste anno, tendo vento favorável, partirão ambos an
tes de amanhecer em dous barcos, dirigindo-se ao ne
voeiro, chegados ao qual , e ja cercados dei le , forao
descobrindo por entre a névoa huns picos altos, e logo
huma ponta de terra , a que derão nome de S. Louren
ço, e adiante da qual surgirão.
Ao amanhecer do dia seguinte , separárão-se os
dois Descobridores, para ir cada hum por sua parte em
busca de lugar próprio para desembarcar , o que Tei
xeira fez em huma ponta, que tomou o nome de Tris
tão, e João Gonçalves era numa lapa, cujo terreno es
tava sovado dos pés dos lobos marinhos, e lhe deu o
nome de Gamara de Lobos , que ainda conserva, to
mando elle d'aqui o appellido de Camará para a sua
família.
Esta grande Ilha estava deserta, e coberta até ao
mar de mui basto, e frondoso arvoredo (donde proce-
dião as névoas, que a cercavao), que não dava fácil
passagem a quem intentava penetra-lo, e por isso se
chamou Ilha da Madeira , nem tinha outros habitado-
£Oironiea de D. João I. , pelo Arcebispo D. Rodrigo da Cunha , Cap.°
98). Ainda que Faria e Sousa (Ásia Portugueza, tomo i.°, parte I.* ,
cap.° 1.*) diz, que ella foi descoberta no anito de 14! 9, he isso em
consequência de haver marcado o descobrimento de Porto Santo em
1418; e o Padre Cordeiro (Historia Insulana, I.° t.° , Cap.° 6.°) di
zendo também, que a Madeira se descobrio em 1419, mostrou mani
festa equivoca-lo, como ja observei, pondo o descobrimento de Porto
Santo em 1 420 , sendo este anterior ao outro , 00:110 eile mesmo afíir-

10
74
reis, que immensas aves de varias espécies tão innocen-
tes, que se deixa vão colher á mão.
Avisado logo o Infante D. Henrique da importan
te descoberta, e querendo remunerar os serviços dos
dous beneméritos Cavalleiros, dividio a Ilha era duas
Capitanias , e as repartio por elles.
Aqui occorreo hum facto, que seria inacreditá
vel , se o testemunho unanime dos Historiadores o não
abonasse, e foi; que tratando os dous novos Donatá
rios de começar a cultura dos seus terrenos, cora algu
mas famílias, que para alli transportarão , mandou
João Gonçalves da Camará roçar , e queimar algum
mato no sitio do Funchal, e communicando-se o in
cêndio aos bosques, de que a face da Ilha estava co
berta, não foi possível extingui-lo, senão no fim de
sete annos, com perda irreparável de preciosas madeiras
próprias da construcção naval ; por cuja razáo sentio o
Infante sobremaneira este desastre, como quem tinha to
dos os seus pensamentos applicados ao augmento, e
prosperidade da Marinha. O Padre Cordeiro affirma ,
que com as madeiras desta Ilha se começarão a fazer
navios grandes de gavia ,' e castello d'ovante não ha
vendo amantes mais que Caravelas do Algarve , e Ba
rineis em Lisboa (i).
Fez o Infante plantar na Ilha bacello de Malva
sia , que mandou vir de Chipre , e cana de assucar que
Jhe veio da Sicília, com Mestres para o fabricarem,
sendo este género naquelles tempos de grande preço ^
e estimação ; e achou-?e, que o assucar da Madeira ex
cedia em qualidade a outro qualquer.
A Historia desta rica, e deliciosa Ilha he tão co»
nhecida , que tenho por inútil ser mais extenso.
1424 — Como o Infante D. Henrique tinha com-

CO L« i/jCap.» 6.»
75
prado a Maciote Betancourr o dominio das Ilhas de
Lançarote, Forre Ventura, Gomeira , e Ferro, perten
centes ao grupo das Canárias , cuja historia "melhor se
poderá ver nos nossos Escritores , que largamente tra-
tao desta matéria , determinou conquistar as que resta-
vão por submetter (i), e neste anno fez partir para es
se fim huma Esquadra, com dous mil e quinhentos in
fantes, e cento e vinte cavallos, e por seu General em
Chefe D. Fernando de Castro, Governador da sua Ca
sa (2). Porem os resultados deste armamento não cor
responderão ás suas esperanças, nem ás despensas que se
fzerâo; porque D. Fernando de Castro, depois de re
duzir ao Christianismo alguns dos boçaes moradores
(O Hum erudito Académico publicou ha poucos annos huma Me»
mona (Vede as Memorias para a Historia das Navegações, e Descobri
mentos dos Portuguezes; no tomo 6.", parte j.1 das Memorias da
Academia das Sciencias de Lisboa , pelo Senhor Macedo) , sobre a an
tiguidade do descobrimento daquellas Ilhas, em que pretende serem ja
■conhecidas dos Portuguezes no anno de 14 J4, ou no seguinte. Clarke
/az menção (The Progress of Marítima Discoverjr, L* 1.', Cap.°
2.0) de huma embarcação Franceza, que por causa de naufrágio apor
tou alli entre os annos de 1 $26 , e 1334; e parece ser a mesma, de
que com incertesa falia João de Barros (Década 1 . , l,° 1 .' , Cap.^
12), col locando com tudo este facto em época ma;s moderna.
Eu farei aqui duas únicas reflexões: 1.' Não parece verosímil,, que
hum Monarcha de tantos talentos , como l). Affonso IV. , em cujo Rei
nado se diz haver acontecido aqúelle descobrimento, não procurasse ti
rar delle as importantes ventagens, que naturalmente devia esperar, se
fkesse reconhecer todas aquellas Ilhas, que se avistáo hu mas das outras,
e estabelecesse relações com os seus habitantes ; mas vemos , pelo con
trario, que se perdeo ate a memoria do seu descobrimento, a.' Obser
vando a posição geográfica das Canárias, e a navesaçáo que fazem os
navios na sua volta para as Costas de Portugal, ou de França , segundo
os ventos dominantes nas differentes Estacões do anno , he moralmente
impossível, que algum delles não descobrisse as Ilhas, Snlvagem e da
Madeira ; o que não consta haver acontecido.
(2) Barros, Década l.», L.° i.°, Cap.» 12 — Galvão, Tratado
dos Descobrimentos, pag. 21 — José Soares da Silva, Memorias d'El»
Rei D. João I., tomo i.°, cap.« Sc5.
10 ii
76
daquellas Ilhas, se rccolheo a Portugal, e o Infante
foi obrigado a mandar depois Antão Gonçalves com
huma expedição de menos força , para proteger os no
vos convertidos contra a fúria dos outros selvagens.
1429 — Recebida por Procuração nos Paços do
Castello de Lisboa a 24 de Julho deste anno a Infanta
D. Isabel, com o Duque de Borgonha Filippe o Bom
(1) , partio desta Capital em huma Armada de trinta e
nove embarcações, e dia de Natal do mesmo anno che
gou ao Porto da Ecluse, n«; Flandres, onde a esperava
aquelle poderoso Principe. Acompanhou-a na jornada
hum dos seus irmãos, que alguns dizem ser o Infante
D. Henrique, e outros o Infante D. Fernando.
143 1 — Partio de Sagres em hum navio, por or
dem do Infante D. Henrique, Fr. Gonçalo Velho Ca
bral , Commendador de Alraourol , com instrucçôes de
navegar direito a Oeste, e se descobrisse alguma terra,
voltar logo cora a noticia (2). Com poucos dias de
viagem avistou huns penedos, que examinou, e aos
quaes deu o nome de Formigas (3) , e dalli tornou pa
ra Sagres; provavelmente, porque algum máo tempo
de cerração lhe obstou a fazer maiores progressos ,
aliás descobriria então a Ilha , que achou no anno se
guinte, e não está longe daquelle Baixo.
A 30 de Outubro deste mesmo anno de 143 1 se
concluio era Medina dei Campo o Tratado de Paz
perpetua entre Portugal, c Castella ; eis-aqui hum exr

(1) Veja-se D. António- Caetano de Sousa, Historia Genealógica d«


Casa Real Portugucía, tomo 2.", cap." 4.* — José Soares da Silva,
Memorias de D. João I. , tomo i.« , cap." 102.
(O Historia Insulana , L.» 4.0 , Cap.° 1 .*
(i) O Baixo das Formigas, situado em 57* >7' >°'; d* La*-'
N. e j$3 " u' 55" de Long.e , tem cousa de huma milha de ex
tensão de Norte a Sul, c dista da Ilha. de Santa Maria dezoito mi-
ibas ao Nordeste.
77

'tracto dos artigos mais notáveis deste celebre documen


to diplomático.
Que os Navios de Portugal, e Castella , ainda que
levem mercadorias de inimigos, não poderão ser busca
dos, logo que se veja que toda a sua equipagem he da
sua Nação; exceptuando dous casos: O primeiro, quan
do estes Navios levarem a bordo os corpos dos inimi
gos. E o segundo , achando-se ancorados os taes Na
vios em Porto inimigo, e tendo a bordo mercadorias
pertencentes a inimigos, porque então estas lhes pode
rão ser tomadas.
Que os Navios de Portugal não poderão tomar,
nem saquear os Navios de Nações suas inimigas que
estiverem nos Portos, Bahias, Enseadas , e ancoradou
ros pertencentes a Castella , nem ainda mesmo no mar
até huma légua de distancia dos mencionados lugares:
praticando reciprocamente as mesmas regras os Navios
Castelhanos a respeito dos do Portugal.
Que nos Portos de Portugal , e Castella se não ad-
mittirião presas feitas aos seus respectivos Vassallos
por Navios de outra Nação , com quem estiver em
guerra hum destes dous Reinos, sob pena de pagar o
Governo perdas , e damnos aos offcndidos. Que aconte
cendo igualmente estar huma embarcação Portugueza
em hum Porto de Castella , ou huma embarcação Cas
telhana em hum Porto de Portugal , em occasião de
achar-se alli hum Navio pertencente a huma Nação
inimiga da sua , e querendo a dita embarcação Portu
gueza , ou Castelhana seguir viagem , o Governo não
deixará sahir em seu alcance o mencionado Navio seu
inimigo, senão passados dous dias; debaixo das penas
ja mencionadas.
Que os Vassallos de hum dos Reinos de Portu
gal, ou Castella, que commettessem roubos, e damnos
contra os Vassallos do outro Reino nos Pertos , Cos
T8

tas, e Mares a elle pertencentes, ou ainda no mar al


to, serião presos, e entregues ás Justiças do menciona
do Reino, cujos Vassallos offendèrão, para alli serem
julgados , e punidos segundo as Leis particulares da-
quelle Reino: £ que igual procedimento se teria com
os Nacionaes, ou Estrangeiros que perpetrassem simi-
Jhantes delictos contra qualquer dos dous Reinos, e
aportassem a hum delles, d'onde serião remettidos ao
outro Reino com os roubos, que se lhes apprehendes-
sem.
Que os Reis de Castella promettião nunca pertur
bar, ou inquietar os Reis de Portugal na posse, e qua-
si posse em que estavão de todo o trato , c terras de
Guiné , com as suas minas de ouro , e quaesquer outras
Ilhas, Costas, c terras descobertas, e por descobrir,
Ilhas da Madeira, Porto Santo, e Deserta, e todas as
Ilhas dos Açores, e Ilhas das Flores, e assim as Ilhas
do Cabo Verde (r) e todas as lhas até agora descober
tas, e quaesquer outras que existissem das Ilhas Caná
rias para baixo , para a parte de Guiné ; porque tudo o
que se conquistasse, ou descobrisse nos ditos espaços y
alem do que j a estava sabido, oceupado, e descober
to, .ficaria aos Reis de Portugal, exceptuando as Ilhas
Canárias , Lançarote , Palma , Forte Ventura , Gomei-
ra , Ferro , Graciosa , Grão Canária , Tenerife , e todas
as outras Canárias , ganhadas , ou por ganhar , as quaes
ficarião aos Reis de Castella. Promettião também estes
não perturbar, nem molestar quaesquer pessoas, que no
dito trato de Guiné, e nas ditas Costas, e terras des
cobertas , e por descobrir , em nome dos Reis de Por
tugal negociassem, ou conquistassem, por qualquer mo
do que fosse; e promettião mais nao mandar, nem

0) Estas Ilhas são a Gorca, e outras Ilhotas nas proximidades de


Cabo Verde.
79

consentir, antes sim prohibir que, sem licença dos


Reis de Portugal , fossem negociar ao dito trato, Ilhas,
e terras de Guiné descobertas, e por descobrir , tanto
os seus Vassallos, como outras quaesquer gentes estran
geiras , que estivessem nos seus Reinos, e Senhorios;
nem que nos seus Portos se armassem, ou habilitassem
para esse fim, nem darião a isso em occasiao alguma fa
vor , ou consentimento directa , ou indirectamente;
nem consentirião armar, ou carregar para aquellas per
tos de maneira alguma. E assim, se alguns súbditos do
Reino de Castella , ou estrangeiros quaesqtier , fossem
tratar , impedir, damnificar , roubar, ou conquistar
adita Guiné, trato, resgate, minas, terras, e Ilhas
delia descobertas, ou por descobrir, sem licença, e
consentimento expresso dos Reis de Portugal , serião
os taes punidos pela maneira explicada no artigo ante
cedente. Por fim, promeftião os Reis de Castella não
se intrometterem , nem embaraçarem dalli por diante
a conquista do Reino de Fez , a qual os Reis de Por
tugal poderião proseguir pelo modo , que bem lhes
parecesse.
Que os Reis de Portugal promettião reciproca
mente aos Reis de Castella , de não os perturbar na
posse, e quasi posse em que estavao das Ilhas Caná
rias ja conquistadas, e por conquistar, etc. (i).
1432 — Tornou o Infante D. Henrique a mandar
o Commendador Fr. Gonçalo Velho Cabral á mesma
commissao, a que fora no anno antecedente, e a 15 de
Agosto vio huma Ilha , á qual per ser dia consagrado
á Assumpção da Virgem, deo o nome de Santa Ma
ria , onde desembarcou da banda de Oeste em huma
pequena praia , que chamou dos Lobos, por haver nel-

(O Memorias d'ElRei D. João I. , tomo 4.' , pag. 270, c seguin


tes.
no
la muitos lobos marinhos; e depois de rodear toda a
Ilha por mar, e de examinar o interior delia quanto
lhe permittio o basto arvoredo, de que estava cober
ta, voltou para Sagres, eo Infante alvoroçado com
esta descoberta , lhe deo a Capitania (i).
1432 — No mesmo anno de 1432 mandou o In
fante a Gil Annes, seu criado, natural do Algarve,
commandando huma embarcação , para que tentasse
dobrar o Cabo Bojador; mas elle, ou contrariado dos
ventos , ou incitado da cubica , sem porfiar no cumpri
mento da sua commissão, dirigio-se ás Ilhas Canárias,
onde colheo alguns selvagens, cora os quaes voltou pa
ra o Infante, que o recebeo mal, e como Gil Annes
era homem animoso , offereceo-se a fazer nova tentati
va , e ou dobrar desta vez o Cabo , ou acabar na em
presa (2).
1433 — Obtida licença do Infante, partio segunda
vez na mesma embarcação, e dobrando finalmente o
suspirado Cabo, foi desembarcar era huma Bahia ao
Sul delle; e reconhecido o Paiz, e não achando po
voação , nem rasto algum de gente , levantou na praia
huma Cruz de pão, e contentou-se com trazer dalli al
gumas plantas em hum barril cheio de terra, em pro
va de não ser aquella Região deserta , vindo assas sa
tisfeito com tão grande descobrimento , segundo então
se reputava a acção de dobrar aquelle Cabo, em que
se trabalhava havia tantos annos.
Chegado Gil Annes á presença do Infante, rece
beo este o presente daquellas hervas cora alvoroço
maior, do que receberia outra qualquer cousa de gran
de valor , premiando com honras , e mercês não só o
Descobridor, porém todos os indivíduos da sua embar-

(;) Historia Insulana , L° 4.0 , Cap.' 2.»


(2) Barros, Década i.',L°í.', Cap.° 4.0
Cl
cação. Nao sabemos em que dia dobrou elle o Cabo
Bojador; mas he certo, que quando voltou a Sagres,
estava ja no Throno EIRei D. Duarte , que mostrou
igual prazer ao do Infante por aquelle descobrimento ;
o ultimo acontecido na vida de seu Grande Pai (i).
Faleceo EIRei D. João I. era 14 de Agosto de
«433-
Reinado d'EIRei D. Duarte,

Este Principe, cheio de valor , de talentos , e de


■instrucção, subio ao Throno na força da sua idade,
dando aos Portuguezes bem fundadas esperanças de con
tinuarem a gozar da torrente de prosperidades , a que
estaváo habituados de muitos annos. Mas o seu Reina-
-do foi tão breve, como infeliz. Não he do objecto des
tas Memorias analysar as causas moraes, e politicas dos
males que soffreo Portugal na vida deste virtuoso Mo-
narcha, e dos que se seguirão do seu prematuro fale
cimento ; os quaes certamente não existirião , se vives
se mais alguns annos.
Querendo mostrar quanto se interessava no pro-
seguimento das Descobertas, foi hurna das primeiras
acções do seu Governo fazer Doação das Ilhas da Ma
deira, Porto Santo, e Deserta ao Infante D. Henri
que, por Carta passada em Cintra a 26 de Setembro
de 1433 (2) ; e no anuo seguinte , por Carta datada de
Santarém aos 26 de Outubro, cedeo o Espiritual das

(O Faria, Ásia Portugueza, no lugar ja citado — Góes, Chronica


do Principe D. João, Capitulo 8.° — Galvão, Tratado dos Descobri
mentos, pag. a* — Soares da Silva, Memorias de D. João I. , tomo
1.» , capitulo Sj — Barros, Década i.«, L" >.°, Capitulo 4.0
(*) Provas a Historia Genealógica , tomo i.° , pag. 44a.
11
82
mesmas Ilhas á Ordem de Chrisro, de que o Infante
era Grão Mestre (i).
Confirmou também no Posto de Capitão Mor do
Mar ao Conde de Abranches D. Álvaro Vasques (ou
Vaz) de Almada (i) por Carta assignada em Almei
rim a £ de Janeiro de 1434.
1434 — Tornou o Infante D. Henrique a mandar
Gil Annes, e com elle em outra embarcação maior t
chamada então Barinel (creio que era hum Patacho),
Affonso Gonçalves Baldaia, seu Copeiro, para pro-
seguirem o exame da Costa de Africa além do Cabo
Bojador , como fizerão ; e favorecidos dos ventos , cor
rerão obra de oitenta milhas para o Sul delle, até hu-
ma bella Enseada em que surgirão , e pelos muiros rui
vos que alli pescarão, lhe chamarão Angra dos Rui
vos , nome que ainda conserva em todas as Cartas (3).
Examinando o Paiz, acharão rasto de gente, e de ca
melos em diiTerentes direcções ; com cujas noticias re
gressarão a Portugal (4).
1435" — Neste anno mandou o Infante os mesmos
dous Navegantes, para continuarem os descobrimentos
além da Angra dos Ruivos; e para que podessem exa
minar o Paiz a major distancia do mar, fez embarcar
dous cavallos no navio de Affonso Gonçalves Baldaia.

CO Memorias de D. João I., tomo i.' 4 Cap.° 8a.


(a) Provas, tomo 1.0', pag. 571 , e seguintes.
(}} Galvão, pag. aj — Clironica do Príncipe D. João, Cap.*
$.° — Barros, Década 1.», L." j.°, Cap. j. — Memorias de D. João
I., Capitulo 8}.— Faria, Ásia, Parte i., tomo 1.
(4) A terra desde o Cabo Bojador para o Sul lie montanhosa , mas
vai progressivamente abaixando para a Enseada , ou Angra dos Ruivos ,
è »5o tem coisa notável, qiie a faça conhecer de longe, se não hum
monte alto, e piramidal , cousa de doze léguas alím do Cabo , chama
do Penha Grande. Esta Angra esta em av 55' de Iat. N. , e j° $7'
de Long. Tem quatro léguas de bocca , e iundo de arca , com ties
a duas braças de agua.
83
As suas instrucçôes erão , que procurassem chegar a
terra povoada, e colher algum dos naturaes, que desse
boa informação do estado daquellas Regióes (i).
Sahirão de Sagres os dons Descobridores , e do
brando o Cabo Bojador , seguirão a Costa , que da
Angra dos Ruivos para o Sul lie muito raza , com al
gum mato ; e obra de quarenta milhas além delia acha
rão huma Enseada , onde ancorarão (2). E como a ter
ra era descoberta , mandou Affonso Gonçalves desem
barcar os cavallos, e nelles partirão armados de espada,
e lança , Heitor Homem, e Diogo Lopes de Almei
da , mancebos de nobre nascimento , educados no Palá
cio do Infante D. Henrique, de idade de dezesete an-
fios , levando ordem para examinar o Paiz , sem nunca
se apearem , nem apartarem hum do outro ; e que
achando algum dos naturaes, e podendo aprisiona-lo
sem risco seu, o fizessem. Explorarão elles inutilmen
te a campanha quasi toda a manhã, e achando-se ja
mui longe dos navios, encontrarão dezenove Mouros
de medonho aspecto, cada hum com sua azagaia na mão ;
e tão de súbito foi este encontro, que os moços houve-
rão por melhor conselho acommette-los logo, que re-
tirar-se depois de vistos, por lhes não dar mais ousa
dia. Porém os Mouros, espantados de verem homens
estranhos, de que não tinhão idéa alguma, refugiárão-

( 1 ) Esta Enseada , ou Angra dos Cavallos , está situada na I.at. de


»4U 8' N. e j9 17' de Longitude. Tem sete braças de fundo limpo
de arca vermelha.
(a) Devo aqui advertir, que se acha grande variedade nas Cartas Hy-
drograficas modernas , sobre a posição dos Cabos , Portos , e Eahias da
Costa Occidental da Africa , desde Cabo Bojador até Cabo Verde ; por
que quasi todas são copiadas das Cartas antigas, e excepto cm alguns
pontos determinados por Observações Astronómicas, os seus Authores
apenas lhes fazem algumas emendas deduzidas do que encontrão em
Diários de navios de Commercio: por consequência não merecem in
teira confiança.
II ii
84
se em huma caverna, que ficava debaixo de li uns pe
nedos, onde se defenderão bom espaço , que durou a
briga, á custa de algumas feridas dos seus, e de huma
que hum dos moços também recebeo; sendo este o
primeiro sangue Portuguez, que se derramou naquella
barbara Região^ e rendo os dous, que não lhes era
possível forçar a entrada da gruta, vokárão para os
navios , onde chegarão na manha seguinte.
Cora esta noticia partio AfFonso Gonçalves cora
gente bera armada em busca dos Mouros , de que só
achou algum miserável despojo, que por temor abando»
nárao na caverna; e recolhendo-se aos navios, sahio da-
quella Bahia, a que deo o nome de Angra dos CavallosT
e proseguio o seu descobrimento para o SuL
Havendo navegado outras quarenta milhas, via
hum Rio, que entrava pela terra na direcção de N.E*
(he o mesmo Rio do Ouro, de que adiante fallarei) ,
e tinha na bocca huma Ilhota de arêa , em que havia
tanta multidão de lobos marinhos , que os Portuguezes
os avaliarão em cinco mil, e delles matarão muitos,
para aproveitar as pelles, que naquelles tempos vai ião
muito no Coramercio. AfFonso Gonçalves , que a toda
o custo queria levar ao Infante algum natural daquel-
les Paizes, não se contentando de interesses mercantis,
scguio quarenta léguas mais avante , e chegando a hu
ma ponta, a que deo nome de Pedra da Galé (i), pe
la similhança que se lhe figurou ter com huma Galé„
achou humas redes de pescadores, que parecião ser
feitas das fibras de alguma arvore , e na esperança de
tomar algum habitante, desembarcou varias vezes na
quella Costa ; mas não achando o que buscava , e ten
do ja os mantimentos gastos , voltou para Portugal (2)*

(O Situada era «i° 50' de Lat. N. , e Io l' de Lerg.


(a) Esta relação he tirada de Joáo de Barros, de Faria e Sousa, de
83

T437 — No fim do armo de 1435", o Infante D.


Fernando (o mais moço dos Filhos d'ElRei D. Joio
I.) parecendo-lhe que as rendas que possuia da Arou-
guia , Salvaterra , e Mestrado de Aviz , não erao suffi-
cientes para sustentar a sua Dignidade , comparadas
com as dos Infantes seus irmãos, pedio licença a El-
Rei D. Duarte para sahir do Reino (1), e ir servir a
outro mais poderoso Monarcha , onde podesse ganhar
honras, e Estados, que em Portugal, pela sua peque
nez , nunca obteria.
Ficou EIRei descontente de similhante proposta ,
e procurando convence-lo com boas razões, que não
aproveitarão, rogou ao Infante D. Henrique o persua
disse a pôr de parte aquelles pensamentos. Mas este
Príncipe , affeiçoado por extremo ao plano de conquis
tas na Barberia, imaginado por seu Grande Pai, con-
fessou-lhe que era da mesma opinião do Infante D.
Fernando; e pedio-lhe ao mesmo tempo licença para
com elle passar á Africa, levando os seus criados, e os
Cavalleiros das Ordens de Christo, e de Aviz, de que
erão Grão-Mestres (2).
A resistência que EIRei oppôz por algum tempo
á vontade de seus irmãos , foi vencida logo que o In
fante D. Henrique teve a arte de interessar neste pro
jecto a decisiva influencia da Rainha D. Leonor; e hu-
ma vez approvada a expedição, tratou-se dos prepara
tivos necessários. Combinou EIRei com os dous Infan-
Josc Soares dt Silva, e da Chronica do Príncipe D. João, nos lugares
ja citados.
(O Vede Ruy de Pina, Chronica dTIfRei D. Duarte, Capitulo
IO, e seguintes — Acenheiío , Chronica d'ElRei D. João ■ I. — Soares
da Silva, tomo i.°, Capitulo 7$.
(2) Duarte Nunes de leão, na Chronica de D. Duarte, Cap.° 6\ ,
diz que o Infante D. Henrique era quem movia stu iirrão a fazer es*
jes requerimentos a EIRei, pelo muito que desejava fazer alguma con
quista ua Africa, ',
06

tes, que o armamento constaria de quatro mil cavai-


los , nove mil e quinhentos Infantes , e quinhentos
Gastadores (i). Mandárão-se afretar navios aos Portos
de Hespanha , Inglaterra , Aleminha , e Flandres , e fi-
zerão-se aprovisionamentos de armas, viveres, e muni-
çÓes, para cujas despezas convocou EIRei Cortes em
JEvora a 15" de Abril de 1436, e nellas obteve hum
donativo, que não foi pago sem murmurações, porque
esta expedição tinha por únicos defensores os dous In
fantes.
Os Fidalgos , que EIRei nomeou para ella , per
tencentes á sua Casa , forão : O Conde de Arraiolos ,
seu sobrinho, que hia por Condestavel ; o Bispo devo
ra D. Álvaro de Abreu ; o Marechal Vasco Fernandes
Coutinho ; o Meirinho Mor João Rodrigues Couti
nho, seu irmão; Diogo Soares; o Capitão Mor do
• Mar D. Álvaro Vaz de Almada; Gomes Nogueira;
Ruy Gomes da Silva, Alcaide Mor de Campo Maior;
Martim Vaz da Cunha ; Lopo Dias de Lemos ; D.
Fernando de Menezes; Diogo Lopes de Sousa, e seu
irmão Ruy Dias de Sousa ; Lionel de Lima ; João
■ Falcão , D. Duarte, Senhor de Bragança , e Pedro Ro
drigues de Castro. Da Casa do Infante D. Henrique
forão: D. Fernando de Castro, Governador da sua Ca
sa , com dous filhos, D. Álvaro, e D. Henrique de
Castro; os quatro filhos de D. Álvaro Pires de Castro,
D. Pedro, D. Álvaro, D. Fernando, e D. Fradique de
Castro; Ruy de Sousa, Alcaide Mor de Marvão, e
seu filho Gonçalo Rodrigues de Sousa ; João Alvares
da Cunha; Ruy de Mello, que depois foi Almirante;
Gonçalo Tavares ; Paio Rodrigues de Araújo , e mui-
O) O mesmo Escritor, no Cap.° 7., acrescenta, * quinhentos ko~
tneni yara marearem as Náos ; o que se deve entender dos navios de
guerra , qne comboiaváo os transportes ; mas parece-nie mui pouca
gente de marinhagem.
87

tos Commendadores, c Cavalleiros da Ordem de Quis


to, e outras pessoas nobres. O Infante D. Fernando le
vou os seus criados , e os Commendadores da Ordem
de Aviz; e alem destes, outros que se offerecérao , co
mo Fernão de Sousa , e João Telles da Casa do Infan
te D. Pedro; e Álvaro de Freitas, e João Fogaça da
Casa do Infante D. João.
Neste tempo, sabendo ElRei que os Infantes D.
Pedro, e D.João, e o Conde de Barcellos se queixa-
vão de não terem sido consultados em negocio de tan
ta importância, os chamou -ao Conselho em Leiria no
mez de Agosto de 1436, e expondo-lhes a matéria,
com a declaração de estar ja approvada a expedição,
não somente for muita parte dos do seu- Conselho ,
mas ainda pelos seui Confessores , votarão apesar
disso contra ella os dous Infantes com grande espirito,
e erudição; e o Conde de Barcellos seguio a mesma
opinião. Tudo porém foi baldado, e ElRei proseguio
nos preparativos, dos quaes se fazião huns no Porto,
onde o Conde de Arraiolos teve ordem de embarcar
com as tropas das Províncias do Norte; e os outros em
Lisboa , para onde elle foi assistir passada a Festa da
Páscoa deste anno de 1437, a fim de dar mais calor á
empresa, que es dous Infantes promovião zelosamente.
A 17 de Agosto foi ElRei á Sé acompanhado de
Toda a Corte, e com grande solemnidade se benzeo o
Estandarte Real , que levado em Procissão á Náo Ca-
pitanea , se entregou alli ao Infante D. Henrique, fi
cando ElRei a bordo aquelle dia cero os Infantes; e ã
Armada mudou o ancoradouro para Eelem.
A 22 voltou ElRei a bordo da Capitanea a des-
Íedir-se de seus Irmãos, e entregou ao Infante D.
lenrique hum Regimento escrito do seu próprio pu
nho , o qual , copiado fielmente da Chronica deste Mc^
narcha , he como se segue :
9* IrmSo. Como, prasendo a Deos, chegardes a Co-
pta, logo me escree ; porque por mar, e por terra poe-
rey taaes paradas , perque cada dia possa haver boas
novas , e recados de vós. E , como hy fordes , da fro
ta , que levaaes, farees três partes, e em cada huua mete-
rees a mais pouca gente que poderdes: a huua destas
partes enviarees sobre Alcácer , e a outra sobre Tan
ger, e a outra sobre Arzilla ; por tal que huús com
receo delia , por se segurarem nom ajam razom de so
correr aos outros. E como a arrota derdes este avia
mento, ordenay logo toda a outra gente por terra,
com aazes regradas , enviando diante quinhentos gine
tes que, legoa ou mea, como melhor virdes, vaão
diante pelos portos mais seguros que souberdes, atee
serdes sobre este lugar; porque como fordes sobrMle,
segundo a muyta artelharia , e boós aparelhos que le-
vaaes, logo, cora a graça de Deos, som seguro de
vós , e de vossa gente. Outro sy poerees vosso arrayal
sobre este lugar, com duas pontas que venhão beber
ao mar: e se a gente nom for tanta, que pêra isso abas
te, toda via huua das pontas do arrayal venha ao mar;
pêra da terra da aquém poderdes aver refresco , manti
mentos, e socorro, e terdes seguro recolhimento, se
vos cornprir. E como assentardes vosso arrayal, dahy a
três dias vos trabalhaae de combater o lugar muy ri
jamente: e se deste primeiro ho nom poderdes tomar,
dahy a outros três dias o torna v, com todas as forcas
e aperto, a cometer: e se deste segundo combate se
vos defender, e o nom tomardes, d'hy a outros dias
que vos bera parecer , com muita força e grande de-
terminaçora ho cometee; e se volo Deos der, corno
nelle espero, ficarees nelle com aquella gente, que ra-
zoadamente abastar para ho defenderdes , e a outra
jue enviae cora a frota , por escusar a grande dispesa
que faz com seus fretes. E se do terceiro combate o
89

nora poderdes romaar, nom esrees mais sobr'elle dia,


ou ora , e recolhee-vos logo com toda a vossa gente áa
frota, e vinde-vos a Cepta, onde me espcrarces atee
ho Março que vem; porque, prasendo a Dcos , entom
hyrey com quantos ha em meus Regnos (i). >»
O Infante D. Henrique, lendo o Regimento, pró-
metteo cumpri-lo ; e a Armada fez-se logo á vela com
bom vento. A 27 chegou a Ceuta , que ainda gotcrna-
va b Conde D. Pedro de Menezes , e alli estava ja o
Conde de Arraiolos com a Esquadra do. Porto. Passan
do o Infante mostra ao Exercito, achou quasi seis mil
.homens, metade Infantaria, faltando-lhc oito mil pa
ra o numero que deveria levar. Concorreo para este in
cidente a repugnância do Povo para a expedição , a fal
ta de dinheiro, e a dos navios afretados nos Portos es
trangeiros, que não vierão , os de Flandres, e Alema
nha por motivos de guerra , e os de Hespanha por ob
stáculos da parte do Governo Castelhano. Parece, que
o Infante tinha sahido de Portugal com a esperança
de que chegarião ainda a tempo as embarcações afre
tadas, ou talvez confiado em que lhe bastavão aquellas
tropas para a conquista de Tanger ; porque este Prín
cipe era de espirito guerreiro , e não cedia em audá
cia a nenhum do seu século. Assim , contra a opinião
1

CO Estas judiciosas Instrucçóes mostúo, que EIRei queria preve


nir o desastre que aconteceo , e de certo não aconteceria se fossem
executadas. Como Zalá-tenzalá era Senhor de Tanger, Arzilla, e Alcá
cer, ordenava EIRei ao Infante, que mandasse bloquear por mar as
duas ultimas Praças, para que aquelle Regulo não tirasse reforços com
que augmentar a guarnição de Tanger: e antevendo igualmente, que
dilatando-se o cerco, acudirião a elle todas as forças de Fez, e Mar
rocos , determinava hutu praso sufficiente para se ganhar a Cidade ; ou ,
conhecida a impossibilidade da empresa, embarcar o Exercito a salvo,
o que não poderia deixar de realizar-se, construindo as Linhas de mo
do, que tivesse segura communicação com a Armada. A desgraça quizf
que nada disto se executasse,
12
90
de quasi iodo o seu Conselho , que votava se partici
passe a EIRci o verdadeiro estado das coisas, e se es
perassem as suas ordens , determinou elle proseguir a
empresa.
Partio para Tanger com os navios o Infante D.
Fernando, e no dia 9 de Setembro marchou por terra
o Exercito, tomando o caminho de Tctuão, por não
ser possiveí forçar a passagem da serra dos Monos, ou
Bulhões, cujos agrestes habitantes opposerao a mais
desesperada resistência a hum destacamento de mil ho
mens , com que João Pereira tentou reconhecer os pas
sos (1)»

(O Damião António de Lemos, no tomo 6\° L.° aj , Cape1 4


-d» sua Historia Geral de Portugal, faz desta marcha do Exercito de
Ceuta para Tanger huma estranha narração; eis-aqui as suas palavras:
" A 9 de Setembro partirão (os dons Infantes) de Ceuta para Tan-
fer , indo por terra o Infante D. Henrique, e por mar o Infante D.
ernando, que íoi encontrando a Costa cheia de escolhos, e de peri
gos. D. Henrique destacou a João Pereira com. mil homens para obser
var os passos, quaes seniáo 01 mais praticáveis para as nãos de alto
bordo. Elle encontrou na marcha, junto a Almeria , hum grosso esqua
drão de Mouros, que lhe foi necessário combater. Ao ru-ido da peleja.,
D. Fernando a todo o patino demandou o lugar delia para fazer o des
embarque a favor da diversão, que entretinha os Mouros, mas não
obstante a sua diligencia, elle não- pode chegar se não depois da acção,
que foi gloriosa para João Pereira pela fugida precipitada , em que pôi
os inimigos. D;o elle parte aos Infantes da grande difriculdade , qiie
haveria de expor a arrrudi a huma passagem tão perigosa, como elle
vinha de observar; mas os Infantes, longe de se embaraçarem com es
ta reflexão, continuarão a derrota para Tetuáo.
„ Desta Cidade, pouco antes destruída, fizeráo todos por mar a bre
ve navegação ate Tanger , levando o Conde de Arrayolos a vanguarda»
da Frota , D. Duarte de Menezes o centro-, e os Infantes cobrindo a re
taguarda. Immediatamente cliegárão a Tanger, desembarcarão as tro
pas etc. „
Para instnicçSo da* 'pessoas, que não tiverem cabal conhecimento
da Topografia daquelles Paizes , farei- somente as observações seguintes r
j." Que os navios na derrota de Ceuta para Tanger, não tem etcolktt^
nem perigot que vencer; porque o Estreito be limpo, e se passa de
91
Marchou o Exercito quatro Iegoas no primeiro
dia: no segundo foi alojar se junto a Tetuão, aban
donado dos seus moradores , e meio destruído : no ter
ceiro e quarto dia marchou oito léguas , achando
abundância de agua, e mantimentos, e pouca opposi-
ção dos Mouro?. A 13 chegou a Tanger, o Velho,
ja naquelle tempo despovoado, e alli encontrou o In
fante D. Fernando, cjue havia desembarcado com a
gente da Armada ; e juntos forão assentar o Campo
cm hum monte da parte cccidental de Tanger (1), si
tio abundante de hortas , e pomares.

dia, e de noite com todo o tempo; náo havendo outro baixo, que
hurm pedra (a Pérola') ptoxima a Cabo Carneiro. 2.' Que João Pereira
não foi com mil homens observar os panos ntais praticáveis para as
nãos de alto bordo , porque essas não andáo per cima de montes ; foi
examinar se seria possível atravessar o Exercito a serra pedregosa de Bu
lhões. }.a Que Tanger está situado quatro milhas alem de Cabo de Es
panei , que forma a bocca Occidental do Estreito da banda da Africa :
desta Praça contão-se nove légua* á Almina de Ceuta , extremo orien
tal do mesmo Estreito; e Tetuão dista perto de seis léguas para o Sul
da Almina, ja dentro do Mediterrâneo: donde resulta, que a Armada
Portugueza, sahindo de Ceuta para Tanger , não podia fazer caminho
yot Tetuão. 4V Que Almeria não está na Costa de Africa , mas na de
Kespanha.
Estou persuadido, que o nosso Historiador, vertendo esta narrati
va de algum Escriptor Francez, tomou equivocadamente o substantivo
Armtc por Arnwda , em vez de o tomar por Exercito; e cabido neste
erro, foi tropeçando em outros.
De resto, seria necessário fazer huma Dissertação para notar todos
os descuidos, que em matéria de Geografia se encontrão na sua Histo
ria Geral, aliás muito estimável a outros respeitos; como v.g. pôr Ca
bo de Mastros ao Noite de Cabo Verde (tomo 7 , L.0 27, Cap.° a,
pag. 102), e Alcácer Ceguer no Estreito de Gibraltar (ibi , L.° 2Í ,
Cap.° 2.0 , pag. 184); e comprehender a Ilha do Ferro entre as de Ca
bo Verde (ibidem, pag. 111), com outras similhantes faltas.
(1) Esta Cidade está situada na Lat. N. de 35° 3?' 40"; "e í z°
10' 45" de Long. Asna Kalva tem três milhas de comprimento, milha
e mela de saco, e lie formada relas pontas de Tanger, e ÍVaiabara; e
desabrigada dos Levantes. Cs Poituguezes tinhão construído hum bom
J2 ii
92

Era Senhor, e Governador desta Traça, huma


das melhores de Africa, Zalá-Benzalá , que tinha sete
mil homens de guarnição, em que entravão Granadi
nos afamados Besteiros, e estava resoluto a defender-se
até á ultima extremidade, confiado nos poderosos soc-
corros que esperava.
No momento era que o Exercito Portuguez toma
va posição, espalhou-se voz de que os Mouros desam-
paravao a Cidade ; e como facilmente se crê o que se
deseja, correo muita gente de pé, e de cavallo a inves
tir as portas de que forao rechaçados com perda pelos
defensores.
Gastou o Infante D. Henrique até ao dia 20 em
fortificar o seu Campo com hum entrincheiramento , a
que se dava então o nome de Palanque , e em desem
barcar viveres , artilharia , e munições ; e neste mesmo
dia se deo o primeiro assalto á Praça em cinco pontos
ao mesmo tempo, conduzindo elle em pessoa hum dos
ataques j porém os meios de expugnaçao achárão-se in
feriores á empresa , porque apenas existiao quatro es
cadas , e essas tão curtas , que não chegavão aos para
peitos, o que mostra a ignorância, ou malícia das pes
soas a quem se encarregou a factura dos petrechos bel-
. licos. Assim forao os rortuguezes rechaçados, depois
de longos, e inúteis esforços, com perda de alguns
mortos, e de quinhentos feridos, tanto na escalada,
como no investimento das portas, que os Mouros ti-
nhão murado por dentro.
Conheceo também o Infante por experiência , que
a artilheria das suas baterias, por ser de pequeno cali
molhe , que os Inglezes arruinarão com minas quando abandonarão
• aquella Praça; e as pedras que voarão do molhe, inutilisárão o fundo
nas vizinhanças da Cidade. Huma milha a Oeste da ponta de Tanger
está a pequena Enseada , e Rio dos Judeos , onde embarcou o Exctcito
na sua retirada.
93

bre, não fazia brecha nas muralhas; e em consequen-'


cia mandou buscar a Ceuta duas peças grossas, e no
vas escadas.
Entretanto começavao a chegar do interior do
Paiz algumas tropas de soccorro , e entre estas , e os
forrageadores do Exercito haviao frequentes escaramu
ças; em huma das quaes carregarão os Mouros em tan
ta multidão a hum destacamento de trezentos cavallos ,
que se avançou demaziado , que morrerão cincoenta dos
Portuguezes , entre elles D. João de Castro , Fernão
Vaz da Cunha , Gomes Nogueira , Fernão de Sousa ,
Marfim Lopes de Azevedo , João Rodrigues Coutinho
(que faleceo depois das feridas), todos Fidalgos,' ou
Cavalleiros de conhecido valor ; o que causou geral
sentimento no Exercito: e ainda seria maior a perda, se
o Conde de Arraiolos não acudisse com huma reserva,
que rinha prompta , com a qual cobrio a retirada até
se ajuntar com o Capitão Mor do Mar D. Álvaro
Vaz de Almada , e outros Fidalgos que havião sahido
ao campo; e 'reunidos todos, afugentarão os inimigos.
A 30 appareceo á vista do arraial hum Exercito
de Mouros , que se dizia ser de dez mil cavallos, e no
venta mil homens de pé. O Infante, resoluto a dar-lhe
batalha , sahio das Linhas , e foi tomar huma posição
conveniente, onde fez alto, esperando ser atacado, mas
sendo passadas três horas sem que os Mouros se mo
vessem, marchou a elles para os foiçar a huma batalha;
a cujo movimento se retirarão ás montanhas, d'onde ha
vião descido; e o Infante, oceupando logo o posto que
elles largavão, se demorou hum espaço de tempo aguar
dando a sua resolução. Por ultimo, desenganado de que
não queriao pelej r, recolheo-se ás suas trincheiras.
No dia seguinte repetio-se a mesma manobra, sem
outra diíferença , que huma escaramuça com pouco
damno de ambas as partes.
04

O dia 3 de Outubro foi de maior perigo para os


Portuguezes. Marcharão os Mouros com todo o seu
Exercito contra os entrinchciramentos, sahio o Infante
para lhes dar batalha formado em duas linhas, de que
elle conduzia a segunda, e vendo-os firmes, como que
não querião combater, pôz em movimento a divisão
da esquerda da primeira linha, que era a mais forte,
a qual ganhou huma altura, que cobria o flanco dos
Mouros, e estava guarnecida com muita gente; e avan-
çando-se ao mesmo tempo da direita da primeira li
nha , recuarão os Mouros em confusão, e desordem,
largando com perda notável as posições , que oceupa-
vão. Mas durante a acção, fez-se da Praça huma sor
tida contra o Campo, onde ficara commandando Dio
go Lopes de Sousa , que repellio valorosamente os
Mouros, e os fez recolher á Cidade. Deve-se confessar,
que o plano dos Mouros era bem combinado; porque
qualquer dos dous ataques, que tivesse feliz resultado,
destruiria o nosso Exercito.
No dia ç , achando-se reparadas as escadas, e
construído hum Forte de madeira , guarnecido de cs-
pingardeiros , que se movia sobre rodas , para se empa
relhar com as muralhas, e facilitar a escalada, expul
sando dos parapeitos os sitiados, mandou o Infante dar
segundo assalto á Praça por hum lugar, em que as ba
terias tinhão arrazado o alto da muralha. Este ataque
foi dirigido por elle próprio , ficando o resto das tro
pas debaixo de armas, commandadas pelo Infante D.
Fernando, o Conde de Arraiolos, e o Bispo de Évo
ra, para fazerem face ao Exercito Africano, se duran
te a acção quizesse investir as Linhas.
O assalto foi tão infeliz, como o primeiro, e ex
cepto huma escada, que se encostou i muralha, e os
Mouros qucimdrão logo com damno dos que por cila
subiáo, nenhuma das outras o pôde ser, nem menos o>
95
Forte de madeira ;" por quanto , como se não fez outro
nenhum ataque, nem falso, nem verdadeiro, acudio
toda a guarnição ao ponto atacado, e cora innurnera-
veis tiros de fogo, e de arremesso forçarão os Portu-
guezes a retirar-se com perda de alguns mortos , c de
muitos feridos.
A 9, estando o Infante prestes para dar terceiro
assalto, appareceo tão grande multidão de Mouros,
que se dizia com toda a exaggeração , serem sessenta
mil de cavallo, e setecentos mil de pé: he certo, que
cobrião os campos, e os montes que a vista alcançava,
e que vinhão no Exercito os Reis de Fez, e Marrocos,
e outros Régulos visinhos ; e atacando logo os postos
avançados, abrirão communicação com a Praça, e to
marão as nossas baterias, com toda a artilharia, ma
quinas, e mais petrechos destinados para o cerco. O
Infante D. Henrique esteve aqui perdido, porque retiran-
do-se ás suas trincheiras, e fazendo a retaguarda, lhe ma
tarão o cavallo, e ficou a pé nomeio dos inimigos, don
de milagrosamente sahio, sacrificando se para o salvar
Fernão Alvares Cabral, seu Guarda Mor.
Recolhidos os Portuguezes ao Campo, ahi forão
assaltados pelos Mouros, que não os poderão forçar-
e para maior desgraça, fugirão para bordo dos navios
perto de mil homens, sendo muitos da Nobreza. Po
rem D. Pedro de Castro, que estava commandando a
Armada, se veio metter nas Linhas, com outros bra
vos soldados, que quizerão participar dos trabalhos de
que se retiravão aquelles : também os viveres exisrentes
no Campo apenas chegavão para alguns dias; e era im-
possivelagora desembarca-los dos navios. No dia seguin
te assaltarão os Mouros novamente as trincheiras, que se
havião melhor fortificado, e depois de quatro horas
de pekja , forão rechaçados com iramensa perda sua.
Achando-se a final consumidos todos os manti
90
mentos, resolveo o Infante D. Henrique forçar de noi
te a passagem para as praias de Porto dos Judeos , que
os Mouros interceptavão, e recolher-se ás suas embar
cações cora os que podessem romper; mas desertando
para clles o Padre Martim Vieira , seu Capellão, refor
çarão de maneira os postos, que se julgou impossível
abrir caminho para o mar. Então os Mouros offerecé-
rao ao Infante deixar embarcar as tropas, ficando-lhes
a elles o resto da artilharia, as armas, cavallos, ten
das, e mais bagagens, sahindo os soldados Portugue-
zes só com os seus vestidos; e entregando-se-lhes Ceu
ta com todos os cativos nella existentes.
Quando se começava a negociar sobre estas ba
ses, como o Exercito Mahometano se compunha de
Nações varias, conduzidas por Chefes independentes,
aos quaes não agradava o Tratado , romperão estes as
tréguas, e os Portuguezes tiverão que resistir cora o seu
costumado valor a hum furioso assalto, que durou se
te horas , e em que os inimigos forão repellidos com
grande estrago.
Neste aperto, determinou o Infante reduzir a me-
Jior âmbito o seu entrincheiramento, que era muito ex
tenso para tão pouca gente , e aproxima-lo do mar , o
que se fez em huma noite, cobrindo-sc com huma no
va trincheira , melhor que a antiga ; operação a que os
Mouros se não opposerão, contentando-se com oceu-
par era força o caminho da marinha , e guardar os pa
ços visinhos , do Campo , no qual ja se comião os ca
vallos, e bestas de carga, e ja morria alguma gente á
sede ; porque dentro das Linhas havia hum único po
ço, que não chegava para dar de beber a cera homens;
de maneira, que se nao tivessem cahido algumas chu
vas, todos terião perecido.
Rcnovou-se finalmente o Tratado, acrescentando-
lhc, que haveria paz por cem annos entre Portugal,
97
e todos ós Povos da Barberia. Para segurança da livre
retirada do Exercito Portuguez, entregou Zalá-Benza-
Já seu filho ao Infante D. Henrique, ficando em reféns
por e!!e Pedro de Ataide, João Gomes de Avelar, Ai
res da Cunha, e Gomes da Cunha: e para certeza da
entrega de Ceuta , e dos cativos , ficou em reféns' o In
fante D. Fernando, contra vontade de D. Henrique,
que queria ficar, mas os do Conselho não o consentirão.
Entregue o Infinte a Zalá-Benznlá , que veio bus
ca-lo ao Campo , seguio-se huma tregoa mal observa
da; em que osMnuros Enxovios assaltarão as trinchei
ras , porem estando mais próximas do mar, forão de*-
fendidas cora menos risco, e no dia 19 embarcarão as
tropas á viva força , e só com perda de quarenta ho-
•mens, no Porto dos Judeos, onde estarão os bafeis da
Armada para as receberem, sendo coberta a retaguar
da naquella occasião critica pelo Capitão Mor do
Mar D. Álvaro Vaz d'AImada , e pelo Marechal do
Reino', que porfiarão ente si largo espaça sobre qual
seria o último, que se embarcasse. Trinta e sete dias
esteve o Infante sobre Tanger, vinte e cinco -sitiante,
e doze sitiado: a perda do seu- Exercito não excedeó
a quinhentos mortos. Dalll expedio logo para- Portugal
o Conde de Arraiolos com quasi toda a Armada,- e éí>
le recolheo-se a Ceuta com o resto da gente. :ví ^ "•;;'
Era quanto acontecia na Africa : este desgraçado
suecesso,' tinha ElRei mandado ao Algarve o Infante
D. João } para reunir gente, e mantimentos, e sóccOr<-
rer com- elles os Infantes seus irmãos, se neeessariò
fosse , quando a 10 de Outubro teve noticia em San
tarém (onde se refugiara por haver peste em Lisboa-)
de que os Infantes estavao cercados de Mouros, o que
lhe causou gravíssimo desgosto, e paixão. O Infante
D.' João, a quem primeiro chegou esta noticia, partio
logo com todas as forças de mar, e terra, que pôde
13
98
aprestar, mas os ventos forão tão contrários , que es
teve quasi perdido na viagem , e sabendo por fim o re
sultado do cerco, foi a Arzilla, onde tentou inutilmen
te algumas negociações sobre a liberdade do Infante
D. Fernando , que alli estava.
O Infante D. Pedro preparava também em Lisboa
hum grande armamento para ir soccorrer seus irmãos ,
o qual não teve eífeito, por chegarem de Tanger os
navios da Armada, e Cartas do Infante D. Henrique,
em que relatava o verdadeiro estado das cousas; por
cujos motivos EIRei o mandou recollier de Ceuta,
querendo-se aconselhar com elle.
O resto desta transacção pertence á Historia do
Reino, e merece a attenção dos homens d'Estado.
Falleceo EIRei D. Duarte a 9 Setembro de 1438.

Reinado d'EJRei D. Afonso V.


Este Monarcha subio ao Throno com pouco ma*»
ide seis annos de idade , e começou a governar aos qua-
torze. A Rainha D. Leonor , sua mãi , exerceo primei
ro a Regência , que depois passou de hum modo pouco
regular ao Infante D. Pedro; e esta mudança, ainda
que vantajosa, produzio ódios, e dissenções funestas
entre grandes Personagens, cuja consequência irame-
diata (alem do que mais tarde se seguio) foi o comba
te de Alfarroubeira, a que se deo o nome de batalha,
o qual se tornou memorável por acabarem nelle o In
fante D. Pedro, hum dos maiores Politicos de Portu
gal , e o Conde de Abranches D. Álvaro Vaz , ou Vas-
ques de Almada, Capitão Mor da Frota, hum dos
roais famigerados Guerreiros do seu século.
Estas discórdias embaraçarão por alguns annos o
proseguimento das úteis descobertas começadas ; mas
como EIRei era de espirito audaz , e affeiçoado ás coo
99

quistas da Africa , hurrlas e outras continuarão quasi


sem interrupção por todo o seu longo Reinado.
Ve-se com effèito, que elle nunca perdeo de vista
este negocio, porque no Tratado da Pai corá Casteí-
lâ , feito na Villa das Alcáçovas a 4 de Setembro de
f47p , sendo Ministro de Portugal o Barão de Alvito
D. João Fernandes da Silveira , e de Castella o Dou
tor Rodrigo Maldonado, se ajustouzrQue o Senhorio
de Guiné, que se estendia desde os Cabos de Não, e
Bojador até aos índios inclusivamente , com todos
seus mares adjacentes, Ilhas, e Costas descobertas, e
por descobrir , com seus tratos , pescarias, e resgates;
c assim as Ilhas da Madeira , e dos Açores, e das Flo
res, e do Cabo Verde, e a conquista do Reino de Fez,
ficasse in solidum aos Reis de Portugal , e seus Succes-
sores para sempre. E que as Ilhas das Canareas", cora
a conquista do Reino de Granada , ficasse in solidum
aos Reis de Castella, e seus Successores para sempre, >>(í).
Este Tratado foi ratificado , e confirmado no tem
po dTilRei D. João II. por huma Bulia do Papa Six-
to IV.
Houverão neste Reinado era Portugal dous Gene-
raes do Mar , ou Capitães Mores da Frota'; o Conde
de Abranches D. Álvaro, que tinha este Cargo desde
I423, e seu filho o Conde D. Fernando de Almada
por Cana passada em Évora a 28 de Fevereiro de
1456.
1440 — Neste anno mandou o Infante D. Henri
que duas Caravelas para proseguirem no descobrimen
to da Costa da Africa ; mas por máos tempos , ou ou-

(1) ^Vede Duarte Nuries, Chroriica de D. AífonsO V., Capitulo 66 J


e Ruy de Pina, Chroriica de dito Rei , Cap ° 206.
13 ii
100
tra alguma causa, regressarão a Sagres , sem fazerem
cousa alguma (i).
1441 — (2) Mandou o Infante a Antão Gonçal
ves, seu Guarda Roupa, em hum navio pequeno, com
ordem de ir ao Porto, onde Affonso Gonçalves no an
uo de 1434 fizera a. matança dos lobos marinhos, e car
regar alli de pelles, o que elle executou ; mas como ain
da era mancebo, e cubiçoso de gloria , chamou Affon
so Guterres, Moço da Camará do Infante, e Escrivão
do navio, e a toda a equipagem (que pouco excedia a
vinte pessoas) , e lhes expôz de quanta vantagem seria
explorarem o Paiz, para colherem algum habitante que
levassem a Portugal. Convierão todos , depois de algu
mas altercações , em que fosse elle pessoalmente a esta
perigosa expedição; e partindo de noite com oito ho
mens, depois de caminhar três léguas, encontrou hum
.natural nu, com duas azagaias na mão, que hia tan
gendo hum camelo. O primeiro , que travou delle> foi
Affonso Guterres , ficando o Mouro tão cortado do sú
bito pavor, que lhe causou a vista dos Portuguezes ,
que sem tentar fugir , ou defender-se , foi tomado. Vol
tava Antão Gonçalves alegre para o navio com o seu
prisioneiro, quando se achou na presença de perto de
.quarenta naturais, que assombrados da novidade, se
acolherão a huina ahuta que ficava próxima, abando
nando huma mulher , que foi também logo aprisiona
da. Querião os Portuguezes ataca-los, a pesar da des
igualdade do numero, porem Antão Gonçalves, mais
prudente, os dissuadio do intento, por ser quasi posto

O) Earroj, Década 1., L* 1., Cap.* tf.— Soares da Silva, Memo


rias etc. tomo i., Cap.° 8 j.
(a) KarTO» no lugar citado — Góes, Chronica do Príncipe D. Joio
— Galvão, Tratado dos De' cobrimentos , pag. a) — Faria c ínua ,
que erradamente põe este facto no anuo de 1440, Ásia Poitugueu>
tomo i.0, Parte 1.
•101

o sol , e considerável a distancia a que estavao do mar.


Assim continuarão seu caminho, sem serem seguidos
.dos contrários. ... .ví :: • ...■> ■ -.•. .
Recolhido Antão Gonçalves ao seu navio , e estan-
-do no dia seguinte para se fazer á vela , chegou de Sa
gres > por Comraaudante de huma Caravela , Nuno
..Tristão, Cavalleiro da Casa do Infante, mancebo co
rajoso, que trazia instrucçòes para passar ao Sul da
Pedra de Galé, e desembarcar em qualquer parte da
-Costa , a fim de tomar alguma língua da terra. -■: ;■
Instruido do caso acontecido , instou Nuno Tris
tão com Antão Gonçalves para que. marchassem logo
em busca dos Mouros, e concordando ellc, .partirão
ambos ao anoitecer com a gente mais escolhida , em
que entravão Diogo de Valladares,; que depois. foi A't-
caide Mor de VHla Franca , Gonçalo de Cintra-, e Go
mes Vinagre', iMoço da Camará, do. Infante, todos. ho
mens do mais resoluto valor ; e na, mesma noite dmo
tora aquelles;. ou'.com outros Mouros , onde se travou
hunia furiosa briga., á :pesar da escuridão, que não dei
xava distinguir amigos de inimigos, senão por anda
rem estes nús^ eaquelles vestidos. Afli morrerão três
dos Mouros, a hum dos quaes matou Nuno Tristão
com assas perigo seu, e ficarão cativos dez, com qire
voltarão para os navios ja de dia; e em memoria' de tão
importante acontecimento , armou Cavalleiro Nuno
Tristão a Antão Gonçalves, donde resultou dar-se en
tão áquelle lugar o nome de Porto do Cavalleiro , que
depois veio a confundir-se com o de Rio do Ouro.
Achou-se entre os cativos hum , que failava o
Árabe, e pôde entender-se cora hum Mouro , que Nu
no Tristão levava por interprete ; e persuadidos o? dôufc
Commandantes , que con?eguirião por seu meio ter çta.r
tica com os naturaes, puzerão o Lingua em terra cora
a Moura, na esperança de que viriãò resgatar os prisio>
"NU
neiros , mas não âconteceo assim , porqtíe passados
dous dias, vierao ao Porto cento e cincoenra homens,
huns em cavallos, outros em camelos, querendo attra-
hh" os Porruguezes a huma cilada , que tinhão armado
detrás de huns montes de arêa , e vendo que não sa-
iúáo do batel , em que estavao , começarão a descobrir-
se, trazendo prezo o Lingua , o qual avisou logo aos
Commandantes , que não desembarcassem. Os Mouros,
desenganados, atirarão aos do batel algumas pedradas,
que a elles custarião bem caras , se as ordens do Infan
te não fossem positivas, para que se não maltratassem
desnecessariamente os habitantes , com os quaes só que
ria paz, e commercio. Em consequência, Antão Gon
çalves, e Nuno Tristão voltarão para bordo dos seus
navios, sem lhes fazer darano; e consultando sobre o
mais, que farião , voltou Antão Gonçalves para Por
tugal, trazendo metade dos cativos, de que o Infante
ficou tão satisfeito, e contente, que, por este e outros
anteriores serviços, o fez seu Escrivão da Puridade., t
lhe deo a Alcaidaria Mor de Thoraar , e huma Com-
menda.
. , Nuno Tristão, na conformidade das suas instruc-
ções, espalmou naquelle Porto a Caravela, e seguio a
Costa para o Sul , e chegando a hum Cabo, a que cha
mou Cabo Branco (i), era razão da côr do terreno-,

(i) Este Cabo está situado na Lat. N. de *o°. f$', e naLong. de


Io i', e forma como huma Península, por detrás da qual entra para o
Norte huma grande Bahia de dez léguas de soco , e oito de largo , cuja
ponta do Sul he o Cabo de Santa Anna. Em toda ella se pode ancorar
em bom fundo de arèa, mas ha por aqui muitos baixos. A' roda do Ca»
bo Branco, vindo do Norte, se acha sonda a mais de cinco léguas de
terra. Pouco ao Sul do Cabo, inclinando-se para o SE, corre hum pap
eei de mais de vinte e cinco léguas de comprimento, com desigual lar
gura, que tem dezoito, e vinte braças nas suas proximidades.
Neste pareci naufragou lastimosa, e brutalmente a Medusa,- Fraga*
U Franceza, no dia a de Julho de 1816 , pelas três horas da tude,
103
desembarcou algumas vezes , e posto que achou redes
de pescadores , e vestígios de gente , nao vio pessoa al
guma. Por esta causa, e como os mantimentos se lhe
acaba vão , e a Costa mudava de direcção , encurvando-
se muito para Leste , com grandes correrftes de agua ,
temeo achar- se ensacado em alguma Enseada, de que
não podesse sahir, e voltou para Portugal.
O Infante, concebendo maiores esperanças do bom
resultado destas viagens , mandou a Roma Fernão Lo
pes de Azevedo, do Conselho d'El Rei, que depois foi
Commendador Mor da Ordem de Christo , a represen
tar ao Papa Eugénio IV. os grandes trabalhos, e des-
pezas que lhe custavão aquelles descobrimentos, e o
proveito que delles resultaria á Religião Catholica , pe
dindo- lhe para a Coroa de Portugal o Senhorio dos
Paizes, que conquistasse, a Indulgência plenária para os

tempo excellente , havendo observado ao meio dia a Latitude de 19*


36'. Sondava-se de duas em duas horas, correndo com vento largo no
rumo de SSE , que cruzava o banco, a agua tinha mudado de cór, pas
sarão ao longo do costado muitas hervas de terra com raizes , e pesca-
va-se immenso peixe. A primeira sonda foi de 18 braqas, logo 15,9,
e 6, e encalhou em 1 5 pés e meio, quasi na pream?r, e em occasiáo
de grandes mares. Na baixamar ficou em 1 j pés , e mais ao largo acha-
rão-sc em partes mais, em partes menos. Este pareci tem o nome de
Vinco do Cabo Branco , ou de Arguim.
Como o Continente Africano , chamado Deserto de Sahara , que
começa em Cabo Cantim, e acaba em Cabo Mirick, se encurva aqui
muito para Leste, fica huma espécie de grande Enseada entre a Costa
t este Banco, que se chama o Golfão de Arguim , cheio de coroa da
arei, mas com bom fundo nos lugares limpos. Aqui está situada a Ilha
de Arguim próxima i terra, cousa de oito léguas ao Sul de Cabo Bran
co, e ao pé delia ha outros Ilhotes. Doze, ou treze léguas ao fui da
Ilha de Arruim está a Ilha de Tider, que he maior, e ha outras mais
de differentes grandezas. Por toda esta grande Enseada , que acaba em
Cabo Mirick, ha muitos rilheiros, e correntes de agua, e infinito pei
xe, que os Mouros hião alli pescar; e hoj os habitantes das Cariarias
▼em na Primavera alli a este Golfão, e fazem grandes salçat.ões de peir
x« , a maior parte do qual pertence á espécie do Eacalbao.
104
que acabassem naquclla meritória empresa ; oque o Pon
tífice amplamente; lhe concedeo, por Bulia datada d? Flo
rença noannode 1442; e o Infante D. Pedro, Regente
do Rsino, 'lhe Fez doação dos quintos chie pertencião a
EIRei , e lhe passou Carta para que só elle podesse con
tinuar os descobrimentos. ..-..";
1442 — Enviou outra vez o Infante ff Antão Gon-
alves (1) para ir ao Porto do Cavnlleiro, levando a
f ordo alguns dos Mouros , que dalli trouxera', os quaes
dizião ser bem aparentados , e querião resgatar-sc por
Negros escravos, que não faltavão naquelle Paiz. Apro-
veitou-se desta occasião : hum • Fidalgo Alemão, por
nome Balthesar, Gentil-Homem da Camará do Impera
dor Friderico III. , que viera com cartas suas ao Infan
te, para que o enviasse a Ceuta , a fim de ser armado
Cavalleiro ; e pedio-lhe licença, que obteve, para fazer
viagem com Antão Gonçalves, porque j a neste tempo
dava tão grande brado pela Europa a lama dos desco
brimentos dos Portuguezes , que' os fazia contemplar
como superiores aos outros Povos ; e os homens de gé
nio audaz, e aventureiro desejavão participar com el-
lcs da gloria destas empresas , avaliadas então por mui
to superiores ás dos antigos. •••:-.,•.,'
Partindo Antão Gonçalves para o seu destino , sof-
freo huma tempestade, que o forçou a^arribar a Portu
gal , e foi ella tão furiosa, que Balthasar , indo cora
desejos de ver huma, se deo por satisfeito com esta,
e só lhe restava pisar a terra Africana para saciar a sua
nobre ambição.
Reparado o navio , volveo Antão Gonçalves á
sua derrota, e com tempo favorável ancorou no Por
to , que buscava , onde a troco dos Mouros , que le-
(1) Barros, DecaiU 1., L." 1., Cap.0 7. — Galvão, pag. aj, onde
fõe eita viagem cm 144J. — Faria, As», tomo 1. , parte 1.— Soa
res da Silva, .AJemof ias *tc. tonao 1., Cap.0 &). :
IOS
vou , recebeo dez Negros de differentes terras , sendo
alguns de Guiné, e considerável quantidade de ouro
em pó, o primeiro que veio a Portuga! , bem como os
Negros. Daqui ficou áquelle Porto o nome de Rio do
Ouro, pelo qual he hoje conhecido em todas as Car
tas (i). Cumprida assim a sua commissão, regressou
Antão Gonçalves a Portugal , trazendo muitos ovos de •
Ema, e outras raridades, que o Infante estimou sobre
maneira.
1443— Com estas esperançosas noticias expedio o
Infante a Nuno Tristão (2) para proseguir o seu an
terior descobrimento de Cabo Branco, e com effeito
passou para o Sul delle, e chegou a huma das Ilhas de
Arguim, onde vio com extraordinária surpreza mais de
vinte Almadias (3), cada huma das quaes levava três,
ou quatro homens , que escanchados na borda remavão
com as pernas: tao profunda era a ignorância destes
Povos, que ainda estavão na primeira infância da Ar
te ! Nuno Tristão mandou logo em seu alcance huma
lancha com sete homens , que cativarão quatorze indi
víduos ; e fugindo os outros para a Ilha , não poderão
ahi escapar, porque a lancha, deixando os prisionei
ros a bordo do navio, foi buscar o resto.
Desta pequena Ilha passou Nuno Tristão a outra ,

(1) Este Rio, ou antes braço de mar, entra pela terra dentro cou
sa de outo léguas, e he cheio de baixos, com alguns Ilhotes. A sua pon
ta do Norte fica perto de quarenta milhas ao Sul da Angra dos Cavai-,
los , e está situada em 2?" 42' de Lat. , e 2° 11' de Long. A' roda
delia ha hum recife de pedra, como observou o Capitão Glãss, Inglei
em 1 7 60.
(») Galvão, pag. 2) —Faria na sua Ásia, tomo 1., e j. no fim.
— CÍironica do Príncipe D. João, Cap." 8. — Soares da Silva, tomo
I., Cap." 84.
(j) São o mesmo, que as Canoas do Brazil , embarcações construi-
das de hum só pão, cavado por dentro, e algumas tão grandes, que
Cem sessenta pis de comprido.
14
ias
a qlie deo o nome de Ilha das Garças , pelas muitas
que matou , colhendo-as á mão , c lhe servirão de re
fresco: e fazendo depois alguns desembarques na terra
firme, sem achar outra alguma presa, voltou para o
Reino.
1444 — Vendo os moradores de Lagos a prosperi
dade que começava a ter o Commercio marítimo , por
meio destes descobrimentos, que ja produzião quanti
dade de ouro, e de escravos, e que todas as embarca
ções nelles empregadas vinhao descarregar áquella Ci
dade, pela habitual assistência do Infante D. Hcnriqu*
em Sagres, formarão, com sua licença, huma Compa
nhia, que se obrigou a pagar-lhe o quinto de todos os
géneros, que exportasse daquelles Paizes: e em conse
quência armou seis Caravelas , de que o Infante deo o
commando geral a Lançarote, que fora seu Moço da
Camará, e a quem dera o Almoxarifado de Lagos; e
os outros Commandantes erão Gil Annes, que primeiro
dobrou o Cabo Bojador*, Estevão AfFonso, Rodrigo
Alvares, João Dias, € outro (1).
Chegou a Esquadra á Ilha das Garças, onde ma
tou muitas, c querendo assaltar a Ilha de Nar (huma
das de Arguim), por levarem informações de que po-
derião alli fazer boa presa nos naturaes do Paiz, re-
solveo-se cm conselho mandar primeiro espiar a Ilha ,
e cerca-la depois com as lanchas , para lhes cortar a re
tirada para o Continente; e em consequência deste ac-
cordo, partirão de noite Martim Vicente, e Gil Vas-
3ues,.cada hum em sua lancha com quatorze solda-
os, e alguns marinheiros, mas as correntes, que por

Ci ) Ved* Banos , Década 1 . , L.0 1 . , Cap.» % . — Soare» da Silva ,


Memorias etc. , tomo j., Cap.° 84 — Faria, tomo 1., Parte x., e
lomo 1. no fim. —'Chronica do Príncipe D. J0S0, Cap.° 8 , onde pó«
esta Viajem no anno de 144}- — Galvão, pag. ij.
107
alli são mui fortes, e variáveis, os detiverão de modo,
que rompia o Sol quando chegarão á.lMia; e como se
achavão defronte de huma Aldeã', d'cnde julgavão ter
ja sido descobertos , determinárão-se a desembarcar lo-
f»o, por não perderem tempo em dar avi?o ás Carave-
as; e pondo em pratica este acertado projecto, cativa
rão sem resiFtencia cento e cincoenta e cinco pessoas.
Estes cativos derão noticia de que na Ilha de Ti-
der , que ficava próxima , .havia também gente, porem
indo lá o Commandante Lançarote com todas ss Lan
chas, a achou ja despejada, e quasi o mesmo lhe ac-
conteceo em outras, de maneira, que tanto nestas Ilhas,
como em algumas entradas que fez pela terra dentro.,
apenas tomou mais quarenta e cinco indivíduos; e vol
tando para Portugal , por lhe faltarem viveres para tan
ta gente , colheo ainda quinze pescadores em Cabo
Branco, e foi recebido do Infante com tantas honras,
•que peia sua própria mão o armou Cavalleiro, e fez
outras mercês a elle, e aos outros Commandantes , c
pessoas mais notáveis.
Havendo ja tratado do descobrimento dá Ilha de
Santa Maria, relatarei agora seguidamente o. que per
tence ás outras, que constituem o grupo chamado dos
Açores, ainda que achadas em épocas differentes (i),
e contestadas. .
Ilha de S. Miguel — Neste anno de 1444 acome

ti) Ha huma grande variedade de opiniões entre os nossos Escrito


res sobre as verdadeiras épocas de muitos dos antigos descobrimentos :
eu segui nestas Memorias os que me parecerão mais prosáveis, sem
entrar na discussio de cada huma delias , por quanto isso me obrigaria
a fazer quasi outras tantas Dissertações , e de resto a cousa seria de pou
co interesse; por ser evidente, que a gloria dos nossos descobridores he
a mesma em todas as hypothescs ; e só quando dous individues recla-
■mão a prioridade de huma descoberta, he que merece a pena de exa-
minar-se a qual se deve attribuir.
14 ii
108
ceo na Ilha de Santa Maria , que hum Negro fugido
avistou do alto de hum monte (i) huma Ilha , que pa
recia ser grande , e alvoroçado cora a descoberta , veio
participa-lo a seu senhor, o qual indo com outras pes
soas certificar-se do caso , e achando-o verdadeiro , o
communicou ao Infante. Achava-se com este, no mo
mento em que recebeo o aviso, o Commendador de AI-
mourol Gonçalo Velho, Descobridor de Santa Maria, que
partio logo por sua ordem a reconhecer a nova Ilha: a
falta porém de conhecimentos exactos sobre a sua po
sição, fez com que elle não a achasse; e voltando des
contente a Portugal , o tomou a mandar o Infante á
mesma commissão. Para segurar desta vez a viagem,
aportou primeiro á Ilha de Santa Maria , e marcando
darli o rumo a que a outra lhe ficava, a foi buscar. A
8 de Maio, dia da Apparição de S. Miguel, desem
barcou em hum lugar, que se chamou depois a Povoa
ção Velha , e dando á Ilha o nome daquelle Archan-
jo, e exarainando-a o melhor que pôde, veio informar
de tudo ao Infante, que lhe deo a Capitania delia,
conservando ao mesmo tempo a que ja possuia de San
ta Maria. Estas duas Ilhas tomarão o nome de Ilhas
dos Açores , pelos muitos que se acharão nos densos
bosques, que as cobrião, e depois se fez commum este
nome ás outras daquelle grupo. Parece que S. Miguei
prosperou era breve tempo, porque no anno de 1447
deo EIRei D. AtFonso aos seus moradores o privilegio
de não pagarem dizima dos produetos , que trouxessem
a Portugal.

(1) Vede a Historia Tmolana, desde o Livro $.° atí ao Livre 9.".
— Faria, Ásia Porturuiva , tomos i.°, e j.° nos lugares ja citados -
Soares da Silva, Memorias de D. João I., tomo 1 ., Capítulos 90, e 91
— Damião de Góes, Chronica do Príncipe D. João, Capítulos 8. , e 9.
— Galvão, pa». 3; Clarke , tomo k, L*i., Cap.4 2. — Anuo His*.
torico, tomo 2. pag. )+.
109

Terceira — Teve primeiro o nome de Ilha de Je


sus Chrisro , por ser descoberta (não se sabe o anno) em
dia dedicado á celebração de algum Mysterio : depois
prevaleceo o nome de Terceira , que lhe pertencia na
ordem dos descobrimentos destas Ilhas ; também se
ignora o seu Descobridor. Em 2 de Março de 1450
nomeou o Infante por seu Donatário a Jacome de Bru
ges , Fidalgo Flamengo ,. para a ir povoar , por estar
ernuiy e inbahitada, segundo se explica a mesma Car
ta de Doação, o que prova de passagem não ser elle
quem a descobrio, aliás faria menção deste justo mo
tivo. Jacome de Bruges partio logo para a Ilha com
dous navios á sua custa, em que levou familias, ga
dos, sementes, e quanto era necessário para formar o
primeiro estabelecimento.
S.Jorge — Deo-se-lhe este nome por ser descober
ta a 23 de Abril , dia da Festa deste Santo. Se o seu
Descobridor foi Vasco Annes Corte Real, he incerto,
bem como o anno do descobrimento; sabe-se porém,
que o seu primeiro povoador foi Guilherme de Wan-
dagara , ou Wanderberg, Fidalgo Flamengo, que de
pois mudou o appellido em Silveira.
Graciosa — O delicioso aspecto desta pequena Ilha
lhe fez dar o nome de Graciosa. Corre a mesma incer
teza sobre o seu Descobridor; mas o primeiro povoa
dor foi Vasco Gil Sodré, segundo o Padre Cordeiro,
que também assignala o anno de 1450 pelo do seu des
cobrimento.
Faial — Assim chamada pelas formosas, e alfas
faias de que se achou coberta. O seu primeiro Donatá
rio foi Jorge de Ultra, Fidalgo Flamengo, que estava
ao serviço de Portugal ; porém ignora-se o nome do
Descobridor (se não foi o mesmo Ultra) , e o anno em.
que se descobrio.
Pico — Mereceo este nome por 'huma, alta raonta^
110
nha volcanica . de figura cónica , a qual occupa com a
sua base quasi toda a Ilha , e tem de altura vertical so
bre o nivel do mar, 125-8 tocsas (r). Teve por pri
meiro Donatário a Jorge de Ultra, e ha a mesma in
certeza sobre o seu Descobridor, e a época do desco
brimento.
Devo aqui observar, que estas ultimas quatro Ilhas
estão i vista humas das outras, de maneira, que o pri
meiro individuo que desembarcasse em huma, forçosa
mente descobria as outra?. .
Flores — Não se sabe quando , nem quem a des-
cobrio : deo-se-lhe este nome, pelas muitas flores, que
a adornavão.
Corvo — Esta Ilha he tão próxima á das Flores,
que ambas devião ser descobertas no mesmo dia. Em
tempo d'E!Rei D. Manoel, achou-se na sua parte do
'NO , no cume de hum penhasco, huma estatua eques-
.tre formada da mesma rocha, figurando hum cavallei-
ro montado em hum cavallo em osso, com a mão es
querda nas crinas do cavallo, o braço direito estendi
do, e os dedos da mão recolhidos, excepto o dedo Ín
dex com que apontava para o Ponente. ÉlRei fez tirar
o desenho por hum seu criado, e mandou hum Mestre
intelligente para separar a estatua inteira , se fosse pos
sível o que se não pôde fazer, antes a quebrarão em
pedaços , dos quaes trouxerão para Lisboa a cabeça ? -e
o braço direito do homem , e a cabeça , e huma perna
do cavallo, com outros fragmentos, que estiverão al
guns dias no Paço, não se sabendo o destino que de
pois tiverão. Passados a n nos , indo áquella Ilha o seu
Donatário Pedro da Fonseca, soube dos habitantes,
que na mesma rocha , por baixo do lugar onde estivera
a estatua , se achavao humas letras entalhadas na pe-

(1) Vítfe Tofíno , Roteiro dó Oceano, pâg. 226.


Mi
dra , de que com grande trabalho fez tirar o molde em
cera ; mas não se poderão entender.
Este facto extraordinário tem a seu favor o teste
munho de Damião de Góes , que alem de grandes ta
lentos, e erudição , conheceo bem as cousas do seu tem
po , c as do Paço, Não sei se isto basta para o acredi
tar.
1444 — Neste mesmo anno de 1444 C1) Diniz Fer
nandes, homem valeroso , que fora Escudeiro d'ElRei
. D. João I. , e vivia em Lisboa abastado de bens ,
querendo agradecer ao Infante algumas mercês que
lhe fizera , armou á sua custa hum navio com de
terminação de passar alem dos últimos descobrimen
tos, e assim o fezj porque chegando ao Rio Sene
gal , não quiz ter alli demora, e seguindo para o
Sul, avistou humas Almadias de pescadores, ás quaes
se dirigio logo na sua lancha , que levava atoada por
popa , e alcançando huma , a tomou com quatro Ne
gros Jalofos, que forão os primeiros colhidos na sua
própria terra , que vierão a Portugal.
Daqui continuou a sua derrota examinando a Cos
ta , sem perder tempo em desembarcar, até que chegou
a hum grande Cabo , que se avançava muito para Oes-t
te, ja conhecido dos antigos pelo nome de Arsinarium
Vromontorium , a que chamou Cabo Verde (2),

(1) Barros (Década 1., L.* 1., Cap.° 9) põe esta descoberta em
1446 — O Padre Cordeiro (L.# 2., Cap.° 8) dá as Ilhas de Cabo Ver
de descobertas em 1445 ; e he bem sabido , que o Cabo foi descober
to antes — Galvão (pag. 34) diz, que o Cabo se descobrio em 1446:
O Anno Histórico (tomo 2. , pag. 2) diz , que em 1 445 — Faria , e
Suares da Silva (nos Jugaros acima citxdos), dizem , que foi descoberto
em 1446 — Damião de Góes (Cap.° 8.) segue quasi a opinião de Ca-
damosto , e suppóe a descoberta em 1445 — Eu ponho o descobrimen
to em 1444, porque em 1445 foi asua primeira viagem, eelle cdá por
descoberto no anno antecedente.
(2) CaboVeide, situado r^Lat. N. dei4Q 45' eLong. o» jj' 4$",
112
pelo frondoso arvoredo, que o cobria; e vendo que a terra,
alem delle, se encurvava muito para Leste, formando
como huma penitfsula , e que o vento lhe ficava pontei
ro para continuar o seu reconhecimento, ancorou em
huma Ilhota próxima do Cabo, onde matou muitas Ca
bras, que lhe servirão de refresco, e deixando nella ar
vorada huma Cruz de páo, regressou a Portugal, onde
foi rçccbido pelo Infante com aquellas honras e mer
cês , que elle costumava fazer aos que tão bem o ser-
vião.
1U45' — Neste anno mandou o Infante a Gonçalo
de Cintra (i), seu Escudeiro, e homem valeroso , por
Commandantc de hum navio, para continuar os desco
brimentos, o qual indo em demanda de Cabo Branco,
para passar á Ilha de Arguim, em que hum Mouro
Azenegue (2), que levava por interprete, lhe promet-

lie o ponto mais Occidental da Africa , e lie formado por huma pen in
sula , que sahe do Continente para Oeite mais de cinco léguas, sen»
do a sua menor largura de seiscentas toezas. Da parte do N.E. tem douj
montinliús , a que cliamão as Mamai , e servem de reconhecimento aos
Navegantes. Segundo alguns Sábios , que modernamente examinarão a-
quelle terreno, estes dous montinhos são testas de hum antigo Voicão.
Do extremo Occidental do Cabo se estende huma perigosa restinga de
pedras, que entra muito pelo mar. A ponta do Norte do Cabo chama»
se ponta da Almadia; • Cabo Manoel a sua ponta mais do Sul. Entre
estas duas pontas estão três pequenas Ilhas, chamadas da Magdalena, ou
dns Pássaros. Em huma delias desembarcou Diniz Fernandes, se he cer
to, que o fez em huma Ilhota que está pegada no Cabo, como diz-
Karros; iras eu persuado-me, que elle desembarcou na Ilha Gorea , que
tein abrigo , e fica só distante delle cousa de duas léguas,
(O Vede Faria e Sousa, Ásia Portugueza, tomo i. no fim — Soa
res da Silva nas Memorias de D. João J., tomo I. , cap." 84 — Ear-
ros, Década 1., L.° !., Cap.° 9 —> Galvão, pag. 24 — Góes', Chroni-
ca do Príncipe D. João, Cap.° 8., onde colloca esta viagem no anno
de 1444.
(2) Os antigos Portuguezes chamaváo Azenegues aos Povos , que
habitavao da margem do Rio Senegal para o Norte, os quaes parecem
ser huma rac,a mixta de Aiabes, e Mouros Earberescos, e são da cor de
113
tia boas presas, entrou em huraa Bahia cousa de deze-
seis léguas ao Norte daquelJe Cabo onde o Azenegue
lhe fugio: e sobre o desgosto deste acontecimento, te
ve outro, porque vindo hum Mouro velho pedir-lhe o
levasse para Portugal , por estarem lá cativos, segundo
dizia, alguns seus parentes, depois que examinou 4 sua
vontade o navio (único fim a que viera) , desertou
igualmente.
Agastado , e corrido Gonçalo de Cintra destes en
ganos , a que o arrastara a sua nimia boa fé , intentou
vingar-se assaltando huma Aldeã visinha", e guarnecen
do a sua lancha com doze homens, entrou nessa noite
por hum esteiro, onde na vasante ficou em seco, e sen
do visto de manhã pelos naturaes, o atacarão mais de
duzentos, e alli o matarão , com Lopo de Alvellos, e
Lopo Caldeira , ambos Moços da Camará do Infante,
o Piloro Álvaro Gonçalves, e outros quatro homens,
salvando-seorestodelles a nado. Estes forão os primeiros
Portuguezes , que acabarão naquelles descobrimentos. A
Caravela voltou logo para o Reino só com alguns ma
rinheiros , e duas mulheres que haviao cativado em ter
ra , ficando áquelle lugar o nome de Angra de Gonça
lo de Cintra (i). O Infante sentio por extremo este
desastre.
Parece, que neste mesmo anno, por ordem do In^
fante, se começou a construir hum Forte na Ilha de
Arguim , que era então o centro do Commercio da

malatos escuros. Entendiáo por Costa de Guiné o espaço comprehen-


dido entre o Senegal (onde comeqão os Negros) e a Serra Leoa. A Cos
ta da Alalagneta estendia-se desde Cabo Ledo até Cabo de Palmas: a :
Corta doi Quaquás desde este Cabo ate ao das Três Pontas : a Mina '
desde este até Cabo Foimoso : o Calabar desde este até Cabo de Lopo
Gonçalves; e Costa de Loango deste para o Sul até Cabo Negro.
O) Situada na Lat. de z%" 50', e Long. 2° 6'.
15
m
quella Costa , o qíial se concluio , ou ampliou muitos
annos depois (r).
No mesmo anno de 1445" fez Luiz de Cadamosto
a sua primeira viagem á "Costa de Africa (2).
Achando-se em Veneza , sua pátria , com quasi
vinte dous annos de idade, e alguma pratica da nave
gação do Mediterrâneo, determinou fa2er huma segun
da viagem a Flandres (onde ja estivera), para buscar a
fortuna, que na Itália lhe faltava, e munido de mui
pouco cabedal , embarcou-se em humas Galés Venezia
nas, que hião para aquelles Estados, commandadas por
Marcos Zen. Sahio elle de Veneza a 8 de Agosto de
1444, e chegando ao Cabo de S. Vicente, e não po
dendo dobra-lo pela força do vento ( provavelmente
Norte ) , pairarão as Galés ao socairo do Cabo. Neste
meio tempo veio a bordo António Gonçalves, Secreta-
tario do Infante D. Henrique (3), cuja habitação esta-

(1) Eu sigo aqui a Cadamosto (Primeira Viagem, Cap.° 10) , que


diz positivamente , que neste anno de 144; , que elle correr) aquellas
Costas , se trabalhava no Forte por ordem do Infante. Manoel de Faria
e Sousa (nos dous lugares da sua Ásia ja citados) faz ir Soeiro Mendes
a esta commissão 110 anno de 1449. Barros (na Década 1. , Í-L a." »
Cap.9 1.) diz, que foi em 1461 , e Galvão (pag. í>) diz, que em
146a. Damião de Góes (Cap.° 8.) inclin.vse á opinião de Cadamosto,
e cré que em 1461 mandou EIRei acabar o Castello começado pelo
Infante.
(e) Vede as Navegações de Cadamosto no tomo 2. da Collecçáo
de Noticias para a Historia, c Geografh das Nações Ultramarinas, pu
blicada pela Academia Real das Sciencias de Lisboa — Soares da Sirva
(Memorias de D. João I. , tomo 1. , cap.° 84) pOe esta Viagem no an
no de 1 444 — O mesmo faz Damião de Góes (se náò me engano) na
Chronic.i do Prinçipe D. João, Cap.° 8. — Esta Viagem he muito cu
riosa, e merece ler-se inteira no seu Original, ou na Traducção acima
citada: eu não faço aqui mais do que extracta-la, deixando de parte
as suas prolixas descripqóes dos Povos Africanos.
(O He mais provável, que fosse Ántáo Gonçalves, seu Escrivão
da Puridade. . . -..
n'5
va nas proximidades daquelle sitio , e em sua compa
nhia o Cônsul de Veneza era Portugal, trazendo amos
tras de assucar ~da Madeira^ sangue de Drago, e ou
tros productos das Ilhas, de que o Infante era Senhor,
e se povoavao então ; e relatou aos seus compatriotas
as grandes navegações , e descobertas de novos Paizes ,
que por ordem do mesmo Infante se fazião, e os inte
resses excessivos que tirarão delias os que as emprehen-
dião; de que Cadamosto ficou tão penhorado, que de
pois de certiíicar-se da honra , e bom gasnlhado que o
Infante fazia, em geral aos Estrangeiros , e quanto fol
garia de empregar alguns Venezianos, pela intelligen-
cia que tinhao do Commercio das especiarias , se ani
mou a ir com o Secretario, e o Cônsul á sua presença.
O modo com que este Príncipe recebeo a Cadamosto,
foi para elle tão lisongeiro, que Voltando a bordo da
sua Galé, dispoz dos effeitos que trazia, comprou ou
tros que lhe serião necessários para a viagem , que, in
tentava, e estabeleceo-se logo em- terra.
Passados alguns mezes , no decurso dos quaes sem
pre o Infante o tratou honradamente, mandou-lhe es
te armar huma pequena Caravela nova de 45 tonela
das, com algumas peças de artilharia, de que era Com-
mandante Vicente Dias; e nella partio de Sagres Ca
damosto a 22 de Março de 1445- , com vento N.N.E. ,
em demanda da Ilha da Madeira , seguindo o rumo de
S.O. 4 O., c a 25- ancorou na Ilha de Porro Santo, da
qual era Governador Bartholomeo Perestreílo , cuia
distancia ao Cabo de S. Vicente avaliou com bastante
mas desculpável erro , em seiscentas milhas (i); e sou-

O) Cadamosto avalia sempre as distancias em milhas de Itália de


80 ao gráo , mas para evitar qualquer equivocaçáo , tomei o expedien
te de reduzir as suas medições ao geral systema da Europa , dando 6o
milhas a cada gráo: assim as 800 milhas de que elle falia neste lugar
%ío í^uks a 600 milhas ou dujentas léguas 'marinhas.
15 ii
be haver sido descoberta em dia de Todos os Santos (i)
de 1417..
Examinadas miudamente as producções desta Ilha,
os seus artigos de Commercio , abundância de peixe, e
extraordinário numero de coelhos, sahio dalli Cada-
mosto a 28 de Março, e no mesmo dia surgio em Ma-
chico, pequeno Porto na Ilha da Madeira, que diz se
povoara em 14:0, e que rinha na época da sua chega
da oitocentos homens , inclusos cem de cavallo.
Nesta Ilha fez as mesmas indagações, sobre a sua
excessiva fertilidade, belleza de Clima, e abundância
de todas as cousas necessárias d vida.
Seguindo a suá derrota para o Sul , avistou as Ca
nárias (2), e destas visitou Gomeira, Ferro, e Palma,
e dirigindo o seu rumo para Cabo Branco, por evitar
ensacar-se na grande Enseada que forma a Costa de
Africa para o Norte delle , o avistou em poucos dias.
Alem deste Cabo a Costa se recolhe para o S.E. , fazen
do hum golfo bastante fundo , chamado a Furna de Ar
guira , que tem quatro Ilhas j a de Arguira , que tomou
delle o nome, ea única que tem agua doce, a Bran
ca, a das Garças, e a dos Corações, todas pequenas,
arenosas, e dcshabitadas. Na de Arguim se construía
então hum Forte por ordem do Infante, e ex-aqui o
motivo : Os Portuguczes em outro tempo corrião as
Costas desde Cabo Branco ao Senegal, desembarca vao

(1) Cadamosto attribue o nome de Pbrto Santo a ser descoberta a.


Ilha no dia de Todos os Santos ; porím he mais natural , que os seus
Descobridores lhe dessem aquelle nome , por adiarem nelta o abrigo de-
que carecia a sua frágil, e destroçada embarcação. De resto, elle conta
o que ouvio dizer. Eu creio, fora de toda a duvida, que «lia foi achada,
em outro dia.
(a) As Ilhas Canárias são onze-, e Cadamosto coma somente sete,.
611 por serem estas as mais principaes, ou por não ter noticia da» ou
tras quatro , que na realidade são Ilhotes.
ni
onde se lhes antolhava, assaltavao as Aldeãs dos pes
cadores, e os levavão cativos; esta guerra durou tre
ze, ou quatorze annos. O Infante mudou este systema ,
prohibio cativar os Azenegues, e contratou com algu
mas pessoas particulares concentrar-se todo o Commer-
cio na Ilha de Arguim , por meio de huraa Feitoria al-
li estabelecida , onde só as Caravelas dos interessados
são admittidas. A Feitoria recebe os géneros , que eí-
las trazem, que são tapetes, pannos, sedas, trigo, pra
ta, e outras mercadorias, e os vende aos Árabes das
Caravanas , que para este effeito vem á Costa do mar ,
a troco de ouro em palhetas , e de escravos Negros de
que levão cada anno a Portugal de setecentos a oito
centos. Para proteger este trafego, he que se construio
aquelle Forte.
Os Azenegues erao tão ignorantes na época era
que os primeiros Portuguezes alli chegarão, que vendo
os seus navios á vela , cuidarão que erao pássaros cora
azas brancas; outros, vendo-os com o panno ferrado,
os tiverão por grandes peixes , e outros finalmente por
espectros nocturnos , porque na mesma noite os vinhao
saltear em lugares distantes huns dos outros.
De Cabo Cantim para o Sul começa o deserto , a
que os Árabes chamão Sahara , e confina desta parte
com os Negros da Ethiopia , e pela do Norte com as
montanhas que cercão a Barbaria. A Costa deste deser
to he toda baixa , alva , e arenosa. Cabo Branco, assim
chamado dos Portuguezes pela côr do seu terreno , hé
cortado em triangulo na sua frente, formando três pon
tas, distantes huma da outra perro de huma milha. To
da esta Costa he abundantíssima de peixe. No Golfo
de Arguira ha pouco fundo, com muitos baixos de a-
rea , e alguns de pedra, e muitas correntes, por cuja
causa se navega só de dia , e cora a sonda na mão.
Na direitura de Cabo Branco pela terra demro^
UB
seis jornadas decaindo, ha huma Cidade sem mura
lhas chamada Guadcm, que serve de escala ás Carava
nas de Tomburu (i), e de ourros- Estados de Negros
trazem pari Barberia ouro, e malagueta, e levao em
retomo prata, cobre, e outros géneros. Seis jornadas
de Guadcm estilo as minas de sal de Tagaaa , d'onde
partem muitas Caravanas carregadas deste precioso gé
nero para Tombuui, que dista quarenta jornadas ; e
desta Cidade, vão a Melli, distante outras trinta jorna
das, c alli trocao o sal por ouro em pó (i).
De Cabo Branco seguio Cadamosto a Costa para
o Rio Senegal (3) , que extrema os Negros dos Aze-

. (1) Esta Cidade, pela siin illiança do nome, parece ser a mesma a
que Tarros chama Tungnttita , e os Viajantes Estrangeires Tinibeiiclvu,
onde o Major lnglez Denham viveo muito tempo de 1.819 em diante,
e a situa no seu iOappa em I $° 8' de Lat. N. , e 19" 5' de Long., dis
tante mais de duzentas léguas da Bailia de Benim, na Costa Occidental
de Africa, que lie o ponto que lhe fica mais próximo. Estes Hai.es inte
riores são ainda mui pouco conhecidos, a pezar das diligencias do Go
verno Britânico.
(2) Este Commercio durava ainda neste século , porque Mung Par
ker faz delle menção.
()) Este grande Rio tem mais de meia légua de becea : a ponta
do Norte da sua entrada, chamada Ponta de Barberia, «clia-se na Lat.
N. 15o $2', e na Long. de i° \i' 45". A barra antiga era mui
to (mais ao Sul, mas no anno de 1812 huma grande cheia ahrio ou
tra nova, que ainda se conserva. O canal da entrada tem 100 toezas
de largo, e de nove ate dezoito pés de fundo, o qual diminue muitas
vezes , de modo que não lie seguro passar a barra em navios, que de
mandem mais de doze pés de agua , porque o mar quebra sempre no
banco: passido este, achão-se quatro braças de fundo. Os Navios podem
.'subir seis, ou sete léguas pelo Rio acima, e as embarcações pequenas
mais de sessenta. A Ilha de S. Luiz, Capital dos estabelecimentos Fran-
cezes , fica poucas léguas afastada da entrada ; he pequena, toda de arca,
situada na Lat. de 1 6o 4' 10', e na Long. de lc 41' 4$'', e divi
de o' Rio em dous braços: o de Leste tem jeo toesas de largo, e o de
Oeste JOO; nnqtielle lis que dão fundo os navios, próximo á Ilha de S.
Luiz. O Rio tem mitras Ilhas, todas cobertas de arvoredo. Na estação
das chuvas Qque de ordinário acaba em Outubro) cresce o Rio a vinte
119

negues; e as terras áridas destes, das terras férteis da-


quelles. Este Rio tinha sido descoberto cinco annos an
tes (em 1440) por três Caravelas do Infante, que neí-
le entrarão , e começarão logo a traficar com os Ne
gros, e depois tem continuado a vir alli embarcações.
A sua foz he de mais de huma milha de largo, com
bastante fundo , e pouco mais ao Sul faz outra bocca,
com huma Ilha no meio, e destas duas fozes sahem ao
mar alguns bancos de arêa , e alguns parceis quasi hu
ma milha. De Cabo Branco a este Rio são duzentas e
oitenta e cinco milhas (1). As marés são por aqui regu-
Jares de seis em seis horas, e a enchente sobe mais
de trinta e cinco milhas pelo Rio acima; e só com el-
]a se pode entrar, por causa dos parceis. Todo o Paiz-
he mui viçoso, e cheio de arvoredo.
Na margem Austral deste Rio começa o primeiro
Reino de Negros da Baixa Ethiopia , cujos Povos são
mui azevichados , altos, membrudos, e bem apessoados,
e se chamão Jalofos (2). Alguns são Mahometanos , ou
tros sem Religião. A maior parte delles andão mis , a-
penas cingidos com huma pelle de cabra : os mais ricos
vestem-se de algodão, que nasce no Paiz; são fallado
pes de altura na barra , e entra tão furioso pelo mar, que a duas léguas
de distancia da sua bocca se acha agua perfeitamente doce. Todo este
Paiz lie coberto a irnmensa distancia de bosques, e lagoas, que o fa-
xem mui doentio, sobre tudo depois de passada a estacão chuvosa, por
que os calores são insupportaveis , e as aguas , que ficarão estagnadas, e
cheias de plantas, e de animaes mortos arrastados pelas enxurradas, cor»
fcmpendo-se logo, eropestãq os ares com emanações podres, que pro
duzem febres da peior qualidade.
(1) Cadamosto conta trezentas e oitenta milhas de Itália, que dão
duzentas e oitenta e cinco das nosras, como ja observei, e esta dis
tancia, entre Cabo Iraico e o Senegal, he exacta com pouquíssima
diíferenqa. He pena, que elle não nos- explique ermo rredia as distan
cia , nem nos éè as posições Geográficas dos Faízes que vizitou!
(a) O Rei dos Jalofos, quando alli chegou Cadamosto, chamara-
;* ZucLolim, c ota de Vinte e dous ânuos de idade. *
120
res , e mentirosos , porém caritativos para recolherem
nas suas casas (que todas são de palha) a qualquer fo
rasteiro , que pede agasalho por hum dia , ou por huma
noite. Os que Jiabitão na Costa tem Almadias , em que
vão pescar j e são os melhores nadadores do Mundo.
As suas armas são azagaias de ponta comprida , e far
pada , alfanges fabricados do ferro que tirão do Reino
de Gambia , e rodellas de anta.
Do Senegal continuou a navegar até hum Paiz,
cujo Senhor se chamava Budomel , distante oitocentas
milhas Italianas (seiscentas Portuguezas) daquelle Rio
(i), por ter boas informações das suas qualidades pes-
soaes, que lhe havião dado os Portuguezes ; e.surgio
em hum lugar , que não he Porto , o qual tem por no
me a Palma de Budotnel. Aqui começou logo a nego
ciar Cadamosto, que levava diversas mercadorias, e se
te cavallos, animaes de muito valor naquellas Regiões.
Para este eífeito estabeleceo-se na Aldeã do mesmo Re
gulo , que constava de cincoenta casas palhaças, e dis
tava dezoito milhas do mar, onde foi mui bem tratado.
Succedeo, que estando a Caravela ancorada a mais
de duas milhas de terra, e havendo grande mar, e ven
to, quiz elle mandar a bordo huma carta, com aviso
de que se dirigia por terra ao Senegal, e em consequên
cia cumpria que ella fosse espera-lo naquelle Rio, por
ser mais fácil o embarque , e mais seguro o ancoradou
ro. Hum negro , a troco de hum pedaço de estanho do
valor de quarenta reis, levou a carta a nado, atraves
sando os baixos da Costa , onde as ondas quebravão fu-

(O Esta distancia lie hum erro palpável de impressão, ou de Co


pista , porque Cadamosto achava-se entre o Senegal e Cabo Verde , cu-
U distancia total náo chega a cem milhas. O lugar onde elle ancorou ,
parece ficar hum pouco ao Norte da Bahia de Yoff , defronte de hum
Palmar, distante pouco mais de sessenta milhas do Senegal; assim
creio, que em vez de Soo milhas se devem ler oitenta. .
12!
riosas, e voltou com a resposta ; sem que o desanimas
se ver que o seu companheiro (porque partirão dous)
não ousou passar a arrebentarão do mar.
Concluída finalmente a sua negociação com Budo-
mel nò espaço de vinte e oito dias do mez de No
vembro (i), e tendo recebido alguns encravos, foi-se
embarcar ao Senegal na sua Caravela , determinado a
dobrar Cabo Verde , para descobrir novas Regiões, por
rer ouvido dizer ao Infante, que não longe do Senegal
estava o Reino de Gambia , em que se dizia haver
grande quantidade de ouro. Estando para partir, appa-
recêrão pela manha duas Caravelas, e chegando á fal
ia . soube que em huma vinha António de Nolle, Ca-!
valheiro Genovez , e hábil Navegante; e na outra al
guns Escudeiros do Infante, e ambas com intento de
passarem o Cabo Verde, e fazerem algum descobri
mento. ,'- .,
Reunidas as três Caravelas, correrão a Costa pa
ra o Sul, e no dia seguinte avistarão Cabo Verde, que
distava do ponto da sua partida obra de trinta milhas
Italianas (2). Este Cabo tinha sido descoberto no an-

(O He cousa admirável, que sahindo de Sagres Cadamosto a 22


de Março, chegasse nos princípios de Novembro ao Paiz de lÀidcmef.
Entrou eile em Porto Santo a 25 , paitio ds!ii a 28 , e no mesmo dia
ancorou na Madeira, onde a demora parece ter sido bem pouca: da Ma
deira passou ás Canárias, cuja viagem he sempre de poucos dias, -visi
tou duas daquellas Ilhas, e na Palma ião <.l'.e::ou a desen barcar, por
consequência também a detença havia de ser pequena La Falira foi eia
poacos dias a Cabo Bran<o\ e daqui ate ao Senegal não deo fundo em
parte alguma, por quanto diz: Depois tjve pessen.oi o Cabt Tranco, na'
vegamoi á vitta dellc por nonas jei notas até ao Rio cl.onedo do Scnc
gal. iXão declara também, que se derr.craase neste Rio, antes da a en
tender o contrario, e só menciona a sua anccrr.grm r.a (."esta do Paií
de Kudomel , e que se derr.crou nelle vinte e eito dias co mci de Aj-
vtmhro. Isto não se entende bem , mas ema Nota n." jo darei algu-
nra explicação.
Ca) Cadamosto sahia do Senegal , que fica pouco rr.er.os de cem mi»
ltí
IB2
no antecedente, e deo-se-lhe este nome por estar povoav
ào de altas ,e copadas arvores sempre verdes. Este Ca
bo tem dotis montinhos sobre a ponta, a qual entra
bastante pelo mar dentro, e deita recifes a quasi meia
milha de distancia. Apparecião sobre o cabo, e á roda
ífelle muitas casas palhaças de habitação dos Negros;
e este território ainda pertence ao Reino do Senegal.
Dobrado o Cabo, virão três Ilhas pequenas não muito
longe da terra , deshabitadas , e cobertas de arvoredo -y
e^aneorando em huma para fazerem agua, não a acha
rei),, mas pescarão muito peixe. Era isto em Junho (i)..
Sahindo da Ilha no dia seguinte, navegarão á vis
ta da terra, que he baixa, e sombreada de mui basto,
e frondoso arvoredo até próximo ao mar, e alem do-
Gabo se encurva , e mette hum golfo para dentro; pas
sado oquat, a Costa he habitada por Negros Barbeci-
nos , e Serreres , todos independentes , e Idolatras^ que
»ão reeoniiecem Rei, nem superior algum: são homens
lhas distante de Cabo Verde ; por consequência de*e aqui Ier-se, cento
e oitenta milhas Italianas , e não trinta.
(l) Esta data he visivelmente errada, pois estando Cadamosto coi
te de vinte , e oito dias do me* de Novembro com Ikidomel , e indo
dàHi embarcar por terra ao Senegal, d'ondi logo á sahida encontrou as
duas Caravelas de Portugal, não podia achar-se eir. Junho do anno se
gai lii te sobre Cabo Verde, antes seria nos princípios de Dezembro. Mas.
aínd». que se queira substituir este mez ao de Junho, cahe-se em outra dif
iculdade, por quanto neste caso Cadamosto só poderia voltar a Portu
gal' no anuo de 1446, e emprehender a segunda viagem no de 1447.
Ora elíe dl* (no capitulo 1.) qwe no- anno seguinte, isto he , no sub
sequente ao da. sua prime-ka. viagem de »445, fei armar novamente ,.
de accordo com Arrtonio de Nolle , duas Caravelas. , a que o Infante-
ajuntou huroa sua ; oqne prova, que as Caravelas da primeira viagem,
tinhão dtormado. Por consequência não pode admittir-se , que elle re
gressasse desta primeira viagem, e reparando em poucos dias as suas em
barcações, tornasse logo a sahir para a segunda. Parece-ine , que o erros
esta' em dizer, que passou- com Budomel o me? de Novembro, eaa vez
de dizer o mez de Maio. Com esta fácil correcção, ficara clara , e *e?-
roslhíil roda a narrativa de Cadamosto.
123l
fortes, mui cruéis, e usao de setas envenenadas: o
Paiz lie coberto de bosques , lagoas , e ribeiras.
Correndo cotu vento largo para o Sul , descobri
rão hora Rio, a que puzerao o nome de Barbecim (f).
Navegavão elles sô de dia , e ao Sol posto surgíõo em
dez, e doze braças, afastados da cerra três, ou qua
tro milhas ; e ao nascer do Sol, levavao ancora, sempre
com boas vigias na gávea , e na proa , para observarem
se o mar arrebentava ; e assim chegarão á foz de outro.
Rio tão largo como o Senegal (segundo se lhes tígui
rou), e vendo-o tão bello, e o Paiz coberto de arvore
do até i agua, largarão ancora , e mandarão examinar
a terra por hum Negro interprete, de que todos os na
vios Portuguezes trazião alguns. Porém logo que hu-
ma lancha o deitou em terra , lhe sahírao de huma eaw
buscada muitos Negros armados , que o matarão. 'Por
•esfe incidente, que demonstrava a crueldade daqueíle
Povo, se fizerão d vela, e continuando a costear huma
terra baixa coberta de arvores viçosas, chegarão á boo.
cá de hum Rio, que não tinha menos de seis milhas
de largo, e ancorarão, na persuasão de ser aquelle oí
Gambia , como realmente era (2).
CO O Rio Sirbecim está situado tu Latitude Norte de 14o, e na
Lnng. de i° 25'.
C») Este grande Rio lie navegável por espaço de cento e sessenta
léguas ate á Cataracta , ou Queda de faraconda , onde chega a maré e
podem ir embarcações de cento e circori.ta toneladas: a sua maior
largura he de dez miUias, e em Joar, distante cincoenta léguas da en.
trada , tem huma milha de largo, e fundo para navios grandes. A Ilha
4e James , em que esta o Forte dos Ingleses , dista vinte e cinco mi
lhas da barra. A melhor estação para entrar no Rio lie de Dezembro até
Junho, porque nos meies de Julho, Agosto, e Setembro cresce muito
oaas as chuvas, e corre com gra.pdi»simo impeto. O Cabo de Santa Ala
ria, que he a ponta do Sul da entrada, esta situado na iat. N. de i }a.
«4' , e oa Long. de > ° 2c'.
A Nação dr» Mandingas, dividida "em vários Reinos, povoa as
margens deste Rio por «uais de duzentas legues eje distjnç»: sáo Ne-
Jtí ii
124
No dia seguinte, com a idea em que estavão os
Navegantes, de que haveria alguma grande Povoação
próxima da barra , em que achariáo muito ouro, man
darão entrar no Rio a Caravela pequena, acompanhada
das lanchas das outras duas. Esta embarcação , achando
braça e meia de agua dentro dos bancos da barra , sur-
gio , segundo as ordens que levava , e enviou as lan
chas pelo Rio acima , as quaes subindo cousa de mi
lha e meta, acharão sempre fundo de mais de cinco
braças \ e observando que o Rio dava muitas voltas,

gros mu r guerreiro», traidores, e Tachões, sobre tudo os da margem


Austral ; os seus trajos , armas , e leis sio as mesmas dos Jalofos , e as
suas cara» são redondas. O Rio lie abundante de peixe , e tem muitas,
e mui frescas Ilhas de arvoredo, com huma., e duas léguas de exten
são ; e ao longo das suas margens tudo são bosques , e mais longe pla
nícies iramepsas de pastagens-, aqui os elefantes , búfalos, antas, e ou
tros muitos animaes são em numero excessivo,
O principal lugar, em que os Portuguezes faziáo o seu commercio,
era chamado Porto do Cação , a setenta léguas da entrada -T e fabricava-
te ali i ranito sal, que o» Negros transpor taváo pela terra dentro a lon
guíssimas distancias. Os Portuguezes exportaváo deste Rio escravos, al
godão cm rama , e tecidos , cera , marfim , e pedaços de ferro forjado ,
«ue levaváo a vender ao Rio Grande, e ao de S. Domingos; e tam
bém ouro mui fino em pó, e pedacinhos , que compraváo em hum»
Aldeã chamada Satuco, a cento e- oitenta léguas da barra , .cujo ouro
os Negros Mandingas hião comprar aos Cafres , a troco de manilhas de
cobre, em Caravanas de três mil homens armados, que gasta vão sei»
jnezes na jornada , e julgava-se que hião ao Reine de Monomotapa.
No aiino de 1578 trouxe huma Caravana cinco arrobas, e oito-
arrateis deste ouro, que os Porcugueres não comprarão- por falta de-
mercadorias próprias daquelle trafico. E em fim no anno de 1584 dei
xarão de todo este importante commercio. O Capitãs André Gonçalver
(ou Alvares) de Almada , de cuja Obra (Descripção de Guiné etc. Lis
boa I7«0 ti-ei o que relato do commereio deste Rio, não explica as
causas deste infeliz abandono, ou, se as explicou, foi mutilado o seu
Manuscrito; pois o Abbade Barbosa (K'bliotheca Lusitana, tomo i.,.
pag. 1 jí) nos informa , qne seu irmão D. José Barbosa tinha huma co
pia, que parecia original, desta Obra, a qual sadio impressa totalmente
intua do etttlt , c »rdtm , que lhe úeo nu Authar*
125
e erâ coberto de espesso arvoredo, tornavão para a Ca
ravela quando lhes sahírao de hum regato, que nelle
desaguava, três Almadias com vinte e cinco, ou trin
ta Negros, que as vierão seguindo até pouca distancia
da Caravela, a qual se puzerão a conciderar, e depois
se retirarão, sem corresponder aos signaes que os ror-
tuguezes lhes faziao para virem a bordo.
Na manhã seguinte fizerão-se á Ycla as duas Cara
velas, e entrando no Rio, unirao-se com a pequena, e
continuarão a navegação, indo esta diante, e as outras
na sua esteira ; e tendo andado três milhas além do
banco , apparecerão-lhes pela popa quinze grandes Al
madias, remando para ellas á voga arrancada. As Ca
ravelas voltarão logo sobre ellas, postas em armas, e
cobertas com os seus toldos, e pavezes , com receio das
setas hervadas, de que se dizia usavão estes Negros. As
Almadias dividirão-se em duas esquadras, e cercarão a
Caravela de Cadamosto, que era testa de columna : tra-
zião ellas mais de cento e trinta Negros , beltissimos
Jiomens, vestidos de camisas de algodão branco, com
chapeos da mesma côr, e por penacho huma penna ; e
na proi de cada huma vinha hum Negro em pé, co
berto de huma rodella. Chegando perto , arvorarão as
pás, que lhes servem de remos, e ficarão contemplando
a Caravela, maravilhados de tamanha novidade ; e pas
sado algum espaço, vendo aproxlmarem-se as outras
duas, largarão as pás, e começarão a atirar frechadas.
As Caravelas dispararão então quatro peças Juntas, a.
cujo estrondo estupefactos os Negros, deixarão cahir
os arcos, e puzerão-se a olhar era roda prra todas as
partes onde eabião as pedras. Não notando porém ou
tros effei tos^destes tiros , e de ontros mais cue se segui
rão, tomarão os arcos, e continuarão a tirar furiosa^
mente, avisinhando-se mais e mais aos navios. Os ma
rinheiros x vendo-os tão perto, usarão das suas bestas,
126
c ItUm filha rràrural de Anronio de Nolle matou logo
hum Negro: os seus companheiros, depois de lhe ar
rancarem a seta da ferida , e de a examinarem com at-
tenção (as serás das bestas erão maiores, que as dos ar
cos), proseguirão o ataque, mas em breve forao muitos
morros, e feridos , sem sangue dos Portuguezes. Ver»-
do-se os Negros tão maltratados, afastárão-se , e forao
investir pela popa a Caravela pequena, que tendo pou*
cos homens, e esses mal armados, esteve em grande a-
perto, a que acudio Cadamosto, que a recolheo nomeio
das outras , e com o seu fogo obrigou os Negros a pó-
rem-se ao largo.
Acabada a peleja , a Caravela da vanguarda deo
fundo a huma ancora, e as outras duas amarrárao-se a
cila, passando huma cadêa de ferro de huma para a ou
tra (r); e por meio de signaes, e exhortações dos in
terpretes , diligenciarão attrahir os Negros a bordo»
Veio com effcito huma Almadia á falia, e propondo-
se-lhe paz, e commercio, responderão os Negros, que
Í*a sabião o que se havia passado no Senegal ; que os
'ortuguezes comiao carne humana ; e que só para esse
fim compravSo os Negros, e por isso não querião ami
zade com elles, antes os matarião a todos , se podessem,
e levarião o despojo ao seu Rei, que assistia dalli três
jornadas, Neste instante, refrescando p vento, velejarão
as Caravelas sobre as Almadias, que fugirão para terra.
Cadamosto , e as principacs pessoas daquella expe
dição, querião proseguir o descobrimento do Rio, que
ja sabião ser o Gambia , porém os marinheiros instarão
Çi) Vc-ie par esta passagem, e por outras muitas da nossa Histo
ria, qu: um li; invenção moderna (como alguns cuidio) talingar as
ancoras e:u cad^as de terro , para ancorar com segurança em mãos fun-
d.-K. No? princípios deite sícuIo hum Official Inglez aperfeiçoou aquelí*
intima idea, cimtruiiHj excille:ites cadeas de gonios , a que te dá ho-
jí o no.ru de anarrai ie ferro.
127
por vokarem para o Reino; e não os podendo reduzir
á obediência, sahírão do Rio no dia seguinte, e costean
do Cabo Verde , seguirão viagem para Portugal.
Em quanto Cadamosto esteve no Gambia , obser
vou alguns fenómenos , que hoje deixão de o ser por
rriviaes, e sabidos, mas que naquelles tempos erão dif-
ficeis ; v.g. admirou-se de ver a estrella do Norte mui
baixa , e de descobrir o Cruzeiro, que cuidou ser a Ur
sa Maior do Hemisfério Austral , assim como de nas
cer o Sol sempre coberto de hum nevoeiro (i).

(i) Observo qtre Cadamosto, sendo tão prolixo em descrever usos,


e costumes, não dá a posição Geográfica de nenhum dos Cabos, Rios,
e Portos que avistou, ou vizitou, e não menciona buma só Observa
ção Astronómica em todo o decurso da sua viagem; nem ao menos a
Latitude, e Longitude estimada de hum ponto qualquer. Observo mais,
que dá a torna-viagem por concluída , logo que mr>ntou Cabo Verde
para o Norte , ao mesmo tempo que expendeo toda a derrota que se-
guio na ida para o Sul ; sendo indubitável , que iu volta para Portugal
não podia ser a sua viagem de simples Cabotagem; assim parece que o
seu Livro está tiuncado, e este defeito he igualmente visível na Se
gunda Viagem, como adiante se verá.
He lastima, que não tenhamos hum Diário Náutico Original dos
nossos antigos Navegantes, havendo-se publicado Historias das suas Via
gem debaixo do norae ác Roteiros , que não contem senão coJlep.
c5es de notas , mais ou menos amplas , adornadas de algumas noticias
Geográficas; o que não basta para constituir hum verdadeiro Diário-
Náutico; eo me explico melhor: Todo o Navegante tem hum- Livro \
•m que escreve dia por dia náo só r>s acontecimentos que vão occor-
teodo , c formão a parte histórica da viagem; ,mas também todo»
es que são relativos á Arte Náutica , e estes são sempre os que el-
Je explica com maior cuidado, e miudeza, por depender disso a sua
responsabilidade pessoal. Deste género não me lembra de ter lido nenhum
cjii Porcuguez.
Ninguém c*», que só os Navegantes modernos fazem similhantes
Diários: lie .certo, que hoje se organizão com .maior perfeição; mas o
senso comrnum dictava aos antigos, que para darem conta das suas
Commissões, lhes cumpria escrever firra por hora cuanto suecedia a bor
do dos seus navios, e a mane ira, por que dirjgião a derrota, o çue exi
gia mencionar o estado do tempo, e dos ventos, a posição do navio >
128
1446 — Neste anno Luiz de Cada mosto, e António
Nolle armarão novamente duas Caravelas (i), para irem
completar o descobrimento do Rio Gambia , obtendo
primeiro a indispensável licença do Infante, que folgou
ranto com esta determinação, que mandou em compa
nhia delles huma Caravela sua.
No principio de Maio sahírão de Lagos as três
Caravelas , e em poucos dias virão as Onarias, onde
hão quizerão demorar-se , para aproveitarem o bom
vento que trazião ; e seguindo a Sua derrota , reconhe
cerão Cabo Branco , do qual se amararão hum pou
co, e na noite seguinte as assaltou huma tempesta
de de S.O. , com que se puzerão á capa no bordo de
O.N.O. porrres dias, e duas noites, e ao terceiro dia vi
rão com espanto duas Ilhas, de que n imo folgeárão por sa
berem , que erão ainda desconhecidas; e dirigindo-se
a huma, que era grande, rodearão alguma parte delia,
até descobrirem hum local , que lhes pareceo bom sur
gidouro; e abonançando o tempo, enviarão huma lan
cha bera armada a examinar se havia povoação.
Desembarcarão os Porttguezes , e não vendo cami
nho, nem vestígio algum de gente, voltarão para bor
do; e na manhã seguinte mandou Cadamosto á mesma
diligencia doze homens armados, com ordem de subi
rem a hum monte mais alto , e observarem se havião
outras Ilhas. Estes homens acharão muitos pombos,
que se deixavão tomar á mão , e do monte descobrirão
outras três Ilhas grandes, huma das quaes ficava para

o panno com qUe navegavão etc. , fossem estas cousas escriptas com
bom methodo , ou não.
.^Eu estou persuadido, que ainda existem alguns Diários Originaes
dos nossos antigos Navegantes; oxalá que saião á luz para honra da
Nação !
(O Vede a Segunda Viagem de Cadamosto nas Memorias da Aca
demia ja citadas.
129
©■Norte , e lhes pareceo verem para o Sul a modo de
outras; assim as Ilhas agora descobertas erao quatro.
Desta primeira Ilha se dirigirão as Caravelas ás
outras duas , que não ficavão tanto a sotavento da der
rota , que deviao seguir para a sua coramissão, e ro
deando huraa delias, que parecia cheia de arvoredo,
descobrirão a boca de hum Rio, qtie julgarão seria de
boa agua, e surgirão para se proverem delia. Aqui des
embarcarão alguns homens da Caravela, e caminhando
pela margem do Rio, acharão algumas lagoas de excel-
lente sal ; daqui embarcarão muito , e os navios reno
varão a sua aguada. Colheo-se quantidade de grandes
tartarugas , cuja carne era tão branca , como a de vitel-
la , e de óptimo gosto, e por isso salgarão muitas para
a viagem ; e o peixe era innumeravel , algum de espé
cies novas, e muito saboroso. O Rio tinha de largo
hum tiro de seta, e podia entrar nelle qualquer em
barcação de 75/ toneladas. Nesta Ilha se demorarão
dous dias, matando infinitos pombos, e puzerão o no
me de Boa Vista á primeira que descobrirão; e a esta
segunda ode S. Tiago, por ter ancorado nella dia de
S. Filippe, e S. Tiago (i).
Partirão as Caravelas na volta de Cabo Verde,
e em poucos dias avistarão terra em hum lugar chama

fi) Acho aqui huma contradiccáo manifesta: Cadamosto conta ,


■que sahio de Lagos 110 principio do mex. de Maio, e que deo o nome de
S. Tiago a esta Ilha, per haver ancorado -nella no dia de S. Filippe, e
S. Tiago, que hc justamente no primeiro daqnelle me7. Creio por tanto
haver erro de impressão, 011 de copista na data da sua sahida de Lagos,
escrevendo-se Maio em lugar de Abril. Concorda isto com a narração
de Góes (Chronica do Príncipe D. João, Cap.° 8.°, em que colloca esta
Viagem no anuo de 144;), onde diz: Deita ver. descobrirão estes Ca-
valleiros as Ilhas de Cubo Verde , levando dezeseis dias de viagem ; e á
primeira que virão chamarão da Boa Vista , e á outra S. Filippe , por
chegarem a ella no l.° de Maio; e á terceira chamarão do Maio pela
TBeitua razão.
17
130
do as Duas Palmas (i), entre o Cabo e o Senegal; e*
coprendo a Costa , na manhã seguinte dobrarão o Ca
bo, e chegando ao Gambia, entrarão logo por elle , na
vegando de dia com a sonda na mão. As Almadias
dos Negros andavão ao longo das margens , sem ousa
rem chegar-se. Cousa de oito milhas da barra acharão
huma Ilhota, era que surgirão, e lhe chamarão de São
Thomé , por ser o nome de hum marinheiro , que alli
sepultarão (a)»
Deixando a Ilha , continuarão a sua navegação pe>-
lo Rio seguidos das Almadias dos Negros, que a final,,
attrahidos com mostras de alguns pannos, e seguranças
de paz, e amizade, vierão á Caravela de Cadamoste,
a que subio hum, que fallava a lingua do interprete, e
se mostrou maravilhado de ver a grandeza do navio,, e
sobre tudo das velas, porque elles não as usão nas suas
Almadias; e igualmente se espantava da cor branca , e?
do trajo dos Portuguezes. Estes acariciarão muito o Ne
gro, e elle disse que estavão no Paiz do Gambia; cu
jo principal Senhor se chamava Forosangofi,. que habi
tava a nove ou dez jornadas de distancia pela terra
dentro para a parte do Sueste, e dependia de Melli, c*
grande Imperador dos Negros; mas que havião outros
muitos Senhores menores, que vivião junto das- mar
gens do Rio, e que elle os levaria a hum destes por
nome Battimawsa , com quem poderião tratar amizade..
Acceitou-se-lhe a offertar, e sendo bem recompen
sado, ficou a bordo, e as Caravelas continuarão. a su
bir o Rio, levando a proa sempre ao Nascente, até?
que chegarão ao Estado de Batrimansa,. que ficava per-
(1) Não achei este ponto notado em. Carta alguma; e creio que sâ
foi reconheci.!:) de Cadamouo , por haver alli notado aquellas duas Pal
meiras na sua primeira Viagem.
(2) He provável que esta..Jlhota de S. Thomé seja a Ilha de James,
do3 In^leze.».
131
to de cincoenta milhas da foz; e aqui a largura do Rio
mo chegava a huma milha , e era o ponto mais estrei
to delle , cm que desaguavao muitas ribeiras. Surtas as
Caravelas , mandou-se com hum dos interpretes o mes
mo Negro a Battimansa, com hum presente, e propo
sições em nome d' EIRei de Portugal, para estabelecer
boa amizade, e correspondência commercial , o que o
Regulo acceitou , e por seu mandado vierao Negros
a bordo, com quem os Portuguezes vantajosamente tro
carão grande somma dos géneros, que levavão , por es
cravos, e huma boa porção de ouro, ainda que inferior
á quantidade que desejavão. E havendo-se demorado
onze dias, como a gente começou a adoecer de febres
agudas , se fizerão á vela.
Segundo as poucas noticias, que poderão obter, al
guns destes Negros são Mahometanos, outros Idolatras;
e os seus costumes, e governo similhantes ao do Sene
gal , porém vestem-se melhor. As suas Almadias não
tem velas, nem toíetes ; os remeiros vão em pé, reman
do com humas pás quasi redondas, fazendo o ponto
de apoio em huma das mãos, e na popa vai hum ho
mem também governando com huma pá. Como estas
■embarcações são muito estreitas, e mergulhão pouco,
movem-se com extraordinária rapidez. Neste Rio faz
maior calor, que no mar, por causa do alto arvoredo,
cjue assombra as suas margens, onde se achão arvores
tão corpulentas , que se médio huma, não das maiores,
e tinha no pé cento e setenta palmos de circumferen-
cia. São muitos os elefantes, que cria este Paiz, os quaes
os Negros não sabem domesticar, e os matao 'com aza
gaias, e setas hervadas; e de hum pequeno, que elles
matarão nesta occasião (que teria tanta carne, como
cinco, ou seis touros) trouxe Cadamosto ao Infante
hum pé, c parte da tromba salgada , com hum dente
de outro grande, que tinha doze palmos de comprido \
17 ii
132
cujo presente o Infante estimou sobremaneira , e man
dou tudo á Duque/a de Borgonha. Ha também neste
Rio muitos cavallos marinhos, e infinito peixe.
Sahidos do Rio, navegarão a Oeste para se afas
tarem da Costa , que he mui baixa , e depois continua
rão ao Sul, navegando só de dia, com boas vigias, er
Eouca vela , dando fundo todas as noites. As Caravelas
ião huma na esteira da outra , e cada dia por escala
tomava huma a vanguarda. Ao terceiro dia virão hum
Rio (i), que teria de largo meia milha ; e logo adian
te hum pequeno golfo, que mostrava ser embocadura
do Rio (2); epor ser ja tarde, surgirão^ Na manhã
seguinte se fizerão á vela , e engolfando-se algum tan
to, descobrirão outro grande Rio, cujas margens esta-
vão revestidas de bellissimas arvores. Aqui derão fun
do, e mandarão duas lanchas armadas com os inter
pretes a tomar lingua da terra^ as quaes voltarão com
a noticia, de que este Rio se chamava de Casamansa,
nome do Senhor daquelle Paiz , que habitava cousa de
sete legoas por elle acima, e não se achava então alh ,
por haver ido á guerra : por esta causa se partirão no>
dia seguinte, avaliando a distancia do Rio ao Gambia
em setenta e cinca milhas (3)..

(1) Parece- que seria o Rio de S. Pedro, oito ou nove legoat ao*
Sul do Gambia.
(2) Devia ser n Rio de Santa Anna, ou a boca do Norte do Rio
das Ostras, que ambos ficáo ao Sul do Rio de S. Pedro.
(<) O Rio de Casamansa está situado (a. ponta do Norte) na lati»
tudí de 12o 28', e longitude de i° jo', e dista do Gambia sessenta
milhas, com pouca differença. Podem entrar nelle embarcações media
nas , porque tem duas milhas de largo-, e de três a quatro braças de
fundo. Toda a Costa , entre elle e o Gambia , he guarnecida de reci
fes , a que I12 perigoso aproximar-se. Da banda do Norte da sua entrada
fica huma Ilha pequena, chamada dos Mosquitos. Este Rio communi-
oa-se por dous braços com o Gambia, e por quatro, ou cinco com o de-
Çacheo, Habitão o Pajz entre elle e o Gambia os Arr iates, e Falupos>
133
Continuando a sua viagem , virão mais adiante
cousa de quinze milhas hum Cabo, cujo terreno era
mais alto, e avermelhado, e por isso lhe puzerão o
nome de Cabo Roxo (i); e além delle acharão outro
Rio, que lhes pareceo ter de largura hum tiro de bes
ta, e denominarão Rio de Santa Anna ; e mais adiante
outro da mesma grandeza, a que chamarão de S. Do
mingos (2); de Cabo Roxo a este ultimo Rio arbitra
rão a distancia em quarenta e cinco milhas, pouco mais
ou menos.
Continuando a seguir a Costa por outra singradu-
ra, chegarão á boca de hum grandíssimo Rio, que pri
meiro cuidarão ser hum golfo (3), cuja largura reputa
rão ser de mais de quinze milhas ^ e dobrando a ponta
do Sul da sua foz, descobrirão algumas Ilhas ao mar;
e desejando saber algumas noticias do Paiz, derão fun
do. No dia seguinte vierão duas Almadias, huma mui
to grande com trinta Negros, e outra com dezeseis, e

Negros mui arcvichadòs, e boçaes-, que cultivao arroz , milho, e outros


mantimentos , e muito gado , e são bons pescadores ; as armas de que
usáo , são frechas , e facas.
(1) Cabo Roxo está situado na latitude N. de 12* 17', e longitu
de i° 22'. A traducçSo diz Cabe Vermelho , mas eu não adoptei este
nome, por não confundir este Cabo, que se acha hum pouco ao Sul da
Bahia de Rufisco, em 14o 57' de latitude, e o°"5â de longitude, com
-o Cabo de que falia aqui Cadamosto, o qual ainda conserva a denomi
nação de Roxo.
(2) Passado Cabo Roxo, o primeiro Rio, a que Cadamosto cha
mou de Santa Anna, he o Rio de S. Domingos, ou de Cacheo; e o
segundo, a que elle deo este nome , he o braço do Norte do Rio cha
mado das Ancoras nas Cartas Ingle?as. Os Navegantes, que se/lhe se
guirão, restituirão ao de Cacheo o seu verdadeiro nome , e esquecerão
o de Santa Anna. Este Rio de Cacheo está na latitude N. de ia'.is'j.
e longitude i° 2)'.
(j) Talvez seria este Rio o braço do Sul do das Ancoras, ou an
tes o Rio de. Bissau, que pela curvatura da terra se figuraria a Cadamo*»
to muita maior.
1S4
depois de fazerem recíprocos sigmes de paz . abordoa
a primeira á Caravela deCadamosto, que tinha a sua
genre em srmas. Os Negros mosrraváo-se pasmados de
rer gente branca, e da forma, e mastreação das Cara
velas; porém como nenhum dos interprete*; os" pôde en
tender, não souberão os Portugueses nada do que desc
aio; e só comprarão alguns peauenos armeis de ouro.
Dous dias se demorarão as Caravelas, e conhecen
do os Commandantes que -estavao em Paizes novos, onde
não podião ser entendidos, e que o mesmo lhes succe-
deria d'alli por diante, regressarão a Portugal. Neste
Rio tornou Cadamosto a notar, que a estrella do Norte
epparecia muito baixa; e vio hum fenómeno, D?.ra elle
novo, e foi ; que a enchente da maré d-jrava quatro ho
ras , c a vasante oito , e no principio da enchente era tal
a força da corrente , que ainda surtas a três ancoras
não se podião as Caravelas aguentar, e algumas vezes
íorão obrigadas a fazer-se á vela com bastante perigo.
Partindo deste Rio, fizerão-se na volta do mar pa
ra reconhecerem as Ilhas (i), que ficavão" sete, ou oito
legoas da terra firme , e chegando a ellas , acharão duas
grandes, e outras pequenas: as duas grandes erao razas,
com frondosos arvoredos . e habitadas de Negros , cuja
linguagem não entenderão.
Daqui tomarão rumo para as partes dos Chri-
staos , para as quaes tanto navegarão, até que Deos
por sua misericórdia os conduzio a bom Porto.
1446 — Neste anno (se não foi 110 antecedente)
partirão por ordem do Infante Antão Gonçalves, e Dio
go Afrbnso (2) era duas Caravelas, e com elles Gomes
(1) Indo do Rio de Cacheo para o Sul , ficáo da parte de Oeste
iiiiiK.is Mia*, hum.it povoada?, e outras não.
O) Vedí Barroj , Decaia 1.*, L.* 1., Cap. o. — Soarei da Silva,
tomo i.°, Ca;i.° 84. — Faria e Soma , Ajia Portugueia, tomo l.%
Vtr.i 1.", e to.no j." no rim. — António Galvão, pag. 24.
135

Pires em huma do Infante D. Pedro, cora instrucçãcs


para entrarem no Rio do Ouro, e darem principio á
jntroducção do Christianismo entre aquelles Povos, ou
estabelecerem algumas relações commerciaes. Mas co--
mo regeitárão humas e outras proposições , os três
Commandantes regressarão para Portugal, trazendo só
hum Mouro velho, que voluntariamente os quiz acom->
panhar (e o Infante mandou restituir á sua pátria) , e
hum Negro que comprarão. Aqui ficou entre os Bárba
ros hum Escudeiro por nome João Fernandes, com o
projecto de examinar o interior do Paiz habitado pelos
Azenegues, para informar depois o Infante do que vis
se, ajustando com Antão Gonçalves a época em que
havia tornar por elle.
1446 — Partio do Algarve Nuno Tristão (1) por
Commandante de huma Caravela, e desembarcando ao-
Sul do Rio do Ouro, assaltou buma Aldêa , em que
cativou vinte pessoas i e com ellas voltou a Portugal.
1446 — Neste anno expedio o Infante (2) a An
tão Gonçalves por Commandante de três Caravelas,
sendo os outros dous Garcia Mendes, e Diogo Affonso,.
com ordem de ir buscar João Fernandes (por serem
passados sete mezes que lá estava) 5 objecto este do seu
maior interesse, pelos desejos que tinha de saber por
elle noticias exactas daquelres Povos , e dos recursos
commerciaes do Paiz , por ser homem que entendia
bem o idioma dos Azenegues,
Hum temporal espalhou os navios, e Antão Gon
çalves foi o prrmeiro que chegou ao Cabo Branco , on
de arvorou huma grande Cruz de páo, para servir ás
(1) Vede os Escritores acima citados, menos Galvão, que não faz
menção desta pequena viagem.
(3) Vede tarros , Cap." 10. — Soares da Silva, Cap." 8;. — Fa»
m e Sousa nos mesmos lugares citados, onde põe esta viagem no an
ão de 1447» — Galvão não faz menção delia.
136
outras Caravelas de signal de haver alll aportado; e
por fazer alguma prosa , que lhe compensasse os traba
lhos da viagem , depois de desembarcar sem fructo era
alguns pontos da Costa, demandou a Ilha de Arguim,
a que a abundância da pesca attrahia quantidade de pes
cadores (r), a pesar do risco a que os expunhao os fre
quentes assaltos dos Portuguczes.
Nesta Ilha se lhe reunirão as outras duas Caravelas,
c como os Mouros havião desamparado a Ilha, por te
rem descoberto os navios, desembarcou Antão Gonçal
ves na terra firme, e dando em huma Aldeã, se bera
que os Mouros se puzerão a tempo era fuga, como cos-
tumavão, cativarão os Portuguezes no alcance vinte e
cinco , dos quaes Lourenço Dias de Setuval tomou no
ve, por ser mui ligeiro. Quando voltavão mui alegres
desta espécie de caçada, encontrarão João Fernandes,
que havia dias os andava esperando por aquella Costa,
e posto que muito queimado do Sol, vinha bem pen
sado e gordo , e acompanhado de alguns Azenegues,
tanto para o defenderem dos pescadores, como para
traficarem com os Portuguezes ; e com effeito Antão
Gonçalves lhes. comprou nove Negros, e algum ouro

(1) Segundo o testemunho positivo de Cadamosto , que ja referi,


começava-si a construir nesta Ilha hum Forte no anno de 144c por
ordem do Infante, e concentrava-se alli o Commercio daquella Costa,
cessando em consequência toda esta guerra de assaltos, e cativeiro dos
naturaes do Paiz ; mas esta viagem, e as outras emprehendidas neste an
no, e no seguinte , desmentem aquella asserção, e a dificuldade não
p,)de resolver-se , senão ou negando a authoridade de Cadamosto, que
lie mii grande peh credito que lhe dã Damião de Góes, 011 suppon-
ào erro na; dita* destas Viagen--. Com effeito, os nossos Historiadores
sã.T ino.uvdisek. nas épocas dos descobrimentos da Africa ! Fu não
decida a questão , siga cada hum a opinião que lhe parecer mais pro
vável ; sú aJvirto, que não falta quem duvide da veracidade de Ca
damosto.
137
era pó, e por esta causa chamou áqueTTe lugar Caba*
d* Resgate (iV • ",
Para celebrar este feliz encontro com João Fer-->
nandes , armou Antão Gonçalves Cavalleiro a Fernão
Tavares , homem de nobre nascimento, que havendo-se
achada em brilhantes acções militares, não quiz nuricsr
receber similhante honra, senão nesre Paiz, por rer no
vamente descoberto; e fazendo^se á-véia para Portugal,,
veio correndo a Costa, e em Gabo Branco assaltou hn-;
ma Aldeã, em que1 cativou cincoenta e cinco pessoas,'
depois de hum combate, em que morrerão alguns Mói*'
ros; e chegou ao Reino a salvamento.
O Infante folgou muito mais de ver João-Fèrnan-
des, que o ouro, e os escravos que as> suas Gira velar
trazião, e delle soube: Que os Azenegues do interior
daquelle Paiz erão pastores, que viviáo em Aduares,
ou Tribus, e se nutrião de hervas, sementes dos cam
pos, e gafanhotos seccos ao Sol , ou de leite do seu.
gado, que também ás vezes lhes servia de bebida , por*
se não achar agua, senão de poços, quasi salobra, e
ainda em poucos lugares, para onde transporfavão os*
rebanhos, segundo as estações do anno ; e só comiao
carne de alguma caça que raatavão. Que os habitan
tes da Costa erão pescadores, cujo alimento consistia
em peixe fresco, ou secco', sem sal. Que o Paiz era
rodo de planície, parte areal, parte charneca, onde de
longe em longe crescia© algumas palmeiras , e figueiras
bravas -, e assim , por falta de pontos de direcção, quan
do os naturaes querião fazer Juima jornada para mudar
de pastos,, governavão-sc pelos ventos , estfelJas, e voo
daquellas avessque &estu<naão frequentar os lugares po
voados. Que as suas habitações erão tendas', em que

(O N&5 atliei ' este- Cabo mareado nas Garras-; mas sem duvida he
•alguma ponta de terra fronteira á Ilha de Arguin». '<.
id
138
vivião humas Tribus independentes das outras, e mui
tas vezes em guerra pela posse de hum pedaço de terra
de hervagera , ou de hum poço. E que o seu idioma
era quasi idêntico ao dos Mouros da Barberia.
De resto, João Fernandes, ainda que foi logo des
pojado dos vestidos por estes Azenegues, não recebeo
delles outro damno , e habituando-se em breve ao seu
modo de vida, e de sustento, mereceo a confiança de
Huade Meimora , hum dos principaes Azenegues , que
vivia com mais commodidades que os outros; e foi
quem o mandou com alguns dos seus a esperar os na
vios (i).
• 1446 — Neste anno Gonçalo Pacheco, Thesourei-
10 da Casa de Ceuta , rico Cidadão de Lisboa , armou
huma embarcação á sua cusra , com a necessária licen
ça do Infante , para a mandar á Costa de Africa (2) ,
cujo cominando deo a Diniz Anncs da Grã , Escudeiro
do Infante D. Pedro ; e em sua conserva forão Álvaro
Gil, Ensaiador da Moeda , e Mafaldo (não se lhe sabe
o nome), por Commandantes de duas Caravelas. Che
gados a Cabo Branco, acharão hum escrito de Antão

(1) A narração de João Fernandes, ainda que tSo antiga, concorda


com a do lnglez Mungo Parker, que visitou aquelles Paizes no século
actual.
(a} Vede os Authores ia citados : Faria põe esta Viagem em 1447.
Vede Soares da Silva, Capítulos 85 , e 8.7. — Faria e Sousa nos
lugares citados, que colloca esta expedição em 144.7. — Iam s no
lugar ja indicado, pag. 87 , diz que as Caravelas salmão de Lagos • 10
d'Agosto de 1445 , no que ha engano, pois norrta entre os Comman
dantes a Diniz Fernandes , o que primeiro panou à terra dos ííegrn y
isto he , a Cabo Verde ; e no Cap. 9. , pag. 7 j , e 740 faz descobridor
deste Cabo em 1 446. Creio que devem trocar-sc estas datas.
JY.B. A ediç.ío de Barros, de que trato, he a de 1778. — Góes
também põe esta Viagem (Cap. 8 ) em 1445 , na Chronica do Princã»
f* D. João.
139
Gonçalves, em que avisava a rodos os navios se poupas-'*
sem ao trabalho de desembarcarem -allí, por quanto el-J
le deixava destruída a Aldeã dos Mouros. Com esta
noticia , e por conselho do Piloto- João Gonçalves C3al- -
lego, dirigírão-se á Ilha de Arguira, em qife cativarão
sete indivíduos ; e Mafaldò , instruído por hum dos ca-1
tivos, desembarcou ! ria terra firme, e àtacarido huma
Aldeã, tomou quàrenra e sete pessoas: depois executa
rão outros desembarques inúteis.^'! r. /.") oí _ '. . ... t i
Desconfiados de fazerem1 desta v&t mais prezas;*'
pela cautela com que os Mouros se vigiavão^ nâvegá--*
tio oitenta legoas de costa para o Sul , e dalli voltarão
á Ilha das Garças a fazer carnagem ; e nesta ida, e na:
volta desembarcarão algumas vezes , e cativarão cin-'
coenta pessoas , com perda de sete homens , que os'
Mouros lhe matarão em huma das outras Ilhas de Ar-
guim, por metterem a lancha em paragem tal , que fi-«-
cou em seeco. Na Ilha das Garças acharão Vicente-
Dias , Commandante de huma Caravela , que se desgar
rara da conserva de outras, que vinhão de Portugal pe
lo motivo seguinte:
Os moradores de Lagos (obtendo licença do In
fante para mandarem navios ú Africa) armarão huma
Esquadra de treze Caravelas ,: e huma Fusta, de que
elle nomeou Commandante em Chefe a Lançarote, ja
conhecido pelas suas navegações. Alguns dos Comman-
danres erão Fidalgos, como Soeiro da Costa , sogro de
Lançarote, e Alcaide Mor de Lagos, que na sua moci
dade fora Moço da Camará de ElRei D. Duarte, e ti
nha servido com gloria nas mais famosas baralhas da-
quelle século, tanto na França, como na Hcspanha ; e
Álvaro de Freitas, Comtnendador de Aljezur, prárico
na guerra Africana : hião mais por Conimandantes Ro
drigo Annes Travassos, Criado do Infante D. Pedro,-
Palançano, que quasi toda a sua vida servira contra os
18 ii
*40r
Mouros^ L-outenço. Dlaí, Gorne3 Pires Picanço, Vicen
te Dias, Gomes pires, Paírão d' EIRei , e outros.
• Ao mesmo tempo sahiáo com igual destino da Ilha .
dá Madeira Tristão Vaz, Capitão Mor de Ma eh iço, e
Álvaro de OrnellaSj pada hum em sua Caravela, os
quaes, antes de chegarem a Cabo Branco, se retirarão
maltratados do tempo ; e em outra^ Caravela da mesma
Ilha Álvaro Fernandes , sobrinho-do Capitão Mor do
Funchal João Gonçalves, da Camará, que não arribou,
ante6 seguindo sua derrota } passou mais longe que to
dos, como logo se verá. ...
Alem destas Caravelas , partirão outras de vários
Portos., em que forão Diniz Fernandes, Descobridor de
Cabo Verde, por Çomraandante de huma de D. Álvaro
de Castro, João de Castilha Commandante de outra de
Álvaro Gonçalves de Ataide , Camareiro Mor d' EI
Rei ; e dos outros Cornmandames se ignorão os no~
naes , mas erão poe .todas Yinte e seis Caravelas ,, e hu
ma Fusta. -.-. .; •.-.-.. ')■.■•.'>.',,' ' ':
-.. ; A Esquadra .de Lançarote sahio de Lagos a iode
Agosto deste anno de 1446, e teve logo hum tempp,
oue separou os navios; porém- havendo elle dado a Ilha
das-Ganças por ponto- de reunião, todos se dirigirão a
el[a, «o primeiro que alli ancorou foi Lourenço Dias;1
ecsta-odo a fazer aguada , chegou Dinij Annes da Grã
com. as suas três Caravelas, e sabendo da vinda da Es
quadra,' aguardou por ella, , para se vingar dos Mou
ros, .que lhe matarão os sete homens. Dous dias depois
appaseceo Lançarote com nove Caravelas, e preparan
do- se para o assalto, que projectava dar, .fugirão en
tretanto os Mouros para o Continente, de maneira que
só acharão doze na Ilha de Argujm, de que cativarão
quatro , morrendo oito na peleja cora os Portuguezes,
e destes hum único. Soeiro da Costa quiz ser aqui ar
mado Cavalleiro por Álvaro de Freitas,- havendo cri
141
geitado esta honra em outros Paizes depois de acções
sem comparação mais importantes. Diniz Annes, tam
bém armado Cavalleiro nesta occasião , achando-se com
falta de víveres, partio com as suas três Caravelas para
Portugal.
Reunidas agora todas as Caravelas de Lançarote,
poz elle em c nselho atacar a Ilha de Tider; e appro-
vado o plano, destacou três Caravelas, que de noite se
mettêrão no canal, que separa aquella Ilha do Conti
nente, pava evitar a fuga dos Mouros; os quaes , ape-
zar disso, favorecidos das trevas, passarão todos á ter
ra iírme; e ao amanhecer , vendo que as Caravelas se
queriao retirar, começarão a dar-lhes grandes apupa
das, o que ouvindo Diogo Gonçalves, Moço da Cama
rá do Infante, que se achava em huma delias, convi
dou a Pedro Alemão, natural de Lagos, para saltar
com elle em terra ; e tomando ambos algumas armas
offensivas, lançárão-se a nado. Os Mouros , julgando
teríao delles fácil victoria, porque a praia era ioda de
vasa solta, os vierão receber á borda d'agua com tal
gritaria, que incitados os da Caravela , saltarão logo ao
mar quantos sabião nadar , sendo os primeiros Gil Gon
çalves, Escudeiro do Infante, e Leonel Gil, e todos
juntos accommettêrão os Mouros tão corajosamente,
que doze delles ficarão sepultados no lodo, em que se
mettêrão para embaraçar aos Portuguezes de tomarem
pé no chão firme ; outros morrerão em terra pelejando ;
e cincoenta e sete vierão cativos para bordo. Não con
tentes os Portuguezes desta victoria, marcharão no mes
mo dia a huma Aldeã distante sete íegoas, cuidando
achar nella os que havião escapado da acção, porém
tudo estava ja deserto; e apenas colherão cinco Mou
ros em outra correria , que fizerão no dia seguinte.
Depois deste acontecimento, chamou Lançarote os
Commandantes da sua Esquadra , e lhes expoz que , se
142
gtindo as instrucçoes do Infante, estava cumprida a
primeira parte da sua commissao , que era destruir
os Mouros das Ilhas de Arguim, o que acabavão de
conseguir •, e restava só executar a segunda parte ,
que se reduzia a que cada hum delles podia desde
logo seguir livremente o destino que bem lhe pareces
se. Que em quanto a elle , hia correr a Costa para o
Sul com a sua Caravela, se alguém queria fazer-lhe
companhia.
Soeiro da Costa , Vicente Dias, Rodrigo Anne?,
e Gomes Pires Picanço , por terem as Caravelas mais
pequenas, e recearem o inverno, que se aproximava,
determinarão regressar a Portugal. Gomes Pires, Ál
varo de Freitas, Rodrigo Annes Travassos, Lourenço
Dias , e outros Coramandantes quizerão acompanhar
Lançarote.
; Soeiro da Costa, constituindo-se Commandante das
quatro Caravelas pela authoridade que lhe dava o seu
cargo de Alcaide Mor de Lagos, a cuja Cidade perten-
cião, foi buscar Cabo Branco, onde surgio, e cora as
lanchas entrou sete legoas por hum braço de mar até
huma Aldeã, em que cativou so nove Mouros, por fu
girem os outros. E pouco satisfeito de tão diminuta pre
za, despedio para o Reino as três Caravelas, e voltou á
Ilha de Tider, esperando ainda fazer bom negocio cora
huma Moura, e hum Mouro pequeno, que tinha cativa
do, e promettião dar por isso grande preço. Chegado á
Ilha, cm quanto se ajustava o resgate, derão os Mou
ros em reténs hum dos seus maioraes, e Soeiro da Cos
ta deo o Mestre da Caravela , e hum Judeo que levava
comsigo. Entregou-se primeiro aos naturaes o Mouro
pequeno, e quando Soeiro da Costa esperava o resgate
para lhes entregar a Moura , fugio esta a nado, e ficou
elle sem o resgate, e sem os cativos; e para recolher os
seus dous reféns, foi obrigado a soltar mais três Mou
143
j ros dos que cativara. Com o sentimento deste mão rc-
t sultado, voltou para Portugal.
Entretanto os Commandantes das três Caravelas
r partirão de Cabo Branco com intenção de fazerem al
gum desembarque na Ilha da Palma , e encontrando a
Caravela de João de Castilha, que se dirigia aArguim,
o persuadirão a acompanha-los na sua premeditada ex
pedição , no que elle consentio. A primeira Ilha a que
aportarão foi a Goroeira , onde os Capitães Canareos
Piste, e Brucho, que a governarão , os receberão bem ,
confessando-se por muito obrigados ao Infante do tem
po que estiverão em Lisboa. Os Commandantes das
quatro Caravelas, aproveitando-se da sua boa vontade,
lhe pedirão auxilio para atacarem a Ilha da Palma, da
qual os da Gomeira erão inimigos; e em consequência
embarcarão-se os dois Capitães Canareos nas Caravelas
com alguma gente sua, por fazerem serviço ao Infan
te.
Ao amanhecer surgirão os Portuguezes no Porto
da Palma , e desembarcarão logo. Os primeiros habi
tantes , que encontrarão , forão huns pastores com mui
to gado ovelhum, os quaes fugirão com elle por pe
nhascos, e rochedos, que trepavão com extraordinária
agilidade ; mas seguidos com igual presteza pelos da
Gomeira, e mesmo dos Portuguezes, de que alguns cahí-
rão, e hum se fez em pedaços. Neste perigoso alcan
ce se distinguio Diogo Gonçalves, que já se havia as-
signalado em Arguim. Aos pastores acudirão muitos
dos naturaes, que escudados com os penedos, faziao ti
ros de arremesso aos invasores , que por fim se retira
rão com dezesete prisioneiros , em que entrava huma
mulher de estranha corpulência.
Da Palma forão as Caravelas desembarcar os dois
Capitães da Gomeira no lugar em que os receberão
a bordo ; e aqui João de Castilha teve a arte de per
144
«uadir aos outros Commandantés, que lhes seria mais
útil fazerem alguma preza nesta mesma Ilha; e ainda
que elies bem conhecerão a infâmia de similhante pro
cedimento, dominados por liuma sórdida cubica, con-
vierão no projecto. Julgando porém faze-lo menjs
odioso-, sahírao daquelle Porto, e forão enrrar em ou
tro, onde aprisionarão vinte e hum indivíduos , que
conduzirão a PortugaL O Infante, irritado desta trai
ção, punio os aggressores , fez vestir á custa delles os
Canareos, e os mandou depois transportar á Gomeira ,
satisfeitos, e contentes cora as mercês, que lhes distri-
buio.
Despedido Lançarote de seu sogro Soeiro da Cos
ta , seguio ao longo da terra para o Sul até chegar ao
Rio Senegal; e entrando nelle , mandou Estevão Af-
fonso em huma lancha a descobrir o que podesse. Des
embarcou elle sem armas em hum areal , onde vio hu
ma cabana , na qual tomou hum Negro , e huma Ne-
fra, ambos de pouca idade; e sentindo pancadas em
um arvoredo visinho, foi reconhecer o que era, e deo
com hum Negro robusto (pai dos dois da cabana), que
estava cortando hum pão, e tão attento no que fazia,
que não vio a Estevão Affonso, senão quando este lhe
pôz a mão. Vindo ambos a braços, o Negro, que era
grande, e forte, o levou debaixo; porem acudindo al
guns homens da lancha, fugio por entre o arvoredo, e
em quanto o buscavão, sahio por outra parte sem ser
descoberto , e correo á sua cabana. Não achando os
iilhos, seguio-lhes o- rasto até á praia, na qual passeava
mui seguro, abordoando-se com hum bicheiro, Vicen
te Dius, proprietário da Caravela a que pertencia a
Lincha. O Negro o investio com desesperada fúria,
dnndo-lhe primeiro com huma azagaia de arremesso
vlos queixos, o que Vicente Dias retribuio, fazendo-
í;
Jic huma boa ferida na cabeça, com o bicheiro j e ua-
vados ambos corpo a corpo , acudio ao Negro outro
filho seu, já homem; e com difficuldade escaparia de am
bos Vicente Dias , se não chegasse Estevão Affonso com
outros companheiros, a cuja vista os Negros se pozerao
em salvo tão ligeiros , que não foi possível alcança-los.
Galanteou-se abordo das Caravelas com esta aventu-
ra, e Lançarote conveio com os outros Commandantes, em
penetrarem no Rio, para o reconhecer todo; mas hum
vento furioso, que se levantou, os obrigou a sahir, se-
parando-se Rodrigo Annes Travassos, e Diniz Dias, que
se recolherão a Portugal.
Lançarote com as cinco Caravelas restantes, seguio
a derrota para Cabo Verde, e foi surgir em huma Ilhota
próxima á terra firme (i), em que matarão muitas ca
bras, que salgarão para seu uso; e acharão gravada nos
troncos das arvores a divisa do Infante, Talent de bien
faire. Era isto obra de Álvaro Fernando , que na sua
viagem veio ter a esta Ilha , e pelejou com seis Alma-
dias de Negros , de que tomou uma com dois delles ;
e passando avante descobrio o Cabo dos Mastros (z)
a que deu este nome, por ter humas palmeiras seccas,
que de longe paredão mastros de navios ; donde voltou
para o Reino.
Lançarote, depois de estar dois dias na Ilha para
se prover de agua , passou á terra firme , e mandando
Gomes Pires na lancha a tratar amizade cora os Negros,
este não obteve delles , senão frexadas , de que escanda
lizados os Commandantes das Caravelas, resolverão as
saltar no dia seguinte as Aldeias; porém sobreveio hum
temporal, que os forçou a fazer á vela, e a tomar cada
hum o bordo que melhor lhe convinha. Lourenço Dias

(O Suspeito será Gorca , situada em Lat. N.' 14^ 4o1 10", e


Long. o" 45, distante 1200 toezas da terra mais próxima.
( 2 ) He huma ponta da terra pouco ao Sul da Eahia de Rufisco,
l9
146

correo até ao Senegal , onde não oiizou deter-se, por


falta de armas, e viveres, c voltou a Portugal. Louren
ço Pires veio ao Rio do Ouro: alli comprou hum Ne
gro, e reccbeo huma porção de pclles de lobos marinhos,
que os Mouros lhederão, dizendo, que se voltasse no
anno seguinte, terião para lhe vender quantidade de es
cravos, e ouro em pó; e com isto se recolheu ao Reino.
Lançarote, Álvaro de Freitas, e Vicente Dias, con
servando se unidos durante a tormenta, fôrao de com-
mum acordo á Ilha de Tider, em que capti varão cin-
coenta e nove pessoas, com que voltarão a Portugal.
Diniz Fernandes, e Palaçano, que havendo-se extra
viado na viagem das quatorze Caravelas, tinhlo navega
do em conserva um do ourro , quando chegarão a Ar-
guim, souberão que os Mouros havião abandonado as
Ilhas, e- em consequência determinarão hir ao Senegal,
porque Diniz Fernandes já conhecia aquella Costa do
tempo que alli veio. Dobrando o Cabo Mirick para o
Sul ( i ), e estando o tempo de Calmaria, quizerao el-
les mandar alguém, que a nado fosse tomar terra ; e
examinasse se naquellas proximidades existia alguma Al
deia; e posto que o mar andasse banzeiro, e de gran
des vagas , doze homens da Fusta de Palaçano se lança
rão a nado, levando armas ofensivas, e ganhando a praia.
a fórão seguindo, até encontrarem doze Mouros, de que
caprivárao nove, e com elles tornarão ao navio. No
mesmo instante sobreveio tanto tempo , que a Festa

Cl) Ainda que Barros ( Oap. l j , paf. 1 1 6 ") noméa aqui a ponta de
Santa Anita , não me parece isto e\acto; porque Diniz Fernandes, e
Palaçano vinhão de Arjjuún , cujas Ilhas ficáo ao Sul daquella ponta,
ou Cabo de Santa Anna , situado na Lar. N. ao° jj ', e Long i' íç'
Ora na posição em que estavão as duas Caravelas, só tinháo que dobrar
o Cabo Mirick fcuja Lat. são 19o 17 ', e a Long. 1" 20 ) distante mais
de vinte , e cinco léguas ao Sul do Cabo de Santa Anna , 'para hiiu»
ao Senegal. .... }'
147
abrio, e encalhou na Costa, salvando-se a guarnição na*
Caravela, que correndo com o vento, checou a Cabo
Verde; e querendo Diniz Fernandes desembarcar, não
pôde, pelos Negros lhe defenderem a praia com serás
hervadas. Aqui fez o tempo outra mudança , de que
Diniz Fernandes se-servio para voltar ao lugar do nau
frágio da Fusta, e como o casco ainda ex'»tia, desem
barcou em terra com Pala :a no e a sua melhor gente,
a fim de aproveitar o que podesse; e sahindo-lhe de re
pente setenta Mouros defra's de hum montes de arêa,
onde os aguarda vão escondidos, fôrão de tal maneira re
cebidos dos Portuguezcs (suspeitosos da cidade), que a
maior parte alli morreo, escapando só os que fugirão.
Depois desta acção, que fez honra aos dois Comman-
dantes , se fez Diniz Fernandes á vela, e chegou a Por
tugal a salvamento.
Assim, de tantas embarcações, que sahirao este
anno para esta expedição só se perdeo huma Fusta. :
1446 — Deo o Infante o commando de huma Cara
vela a Nuno Tristão (, 1 ) , com ordem de passar além
do Cabo dos Mastros , ultimo termo do descobrimento
de Álvaro Fernandes, o que elle executou, descobrindo
hum grande Rio, em cuja boca surgio; e mettendo-se
na lancha com vinte e dous homens , em que entravão
os principaes do navio , entrou com a maré pelo Rio a
buscar alguma Povoação, e foi encontrar-sè com treze
Almadias guarnecidas de oitenta robustos Negros , que
o esperavão em sitio apropriado, por terem já visto o
navio, e a direcção que trazia a lancha.
Chegado Nuno Tristão a certa distancia das Alma-

(O Barros no lu»ir citado, Cap. 14 — Galváo paj. 24, póe esto


viagem no anno de 144.7 — Karia , nos Inçara? citados, a ollocon n.
mesiio anno de 144.7 — O mesmo segue Soites da Silva, Cap. '8&
— Go-s Cap. i.J , em 1446.
19 ii
148
dias, notou que se dividiao, e cuidou ser para fugirem,
não suppondo combinação de ideas militares em gente
barbara ; mas enganou-se, porque os Negros de repente,
apresentando-se-lhe na frente com uma divisão da sua
esquadrilha , o atacarão pela pôppa com a outra , cortan
do lhe ao mesmo tempo a retirada , e mettendo-o entre
dois fogos; e como lhes não convinha abalroar a lancha,
conservavão-se sempre a alcance das suas armas missivas,
lançando sobre elle huma chuva de setas hervadas. De
balde Nuno Tristão fazia remar vigorosamente os mari
nheiros para abordar já huma , já outra Almadia , a fim
de escarmentar os Negros com a morte d'aquelles, a
quem podesse chegar : as Almadias , que manobrarão
com admirável rapidez, evitavão o choque, e continua-
vão o mesmo género de peleja. A vasante da maré veio
a tempo salvar a lancha, e ao favor d'ella chegoH Nu*
no Tristão a sua Caravela, com dezenove homens mor
tos , ou mortalmente feridos , em cujo numero entrou
elle, com João Corrêa , Duarte de Hollanda, Estevão
de Almeida, e Diogo Machado, todos de distincto nas
cimento, educados de meninos na Camará do Infante,
além de outros Escudeiros, e Criados seus ; e para com
pletar a desgraça, ao atracar a lancha ao navio, es
barrou de modo com a ancora da roça , que morrerão
mais dois homens.
Tinhão ficado unicamente na Caravela o seu Escri
vão Aires Pinoco, Moço da- Camará do Infante, e qua
tro grumetes; e cortando logo a amarra, se fizerão â ve
la, e vierão ter a Lagos no fim de dois mezes de hu
ma viagem á rôa, por nenhum delles saber dirigir a em
barcação. Deste desastre ficou áquelle Rio o nome de
Nuno Tristão. ( i }

( i ) O Rio de Nano TrlttSo está ao Sul do Rio Grande , na Lat..


N> io.° 17 ', e Long. 4" a8 '. Este Rio he iargo, e rápido na entrada,.
149
O Infante sentio sobre maneira este funesto acci-
dente, e com a generosidade, que lhe era natural, pre
miou os filhos , e as viuvas dos que nelle acabarão.
1446 — Foi mais feliz neste mesmo anno Álvaro
Fernandes , sobrinho de João Gonçalves da Camará ,
porque tornando segunda vez ao descobrimento de Gui
né , passou mais de cem léguas alem do Cabo Verde
( 1 ) , onde desembarcando , assaltou huma Aldeia ;
cujo Chefe matou pela sua própria mão , o que poz em
fuga os outros Negros, de que não foi possivel alcan
çar nenhum, e apenas se recolherão duas Negras, que
marisca vão pelas praias.
Daqui passou ao Rio deTabite, (2) e indo reco-
nhece-lo na sua lancha, o vierão receber cinco Almadias,
huma das quaes lhe lançou algumas setas hervadas den
tro da lancha, de que elle ficou ferido; mas curou-se
com antídotos de que já hia munido; e tentando desem
barcar era um areal , o achou defendido por cento e
onde tem hum baixo: o menor fundo no canal lie de três braças. Pare»
ce impossível que Nuno Tristão passasse , sem os ver, por tantos Rios
mais consideráveis do que este ! Em fim , não se podem ler as viagens
daquelles intrépidos Navegantes-, sem lastimar a perda, ou sumisso
actual dos seus Diários, onde acharíamos muitos factos- que os Historia
dores não trazem.
Da margem Austral do Rio Grande ate á margem Eoreal do Rio
de Nuno, oceupavão naquelles tempos a Costa marítima os Negros Na-
Jús ; e do Rio de Nuno para o Sul até ao Cabo da Verga , os Egas ; 9
pelo Sertão vivião os Cocolins. Os Nalús erão intratáveis, e selvagens;
os Begas mais domésticos; porém traidores. Os Poituguezes fizerão gran
de commercio por este Rio em anil (cuja planta levarão d'aqui para as
Ilhas de Cabo Verde, onde prosperou ) , marfim, e mantimentos ; e
também aqui vinhão Caravanas do Sertão com algum ouro.
( 1 ) Barros, Cap. 14 — Soares da Silva, Cap. 88 , onde põe esta
viagem em 1447 — Faria, nos lugares citados, segue o mesmo — Gal
vão não falia nella.
(2 ) Este Rio (de que não achei o nome nas cartas, que possuo}
be certamente algum dos que existem entre os Rios de Nuno, e Sem.
Leoa.
150

vinte Negro?. Álvaro Fernandes , não querendo arriscar


as vidas dos "seus em hum desembarque de viva força ,
por assim lhe sçr muito recommend.nl o nas instrucçóes
do Infanre, e satisfeito do haver adiantado os descobri
mentos d'aquella Costa mais, que os outros Navegantes,
regressou a Portugal , onde recebeo honras , e mercês
tanto do Infante D. Henrique, como do Infante D. Pe
dro , Regente do Reino.
1446 — Neste amo partirão de Lagos dez Carave
las { 1 ) , de que era Com mandante em Chefe Gil Ati
nes, e os outros Commamlantes Fernão Valarinho, mui
pratico nas guerras dos Mouros, E-tevão Affonso, I ou-
renço Dias, João Fernandes Piloto, Diogo Gonçalves,
Gomes Pires, quasi todos Criados do Infante, e outros.
Das Caravelas pertencia huraa ao Bispo do Algarve, e
três aos moradores de I-agos. Esta Esquadra dirigiu-se
á Ilha da Madeira, por ordem do Infante, para rcce->
ber alguns viveres , e ajustar-se com outras duas Cara
velas , huma de Tristão Vaz , e outra de Garcia Ho
mem , genro de João Gonçalves da Camará.
Daqui foi á Gomeira entregar os Canareos, que
João de Castilha, e os outros Commandantes da sua
conserva havião d'alli trazido, como já se disse. Gil An
iles quiz aproveitar-se do auxilio destes Canareos , para
dar um assalto na Ilha da Palma , o que não produzio
o effjito que esperava, pela vigilância dos habitantes; e
as duas Caravelas da Madeira, que so a isto vinhão,
retirárão-se para a sua Ilha.
A Esquadra seguio a sua derrota para Cabo Ver
de, onde não foi mais feliz, porque os Negros se defen-
dião com vantagem a favor, dos bosques , de que o Paiz
he coberto ; e de huma vez morrerão cinco Portuguezes

( 1 ) Barros Cap. 14 — Faria, nos lugares citados, colloca esta via


gem em 1447 — Soares da Silva segue o mesmo.
151
feridos das setas hervadas, e a Caravela do Bispo nau
fragou em um baixo.
Descontente Gil Annes destes máos suecessos, foi
a Arguim , e no Cabo do Resgate atacou huma Aldeia,
em que captivou quarenta e oito pessoas ; e sem outra
maior facção se recolheu a Esquadra a Portugal , menos
Estevão Alfonso, que veio á Ilha da Palma, e colheu
duas mulheres , o que o poz em perigo de morrer com
todos os que com elle desembarcarão, porque acudindo
muitos naturaes , se desordenarão os Portuguezes na re
tirada. Porém Diogo Gonçalves, tirando huma besta das
mãos a hum dos seus companheiros, que não sabia, ou
não queria servir-se d'ella , derribou suecessi vãmente sete
dos contrários , sendo hum dMles o seu maioralj o que
fez desapparecer os outros ; e os Portuguezes poderão
então embarcar-se, e voltarão para o Reino.
1447 — Para aproveitar a boa vontade , que os
habitantes das margens do Rio do Ouro mostrarão a
Gomes Pires quando ultimamente alli esteve, lhe dcò o
commando de duas Caravelas ( i ) , e o mandou a esta
belecer com elles hum commercio regular. Chegou elle
ao Rio, e em breve conheceo , que os Mouros só bus-
cavão engana-lo, armando-Ihes ciladas para o surpre-
hender; de que irritado, assaltou as suas Aldeias, ecapti-
•vando oitenta pessoas, recolheo-se a Portugal.
1447 — Não sendo possível; em consequência des
te acontecimento , organizar o commercio dos escravos
com os Motos do Rio do Ouro , e sabendo o Infante
^ue os de Meca (ou Meissa ), Cidade situada entre os
!abos de Guc-r , e de Não, na Lar. N. 30o j ' e Long.
8 50', deseja vão a amizade, e commercio dos Portu-

(1 ) Faria, tomo 1.° da sua Ásia, Patte i.1 — Earros, Cap. ij


da Dicidi 1/ . L." x.°
152
guezes, mandou a essa commissão Diogo Gil (i) ho-
iíiciti experimentado, por Commandante de huma Cara
vela, e com elle por intreprete João Fernandes , celebre
pela sua habitação voluntária entre os Azenegues. E co
mo em Portugal se achavão dezoito Mouros captivos na-
turaes de Meca , que offerecião por si huma certa quan
tidade de Negros , os entregou o Infante a Diogo Gil,
para que os resgatasse.
Chegado elle ao Porto do seu destino , e tendo re
cebido cinconta Negros pelos dezoitos Mouros , sobre
veio tamanha travessia , que se fez á vela , deixando em

Ci ) Barros (a quem seguem Faria, e Soares da Silva nos lugares


já citados) colloca esta viagem , e a seguinte de Fernão Affonso a
Cabo Verde no anno de 1448; mas parece-me que ha nisto manifesto
engano, pois diz ( pag. }o), que neste anno ( 1448 ) EI-Rei T>. Affon
so sahio da tutoria do Infante D. Pedro seu tio, e houve inteiramente
posse de seus Reinos em idade de dezatete annot. Eis aqui este aconteci
mento , segundo Ruy de Pina na Chronica d'El-Rei D. Affonso, Capi
tulo 86. Cumprindo EI-Rei quatorze annos no mez de Janeiro de 1446,
celebráráo-se no dito mez Cortes Geraes em Lisboa, e ai 1 i llie entregou
o Infante D. Pedro mui livremente , e sem cautela o Regimento. Con
cluído este Acto, e achando-se EI-Rei na sua Camará com seu irmáo o
Infante D. Fernando, e os Infantes D. Pedro, e D. Henrique, e outras
Personagens , pedio ao Infante D. Pedro , que até ver o que nisso pode
ria fazer , elle inteiramente mandasse, e fizesse em seu nome o que dan
tes fazia. Três dias depois fez o Doutor Diogo Affonso, em nome, e
na presença d'El-Rei , em outra Sessão das Coites, huma Declaração so
lemne desta Real resolução.
Continuou o Infante segunda vez na Regência do Reino , e occor-
rendo os memoráveis suecessos , que as Historias referem, e não são do
objecto destas Memorias, largou de todo o Governo a EI-Rei em Maio
do anno seguinte de 1447 , senão foi antes; porque neste mez he que
EI-Rei em Santarém tomou sua casa, e sua mulher juntamente , e já o
Infante se tinha de facto dimittido de todos os negócios da Regência ,
não querendo assignar Diploma algum.
A' vista desta passagem de Ruy de Pina fica evidente, que a data
das viagens de Diogo Gil, e Fernão Affonso, que Earros, e os seus
seguidores põem no anno de 1448, devem recuar-se ao anno antecedente
pelos seus próprios fundamentos.
153
terra a João Fernandes, e voltou para Portugal, tra
zendo ao Infante o primeiro Leão, que veio daquefle
Paiz, o qual Infante enviou de presente a hum Fidal
go Inglez seu amigo , que assistia no Principado de
Walles.
1447 — A fama dos descobrimentos das novas Re
giões , e extranhos Povos , que os Portuguezcs suecessi-
vamente fazião, attrahia a Portugal muitos homens no
táveis, curiosos de cousas tão extraordinárias ; e entre
estes veio hum Gentil Homem da Camará d'ElRei de
Dinamarca, e por elle recommendado ao Infante; os
nossos Historiadores lhe chamão Balart, corrompendo
talvez o nome. Este Fidalgo ardia em desejos de via
jar na Costa d'Africa , para examinar de perto as ma
ravilhas, que entre os gelos da sua pátria ouvia relatar
daquelles climas, era que as arvores nunca se despojão
da sua folhagem, e as producções da natureza são to
talmente diversas.
O Infante mancou logo armar luim navio, cujo
cominando dèo a Fernão AfFonso, CavaLleiro da Ordem
de Christo, que levava numa mensagem ao Soberano
de Cabo Verde; e com elle se embarcou Balart, cuja
curiosidade obrigou Fernão AfFonso a fazer huma via
gem costeira até ao Cabo, para lhe ir mostrando todas
as Bahias , Portos , Rios , e Promontórios já descober
tos ; e por esta causa , e por alguns ventos contrários
gastou seis mezes na jornada.
Chegando ao Cabo, logo que os Negros vírao o
navio, sahírão a reconlu-ce-lo , em som de guerra, nas
suas Almadias; mas explica ndo-lhes os interpretes o
verdadeiro objecto da viagem, e informados dos presen
tes destinados para o seu Príncipe, forão avisar o Go
vernador da terra, por estar o Rei da Hi oito jornadas
oceupado em huma guerra no serrão. Veio elle á praia
receber em ceremonia a João AfFonso , e a Balart ; e
2o
1.34

justa a paz, se derao fiuns aos outros reféns, e 'come


çou a estabelecer-se o tratico.
Entre os géneros., que os Negros venderão, forão
alguns dentes de elefante, dos quaes maravilhado o Di-
namarquez, offereceo-lhes grande preço, se lhe mostras
sem hum destes animaes vivos, ou lhe trouxessem a pel-
le, ou a ossada de algum. Os Negros, cubiçosos do
premio, promertêrão tudo; e três dias depois o vierão
chamar, para que fosse a hum certo lugar, onde tinhao
hum elefante vivo. Balart, sem mais consideração, nem
receia, partio na lancha (única embarcação do navio) t
só com os marinheiros que a remavão; e chegando a
terra, onde as ondas andavao de levadío, cahio hum
marinheiro ao mar nô momento de tomar huma cabaça
de vinho de palma , que lhe dava hum Negro ; e que
rendo os companheiros recolhe-lo, foi tal a revolta,
que se atravessou a lancha , e foi á costa. Os Negros
vendo os Portuguezes em estado de não poderem defen-
der-se, nem ser soccorridos, derao sobre eíles, e os ma
tarão a todos, excepto hum, que se salvou a nado.
Assim acabou este illustre Estrangeiro ás mãos de
bárbaros traidores , sem que Fernão Affonso podesse to
mar delles justa vingança, porque nem elles tornarão mais
a bordo , nem rinha outra embarcação , em que desem
barcasse. Esta desgraça fez com que se recolhesse a
Portugal.
145- r — A 19 de Agosto deste anno se celebrou em
Lisboa, no Palácio do Duque de Bragança junto á Igre
ja de S. Christovão, o casamento da Infanta D. Leo
nor t1), irmã d'ElRei D. Affonso, com o Imperador
de Altemanha Frederico III. ; e como esta Princeza de-

(l) Rui cte Pina, Chronica <te D. Affonso, Capítulos iji e i}a.
— Itinerário desta Viagem, escrito por Nicoláo Walckenstein, Prova»
á Historia Genealógica, tomo 1. pag. 601.
I -<■>

\'p ser conduzida por mar i Itália , mandou ElRei


aprestar huma Esquadra de duas grandes Nãos, cinco
mais pequen.is, e duas Caravelas, alem de dois trans
portes, que saliírão primeiro com fámilias, e trem dos
passageiros. Os Commandantes das embarcações , os
seus Officiacs de Guerra , e de Mar, bem como os sol
dados, e marinheiros forão escolhidos entre os melho
res y e a anilheria , e munições de guerra erão sufficien-
tes para qualquer oceu-rrencia imprevista : as guarnições
cliegavão ao numero de três mil homen^ , de que a Ca
pitania levava quinhentos. Nomeou El Rei para Con-
duetor da Imperatriz, e Capitão General de Mar e Ter- ,
ra da Esquadra , durante a sua viagem de ida, e volta,
o Marquez de Valença. As outras pessoas nomeadas ,
para a acompanhar, além do Marquez, e dos Embai
xadores do. Imperador, erão a Condeça de Villa Realt>
com. muitas. Donas, e outras Criadas ; o Bispo .de Coim
bra^ Lopo de Almeida, Lopo Vaz de Mello, Regedor,
das Justiças , Aj.va.ro de Sousa , Mordomo Mor, AfFon-
sq de Miranda, , Gomes de Miranda, Comes Freire t%
João Freire, D.v Diogo de Castello, Fernão da Silvei-,
ra., Martira M^fldes de Berredo, e outros, muitos Ca-
valleiros. . a ", r
A i£ de Outubro foi ElRei A Sé com a Impera
triz, a Família Real , c. toda a Corte j e depois de ce
lebrados ósOfficios Divinos, a conduzio ao Cães da Ri
beira , do qual s.ihia huma comprida ponte sobre toneis
até í Capitania , que estava soberbamente adornada.
A Imperatriz ficou muitos dias a bordo, esperando ven
to opportunq, e em todos a visitou ElRei : e em hum
delles, achando-se. assistido das pessoas do seu Conse
lho, vierão chim idos á sua presença os Commandan-
tes, e mais Offi:iaes da Esquadra, e alli derlo novo ju
ramento de cumprir o que lhes fosse ordenado, ainda
com risco da suj vidaj e mandou ElRei, sob pena de
2á ii
156

morre , que todos obedecessem a quanto determinasse o


Capitão General.
No dia T2 de Novembro sahio a Esquadra com
bom vento, acompanhando-a ElRei com algumas em
barcações ligeiras mais de huma legoa fora da barra.
Para evitar o perigo talvez de haver de continuo a
bordo dos navios muitos fogões accesos, regulou o Mar
quez de Valença as horas de comer por esta maneira :
Ao nascer do Sol janravão os marinheiros; elle, os Fi
dalgos, e todos os Militares antes do meio dia ; e a Im
peratriz , sua família , e os Embaixadores ao meio
dia. As cêas consravão de conservas , e pão torrado
no forno, ou peixes pequenos salgados. À mesma or
dem se seguia em toda a Esquadra.
Navegou esta sempre com bom tempo até embo-
car o. Estreito de Gibraltar, ean surgio em Ceuta,
onde a Imperatriz desembarcou-, e se demorou alguns
dias, por vir incommodada do mar: a 29 partio com
vento favorável. Na Costa de Valença mandou o Mar
quez Huma Caravela (talvez a Alicante) a buscar car
nes,,, pão fresco , agua , e fructas,
Passou a Esquadra á vista de Malhorca , e a 6 de
Dezembro entrou no Golfo de Leão. Sahindo delle, so»
breveio-lbe vento contrario, com que se aproximou de
Marselha, onde estavão rres Náos, e duas Gales dePi-
ratas. A Esquadra achava-se então dispersa,, mas reuni
da por meio dè stgnaes, atacou os Piratas, queimou-
Ihes huma das Náos, metteo outra a pique, e tomou
outra, escapando as duas Galés,, em que os Piraras ti-
nhão recolhido o mais precioso dos seus muitos roubos.
A Esquadra ancorou em Marselha , e logo o Go
vernador veio a bordo, com as principaes pessoas, e
hum presente de refrescos•; e mostrando-se receoso á
vista da grandeza dos navios, e quantidade de tropa
que leyavão, perguntou de que Nação erao, e para on
157

de navegavão? Disse-se-Ihe somente ao principio, que


erao Christãos, e amigos; mas depois se lhe declarou ,
<jue erão Portiiguezes , e elle expressou a sua satisfação
com outro presente.
A 8 , estando ainda neste Porto a Náo da Impera
triz, se levantou huma horrível tempestade, em que
perdeo rodas as amarras, e esteve em risco de naufra
gar-, porém largando a ancora, que lhe restava, com
ella se aguentou. As outras embarcações , que soffrêrão
o tempo sobre a vela, espalhárão-se. Abonançando a fi
nal o vento, e rocegadas as ancoras, sahio a Imperatriz
de Marselha a ii,e encorporados todos os navios, se
guirão sua viagem. . :■ >■:
O Marquez , sabendo que em hum Porto próximo
de Niza estavao reunidos muitos Piratas com intento
de o atacarem, fez metter trezentos Soldados em hnma
Caravela, e mandou-a a reconhecer o Porto. Levava o
Commandanre os Soldados escondidos , apparecendo só
elle em cima sem armas; e mandando pedir seguro ao
Chefe dos Piratas para entrar, não sô lhe foi negado,
porém mais de cem homens bem armados saltarão a
bordo da Caravela ; e depois de furiosa peleja , <>s Por-
tuguezes matarão huns, e precipitarão o resto no mar.
A estes acudirão logo outros muitos, e chegando a esre
tempo as Nãos, o fogo da sua artilheria obrigou todos
a fugir; e fazendo o Marquez desembarcar alguma gen
te, se retirarão os moradores, que vinnão também con
correndo em auxilio dos Piraras. Tomou-se aqui hum
bello navio, que elles tinlr.o aprezado. Nesta acção tv-
verão os Portuguezes nove trert«s- e. dezvseis feridos.
Os habitantes mandarão por ultimo, dois dvalPeiros a
saber quem erão os Estrangeiro», e conhecendo serem
Portuguezes, ficarão amigos. ' „. , '.'"'' ! ' '','!
A Esquadra , depois de faxe.r aguada , seguio via
gem, avistou a Córsega , e ancorou em Liorae a 2 de
168
Fevereiro tio anno seguinte , onde a Imperatriz desera-
.barcoíu • . ->- ■ • : .-
1458 — No anno de 1457 veio a Portugal o Bispo de
Silves por Legado do Papa Cal listo III. , trazendo arEJt
Rei a Cruzada contra os Turcos, que elle acceicou, e se
offereceo a servir rmquella guerra com.- doze mi! homens
pagos á sua custa por hum anno, como já tinha pnv
unettido, e frito construir navios, com os aprovisiona*-
•mentos* det armas, c munições necessárias. É persuadi
do do queos outros Soberanos concorrerão de boa fç
"para- a Cruzada, mando» Martim Mendes de Berredo,
•Fidalgo da sua Casa (1)^ a EIRei de Nápoles D. Aí-
fonso seu tio; para tratar aquelle objecto, e pedir-lhe
caf^facurda-de .de comprar nos seus Estados os víveres de
que carecesse, por serem alli mais: baratos,; ma* em
breve o .desenganou o seu Ministro, de que não havia
-em Nápoles, ríèra na Itália disposições, ou, vontade de
(concorrer para a em preza. Esta mesma incerteza expe
rimentou EIRei quando coramunicou a sua intenção, aio^
outros Potentados da Europa: e assim, con forma ndo-se
cora a opinião do seu Conselho, resolveo intentar a con
quista de Tanger, parai cuja expedição- se calculou se
rem necessários vinte e cinco mil homens de tropas,
além da marinhagem , ,e gente de. serviço.
; ; Est,a expedição devia fazer-se antes do fim do an
no; iporêm ai peste , que se declarou em Lisboa, a fez
-prorogar para melhor tempo, e EIRei passou ao Alem-
•tejò. Alli lhe chegou noticia de que os Francezes., nã/>
obstante a paz em que estavao com Portugal, fazjão màl
roubos no mar aos seus navios; e determinado a punir

(1) Vede Ruy de Pina, Chronica de D.' Affonso V. , Cauitulos 1 j? ,


e 140. — Duarte Nunes de Leãq , Chronica cio dito Rei. — Damião de
Góes, Chronica do Príncipe D.' joio, Cap. 10. até ró. — Acinheiro,
Cap. 2.J., ejígiiintes, .. j : .v, 3 .1: nu ,. ;> ,1 ,:
159
tSíTirifâiíie plfaíanX, fez aprestar huma Armada de
vinte Nãos grossas, e outros Navios menores, guarne
cidos de muita, e boa gente, ás ordens do Almirante dó
Reino Ruy de Mello; e estando este a ponto de par
tir, recebeo EIRei cartas do Conde de Odemira, Go
vernador de Ceuta , em que lhe pedia soccorro para
resistir ao cerco, que esperava do Rei de Fe's. EIRei
lhe enviou logo algumas tropas, com o pensamento de
ir em pessoa dar batalha ao Monarca Africano, o que
não chegou a effeito, porque este apenas avistou a Pra
ça , retirou-se. J ' .. ■ - : j , • ■. \
Nesta correspondência, que EíReí tefce com o Con
de de Odemira , descobrio-lhe o projecto da conquista
de Tanger; mas ò Conde lhe escreveo, aconselhândo-o
iqué fosse antes sobre Alcácer Scguer (i), cuja opinião
•EIRei abraçou. E como a peste continuava em Lisboa,
escolheo embarcar-se em Setúbal, mandando o Marquez
de Valença a fazer o mesmo no Porto, e o Infante D.
líenrique he Algarve.
•A 30 de Setembro de 145-8 embarcou EIRei em
Sétèfbal na Náo Santo António, e com elle seu irmão
6 Infante D. Fernando, o Mestre de Avia D» Pedro,
filho do Infante D. Pedro, o Marquez de Villa Viçosa,
com seus ,n*lhos D. Fernando , e D. João, D. Álvaro de
Castro, Pedro Vaz de Melfo, e outros, muitos Fidal
gos, e Cavalleiros. Constava a Armada de noventa em-
BarcsÇÔes: e na manhã de ide Outubro chegou a Sa-
■ _■'•-' ■'■ ' - • j , :1 -i, :. -!i .

Ct) PovoaçJo maritima na Coita Occidental do Remo de Fés, edV


ficada sobre o Rio de Larache , situada na latitude N. j$." 10', e longi
tude IIo J5'. No Rio só pedem entraf embarcações pequenas ; as ou
tras dão fundo em huma Fahia aberta, em 10 braras d 'agua. Fsta Villa
era em parte povoada de homens do mar, e cia] J ■ sahiso muitos- Corsà-
*í<*t a ífjsultãr as Costas tfá Península, e a embaraçar o Commercio;
*àto á mâò, por que EIRei preferio a sua conquista á de Tanger,
aliai Fiaça maior, e mais importante.
160

pre3, onde o esperava o Infante D. Henrique, e o Con


de de Odemir.i , que veio de Ceuta com quatro navios.
No dia seguinte foi ElKei a Lngos . e se demorou oiro
dias, aguardando as Esquadris do Porto, e do Monde
go , que neste intervillo de tempo se lhe reunirão.
A TO embarcou, e no cutro dia saliio a ouvir Missa
em terra, acompanhado de toda a Nobreza da Armada,
e acabada e!Ia, declarou publicamente, que hia atacar a
Villa de Alcácer; e agradeceo a todos a diligencia, c
lealdade com que o vinhao servir, promettendo-lhes as
honras , e mercês de que se fizessem dignos ; a cujo dis
curso respondeo , como cumpria , em nome de todos o
Infante D. Fernando.
A iz partio El Rei de Lagos com toda a Arma
da, que constava de duzentas e vinte velas O), e a 14
por ser o vento ponteiro, surgio na Bahia de Tanger,
onde se demorou aquelledia, e o seguinte para reunir
os navios, que as correntes tinhão espalhado; e exami
nando a situação da Cidade , se debatco em Conselho
se a devia accommetter, a que se oppôz o Infante D.
Henrique, com cujo voto EIRei se conformou ; e fa-
zendo-se logo á vela , ancorou a ió ao meio dia ena

(1) Ruy de Pina diz, que EIRei levou 220 navios, e nSo declara a
força do Exercito ; mas já tinha sido determinado em Conselho, que
este constaria de vinte e cinco mil homens. Góes diz, que a Armada era
de iia velas, com vinte e seis mil homens. O antigo manuscrito do
Prior do Crato D. Vasco de Almeida traz 280 navios, e vinte e dous
mil homens de tropas, com a circunstancia notável de custar este arma
mento cento e quinze mil dobras Severiín de Faria (Noticias de Portu
gal, Discurso 1. § 15) concorda com Ruy de Pina no numero das embar
cações , e não menciona o das tropas. Duarte Nunes (C'ap. 28.) segue
a Ruy de Pina, dando 220 velas a esta Armada, e em quanto ao exer
cito só diz , que no Cons-.-lbo se determinara ser de vinte mil homens.
Nesta diversidade de opiniões cada hum seguirá a que lhe parecer mais
authorizada ; em quanto a mim, creio que o Exercito era de vinte e
cinco mil homens; e a Armada, pelo menos, de a$o navios.
1.61
Alcácer com os navios mais pequenos, que venciáo me
lhor a corrente.
Sem perda de tempo se preparou tudo para come
çar o desembarque ; mas como os dois navios , em que
btao os Infantes, haviao fundeado a duas legoas dedis-
tancia , com outras quarenta embarcações, os mandou
EilUi chamar ; e quando chegarão o acharão á testa de
huma linha de escaleres, e -lanchas carregadas de tro
pas. Apenas EIRei vio o Infante D. Henrique, póz a
sua flotilha em movimento, e á voga arrancada toma
rão terra ao mesmo tempo todas as embarcações. Esta-
vão formados na praia quinhentos Mouros de cavallo, e
muitos mais de pé, que querendo-se oppór ao desembar
que, forão rechaçados, e carregados com tanto vigor r
que rotos, e desbaratados , huns fugirão para Alcácer,
outros para as montanhas, deixando bastantes mortos
no campo, Dos Portuguezes ficarão muitos feridos, e
mortos o Commendador Ruy Barreto, e Ruy Gonçal
ves de Marchena ; e no alcance dos inimigos se adian
tou tanto João Fernandes da Arca, Fidalgo valoroso,
e celebre Cortezão daquelle tempo, que chegou ao pé.
das muralhas, e ahi o matarão de huma pedrada, com
geral sentimento de toda a Corte.
Naquella noite desembarcou a Artilheria, e todos
06 petrechos, e instrumentos da expugnação ; e no dia
seguinte assaltarão os Portuguezes as trincheiras avança
das, que os Mouros tinhão levantado para cobrir, e de
fender as proximidades da Praça ; e apezar de grande
resistência , as entrarão, forçando-os a recolher-se den
tro das muralhas. O Infante D. Henrique tentou que
brar as portas, o que lhe não foi po?sivel, pela sua for
taleza , e pela quantidade de tiros de arremesso, e ma
térias incendiadas que os defensores lançavão sobre as
tropas , o que as obrigou a afastar-se do pé das mura
lhas, sendo já posto. o Sol, em quanto não chegayâc»;
•21
r<ftj
algumas mamas , e outros engenhos com que renovarem
o assalto.
EIRei, que corria a cava lio com o Infante D: Fer
nando por roda» as partes onde se pelejava, picado da
resistência dos Mouros , foi ao Quartel do Infante D.
Henrique, para ordenar que proseguisse, e fosse geral-
o assalto, a tempo que este Príncipe já começava a es
calada, a qual durou até á meia noite, defendendo-se o»
Mouros com valor indómito. Então o Infante, não que
rendo sacrificar os seus soldados, mandou retirar as tro
pas; e havendo entretanto construído huma bateria em
sitio vantajoso, em que se collocou hum grosso canhão;
» poucos tiros cahio hum lanço de muralha , de que »
desanimados os Mouros, capitularão no dia 18.
Concedeo-lhes EIRei , por generosidade , sahirem
lodos livremente com as suas familias , e efeitos, dei
xando os Christãos cativos que tivessem ; cuja Capitu
lação se cumprio á risca* Despejada a Villa, consagrou-
90 logo a Mesquita, e nella deoElRei graças aoOmni-
potente pela victoria. Dilatou-se elle em Alcaçar cinco
aias , e deixando por seu Governador a D. Duarte de>
Meneses, com a gente, Artilheria, e munições de guer
ra necessárias , e víveres para três mezes, entrou no di*
33 em Ceuta, cuja grandeza comparada com a peque
nez de Alcaçar, lhe dto motivos de sentimento, eo ac-
cendeo em desejos de emprehender maiores conquistas.
O Rei de Féí, sabendo do cerco de Alcaçar, par
ti© a soccorre-la, e sabendo no caminho estar toma
da, recolheo-se a Tanger , a fim de reunir o seu Exer
cito para a sitiar, de que avisado em Ceuta EIRei por
©. Dnarte de Menezes, chamou as pessoas do seu Con
selho , em que se resolveo , que devia voliar a Portu
gal , mas que por não dar a entender que fugia , envias
se- hum» Carta ao Rei de Fés , desafiando-o para huma.
batalha campal . visto achar-sc com forças sutfítientes*
163

psra isso. -A esta commissáo partirão cm d«a? embar


cações Martim de Távora , e Lopo de Almeida, acom
panhados de hum Rei de Armas, e levando huma Car
ta de daafio notada com toda a cortesia, que a Reis
convém (i). O Mouro, instruído do objecto da Em
baixada, em Os navios entrando na Bahia de Tanger,
lhes mandou atirar; e com este desengano tornou Lopo
de Almeida para Ceuta , e Martim de Távora seguio
para Alcaçâr , onde chegarão outros muitos Fidalgos , e
alguns soccorros de Ceuta.
A 13 de Novembro appareceo o Rei de Fés sobre
esta Praça com trinta mil homens de cavallo , multi
dão de gente de pé, e muita artilheria , começando lo
go a formar os seus ataques.
El Rei sabendo do cerco , e ~que a Praça estava
mal provida de víveres, attendendo á estação mverno-
sa , partio de Ceuta com a sua Armada , e a 20 chegou
a Alcaçar, intentando metter-lhe soccorro, o que pare
ce© impossível, por estar já completamente cercada., "e
as baterias inimigas descobrirem a praia, em que só áe
podia desembarcar. Nestas circunstancias escreveo a D.
Duarte, promettendo-lhe que em breve tornaria a soc-
corre-lo; e voltando para Portugal, desembarcou em
Faro, donde passou a Évora, tentando logo de se refa
zer para a nova jornada da Africa.
O cerco durou cincoenta e três dias, e a .2 -de Ja
neiro do anno seguinte de itfy se retirarão os Mouros
com immensa perda de gente. E considerando EIRei a
ramagem que resultaria aqtiella Praça de ter hum Mp-
fbe para nelle se recolherem as embarcações pequenas,
como lhe havia representado D. Duarte de Menezes, e
eile mesmo o experimentara quando de balde a quiz
soccorrer, resolveo-se a -manda-lo fazer, para aíjo fim

(1) São as formaes palavras de Damião cie Góes no Gap. 1.6.


21 íí
134
se prepararão- vinte e seis embarcações carregadas dos
ihareriaes, artífices, e trabalhadores necessários. Che
gada esta Frota a Alcaçir, começou D. Duarte a con-
strucçao do Molhe a n de Março daquelle mesmo an-
no, é o deixou concluído no fim de Junho, não obstan*
te a contínua guerra , que os Mouros lhe fizerao pa
ra embaraçar os trabalhos (i).
1460 — A 13 de Novembro deste anno falleceo
em Sagres, com sessenta e sete annos de idade, o In
fante D. Henrique, cujos gloriosos trabalhos lhe tem
merecido huma fama, que sd acabará com o Mundo.
Os Escritores de todas as Nações são unanimes nos elo
gios, que fazem aos seus raros tolentos, á sua magnani
midade, e aos seus conhecimentos mui superiores ao sé
culo em que viveo; e o cotlocão a par dos melhores, e
mais benéficos Príncipes da Europa moderna (2).
1461 — Mandou El Rei a Soeiro Mendes , Fidal-
(1) R"7 <fe P'na ÇC<n\ 141 ) falia em termos geraes da construo-
cão deste Molhe (a que se chamava então Couraça) ; mas no Manuscri
to de D. Vasco de Almeida achei as particularidades, que refiro, e vem
a observação de que custou dez mil dobras.
(2) Barros ( Década 1., Parte 1. Cap. 16.) diz , que falleceo 1 1;
d« Novembro de 146} , com sessenta e sete de idade. — Ruy de Pi
na (Chronica de- D. Affonso V. , Cap. 144) põe a sita morte em No
vembro de 1 460 , com cincoenta e sete de idade , o que he equ i voca
ção , oa erro de impressão. — António Galvão (Tratado dos Desco
brimentos, pag. 2f) a cotloca em 1462. — Acinheiro (Chronica de
D. Affonso) diz , que foi en> 1461. — Damião de- Góes (Chronica do-
Príncipe D. João, Cap. 17., e na Chronica d'E)Rei D. Manoel , Par
te 1., Cap. 2).) a ffirma, que o Infante morreo a 1 i de Novembro de
1460, com sessenta e sete annos de idade-. — Duarte -Nunes de Leão
segue a mesma opinião , assim coma Jo/e Soares da Silva no- tomo 1.
das suas Memorias de D. João I. — D. António Ca;tano de Sousa pro-
duzio hum Documento decisivo, que he a Carta de Doação, que EIRei
D, Affonso V. fez ao Infante D. Fernando das I lhas dos Açores , Madei
ra , e Cabo Verde , datada de Évora a j de Dezembro de 1 460 , na
cii.il, fadando do Infante D. Henrique, diz; meu Ti», que Deos haja.
Historia Genealógica, tomo 2. Liv. j. Cap. j. pag. tu.
165
go da sua Casa, á Ilha de Arguim, para construir hum
Castello (se não foi para acabar o que se diz estar já
começado), a fim de proteger o Commercio do ouro^
e dos escravos , que neste tempo concorria áquellas
Ilhas, o qual era mais vantajoso a Portugal, do que o
sjstema até alli seguido (r).
1462 — Neste anno (ou talvez no antecedente) man
dou EIRei duas Caravelas para continuarem o descobri
mento da Costa de Africa: era Commandante de huma
Pedro de Cintra, seu Escudeiro, c da outra Soeiro da
Costa (2).
Chegados ás duas Ilhas habitadas , que Cadamosto
reconbeceo na sua segunda Viagem , defronte do Rio a
que chamou Rio Grande, surgirão em huma delias, e
tratarão com os Negros por acenos , por não entende
rem a sua linguagem; observarão também, que habira-
vão em cabanas miseráveis, e tinhão ídolos de madei
ra, que adoravão. Fazendo-se daqui à vela , e navegan
do cousa de quarenta milhas além do Rio Grande, vi
rão outro, que teria três, ou quatro milhas de largo, e
se chamava Rio de Bessegue (3) , nome de hum Ré
gulo, que dominava na sua entrada. E proseguindo
no reconhecimento da Costa, descobrirão hum Cabo,

CO Barros, Década 1. Liv. 2. Cap. 1. — Galvão (pag. 25 ) póe


esta expedição em 1462. — Faria e Sousa a colloca em 1449.
Cl) Como não achei nos nossos Escritores as particularidades desta
Viagem de Pedro de Cintra, sigo a narração de C.idamosto, que escre*
veo as noticias que lhe deo hum Porruguez s;u amigo, que parece fa
zia parte da guarnição da Caravela de Pedro de Cintra ; e assigno a es
ta Viagem o anno de 1462 , por me parecer mais provaver, at tenden
do a que este Descobridor estava de volta em Portugal no f.° de Fe
vereiro de 1 46 j , época da sahida de Cadamosto. VejSo-se as Memo
rias da Academia já citadas, onde vem as Viagens deste Veneziano;
Faria diz, que foi em 146}. ' ''
0) Este Rio parece ser o de Nuno Tristão já descoberta
a iqíie porerao o nome de Gabo da"Verga (r^-que-disto-
iria do Rio de Besscgue cousa de Gento e quarenta tni-
Jhas; e toda a Costa entre estes dous pontos era hum
«pouco montuosa , e coberta de alto e verdejante arvore
do.
Perto de oitenta milhas adiante do Cabo da Ver-
•ga acharão outro roais -alto que todos os antecedentes,
com bum pico nomeio, e. sombreado de grandíssimas
arvores, a que pozerâo o nome de Cabo de Sagres deGui*
né (2), em memoria do Castello cie Sagtes ,, que o In
fante D. Henrique construíra. Os habitantes daquelle
iUo tiuhao a cor menos preta , que os owtros Negros,
e erão ddoJatras-, anda vão quasi nus, homens, e mulke-
ies t-raziáo feiradas as orelhas, e cartilagem do nariz, em
■que enfia vão alguns anneis de ouro ; e os rogtos, c cor-
-pos marcados com varras figuras: não possuião armas
■de fenro, ie >mantinhão-se -de arroz, milho, e legumes.
•Ao mar do Cabo esta vão duas libas pequenas , hum»
■em .distancia de seis, e outra de oito milhas , ambas
sieshabitadas , e bastecidas de arvoredo. As Almadias
destes Negros erâo grandes, c capazes de conter de trin
ca a quarenta homens cada huma ; não conhecião o uso
dos toleres, e por consequência nemavao em pé.
Quarenta milhas além do Cabo de Sagres virão
hum Rio, a que chamarão de S. Vicente (3), com per
to de .qu.3t.t0. milhas de largura na boca; e cinco -milhas
mais adiante outro ainda mais largo, que appellidarão
«Rio Verde, por serem estes os nomes das duas Carave
las. Toda esta Costa era montuosa , e com bons sur-
,(1) Fue Cabo está situado na latitude N. 10o 4'; e longitude
4° 5 • '•
(2) Não lie possível saber-se linje a que ponta de terça se deo o
uonie de Cabo de Sagtes .
()) O Rio de S. Vicente, e o Rio Verde talvez que wcjão os Rio*
das P edr »tji P <k á^f**-
gidouros, e bom fando. Correndo mais vinfee qbatror
rròlhas, descobrirão hum Cabo, a que derão o nome d©
Gabo Ledo, por ser mui viçoso, e alegre (i) j e adian-

(ij Cabo Ledo (chamado pelos Ingleres Cabo da Serra Leoa, e pe


los Francezes Cabo TagrimJ lie a ponta do Sul da entrada do' Rio Mi*
tomba, ou de Serra Leoa , situada na latitude N i" to', e longitude»
5o 6'. A ponta do Norte da mesma entrada chama- se poma de Pulame,
ou Ilha dos Leopardos. Este Rio, hum dos mais formosos da Africa
Occidental , corre de Oesre para Leste, com huma foz de cinco legoai
de largo até á Cidade dê Frsetown , Capital dos estabelecimentos lrW
glezes , construída na margem Austral, a duas legoas e meia da entrai
da. Neste ponto diminue o Rio quasi metade da sua largura, e assim,
contínua sete legoas além da Cidade, onde se divide em dois brados.
Ha neste Rio varias Ilhas , e na entrada hurri baixo de área , que toma'
deis terços da sua largura.
O» Portuguezes tazião antigamente hum vantajoso Commercio nesr
te Rio, em que se achavão mantimento? de toda a espécie , ouro em
pó., que. vinha dorsertáo, ferro, algodão, cana de assucar, marfim,
cera, malagueta, madeiras, e huma fructa como castanhas , chamada'
Cola, que se carregava para differentes Portos , e Ilhas, por- ser- muito
ettimada' dos 'Negros.. PDt'estef. motivos fizeráo alJi hum estabelecimen
to j dirigidos- por £ttito -Corrêa da. Silva-, natural da Ilha de S. Thomé,
que levou comsigo hum irmã», e outros 6eus -parentes , e aroigo.s com;
as suas famílias, e no anno de 159c continha a sua povoação quinhen
tos Portuguezes; e ainda hoje existem restos das plantações de' arvores*
raicriferas , que fizerão. Forão porém desamparando a terra a pouco, e
pouco, ou prlo -abandono en^-que- ot de ixon o Governo , a,-pezar .da*i
suas reclamações , ou pela insalubridade do clima, que he matador para,
os brancos , e ate para os negros de outras Nações.
Como o Paiz ficou abandonado dos Portuguezes, e era já mui co
nhecida, e- frequentado de-navios Estrangeiros ; Henrique Shatp , Inglez ,
começou tcimt alli hum pequeno estabelicimento em 1786 , a fim dos
r«unir nelle os Negros -miseráveis , que havia, em Londres. Posto cm:
f*"..i este projecto, destruirão os Francezes a povoação em 1790;
mas re*teurou-sc em breve , porque 110 anuo seguinte hum fcill do'-Par«
lamento mandou formar, alli huma. Colónia , e em consequência con-.
stru-io-se » pequena Cidade -de Freetown , que tem Governador-., Guar-
rúçáo Militar, e- Officiaes C.iv is necessários. A Companhia Africana está
senhora deste Ommercio; e *m 1 820 checava a população da Coioniar.
a quatro, mi] -seiscentos etres- brancos., e oito mil e setecentos negros .
de ambos os sexos, estes quasi todos tomados nos navios de Escravatura.
168
te delle pela Costa se levanta huma montanha almsima
de nmis de cincoenta milhas de extensão, coberta de
grandes e viçosas arvores; e oiro milhas ao mar da ex
tremidade desta Serra ficavão três Ilhotas , a maior das
qnacs teria dez milhas de circumferencia, a que chama
rão as Selvagens, e á montanha Serra Leoa, pelo con
tinuado rugido àis trovoadas, que se ajuntao no seu
cume, sempre coroado de nuvens.
Passada a Serra Leoa, toda a Costa era raza , com
muitos bancos de arêa , que entrão pelo mar dentro; e
cousa de trinta milhas da sua ultima ponta acharão ou
tro Rio caudaloso, com perto de três milhas de largo,
a que denominarão Rio Vermelho (i), cujas aguas, re
flectindo a côr do fundo , parecião avermelhadas. Além
deste Rio estava hum Cabo, que recebeo o nome de
Cabo Vermelho, por ser o seu terreno avermelhado; e
huma Ilhota deshabitada, que distara dalli oito milhas,
teve o da Ilha Vermelha.
Dobrado este ultimo Cabo, fazia-se como hum
golfo , em que desembocava hum Rio considerá
vel , a que chamarão de Santa Maria das Neves (2) ,
por ser descoberto no seu dia (? de Agosto); e de
fronte da ponta do Sul deste Rio , hum pouco ao
mar, havia outra Ilhota. Deste golfo, ou Enseada sahião
muitos baixos de arêa, que seguião a Costa por dez,
A estação das chuvas começa nos fins de Maio, e acaba em Se
tembro, e nella he que grassão as mais perigosas doenças, pela exces
siva humidade , e calor, que reináo nesta quadra.
Os géneros de exportação actual são : arroz , madeira de Mogne pa
ra obras de marcineria, pio carne, que tinge de vermelho, excellente
carvalho próprio de construcção naval , marfim , e algum ouro.
(1) Rio Vermelho, Cabo Vermelho, &c. não se achão nas Cartas;
e como entre Serra Leoa e o Cabo de Santa Anna ha muitos Rios,
baixos , e Ilhas , he impossível determinar hoje os pontos de que elle
falia; massuspeito que o Rio Vermelho he o Rio das Gamboas.
(2) Não se encontra nas Cai tas o nome deste Ria
169

ou doze milhas, e nelles quebrava o mar, e era gran


díssima a corrente, com forttrs marés* de enchente, e va
gante: chamarão Ilha dos Baixos áquella Ilhota ; e além
delia cousa de vinte e quatro milhas ha hum Cabo,
que nomearão de Santa Anna, por ser deícoberto a 16
de Julho. Este intervallo da Costa he de pouco fundo,
e praias de arca.
Setenta milhas além do Cabo de Santa Anna acha
rão outro Rio, que denominarão das Palmas (i), por
haverem nelle muitas palmeiras: a sua barra, ainda que
parecia Jarga , era toda cheia de baixos , e de parseis ,
e por isso perigosa. Do Cabo de Santa Anna a este
Rio he tudo praia seguida , e outras setenta milhas mais
avante virão hum Rio pequeno, a que pozerão nome dos
Fumos , porque quando o dercobrírão se não via outra
cousa em terra, senão fumos (2), que fazião os naturaes
do Paiz. Mais além vinte e quatro milhas pelas praias
descobrirão hum Cabo , que entrava muito pelo mar, e
sobre elle apparecia hum monte alto, e assim lhe cha
marão Cabo do Monte (3). Cousa de sessenta milhas
mais adiante estava outro pequeno, e baixo, o qual tam-

■ (1) O Gabo de Sinta Ann» acha-se na latitude N. 70 14', e longi
tude 6o 4a', e he a ponta Occidental da ilha chamada pelos Portugue-
ze% o Faiulho , e pelos Ingleies Sherbero, cuja Ilha he mui comprida, e
o seu extremo Oriental forma a becea do Rio das Palmas. Ora como o
Cabo de Santa Anna fica para o Sul do Rio, a que os Descobridores
cnamãrão de Santa Maria das Neves , primeiro havião elles descobrir
aquelle , do que este; mas o contrario apparece nesta narração, pois
virão o Rio em f de Agosto, e o Cabo em 26 de Julho. Não nos de
ve admirar similhante confusão , porque o individuo , que deo as noti
cias a Cadamosto, nem era homem do mar, nem podia conservar na me
moria as épocas dos descobrimentos, as distancias dos lugares, e outras mil
circunstancias, que se escrevem hoia por hora a bordo dos navios, para
não esquecerem.
(*) He hoje o Rio dasGallinhas na latitude N. 70 5'. Este Rio he
propci") só para lanchas.
Ci) Situado -tu latitude N. 6o $$', e longitude 70 24'.
22
170

bem mostrava em «ima hum pequena monte, e a este


pozerão o nome Cabo Correi, ou Mezura-do (i)t Aqui
virão mmtos -Fomos naqae i.i primeira noite, tanto eiit
cintadas arvoras, como pelas pr.iias, feitos pelos Ne»
gror «taanda hou verão vista dos nossos- navios, nunca-
até então por eiles conhecidos. ■
Continuando a costear a praia por espaço de dez-
eseis mrlhás, observarão ham grande bosque de arvo
res -mui verdes, que se estendia até ao mar, e lhe cha»
márao Mata de Santa Maria (li; e no socairo delli
surgirão- as Caravelas, as qu.ies vierão algumas peque
nas Almadias com dous, ou três Negros cada biraia,
todos nus, armados de páos agudos, rodelas de couro,
Cutellos , e arcos, com as orelhas, e narize? furados, e
alguns com enfiadas de dentes ao pescoço, que paredão,
ser de homens. Os inrerpreres fa liarão -lhes difrèrentes
línguas , mas não se poderão entender huns aos outros.
De tre« Negros, que subirão a huma das Caravelas, re
viverão os Portugnezes hum , e deixarão os dous, segun
do a ordem que leva vão d' El Rei, na qual lhes determi
nava , que na ultima terra a que chegassem, e não que
rendo passar mais avante, se por ventura os seus inter
pretes não fossem entendidos dos naturaes, trouxessem
alguns destes por bem , ou por mal ; porque aprende-
riao no Reino a fallar Portuguez, ou serião entendidos
por alguns dos muitos Negros de varias Nações, que alr
li ce encontrão, e darião informação do seu Pai».
Em consequência destas ordens, como os Comman-
dantes determinarão voltar para Potugal , conduzirão
comsigo aquelle Negro, que em Lisboa achou hgma
escrava, que o entendeo não na >ua própria lingua , ma»
(O Situado na latitude N. 63 2;', « longitude 70 57'.
fa) Etu Mata de Sairta Maria, ainda conserva o nftme , "e era lagtr
mui conhecido do» Portuguezes, por cometar ai;ui o Commercio d»
Malagueta , ijue se estendia quaieuta legais pe&à. Cosu.
171

em outra que nmbos fallavão; e EIRei o mandou trans


portar alguns mezes depois em huma Caravela ao mes
mo Rio, onde fora tomado, e bem satisfeito das da
divas que levava.
I463 — Sendo EIRei D. Affonso avisado (1), que
a Cidade de Tanger podia ser surprehendida por hum
lugar, onde a muralha era mui baixa , e pouco vigia
da , determinou achar-se em pessoa naquella facção,
contra a opinião do Conde de Vianna D. Duarte de
Menezes , Governador de Alcaçar , que sobre isso lhe
escrcveo, pedindo que com dissimulação lhe mandasse
algum reforço de tropas, sem alvoroçar os Mouros com
a sua ida , e que elle se obrigava a conseguir a cmpre»
za. As intrigas, e artifícios do Conde de Villa Real ,
inimigo do de Vianna , fizerão regeitar os seus conse*
lhos, e entregar áquelle a direcção do negocio, rece
bendo logo adiantado, d custa dos bens da Coroa , o
premio dôs serviços que promettia fazer.
Em consequência deste arranja mento , passou o
Conde de Villa Real a Ceuta , e desta Cidade a Tari
fa , onde se embarcou para Tanger, e por algumas pes
soas que mandou desembarcar de noite, soube que a
muralha estava ainda no mesmo estado. Com esta noti
cia , que participou a EIRei, foi a Gibraltar (que 09
Hespanhoes havião tomado aos Mouras no antio ante
cedente) , e alistando alli gente de guerra, voltou a Ceu
ta com cento e cincoenta cavallos, e quatrocentos ho
mens de pé. O concerto entre EIRei e elle era este:
Que no dia em que EIRei apparecesse no mar defron
te de Tanger , chegaria o Conde por terra sobre a Ci
dade, para auxiliar a escalada, e impedir os socçorros-
(1) Vede Ruy de Pina na suaChronica desde Cap. 146 atcCap.156
— Acenheiro nas suas Chron iças , Cap. 2J, que concorda nos factos
princi ues. — Damião de Góes na Chronica do Príncipe D. João,
Cap- 17. - ■
22 ii
172

Porém EIRei tardou tanto era partir de Lisboa , que o


Conde, não podendo conservar mais tempo a gente es
trangeira, sem perigo de se descobrir o segredo, a des-
pedio.
El Rei, cuja passagem á Africa era já publica, sahio
finalmente de Lisboa com seu irmão o Infame D. Fer
nando a 7 de Novembro de 1463 , e a 9 chegou a- La
gos, onde achou o Conde de Odemira , e o Almirante
do Reino; e contra o parecer de rodos os Officiaes de
Náutica, se fez á vela com máo tempo, o qual carre
gou tanto, que foi aconselhado se recolhesse a Silves,
para salvar a sua pessoa , o que não quiz fazer. Sobre
a noite dobrou tanto o vento , que todos os navios cor
rerão grande risco de se perder, e os mais deites alija
rão tudo ao mar, excepto o navio em que hia EIRei,
que não conseiitio se alijasse cousa alguma. Perdeo-se
nesta tormetvta o navio de D. Affonso de Vasconcellos,
salvando-se por milagre a gente , e soçobrou huma Ca
ravela, em que morrerão Lourenço de Guimarães, ejoão
Vogado, Escrivães da Fazenda d' EIRei, Gonçalo Car
doso, Escrivão- da sua Camará, e o Rei de Armas Por
tugal. No dia 10, abonançando o tempo, achou-se
EIRei só com o Infante D. Fernando diante de Alcaçar,
e conhecendo c* Conde de Vianna o navio pelo Estan
darte Real, lhe veio fallar ao mar, edalli seguio EIRei
para Ceuta, em cuja Bahia se ajuntarão no dia seguinte
os navios da sua Armada, todos destroçados; e para
agradecerem a Deos otepem escapado do naufrágio, que
crião infarlivet, fbrão em procissão descalços a Nossa
Senhora de Africa o Duque de Bragança com seus fi
lhos , e todos os mais Fidalgos.
De Ceuta voltou EIRei a Alcaçar, havendo primei
ro declarado a intenção com que vinha de tomar Tan
ger; e de Alcaçar destacou doze Galés com gente esco
lhida, para irem tentar a escalada , e por Chefe desta
173
expedição Luiz Mendes de Vasconcellos , Fidalgo mui
to f.'intèfl?gente nas cousas marítimas; e elle marchou
porteira com o Infante D. Fernando, o Mestre* d'Aviz
D. Pedro, O Duque, e todos os outros Fidalgos, e o
resto das tropas. O Conde de Vianna contradisse o ata
que por mar, pela incerteza, e perigos que tem similhan-
tes combinações; mas não foi attenclido. EIRei chegou
a Tanger huma hora antes de amanhecer, sem ser sen
tido, porem as Galés não poderão realizar o desembar
que, pela fúria domar; e sendo a final vistas pelos Mou
ros, dispararão estes a sua artilheria, e accendêrão mui
tos fachos. EIRei, crendo que a Cidade era entrada,
por ser aquelle o mesmo signal que neste caso tinha
ordenado a Luiz Mendes , que fizesse , marchou para
ella, e em breve se desenganou do seu erro; e voltan-
do-se para as pessoas que o acompanhavão , disse: Não
me deixastes crer ao Conde D. Duarte , por ventura
se o fizera, esta vinda se empregara melhor. E reti-
rou-se logo para Alcácer, donde partio para Ceuta com
o Infante D. Fernando. Este passou outra vez, com li
cença d' EIRei, para Alcácer, levando comsigo todos os
Fidalgos, menos o Duque de Bragança, e o Conde de
Villa Real, a fim de se achar em huma entrada que o
Conde de Vianna hia fazer no interior do Paiz, a qual
teve lugar no dia 4 de Dezembro; e ainda que custou
algum sangue, recolherão-se com duzentos e vinte ca-
rivos, e grande quantidade de gado, de cuja preza o In
fante tomou para si o quinto, que pertencia ao Conde
como Governador da Praça ; EIRei o satisfez depois pe
ia Fazenda Real.
Durante a demora de EIRei em Ceuta , emprehen-
deo o Infante, sem seu consentimento , o assalto de
Tanger, e para este effeito sahio de Alcácer a 19 de
Janeiro de 1464, sem levar comsigo o Conde de Vian
na , porque lhe contrariava o projecto, e foi escalar a
174

flraca co#) mais valor, que Inrelligencia. E posto qu«


osPorruguezes a entrarão logo pelo lugar da Trmrallia
já reconhecido, sobreveio tal desordem entre e!tcs, que
forão expulsos cojn perda de duzentos morros , e cena
prisioneiros, em que entrarão muitas pessoas da primei
ra Nobreza , como se pode ver nas nossas Historias.v
Dilatou-se ElRei ainda algum tempo em Africa»
até que em huma entrada imprudente, que fez na serra
de Benecofú, esteve quasi perdido, e salvou-se á custa
da vida do .Conde de Vianna , hum dos Heroes do seu
século, que por acaso tinha vindo fallar-lhe a Ceuta.
Depois deste infausto suecesso voltou para Portugal, e
desembarcou em Tavira.
1469 — Neste anno passou a Africa o Infante D.
Fernando com huma Armada , em que levava muita «
boa gente, e foi desembarcar em Anafe, que já tinha
mandado reconhecer por Estevão da Gama (1), Fidal
go da sua Casa , o qual esteve alli disfarçado em mer
cador com. huma pequena embarcação carregada de fi
gos, e passas do Algarve. Os Mouros, quando virão o
numero dos navios Portuguezes , não ousarão oppor-sc
ao desembarque , e desampararão a Cidade e o Ca9tet-
lo. O Infante, não julgando acertado conservar esta con
quista, mandou queimar a povoação, depois de saquea
da , e desmantelar as fortificações y e feito isto, regres
sou a Portugal (z).
Neste mesmo anno de 1469 arrendou ElRei o Com-
jnercio de Guiné (3) a Fernão Gomes, Negociante de
Lisboa, por duzentos mil réis cada anno, devendo du>-

(O Anafe , grande povoação arruinada 1» Costa Occidental de Afri


ca , situada na latitude N. j j" 45', e longitude 10" 4)'. Tem hum»
"Bahia de pouco abrigo , em que se pôde surgir por 18 ate 2; braças.
(a) Ruy de Pina, Cap. 110. — Damião de Góes, Chronica do
■Príncipe D. J0S0, Cap. 17.
(i) Barro», Pecada 1. Liv. a. Cap. a.

/"'
IT9

wet o seu Contracto cinco anhos, obrigando-se diè a


descobrir á sua custa cem legoas de Costa em cada an
no, a começar da Serra Leoa para o Sul. . ;*„..
1470 — Neste anno descobrio Soeiro da Costa o
Rio, a que deo o seu nome (1), o qual se conservar
ainda em todas as Cartas. , > 1
1470 — Partirão de Lisboa por ordem de Fernão-
Gomes, em duas Caravelas (2) João de Santarém , e
Pedro Escovar, Cavalleiros da Casa d' EIRei , e por seus1
Pilotos Martim Fernandes, e Álvaro Esteves, reputada
pelo mais hábil do seu tempo ; e correndo a Costa de
Africa além dos pontos já conhecidos, descobrirão em-
Janeiro do anno seguinte o lugar, a que se deo o nome.
da Mina, pelo muito ouro que alli concorria; e não;
longe do qual mandou depois EIRei D. João II. con--
struir o Castello da Mina.
. 14*71 — Depois de muitos Conselhos, que EIRei'
fez em Lisboa no anno antecedente, e nos princípios',
deste de 1471 sobre a conquista de Tanger (3), se de-
tidio por ultimo ser mais conveniente a de Arzila (4);
e- para certificar-se do seu verdadeiro estado de deftsa,
a- mandou reconhecer por Pedro de Alcáçova , seu Es-;
crivão da Fazenda, e Vicente Simões, abalisado mari-

(i") O mesmo Barros no lugar citado. Este Rio está situado na'
Costa Occidental da Africa na latitude N. $° l j', e longitude 15o 1 $',
obra de trinta legoas áquem do Cabo de Três Pontas
£a) Não achei a época em que estes dous Descobtidores partirão pa-
ratastia conrmissão. Vede Barros no lugar acima citado. — Galvão

(*) Vede a Chronica do Príncipe D. João, Cap. 18 até jt.— Ruy


ó» Pina, Cap. t6i até 167. — Acenhetro, Cap. 2j.
-(*J Anil*, rfistantt- quasi seis legoas ao Sul do Cabo de Espanei,
está situada na latitude N. $$° {o',-e longitude 12" 12'. O seu Por-
t« lie pequeno, e não admit te embarcações grandes; hum recife de pe-
(^i^ divide -a entrada em dous carnes , de que tem mais fundo o do
"Norte.
176
nheiro, os quaes disfarçados em mercadores, cumprirão
esta commissao, e com as boas informações, que derão,
acabarão de resolver EIRci a tentar a enipreza.
< 'Começárão-se logo a reparar, e afretar navios den
tro, e fora do Reino, e a fazer aprovisionamentos de
munições de guerra , e de bocca para hum Exercito de
trinra mil homens; e achando-se quasi tudo prompto ,
teve EiRei noticia de haverem os Inglezcs roubado no
Canal doze grandes navios Portugueses mercantes; pira
taria exercida por Falconberg, General do Conde de
Warvic, que então dirigia despoticamente aquelle Esta
do. E tomando sobre isso conselho com as principaes
pessoas , foi quasi unanime o voto de que se empregasse
o armamento actual contra aquella Nação, para tomar
a justa vingança que tamanho insulto pedia. Em conse
quência desta opinião, escolherão-se os melhores navios,
e a melhor gente, e nomeou EIRei por General a D.
João, filho do Duque de Bragança, para commandar
esta nova expedição, que se não verificou, porque no
momento de partir, soube EIRei, que o Conde de War-
vic, e o Principe seu protegido tinhão morrido em hu-
ma batalha (i), e o Rei Eduardo se achava senhor pa-

(i) O Conde de Warvic, famoso Chefe de Partido nas guerras ci-


víj de Inglaterra entre as Casas de York , e der Lancaster , morreo '■ na
batalha de Barnet, ganhada a 14 de Abril de 147 1 pelo Rei Eduardo IV.,
e a 4 do me* de Maio seguinte foi novamente derrotado pelo mesmo
Monarca o Partido Lancastriano na batalha deTeukesbury, e alli assassi
nado a sangue frio , por ordem sua , o Principe Eduardo, que pertendia
a Coroa daquelle Reino. O bastardo de Falconberg, sendo tomado pri
sioneiro pouco depois d«ta victoria , acabou degolado.' Talvez que
EIRei D. Affonso tivesse algumas intelligencias secretas com Eduar
do IV. , por meio do Duque de Borgonha , e por isso os Lancastrianos
fizessem o roubo dos navios Portuguezes.
Cumpre observar , que nesta época não havia na Inglaterra hum só
navio da Coroa ; os Príncipes, quando querião fazer hum armamento,
afretavão, ou apenavão embarcações de particulares. Henrique VII. foi
177
cifíco da Inglaterra ; successo que reduzia o negccio a
huma transacção diplomática com a Corte de Londres,
para obter a restituição das prezas, como a final se ob
teve (i).
Desvanecida deste modo a expedição de Inglater
ra , tornou EIRei ao primeiro projecto; e como o Prín
cipe D.João, á força de instancias, obteve licença para
a acompanhar ( ainda que contra a opinião do Con
selho), não querendo acceitar a Regência em que que
ria deixa-lo , nomeou EIRei ao Duque de Bragança
D. Fernando , por Carta Patente dada em Lisboa a 2
de Agosto deste anuo , por seu Lugar-Tenente, para
governar o Reino com a mesma aathoridade, que Elle
teria , se presente estivesse , durante a sua ausência , e a
do Principe (2),
No principio de Agosto entrou em Lisboa o Du
que de Guimarães, Commandante da Esquadra do Por
to, e das tropas das Provincias do Norte, por quem
EIRei esperava para sahir, mas sobrevindo ventos con
trários, partio de Belém a 15; de Agosto, e dois dias
depois ancorou em Lagos , onde achou prompta a Es

o primeiro, que mandou construir bum navio de guerra. Vede Hume,


tomo j. Cap. 26.
(1) Duarte Nunes de Leão (Cap. 40) relata este successo de outro
modo, dizendo, que EIRei se vingou dos Inglezes, danço Cartas de
Marca, para que es Portugtiezes podessem fazer preza nos effeitos a el-
Jes pertencentes; e que esta medida jroduzio tal consternação, que'
Eduardo IV. mandou Envbaixadores a Portugal , de que se segitio total
restituição dos htnl roubados , -e pa s , e omixwde coln Portugal , até que
te unio cam os Reinos de VasleUa.
(a) Vede a Historia Genealógica da Casa Real, tomo 5. Liv. 6.
pag. 162, onde vem esta notável Carta, e por ella se demonstra, que
não ficou governando o Conselho de Regência, de que falia Damião de
Góes na Chronica do Principe D. João; nem podia a Prirceza D.Leonor
ficar na Regência, por contar' nessa época mui pouco mais de treze
annos.
23
178
quadra do Algarve, e o aguardava também o Conde
de Valença, que ellc mandara chamar a Alcácer. Con
stava a Armada de trezentas e trinta e oito ve'las , en
tre Náos, Galés, Fustas, e outras embarcações de car
ga, e vinte e quatro mil homens de tropas, fora a gen
te do mar (i).
Em Lagos dilatou-se EIRei só aquelle dia, e no
seguinte ouvio Missa em terra, no fim da qual decla
rou, que o objecto da expedição era a conquista de Ar
zila i e fazendo-se logo á vela, chegou 322 a avista-la,
e surgio já sobre a tarde, estando os Mouros noticiosos
da sua vinda.
Nessa noite se ventilou em Conselho a maneira de
verificar o desembarque, que era perigoso, por estar o
mar muito agitado, rebentando em flor no recife, e nos
outros pontos, em que podia tentar-se. Depois de vá
rios pareceres, decidio-se, que em amanhecendo , o Con
de de Monsanto D. Álvaro de Castro, e o de Marial
va D.João Coutinho, desembarca rião com duas Divi
sões de tropas; e que no momento em que chegassem
á. praia, sahisse EIRei dos navios com outra Divisão,
e os petrechos, e ferramentas necessárias, para que n'a-
quelle dia se oceupassem os postos de tal sorte, que a
Praça não podesse receber soccorro algum. Os dois Con
des, que erão Generaes de grande experiência, ftzcráo
(O O» nossos Escritores, varilo muito na força desta Armada. Ruy
fie Pina (Cap. 16 j) lhe dá quatrocentas e setenta e sete embarcações,
c trinta mil homens. O manuscrito de D. Vasco de Almeida diz, que
constava de trezentas e trinta velas, e vinte e três mil homens; e qua
a despega deste armamento fora de cento e trinta e cinco mil dobras*.
Manoel Severim de Faria (Noticias de Portugal, Discurso 1. § 1 ; )
falia somente em duzentas, e- vinte velas. Duarte Nunes de Leão (Chio-
nica d' EIRei D. Affonso V. , Cap. 40) numera trezentas e oito vi-las ,
e vinte e quatro mil homens, de guerra escolhidos- Nesta diversidade
de opiniões escolhi a de Damião de Góes ; mas não duvido, qtw ae
tropas fossem ent maior nu mero.
179
trio boas disposições, que ao romper da alva, esravao
ab.irbados com a terra , ainda que não poderão logo
desembarcar, pelo muito venro, e mar, que estorvava os
remeiros, e atravessava as embarcações carregadas de
6oldados.
EIRei , observando o perigo em que estavão os
Condes, quiz ser delle participante, e embarcou com
o Principe nos vasos destinados para a sua Divisão, fa-
eendo remar com tanta força, que em breve se achou
iro rolo da praia ; o que visto da Armada , não ficou
soldado, que ou em Caravelas, e Fustas pequenas , oa
em lanchas, e escaleres não seguisse o seu exemplo; é
assim rodas as embarcações combatendo, e res-istindo á
fúria dos ventos, e das ondas , trabalharão com tal es
forço, que tomarão terra, posto que com perda ; porque
se alagarão, ou soçobrarão muitas, em que se affogá-
rao mais de duzentos homens , em que entrarão oito
Fidalgos, e outros Cavalleiros, e Escudeiros.
Tanto que EIRei desembarcou, sem esperar o Pa
lanque, e a grossa artilheiia , que vinha na Armada, e
não podia desembarcar por causa do tempo , formou o
seu campo, cobrindo-o com foço, e trincheiras, no que
se gastou o resto do dia, sem que os Mouros ousassem
sahir a defender o desembarque, ou a perturbar estes
trabalhos, a pezar de terem dentro dos seus muros mui
ta gente de guerra.
Sem perda de hum instante, mandou EIRei bater
a Praça com as únicas duas peças, que por mais peque
nas se conseguio desembarcar, e entre tanto os bestei
ros, e espingardeiros atiravão de continuo aos sitiados,
que appareciao nos parapeitos. Depois de três dias de
«cessante fogo, achava-se em dois lugares arruinada a
muralha, quando a 24, ao amanhecer, os da Divisão
do Conde de Monsanto , que estava de guarda á trin
cheira da banda do Castello, virão bandeira branca em
23 ii
ICO
luima das Torres, e respondendo o Conde so signa!,
lhe veio recado da parte do Alcaide, pedindo seguro
para tratar de capitulação, o que o Conde communi-
cou logo a El Rei, que respondeo, lhe desse todas as
seguranças, a fim de que o Alcaide viesse á sua presen
ça.
Andando nesta diligencia, suspeita-se que algumas
pessoas de consideração, querendo antes victoria com
sangue, do que paz, incitarão os soldados a darem im-
mediatamente o assalto, o que fizerão com tanta furta,
servindo se de algumas escadas, e engenhos, que para
isso estavão apercebidos, que penetrarão na Praça por
varias partes, se bem que os Mouros se defenderão com
o maior valor. ElRei , sabendo que a Praça era entra
da , acodio com o Príncipe ao lugar do conflicto ; e
vendo que as brechas erao estreitas, e não davão fácil
subida, e que a grita, e rumor erão grandes dentro da
povoação , pedio outras escadas , pelas quaes subirão
muitos soldados, de que alguns abrirão as portas, e elle
pôde entrar com o Príncipe. Os Mouros, não podendo
resistir mais, reco! hêrão-se á Mesquita , e ao Castello.
Ganhada a Viria , ordenou ElRei ao Conde de
Monsanto, que embiraçasse aos Mouros a sahida do
Castello , e elle dirigio-se á Mesquita , cujas portas es
tavão fechadas, e trancadas de maneira, que só com
vaivéns se poderão arrombar, e a entrada foi defendi
da pelos Mouros com tanta coragem , que mui poucos
homens ficarão cativos , sendo os mais destes mulhe
res , e meninos, que alli se havião recolhido; e nesta
cecasião morreo o Conde de Marialva , que ElRei, e
todo o Reino sentirão muito, por ser hum dos mais
completos Fidalgos, que então havia em toda a Hespa-
nha ; e este Monarcha, para honrar a sua memoria, ar
mando Cavalleiro ao Principe na Mesquita , em que es
tava ainda patente o cadáver ensanguentado do Conde,
181

lhe disse: Filho, Deos vos faça lao bom Cavalkiro,


como este que aqui jaz.
Restava só tomar o Castello, que era forte, e bera
guarnecido de gente, e munições. El Rei mandou logo
conunetter á escala , e correndo os Portuguczes ao as
salto com grande ímpeto, montarão a muralha, e for
çarão os defensores a buscar abrigo nas Torres, onde
poucos se recolherão, porque os de dentro fecharão as
porcas , para evitar que os Portuguczes entrassem de
mistura com elles; e sem quererem render-se, oppoze-
rão tão desesperada resistência, que os mortos, e feri
dos de ambas as Nações estavão em montes; e aqui
acabou o Conde de Monsanto, de cuja morte irritados
os soldados , não derão quartel a ninguém.
EIRei, e o Principe entrarão no Castello, na maior
força do ataque das Torres, e se comportarão com des
temido valor, combatendo o Principe (que tinha dezeseis
annos) como se fosse hum simples soldado, de manei
ra que trazia a espada torcida dos golpes, e ensanguen
tada. Os Mouros, que ainda oceupavão algumas Tor
res, vendo tudo perdido, renderão se á discrição.
O numero dos cativos passou de cinco mil, em que
entravão duas mulheres, e hum filho, e hum a filha do
Moley Xeque, senhor de Arzila (que depois subio ao
Throno de Fés) ambos de tenra idade, cuja filha, e
mulheres se trocarão pelos ossos do Infante D. Fernan
do: e o filho mandou-o EIRei graciosamente a Moley
Xeque. Morrerão dos Mouros mais de dois m^. Dos
Portuguezes ignora-se o numero dos mortos, que de cer
to foi grande. O despojo desta Praça, que EIRei ce-
deo todo em beneficio do seu Exercito , avaliou-se cm
oitenta mil dobras (i); e para seu Governador nomeou
(i) Damião de Góes, e Garcia de Rezende (Chronicade D. Joíoll. ,
Cap. $.) dizem oitocentas mil dobras; Kuy de Piua, e Aceuhtiro di
zem oiteuu mil, o que me rareceo mais ptovavel.
182
jftrmdè rte-V^ertcí' T). Henrique de Menezes, filho do
il lustre Conde de Vianna D. Duarte de Menezes.
Motey Xeque 4 que neste rompo andava oceupado
tia guerra civil de. Fés, avbado que EIRei D. Afrouso
estava sobre Arzila, marchou a soocorre-la ; mas che>
gniido a Alcácer Quibir , soube' que estava tomada ; e
receando, que El Rei quizesse proseguir na guerra, e lhe
obstasse ao projecto, que rinha formado de se razer Rei
rie Fés, lhe mandou offerecer tréguas, as qurjes se con>
-eluírão por vinte annos , com as clausulas que contão
as nossas Historias.
Os moradores de Tanger, aterrados com a tomada
de Arzila , e sem esperança de sóceorro pela guerra ci
vil em que ardia toda a Mauritânia, abandonarão a Ci*
dnde, e passa rã o-se com os seus bens para difFerentes
partes, de que avisado El Rei , mandou a grão pressa
marchar o Marquez de Monte-Mor com hum grosso
destacamento pira oceupar aquella Praça, como fez no
dia 28, achando nella muita arfilheria, e munições de
guerra; e com o Príncipe, e o resto do Exercito o se-
guio de perro. Alli nomeou para Governador a Ruy de
Mello, que depois foi Conde de Odemira; e deixando-
lhe huma boa guarnição-, sábio a 17 de Setembro com
toda a Armada, e entrou em Lisboa a salvamento.
1472 — Continuando a correr a Costa d'Arrica os
descobridores mandados por Fernão Gomes, descobrio
Fernão do Pó (r), Cavallciro da Casa Real, huma Ilha,
que ainda hoje conserva o seu nome, não obsrante clle
chamar-lhe Ilha Formosa (2), pelo aspecto que apre-
senrava o viçoso, e copado, que a cobria toda.

(1) Vede Barras, Década 1. Liv. 2. Cap. 2. — António GalvSo,


pag. 25. — Faria, Ásia Portugueza , tomo i. Patte 1. — As noticias
«le todos estes Escritores são muito escacas.
(2) K*t« lltia lie muito alta, e tem o ancoradouro em huma Pahii
da banda do N.O. com fundo de vmre braças. A tua latirwle^. to-
103
Outros Navegantes Portuguezes , de quem se igno-
úo os nomes, descobrirão neste mesmo arnio as Ilhas
de S. Thomé, Príncipe (i), e Anno Bom 2) ; e Imm
F. de Siqueira, Cavalleiro da Casa Real, deecobrio
neste anno, ou no seguinte o Cabo de Santa Cathari-
na (3), ultimo termo a que chegarão os descobrimen
tos no Reinado de D. Affonso V. , que falleceo era Cin
tra a 28 de Agosto de 1481.
l8M . 1. ■■. . ii ...


mada na Bahia he de j° 54', e a longitude de 26o 50'. Outros as»x
signáo-lhe differente posição. Em tempos antigos tiveráo os Poitugue-
zes alli hum Forte.
(1) A Ilha de S. Thomé está Leste Oeste com o Rio de Gabão,
pouco mais ou menos. O Porto he da banda de Leste , e tem pouco
fundo; mis surge-se fora deite em cinco, e seis braças, arca, com abri.
£ o dos ventos , menos da banda de Leste , que he perigoso. No Forte a
/atitude N. he de 27', e a longitude de 25o 20' 40'. A Ilha do Prín
cipe está na latitude N. de i° 22', e longitude de 25o 57' 40". Terri
bum bom Porto da banda de E. N. E. , com fundo de cinco e meia ate
seis braças e meia na entrada, todo limpo. Antes de chegar ao Porto
tem duas Enseadas com bom íunrto , e capazes de muitos navios- e
m«is outra da parte de Oeste com qum?e braças fie fundo limpo e boa
a geada. Em outro tempo tirava-se grande interesse destas duas Ilhas >
como direi adiante.
(2,") Esta Ilha lie mui fértil , e alta. Tem o ancoradouro da banda
do Norte, com fundo de arca branca, e de seis braças para cima. La
titude S. i° 25', e longitude 2 j° 45'.
(i) Latitude do Gabo 2"? 7'S,, e longitude 2%* 45'.
IP4

PARTE PRIMEIRA.

SEGUNDA MEMORIA,
COMPItEHENDENDO DKSDB O ANNO UR 148 L
ate'* AO ANNO DE 1521.

Reinado d' Elrei D. J o X o II.

N, a época em que este Monarcha subio ao Thro-


no, a fama das viagens dos Portuguezes fazia esquecer
as dos Fenícios , Carthaginezes , Gregos, e Romanos,
em quanto as vantagens commerciaes, que ellas produ-
zião, erão inferiores ao alto conceito, que tinhão for
mado as Nações da Europa. Achava-se descoberta hu-
ma grande extensão da Costa Occidental da Africa ,
mas fakavão nella estabelecimentos permanentes, á ex
cepção do Casteilo de Argíiim, em que se concentras
se o trafico, que alguns navios soltos entretinhão cora
os Portos, e Rios mais conhecidos: nem mesmo o Cas
teilo de Arguim se achava agora em situação capaz de
preencher similhantes fins, por se haverem ampliado
tanto os descobrimentos posteriores á sua fundação, que
distava muitos centos de léguas do Cabo de Santa Ca-
tíiarina , ultimo termo a que chegou a bandeira Portu-
gueza no Reinado antecedente.
Elllei D. Joio, que era dotado de huma alma
grande, capai de conceber, e combinar os mais vastos
projectos; que possuia assaz conhecimentos scientifkos ,
e sobre tudo o raro talento de conhecer os homens, de
105
os saber premiar, e empregar, segundo o sen mereci
mento; e que tinha idéas exactas dos verdadeiros inte
resses políticos da sua Nação , abalançou-se a comple
tar, o plano de seu Tio o Infante D. Henrique, que
tendia a attrahir a Portugal o Commercio da Africa ,
e da Ásia.
Para assegurar, e adquirir todo o Commercio da
Africa, era preciso empregar maiores esforços, e mais
bem dirigidos não só na continuação dos descobrimen
tos , porém no reconhecimento completo dos Portos,
B.iliias, Rios, e Cabos, para depois, com conhecimen
to de causa , se elegerem os pontos mais importantes
em que se estabelecessem os depósitos do Commercio,
de maneira , que concorressem a elles as Caravanas das
Cidades do interior daquelles Paizes, com o ouro, e
mais géneros preciosos da sua producção; e pelos mes
mos canaes lhes entrassem as manufacturas, e efteitos
xie Portugal.
Consistião os géneros , que se exportavão da Afri-
.ca , além de extraordinária abundância de ouro, era es
cravos, marfim, couros de varias espécies, assucar, cer
xa, gomraas, almíscar, e malagueta ; em troco dos
quaes davão os Portuguezes missangas, quinquelherias,
ferro, e pannos, com outros vários artigos, de que ti,-
ravão immensos benefícios; c este trafico, prosperando
muito no Keinado actual , cresceo ainda mais nos suc-
cessivos.
Até este tempo contentavão-se os Navegantes Por
tuguezes com darem nomes aos Cabos, Rios, e Portos
que descobrião, e só algumas vezes levantavão Cruzes
de páo em lugares notáveis, que no fim de poucos ân
uos deixa vao de existir: e como não determinavão a
posição geográfica dos pontos que reconhecião , vinhão
outros Navegantes, que lhes impunhao differenres no
mes, cuidando terem feito novas descobertas; o que
24
186
nao causou pequena confusão nas Historias dos Desco
brimentos.
Conhecendo EIRei a importância de formar rrara
systema, que contestasse a certeza, e legalidade da* cies*
cobertas, pois que, segundo os princípios de Direito Pu
blico praticados na Europa , o simples acto do desco
brimento de hum Paiz conferia ao descobridor certos
direitos de propriedade territorial , ou ao menos de
monopólio exclusivo do Commercio; ordenou, que os
Commandantes dos navios commissionados para faze-
Tem descobrimentos, levnssem a seu bordo, para os col-
íocar nos lugares que descobrissem , huns grandes mar
cos de pedra (a que se deo o nome de Padrões), que
tirrhSo na frente as Armas Reaes , e nas costas hum le
treiro em Porruguez, e Latim, em que se relatava ô
Itome do Soberano, o do Commandante do navio , e *
armo da descoberta , rematando o Padrão com hum*
Cruz no alto. Alguns destes tem sido achados moder
namente, como em seu lugar direi.
TaO oceupado andava este Príncipe com o pensa
mento de regular, e ampliar o Commercio Africano,
tjue subindo ao Throno nos últimos dias de Agosto de
T48r, fez partir nos princípios de Dezembro do mes
mo anno a Diogo da Azambuja com huma Esquadra
"para ir fundar o Castello da Mina. E quando depois
eonheceo melhor a configuração daquella Costa, e a qua
lidade dos seus Portos , percebendo a vantagem que â
Ilha deS. TTiomé tirava da sua posição próxima ao Rio
de Gabão, fez roda a diligencia pela povoar, e nomeou
por seu Governador em T493 a Álvaro Caminha (1),
a quem entregou os filhos menores de ambos os sexos,
que se rirárão aos Judeos Hespanhoes refugiados em
Portugal no anno antecedente. Com efFeito, aquella Ilha

' (O Ruy de Pina, Chronica de D. João II., Cap. 61.


187
em breve encontrou em si o Commercio da Costa da
Africa fronteira (i) , e chegou no Reinado seguinte a
hum ponto de prosperidade quasi incrível.

(O O clima de S. Thomé , por mui quente, e mui húmido Tie


nocivo aos brancos, sobre tudo nos mezes de Dezembro, janeiro, e
Fevereiro, que são os de jrainres calores: nos de Março, e Setembro
costuma chover muito; e nos de Maio, Junho, Julho, e Agosto, em
que reinãa os vento* do segundo, e terceiro quadrante, he o tempo
mais fresco, e saudável. Em geral he raro o homem branco, que pas
sa de ciiicoenta annos de idade. As doenças usuaes são febres agudas.,
c dysenterias ; e os Europeos , quando alli se estabelecem, tem quasi
jempre no principio numa grave enfermidade , de que muitos morrem.
No anno de 1 520 continha a Capital de S. Thomé perto de sete
centas famílias de Portuguezes , Hespanhoes, Francezes , e Gerrovèzês,
a maior parte casados, alguns delles com negras livies naturaes da r,e>
t» , e alguns com mulatas ; porque a todo o Enropeo , que hia estabe-
Jecet-te na Hha , assignava o Feitor d'EJRei por via de compra, e a
preto commodo, aquclla porção de terreno inculto, que elle podia cul
tivar, segundo os meios que tinha para comprar os escravos necessá
rios , pois que estes faziáo todos os trabalhes ruraes.
O gtworo principal desta Ilha (bem como da do Príncipe) era
O assacar , cuja cana tardava cinco me • es a amadurecer ; e não obstan
te achar-te em cvilrura só a terça parte delia, existiâo em plena acti-
vídjde sessenta Engenhos, huiis movidos por agua, outros por cavala
los, e outros i força de braço , importando o dizimo da Fazenda Real
de doze a quatorze mil arrobas de assucar cada anno; por oítoV f&JI
calcular-ss a colheita em cento e cincoenta mil arrobas, attendendo a©s
dtscarhinhos e fraudes. Este assucar não era tão seco, nem tSo alVd
como o qtre naquelle* tertipqs se fabricava na Ilha da Madeira:
Além do assucar, fazia esta Ilha hum grande Commercio em ejerà^
vos, porque hella vinhão reunir-se quasi todos os o\ie os Póttuguezes
compravão pelos Portos de Guiné, de Eenin , e ManicOngò: assim os
moradores provião-se dos que necessitarão para o seu serviço domesti
co , e para a Agricultura, e erão tantos, que muitos Lavradores pos4-'
su ião dfe cem ato trezentos de ambos os sexos; 0 resto delles passava
para a Ilha de S. Tiago, onde conçõrrião a compra-los Os ríavios Hes-'
vanhees, que commerciavão com as índias Occidentnes. Esta ulrirVia
ilha servia de escala, e deposito entre S. Thomé e Lisboa1: as embar
cações Portuguez:*, qtté> transportarão a S. Thomé os géneros dá Euro-'
pa, tocavão em S. Tiago, deixaváo alli ás vezes parte dos seus effet-
ros, e hião a S, Thomé carregar de assucar para Portugal. Os Negociata-
24 li
188
Attrahir a Portugal o Commercio da Ásia era
empreza mais difficil, e que exigia vastos preliminares.
Antes da tomada de Constantinopla por Mahomet II.
em 14J3, as ricas drogas do Oriente erão conduzidas
áquella Capital ; e os Navios de Veneza , de Génova,
e de outras Republicas Italianas as transportavão aos
Portos do Mediterrâneo. Depois daquella conquista,
que produzio huma total revolução nas relações politi
cas , e mercantis da Europa , buscou o Commercio da
Ásia nova direcção; e entrando pelo Mar Roxo no
Egypto , concentrou em Alexandria o seu principal de
posito (1), de que os Feitores de Veneza se apodera
rão, á sombra de hum Tratado feito com o Sultão da-
quelle Estado. Esta Republica foi tão poderosa no sé
culo decimo quinto , e parte do seguinte, que no anno
de 1420 possuia perto de três mil embarcações mercan
tes com sete mil marinheiros de equipagens, mais sete
centos navios grandes, guarnecidos de oito mil homens,
e outros quarenta e cinco vasos de maior força, que le-
vavão onze mil homens ; e oceupava nos seus Arsenaes
públicos , e particulares dezeseis mil Artifices (z).
Apezar da apparcncia de força naval , e grandeza
que dava aos Venezianos o monopólio das riquezas do
tes da mesma Ilha de S. Tiago t inluo navios seus , que se empregaváo
no mesmo trafico; e por fssa razão cita Ilha era então rica, e flore-
cente.
Vede o N.° a. intitulado =3 Navegação de Lisboa para a Ilha de
S. Thomcsr, no tomo 2. da Collecção de Noticias para a Historia das
Nações Ultramarinas , pela Academia Real das Sciencias de Lisboa. He
huma Memoria summamente curiosa, escrita por hum Piloto Portu-
guez, que fez cinco viagens de Lisboa a S. Thomc , em Navios de
Commercio, sendo a primeira no anno de 1520.
(O Eu não pretendo fazer aqui a Historia do Commercio da Ásia,
o que pediria huma longa narração ; mas somente dar huma idea geral ,
e suecinta da direcção quexste Commercio seguia para chegar á Euro
pa no tempo d'E!Rei D. João II.
<a) Vedí Clarke, tomo 1. Liv. i. Cap. 1.
139

Oriente, era visível, que se os Pcrtuguezes descobris


sem huma fácil communicação por mar cem a Ásia, e
aili fizessem bons estabelecimentos nos pontos mais con
venientes , todas aquellas riquezas reverterião para as
suas mãos, e Portugal viria a ser o centro do Corumer-
cio, não só da Europa , mas de todo o Mundo , como
aconteceo no sceulo seguinte.
Duas cousas paredão necessárias para pôr em execu
ção este vasto plano : adquirir noções mais exactas so
bre a Hydrografia do Oriente, de que quasi nada se sa
bia, e aperfeiçoar a Construcção Naval , e a Sciencia
Náutica , de que dependia a segurança de viagens tão
remotas por mares desconhecidos.
Para achanar o primeiro obstáculo, mandou EIRei
Í>or terra á índia no anno de 1487 a Pedro da Covi-
hã, Cavalleiro da sua Casa (1), e AfFonso de Paiva,
homens intelligentes , capazes de observar, e de expli
car o que vissem, os quaes visitarão os principaes Por
tos do Oriente, que servião de escalas ao Commercio,
como largamente tratão os nossos Historiadores; mas
as noticias, que por este meio tarde se obli verão, não
abrirão ajos Portuguezes o caminho da índia; outros
princípios produzirão este feliz resultado.
A Astronomia , e a Geografia vierão em soccorro
da Arte Náutica, e destruirão o segundo e maior ob
stáculo. Achava-se neste tempo em Lisboa o Astróno
mo Martim Eobemus , digno discipulo do celebre João
Muller (2), com o qual, e os Mestres Rodrigo, e José.
(1) Ruy de Pina (no Cap. 21 da Clironica de D. João II.) cha
ma liie João da Covilhã , e colloca esta jornada no anno de 1486 ; a
sua narração he mui differente da de Joáo de Panos (Década 1. Liv. j.
Cap. 5.), onde se pôde ver toda esta importante transacção, que eu só
indico.
(2) Vulgarmente chamado Régio Montano , que falleceo em 1476,
«depois de publicar hum novo Calendário, e humas Ephenierides pat»
-ttíi.u anno* , com Taboas das Declinações dos Astros.
190
ambos tácdicos da Real Camará, o Bi?po de Ceuta
Diogo Ortiz , e o Licenciado Calçadilha, Bispo de Vi-
zeu , formou ElRei huma Junta de Mathematicos , cu
jas Sessões se tinhão em casa de Pedro de Alcáçova.
Parece que aos trabalhos destes Sábios se deveo a in
venção do Astrolábio ,- o melhoramento da Bússola, e
Cartas Maritimas-Planas (já inventadas na escola de
Sagres), e a formação, ou aperfeiçoamento de novas
Taboas de Declinações dos Astros.
Estes conhecimentos Náuticos, vulgarizados entre os
Navegantes Portuguczes, os habilitarão para emprehen-
der quaesquef viagens, afastando-se da rotina antiga,
que era sufficiente para descobrir a Costa da Africa
Occidental-, porque sendo esta seguida do Norte para
o Sul , logo que huma embarcação via hum ponto já
conhecido, bastava que seguisse por hum rumo paralle-
lo ; e se perdia a terra de vista , mettendo a proa a
Leste, a achava outra vez. Agora porém que os Na
vegantes tinhao instrumentos, e princípios scientificos
para determinarem cada dia a posição dos Navios no
alto mar, e dirigi-los para hum ponto qualquer, po*
dião rodear toda a Africa até descobrir alguma passa
gem para a índia.
Trabalhou-se igualmente em melhorar a Archite-
ctura Naval : construirao-se navios mais fortes , com
huma mastreação mais bem entendida , e com maiof
porão para receberem víveres, e aguada sufficientes a
huma longa jornada ; e andava ElRei tão embebido
nestas idéas , que quando Bartholomeu Dias voltou da
trabalhosa viagem, em que descobrio o Cabo de Boa
Esperança , o encarregou do corte das madeiras, e cori-
strucção dos navios, que intentava mandar aõ descobri
mento do Oriente, julgando com razão, que hum Offi-
cial, que acabava de experimentar as tempestades-, c pe
rigos daqucUcs mares incógnitos, era quem podia mar
lí)l

car a força , e qualidade das embarcações capazes de os


arrostar e vencer d).
A morte não deo o rempo necessário a este Gran
de Monarcha para começar aquella gloriosa expedição,
que a Providencia reservava para o seu feliz Successor.
Foi Capitão Mor da Frota, durante o seu Reina
do, o Conde de Abranches D. Fernando de Almada*:
por Carta passada em Beja a 14 de Março de 14 89,
cm confirmação de outra d' EIRei seu Pai , datada de
Évora a 28 de Fevereiro de 1456.
Nos últimos annos da sua vida mandou EIRei
construir huma Náo de mil toneladas, a maior que aré
alli se tinha visto, tão forte de costado, que as balas
não a podião passar; a qual fez huma só viagem, com
outros navios ao Mediterrâneo (2). Foi também obra
sua a Torre de Caparica (Torre Velha), que guarneceo
de muita artilheria ; e tinha determinado levantar huma
boa Fortaleza na ponta de Belém , onde depois se fez
a Torre de S. Vicente; de cuja Fortaleza desenhou a
planta Garcia de Rezende. Estes dous Castellos erão
para defender a passagem do Rio de Lisboa para a
Cidade, e entre ellcs devia collocar-'e aquella grande
Náo, como bateria fluetuante, que já com esse intento
foi construída.
Considerando EIRei, que para guardar o Estreito,
•e as Costas de Portugal contra os Corsários de Barbea
ria , despendia muito nas Esquadras de Náos, que todos
T>s annos armava, ideou guarnecer as Caravelas de ca
nhões de grosso calibre, que atirassem tiros razantes;
e como era engenhoso em todas as Artes, c muito in
struído na artilheria , achando-se em Setúbal, fez vários
CO Segundo Castanheda (Liv. 1. Cv\ 1.) a madeira foi cortada, e
levada para Lisboa no afino de 1494-
(2) Vede a Clironiça de D. Joio II. por Garcia de Rezende, nos
Capitulo* 147, e 181.
192

ensaios, e experiências, c por fim pôz em pratica o seu


novo plano; e as Caravelas pequenas e ligeiras acha-
rao-se em estado de combater, e resistir aos navios de
alto bordo, e muitas vezes os renderão; porque as b.t-
las destes, além de serem de pequeno calibre (ainda se
não usava então de artilheria grossa no mar), passavão
por alto, e as balas das Caravelas furavão os navios ao
lume da agua , e os mettião a pique.
Forao por muitos annos tão temidas as Caravelas
Porruguezas , que nenhuns navios, por grandes que fos
sem , as ousavão esperar, até que as outras Nações mu
darão de systema.
1481 — Na conformidade do plano, que já tinha
formado para se assegurar doCommercio da Africa Oc
cidental, determinou ÉUlei mandar construir huma For
taleza na Costa da Mina (1); e pondo este nego-io em
Conselho, votarão contra elle muitos Conselheiros, ten
do a empreza por arriscada, e até por impossivel, mas
as suas razoes não fizerão impressão no animo Real; e
apezar de tudo, fez preparar, a grão pressa, huma ex
pedição composta de dez navios de guerra , duas gran
des Urcas (ou Charruas), e outras embarcações de
transporte, em que se embarcarão quinhentos soldados,
e cem Mestres pedreiros, e carpinteiros, muitos man
timentos, e artigos de Commercio, munições, madei
ras, cantaria lavrada, ferragens, cal preparada, ferra
mentas , e todos os materiaes que se julgarão necessários
para construir hum bom Castello , com as suas offici-
nas, e accommodações competentes.
Para General deste Armamento nomeou EIRei a
Diogo da Azambuja, Cavalleiro da sua Casa, de gran
des talentos , e experiência : erao Commandantes dos
(1) Vede Ruy de Pir.a, Cbronica deste Rei, Cap. 2. — Gajvão,
Tratado dos Descobrimentos, pa». 26. — 1'arros , Década 1. Liv. 3.
Cap. 1. — Fatia e Sousa, Ásia Pottugueza, tomo j. no iim.
193
outros navios de guerra Gonçalo da Fonceca , Ruy de
de Oliveira, João Rciz Gante, João Affonso , João de
Moura, Diogo Roiz, Bartholomeu Dias, Pedro de Évo
ra, e Gomes Ayres, todos homens nobres ; e das Ursas
Pedro de Cintra, e Fernão Affonso.
A 12 de Dezembro deste aiino de 148 1 sahio de
Lisboa Diogo da Azambuja com a sua Esquadra , ten
do feito partir adiante Pedro de Évora, comboiando os
navios de transporte , com ordem de fazer pescaria na
grande Enseada , que fica ao S. E de Cabo Verde, pa
ra provisão da Esquadra, e aguardar ai li por elle. Pe
dro de Évora não só cumprio o que lhe era encarrega
do, mas assentou pazes com o Regulo Bezcguiche, So
berano daqnella Bahia, que por muitos annos conservou
o nome de Angra de Bezeguiehe, e parece ser a da Ilha
da Goréa, cujas pazes confirmou Diogo da Azambuja,
que a 24 de Dezembro re reunio á Esquadra.
Levava elle instrucçôes, para que ria Costa da Mi
na, comprehendida entre o Cabo das Três Pontas e o
Cabo das Redes (1), construisse hum Castello no lo
cal , que lhe oíferecesse melhores proporções para am
pliar, e proteger o Commercio naquelles Paizes ricos
de ouro, e de outros artigos preciosos.
Não querendo por consequência confiar de pessoa
alguma hum objecto de tanta importância, qual a esco
lha de similhante ponto, adiantou-se da Esquadra, e foi
reconhecendo , e examinando toda a Costa até chegar á
Aldeã das Duas Partes, em que surgio a 19 de Janeiro
de 1482 i e aqui achou a João Bernardes, Commandan-
te de hum navio d' EIRei , que estava negociando com
os Negros, de quem já tinha recebido boa porção de

(1) Este Cabo chama-se hoje Monte do Diabo, situado na latitude


N. 5o 2%', e longitude ii° a}', obra de vir.te legeas a leste de S.Jor.
ge da Miiu. >
25
194
ouro em pó, e era Conhecido de Caramansa , senhor
daquelle Districto.
Das observações que praticara em toda aquella Cos
ta, concluio Diogo da Azambuja, que este Porto pre
enchia os fins para que EIRei lhe mandava construir a
Fortaleza, por ser o terreno alto, e defensável, com
bom ancoradouro, e o Paiz bem povoado, e abundante
de pedra de alvenaria ; não podendo temer-se falta de
subsistências , huma vez que se achasse agua doce em
distancia conveniente, como suecedeo.
Firme nesta resolução , desembarcou no outro dia
ao dç Janeiro, e ao pé de huma arvore mandou cele
brar a primeira Missa , que se disse naquelias barbaras
Regimes.
Caramansa veio logo visita-lo, e com alguma dif
iculdade lhe concedeo a licença , que pedia, para con
struir huma casa na boca do Rio, em que se guardas
sem com segurança, os objectos destinados para o Com-
mercio , que dalli por diante os Portuguezcs querião fa-
aer em maior escala com os seus Vassallo.-. Os ricos
presentes, que Diogo da Azambuja fez a Caramansa, a
cubica dos ganhos que o trafico prornettia de futuro
aos Negros, e o apparato de força que apresentava a
Esquadra , vencerão alguns obstáculos , que se oferece
rão no proseguimento da obra , que Diogo da Azambu
ja emprehendco com tanta actividade, que no espaço
de vinte dias poz as muralhas em boa altura, bem como
o Cavalleiro, ou Torre de Homenagem, e se acabarão
muitas casas interiores , apezar das doenças , e mortes
<k algumas pessoas (i).
(j) S. Jorge da Mina está situado na laticude N. j° 10', e Jong*-
lude' 17™ ao'. Tem bom ancoradouro da banda do Sul em nove e dez
braça», fundo de aica, ma? com pouco abrigo. Os Hollandezes toma
rão este CasteUo no anno de 1 6 j 7 , e construirão hum Forte no monte
Ce S.Tiago, que domina o Castello, o que era de absoluta necessidade.
195
A esta Fortaleza chamou então Diogo da Azam
buja Castello de S. Jorge da Mina (constituída de
pois Cidade por Carta de if de Março de 1486 ) , fi
cando nelle por Governador somente com sessenta ho
mens de guarnição, despedio o resto da Esquadra pa
ra Portugal.
Passados dois annos e sete mezes do seu Governo ,
o chamou EIRei- a Lisboa , e sem esperar que elle lhe
reoueresse, premiou os s$us relevantes serviços com «
magnanimidade, que costumava.
1484 -*• Neste anno mandou EIRei a Diogo Cam,
Cavalleiro da sua Casa, a proseguir o reconhecimento'
da Costa Occidental da Africa , dando-lhe três dos no
vos Padrões para os Collocàr nos lugares mais notáveis
que descobrisse (1).
Sahio Diogo Cam de Lisboa , não se sabe em que!
dia , ou mez daquelle anno , Com derrota ao Castello
da Mina, para se prover do que necessário lhe fosse; d
seguindo delle para o Sul, dobrou o Cabo de Lopo*
Gonçalves (2) , que conserva o nome do seu Descobri
dor, e alem do Cabo de Santa Catharina continuou a
seguir a Costa, desembarcando em alguns pontos, ate
que chegou a hum largo Rio, em que entrou, e surgid
hum pouco dentro da sua' boca , onde da parte do Sul
assentou hum dos Padrões, que levava, chamado S. Jor
ge (3>
(1) Vede- Faria, Ásia, tomo i. Parte 1. — Farros , Década 1.
Í.W. i. Cap. 5. — Ruy de Pina, Cap. 57 , põe esta viagem noannd
<te 1485.
(2) Este Gabo está situado na latitude S. de o° 5 tf', e longitude
37" 47'; e he tão raro, que ?,* arvores parecem sahir do mar; á roda
delle lie o fundo mui limpo. Da parte de Leste tem hurra Enseada,
<ofíde se pede ancorar em oito, ou dez braças ; e da balida do Norte ha
entra grande Eahia cem bem fundo, mas tem hum baixo na entrada.
Çj) NxJticIte tempo dav-Jo-se nomes aos Padrões, talvez rafa que
fixassem aos lugares onde se assentavão.
•2b ii
196
Este Rio era o Zaire (i), assim nomeado pelos na
tura es.- os Portuguezes lhe chamarão Rio do Congo, por
atravessar o Reino deste nome; e por muitos annos foi
também conhecido pela denominação de Rio do Padrão.
Diogo Cam, vendo as margens do Rio mui povoa
das, não ousou aventurar-se a penetra-lo, e procurou ti
rar informação dos habitantes, que erao Negros azevi-
chados, e em tudo o mais similhantes aos outros daquel-
la Costa ; porem os Linguas, que tinha a bordo, mesmo
os que colhera naquella viagem, não os entenderão, e
por acenos se percebeu, que tinhão Príncipe poderoso ,
que habitava tantos dias de jornada pela terra dentro.
E como EIRei lhe ordenava nas suas InstrucçÔes , que
procurasse ganhar a confiança daqudles Povos, a fim de
os persuadir a abraçarem o Christianismo , e a estabele
cerem algumas relações commerciaes com os Portugue
ses, e ao mesmo tempo lhe parecerão homens pacífi
cos, e de tão boa fé, que vinhão sem receio a bordo do
seu navio, escolheo alguns Portuguezes intelligentes,
pelos quaes mandou ao Rei hum presente , indo acom*
panhados de alguns naturaes, ganhados por dadivas que
lhes fez, para os conduzirem á Cidade em que assistia ;
e marcou-lhes certo numero de dias para tornarem ao
navio. Entretanto continuou a viver na melhor harmo
nia com os Negros, que o vinhão visitar, e fazer tro
cas de alguns géneros.
(») O Zaire, ou Rio do Congo tem mais de duas legoas de lar
go na boca, e traz tanta copia de agua, que entra doce pelo mar den
tro o espaço de três legoas. A ponta do Norte da sua entrada chama-se.
Ponta da Palmeirinha , e está situada na latitude S. de 6o 8', e longi
tude 20° 5'. A ponta do Sul chama-se da Mouta Seca, porém todas
as Cartas lhe dío hoje o nome de Ponta do Padrão, ainda que Diogo
Cam assentou o seu Padrão mais de huraa legoa distante delia pelo Rio
dentro. O Capitão Inglez Maxuall subio por este Rio quarenta e cinco
legoas , e diz que lie navegável por mais quinze , ou vinte , e que os
maiores navios podem entrar nelle.
m
Passahdo-se porém dobrados dias, sem os seus men
sageiros voltarem , nem havendo noticia de lies, determi
nou regressar a Portugal, e colhendo quatro dos natu-
raes para os levar a ElRei D. João, sahio do Rio, di
zendo por acenos aos outros Negros, que dalli a quinze
Luas os tornaria a trazer , e que em reféns delles , lhes
deixava os que levarão o presente.
Succedeo que estes quatro Negros erao homens
principaes, e mais civilizados, e assim aprenderão com
tanta facilidade a lingua Portugueza , que quando che-
fárão ao Reino , poderão dar boa informação do seu
aiz, o que causou a ElRei grandíssimo prazer; e pa
ra que não houvesse falta na promessa, que Diogo Cam
fizera de os reconduzir á sua pátria dentro daquelle la
pso de tempo, o fez partir segunda vez para Congo.
1485" — Sahio de Lisboa Diogo Cam (1) por Com-
mandante em Chefe de alguns navios (2), levando hum
Embaixador, que ElRei D.João mandava ao de Con
go com ricos presentes, para estabelecer entre ambos
amizade, e commercio, e o persuadir a abraçar o Chri-
stianismo. Levava igualmente bem vestidos , e trata
dos os Negros, que trouxera; e chegado ao Zaire,
foi o Embaixador de Portugal recebido com grande al
voroço pelo Soberano, vendo que se lhe restituiáo os

(1) Vede Faria no lugar citado. — Ruy de Pina, Capitulo» $7, e


58. — Galvão parece confundir estas duas Viagens em liuma só;
pag. 16. — Barros no lugar citado diz , que Diogo Cam chegou a Lis
boa, de volta da sua primeira viagem, no anno de 1486; por conse
quência só neste lie que poderia emprehender a segunda.
(2) Ruy de Pina (Cap. 57) diz, que ElRei enviou sua frota arma
da , e provida para muito tempo, e no mesmo sentido falia em outros
lufares. Barros, e Faria não lhe dão mais de hum navio: eu segui a
opinião de Ruy de Pina, não só por ser hum Escritor da maior autlio-
ridade nos suecessos do seu tempo, mas por me parecer natural, que
ElRei mandasse hu»na força naval capaz de fazer a sua Far.deira tão '
xespeitada, como desejada a sua amizade por aquelles Povos.
198
jeus Vassallos , os quaes contavâo as maravilhas que ti-
nlião visto, e as honras, e mercês que EiRei lhes fize
ra ; e lisongeado com a amizade que lhe ofíerecia hum
Monarcha tão poderoso , e remoto , não sabia de que
modo o satisfizesse, nem se fartava de ver, e praticar
com o Embaixador , e mais Offkiaes Portuguezes.
Parece que Diogo Cam, deixando aqui os seus na»
vios com o Embaixador, para negociar o Tratado de
Commercio , proseguio só o reconhecimento da Costa ,
e em 13" de latitude Sul assentou outro Padrão chama
do Sanro Agostinho, q-ue deo nome áquelle lugar (t)i
E continuando a navegar para o Su! , poz terceiro Pa*
drão em hum Cabo, a que se ficou chamando CabO'do
Padrão. (2). Desembarcou elle algumas vezes por esta
Costa, em que colheo Negros, que trouxe comsigo^ pa
ra aprenderem a lingua Portugueza, e serem depois em
pregados em reconhecimentos, como forãjo.
Deste ultimo termo a que chegara , voltou Diogo
Cam para o Zaire, cujo Príncipe lhe entregou, para o
conduzir a Portugal, o seu Embaixador Caeuta, hum
dos quatro Negros que trouxera da primeira viagem ,
encarregado de hum presente de dentes de elefante, ra-
rias peças de marfim lavrado , e muitos pannos de fo
lhas de palmeira, e Cartas para EIRei D. João, nas
quaes lhe pedia Sacerdotes, e Religiosos para o instruí
rem na Fé Catholica , e juntamente Pedreiros , e Car
pinteiros para fazerem Igrejas; e Lavradores para ensi-

(1) Não encontrei este nome em Carta alguma; e ainda que Barrai
dií, que o Padrão Santo Agostinho foi assentado em I j° de latitude S. ,
quem sabe se haverá aqui algum erro de impressão? He certo, que
ainda ha poucos annos existia em Cabo Negro (situado em 16" $ ' de
latitude S. ) hurna columna de jaspe com as Armas de Portugal; e por
isso algumas Cartas lhe chamão Cabo cio Padrão.
O) Talvez foi collocado este Padrão na Angra de Santo Ambrósio ,
em 21" 6' de latitude Sul.
190
narcm os Negros a servir-se dos bois na uilnrrâ das
terras. Com este Embaixador enviou a Portugal mui
tos mancebos de boas famílias, rogando a EIRet os
mandasse baptizar, e ensinar tudo quanto fosse neces
sário para poderem doutrinar os Povos quando voltas
sem a Congo.
Com isto se recolheo Diogo Cam a Portugal, on
de chegou no anno de 1489, e foi recebido d'ElRei
com as honras, e mercês, que costumava liberalizar aos
Vassallos beneméritos.
<■ .1486 — Neste anno (1) descobrio João Affbnso àé
Aveiro o Reino de Benim , situado alem da Mina, coját
Capital estava sobre hum dos braços , em que se divide
o Rio do mesmo nome, em que elle mrgio, e parece
que antes havia entrado no Rio dos Escravos (2). Des
fie Paiz trouxe João Affonso a primeira pimenta dei
Guiné , que appareceo em Portugal. O Rei enviou com
elle hum Embaixador a D. João II. , que o tratou com
grande magnificência , e o tornou a mandar a Benim
com ricos presentes, e cartas para aquelle Príncipe, con-
vidando-o a abraçar a Fé Catholica ; e com elle forão
Sacerdotes , e também Feitores para crearem liuma Fei*
toria, que abrangesse o Commercio da pimenta, e o d09
escravos, de que havia quantidade.
Mas o Christianismo não prosperou naquelle Rei
no, porque o seu Soberano só buscava aproveitar-se da
amizade dos Portuguezes, para se fazer temido dos seus*

(1) Earros , . Década 1. Liv. j. Cap. ). 1— Rtiy de Pina, Cap. 24,


(2) O Rio de Benim , chamado geralmente Rio Formoso, está si
tuado na latitude N. 50 j8', e longitude 25" 5'. Este Rio tem rrart
de duas milhas de largo , mas não he capaz de embarcações grandes ,
porque a sua altura não excede a treze pés. Pouco além da sita entrada
òivide-se em differentes braços, e penetra muito pelo Paiz. O R io dos
Escravo* fica cinco lego.is para o Sul do de Fetiim , e a sua entrada he
perigosa.
200

visinhos; e por caso nenhum queria abandonar os ab


surdos da sua Religião. Accresce a isto ser o clima mui
doentio, e assim forno os Ecclesiasticos obrigados a re-
tirar-se , bem como os Officiaes da Feitoria da pimen
ta , e ficou unicamente continuando o trafico dos escra
vos , que durou até o Reinado d EIRei D. João III.,
que ò prohibio. João Affonso , que tinha dirigido o
estabelecimento de Benim, foi hum dos que alli faiie-
cérão.
1486 — Pelas noticias, que João Affonso de Aveiro (1)
trouxe de Benim , e ás que o Embaixador deste Reino
deo em Portugal acerca da existência de hum poderoso
Monarcha chamado Oganá , que ficava ao Oriente de
Benim por vinte Luas de marcha (o que equivalia a
duzentas e cincoenta legoas), a quem os Príncipes des
te Estado, quando suecedião no Throno, mandavão seu
Embaixador a pedir-lhe confirmação, e era signa I dei-'
la, recebião certas lnsignias, entre cilas huma Cruz de
latão , como a de Malta , para trazerem ao pescoço ,
e outra mui pequena para o Embaixador; e que o dito
Monarcha não era visível, e apenas o Embaixador via
as cortinas, que o encobrião ; e se lhe mostrava hum
pé no acto de despedir : suspeitou EIRei , que este Po
tentado poderia ser o Preste João, em que tanto se fal
ia va, e se dizia ser Christão, e andar mettido em cor
tinas de seda. Accrcscião a isto algumas outras noti
cias , que recebera por via de Jerusalém , as quaes asse-
guravao, que os seus Estados ficavão sobre o Egypto, e
se estendião até ao mar do Sul.
Ajunta dos Mathematicos, que EIRei consultou,
combinando todas estas relações com a descripção da
(O Barros, Década 1., Liv, j. Cap. 4. — Fatia, Ásia, tomo 1.
Paite 1. — Parece impossível, que Ruy de Pina não relatasse o des
cobrimento do Cabo de Hoa Esperança , que mudou o Comniercio do
Mundo! Talvez se perdesse esta parte da sua Curouica.
201
Africa de Ptolomeu, e os descobrimentos dos Portugue-
zes na Cosra Occidental, inclinou-se á opinião de ser
aquelle Príncipe incógnito o Preste João ; e foi de pa
recer, que continuando-se a reconhecer a Costa para o
Sul , se chegaria a hum ponto , em que ella forçosa
mente devia mudar de direcção para Leste. Esta con
clusão era evidente, e em consequência determinou EI
Rei enviar logo pessoas intelligentes , que por mar, e
por terra tentassem resolver aquelle importante proble
ma. Como eu já fallei dos que com met terão a jornada
por terra , direi agora o que fizerao os que forão por
mar.
Nomeou EIRei para Chefe desta expedição, compos
ta de dous navios de guerra de cincoenta toneladas (i),
e hum pequeno Transporte carregado de mantimentos,
a Bartholomeu Dias, Cavallciro da sua Casa, e abaliza
do Navegante: por Piloto do seu navio foi Pedro de
Alemquer, e por Mestre N. Leitão. Commandava o se
gundo navio João Infante, também Cavalleiro da Casa
d' EIRei; e era seu Piloto Álvaro Martins, e Mestre
João Grego. No Transporte hia de Commandante Pe
dro Dias, irmão do Chefe \ por Piloto João de S. Tia
go , e por Mestre João Alves ; todos estes Officiaes de
Náutica forão escolhidos entre os mais hábeis.
Bartholomcu Dias , sahindo de Lisboa pelo meado
de Julho de 1486, dirigio a sua derrota ao Rio Zaire,
e seguindo dalli para o Sul a Cosra já reconhecida por
Diogo Cam, chegou a Angra do Salto (ignoro a posi
ção -desta Bahia), nome que lhe ficou por haver nella
colhido este Descobridor dous Negros, que EIRei en
tregou a Bartholomeu Dias, para os desembarcar naquel-

(1) Parecem-me estas embarcações de porte demasiadamente peque


no, se as toneladas naquelle tempo erão do mesmo peso, que são hoje,
o qut não pude averiguar. ,
26
202
le lugar , como fez ; e para o mesmo fira levava elle
quatro Negras de Guiné, das quaes deixou huma (i)
iu Angra dos Ilheos (2), onde parece que também dei
xou o Transporte dos mantimentos; e hum pouco ao
Sul delle assentou em Serra Parda o primeiro Padrão
chamado S. Tiago , e foi depois surgir na Bahia das
Voltas (3), denominação que lhe deo, porque fazendo
(1) O fim politico, por que EIRei mandava introduzir nos Paizes
ainda incógnitos estes Negros, e Negras, todos bem vestidos, e com
amostrai de ouro, prata, e especiarias, era para darem idéa da riqueza
d* Portugal , e das suas Armadas , e espalharem fana de que trabalha-
va por descobrir a índia, e os Estados de hum Príncipe chamado Preste
João, que se dizia oceuparem o centro da Africa; pois que desta ma
neira talvez lhe. chegasse lá a noticia destas cousas, e mandasse alguns
mensageiros á Costa do mar , onde os navios Pcrtuguezes , que por eira
traficaváo, terião communicaçáo com elles. Estes Negros hiío bem in-
stuiidos no que haviáo de perguntar, e dizer, e com promessa de o»
irem depois buscar d; Portugal , por serem estrangeiros naquella Região.
Vfcde Barros no lugar citado.
(a) Esto Bahia está hum pouco ao Norte da Serra Parda, ou Rosto
dt Pedr» (como os Portuguezes lhe chamavão) , onde Bartholomeu Dias
collocou o Padrão S. Tiago. Serra Parda fica na latitude S. aj° 17', e
longitude ja° 10'. Barros identifica a Uahia das Ilheos com a Serra ,
sendo lugares mui distinctos; porque talvez se cria no seu tempo, que
a Serra Parda era a ponta do Sul daquella Bahia , de que dista mais de
ttes Itgow.
Ha outra equi vocação neste judicioso Escritor. Dú elle , qns Serra
Parda (Gip. 4. pag. 1 85) estava situada em 34° de latitude e cento e
vinte legoa? distante do ultimo Padrão, que deixou Diogo Cam na
Manga das Áreas, a qual póo em 12'' de latitude (Cap. ;. pag. 17c);
dt modo que a differínca entre este9 dons Padrões seria de dous grão*
ean latitude , ou trinta e seis legoas daqueile tempo. Persuadc-me ba-
v/ct aqui-erro de impressão.
No anno de 1786 Sir Home Popham , e o Capitão Thompsom ,
artdando examinando a Costa Occidental da Africa, acharão huma Cruz:
de mármore em hum rochedo junto á Angra Pequena, na latitude S.
36o J7', a qual tinha as Armas de Portugal, e huma inscripção , que
ja se não podia ler; e mostrava ser hum dos antigos Padrões. Clarke ,
forno 1. Cap. 2.
(.«)• A sua latitude S. 29"" 20', e lorrgftude 34' 10'. Ha por aqui
recifes ao longo da Costa , que tem sido pouco examinada. .
203

muitos bordos para montar a ponta mais 'Austral dx


Bihia (que se chama ainda o Cabo das Voltas) , e aio
o podendo conseguir, foi obrigado a entrar na Ba li ia ,
em que largou outra Negra , e se demorou cinco dias.
Sr<hindo dalli , deo-lhe jiura N. O. rijo, com o
qual correo ao Sul treze dias com as vergas arreadas a
rneio mastro, levando grande receio dos mares, que
lhe paredão mais soberbos que os das Costas de Por
tugal , e quasi affogavão os navios , que erão pequenos,
e razos. Abonançado o tempo, navegou com a proa a
Leste a buscar a terra , cuidando que ainda corria do
Norte ao Sul, mas passados alguns dias sem lnver vis»
ta deíie , tomou o rumo do Norte , não suspeitando
ter já dobrado o grande Cabo, que procurava , e foi
dar com huma Bahia , a que chamou Angra dos Fa
queiros, e boje se chama das Vaccas (i), pelo muito
gado vaccum que apascenta vão alguns pastores Negros ,
como os de Guiné, os quaes fugirão levando o gado
após de si ; e como ninguém entendia a sua linguagem,
mio se pôde tirar delles noticia alguma.
Continuando Bartholomeu Dias a navegar paralte-
lamente a Costa, vio huma terra alta, que fazia duas
pontas de aréa talhadas a pique sobre o mar, e próxi
mo a ella hum Ilheo pequeno, e parecendo-lhe o lugar ac-
commodado ao seu intento, assentou nelle o Padrão
chamado da Cruz vi) , de que resultou ficar-se-lhe cha-

(O Esta Bahia das Vacca* fica da banda de Leste do Cabo do mesmo


nome, situado em latitude S. 54° jo', e longitude jo" 55'. A 1'a'ii.i
t*rm trama legoa de seio, com 8 e nove braças de fundo , e abriga dos
-Konentes.
(2) O IUico dsi Cpuí, situado na latitude j}° jg', e longitude
45° 2', be onde Bartholomeu Dias levantou o Padrão chamado da Cruz ,
ainda que Manoel de Mesquita Perestrello lhe chama de S. Gregório. As
duas pontas de arca , que lhe ficão fronteiras na terra tirnie , chamScrse
ainda Patuás do Padrão.
26 ii
204
mando o llheo da Cruz, e Pontas do Padrão as duas
pontas de arèa.
Aqui as guarnições dos navios começarão a quei-
xar-se dos Trabalhos de tão longa navegação, e repre
sentarão a Bartholomeu Dias , que os víveres apenas
chegarião para os conduzir ao Porto, em que ficara o
Transporte; e que esta Costa, correndo quasi a Leste,
bem indicava ficar-lhes atrás algum Cabo , que seria do
maior interesse descobrir. Vendo elle atalhado o pro
jecto que tinha, de continuar a reconhecer aquelles raí
zes , desembarcou em terra com todos os Officiaes , e
alguns marinheiros mais experimentados, e debaixo de
juramento lhes pedio o seu voto sobre tão importante
matéria, por ser este hum dos Artigos das suas Instruc-
çóes. A opinião unanime foi pela volta a Portugal , de
que se lavrou termo; mas a rogos seus lhe concederão
os votantes, que continuasse a navegação por mais dous
ou três dias; nos quaes chegarão a num Rio pouco mais
de vinte legoas distante do Uheo da Cruz , que recebeo
o nome de Rio do Infante (i), porque João Infante,
Commandante do navio S. Pantaleão, foi o primeiro
que nelle desembarcou.
Com grande sentimento deo Bartholomeu Dias por
concluído o seu descobrimento, e voltando ao longo da
Costa ,, descobrio finalmente o famoso Cabo, a que cha
mou Tormentoso , em razão dos perigos , e tormentas
que passara em o dobrar; porém EIRei D.João mudou
este nome infausto no de Boa Esperança , pela que lhe
promettia do descobrimento da índia.
Feitas as demarcações do Cabo , que julgou neces
sárias para ser conhecido dos outros Navegantes, assen
tou alli Bartholomeu Dias o Padrão S. Filippe (igno-

(i) O Rio do Infante , que não he capaz de receber grandes


vos, está situado na latitude S. jj° $', e longitude 46° 6'.
205
ra-se em que lugar), e seguio em demanda do Porto
em que deixara o Transporte, a que chegou nove mezes
depois que delle se separara. Dé nove indivíduos, que
compunhão a sua equipagem, havião morrido seis, e
dos três que restavão vivos, falleceo de gosto, á chega
da dos dous navios , o Escrivão João Colasso , que se
achava em muita debilidade. As mortes dos outros fo-
rao causadas pela imprudência de se confiarem dos Ne
gros da terra, com quem fazião algum commercio , os
quaes se aproveitarão d' huma occasião opportuna para
os assassinarem.
Bartholomeu Dias , recolhidos os mantimentos ,'
queimou o Transporte, que estava comido do gusano (i),
e continuando a sua derrota , ancorou na Ilha do Prín
cipe , onde achou doente a Duarte Pacheco, Cavalleiro
da Casa d' ElRei, que rendo sido mandado por Com-
mandante de hum navio a descobrir os Rios da Gosta ,
ficara naquella Ilha por não se sentir em estado de ir
executar a sua commissão ; e enviando entre tanto o na
vio a fazer algum trafico, naufragou este, salvando-se
Íiarte da gente, que também ai li se achava. Eartho-
omeu Dias, recebendo todos a seu bordo, passou pelo
Rio do Resgate , e Castello da Mina, cujo Governador
João Fogaça lhe entregou o ouro que tinha negociado;
e seguindo seu caminho para Portugal , entrou em Lis
boa em Dezembro de 1487, havendo dezeseis mezes e
dezesete dias que daqui partira (2).
(1) Os navios Portuguezes não erão forrados naquelles tempos, e sò
o forão depois da descoberta da China, onde acharão aquella invenção;
e a outra do sahimento da popa , que nas Náos se chama Jardim.
(2) Deve sentir-se , que náo exista o Diário desta celebre Viagem
tão superior a todas as antecedentes ! E que João de Sarros , que pare
ce o teve presente, não fiasse delle hum irais extenso, e mais bem or
denado extracto ! Com effeito custa a acreditar ( e he com tudo verda
de) , que devendo Portugal á sua Marinha a melhor parte da gloria, d*
Dqueza, e da grande consideração a que chegou kdtsde este Rtiradw
20P

7487 — Em Agosto deste mn» «ahie de Lisboa


huma Armada de trinta navios, levando mil hotnen*
de Infíínteria, c cento e cp.cocnta cleGavallaria , alguns
destes últimos Criados d'fiiRei, e 09 outros hens F/<-
dalgos , e Cavalhlros. Estas embarcações, armárao-te
cm Povos, e Villa Franca, por causa da peste em que
ardia a Capital. Foi por General da expedição o Mon
teiro Mor D. Diogo de Almeida ; e por seu suceessor
no eommando, em caso de vagar, D. João de Ataíde,
filho do Conde da Atouguia, lgnora-se o fim secrtto
deste armamento (1), porque o Chronista só diz, que
era para bum certa ardil tia Costa da Barbaria ; e
que este ardil se desacertou.
Chegando a armada defronte de Anafe (»), taart-
dou D. Diogo espiar a terra , e sabendo que a duas le-
goas de distancia estavão alguns Aduares de Mouros da
Enxovia, fez desembarcar de noite hum forte destaca
mento de todas as Armas , que surpreliendco os Adua-
res por tal maneira, que quasi sem perda sua, cativou
quatrocentos indivíduos, eutre homens, e mulheres , ma
tou- novecentos, e tomou muitos cavallos, e outros des
pojos, com que D. Diogo se recolheo a Portugal.
1488 — Andava EJRei com intentos de passar em
pessoa á Africa (ou assim o dava a entender), e para
isso fazia grandes preparativos ; e querendo enviar pri
meiro huma Esquadra forte, que levasse mil homens de
Infanteria , e quinhentos de Cavallaria , todos Nobres,
e escolhidos , para a qual havia nomeado por Generaes
ao Capitão dos Ginetes Fernão Martins Mascarenhas, e
ao Camareiro Mor Aires da Silva , estando a Esquadra
prompta a partir, veio-lhe aviso da Barbaria, que esta
até ao da D. Sebastião, seja a Historia da Marinha a parte que se acha
estrita com menos conhecimentos professianaes !
(1) Vede Ruy de Pina, Cap. 27.
(a) Já fiz menção em outro iugar cksta Cidade , hoje arruinada.
8òí
\to os Motíros sabedores da expedi ção. Mandou logo
desarmar a maior parte dos navios , e fez sahir Fernão
Martins com trinta Caravelas, e cento e cincoenta Cá-
■valleiros, Fidalgos da sua Guarda, com os quaes desem
barcou em Arzilla neste anno de 1488; e unido corri.
as tropas da sua Guarnição, e as de Tanger, fez humá
entrada até além da ponte de Alcacer-Quibir, onde os
Portuguezes ainda não tinhão penetrado , de que se re-
colheo com muitos cativos, e despojos (1).
Esta pequena expedição parece que foi empreherti-
dida com o fim de esconder o verdadeiro objecto da
grande Armamento, que se preparara.
1488 — Por este tempo corria mui prospero o Corn-
mercio, que os Portuguezes conservavao com os Negros
Jalofos , que povoao o espaço comprehendido entre os
dons Rios Senegal, e Gambia, cujo Soberano era Be-
moy (2) homem prudente, e sagaz, que conhecendo aS
vantagens que poderia colher do auxilio de Portugal,
para realizar alguns projectos políticos, dto-se a culti»
rar a sua amizade. Para este fim abandonando o sertão,
veio estabelecer-se na Costa marítima , onde concorrião
is embarcações Portuguezas com cava lios, e outros gé
neros de muito valor; e tratava os OíJiciaes, e Feitores
com o favor, e verdade, principalmente se erão de na-
tios d'E!Rei, a quem mandava alguns presentes de
cousas curiosas , que este Monarcha acceitava , e retri
buía com outros. E como ouvio dizer, que Beríioy ti
nha hum juizo claro, enviava-lhe mensageiros para o
persuadirem a deixar o Mnhometismo, e abraçar a Re
ligião Catholica, de que elle até alli se escusara, posto
que dando sempre algumas esperanças de mudança.

(1) Ruy de Pina, Cap. j6.


£3) Ruy de Pina, Cap. 17. — Barros, Década 1., Liv. 1. Cap. 6,
■*- faria, Mia" tomo ' 1 . Parte 1.
208
Tal era o estado das cousas , quando Bernoy se
achou envolvido em huma perigosa guerra civil, em que
a fortuna lhe foi contraria; e querendo valer-se do fa
vor d' El Rei, mandou hum sobrinlio a Lisboa , a pedir-
llie auxilio de armas, e soldados, a cuja proposta re-
spondeoEIRei . que nlo o podia ajudar, senão no caso
de fazer-se Christão ; e ao inesmd tempo lhe remetteo
hum presente de cavallos por Gonçalo Coelho, Com-
mandante de hum navio da Coroa , com o qual se reti
rou o Embaixador.
Passado mais de hum anno, voltou Gonçalo Coe
lho a Portugal , trazendo comsigo o mesmo Embaixa
dor, que Bemoy tornava a mandar com hum presente
de cem escravos escolhidos (Ruy de Pina diz, que tam
bém trouxe muito ouro), instando novamente pelo soc-
corro, e prorogando a sua mudança de Religião para
depois da ruína dc« seus inimigos. Mas perdendo ago
ra huma nova batalha, ficou tão derrotado, que tomou
por ultimo expediente fugir ao longo do mar para o
Castello de Arguim , onde se embarcou em hum navio
mercante com alguns seus parentes, e sequazes ; e neste
anno de 1488 entrou em Lisboa, estando a Corte em
Setúbal.
EIRei , avisado desta inesperada vinda , o mandou
hospedar em Palmella, e a toda a sua comitiva com a
maior magnificência ; e no dia que entrou em Setúbal ,
o sahio a receber, e acompanhar o Conde de Marial
va, com os Fidalgos, e pessoas Nobres da Corte, ves
tidos de gala. Estavão ricamente armadas as casas da
Alfandega, em que EIRei pousava, e as da Rainha,
que erão junto a estas. Achava-se com EIRei o Duque
de Beja, e muitos Titulares, Fidalgos, e Prelados; e
com a Rainha estava o Príncipe D. AfFonso.
Entrando na Sala Bemoy, que parecia de quarenta
annos , alto , e bem apessoado , a barba mui comprida ,
209
e'a presença agradável, sahio EÍRei dous ou três pas
sos do Throno, com o barreie hum pouco fora , e as
sim o levou ao eítrado , em que havia huma cadeira,
na qual se encostou em pé para o ouvir. Bemoy , e to
dos os seus se lhe lançarão aos pés, fazendo acção de
tomar a terra debaixo delles , e de a lançar por cima
das cabeças. EIRei o levantou, e por meio de Negros
interpretes lhe disse, que fallasse. O Príncipe Jalofo,
com muita discrição , e gravidade , fez hum longo dis
curso, em que lhe pedio soccorro, e justiça , usando de
termos, e sentenças tão apropriadas, que não parecião
de hum bárbaro ; concluindo a final , que se a esta sua
pertenção era obstáculo ser Mahometano , como Sua
Alteza por vezes lhe insinuara, elle, e todos os seus que
estavão presentes, vinhão a Portugal receber o Baptis
mo.
Respondeo-lhe EIRei em termos breves, mas de
tanta satisfação, que Bemoy bem a mostrou no sem
blante; e despedindo-se, passou a visitar a Rainha, e o
Príncipe D. Aífonso, aos quaes em poucas palavras pe
dio a sua intercessão para com EIRei; e dalli o acom
panharão todos os Grandes até á casa em que estava
aposentado. ■
Seguirão-se a esta recepção festas de touros, e Ca
nas , e no Paço sardos de momos , e danças , a que as-
sistio Bemoy sentado em cadeira defronte d' EIRei; e
depois de instruído na Fé Catholica , foi baptizado a j
de Novembro na camará da Rainha, e recebeo o nome
de D. João, por ser EIRei seu padrinho. No dia 7 o
armou EIRei Cavalleiro, e lhe deo por Armas huma
Cruz de ouro em campo vermelho, e o escudo orlado
com as Quinas de Portugal ; com elle se baptizarão ou
tros vinte e quatro dos seus. Neste mesmo dia, em acto
solemne, fez homenagem a EIRei dos seus Estados.
Nas conversações particulares , que este Monarcha
27
210
teve com elle, lhe deo Bemoy muitas noticias do in
terior da Africa, que attrahírão a sua attençao , como
dizer-lhe, que para o Oriente dos Jalofos se estendião os
Povos Mozes, cujo Príncipe nem era Pagão, nem Maho-
metano, e em algumas cousas se conformava com os
costumes dos Cliristãos; o que deo a EIRei fundamen
to para crer, que seria o Preste João. Além desta ra
zão, desejava EIRei construir huma Fortaleza no Se
negal , para proteger o Commercio que os seus Vassal-
los fazião , e para o futuro poJerião ampliar muito
mais, servindo-se daquelle grande Rio para penetrarem
no centro do Paiz, principalmente conseguindo-se a con
versão dos Jalofos ; em cujo caso seria fácil aos Portu-
guezes apoderarem -se de todo o trafico do ouro, que
do vasto Reino de Mandinga concorria ás feiras deTim-
bouctore , e Guenná , onde o vinhão buscar as Carava
nas do Cairo , de Tunes , e de outros Estados da Mau
ritânia.
Para deliberar sobre esta matéria com a madure*
ra, que cumpria, fez EIRei vários Conselhos, em que
«e assentou , que mandasse huma Esquadra de vinte Ga
lés bem armadas, para transportar, e restabelecer o Prín
cipe Jalofo nos seus Estados, para promover logo a
conversão daquelles Povos ao Christianismo, e fazer a
Fortaleza na bocca do Senegal.
Em consequência armarão-se a toda a pressa vinte
Caravelas, guarnecidas de muita e bem luzida gente, e
foi nomeado por General Pedro Vaz da Cunha , e se
embarcou muita cantaria , e madeira lavrada , e os Ar
tífices necessários para a construcção da Fortaleza. Hião
nesta expedição, além de Bemoy com todos os seus,
alguns Religiosos debaixo da direcção do Mestre Alva-
10 , Dominicano , Pregador Régio , encarregados da
conversão dos Negros.
Chegado Pedro Vaz da Cunha ao Senegal com to
211
3a a Esquadra , que poz espanto naquelles Povos, co
meçou a trabalhar na Fortaleza (de que havia de ficar
Governador), cujo terreno escolheo mal, por ser sub-
mettido ás inundações periódicas do Rio, e lhe come
çou a adoecer a gente. Nestes termos, dizendo que Be-
moy lhe armava traição, o matou ás punhaladas dentro
do seu próprio navio-, mas he provável que o fez por
temer as doenças do Paiz, e querer voltar para Portu
gal, como logo fez, mal-logrando-se com este horroroso
attentado o fim de huma tao dispendiosa expedição.
Mui ponderosas devião ser as causas, que obriga
rão hum Soberano do caracter de D. João II. a deixar
impune hum similhante crimç. ^^
1489 —■ Neste anno (1) determinou EIRei mandar *
construir huma Villa , com seu Castello, dentro do Rio
de Larache, para fazer dalli maior guerra aos Mouros
de Barberia , e obrigar talvez slgumas Províncias a su-
jeitar-se a pagamento de tributo. Preparou-se huma Es
quadra, em que se embarcou a gente, que pareceo suf
iciente; e os Artífices, artilheria, pedra lavrada, ma
deira , e mais materiaes próprios para similhante obra.
No principio do mez de Junho partio Gaspar Juzarte,
nomeado General da expedição, com instrucções para
começar logo a Villa, que teve o nome da Graciosa; e
não levou maiores forças , porque estava EIRei persua
dido, segundo a informação das pessoas por quem man
dou reconhecer o terreno, que em todo o tempo do an-*
no podião entrar, e subir pelo Rio, Caravelas, e na
vios; o que não era exacto. E para remediar qualquer
incidente imprevisto, foi assistir em Tavira com a Rai
nha , o Principe D. A Afonso, e toda a Corte , onde rece
bia avisos diários do que se fazia em Larache.

CO Ruy de !*""»> Cap. }i. — Garcia de Rezende, Capítulos 8t

27 ii
212

Começou-se a obra cora actividade, sendo parte de


alvenaria, e parte de madeira, e palissadas, para com
maior brevidade se pôr em estado de defensa ; mas avi
sado desta novidade o Rei de Féz, na raia de cujos
Estados se construia a Fortaleza , convocou os seus
Vassallos , e Comarcãos , e enviou adiante seu filho
a ataca-la com hum Exercito, ainda que turaultuario,
immenso, pois se diz ser de quarenta mil de cavallo,
e maior numero de gente de pé , com o qual cercou
as novas fortificações , e guarneceo as margens do Rio ,
para evitar os soccorros por mar.
Instruído EIRei deste cerco , e da doença de Gas
par Juzarte , como tinha prevenido hum grande arma
mento naval para o que podesse occorrer, expedio lo
go a D.João de Sousa, valente Cavalleiro, e do seu
Conselho, com hum reforço de luzida gente, nomean-
do-o Governador da Praça sitiada , em que se reunirão
agora mil e quinhentos Fidalgos, e Cavalleiros da Casa
Real , a flor de toda a Corte.
Crescendo porem mais o poder dos Mouros , e
noticioso EIRei das desvantagens do Rio , de que pen
dia a conservação da Fortaleza , mandou , nesta per
plexidade, a Fernão Martins Mascarenhas , Capitão
dos Ginetes, e da sua Guarda; a D. Martinho de Cas-
rello Branco , Vedor da Fazenda ( depois Conde de
."Villa Nova); e a D. Diogo de Almeida (que passou
a Prior do Crato), homens de muita representação, e
bravos Cavalleiros, que lhe erão muito acceitos, para
examinarem as localidades , e voltarem a informa-lo da
yerdade, a fim de resolver se devia largar, ou sustentar
a 'Graciosa. Entrados nella estes Fidalgos, chegou o
Rei de Féz com o resto das suas forças ; e tendo elles
por deshonra sahir da Praça, em occasião similhante,
encorporárão-se na Guarnição , e escreverão a EIRei o
suecedido. Neste tempo adoeceo perigosamente D. João
213

de Sousa, e como era forçoso vir curar-se a Portugal,


ajustou com os três Fidalgos mencionados, que deitas
sem sortes, para se decidir a qual havia entregar o
commando; e cahindo a sorte em D. Diogo de Almei
da, lha entregou logo, e partio para o Reino.
Os Mouros, animados á vista do pequeno numero
dos Portuguezes , e do máo estado das fortificações da
Villa, a combaterão fortemente por varias partes ; mas
recebendo grande damno da artilheria , e de outros ar
tifícios de fogo, retirárao-se fora d'alcance de canhão,
e empregarão todo o esforço em atalhar a navegação do
Rio. Para obterem este resultado, o atravessarão de hu-
ma a outra margem, em hum lugar abaixo da Fortale
za, onde dava váo, com duas boas estacadas parallelas
entre si , guarnecendo os seus flancos de trincheira , em
que cavalgarão muita artilheria grossa , que batia o ca
nal todo, e as proximidades das estacadas.
Esta obra causou algum susto aos Portuguezes ,
principalmente quando souberão, que o Camareiro Mor
Aires da Silva, General de huma Esquadra de soccor-
ro ancorada na foz do Rio, querendo forçar a entrada,.
achou taes obstáculos, e resistência nos Mouros, que
não conseguio chegar ás estacadas, para as destruir, co
mo intentava. Porém nada disto fez esfriar os cercados
da resolução em que estavão de se defenderem até á
ultima extremidade, ou até chegar hum poderoso soc-
corro capaz de dar batalha aos Mouros , o qual não
duvidavão que EIRei conduziria. De tudo isto foi elle
avisado em Tavira, e sem perder hum instante, expe-
dio hum reforço de navios a Aires da Silva, com or
dem , que commettesse de novo a entrada do Rio, e ao
menos retirasse a Guarnição da Villa , que era o que
mais» desejava ; porque pelas ultimas informações que
a este tempo já tinha das enfermidades endémicas do
Paiz, e de não ser o Rio sempre navegável, eítava re
214

'solvido a mandar desmantelar a Fortaleza, se náo esti


vesse de todo concluída. Partido este soccorro, fez Con-
. selho sobre passar psesoalmente á Africa; e sendo una
nime a opinião contraria , seguio o parecer de D. João
de Abranches (i), que chegou por acaso no fim do Con
selho, e que lhe disse, não confiasse a empreza, senão
de si próprio.
Determinado pois a passar a Larache, o comma-
nicou logo aos cercados por meio de alguns Mouros
peitados; e fazendo chamamento de gente por todo Por
tugal , se lhe offerecêrão todos , velhos, e moços com a
melhor vontade.
O Rei de Féz, sabedor destas disposições, vendo
por hum lado, que lhe começava a desertar a gente,
atormentada, e descontente dos trabalhos do cerco; e
temeroso pelo outro de ser destruído em huma batalha
campal , mandou propor a Aires da Silva, que tinha po
deres de Lugar-Tenente d' El Rei , que elle deixaria
sahir livremente os Portuguezcs com as armas, artilhe-
ria, cavallos, e mais effeitos que tivessem, se lhe entre
gassem a Villa , e El Liei quizesse confirmar-lhe o Tra
tado, que seu Pai D. Affonso V. com elle fizera no
tempo da tomada de Arzilla. Aires da Silva, parecen-
do-lhe isto bem , por ser conforme ás intenções d' El-
Rei , concluio huma Trégua com o Monarcha Africa
no, até á volta de hum expresso que mandou a Tavira.
Acceitou El Rei a proposta , e para a conclusão do
Tratado enviou a Larache Ruy de Sousa , D. Affonso
de Monroi , e Diogo da Silva de Menezes, todos do
seu Conselho, e da sua confiança, os quaes juntamente
com Aires da Silva confirmarão tudo por hum Tratado
feito em Xames a 27 de Agosto deste anno: e dados

(O Ruy de Pina nSo faz menção deste Conselho, que refere Gar
cia de Rezende, que me parece mui verosímil que houvesse».
215

àe parte a parte os necessários reféns, levantarão 03


Mouros o cerco, e os Portuguezes se recolherão á Es
quadra com tudo quanto tinhão na Graciosa , e chega
rão a salvamento a Tavira, onde forao recebidos d' El-
Rei , e da Corte com grande prazer, e honra.
1490 — Neste armo determinou EIRei D.João man
dar huma Esquadra (1) com tropas de desembarque a
Ceuta, para auxiliar huma surpreza , que se intentava
fazer ao celebre Alcaide Baraxa , e deo o commando a
D. Fernando de Menezes, filho do famoso Marquez de
Villa Real. Constava a Esquadra de cincoenta navios
alguns de guerra, e os outros de transporte, com muita
c boa gente, munições, e cavallos.
D. Fernando ancorou de noite em Gibraltar, e ten
do alli aviso de seu irmão D. António de Menezes, que
governava interinamente Ceuta , de que era então im
praticável a projectada surpreza de Baraxa, conveio corri
clle em ir atacar a Villa de Targa (1) ; e reforçado
com algumas embarcações de Ceuta , e outras de Hes-
panba , achou-se com dous mil homens, em que entra
rão cento e trinta de cavallo. ,
Chegado a Targa, desembarcou logo, e tomou a
Villa, sem perder hum soldado, porque os moradores
a desampararão apenas avistarão a Esquadra. Aprezá*
rao-se no Porto vinte e cinco embarcações, entre gran*-
des, e pequenas, e nos armazéns muitos canhões, âr-*
mas, pólvora, e munições navaes; e libertárão-se alguns
Christãos cativos. Destruída por ultimo a Villa, e ta
lados os campos j se recolheo a Esquadra a Ceuta car
regada de despojos.
Mas D. Fernando de Menezes , não satisfeito des*
(1) Ruy de Pina, Cap. 41, — Garcia de Rezende, Cap. nt.
(2) Targa , edificada a cousa de oito legoas «0 Sueste de Tetuão ,
a q«sd se chama hoje Tagaza , e Rio dos Alamos ao c;ue banha os scUs
jnuros. Nos tempos antigos sahilo dalli muitos Corsários.
216

ta victoria , combinou-sc" com os Governadores de Tan


ger , e de Alcácer para irem assaltar Comice, lugar
grande, e aberto, situado nas mais ásperas, e altas ser
ras da Barberia , ao qual os Mouros chamavâo o En
cantado. Para esta empreza se reunirão todos era Alcá
cer, d'onde partirão cora quatrocentos homens de cavai-
lo, e mil e duzentos de pe. Chegados a Comice, e ten
do occupado os passos mais difficultosos da serra , ata
carão o lugar, e o ganharão com assas resistência dos
Mouros, que querendo salvar-se pelas brenhas, se acha
rão cortados. Morrerão delles quatrocentos , e ficarão
cativos cem. Os Portuguezes queimarão as casas, e cora
muito gado, cavallos, e outros despojos, se recolherão
a Alcácer , perdendo alguns soldados na retirada ; e D.
Fernando voltou para Portugal.
1490 — O Embaixador de Congo, que Diogo Cam
conduzio a Portugal no principio do anno de 1489 , re-
cebeo o Baptismo, e os da sua comitiva, com grande
solemnidade em Beja , com o nome de D. João de Sou
sa. Achando-se agora já todos bem doutrinados nos
Mysterios da Fé Catholica, determinou EIRei manda-
los restituir á sua pátria, e nomeou Gonçalo de Sousa,
Fidalgo da sua Casa , por seu Embaixador, e ao mesmo
tempo Commandantc de huma pequena Esquadra de
três navios bem armados, nos quaes se embarcarão, além
do Embaixador de Congo, muitos Religiosos, de que
era o principal Fr. João, Dominicano , para começarem
a instruir aquelles Povos (1), levando todos os Orna
mentos, e mais cousas necessárias para a fundação de
huma Igreja Cathedral ; e munidos de huma Instrucçao
preparada era hum Conselho de Theologos, e Cano-

CO Ruy de Pina, Capítulos 57 até 6 j. — Earros, Década 1. Liv.


3. Capítulos 9 e 10, — Fatia he quem traz os nomes dos dous Com-
mandantes.
217
nistas, que EIRei convocou para esse effeito, e cujas
sessões se faz ao na sua presença. Conduzia também
Gonçalo de Sou?a hum rico e magnifico presente ao Rei
de Congo, e aos Príncipes da sua Casa.
Erao Commandantes dos dous outros navios (na-
quelles rempos o Chefe, ou General de huma Equadra
commandava o seu próprio navio) Fernando de Avelar,
e Affonso de Moura ; e Pilatos Pedro de Alemquer, que
o fora de Bartholomeu Dias , e Pedro de Escobar.
Esta Esquadra partio de Lisboa a 19 de Dezem
bro de 1490, e próximo ás Mias de Cabo Verde falle-
cêrão de peste (que havião contraindo naquella Cidade)
Gonçalo de Sousa , o Embaixador de Congo D. João
de Sousa , o Escrivão da Esquadra, e outras pessoas, o
que causou grande terror e consternação; e assim ar
ribarão á Ilha de S. Tiago, onde, por intervenção do
seu Governador Fernão de Góes , se elegeo por Com-
raandante da Esquadra a Ruy de Sousa , primo, ou so
brinho de Gonçalo de Sousa, que hia por passageiro. -
Seguindo dalli viagem, depois de muitos perigos e
trabalhos, chegarão a 29 de Março de 149 1 a huma
Bahia , que fica por detrás da ponta do Padrão, no Rio
Zaire. Era Senhor desta Província hum Príncipe cha-,
mado Mani-Sono , tio e vassallo do Rei de Congo ,
que assistia a duas legoas de distancia ; o qual acompa
nhado de três mil frecheiros veio logo visitar os Portu-
guezes, com grandes festas e contentamento. Ruy de
Sousa o recebeo na praia á testa da melhor gente da sua
Esquadra ; e achou nelle tal desejo de ser Christão, antes
que seu sobrinho o fosse , que a 3 d'Abril , que era dia
de Páscoa, foi baptizado, e hum seu filho ainda meni
no, em huma Igreja de madeira tosca, que para esse
effeito se construio, e adornou do melhor modo possí
vel -, tomando elle o nome de D. Manoel , e o menino
o de D. António.
28
210

Concluídas estas cousas, marchou Ruy de Sousa por


terra para a Corte de Congo, distante cincoenta legoas,
escoltado por muitos centos de Negros, luins armados,
e outros para conduzirem a bagagem, achando por toda
3 parte abundância de víveres.
Entrou em Congo a 29 d'Abril , sendo recebido
com a maior pompa e apparato. Começou -se a edi.
ficar a primeira Igreja (depois Sé Catlicdral com Bispo
natural do Paiz) no dia 3 de Maio, e concluio-se no i.°
de Junho. O Rei quiz ser baptizado no mesmo dia 3
de Maio, com o nome de D. Joáo ; e com elle se bapti
zarão os seis principaes Grandes da sua Corte: a Rainha
O foi no dia 4 de Junho, e recebeo o nome de D. Leonor.
Depois destes Baptismos, partio o Rei para ir su
jeitar á sua obediência humas Ilhas situadas em hum
grande Lago, d'onde se diz, que sahe o Zaire, as quaes
se lhe haviao rebellado, para cuja expedição era fama
que levava oitocentos mil homens. Os Portuguezes o
auxiliarão nesta campanha, em que houverão combates
sanguinolentos, até que por ultimo o Chefe dos rebel
des se entregou á discrição. Acabada as guerra, voJuxf
a Esquadra para Portugal , havendo perdido alguma
gente naquella trabalhosa expedição.
Esta foi a ultima acção do Reinado memorável
de D. João II., que trabalhou constantemente não só
por explorar as Costas, mas por conhecer as Províncias
centraes daquella vasta Região, e estabelecer com ellas
relações amigáveis, de que tirasse vantagens o Commer-
cio de Portugal ; talvez com o projecto, se o descobri
mento da índia não podesse realizar-se, ou ainda reali
zado, se se encontrassem naquella navegação obstácu
los taes, que tornassem nullos os proveitos do trafico,
de empregar então as suas forças cm oceupar os ponros
principaes da Africa , de maneira que se fizesse senhor
de todo o Commercio delia.
219
A Esquadra mandada ao Senegnl , posto que se
fornarsc inútil ao restabelecimento de Bemoy , produzia
ufeis effeitos, dando aos Negros mui differentes idéas
das que formavão da força naval de Portugal; porque
não tendo até alli visto nos seus Portos, senão peque
nas embarcações costeiras (i), rirão então huma Es
quadra de vinte navios de guerra bem guarnecidos de
gente, e de arrilheria , que podião em poucas horas ar-
razar as suas Povoações, e invadir o Paiz. Assim co*
frneçárão as varias Nações de Negros a procurar a arnn
zade dos Portuguezes. tanto pelas utilidades que acha
rão no seu Commercio, como para obter a sua protec
ção nas guerras e disputas, que de continuo tinhao hu-
mas com outras, como acontece entre gentes barbaras
e confinantes ; servindo de exemplo a cada huma o soc-
corro enviado a Bemoy.
Por estas razoes começou EIRei D. João a ser ob
sequiado dos Príncipes Africanos com recados, e presen
tes , e com favores aos Portuguezes , que o Commercio
conduzia aos seus Portos •, de que elle habilmente se
aproveitou para cntabolar correspondências com os Re^
fcuíos das Costas marítimas , e por meio destes com tís
Soberanos mais poderosos do interior , como o dos
Mandingas, dos Moses, dos Fullos, de Turucol , e Tinr-
boncton, servindo-se para estas mensagens de Portugue
zes, c de estrangeiros intelligentes nas línguas, e costu
mes dos Povos, cujas relações de amizade crescerão tan
to, que já esre Monarcha influia nos negócios, e conten
das particulares daquelles Potentados, e creava Feitorias
no interior do Paiz, como erigio huma na Cidade de
Hoadem , setenta legoas ao Oriente do Castello de Ar-
cuim. E tao respeitados forão no seu Reinado, e ainda
muitos annos depois os Portuguezes, que mandando o

O) B*roí, Deraria r. Liv. j. Gap. 12.


2tf ii
220
grande Historiador João de Barros no armo de 15^4
hum mensageiro ao Rei de Mandinga , sobre o Com-
mercio do Gambia, lhe respondeo, gloriando-se de que
seu avô recebera huma similhante mensagem do curro
Rei D. João de Portugal.
1495 — A 6 de Março deste anno (1) entrou em
Lisboa Christovão Colombo, vindo do descobrimento
das Antilhas; e como esta grande novidade obrigou
EIRei D.João a armar huma Esquadra, cumpre-me dar
aqui huma breve explicação deste negocio, posto que o
seu objecto seja alheio destas Memorias.
Colombo, Gcnovez de Nação, tendo navegado no
Mediterrâneo , e no Oceano , e muito instruído na Arte
Náutica , e na lição dos antigos Geógrafos , veio a Por
tugal, onde adquirio mais amplos conhecimentos (2) na
sociedade , e conversação dos hábeis Pilotos daquelíe
tempo, e provavelmente no estudo dos Diários dos nos
sos celebres Descobridores, que devião ser então com-
muns, e hoje por desgraça não apparecem.
Comparando pois o que achava escrito nos anti
gos, com os descobrimentos modernos dos Portuguezes
na Africa Oriental e Occidental , e Ilhas do mar Ocea
no, crêo firmemente que existiao terras consideráveis ao
Occidente da Africa ; e destes princípios mui prováveis
tirou consequências falsas, capacitando-se, que navegando
naquella direcção, acharia outro caminho para a índia
(porque suppunha os limites desta Região pouco distan
tes das Mias situadas a Oeste da Costa d'Africa), sem

(1) Ruy de Pina, Cap. 66. — Barros, Década i. Liv. j. Cap; m


—— Faria , Ásia tomo i. Parte i. — Clarke , tomo 1. Liv. i. Cap. ».
(2) Parece que nesta misma Escola aprendia seu irmão Eattholo-
njeu Colombo, o qual Isvou de Portugal a Inglaterra o conhecimento
das Cartai Geográficas (alli ignoradas); e em 1489 imprimio em Lon
dres, dedicanrítwi ,1 Henrique VIL, o primeiro Mappa-Mundi , que ap-
^aKceo naqudle Pai?. Vedt Claike no lugar citado a gag. 157.
221
continuar os descobrimentos além do Cabo de Boa Es
perança, cujas tormentas tinhão assustado hum dos mais
ousados Navegantes , Bartholomeu Dias.
Armado destas hypotheses, importunou a EIRei
D. Joáo para que lhe confiasse navios, em que tentasse
o descobrimento da índia pelo caminho do Occidente.
Mandou-o EIRei conferir com a sua Junta de Mathe-
maticos , que reprovou o projecto , por ser fundado em
meras conjecturas , e na existência quimérica da Ilha de
Cipango de Marco Paulo.
Escandalizado desta decisão, passou Colombo a Cas-
tella , onde obteve o commando de três embarcações ,
com que se fez á vela a 3 de Agosto de 1492, e a 12
de Outubro descobrio a primeira das Antilhas, e depois
algumas outras, d'onde regressou á Europa, ainda per
suadido de que estas Ilhas estavão próximas a hum gran
de Continente , que cria ser a índia ; de cujo erro só o
desenganarão ulteriores descobrimentos, passados annos.
Entrou elle em Lisboa jactando-se de haver acha
do a Ilha de Eipango, e- mostrando ouro, e alguns na-
ruraes do Paiz, que tinhão a côr, o aspecto, e o cabei-
lo não á maneira dos Negros, mas como se dizia que
os tinhão os Povos Indianos; e ao mesmo passo cxagge-
rava a grandeza, e riqueza das novas terras; o que pôz
EIRei em grande cuidado; e chamando Colombo á sua
presença, ouvio da sua bocca a relação da viagem. Esta
narrativa , e o estranho aspecto dos homens que trazia ,
lhe derao suspeitas de que seria aquelle descobrimento
huma usurpação dos seus direitos á conquista do Orien
te. Mas por não descobrir o seu pensamento, nem se
mostrar sentido de haver engeitado os seus serviços
quando elle lhos ofFerecêra , o recebe© graciosamente,
e com algumas mercês o despedio.
Convocou muitas vezes EIRei o seu Conselho, no
qual prevalecco a opinião, sobre tudo entre os Geogra
222
fos que assistirão a c!Ic, de que as Ilhas descobertas por
Colombo pertencião ás Conquistas de Portugal. Em con
sequência deste parecer, mandou armar huma Esqua
dra, de que nomeou Commandante em Chefe a D. Fran
cisco de Almeida, filho do Conde de Abrantes, para ir
explorar, e tomar posse daquelles novos Paizes , o que
não chegou a ter eífeito pelos requerimentos, e protestos
da Corte de Hespanha-, ate que depois de varias Em
baixadas, seconcluio o famoso, e conhecido Tratado da
diviíão do Globo entre os dous Monarchas ; Tratado
Fundado em bases arbitrarias, e abusivas, que produzio
os resultados que devião esperar-se , porém que naqudle
momento evitou huraa guerra.

Falleceo El Rei D. João II. a 2$ d'Outubro de 1405-.

Reinado d* ElRei D. Manoel.

O Governo deste feliz Monarclia foi a verdadeira


Idade de Ouro de Portugal: a sua Marinha descobrio
à índia, conquistou as melhores Praças maritimas da-
quella vasta Região, e lançou os fundamentos do gran
de Império da Ásia , que durou até á época em que a
força , e a traição unirão á Coroa de Castella a Coroa
de Portugal , sufFocando os inalienáveis Direitos da
Casa Real de Bragança; catástrofe, que attrahio sobre
esta segunda Monarchia (que gozava das doçuras da
paz desde mais de hum século } a furiosa tempestade ,
223
que começava a.alagar a Hcspanha, e acabou destruin
do a sua preponderância na Europa.
Navegantes celebres, guerreiros afamados, homens
de Letras, e de Estado forao communs neste Reinado;
e mostrarão bem ter aprendido na Escola d' EIRei D.
João II., filho do Infante D. Henrique (i).
Como EIRei conhecia que a prosperidade actual ,
e futura da Nação Portugueza dependeria sempre das
suas forças navaes, pèz todos os seus cuidados em au-
gmentar a Marinha. A experiência das viagens ante
cedentes ensinou a construir melhores navios de Guer
ra, e de Commercio. Forao animadas em vrias par
tes do Reino as plantações do linho cânhamo, que não
erao insignificantes, pois haviao Feitores em Santarém ,
Coimbra, e Moncorvo; e delle se fabricavao amarras de
qualidade superior ás de todos os outros Paizcs (2) , o
que durou ate ao Governo dos Hespanhoes , em que se
aniquilou este ramo importante da Agricultura Nacio
nal. Também se estabelecerão Fabricas particulares de
armas brancas, e de fogo de toda a qualidade; e huma
por conta da Fazenda Real na Ribeira de Barcarena ,
cujos Mestres vierão de Biscaia , trabalhava por enge
nhos movidos por agua ; e em Lisboa creou-se huma
Fabrica Real de pólvora (3). Os navios de Guerra erao
construídos nesta Capital (que continha. dous Arscnaes
de Marinha ) , no Porto , e em S. Martinho ; e os de
Commercio fazião-se nos estaleiros particulares destes
mesmos Portos, e nos de Aveiro, e Vianna (4). To
da a artilhem de bronze (quasi a única usada naquel-
(1) Eruce diz nas snas Viagens (não me recordo em que lugar),
que os Exércitos Portuguezes na Ásia erão iguaes , ou superiores a tudo
quanto a antiguidade nos apresenta.
(2) Severim ds Faria, Noticias de Portugal, Discurso 1. §. 14.
Cj) O mesmo, Discurso 2. §. 11.
(4) Couto, Memorias Militares tomo 1. pag. 287,
224
Ie*s tempos, e*nos seguintes v> era construída em Fundi
ções Reaes e particulares (i)..
Os Arsenaes da Marinha, e do Exercito estavão
tão providos de tudo, e era tal a copia de embarcações
em Portugal, que quando EIRei no anno de 15-08 foi
a Tavira, querendo passar em pessoa a soccorrer o Cas--
tello de Arzilla, rcunio em cinco dias hum Exercito d»
vinte mil homens, e os navios sufficientes para transpor
ta-los á Africa (2).
No tempo deste Monarcha houverão sempre três
Esquadras empregadas em fazer guerra a Piraras, c Cor
sários , que infestavão o Commercio: huma Esquadra,
chamada do Estreito, cruzava pelas Costas do Algar
ve, e Barberia , c compunha-se ordinariamente de Fus
tas, e Caravelas; outra de navios maiores corria as Cos
tas do Norte de Portugal; e outra (que se augmentou
depois) cruzava sobre as Ilhas dos Açores (3). Para
promover, e vulgarizar os conhecimentos Mathemati-
cos, creou EIRci na Universidade de Coimbra em 15*18
huma Cadeira de Astronomia , de que foi o primeiro
Lente Filippe, seu Medico (4); e com o Raby Abraham
Zacuto, seu Astrónomo, consultava elle as cousas rela
tivas á Navegação (5").
No seu Reinado teve o Officio de Capitão Mor da
Frota D. Antão de Abranches, por Carta passada era
Monte Mor o Novo, no 1.° de Março de 1466.
(O Assim consta de hum Manuscrito anonymo , que examinei, e
parece ser redigido pelos annos de 16}$, no qual se encontrão varias
Certidões authenticas, extrahidas dos Livros de Receita, e Despeza dos
Armazéns Reaes , o qual hei de citar algumas vezes nestas Memorias.
(2) Góes na Chronica deste Rei , Parte 2. Cap. 29 ; e Severim de
FJhw , Discurso 2. (j. 15.
(j) O mesmo no lugar acima citado.
(4) Ensaio Histórico sobre a origem das Mathematicas em Portugal,
•te. , pag. 26.
(5) O mesmo, pag. 27.
225
A fim de animar, e recompensar os homens, qne
se dedicavão ao serviço da Marinha, deo EIRei amplos
Privilégios aos Piloros, Carpinteiros de machado, e Ca
lafates, de que fallarei quando tratar da Legislação
Marítima: e para melhor defensa do Tejo, construio
a Torre de Belém , que era para aquelle século de res
peitável força.
O augmento rápido da Marinha em numero, e gran
deza de navios de Guerra , que se seguio ao descobri
mento da índia (consequência' forçosa do alto vôo, que
cornou o Conimercio) produzido pela necessidade de
mandar alli todos os annos muitos navios, huns para
voltarem com carga , a que por esta razão se dava o
.nome de Ndos da carreira, outros para ficarem servin
do naquelles Estados, onde se conservavao Esquadras
permanentes , de que poT ultimo se formou hum Depar
tamento separado ; tornou indispensável a organização
das lotações , e vencimentos das equipagens dos na
vios (i). Porem a Disciplina Militar, ainda que não

(i) Eis-aqui o que adiei (esó nelle o achei ) no citado Manuscri-


-to. A guarnição determinada para ai Nãos da carreira da Judia foi pri
meiro de 120 praças, classificadas deste modo: dezeseis Officiaes; qua
renta e dous marinheiros, inclusos dous Estrinqueiros, que serviáo de Ca
bos de marinheiros, e de Patrões de lanchas, e escaleres; cincoenta Gru
metes; quatro pagens ; e oito Artilheiros. Os criados do Commandan-
te não erão incluídos na lotarão. Tinhão o nome de Officiaes , alem
do Comrrundante , o Escrivão , o Capcllão , o Mestre, o Contra-Mestre ,
o Guardião, o Primeiro, e o Segundo Piloto^ o Carpinteiro, o Cala
da te , o Tanoeiro, o Jjaibeiro (que servia de Cirurgião), o Condená
vel , o Meirinho (que pertencia ao Corpo dos Artilheiros , e tinha a
seu cargo a guarda dos prezos , a policia dos fogões , e as armas , e -mu
nições), o Cosinheiro , e o Marinheiro-Dispenseiro. Acrsscemou-se
«.iepois esta lotação com hum segundo Carpinteiro , e hum segundo Ca
lafate , e dezoito Artilheiros, completando o numero de 140 praças: c
passados annos teve novo augmento, com dezoito marinheiros, e dez
giumetes , sommando 168 praças; e assim se conservava em 1054.
Quando as Nãos leva vão Commandante cm Chefe (Capitão Moc), em-
29
226

menos indispensável, caminhou com passos mui vaga


rosos, talvez por se lhe o'pporem alguns prejuízos da-
quelle século; e só muitos annos depois chegou a hum

barcaváb a seu bordo seis Trombeteiròs , ou Cbarameleiros , que não *


inclui 5o na lotação.
A ração diária consistia em arrátel e três quartas de biscouto, luim
arrátel de vacca, ou meio arrátel de porco, e meia canada de vinho,
asto em dia de carne; e em dia de abstinência, o 'mesmo biwnuto, e
vinho, e meio atratel de arroz, ou -de bacalháo, ou de queijo. Agua
huma canada para beber, e coiíiihar , mas cwinJuva»seliuma.«d- vei no
dia. Dava-se huma canada de azeita, para 6o praças, e huma de vina
gre para trinta. Além destes mantimentos, levava cada Não hum moio
de farinha, sal, vinte alqueires de legumes , oito de amêndoas, outros
tantos de ameixas, e huma certa porção 'de mostarda, assucar , e mel,
tudo entregue ao Commandante .para o distribuir como quizesse. Para
os doentes ernbarcavão-se conservas;., e ,outras dietas, « huma ou duas
boticas. As luzes fixas em huma fido erãi só três de azeite. Os viveres
calculavão-se para quatro mezes de dias de carne , e outros tantos àe
abstinência, e o biscouto para dez mezeç.
Os \encimentos erío regulados da maneira seguinte: O Capitac-
Mor vencia 6oo$ooo rs. de viagem redonda, e concedi 5o-se-]he doze
criados (não inclusos na guarnição), tendo cada hum mensalmente der
tostões. O Commandante de huma Náo vencia aoo^ooo rs. de via
gem redonda; e tinba s;is criados a dez tostões por mez. O Escrivão
40^000 rs de viagem redonda, e 12^)000 rs. de emolumentos. O Ca-
pellío 2$coo rs. mensaes. O Mestre 120^030 rs. de -viagem. O Cor1-
tra-Mestre 50$ooors. O Guardião 1^)4.00 rs. por mez, e 2^800 r«. de
qnintalada , que era certa gratificação que se pagava em Lisboa adian
tada. O Primeiro Piloto 120^)000 rs. de viagem. O Segundo Piloto
j®)20o rs. por mez, e 2^)800 rs. de quinttlada. Os Carpinteiros , e
Calafates içjõoo rs. por mez cada hum, e $$900 rs. de qmntalada.
O Tanoeiro 1,^200 rs. .mensaes, e igual qmntuUda. O Meirinho dez-
tostões mensaes. O Barbeiro o mesmo. Os Estrinqueiros o mesmo, e
2$8oo rs. de qulntalada. Os marinheiros os mesmos soldos, e i/uintn-
ladas. Os grumetes 666 rs. por mez, e l<j>8oo rs. de- qnintalada. Os
pagens 400 rs. por mez, e 1^200 rs. de qulntalada. O Condestavel
iijjôoo rs. mensa:s. Os Artilheiros dez tostões por mez.
Além destes vencimentos , concedião-se aos que andavão nas Náos
da índia c rtas gratificações, e lihccdodet. Ao Capitão-Mor quinze cai
xões do valor de j oo$ooo rs. cada hum, de cujos direitos se lhe per-
-doavão quinze por cento s e de Obra Pia 3 $000 rs. , e mas dow esca-
227
gráo de perfeição tolerável , como mostrarei com bas
tantes exemplos nestas Memorias.
Nem podia deixar de ser assim ; em quanto se não
x. . • •
-vos livres de frete , e direitos. A cada hum dos seus doze criados hir-
ma caixa do valor de i ío^oco rs. , perdoando-se dez por cento, e de
Obra Pia i $200 rs. Ao Coinmatidante da luima Náo seis caixões do
valor de zso^cco rs. , abatendo-se-liie quinze por cento de direitos; e
de Ohia Pia 2^500 rs. A cada hum dos seus criados, que lhe perten*
tiáo , huma caixa de 120^000 rs. , perdoando-lhe dez porcento, e
-T(j&200 rs; de- Obra Pia. Ao Escrivão duas caixas de 200^000 rs.;c#ía
huma, abatendó-se-lhe quinze por cento de direitos, e n^oec rs. de
Obra Pia; e mais dous escravos livres de frete. Aa Capellio huma
caixa de 120^000 rs. , perdoando-lhe. dez por' certo de direitos, e
1^200 n. de Obra Pia, e mais hum escravo livre de direitos. Ao Bar
beito o mesmo, excepto escravo, que não se lhe concedia. Ao Primei
ro Piloto duas cautas de 200^)000 rs, cada huma , com o abatimento
de quinze por cento, e de Ohra Pia 2^000 rs. , e mais dous escravos
livres de direitos. Ao Segundo Piloto huma caixa de 2Co$ooo rs, ,
com o abatimento de vinte- por cento de direitos, e de Obra Pia
2^000 rs. , e mais (por huma Provisão de Sua Majjèstade) dous escra
vos livres de frete, e de direitos. Ao Westre duas caixas de 200$coo rs.
cada huma, com o abatimento de qultue. por cento, e de Obra Pia
a $000 rs. , e mais dous escravos livres de. direitos. Ao Contra-Mestre
huma caixa de 200^000 rs. , com o abatimento de qnirrze por cento j*
e 2^)000 rs. de Obra Pia. Ao Guardião huma caixa.de tao^ooo rs. ,
abatendo-se-lhe dez por cento, e tinha mais de Obra Pia i$2C0 rs.
Aos Carpinteiros, Calafates, Tanoeiros, Marinhe irbs-Despensefros , e
Estrinqoeiros o mesmo que ao Guardião. Aos Marinheiros o mesmo,
que a estes. Aos Grumetes, assim dos que peitencião aos Ofriciaesj
como aos do serviço da Náo , hum* cai.\a a cada hum de 8o$oco rs. ,
de que se lhe perdoa vão dez por cento, e de obra Pia 8 ao rs. Aos Pa
gens hum fardo a cada hum do valor de 5 j çj> J i i reis, de que se lhe
abati.ío dez por cento. A cada Artilheiro huma caixa de 120^000 is. ,
de que se lhe abatiáo quinze por cento, e 1^)200 rs. de Obra Pia.
Estes regulamentos soffrèráo alteração pelo decurso dos tempos, co
mo se colhe da narração de Linschot , que no anno de 1585 passou í
Indu na Náo Porttigueza S. Salvador (Vede a Histoiia da Navegação de
João Hugues de Linschot, Hollandez, ás índias Qrientaes, Amsterdain
i6{8), aggregado á família do Arcebispo de Goa D. Ir. Vicente da
Fonceca , -e assistip naquelle Estado até 0 anno de 1 58.8 , em que re
gressou á Europa; o qual relata pot extenso todos os vencimentos* aos
2'J ii
228
crcasse hum Corpo de Officiacs da Marinha Real ,
instruídos nas Sciencias Náuticas, applicadas logo i
pratica da Navegação, e da Táctica Naval; sem os
mancebos, destinados a seguir aquella carreira, perde
rem annos em estudar nas Aulas o que lhes hade es
quecer no mar , onde se carece de poucas, e solidas
theorias, c de muita experiência, que- nunca he demasia
da.
1497 — Elllei D. Manoel, logo que sobio aoThro-
jio(i), determinou proseguir o descobrimento do Orien
te ; e para este fim, achando se em Monte Mor o Novo
no anno de 1496, teve sobre esta matéria alguns conse-

individuos , que compunhão a guarnição do S. Salvador, onde se en


contra alguma differença nos seus vencimentos, e rações.
Quero pôr a.]ui , por curiosidade , a lotação de liuma pequena
Fragata., ou Corveta (nadava em treze pes de acua), chamada Galanao,
que no anno de 1757 foi mandada cruzar na Costa do Algarve com»
©s Mouros, cujo Mappa tenho n vista: Hum Capitão de Mar e Guerra,
dous Capitães Tenentes, hum Mestre, hum Contra Mestre , hum Guar
dião, três Pilotos, dous Capei lães , hum Escrivão, hum Despenseiro,
dous Carpinteiros, dous. Calafates , dous Tanoeiros, dous Cirurgiães ,
éovu Sangradores-, dous Cozinheiros, dous Trombeteiros , hum Thnba-
leiro, sessenta marinlieiros, trinta grumetes, e vinte pagens. Tropa
de Artilhena: Dous Condestaveis , hum Meirinho, hum Serralheiro, e
trinta Artilheiros. Tropa de Infanteria: Hum Capitão, hum Tenente,
tyim Alferes, dous Sargentos, hum Tambor, e cincoenta e quatro Sol
dados.
(1) Vede Barro», Década- 1. Liv. 4. Capítulos de 1 ate 4. ^íinda
que eu seguirei em geral a este Escritor, serei com tudo obrigado a
recorrer algumas vezes a Fernão Lopes de Castanheda (Liv. 1 . Capítulos
de 1 ate 5) para encher os vácuos, que se encontrão naquelle grande
Historiador, que parece não teve noticias tão individuaes dos aconteci
mentos desta primeira. Viagem de Vasco da Gama, como obteve Casta
nheda, talvez pela leitura- de algum dos Diários da sua Esquadra, ou
informação de pessoas a ell» pertencínres. Então se deve acreditar, que
.barros, sabendo as mesmas particularidades, as desprezasse, sendo tão.
sollicito, como era, em aproveitar todas as circunstancias, que podnTo
relevar as suas bellas descripróes, como sabem os que tem lição das sua»
Obrai.
229
lhòs(i), em que se derão differemes votos, sendo o
maior numero, de que a índia se não devia descobrir,
fundando esta opinião em que, alem de trazer comsigo
muitos encargos , por ser Paiz mui remoto para se po
der conquistar , e conservar, enfraqueceria tanto as for
ças de Portugal , que ficaria este sem as necessárias pa
ra a sua conservação. Em segundo lugar, que desco
berta a índia , cobraria este Reino novos competido
res , de que já tinhão experiência ha* contestações entre
EIRei D. João II. e EÍRei D. Fernando de Castella
pelo descobrimento das Antilhas v chegando ao ponto
de repartirem entre si o Mundo em duas partes iguaes,
para o poderem descobrir, c conquistar* E por ultimo,
se esta ambição de Paizes incógnitos produzira aquella
repartição só á vista de algumas amostras dos géneros,
gue se tiravão de Guiné , o que seria , se viesse a Por
tugal quanto se dizia das Regiões Orientaes ?
A estas razões se oppozerão outras mais acceitas- a:
EIRei, por serem conformes a seu desejo; e as princi-
paes , que o moverão , forão : ter herdado a obrigação:
daquella Conquista com a herança do Reino, e o In
fame D* Fernando seu Pai haver concorrido para este
descobrimento quando mandou descobrir as Ilhas de Ca
bo Verde, e mais pela singular affeição que conserva va-
á memoria do Infante D. Henrique seu Tio, que fora
o autlior do novo Titulo do Senhorio de Guine ; resu-
mindo-se a final na esperança de que Deos facilitaria os-
meios, que convinhão a bem do Reino.
Determinado ultimamente em conrinuar nesre des
cobrimento , declarou , passado tempo , em Est remos a.

(i) Damião de Góes ("Parte- 2. Cap. 2-J da sua Chtonica d'EIRei:


D. Manoel) diz, que estes Conselhos foráo feitos no mez de Dezembtoi
de «495 ; e que determinado EIRei a continuar o descobrimento da;
ladla, mandou logo preparar os navios, no que se gastou mais de buo»
limo.
230
Vasco da Gama, Fidalgo da sua Casa, por Capitlo Mor
da Esquadra, que queria mandar (i), tanto pela con
fiança que delle fazia , como por ter direito a esta via
gem ; por quanto, segundo se diz, seu pai Estevão dâ
Gama , já defunto, estava destinado para esta com mis
são por ElRei D. Jono , o qual, depois de Barrliolomcu
Dias regressar do descobrimento do Cabo de Boa Es
perança , fez cortar as madeiras próprias para navios
mais capazes; e por esta razão encarregou ElRei D.
Manoel ao mesmo Bartholomeii Dias do cuidado de os
acabar, segundo sabia que convinhâo para soffrer osma-
res do Caíx) da Boa Esperança ; que na opinião dos
Navegantes começava a crear outra fabula de perigos,
como antigamente fora a do Cabo Bojador. E assim
pelo trabalho que Bartholomeu Dias levou no apercebi
mento destes navios, como para ir acompanhando a Vas
co da Gama até o pôr em tal paragem, qire lhe facili
tasse a sua derrota , lhe deo o cominando de numa das
, (1) Segundo Góes (no lugar acima citado), ElRei fez Conselho so
bre quem mandaria ao descobrimento da índia , e assentou-se que fosse
Vasco da Gama , Fidalgo da sua Casa, natural de Sines, homem soltei
ro, e de idade para softrer os trabalhos da viagem : e que quando ElRei
lhe declarou em publico a sua nonisaçáo, Vasco da Gama lhe pedio o
deixasse levar por companheiro a seu irmão Paulo da Gama , o que
ElRei lhe concedeo ; e nomeou depois também a Nicoláo Coelho, Ca
vai le iro da sua Casa.
Castanheda diz, que ElRei offereceo o commando da expedição «
Pau!) da Gama, que se escusou pela sua má saúde , pedindo-lhe o con
ferisse antes a seu irmão mais moço Vasco da Gama, já experimentado
nas cousas do mar, onde fizera muitos serviços a ElRei D. João II., e
por ser homem de grandes espiritas; e que ElRei lhe deo logo huoia
Gommenda , e dinheiro para se aperceber.
Eu desejaria, que Castanheda individuasse aqui os serviços anterio
res de Vasco da Gama, que não achei em Escritor aíjura ; ao mesmo
tempo que me prece evidente, que elle os tinha feito; porque não he
provável, qu: ElRei escolhesse para commandar similharue expedição,
em que todo Portugal tinha os olhos, a luiru homem noviço nas Artes
Náuticas, existindo hum Bartholomeu Dias.
231
embarcações , que de ordinário hião a S. Jorge da Mi
na.
Entrado- já no anno de 1497, em que a Esquadra
se achava prompta, mandou EIRei chamar a Monte Mor
o Novo a Vasco da Gama , e aos outros Com mandan
tes , que erão Paulo da Gama seu irmão , e Nicoláo
Coelho (1); e ainda que lhe tinha já explicado a sua
intenção, e lhe havia mandado fazer as suas Instruc-
ções , quiz agora praticar isto com maior solcmnidade,
fazendo-lhe numa falia publica na presença de algumas
pessoas notáveis, para isso chamadas; na qual expoz as
razoes que tivera para emprehçnder o descobrimento
da índia, deduzidas dos benefícios resultantes da propa
gação da Fé Catholica no Oriente, e do augmento de
gloria, e de riqueza, que esperava de tamanha empreza ,
■sendo esta confiada a hum homem de tanto merecimen
to como ellc. ...
Acabada a pratica , todos os assistentes beijarão a
•mão a EiRei ; e posto Vasco da Gama de joelhos, apre
sentou o Escrivão da Puridade huma bandeira de seda
branca, tendo no meio a Cruz da Ordem de Christo (2),

(1) Góes (no bigar citado) diz , que isto foi no mez de Janeiro
fie 1497. _
(a) As bandeiras da Esquadra de Vasco da Gama er5t> como esta;
e quando, passados annoj , houverão na índia Esquadras pertencentes
tíquelle Estado, as suas bandeiras tinhão no meio as Armas Keacs, e por
baixo delias a Cruz da Ordem de Cliristo ; costume , que durou até aos
princípios do século passado. Couto, Memorias Militares , tomo 1.
pag. 25 1. Também parece, que as Náos da índia trazião pintadas nas
gavias humas grandes Cruzes vermelhas, pois, segundo Castanheda, por
este signal conheceo Affonso de Albuquerque a Esquadra de Diogo Men
des de VasconceJlos , que bia de Portugal ; mas ignoro quando se intro-
duzío este costume Castanheda, Liv, j. Cap. 54.
Devo advertir aqui, que o Capitão Mor, ou Commandante eniChe-
fe de huma Esquadra, ou Divisão de Ndos da Carreira da índia, trazia
ba-.ideira no tope grande , como General; e ainda que se encontrasse
com outra Esquadra qualquer , não recebia ordens do seu Chefe. Esta
232

sobr; a qual Vasco da Gama deo era voz alta o seguin


te juramento, por modo de homenagem : «Eu Vasco
» da Gama, que or.i por mandado de Vós, mui Alto,
» e mui Poderoso Rei meu Senhor , vou descobrir os
» mares, e terras do Oriente da índia , juro em o signal
» desta Cruz, em que ponho as mãos, que por serviço
» de Deos , e vosso , eu a ponha esteada , e não dobra-
jj da ante a vista de Mouros, Gentios, c de todo o
>> género de Povo aonde cu for : e que por todos os
» perigos de agua , fogo, e ferro sempre a guarde, e
» defenda até á morte. E assim juro, que na execu-
» çao, e obra deste descobrimento, que Vós, meu Rei
» e Senhor, me mandais fazer , com toda a fé, loalda-
» de, vigia, e diligencia eu Vos sirva, guardando, e
» cumprindo vossos Regimentos, que para isso me fo-
» rem dados, até rornar onde ora estou ante a presen-
j» ça de Vossa Real Alteza, mediante a Graça de Deos,
»> cm cujo serviço me enviaes. >»
Feito este juramento, foi-lhe entregue a mesma ban
deira, com hum Regimento, em que se continha o que
devia fazer na viagem , e algumas Cartas para os Prin-
cipes Indianos, a que propriamente era enviado, assim
como ao Preste João, e ao Rei de Calecut, com todas
as informações, e documentos, que EIRei D.João tinha
havido daquellas partes.
Concluído este acto, partio Vasco da Gama para
Lisboa com os outros Commandantes; e na entrada de
Julho, achando-se os navios prestes, mandou recolher a
gente abordo para sahir, sem attender á eleição dos mc-
zcs , porque naquelle tempo não se conhecião ainda as
monções. Esta vão os navios surtos cm Bclem , e na vés
pera da sua partida foi Vasco da Gama ter vigília com

freem inerte ia durava ató ao seu regresso a Portugal, ainda que te redu
zisse a Esquadra ao seu único navio.
233
todos os Comraandantes na Ermida de Nossa Senho
ra, que o Infante D. Henrique fundara naquelle sitio,
em que estavão alguns Freires do Convento de Thomar
para administrarem os Sacramentos aos navegantes. No
dia seguinte 8 dejulho concorreo alli muita gente, huns
por devoção, outros para se despedirem dos que par-
tião j e Vasco da Gama embarcou-se acompanhado de
huma devota Procissão, que os Freires ordenarão, se
guida de toda a gente da Cidade, entoando a Ladainha,
até chegarem á praia , onde estavão os escaleres da Es
quadra; e ajoelhados todos, o Vigjrio da Casa os ab-
solveo na forma das Bulias, que o Infante D. Henrique
obtivera para os que fallecessem nestes descobrimentos ,
e conquistas ; acto que se concluio com lagrimas, como
era natural acontecer em tal occasião. .
Constava a Esquadra de três navios de Guerra (i),

(1) Castanheda affirma, que EIRei, aproveitando-se das Instrucçóes


c Regimentos feitos pelo seu antecessor, mandou construir dous navios
das madeiras já cortadas, hum de cento e vinte toneladas, por nome
S. Gabriel , e outro de cem toneladas , chamado S. Rafael ; e comprou
huma Caravela de cincoenta toneladas a hum Piloto chamado Eérrip, de
quem ella conservou o nome. E que como nos navios da Esquadra não
cabiáo mantimentos para três annos , comprou mais outra embarcação
de duzentas toneladas, para ir carregada de mantimentos ate á Aguada
de S. Eraz , e ser alli despejada, e queimada. A guarnição da Esqua
dra , segundo o mesmo Historiador, era de cento e quarenta e oito pes- .
soas; e Bartholomeu Dias só a devia acompanhar até ás Ilhas de Cabo
Verde.
Pedro Barreto de Rezende no seu Epilogo manuscrito dos Vice-,,
Reis da índia, escrito em i6jj (Obra de que Barbosa não teve noti- ,
cia), diz, que a guarnição dos três navios de Guerra era de cento e.
sessenta homens , entre soldados e marinheiros.
Faria e Sousa (Ásia Portugueza, Tomo j. Parte i. Cap. 14.) diz, ,
que a guarnição da Esquadra se compunha de cento e sessenta pessoas, ,
de mar e guerra, e parece excluir a equipagem do navio dos manti- ,
mentos , a que chama hum Barca : que Vasco da Gama levava por Con
fessor a Fr. Pedro de Cobilhoes, Religioso da Santíssima Trindade , o.
primeiro Sacerdote que passou ao Oriente: que Fernão Martins, e Mar*
30
234

e lium Transporte de mantimentos: no primeiro, cha


mado S. Gabriel, hia Vasco da Gama , levimdp por Pi
loto a Pedro de Alemquer, que se achara no descobri
mento do Cabo da Boa Esperança, e por Escrivão Dio
go Dias, irmão de Barrholomeu Dias: do segundo na
vio, por nome S. Rafael, era Commandante Paulo da
Gama , Piloto João de Coimbra , e Escrivão João de
Sá: commandava o Bérrio Nicoláo Coelho, era seu Pi
loto Pedro Escolar, ou Escobar, e Escrivão Álvaro de
Braga; o Transportes levava só alguns marinheiros, e
Commandava-o Gonçalo Nunes. O total da guarnição
destes navios era de cento é setenta homens, entre ma
rinheiros, e homens de armas (soldados armados offen-
siva e defensivamente); e o porte de cem até cento e
vinte toneladas (i).

tim Affonso erão Pilotos, c servido de interpretes; e que entre os


soldados se distinguião Fernão Veloso, Álvaro Vellio, e os dous irmãos
Pedro de Faria e Figueiredo, c Francisco de Faria e Figueiredo, que
fàHecérão no Cabo das Correntes, o ultimo dós quaes era hum illustre
Foeta Latino.
He preciso saber, que Vasco da Gama levava d«z ou doze degra
dados para deixar nos Portos, que bem lhe parecesse , os quaes não eráo
ificluidos na guarnição da Esquadra.
(O O celebre Historiador Robertson achou que os três navios, d»
«jue se compunha a Esquadra de Vasco da Gama , eráo em demasia pe
quenos, e sem a força necessária para aquella commissão. (Claike , To-
no- i. Cap; a:)
Eu creio, pelo contrario, que estes navios, relativamente ás cir
cunstancias do tempo, eráo mui adequados para preencherem os fins ,
qOe EIRe» D. Manoel se propunha nesta primeira expedição, os quaes
se~redii2Íáo a marcar a linha da navegação para o Oriente; a examinar
o estado Commercial e Politico daquella vasta Região, quasi desconhe
cida, sem espantar os seus Reis com hum apparato de força, que os
obrigasse a li^arem-se desde logo para mal-lograr qualquer tentativa, que
os" Portuguezes depois arriscassem para se firmar no Pafz; e a explorar,
e reconhecer os Portos mais opportunos para arribadas, e estabelecnnefv-
IOS mercantis.
Accresce a estes molhos a. facilidade, que dava 'a Vasco" da Garoa v
235
No mesmo dia 8 de Julho de 1497 sahio Vasco da
Gama com a Esquadra, e o navio da Mina de Bartho-
Joraeu Dias, dando aos Commandantes por ponto de
reunião a Ilha de S. Tiago, no caso de occorrer alguma
separação. Aos oito dias de viagem avistou as Canárias,
e com a cerração e máo tempe que sobreveio, ?e apar
tarão de noite os navios , reunindo-se no fim de oito
dias, menos ode Vasco da Gama, que encontrarão na
tarde de 27 , e o salvarão com tiros de artilhem, e to
ques de trombeta (costume daquelle tempo) ; e no dia
seguinte (1) seguio toda a Esquadra na Ilha de São
a mesma pequenez dos seus navios, para evitar os riscos de huma na
vegação , que alam do ponto a que chegou o famoso Bartholomeu Dias ,
era desconhecida; e ate se ignorava se os navios grandes de quilha acha-
riáo Portos, Rios, e Bailias em que se abrigassem das tempestades, e
podessern refazer-se de víveres , e aguada. E da experiência do passado
se deduzia , que se devião encontrar naquelles mares virgens muitas
Ilhas , e baixos , huns oceultos , outros descobertos ; circunstancias em
que as embarcações pequenas tem toda a vantagem sobre as grandes ,
não só pela, rapidez com que virão , e manobrão , mas por passarem
a salvo por cima de bancos, e parceis, em que os grandes naufragão;
e acharem também guarida em Portos, e Rios, onde estes não tem
findo sufficiente para ancorar.
De resto a observação critica de Robertson converte-se em louvor '
de Vasco da Gama, porque sendo certo, que merece mais louvor quem *
com poucos meios obtém grandes resultados , se se compararem os es
cassos auxílios que a3 Artes, e as Sciencias, ainda infantis naquelle sé
culo , deráo a Vasco da Gama para completar a sua viagem ; com os
immensos soccorros de toda a espécie , que as mesmas Artes , e Scien
cias em todo o seu vigor no século passado fornecerão a Cook , Van-
cower, e La Peyrouse , persuado-me , que todo o homem intelligente,
e desapaixonado escolheria ser antes hum Vasco da Gania , do que qual
quer destfis illustres Navegantes.
Porem esta matéria pedia huma Dissertação , que por não caber
noi estreitos limites de huma Nota, deixo para outro tempo.
(1) Segundo,. Barros , Vasco da Gama chegou com treze dias d©
viagem á Ilha de S. Tiago, isto he , a 21 de Julho; mas Castanheda ,
e Damiío de Góes (Parte 1. Cap. 55 ) dizem que foi a 28 , opinião
que eu .segui. fundado na particular individuação, que faz Castanheda
deita viagem.
30 U
tu
Tiago, onde gastou sete dias em fazer aguada, e re
parar as avarias da tormenta passada.
A 3 de Agosto partio desta Ilha Vasco da Gama ,
despedindo-se de Bartholomeu Dias, que seguio viagem'
para a Mina, e elle para o Cabo de Boa Esperança,
navegando mais amarado^ em cuja derrota consumio os
mezes de Agosto, Setembro, e Outubro, com muitas
tormentas de ventos, chuvas, e cerrações; até que achari-
do-se na altura, que julgou suíficiente para ir demandar
a Costa da Africa, virou no bordo de Leste, e a 4
de Novembro descobrio terra com tanto prazer de to
dos , que os Commandantes o salvarão com os navios
embandeirados. Porém aproximando-se da Costa, e não
a conhecendo, virou no mar, e seguio o bordo por três
dias ; e virando outra vez na terra , foi entrar em huma
grande Bahia, a que pôz o nome de Santa Helena (1) ,.
com intento de fazer aguada. Os habitantes vestião-se
de pelles, erão pequenos de corpo, mais baços que os
Negros de Guiné , de aspecto feroz , e fallando parecia
que soluçavao.
Surta a Esquadra, e observando Vasco da Gama,
que era toda a Bahia não desembocava ribeira alguma ,
em que podesse fazer agua, enviou Nicoláo Coelho ao
longo da Costa na sua lancha, o qual descobrio hum
Rio de agua doce dalli quatro legoas , a que pôz nome
de S. Tiago, e delle se proverão os navios (2).
No dia seguinte ao da sua chegada, desembarcou
Vasco da Gama com todos os Commandantes , e Pi
lotos para tomar a altura do Sol com hum grande

(O A Bahia de Santa Helena está (a sua ponta do Norte) em 52°


2j' de latitude Sul, e jó3 de longitude. Os Povos desta Bahia sáo ho
je chamados Hote motes.
(2) O boin juizo de Vasco da Gama lhe fez ver a necessidade de
recovar a aguada, sempre que o podia fazer. Era huma cias máximas
de Cook para conservar a saúde da sua gente.
237

Astrolábio de madeira de três palmos de diâmetro ,


o qual , posto que mais exacto do que os outros Astro
lábios pequenos de metal que leva vão, não podia ter
uso a bordo de embarcações tão pequenas , que arfavão
muito com o mar, por ser necessário suspende-lo em
huma espécie de cabrilha. Além disso desejava colher
alguma lingua de terra, e saber a distancia a que lhe
ficava o Cabo de Boa Esperança, de que o Piloto Mor
Pedro de Alemquer se fazia trinta legoas (i) , ain
da que não conhecia a terra, por haver passado de
largo quando foi ao descobrimento do Cabo com Bar-
rbolomeu Dias.
Entre tanto alguns Portuguezes, que andavao espa
lhados pelas praias e matos, derao com dous Negros,
que estavão apanhando mel aos pés das moutas com ti
ções de fogo na mão , dos quaes segurarão hum. Vasco-
da Gama , porque não havia quem o entendesse, e clle
de assombrado não acodia aos acenos, mandou vir dous
grumetes, de que hum era negro, e estes o^rovocárao
a comer e beber; e a final mostrou por acenos humas
serras, que scriao duas legoas, dando a entender que
junto delias estava a sua Povoação. Vasco da Gama o
mandou soltar, dando-lhe cascavéis , contas de vidro ,
e hum barrete vermelho, acenando-lhe que se fosse, e
tornasse com seus companheiros, para lhes dar outro
tanto; o que clle fez logo, trazendo aquella tarde dez
ou doze, que receberão iguaes presentes; e apresentan-
do-Ihes amostras de ouro, prata, e especiaria, de ne
nhuma derão noticia.
No outro dia já cora estes vierao mais de quaren
ta tão familiares, que hum soldado chamado Fernão Ve-

(i ) Este calculo de Pedro de Alemquer , Imm dos melhores Pilotos


dacuelle tempo , era suficientemente exacto , e por isso mesmo deve
carecer hoje extraordinário..
230

loso pedio licença a Vasco da Gama para ir com eJles


ver a Povoação , o que lhe foi concedido.
Partindo Fernão Veloso com os Negros, e reco-
Ihendo-se Vasco da Gama ao seu navio, ficou Nicoláo.
Coelho ainda em terra para dar guarda á gente, em.
quanto huns apanhavão lenha, e outros mariscavão la
gosta , por haverem alli muitas. Paulo da Gama vendo
andar entre os navios muitos baleatos atraz do cardume
do peixe, foi com dous escaleres a elles , e ferindo
hum , como o cabo do harpão estava amarrado aos to
leres do escaler em que elle hia , esteve quasi virado
com o barafustar do baleato, de cujo perigo escapou
por ser o cabo comprido , e o fundo tão pouco, que o
baleato deo em seco, e não pôde mais nadar, o qual
sérvio de refresco.
Sendo já sobre a tarde, appareceo Fernão Veloso
descendo por hum monte mui apressado. Vasco da Ga
ma , como tinha os olhos em sua tornada, mandou bra
dar ao escaler de Nicoláo Coelho , que se recolhia de
terra, que tornasse a ella para o recolher, porque Fer
não Veloso nunca deixava de fallar em valentias, quan
do o virão descer á praia , a acinte se detiverão em o
soccorrer: a qual detensa deo suspeita aos Negros, que
estavão emboscados, de que Veloso fizera algum signal
que não desembarcassem. E querendo elle entrar no es
caler, arremeterão dous Negros a elle pelo entreter,
da qual ousadia sahírão castigados, a que acodírão os
outros ; e foi tanta a pedrada , e a frechada sobre o es
caler, que quando Vasco da Gama chegou, foi ferido
em huma perna, assim como Gonçalo Alvares, Mes
tre do Navio S. Gabriel, e dous marinheiros. Vendo,
Vasco da Gama, que com elles não havia meios de
paz, mandou remar para os navios, e á despedida al
guns Besteiros empregarão nelles a sua munição, por
não ficarem sem castigo. Passados quatro dias, deo Vas
239

co cia Garoa á vela a 16 de Novembro (i), com vento


S. S.E. , sem levar informação da terra, como deseja
va, porque Fernão Veloso não vio cousa que contar
senão o perigo que dizia passar entre os Negros- os
quaes tanto que se apartarão da praia, o fizerão tornai?
como querendo-o ter por negaça, para quando o fossem
recolher commetterem alguma maldade, como intenta
rão. ... ..,
Na tarde do dia 18 vio Vasco da Gama o Cabo
âe Boa Esperança , e como o vento lhe era contrario
para o dobrar, foi de dia no bordo do mar, e de noite
na terra até ao dia 20 (2), que com menos perigo da
que se esperava, o dobrou, indo ao longo da Costa com
\ento em popa , com grandes folias, e tanger de trom
betas ; e dia de Santa Catharina (25 de Novembro) che
gou á Aguada de S. Braz (3), sessenta legoas além do
Cabo. E posto que achou Negros decabelJo revolto, co
mo os passados, estes sem receio algum chegarão aos
escaleres a receber as cousas, que lhes lança vão na praia,
e, por acenos começarão logo a entender-sc com os Por-
tuguezes, e derão carneiros em troca de outras cousas-
.CO Segundo Castanheda , e Góes. (Cap. 56), que trazem esta pre
cisa data da sahida de Vasco da Gama da Bahia de Santa Helena. .,
(í) O Cabo de Boa Esperança he o mais famoso , e conhecido de
toda a Africa, por isso julgo inútil a sua descripçáo; só advertirei, que'
a Bahia da Mçza lie. a 'verdadeira Aguada.de Saldanha, onde os Cafres
inatarão ao Vice-Rei D. Francisco de Almeida, com a flor dos Officiaes*
da índia, que o acompanharão na imprudente correria, que fez naquelle
Paiz, então selvagem. A ignorância dos Navegantes Hollandezes deo o
nome de Bahia de Saldanha a outra grande Bahia,' cuja ponta do Norte'
está ern j j° 5' de latitude Sul, e-}6° 10' de longitude. A situação
do Cabo de Boa Esperança, no ancoradouro da Cidade , he a seguinte :
latitude Sul jj° 54' 24' ,. e longitude jó° 54' a;".
Cj) A Aguada, 011 Bahia de S. Braz, tem na ponta de Oeste 34°
}x' de latitude Sul, e 40o 10' de longitude. Esta Bahia tem três le
goas de boca , cora. fundo limpo, e lia nella hum Ilhote: abriga muito
dos ventos Ponentes. Chamáo-lhe os Inglezes Fksh-tay.
240

mas de gado vaccum nunca poderão haver delles hurna


só cabeça; parece que o estimavao, porque alguns bois
mochos, que traziao, andavão limpos, e bem pensados,
e vinhao as mulheres montadas nelles com albardas de
tabúa. Em três dias, que Vasco da Gama se deteve,
tiverão os Portuguezes muito prazer com elles, por ser
gente prazenteira , dada a tanger , e bailar , entre os
?uaes havia alguns, que tocavao em huma espécie de
rautas pastoris, que em seu modo paredão bem. Desta
Bahia se mudou Vasco da Gama para outra dálli perto,
porque entre os Negros e a gente da Esquadra houverão
algumas contestações, indo elles ao longo da praia cami
nhando sempre á vista dos navios, até ancorarem. E por
que quando chegarão hia já grande numero de Negros
mais em modo de guerra, que de paz, mandoulhes ati-
r<ir alguns tiros de peça por alto , somente pelos assom
brar, e foi tomar outro ancoradouro a duas legoas de
distancia , onde recolheo os mantimentos que levava no
Transporte , e o queimou.
Partindo deste lugar a 8 de Dezembro, .no dia i%
lhe deo hum temporal em popa, com o qual correo a
arvore seca ; e ainda que Nicoláo Coelho se separou, lo-
go.na noite seguinte se tornou a reunir. Abonançando o
tempo, virão a terra no dia 16, onde chamão os Ilheos
Chãos (i), cinco legoas avante do Ilhéa da Cruz, em
que Bartholomeu Dias deixou o derradeiro Padrão. A ter
ra era graciosa, com muito gado e arvoredo, o que se
percebia dos navios, por irem mui perto delia ; e fazen-
do-se já com o Rio do Infante, capearão de noite, e no
dia seguinte saltou o vento ao Levante, com o qual an
darão bordejando. No dia 20 passou o vento ao Po-
nente, e indo reconhecer a terra, achárao-se no outro
dia com o Ilhéo da Cruz, sessenta legoas a ré do ponto
CO Já tratei delles na Viagem de Bartholomsu Dias.
241

em que se fazião , de que erão causa ns grandes corren


tes ; mas crescendo muito o Ponente , vencerjo a cor
rente da agua , e dia de Natal avistarão a Cesta, a que
, chamarão (i) deite mesmo nome.
A IO de Janeiro de 1498 (2) indo a gente a quar
tilho d'agua, cosinhando-se já com ;igua salgada, anco
rarão defronte do Rio, a que derão o nome de Rio de
Cobre, onde comprarão aos Negros muitas manilhas
deste metal, e marfim, e mantimentos, tencio tanta com-
municaçao com elles, por Vasco da Gama os satisfazer
cora dadivas, que Martim Affonso, pritico em muitas
Jinguas de Negros, e que entendia a destes, foi á sua
Aldeã , cujo Chefe nao só o recebeo com grande festa ,
mas quando tornou ao navio, pelo honrar mandou com
elle mais de duzentos homens. Depois elle e outros
yierão visitar os navios, e cm seu tratamento mostravao
habitar em terra fria, por virem alguns vestidos de pel-
Jes; e por causa da muita familiaridade, que tiverão
com os Portuguezes em cinco dias que a Esquadra se
deteve neste ancoradouro, lhe pôz Vasco da Gama o
nome de Aguada da Boa Paz. E sahindo a 15- de Ja
neiro (3), começou a afastar-se da terra, com que de
(1) A terra do Natal começa em latitude Sul 52° 1 7', e 47o 2' de
longitude, e acaba na latitude de jo°, e longitude 48" 5!!'. O Rio
do Natal entta no Oceano Indico em jo" <ie latitude, e he o maior
daquelle Paiz : tem na boca luima barra com dez ou onze pés dagua,
« dentro mais fundo.
(2) Barros diz, que foi a 6 de Janeiro, dia de Reis, e por isso de
rão este nome ao Rio. Castanheda, e Góes (Cap. j6) diiem , que ror»
110 dia ic, cuja data combina cora as circunstancias, que relata o pri
meiro destes dous últimos Escritores. Este Rio dos Reis, ou do Co-
bie he o mesmo, que a Aguada da Boa Paz: lie bum Rio pequeno, em
que não podem entrar navios, os quaes são obrigados a dar fundo por
fora dos recifes. Está na latitude Sul 24o 45', e longitude $1° 4}'.
Em todas as Cartas tem o nome de Rio do Cobre.
£í} JJairos náo traz as épocas da sabida de Vasco da Gama da Agua-
31
242

noite passo» o Cabo das Correntes (i); porque começa


va a Costa a encurvar-se para Oeste, e sentindo que as
aguas o apanhavao para dentro, temeo ser alguma En
seada penetrante, d'onde não podesse saliir.
Este temor lhe fez dar tanto resguardo, por fugir
da terra, que passou sem haver vista de Sofalla (a), Ci
dade tão celebrada naquellas partes por causa do muito
ouro, que os Mouros alli recebem dos Negros da ter
ra por via do Commercio , segundo depois soube : e a
24 chegou á boca de hum Rio mui grande, além delle
cincoenta legoas, vendo sahir delle alguns barcos com
vélns de palma, equipados de Negros de boa estatura,
cingidos de pannos de algodão azul , que sem medo al
gum entrarão nos navios. Entre estes e outros que con
correrão depois , havião alguns fulos , que parecião mes
tiços de Negros, e de Mouros. Muitos trazião turban
tes brancos, e de seda de varias cores, e alguns tam-
bem entendião palavras do Árabe, que lhes fallava Fer
não Martins, marinheiro, ainda que o seu idioma pró
prio ninguém o entendeo. Por estas palavras, e por ace
nos disserão, que para o Nascente havia gente branca,
que navegava em navios como aquelles , os quaes tião
passar por aquella Costa em differentes direcções.
Todas estas circunstancias derao grande animo aos
Navegantes , com a certeza de se irem aproximando á
índia, c por esta causa- chamou Vasco da Gama a este
Rio dos Bons Signaes (3). E vendo a segurança, e boa
êi da Boa Pai, nem da sua chegada ao Rio dos Eons Signaes; porem
acháo-se em Castanheda, e Daniiio de Góes, d'onde as copiei; porque
as datas das sahidas , e entradas de Portos são essenciaes na Historia de
numa Viagem.
(O Situado na Costa da Africa Oriental, latitude Sul 2j° 40',
longitude 54o 50'.
(2) Cidade mui rica pelo seu Commercio do ouro, situada na Costa
Oriental efa Africa, na latitude Sul ao'J 32', e longitude 5 j° ai'.
(O Este R'0 he o- Zambése, que penetra cento e oitenta legoas pe»
243

fé dos Negros no trafico que tinháo com os seus, ven-


dendo-lhes mantimentos da terra , carenou , e concertou
tos navios , por virem já mui cujos-, e comidos do gusa
no (i), em que gastou trinta e dons dias; e neste meio
tempo, com autilio dos naturaes, póz hum Padrão por
nome S. Rafael, dosque levava para este descobrimento.
Mas para não ficar sem desconto de trabalhos- este
prazer das boas novas, adoeceo aqui muita gente, de
que morreo alguma ; a maior parte de inchações de per
nas, á maneira de erisípolas, e de -lhes crescer tanto a
carne das gengivas, que quasi não cabia na boca aos ho
mens (era o escorbuto, ainda então mal conhecido), e
assim como crescia-, apodrecia, e cortavão nella como cm
carne morta (2). A qual doença vierão depois a perceber,
Io Império de Monomotapa, e entra no mar por varias bocas, a roais
conhecida das quaes lis a de Çjuilimane, cuja ponta do Norte está em
latitude S. 17o 47', e longitude $6U jo'. Chama-se-Ihe vulgarmente
Rio de Sena.
(1) O gusano (supposta que este seja o mesmo que o do Brazil )r,
rós, e consome todas as madeiras, excepto as mui amargosas, como a
Tapinhoan , ou as que tem alguns suecos em certo :;ráo venenosos, co
mo o páo de Arco do Pará, cuja serradura mata alguns insectos. As madei
ro que nío tem estas propriedades, e só tem a de serem mui compa
ctai, resistem imis ou menos tempo, mas por ultimo sáo destruídas.
O pinho he de todas as madeiras a que eile desfia mais d; pressa. Eu
vi no Rio de Janeiro o forro do fundo da Não S. Sebastião (que era de
pinho) ficar em menos de luiiri atino em estado, que muitas taboas se
aciuvão reduzida» a poucos filamentos , que formarão como lurma ren
da ; e nesta occasião he que se colheo hum gusano, qu» tinia duas p.-il-
legjdat, e algumas linhas de comprido, a cor esbranquiçada, e em tu
do similhante a minhoca, excepto a cabeça, que era mais grossa, do que
deveria ser, segundo a grandeza do cotpo, e terminava em huma boca
icdonds , e atrombetada. Morreo logo que se expoz á acc.ío do ar. i
Algumas pessoas temllie dado o nome de Cupim do Mar, posem .
»l!e nfio te«i a mítior similhaiua com o Cupim, que he hum bichinho
de cOr fusca , do tamanho, e feitio dos bichos das fttictas.
(2) Refere Castanheda, que Paulo da Gama visitava o» doentes de
dia, e de noite, consolando-cs , e repartindo com ellcs «a stta matalo-
tagem. ...
31 ii
241
qvie procedia das carnes, pescado salgado, e biscouro
corrompido de tanto tempo. Tiverão mais dous gran
des perigos: hum foi, que estando Vasco da Cima á
borda do navio de seu irmão em hum bote pequeao, $ó
com dous remeiros , e tendo as mão? pegidas nas ca-
déas da batocadura, em quanto fallava com elle, descia
a agua tão teza , que lhe furtou o boto por baixo , e
elle, e os marinheiros ficarão pendurados nas cadêas
até que lhes acodírão. O outro perigo aconteceo a esto
mesmo navio o dia da sua partida, que foi a 24 de Fe
vereiro: sahindo do Rio, foi encalhar em hum banco
de arêa , onde esteve em termos de ficar ; mas vindo
a maré de cheio, sahio do perigo, com que Vasco da
Gama seguio seu caminho, indo na volta do mar aquel-
le dia e noite (1), por se afastar da Costa; e no dia
seguinte á tarde descobrio três pequenas Ilhas (2), não
mui distantes humas das outras, duas com arvoredo, c
huma escalvada. Vasco da Gama continuou por cinco
dias a sua derrota, navegando de dia , e pairando de
noite; e na tarde do 1." de Março vio huma Ilha pe-
2uena perto da Costa , e três Ilhéos mais fora. Receoso
e topar de noite com elles, virou no mar; e como
amanheceo, tornou a buscaras Ilhas, desejoso de pas
sar entre ellas ; e mandou diante Nicoláo Coelho para
ir sondando, por ser o seu navio o mais pequeno da
Esquadra; mas Nicoláo Coelho errou o canal, e achan
do pouco fundo, virou, a tempo que sahião da llh*
mais chegada á terra alguns barcos com velas de estei
ra , que lhe ficavão em distancia de mais de huma le-
goa ; e chegando á falia de Vasco da Gama , lhe disse :
(1) Barros nSo individua circunstancia alguma da viagem de Vasco
à» Gama, desde o Rio dos Bons Signaes até Moçambique; as que eu-
retiro são tiradas de Castanheda.
(3) Eráo as Ilhas do Fogo, das Arvores, e a Rasa, chamadas as
Ilhas Primeiras. Vasco da Gama passou sem ver as de Angoxa.
245

Que vos parece, Senhor? Jd esta he outra gente. E el-


Je Jhe respondeo mui comente, que seguissem o bordo
do mar, para poderem tomar aquella Ilha, d'onde sahí-
rao os barcos ; e que surgiriao para saberem que terra
era , e se acharião noticias da índia.
Entre tanto os barcos os seguião sempre , capean-
do-lhcs que esperassem ; e nisto deo fundo a Esquadra
junto a dous Uhéos, apartados mais de huma legoa da
Ilha , a hum dos quaes deo Vasco da Gama o nome de
S. Jorge, por ser este o de hum Padrão , que alli met-
teo. Os barcos chegarão logo cantando, e tocando seus
instrumentos, em signal de festa: os homens, que nelles
vinhão, erão baços, e alguns brancos, de boa estatura ,
vestidos de algodão listrado de varias cores, com turban
tes, alfanges, e adagas, e fallavao Árabe.
Entrados nos navios, hum dos mais bem vestidos
perguntou o que busca vão? Vasco da Gama respondeo,
por meio de Fernão Martins, que erão Portuguezes , e
elle queria saber, que Ilha era aquella? Ao que o Mou
ro (que depois se soube ser natural do Reino de Fez)
satisfez dizendo, que se chamava Moçambique (i), de
que era Xeque Çacoeja , que mandava por costume visi
tar os navios, que chegavão, para saber se vinhão com-
merciar na Ilha, ou somente prover-se para continuarem
a viagem. Vasco da Gama então lhe disse, que elle vi
nha áquelle Porto a buscar hum Piloto, que o levasse
á índia, para onde era o seu destino, e não trazia géne
ros para negociar , excepto os precisos para a troco del-
les comprar o que lhe fosse necessário. Com isto o des-
pedio, dando-lhe hum presente para o Xeque, assegu-
rando-lhe o astuto Mouro, que havia na Ilha quantida
de de Pilotos, que sabião a Navegação da índia.

O} Esta Ilha he bem conhecida, está na latitude Sul 15o }', e lon
gitude 58o a/.
246
Pouco depois voltou com algum refresca da terra ,
9 hum recado do Xeque, que moveo Vasco da Gama,
com parecer dos Comraandantes , a entrar no Porto de
Moçambique, o que fez, indo Nicoláo Coelho diante
sondando, cujo navio tocou da popa em huma restinga
da Ilha, onde deitou o leme fora; porém dando logo
em maior fundo, foi surgir junto da Povoação; e apôs
ell.e toda a Esquadra. Esta Povoação era de casas pa
lhaças, excepto a Mesquita, e as do Xeque. Os habi
tantes erão Mouros estrangeiros, que alli se estabelece
rão , e commerciavão com Quilôa , e Sofalla; c os na-
turaes do Paiz erão Negros, que moravão na terra fir
me.
Nas Memorias relativas á Ásia , e Africa Orientat
exporei o resto desta interessante Viagem; e agora por
antecipação direi a conclusão que teve.
Vasco da Gama na sua torna-viagem para Portu
gal perdeo o navio S. Rafael no mesmo baixo, entre
Quilôa e Mombaça , em que tocara á ida ; e por então
lhe ficou o nome do Baixo de S. Rafael , salvando-se
toda a gente, que se repartio pelos outros dous navios.
A 20 de Março de 1499 dobrou o Cabo de Boa Espe
rança. Próximo ás Ilhas de Cabo Verde se apartou del-
le com tempo Nicoláo Coelho, que a 10 de Julho che
gou á barra de Lisboa ; e sabendo que o seu General
ainda não era chegado , quiz tornar a busca-lo , o que
El Rei não consentio.
Vasco da Gama ancorou na Ilha de S. Tiago, e
entregando o navio a João de Sá, seu Escrivão, arretou
huma Caravela, e foi á Ilha Terceira, na qual falleceo
seu irmão Paulo da Gama , que vinha mui doente, e fi
cou sepultado no Mosteiro de S. Francisco. Desta Ilha
partio Vasco da Gama para Lisboa , onde chegou a 29
de Agosto, sendo recebido d' El Rei, e de toda a Corte
com as maiores honras, festas publicas, e demonstrações
de alegria. As mercês que então, e depois lhe fez EIRei,
forao dar-Ihe o Dom para.elle, e seus irmãos, o Offi-
cio de Almirante dos Mares da índia, e trezentos mil
réis de renda, o Titulo de Conde da Vidigueira, e a
faculdade de empregar cada anno na índia duzentos
cruzados era mercadorias, livres de direitos , o que no
rempo de João de Barros produzia em Lisboa sete mil
cruzados , tudo isto de juro , e herdade. E ordenou
mais EIRei , que ao escudo das Armas da sua família
acrescentasse bania peça das Armas Reaes do Rehio
(Barros, Cap. ir.).
ijoo — Com a volta de Vasco da Gama a Portir-
gal mudarão os discursos, que os homens até alli fazião
•obre as vantagens da descoberta, e conquista do Orien
te . vendo em Lisboa especiaria, aljôfar, e pedraria,
próducçoes daquelles ricos Paizes, que antes olhavão
eom admiração quando os Venezianos as trazião a este
Reino. E como pela viagem de D. Vasco da Gama ,.
Sc conheceo-, que o tempo próprio para sahir de Lisboa-
era em Março, e o espaço de tempo que restava da
época da chegada de D. Vasco da Gama até Março
do anno seguinte de 1500, era mui curto, fez EIRei
Conselho sobre o modo que teria no proseguimento da-
quella conquista, attentas as informações que dava D.
Vasco da Gama , e assentou-se em se mandar huma
grande força naval , que desse áquelles Povos huma alta
ídéa de Portugal ; e igualmente foi fogo determinado o
numero de Náos , e de soldados , e o Chefe da expedi
ção, para que foi escolhido Pedro Alvares Cabral.
A 8 de Março de i^oo foi EIRei com toda a Cor
te ouvir Missa á Ermida de Nossa Senhora de Bêlera ,
defronte da qual ancorou naquelle dia a Esquadra. Es
teve arvorada no Altar, em quanto se disse a Missa,
huma bandeira da Ordem de Christo, que o Bispo de
Ceuta D. Diogo Ortiz (que pregou nesta occasiao) beit-
248

zco no fim da Missa , e EIRei a entregou da sua mão a


Pedro Alvares Cabral com grande solemnidade de pa
lavras, tendo-o com sigo dentro da cortina, por honra
do Cargo que levava . em quanto durarão os Officios
Divinos. Concluido este acto, foi levada a bandeira
com solemne Trociásão, que EIRei acompanhou até á
praia, onde Pedro Alvares, e todos os outro? Coru-
mandantes lhe beijarão a mão, e se despedirão delle.
A maior parte do Povo de Lisboa cobria neste rnomen- ■
ro as praias, e campos de Belém; e muitos em boteis
embandeirados rodeavão os navios , augmentando esta
festividade o som de toda a qualidade de instrumentos
músicos (r).
Constava a Esquadra de doze navios de Guerra ,
entre Náos , e navios menores, e hum Transporte car
regado de mantimentos (2), todos bem aparelhados,

(1) A narração desta famosa Viagem foi feita á vista dos seguintes
Escritores: Barros , Década i. Liv. 5. Capitules I. e a. — Castanlieda,
Liv. 1. Cap. jo e seguintes. — Góes, Patê 1. Capítulos 54, $;, e
$7. — Collectão de Noticias para a Historia das Nações Ultramarinas,
etc. Tomo 2. N. ? , qtie contem a Navegafão do Capitão Pedro Alua
res Cabral , escrita por luim Piloto Portuguez, , qwt hia na lua Armada,
Capítulos i., 2.,e ). — A mesma Collecção, Tomo j. N. I , onde
se adia a Noticia do Braiit , Cap. 54. — Corografia Frazilica do Padre
Manoel Alvares Cabral, impressa no Rio de Janeiro em 1817 , na Ir>
troducção da qual (pag. u c seguintes) vem hunia Carta escrita a
EIRei D. Manoel, datada de Porto Seguro no i.° de Maio de i;:o,
por Pedro Vai Caminha, que hia embarcado na Náo de Pedro Alva ej
Cabral. — Epilogo Manuscrito dos Vice-Reis, e Governadores da ín
dia, etc. , por Pedro Barreto de Rezende , Secretario do Vice-Rei Conde
de Linhares. — O Padre Fr- Manoel Homem na sua Memoria da De-
scripção das Armas Castelhanas, etc, Cap. ao. — Além de cutros vá
rios Escritores , que foi necessário consultar, pela diversidade de opi
niões , que «e encontra em alguns factos , e datas.
(2) Os nossos Escritores são unanimes em comporem esta Esquadra
de treze navios de Ciuerra , sem fazerem menção do Transporte de
mantimentos; porem Pedro Vaz Caminha, e o Piloto Portugucz d»
.mesma Esquadra , cujas Relações vão citadas , dizem, que se com.pur.ha

x
249

armado?, e providos para dezoito mezes de viagem. Era*o


Commandantes dos navios de Guerra (além do Chefe)
Sancho de Tovar, que hia nomeado por segundo Com-
niandante da Esquadra, Simão de Miran Ja, Aires Gomes
da Silva, Vasco de Ataide, Pedro de Ataide, Nicoláo Coe
lho, Bartholomeu Dias, Diogo Dias seu irmão, Nuno
Leilão, Luiz Pires, e Simão de Pina. Commandava o
Transporte Gaspar de Lemos. A Guarnição desta Es
quadra era de mil e duzentos homens (i), entre Solda
dos, e marinheiros, toda gente escolhida. Hia por Fei
tor da Esquadra Aires Corrêa, e por Escrivães do seu
Cargo GonÇalo Gil Barbosa , e Pedro Vaz Caminha.
Embarcarão também nella oito Religiosos de S. Fran
cisco , e por seu Guardião Fr. Henrique, que depois foi
Bispo de Ceuta-, e mais hum Vigário, e oito Capellães
para ficarem na Fortaleza , que EIRei mandava fazer.
Por hum dos artigos do seu Regimento mandava
EIRei a Pedro Alvares Cabral, que procurasse ganhar
a boa vontade de EIRei de Calecut, e persuadi-lo a
dar-lhe licença para construir huma Fortaleza na sua
Capital; e em caso de a negar, lhe declarasse a guerra.
Por outro artigo lhe ordenava, que tocasse em Melindc,
para entregar ao Rei o presente , que conduzia, e o seu
Embaixador; e que lhe offerecesse a sua amizade para
tudo o que precisasse. Levava também ordem para en-
viar a Sofala Bartholomeu Dias , e seu irmão Diogo
Dias, a fim de negociarem as mercadorias, de que hiãd
carregados, a troco de ouro, de que havia alli muita

de doze nivios, e outra embarcação carregada de mantimento* , opi-"


nião que me pareceo mais secura , por ser apo:ada com o testemunho
de dois homens, oue hião naquella Esquadra.
O) Castanheda, Góes, e Fr. Maneei Homem dizem mil e quirlien-
tos hom.-ns; Karros , Faria, e Pedro Barreto mil e duzentos. He mais
provável , que este fosse o numero da gente , attendendo a que os na
vios ainda não erão mui grandes.
32
250
quantidade, de cujo Commercio esta vão então senhores
os Mouros.
No dia seguinte q de Março sahio Cabral de Lis
boa com toda a Esquadra. A 14 vio a Grão Canária a
três ou quatro legoas de distancia, c passou o dia em
calma. A 22 dobrou Cabo Verde, e nessa noite se se
parou o navio, de que era Commandante Luiz Pires (1),
que arribou a Lisboa maltratado. Pedro Alvares o espe
rou pairando por espaço de dous dias, e como não ap-
pareceo, continuou a sua derrota. E querendo esquivar-se
ás calmarias de Guiné, empenhou-se tanto no bordo do
S. O. , que a 24 de Abril descobrio terra para Oeste
por 16o 30' de latitude Sul, suppondo-se a 450 legoas
ao Occidente da Africa (2).
O primeiro ponto que se descobrio foi hum mon-
(1) Pedro Vaz Caminha, na sua Carta a EIRei D. Manoel , já cila
da , diz que Vasco de Ataíde foi quem se apartou da Esquadra ; nu* he
equivocarão.
(2) Esta lie a opinião geral dos nossos Historiadores, contando nesse
numero o Piloto da Esquadra de Cabral (já citado), testemunha ocu
lar; ainda que Pedro Vaz Caminha, outra testemunha ocular, diz que
o terra se vio na tarde de 22 de Abril, quarta feira depois da Páscoa,
com as circunstancias de encontrarem na véspera muitas hervas, e naquei-
la manhã de 22 muitos pássaros, como era bem natural que succcdes.se:
concorda porem com o Piloto, em que a Missa foi celebrada em Por
to Seguro no dia 26 , acrescentando , que era Domingo de Pascoela; e
o Piloto diz ser no Oitavario da Páscoa.
Banos affirma, que a terra foi descoberta na latitude de 10o, e que
Cabral a costeou.. dali i para o Sul ate achar Porto Seguro, onde se cele
brou a Missa no Domingo de Pascoela, o qual , pela sua narração, cahio
a 29 daquelle mez. A viagem costeira de Cabral até Porto Seguro he
mais que inverosímil, tanto porque n-ste longo caminho de cento e
cincoenta legoas havia de descobrir a Bahia, e outras abas mais ao Sul ,
em que procuraria ab igar-se ; como porque sendoo vento S. E., (assim
o dizem as duas testemunhas oculares') , e estando <.!!<; próximo á terra ,
não podia costear aquella parte do Brasil, que desde 10" ate 1 j° corre ao
S. O. , e depois ao Sul , com pouca differença.
Francisco de Brito Freire copiou cegamente este lugar de Baixo*,
na sua Historia da Guerra Brasílica, Parte 1. pag. ia.
251
te alto , e redondo , a que deo Cabral o nome de Mon
te Pascoal (i), por ser então o Oitavario da Páscoa,
e depois forão apparecendo terras mais baixas para o
Sul com grandes arvoredos. De tarde, aproximando-se
a Esquadra a meia legoa da Costa , deo fundo de
fronte de hum pequeno Rio ; e Pedro Alvares man
dou o Mestre da sua Náo em hum escaler, para ver que
gente era a que andava pela praia: acharão alguns natu-
raes de côr parda, bem dispo. tos, os cabellos pretos, e
compridos, armados de arcos, e frechas, e todos abso
lutamente nús , homens, e mulheres. Como ninguém os
entendia, e as vagas rebentavão nas praias, não poderão
desembarcar, e apenas lhes poderão dar dous barretes
vermelhos, e receber delles algumas obras de pcnnas
de varias cores; e feito isto, recolheo-se o Mestre a
bordo.
De noite ventou S. E. rijo de aguaceiros , com que
garrarão os navios, e pela manhã se fez Pedro Alvares
-Cabral á vela ao longo da Costa para o Norte, era bus
ca de algum Porto, em que fizesse agua, e lenha , e po-
-desse ter melhor communicação com os habitante?, indo
os navios com as lanchas por popa; e ordenou, que as
■embarcações pequenas navegassem mais á terra , e que
•fie achassem bom ancoradouro para as Náos, surgissem.
•Com effeite, tendo navegado cousa de dez legoas desde
p ponto da partida, acharão huma aberta no fim dos
recifes, pela qual entrarão, e virão que dentro se fazia
-hum Porto grande, e mui seguro (2), por cuja causa
derão fundo. . .
Affonso Lopes, Piloto da Capitânia, que Cabral
(1) Este monte linda conserva o mesmo nome, e está situado em
17o 22' de latitude. E não faça duvida ser differente a que llie deráo
os Pilotos da Esquadra, attenrkndo aos instrumentos, e Taboas daquel-
le tempo.
(2) O Rio de Santa Cruz, em que ancorou Cabral , e a que deo o
32 ii
252

mandara a bordo' de hum dos navios pequenos, por ser


homem mui hábil , sahio logo em hum escaler a sondar
o Porro, e nesta occashlo tomou deus indígenas, que
estavao pescando, e já de noite os cohduzio a Pedro Ál
vares, que havia entrado com o resto da Esquadra em
•seguimento dos primeiros navios, vendo que estes davão
fundo. Os dous prisioneiros passarão a noite a bordo,
sem quererem comer, e sem responderem aos acenos, que
se lhes fazião. Pela manha, vindo a bordo da Capitânia
todos os Commandantes , ordenou Cabral a Nicohío
Coelho, Bartholomeu Dias, e Pedro Vaz Caminha, que
os levassem para terra, já providos de camizas, barre
tes, campainhas, cascavéis, e outras quinquilharias, com
que forao mui contentes. Na praia cstavão mais de du
zentos naturaes , todos nús , com o beiço inferior fura
do , e no buraco mettido hum osso , ou huma pedra
azul ; em fim erão cm tudo iguaes aos que antecedente
mente tinhão visto.
Estes Selvagens receberão os Portuguezes com gran
des festas , o que observando Pedro Alvares Cabral, de
terminou que naquelle dia 26 de Abril se celebrasse Mis*
sa , para a qual se armou huma barraca em huma coroa
de arêa , que na vasante ficava em seco (chama-se hoje
Coroa Vermelha), e Fr. Henrique disse a Missa, e pre
gou, assistindo o General com a bandeira Real, e todos
os Commandantes, c pessoas principaes da Esquadra-.
Os naturaes, que estavao pela praia, consideravao mui
attentos as ceremonias Religiosas, e acabadas ellas, can
nome de Poito Seguro, fica coberto çoin os recifes, que o abrigáo do
mar, e cabem dentro muitos navios com toda a segurança, tendo no
ve e dez braças de fundo; mas a Povoação antiga, que se havia erigi
do neste local , foi depois abandonada peles s*us moradores , por ser o
sitio doentio, e se acha estabelecida onde hoje se chama Porto Seguro,
mais para o Sul ; e por consequência este Porto Seguro moderno não he
o mesmo, em que Cabral ancorou , e a que deo este nome. Esta Costt
do Brasil era habitada naquelle tempo pelos índios Tupiniquins.
253

tíriío, e bailarão com grande alegria, -tfvierSo acompa


nhando o -General até se embarcar, mettendose alguns
pela 3gua , e outros nadando atraz dos escaleres.
Na mesma tarde voltou Pedro Alvares a terra, e
achando-sc Hum Rio de agua doce , se começou a fazer
aguada, e lenha, ajudando os naturaes nestes trabalhes
aos marinheiros; e tão familiares se mostravao, que al
guns Portuguezes forão á sua Aldeã, situada dalli huma
Jegoa, d'onde trouxerao papagaios, inhames, e arroz
em treca de quinquilharias, que lhes derão. As casas
destes Selvagens erão de madeira , cobertas de ramos de
arvores; e em todas se virão redes de algodão, em que
dormião. Não se lhes vio ferro, nem outro algum me
tal, e servião-se de machados de pedra para cortarem
as madeiras. Todo o Paiz era abundante de aguas, e
arvoredo; de milho, inhames, e algodão; e as aves im-
mensas, e de mui vistosas cores.
Deteve-se Cabral cinco, ou seis dias neste Porto, e
por conselho dos Commandames expedio para Portugal
o Transporte já descarregado dos mantimentos, que re-
partio pela Esquadra; e escreveo a EIRei D. Manoel
os acontecimentos da sua viagem, e lhe mandou doire
naturaes, que quizerão ir por sua vontade; esta embar
cação sahio de Porto Seguro a 2 de Maio, e a sua che
gada a Lisboa causou grande prazer a EIRei, c a todo
o Reino. Pedro Alvares deo a este Porto o nome de
Porto Seguro, onde deixou dous degradados (hum dos
<]uaes veio depois a Portugal), e mandando levantar na
praia huma grande Cruz de madeira (i), como em si-
(O Barros diz, que mandou arvorar buma Cruz mui grande no ci
mo da arvore, ao pc da qual se celebrou a Missa. Pedro Vaz Caminha
dii, que mandou levantar na pra:a huma grande Cittz de páo com as
Armas Reaes. O Piloto da Esquadra (a quem segui) não falia das Ar
ma; Reaer. Castanheda diz, que era lium Padião com huma Cruz ^ e
Goesj que foi huma Cruz de pedra, como por Padrão.
254

gnal de posse que tomava para a Coroa Portugueza ,


chamou a todo aquelle vasto Continente Terra de San
ta Cruz, que depois se mudou em Brasil.
No mesmo dia 2 de Maio sahio a Esquadra (r), e
a I2v appareceo hum Cometa para a parte de Leste, que
se vio oiro noites a fio. A 20, navegando a Esquadra to
da junta com vento mui fresco, em gavias arriadas a
meio mastareo, e sem traquetes, com o mar ainda agi
tado de huma trovoada do N.E. , que tivera no dia an
tecedente, com a qual havia corrido toda a noite a ar
vore seca ; d;is 11 para o meio dia se formou huma arru
mação mui negra da parte do N. O. , que de todo sor-
veo o vento, ficando as gavias encostadas aos mastarecs.
E como os Pilotos não conhecião ainda bem as conse
quências daquelle fenómeno, não se acautelarão, cuidan
do que era verdadeira calmaria ; mas de repente sobre
veio hum tufão de vento Sul, que tomando os navios
com o pnnno sobre, não lhes deo tempo de arriar, e
carregar as gavias, e em hum instante soçobrou quatro,
•sem delles escapar cousa viva ; e os sete restantes esti-
verão quasi soçobrados , de que escaparão por se lhes
fazerem as velas em pedaços, e quebrarem algumas ver
gas , e mastarcos. Erão os Commandantes dos quatro
•navios perdidos Aires Gomes da Silva, Simão de Pina,
Vasco de Ataíde, e o celebre Bartholomeu Dias, cujo
nome durará tanto, como o do Cabo de Boa Esperan
ça , que descobrio. O mar cresceo então de tal manei
ra, que humas vezes parecia querer lançar os navios fo
ra de si para a região do ar , e outras vezes sepulta-los
nos abismos do Oceano. Succedeo aqui acharem-se as
Náos de Pedro Alvares, e de Simão de Miranda no ci
mo de duas grossas vagas, que se deslisárão rapidamen-
(O Eu sigo esta opinião, fundado no dito das duas testemunhas
-oculares já citadas; ainda que Castanheda , e Earros dizem, que foi no
dia 9 de Maio.
255

te em sentido opposto, e no momento em que se hião


abordar, para se fazerem em pedaços, outra ondulação
inversa do mar milagrosamente as separou. O vento pas
sou depois com fúria ao S. O. , e assim poderão os na
vios seguir caminho a arvore seca, apartados huns dos
outros, cada qual como melhor se aguentava. Cabral,
e outros dous navios (em hum dos quaes hia o Piloto,
que escreveo esta viagem) tomarão hum rumo; a Náo
Rei, e outros dous seguirão outro; e o de Diogo Dias
outro: logo tratarei deste.
O mio tempo durou por vinte dias, com poucos in-
tcrvallos, e sem avistar terra alguma, se achou Cabral
com os seus três navios a iG de Julho no parcel de So-
fala , onde convefFeito descobrio a terra, sem a conhe
cer, ç correo ao longo delia cora bom vento, e aprazí
vel rempo, distinguindo grandes arvoredos, e muito ga
do. Chegando ás Ilhas Primeiras, vio dous navios de
Mouros, que intentarão fugir, mas forao tomados sem
resistência , deitando-se ao mar a maior parte da gente
(de que alguma se aíFogou.) para salvar-se nas Ilhas.
Destas embarcações era dono, e Capitão Xeque Fotci-
jna, tio do Rei de Melinde, que vinha de Sofala com
muito ouro. Pedro Alvares, sabendo quem elle era, pe-
zou-lhe muito deste acontecimento, e fazendo-lhe mui
tas honras, lhe mandou entregar os navios com tudo
quanto tinhão. Xeque Foteima o informou das minas
de Sofala , e de que pertencião ao Rei de Quiloa (i) ,
e lhe advertio, que o parcel de Sofda já lhe ficava mui
to longe.
Continuando Pedro Alvares a sua viagem, ancqrou
em Moçambique a 20 dsste mez de Julho; e passando
poucos dias depois a Quiloa, como direi na segunda

(1) Pequena Ilha situada em huma Eahia na Costa da Africa Orien»


tal, na latitude S. 8o 37', e longitude 58o 57'.
256
parte destas Memorias, se lhe reunio nlli a Náo Rei
com as outras duas da sua conserva, que se liaviao se
parado no temporal.
Diogo Dias, correndo com -a tormenta, foi ter ao
Estreito da Arábia, e Cidade deMagadaxo (r), c aqui
perdeo a lancha com toda a sua equipagem , cm conse
quência de liuma traição dos Mouros; e ficando só com
sete homens, e sem Piloto, voltou para Portugal, e em
Cabo Verde se veio encontrar com Pedro Alvares Gr-
bral nr? sua torna-vjagem , o qúál tendo dobrado o Ca
bo de Boi Esperança a ^^ de Maio de 1501, surgio
por acaso na Bahia de Bezenegue, onde estava fazendo
aguada a Esquadra commandada por Amcrico Vespu-
cio (2), e entrou depois em Lisboa a 31 de Julho, ha-
vendo-sc-Ihe perdido o navio de Sancho de Tovar (de
duzentas toneladas) cm hum baixo na Costa de Melin-
de, de que se salvou unicamente a Guarnição.
15*00 — No começo do Verão deste anno de i^oo (3)
partio de Lisboa Gaspar Corte Real, homem valoroso,
e amigo de ganhar honra , cm hum navio armado, par
te á sua própria custa, parte á custa d'ElRei D. Ma
noel, com o projecto de fazer descobrimentos ao No
roeste de Portugal, e ver se achava por alfi passagem
para os mares Orientaes : projecto atrevido, e quasi in
crível para aquellc século !
Desta viagem não se sabe mais nada, senão o que
consta dos dous citados Escritores, isto he, que Corte
(1) Cidade da Africa Oriental, situada na latitude a* 10 N. , e
longitude 6{" 50'.
(2) O facto he extraordinário, porem assim o relata o próprio Pilo
to da Esquadra de Cibral ; e ou aqui estava também Diogo Dias, ou ti
nha partido pouco antes para Lisboa. Barros falia do encontro de Cabril
com Diogo Dias como acontecido na Ilha de Cube Verde.
({) Damião de Góes, Parte l. Cap. 66. — Vede a excellente Me
moria do Snr. Trigoso no Tomo S. das Memorias de LitcKtura Port*-
gujza, pag. joj.
257
Keal descobrio huraPalz, cuja face do N. E. costeou
por duzentas legoas (i), sem poder passar mais para o
Norte, por causa dos gelos, e neves, e regressou a Por
tugal com quasi hum anno de viagem , deixando o no^
me de Terra Verde áquelle Paiz, que era mui fresco,
e de grandes arvoredos, e os seus habitantes (de que
trouxe alguns) de estatura mediana, alvos, mui bárba
ros , ligeiros na carreira , e hábeis frecheiros.
ijoi — Neste anno mandou EIRei aprestar três
Náos, e huma Caravela grande (2), para cujo com
inando em Chefe nomeou a João da Nova, Nobre Gal-
lego, a quem havia dado a Alcaidaria de Lisboa, que

(1) Se Corte Real vio a terra da America por 50o de latitude N. ,
como diz Galvão , era forçosamente a Ilha da Terra Nova, mas parece
que não chegou ao seu extremo do Norte, situado em 52o de latitude,
aliás veria o Estreito chamado hoje de Belle-Isle , que dá passagem para
o Golfo de S. Lourenço, e o grande Rio do mesmo nome, por entre a
Costa do Lavrador , e a mesma Ilha da Terra Nova ; e era natural que
elle commettesse o exame daquelle Estreito , segundo o plano da sua
viagem ; ou , se vio o Estreito , a falta de víveres , e o receio dos frios
do Inverno o persuadirão a regressar a Portugal , para no anno seguinte
proseguir o seu descobrimento.
A Ilha da Terra Nova tinha já sido descoberta por Sebastião Ca
boto, Veneziano, que achando-sc em Inglaterra, se offereceo a Henri-
fjue VII. para ir fa7er descobrimentos de novos Paizes para a parte de
Oeste; e sahindo de Bristol com dou» navios no Verão de 1697 , che
gou a ver terra por 5 6o de latitude ; e observando que corria para o Nor
te , temeo os frios daqueUa Região , e voltou para o Sul. Nesta derrota
descobrio a Ilha da Terra Nova, de cujos agrestes habitantes metteo três
a bordo. Seguio depois o fumo do Sul até 38o de latitude; e achando-
se já mui falto de viveres, voltou para Inglaterra, onde os Selvagens
viverão muito tempo. Os Inglezes não torna/ão a emprehender esta na
vegação, senão passados muitos annos. Vede Clark, Tomo 1. Appen-
dix B.
(O Vede Faria, Ásia Portugueza Tomo 1. Parte 1. Cap. 6. —'
O mesmo r.o Tomo }. no fim. — Fr. Manoel Homem , na sua Obra
já citada , Cap. 29. — Galvão , Tratado dos Descobrimentos. — Pedro
Barreto de Rezende, já citado. — Góes, Parte 1. Cap. 6j. — Barros,
Década 1. Liv. 5. Cap. 10.
33
258
então andava em homens Fidalgos, pelos muitos servi
ços que lhe fizera na Marinha : esta Esquadra levava
quatrocentos homens, entre soldados, e marinheiros. Erao
Commândantes dos outros, três navios Diogo Barbosa ,
criado de D. Álvaro (irmão do Duque de Bragança),
dono do navio; Francisco de Novaes, criado d' EIRei;
e Fernão Vineti, Florentino, por ser csra embarcação
de Bartholomeu Marchioni, da mesma Nação, e hum
dos mais ricos Negociantes de Lisboa. Cumpre aqui
advertir , que EIRei tinha permittido , em beneficio do
Commercio, que os particulares armassem navios para a
índia, tanto para carregarem por sua conta, como a
fretes ; isto debaixo de certas condições, huma das quaes
«ra , que elles apresentarklo os Commândantes, os quaes
EIRei confirmaria ; e daqui se seguio, que talvez propu-
áhão homens mais aptos para a Navegação, e Commer
cio, do que para a guerra ; pois raras vezes o interesse
particular coincide com o interesse publico.
Sahio João da Nova de Lisboa a cinco de Março >
e seguindo sua viagem, descobrio huma Ilha pequena
em oito gráos de latitude, a que chamou da Conceição,
â qual tomou depois o nome de Ilha da Ascensão (i).
A 7 de Julho ancorou na Aguada de S. Braz, e achou
numa Carta de Pedro de Ataíde, Commandante de hum
dos navios da Esquadra de Pedro Alvares Cabral, em
que relatava o estado dos negócios na índia , cujo aviso
sérvio de governo a João da Nova , como se dirá na se
gunda parte destas Memorias , e concluída a sua agua
da , e provido de atgum gado , que comprou aos Ne
gros , partio para Moçambique , onde chegou nos prin
cípios de Agosto.
(O Esta Ilha está situada na latitude S. 8°, e longitude ;° 48".
Tem cousa de quatro legoas de- comprido, e huma de largo; he escal
dada, e acháò-se alli muitas e grandes tartarugas. O Porto fica da banda
do N. O. , com bom fundo de arca limpa.
259
Na sua torna-viagem para Portugal descobrio a
Ilha de Santa Helena (i), em que fez aguada, de ma
neira que nesta viagem deixou descobertas três Ilhas,
as duas já mencionadas, e outra no Canal de Moçam
bique, que conserva o seu nome (2). A 11 de Setem
bro de 1501 ancorou em Lisboa, e foi recebido d' EJ-
Rei com grande honra.
ijoi — Movido EIRei D. Manoel pela reputação
de hábil Navegante, que rinha adquirido Américo Ves-
pucio, natural de Florença (onde nascera em 145" 1 , e
que acabava de fazer duas viagens ás índias Occiden-
taes), lhe escreveo a Sevilha convidaodo-o para vir a
Portugal , a fim de ser empregado no seu Real Serviço,
o que elle acceitou; e chegando apressadamente a Lis
boa , achou já três navios promptos , em que se embar
cou, e sahio deste Porto a 10 de Maio de 15-01 (3).
Ignora-se o nome do Chefe desta pequena Esqua
dra, cuja com missão era examinar, e reconhecer as Cos
ias do Brasil (4). Seguio elle o rumo para as Canárias;
avistou-as , e atravessou para a Africa, que foi costean
do, demorando-se por alli dous ou três dias em fazer
pescaria de pargos, até chegar á Bahia de Bezenegue,
que situou na latitude N. de 14 "30' com bastante exacti
dão; e nella se encontrou com Pedro Alvares Cabral,
que voltava da índia. Gastarão onze dias em fazer
agua, e lenha, c partirão -em demanda do Brasil, nave
gando ao S. 0. 4 S.
(1) Esta Ilha tornou-se tão celebre, que he inútil diaer delia cousa
.alguma.
(2) A Ilha iW João da Nova, situada 110 mar da Índia, esta na la
titude ti5 $8' S , e longitude 61o 9'.
(O Vede a Collecção de Noticias para a Historia das Nações Ultra
marinas, JH citada, Tomo :. N. 4 pag. 141.
(4) O Autiior cia Corografia Brasílica, na Introdueçáo do Tomo 1.
-pag. }7, duvida da verdade destas Viagens, que me patícem fomente
cheias *ie exagerações.
33 ii
2 CO
No fim 3e sessenta e sete dias de navegação, sem
pre com grande trabalho , e ventos contrários , soffrendo
por espaço de quarenta e seis dias trovoadas , chuvas, e
cerrações, virão terra no i.° de Agosto pela latitude S.
de 5"° (i), e julgarão que distaria setecentas legoas do
ultimo ponto da sua partida (2). Surgirão a meia le-
goa da Costa , e desembarcando, acharão o Paiz alegre
e viçoso, onde só virão vestigios de gente, e tomarão
posse delle por EIRei de Portugal. No dia seguinte
tornarão para fazer agoa e lenha, e então virão no cume
de hum monte alguns naturaes todos nús, que não qui-
zerão descer, por mais diligencias que se fizerão» Estes
homens erão da mesma côr, e feições dos que Vespueio
tinha visto nas índias Occidentaes ; e sendo já no fim
da tarde, se recolherão para bordo, deixando-lhes na
praia alguns cascavéis, espelhos, e outras quinquilha
rias ; o que tudo elles vierao buscar logo que as lan
chas se alargarão da terra, mostrando-se maravilhados
á vista daquelles objectos tão novos.
Na manha seguinte, observando-se dos navios, que
©s naturaes fazião muitos fumos, julgou-se que era pa
ra os chamar, e desembarcando, virão muitos reunidos
a certa distancia, que lhes acenavão para que entras
sem pela terra dentro, o que ousarão fazer dous Portu-
guezes, obtida primeiro numa repugnante licença do
Chefe da Esquadra ; e assim partirão com intento de
examinarem , se aquella gente possuía alguma riqueza ,
especiaria, ou drogas, e levarão iogo comsigo alguns
(1) Parece que 9eria o Cabo de S. Roque, que está em latitude S.
j° 7'; e mais provavelmente algum ponto da Costa ao Sul delle; aliás
se perderiáo nos. baixos, do mesmo nome, que correm desde o Cabo pa
ra o Norte.
(2) Esta distancia he eKcessiva, e o sáo todas as de Américo Ves
pueio, por isso não copiarei mais nenhuma; e advirto, que os Italia
nos contavão quatro milhai por cada legoa; c assim o grão tinha oiten
ta milhas.
261
géneros de trafico; tendo porém ordem de se não dila
tarem mais de cinco dias, porque outros tantos se es
peraria por «lies.
Partidos estes dous homens , recolíieo-se agente a
bondo, e dalli vião todos os dias virem os naturaes á
praia , mas sem quererem deixar-se communicar. Ao sé
timo dia desembarcarão os Portuguezes, e observarão
que os Selvagens tinhão trazido comsigo as mulheres,,
e as mandarão para elles apenas os escaleres se aproxi
marão da terra; e vendo-os tão desconfiados, enviárão-
lhcs hum moço mui gentil, e galhardo, ficando elles
nos escaleres para lhes mostrar maior confiança. O mo
co foi sem suspeita alguma ter cora as mulheres, que
formarão hum circulo á roda delle, e apalpando-o, e
examinando-o attentamente, se espantarão sobre maneira.
Entretanto desceo do monte huma mulher com hum gran
de páo na mão, e chegando-se por detrás a elJe , lhe deo
tão forte pancada na cabeça , que o estende© morto :
as outras o tomarão logo pelos pés, e o arrastei rão pa
ra o monte, e os homens correrão á praia, e começa
rão a atirar cora as suas settas, o que pôz a gente dos
escaleres era tal confusão, que estando surtos sobre os
bancos de arêa junto a terra , nenhum atinou a tomar
as armas, por causa das muitas frechadas que sobre el
les chovião. Disparárão-se quatro tiros de canhão con-
rra os Selvagens, que não acertarão ; mas ao ruido del-
Jes, fugirão para o monte, onde as mulheres estavao
fazendo o cadáver em pedaços , e assando-os em huma
grande fogueira, os mostravão aos Portuguezes, e os
comiao; e os homens lhes dizião por acenos, que o
mesmo havião feito aos outros seus dous companhei
ros. Mais de quarenta homens querião desembarcar,
para vingarem similhante barbaridade; porém o Chefe
não o quiz consentir, e se fez á vela.
Seguindo a sua derrota entre o Leste e o Sueste,,
262
que he como corre a Costa , fizerao varias escalas , sem
acharem gente cora quem podessem tratar; e assim na
vegarão até verem que a terra voltava para o S. O. ; e
em dobrando hum Cabo, a que pozerão nome de San
to Agostinho (r), que suppozerao na latitude S. de 8o
principiarão a seguir a direcção da terra , e virão
hum dia muita gente , que corria pela praia a ver
os navios , os quaes por isso se aproximarão, e man
darão alguns escaleres a reconhece-la. Achando bom
ancoradouro , e homens de melhor condição , derão
fundo , e se detiverão cinco dias commerchndo cora
os naturaes , que tinhao muita canafisttila ; e três
delles se embarcarão voluntariamente para Portugal.
(1) O Cabo de Santo Agostinho está na latitude S. 8" «', e lon
gitude H*'1 45'-
Bernardo Pereú» de Eerredo na sua Historia do Maranhão, Lir. I.,
diz , que Vicente Annes Pinçon , sahindo de Paios em í j de Novembro
de 1499 com quatro navios armados á sua custa, e de outro seu paten
te, tendo licença dos Reis Catliolicos D. Fernando, e Dona Isabel para
ir fazer descobertas, tocou na Ilha de S. Tiago, d'onde sahio em Janei
ro de 1 500; sendo o primeiro Hespanliol que pasmou a Linha, descebtio
em altura de 8o S. o Cabo de Santo Agostinho, a que chamou da Con
solação , onde desembarcou , e escreveo nos troncos das arvores os no
mes daquelles dous Monarchas , e o seu próprio , com a data da • u.i
chegada. Voltando dalli para o Norte , foi correndo a Costa , entrou no
Amazonas, que appellidou Mar Doce ; e cortando a Linha, descobrio
hum Cabo, a que pòv. nome de Cabo do Norte, em 2o 40' de latitu
de. Dalli seguindo para Oeste cousa de quareivta legoas, entrou em hum
Rio, a que deo o seu próprio nome, que ainda conserva, eque os
Francezes cliamío Wiapóc Em hum alto junto á sua foz mandou de
pois o Imperador Carlos V. levantar hum Padrão, para marcar os limitts
entre as Possessões de Portugal e de Hespanha , cujo Padrão foi desco-
ncito no anno de 172} por João Paes do Amaral, Capitão de huma das
Companhias da Guarnição do Pará.
Galvão concorda com Berredo no descobrimento do Cabo de Santo
Agostinho, e Rio d.is Amazonas por Pinçon. Porém 0 Author da Coro
grafia Brasílica (em a Nota da pag. 34, Tomo 1. da Introuiicçáo') sus
tenta, que Pinçon n:ío vio o Cabo de Santo Agostinho antes ue Pedro
Alvares Cabral o descobrir , roas sim o Cabo do Norte.
263

Sahindo deste Porto, tomarão o rumo do S. O.,


fazendo muitas escalas, e fallando com muitas gentes,
que os recebião benignamente , por cuja causa se demo-
ravão alguns dias por aquelles Portos. Assim forão até
chegarem á altura de 32o S. Todo o Paiz era muito
povoado, e os naturaes mui domésticos; rinhao a côr
avermelhada, os cabellos negros, e corredios, andavao
todos nús , erao bem feitos de corpo , e o aspecto seria
gentil , mas tornavão-se feios, porque tinhao as faces,
o nariz , as orelhas, e os beiços cheios de furos, em que
metriao pedaços de varias pedras, e de cristal, e ossos
Livrados com primor. Não virão entre elles ouro, ain
da que tiverão noticia de que o havia no Paiz, bem co
mo pérolas, e pedras preciosas.
Dez mezes tinha consumido a Esquadra neste re
conhecimento, quando o Chefe encarregou Vespucio
de dirigir a derrota : em consequência mandou este fa*
zer agua , e lenha para seis mezes, tempo que os OfH-
ciaes dos navios diziao que elles poderião navegar ain
da. Aos ij de Fevereiro de 1502 tomou a Esquadra
o rumo do S. O. (1) , e por eíle navegou até se
achar na latitude Sul de 5-2°. Neste dia lhe deo huma
tormenta- de S. S. O. com muito mar, e cerração, e
correo com ella em arvore seca por quatro dias , em
3ue vio huma terra desconhecida, a qual costeou cousa
e vime legoas, e achou tudo costa brava, sem Por
to, nem Povoação; o frio era insupportavel, o mar mui-
to grosso, e a cerração grande. Nestes termos, sendo
impossível aguentar-se mais, conveio Vespucio com o
Chefe em regressar a Portugal , e feito signal de reunião
á Esquadra , deitarão a popa ; e a noite , e dia seguinte
cresceo tanto a tempestade , que estiverão em riscos de

(1) O original tem o ramo de E.S. E. , mas lie hum erro palpável
e por hso substituí o rumo do S. O. , que lie a direcção da Costa.
2C4

irem a pique. Assim correrão cinco dias só com traque-


tes arriados a menos de meio mastro , navegando sem
pre ao N. N. E. , porque queriao reconhecer a Costa da
Ethiopia; * a 10 de Maio virão Serra Leoa, onde esti-
verao quinze dias a refrescar-se. Dalli se dirigirão aos
Açores (não declara a qual destas Ilhas foi), a que
chegarão no fim de Julho; e demorando-se outros quin
ze dias, partirão para Lisboa, e entrarão nesta Cidade
a 7 de Setembro de 15:02, com dois navios, tendo quei
mado o outro em Serra Leoa , por estar incapaz de na
vegar , contando dezoito inezes e vinte oito dias de via
gem.
ic/oi — A 1 5T de Maio sahio segunda vez de Lis
boa Gaspar Corte Real (1) para complerar o seu des
cobrimento da Terra Verde com dous navios; e che
gando á vista delia com boa viagem, se separou o ou
tro navio, que de balde o procurou depois para se lhe
reunir , porque nunca mais o yío ; e assim voltou para
Portugal.
ijoi — Neste anno determinou EIRei D. Manoel,
apezar da opposição do seu Conselho, e da Rainha,
passar pessoalmente á Africa, para cuja empreza apres
tou hum Exercito de vinte e seis mil homens escolhi
dos, em que se contavão seis mil e oitocentos de Ca
vai laria (2), e huma Armada de quatrocentas embar
cações (3) de Guerra , e de Transporte. Mas esta ex
pedição não teve effeito , porque neste mesmo tempo
ameaça vão os Turcos os Domínios de Veneza na Gré
cia com huma poderosa Armada, e aquella Republica ,
e o Papa implorarão o soccorro d' EIRei D. Manoel ,

CO Vede Góes no lugar acima citado, 1 a Memoria também ci


tada.
Cí) Góes, Parte 1. Capitulos 47, 51 , e 5a.
li) Fr. Manoel Homem na sua Memoria já citada, C.-.p. 29.
26S

que convocando o concelho, pareceo a todos ?c envias


se Jiuma Esquadra de trinta navios em auxilio de Ve
neza , por ?erem mui grandes os males que se poderião
seguir, se os Turcos realizassem a invasão que projecta-
vao.
Na conformidade deste voto, partio de Lisboa â
if de Junho deste anno o Conde de Tarouca D. João
de Menezes, com trinta navios de Guerra, entre gran
des e pequenos, escolhidos dos melhores de toda a Ar
mada, guarnecidos com três mil e quinhentos soldados:
•era segundo no cominando geral Ruy Telles de Mene
zes, incorporada cora esta, e debuixo das suas ordens,
sahio outra Esquadra, cm que hia muita gente Nobre,
para ficar de guarnição no Castello de Mazalquivir, no
caso de se poder ganhar de passagem, objecto que El-
Rei tinha em vista; e em segredo encarregou o Conde
de Tarouca de o tentsr; por quanto, tomado este Cas
tello, lhe seria fácil apoderar-se de Orâo.
As duas Esquadras dirigirão-se ao Cabo de San
ta Maria no Algarve, onde se lhe reunirão algumas
embarcações armadas nos Portos daquelle Reino, que
aili as esperavão.
Seguindo a sua derrota , chegarão as Esquadras á
vista de Maznlquivir a 19 de Julho, e por ser já tarde ,
se fez o Conde na volta do mar, cora intenção de com-
metter o desembarque no dia seguinte; porém os ventos
contrários lhe embaraçarão tomar o Porto antes de 23,
o que deo {empo aos Mouros de se reforçarem.
Desembarcarão a final rts tropas, ficando o Conde
no seu escaler a requerimento dos Fidalgos, que o acom-
panhavao; e sem opposição chegarão ás muralhas do
Castello, e começavão a arrumar-lhe as escadas, quan
do de repente ganirão de denrro quatrocentos cavallos,
e alguma gente de pé, e carregarão os Porrugue/c? com
tanto vigor, que estes cheios de terror pânico , fugirão
34
266
jwn desordem, e se recolherão ás lancha*, deixando al
guns mortos no campo.
Descontente deste desastre , frueto da pouca Disci
plina daquelles tempos, deo o Conde de Tarouca, com
q parecer dos seus Officiaes, por acabada a empreza, e
despedio para Portugal a Esquadra auxiliar; e proseguin-
do a sua derrota, fez escala em Alicante, e nas Ilhas
Baleares; e por ultimo entrou em Cálheri, Capital da
Sardenha, para refazer-se de víveres, em que se demo»
rou pouco; e tornando a seu caminho, enconrrou pelo
iravéz de Tunes huma Carraca , e dous Galeões Geno-
vezes, que hiáo para Orão carregados de mercadorias,
entre as quaes havião muitas pertencentes a Turcos,
Mouros, e Judeos. Com estas prezas voltou o Conde a
Cálheri, e tomou por perdidas todas as fazendas, que
não crao de Genovezes, ou de outros proprietários Chris-
táos, carregando-as nos navios da sua Esquadra ; largou
porem a Carraca , e deo liberdade a sessenta Mouros, e
Turcos, e alguns Judeos, que achou abordo das prezas,
das quaes levou, os Galeões , por ter necessidade delles
para a sua commissão.
Navegando de Cálheri para a Costa da Grécia, en
controu três Galés Venezianas, que o acompanharão á
Ilha de Corfú, onde o veio receber três Iegoas ao mar
C General da Armada de Veneza, com vinte e circo
grandes Galés , e cinco Galeões. Dilatou-se algum tem
po o Conde de Tarouca em Corfú, e sabendo-se que
os Turcos havião abandonado o projecto , que tinir, o
contra a Grécia, e Fccolhido já o seu Armamento, vol
tou para Portugal , seguindo quasi a mesma derrota, que
fjzera á ida, e chegou a Sagres dia de Natal, d'onde
passou a Lisboa, ha vendo -se perdido no caminho com
rormenta os dois Galeões Genovezes. Os géneros apreza-
Cp3 repart!rão-se pela gente da Esquadra ; e do quinto ,
o^ue lhe tocava , fez EIRei mercê ao Conde.
2G7

Ifoi — Com à chegada de Pedro Alvares Cafcrart


foi El Rei D. Manoel informado do estado de guerra,
em que ficavao os Portuguezes na índia cora o Rei de
Calecut, e assim determinou mandar numa grande for
ça naval , capaz de fazer respeitar a sua Bandeira nos
mares Orientaes (i). Em consequência fez trabalhar com
tanta actividade nos Ar?enaes, e era tal a abundância de
munições, e petrechos, que nos fins de Janeiro deste an-
no de 1501 se achavao promptos quinze navios, dos
vinte destinados para aquetla- viagem. Dividio-os EIRei
em ctoias Esquadras: a primeira das maiores dez Náos.
e a segunda de cinco , ficando g resto para se formar
fauma terceira Esquadra , que devia partir logo- que es
tivesse completamente armada*
Orfereceo EIRei o Commando em Chefe a Cabral ,
mas sabendo este, que Vicente Sodré estava nomeado
Sara Commandante da segunda Esquadra , com hnrri
Legimenfo, que quasi o isentaria da soa jurisdicção,
porque hia ficar estacionário na índia, para fazer a
guerra aos inimigos do Estado ; como era homem de'
muitas primores acerca do ponto de honra, teve sobre-
este negocio alguns requerimentos , a que EIRei lhe
não satisfez -y de que resultou ser nomeado em seu lu
gar D* Vasco da Gama.
Erão Commandantes dos navios da primeira Es
quadra D. Luiz Coutinho, Francisco da Cunha, JoâV
Lopes Perestrello , Pedro Affonso de Aguiar, Gil Ma-'
toso, Ruy de Castanheda, Gi! Fernandes, Diogo Fer
nandes Corrêa , e António do Campo. Commandava a
segunda Esquadra Viceure Sodré, tio de D. Vasco1 da.
Gama, e os outros Commandantes erão Braz Sodré, seu
irmão, Álvaro de Ataíde, Fernão Rodrigues Bardaças,
Ci) Vede Barros, Década i. Liv, 6. Cap. i. -^- Faria, Europa Por-
tugu"a. — Castanheda', Liv. i. Cap. 14. —■ Góes, Parte 1. Cap. 68.
Rezende no Epilogo ji citado.
34 U
268
e António Fernandes. Elegeo ElRei a Estevão da -Ga
ma , primo do Almirante, para commandar a terceira
Esquadra , cujos Commandames erao Lopo Mendes de
Vasconcellos, Thomaz de Carmona, Lopo Dias, e João
de Bonagracia, Italiano (i). Em todas estas três Esqua
dras hião mil e oitocentos Soldados,
A 30 de Janeiro foi EIRei á Sé ouvir Mis3a , e
depois de acabada, relatando em numa solemne falia
os merecimentos de D. Vasco da Gama, o declarou Al
mirante dos Ma/es da Arábia, Pérsia, e índia. Concluí
do este acto, entregou-lhe a bandeira do Posto que le
vava, e dalli foi conduzido por todos os Grandes, e maii
Fidalgos, que estavão presentes, com grande pompa até
ao Cães da Ribeira , em que embarcou.
A 10 de Fevereiro partio de Bclem o Almirante
D. Vasco da Gama, fazendo derrota para Cabo Verde,
e no ultimo do mez ancorou no Porto de Ale (z), em
que esteve seis dias completando a sua aguada , e alli
veio ter huma Caravela , que vinha da Mina , de que
era Commandante Fernão de Montearroio, o qual tra
zia duzentos e cincoenta marcos de ouro em manilhas ,
e outras jóias que os Mouros usao. O Almirante, como
transportava comsigo os Embaixadores dos Reis de Ca
na nor, e Cochim , mostrou -lhes o ouro, para que sou
bessem que EIRei D. Manoel era Senhor daquelle Paiz
da Mina , d'onde lhe vinhão cada anno doze e quinze
embarcações, cada huma com igual quantidade de ouro.
Os Embaixadores, estupefactos, lhe descobrirão então,

(i~) Os nossos Historiadores poucas vezes concerdáo nos nomes dos


Commandames , náo só por falta de boas noticias, mas porque também
suecedia nío ir o Commandante primeiro nomeado para hum navio,
por qualquer causa occortenre , e nomear-se outro na véspera da parti
da , de que não. ficava t ou se perdia a lembrança. .
(2) Emfís situa equivocadamente o Porto de Ale no rato de Cai»
Vcrtte, di qu; ssrá quinze legoas distante para. o S. E.
260
que algumas pessoas tia famiiia do Embaixador de Ve
neza em Lisboa (que viera pedir auxilio contra os Tur
cos) lhes confiarão em segredo , que este Ministro tinha
dado soccorros em dinheiro, e munições para se prepa
rar aquella Esquadra, por ser a Senhoria de Veneza a
maior Potencia da Ghrisrandade, e Portugal hum Reino
mui pequeno, e pobre, que não podia sustentar só o tra
fico das especiarias; acrescentando outras muitas razões
para os pemiadir, que lhes seria a eiles mais vantajoso
o Commercio com Veneza, do que com Portugal. Porem
a vista daquclle ouro, que, por ser em obra, fazia maior
vuíto , capacitou estes Embaixadores Indianos da gran
de riqueza de Portugal.
O Almirante avisou de rudo a EIRei peh mesma
Caravela ; e a 7 de Março proseguio a sua viagem , na
qual, a ré ao parcel de Sofala, teve alguns temporaes,
que lhe desaparelharão alguns navios. Dalli expedia Vicen
te Sodré com a maior parte da Esquadra para Moçambi
que , e elle foi a Sofala , onde fez o que direi na segun
da parte destas Memorias; e desta Cidade passou a Mo
çambique, em cujo Porto ancorou a 4 de Junho de 1503,
e achou Vicente Sodré, que chegara quinze dias antes.
No r.° de Abril partio de Lisboa Estevão da Ga
ma com a sua Esquadra de cinco navios (1). A 4 virão
a Ilha de Porto Santo, e no mesmo dia as Desertas :
no seguinte passarão as Ilhas da Palma, e Ferro, e a 15"
as de Cabo Verde.
CO As únicas noticias circunstanciadas , que temos desta Viagem,
ko as que nos deixou Thomú Lopes, Escrivão do navio, que comirnn-
dava João de Eonagracia. A sua relação lie muito interessante na parte
JiistOrica, pela minuciosa singeleza com que rarra muitos factos curio
sos , e interessantes; rr.as no que respeita á Náutica, não tem igual me
recimento, por ser desta mui alheia a sua profissão, de que se seíHÍo-
referir sinceramente o que ou» ia a pessoas pouco instruídas r.aquella Ar
te. Vede o Temo 3. N. 5 pag. j.59 da CoJlecção de Noticias para ar
Historia das Natces Ultramarinas.
S7&
Á 18 de Maio , estando ainda distantes d» Linha ;
vírío (i) huraa Ilha alta, e frondosa , que lhes parecco
da grandeza da Madeira , e julgarão não ter sido. ainda
descoberta ; á qual tentarão, chegar-se, e não lho pernvit-
tio o Vento. Parece que a derrota desta Esquadra foi
muito a Oeste, porque a quatrocentas legoas do Cabo
de Boa Esperança começarão a sentir grandes frios, que
farão auginenrando á proporção que se aproximavão do
Cabo, por estarem na estação do Inverno do Hemisfé
rio Austral.
A 7 de Junho os assaltou huma furiosa tormenta
de Oeste, que nessa noite espalhou os navios, de sorte
que pela manhã se achou só a Não , de que era Con*-
mandante João de Bonagracia , com a Náo Júlia. No
quarto das oito para o meio dia, indo os navios em pa-
pafigos arriados , cresceo tanto o vento, que se quebrou
a verga grande do de Bonagracia , e rendeo hum mastro
da Júlia ; e assim correrão em arvore seca aquelle dia,
e noite com grande susto, è trabalho, pelo muito map
que entrava nas Náos, sobre tudo na Júlia, que aguen
tava menos. No dia 9 abonançou a tempestade, e tor
nou a reverdecer a 11 , seguindo sempre os navios a ru
mo de Leste. Nos dias 12 e 13, em que julgavâo ter
já navegado quatrocentas e cincoenta legoas naquelle
rumo, virão nas aguas aíguns limos, taninhas, lobos;
marinhos, e muitas aves de varias espécies, que são si-
gnaes de terra ; e como estavão mui longe, do Continen*

CO A existência desta grande Ilha lie fabulosa; eu suspeito, que


Tlionit Lopes fio talvez o Penedo de S. Redio , que. está qua;i hum
grão ao Norte da Linha, e lhe pateceo de. longe muito maior do que
realmente he ; ou que algum curioso ignorante adulterou no Original
de Tbomé Lopes, a descripçío, que fazia, diqnelle Ilhote, acrescentan
do-) he , para fazer o caso mais verosímil, a sua posição relativa i Hf»
dos. Papagaios VwmeJbos, e outros absurdos, que supprimi, por s;rem
ate irrisórios. . :
til
te Africano , p*receo4hes que se «chavão nas visinhan*
ças de alguma Ilha não descoberta.
A 7 de Julho, sendo o vento ainda mui forte, co»
meçárao a navegar para o Norte, e depois ao N. O. até
ao dia' 10, em que virão terra distante algumas legoas,
e pur ser já no fim da tarde, atravessarão, e ás onze ho
ras derão fundo. Ao amanhecer forao reconhecer a ter
ra, e não podendo tomar lingua, voltarão a ella no ou
tro dia, e souberáo que estavão no Cabo Primeiro, do
qual sahe huma ponta mui aguda pelo mar dentro, e ha
por alli algumas Llhotas, e restingas de aréa. Deste lu
gar navegarão cincoenta legoas aoN.E. e N. N. E. , e
chegarão defronte da Alagoa , afastados delia vinte e
cinco legoas. Continuando no rumo deN.E. 4 N. , achá-
rao-se quinze legoas ao mar do Cabo das Correntes ; e
navegarão depois ao Norte sessenta e cinco legoas, com
grandíssima falta de víveres.
A 15 de Julho acharão-se na boca do Rio de So-
fala, e por ser calmaria , surgirão em onze braças, e
assim se conservarão por espaço de dous dias, em que
negociarão algum ouro com os habitantes , que para
isso os rogarão. Neste ancoradouro concertarão o mas
tro da Júlia, e continuando a sua derrora , entrarão a
18 era huma Bahia de pouco fundo, e muitos parceis,.
3ue tinha sete ou oito legoas de extensão. Sahírão
ella, e correrão ao N. E. 4 N , mais hum dia, e huma
noite, e virão o Rio dos Bons Signaes, c depois as Ilhas
Primeiras, das quaes no dia 21 estavão já cinco ou seis
kgoas distantes. Vinte legoas antes de Moçambique
encontrarão hum baixo mui comprido, que seguia a di
recção da Costa por sete ou oito legoas, e entrava duas
pelo mar. No dia seguinte ancorarão ambas as náos
em Moçambique.
1502 — Miguel Corte Real, Porteiro Mor d'ElRei
D. Manoel, partio de Lisboa a 10 de Maio de 1502,,
272
Com três navios (i)/para procurar a seu irmão Gaspar
Corte Real. Chegado á Costa já descoberta , e queren
do examinar os Rios , Canaes , e Bailias que se lhe of-
ferecião, entrou por luitn delles,e mandou entrar os
dons navios "restantes por outros dous Canáes , determi-
nando-Ihes hum ponto, em que deverião reunir-se aié
20 de Agosto; porém não appareceo mais, e os Com-
ir andantes das duas embarcações, havendo-o aguardado
por mais tempo que o praso assignado, voltarão para
Portugal. Desde então se ficou chamando áquelle Paiz a
Terra dos Cortes Reaes.
ic/02 — Neste anno mandou EIRei huma Arma
da (2) composta de Nãos, Caravelas, e Galés, dividida
em duas Esquadras, de que erão Commandafites Jorge
de Mello, e Jorge de Aguiar, para atacarem a Villa de
Targa , d'onde voltarão com perda de gente , e sem fa
zerem cousa alguma.
ijoj — Vasco Anncs Corte Real , irmão de Gas
par, e de Miguel Corte Real, Vedor da Casa d' EIRei
D. Manoel , e do seu Conselho, Capitão , e Governador
das Ilhas Terceira, e S.Jorge, e Alcaide Mor de Ta
vira , intimamente lastimado do desapparecimento de
seus dous irmãos (3), pedio licença a EiRei para irem
pessoa procura-los , a qual lhe não concedeo ; porem á
custa da sua Real Fazenda mandou neste anno dous na
vios a essa diligencia , de que voltarão sem noticia al
guma daquclles dous Navegantes (4).
Çi) Vede a Memoria já citada acerca destas Viagens dos Cortes
Reaes , e também Góes no mesmo lugar citado.
(a) Góes, Parte 1. Cap. 62.
(j) Vede a Memoria já citada na Collecção d.n Memoriais de Litte-
ratiira da Academia das Sciencias, Tomo j. — Góes, parte 1. Qp. 06,
difíere em algumas circunstancias.
(4) Estas frequentes Viagens a Terra Nova derão a conhecer aosPar-
tujuezes, de que vantagem lhes seria a pescaria do TJacaliiáo , e assim
(Kseto tanto a Navegação para aquelle Paia , que Pirr.entel affirma no
273
ifoa — Confiado EIRei D. Manoel, que o Almi
rante D. Vasco da Gama , com a forte Esquadra que
Jevou á índia , teria restabelecido a paz , e boa harmo
nia entre os Portuguezes e as Potencias Asiáticas, man
dou aprestar este anno três Esquadras (i).
Compunha-se a primeira dos Navios S. Tiago de
300 toneladas, Espirito Santo de 35"0, S. Christovão
de 150, e Catharina Dias de 100: era seu Chefe AfFon-
so de Albuquerque, e Commandantes de navios Duarte
Pacheco P«reira, Fernão Martins de Almada , e outro
de que se ignora o nome. Hum destes navios era arma
do por conta da Casa Marchioni , e r.elle hia embar
cado por Feitor João de Empoli, Florentino (z); Fran
cisco de Albuquerque, primo de AfFonso de Albuquer
que, commandava a segunda Esquadra de três navios,
€ os outros dous Comniandantes erao Nicoláo Coelho,
e Pedro Vaz da Veiga. Estas duas Esquadras devião ir
á índia carregar de e«pcciarias, e voltar logo para Por
tugal, sem ficarem alli servindo.
Commandava a terceira Esquadra António de Sal
danha, Fidalgo Castelhano, e os outros Commandantes
forao Ruy Lourenço Ravasco, e Diogo Fernandes Pe
reira, que servia também de Mestre da mesma Náo.

seu Roteiro (pag. 576), que antigamente huo todos os annos dos Por
tos de Aveiro, Vianna, e outros, mais de cem Caravelas áquella pesca,
e ainda no seu tempo (elle nasceo em 1650, e falleceo em 1719) se
liáo nas Cartas Francezís , e Inglezas os nomes Prrtuguezes de quasi to
dos os Cabos, Portos, e Eahias da Tetra Nova , de que hoje restão al
guns, posto que alterados; como v. gr. as Ealiias da Trepessa , e da
Grão Presença , convertidas em Eahias de Trepasses , e de Pleisande.
(1) Karios, Década I. Liv. 7. Capítulos 2. , e 4. — Castanheda,
Liv. 1. Capl 5$., e 64. — Góes, Parte 1. Capítulos 77., e 8c.
Ç2) Author da única Historia conhecida desta Viagem, a quem se«
guirei , por ser testemunha ceular dos factos que narra. Vede a Collec-
c5o de Noticias para a Histeria das Nações Ultramarinas , Tomo 2.
N.° 6.
35
274
Levava clle por commlssao examinar, e reconhecer o
Estreiro da Arábia (i), e cruzar em quanto a estação
lho permitcisse, sobre o Cabo Guardafui , para interce
ptar o Commercio dos Mouros.
A 6 de Abril partio de Lisboa Affbnso de Albu
querque, dirigindo-se a Cabo Verde, á vista do qual
tez conselho com os Pilotos sobre a melhor derrota
que deveria seguir para o Cabo de Boa Esperança, evi
tando a navegação , que commummente se fazia ao lon
go da Costa de Guiné, perigosa pelos seus muitos bal
aras , correntes, e calmarias ; c determinou-se , que a Es
quadra se engolfasse de setecentas a oitocentas legoas.
ííavegando pois nesta volta vinte e oito dias, avistou-se
Jiuma tarde a Ilha da Ascensão, debaixo da qual estiverão
toda a noite em risco de se perderem com temporal de
travessia. Apartados da Ilha , seguirão o bordo do S.O.
tanto tempo, que se acharão abarbados com a Costa do
Brasil, onde ancorarão (não se sabe em que Porto), e
tiverão coramunicação com os naturaes, que erão an-
thropofagos. Do Brasil continuarão a sua derrota para o
Cabo de Boa Esperança , e soffrêrão huma grande tor
menta , com que correrão a arvore seca , e nella se es
palharão os navios, e foi a pique o chamado Catharina
Dias.
O navio, em que hia embarcado João de Empoli,
(O O Estreito da Arábia he formado de huma parte pela Africa
Oriental, e da outra pela Arábia. Passa-se daqui ao Mar Vermelho, que
não he realmente senão a continuação do mesmo Estreito, o qual fai
em certo ponto huma garganta mais estreita de communicarção , a que
se deo o nome de Estreito de liabel-Mandel. Por meio deste extenso
Canal se tinhão os Árabes senhoreado do Commercio da índia, antes da
Viagem de D. Vasco da Gama, e continuarão a commerciar por muitos
«unos, ainda que á custa de grandes perdas e riscos. Na segunda parte
«testas Memorias explicarei mais diffusamente e»ta matéria, anajysando o-
piano, que o Grande Albuquerque tinha formado para a conquista total
da Índia.
276
vio a 6 de Julho o Cabo de Boa Esperança , que do
brou , e seguindo a Costa , foi ancorar na Aguada do
S. Braz, onde fez agua, e se proveo de vaccas a troco
de huma campainha por cabeça, por ser este o artigo
que os Negros estimavão mais ; andavao eiles vestidos
de pelles, erão mui brutos, e ninguém entendeo a sua
linguagem. Sahindo desta Aguada , continuou a correr a
Cesta, e tendo soffrido algumas tormentas, chegou a
Sofala, e d'aqui seguio para Melinde, onde devia esperar
por Affonso de Albuquerque, segundo as instrucções
que levava, mas não pôde ferrar o Porto, ainda que
nisso trabalhou muito, a fim de tomar hum Piloto, que
o levasse á índia; porem as correntes o arrastáiao até
Patê. Aqui foi obrigado a dar fundo cm quatro braças
entre parecis; e vendo a estação avançada, deliberou-se
o Commandanre a atravessar para a índia; e tendo na
vegado quinze dias, encontrou Affonso de Albuquerque
com os outros dous navios da sua Esquadra, com gran
de alegria de todos; e navegando dexonserva, foiao
avistar Monte Deli, e chegarão a Cananor a li de Se
tembro.
Francisco de Albuquerque sahio no dia 14, e fez
mais breve jornada , porque ancorou em Anchediva no
niez de Agosto; mas perdco-se-lhe no caminho, sem sa-
ber-se como, o navio de Pedro Vaz da Veiga.
Apôz estas duas Esquadras partio António de Sal
danha, e o seu Piloto dirigio tão mal a derrota , que o
levou á Ilha de S. Thomé, havendo-se já separado da
sua conserva o navio de Diogo Fernandes Pereira.
Desta Ilha o conduzio a huma Bahia ao Norte do
Cabo de Boa Esperança , asscgurando-lbe que já o ti-?
»ha pasmado. Aqui ancorou António de Saldanha , que
se achava só com o seu navio, por se ter igualmente
apartado delle Ruy Lourenço: e na incerteza do Jugar
em que estava, subio a huma mon^ulia mui alta, acha- -
36 ii
276

tada por cima (r) ; e estendendo os olhos para todas


as partes , vio o Cabo , e além delle o mar para a ban
da de Leste, onde se fazia liuma grande Enseada (2).
Nesta Bahia, em que António de Saldanha estava,
e a que deixou o seu nome, foi onde depois matarão os
Cafres ao Vice-Rei D. Francisco de Almeida. Dobrou
finalmente o Cabo de Boa Esperança : na segunda par
te fallarei do resto da sua viagem.
Diogo Luiz Pereira foi ter a Melinde, e Ruy Lou
renço Ra vasco a Moçambique.
lc;o$ — Neste anno de 1503 mandou EIRei D. Ma
noel huma Esquadra de seis navios (3) , commandada
por Gonçalo Coelho, ou fosse para ir descobrir Mala
ca, ou para examinar, e reconhecer a Costa do Brasil já
descoberta por Cabral (4). Américo Vespucio comman-
dava huma das embarcações desta Esquadra.
Partirão d"e Lisboa a 10 de Maio (5), em direitura
is Ilhas de Cabo Verde, em que tomarão toda a casta
de refrescos, demorando-se nisto treze dias. Continuarão
(1) Qiama-se hoje Montanha da Meta.
(2) He a Bahia Falsa.
Õ) Vede a segunda Carta deVespueio no Tomo 2. pag. 50 daCol-
lecçáo já citada; e Góes, Parte 1. Cap. 65.
(4) Góes diz positivamente, que Gonsalo Coelho era o Chefe des
ta Esquadra, e que o seu destino era para a Terra Santa Crux. Vespu
cio, a quem sigo na Historia desta Viagem, diz, que a Esquadra partio
de Lisboa com o projecto de if descobrir huma Ilha chamada Malaca ,
mas parece haver aqur algum erro, porque a sua própria narração dá
bem a enteuder o contrario. Em primeiro lugar o rumo, que a Escjua-
dia seguio quando os ventos, forçarão o seu Chefe a abandonar o plano
insensato de reconhecer Sena Ieôa, só a podia conduzir ao Brasil. Em
segundo lugar o ponto de reunião, que elle deo aos seu» nav ios , era
caso de separação , foi a terra descoberta na viagem passada ; isto he ,
o Brasil. Em ultimo lugar vemos que Vespucio construio hum Forte
no Porto, que descobrio em 18o de latitude Sul; e deixando nelle guar
nição, voltou para Portugal, o que se não combina com o destino da
Esquadra para Malaca.
CO Góes dá a saliida da Esquadra a 10 de Junho,
277
depois a sua derrota cora a proa a E.S.E. , porque co
mo o Chefe era homem presumptuoso , e obstinado,
quiz reconhecer Serra Leoa, sem ter necessidade disso,
c contra vontade de todos os Commandantes. Quando
porém se aproximarão a ella, forão taes as tormentas, e
ventos contrários, que em quatro dias que estiverão á
sua vista , não poderão tomar Porto , e forao obrigados
a seguir a sua verdadeira navegação.
Desta paragem navegarão ao S. O. , e tendo cami
nhado trezentas legoas. estando já na latitude S. de 30,
virão huma Ilha extremamente alta, de que poderião es
tar distantes vinte e duas legoas, e não tinha mais de
duas de comprido, e huma de largo (1).
Este descobrimento foi fatal á Esquadra , porque
se perdeo aqui a Capitânia, que era de trezentas tonela
das, por mão governo do Chefe, que deo com ella em
hum baixo, onde se abrio na noire de 10 de Agosto, e
foi ao fundo, salvando-se a gente; e nella hião todos
os mantimentos de sobreselente da Esquadra. O Chefe
mandou o navio de Vespucio á Ilha em busca de anco
radouro, em que surgissem todos , e ficou-lhe com o es
caler guarnecido de nove homens, que tinha ido acu
dir ao nsufragio da Capitânia. Partio Vespucio, levan
do 50 metade da sua guarnição em demanda da Ilha,
que lhe ficava em distancia de quatro legoas, e achou
hum Porto, em que podião ancorar os navios. Nelle es
perou oito dias sem apparecer embarcação alguma : ao
oitavo descobrio hum navio, e receoso de que este o
(O Eu inclino-me a que esta Ilha era a efe Fernando efe Noronha,
situada na latitude S. j° 56', e longitude J450 31', tanto forque a de-
scripçáo de Américo Vespucio se parece bem com a que outros fazem
daquella Ilha, como porque o rumo que seguio d'alli para a Fahia de
Todos os Santos, e a distancia que navegou, não corcordão mal com
o verdadeiro rumo, e distancia entre a Bahia e a Ilha de Fernando, at-
tendendo a que Vespucio conta por legoas mais pequenas , v- - »s i.ossa»
kgeos mor it imas.
278
não visse, fez-se logo á vela a encontra-lo, pen?ando
que lhe traria o escaler e a gente-, mas chegando á fal
ia, e pergunrando-lhe as novidades, tó lhe respondeo,
que a Capitânia fora a pique, salvsndo-se apenas a guar
nição, e que a sua gente, e o escaler haviSo ido na Es
quadra. Neste aperto voltarão es navios para a Ilha, e
se proverão de agm e lenha, servindo-se do batel do
ultimo que veio. Esta II lia era despovoada, tinha mui
tas aguas doces e correntes, infinitas arvores, e innu-
meraveis aves maritimas e terrestres, que se deixavão
apanhar á mão, e nenhuns outros animaes virão, senão
ratos mui grandes, lagartos de duas caudas, e algumas
cobras.
Partirão dalli navegando ao S. 4 S. O. , porque tra-
zião regimento para que, em caso de separação, se di
rigisse o navio extraviado á terra descoberta na vingem
antecedente. Continuando a navegar com bom tempo,
aos dezesete dias de viagem descobrirão hum Porto, a
que pozerao o nome de Bahia de Todos os Santos (i\
que distaria da tal Ilha trezentas Iegoas. Não acfnndo
alli o seu Chefe, nem outro algum navio da Esquadra ,
•esperarão os dous Commandantes dous mezes e qua-
■tro dias; e vendo que não havia noticia delles, determi
narão correr a Costa para o Sul; e sahindo da Bahia ,
navegarão mais duzentas e sessenta leooas, c entrarão era
bum Porto, em que levantarão hum Forre, onde deixa
rão vinte e quatro homens dos que vinhão no ourro na
vio, e pertencião á Capitânia. Neste Porto, que Vespu-
cio situou na latitude S. de 18o (2), c longitude Oeste de

(O A FVthia está situada na latitude S. 1 }•, e longitude J59° aa'-


(í) Esta latitude fie a de Caravelas, porOm a distancia da Bahia a
este Porto lu- de cem lejoas ao rumo de Sul , com pouca differença , o
n.lo de duzentas e sessenta , como diz Vespocio ; a sua longitude tam
bém <stÁ errada, porque Caravelas fica ji° a Oeste tle Lisboa pouco
nuis ou menos ; mas este erro não admira naquelle tempo.
279
Lisboa 37% segundo os seus instrumentos ; esti verão
cinco raezes construindo o Forte, que guarnecerão de
doze canhões, muitas armas, e víveres para seis mezes.
E despedindo-se dos companheiros , e dos naturaes do
Paiz, que erão tão pacíficos, que Vespucio penetrou
quarenra legoas pela terra dentro , acompanhado só de
trinta homens, se rizerão á vela ao rumo de N.N. E. ,
e em setenta e sete dias chegarão a Lisboa a 18 de Ju
nho de 15*041 e forao muito festejados pelos supporem
já perdidos- As outras Náos da Esquadra nunca mais
apparecêrão.
1504 — Neste anno mandou EIRei á índia Lopo
Soares de Alvarenga (1), com huma bclla Esquadra de
treze navios, os maiores que até áquelle tempo lá tinhSo
ido, guarnecidos de mil e duzentos Soldados, cm que
entravão muitos Fidalgos e . Cavalleiros, e abundante
mente providos de munições de guerra. Erao Com man
dantes Leonel Coutinho, Pedro de Mendonça, Lopo
Mendes de Vasconcellos , Manoel Telles Barreto, Pe
dro Affonso de Aguiar, AíFonso Lopes da Costa, Filip-
pe de Castro, Timão da Silva, Vasco da Silveira,
Vasco de Carvalho, Lopo de Abreu , e Pedro Dias.
Sahio a Esquadra de Lisboa a 22 de Abril , e a x
de Maio chegou a Cabo Verde. Chamou Lopo Soares
a seu bordo todos os Commandantes, Mestres, e Pilor
tos, e lhes advertio, que havendo partido tão tarde de
Portugal, não devião fazer os desmanchos, que até alli
fizerao, e sempre por descuidos, como foi abalroarem
humas Náos com outras, em que correrão grande peri
go; como também não seguirem alguns navios de noite
o seu farol, e huns trem pela sua proa, outros pela po
pa, e alguns a seu barlavento. Para evitar estas desor-

(1) Vede Barros, Década I. Liv. 7. Cap. 9. — Castanheda, Liv. 1.


Cap. 90. — Coes, Parte 1. Cap. 96. — Faria, Ásia Portuguesa.
200
dens , mandou lavrar hum Termo pelo Escrivão, as>
signado por elle, e por todos os Commandantes , rio
qual ordenava: «Que todos os navios seguissem de noite
o farol da sua Não, e navegassem nas suas aguas. Que
em nenhum navio houvesse de noite outra luz, senão a
da bitácula,ea da camará doCommandante. Queos Mes
tres, e Pilotos tivessem muito cuidado em que os navios
se não abordassem; e que respondessem aos signaes ,
que elle lhes fizesse. Que os navios o salvassem de dia ,
e não lhe passassem adiante de noite. E que quem fi
zesse o contrario, pagasse dez cruzados, e fosse prezo
até á índia , sem vencer soldo. >» Como alguns Mestres ,
e Piloros erão negligentes, e por sua culpa se abalroa-
vao os navios , contentou-sc Lopo Soares com os mudar
de humas embarcações para outras (i). Deste dia em
diante navegou a Esquadra em boa ordem.
No mez de Junho, indo a Esquadra na volta do
Cabo de Boa Esperança, teve hum temporal, com que
correo dous dias e huma noite em arvore seca , com
tanta cerração, que passados dous dias, vírão-se signaes
de terra próxima, que senão pôde descobrir; e Lopo Soa
res ordenou, que a cada ampulheta se dessem dous ti
ros de canhão na sua Náo, e todos os navios respondes
sem com outros tantos. Abonançando o tempo, achou-
se de menos a Náo de Lopo Mendes de Vusconcellos ; e

(i) Este breve Regimento de Disciplina Naval , que o bom juiio


dictou a Lopo Soares, prova que ate ali i náo havia nenhum, gover-
nando-se cada Chefe de huma Esquadra pelo seu próprio discurso, ou pe
los conselhos dos seus Officiaes dt Náutica; e os Commandantes dds
navios pelo mesmo modo. Nestas Memorias se verá , que as Esquadras
Portuguezas navegavão quasi sempre espalhadas desde que partiáo do
Reino, separando-se voluntariamente os navios huns dos outros; porque
cada Commandante á ida trabalhava por chegar primeiro á índia; e na
volta a Lisboa; donde se seguiáo immensas perdas ao Estado , e ao
Commercio; consequências inevitáveis da falta de hum bom Regula
mento para o serviço Naval.
201
poucos dias depois deo huma Náo tamanha pancada em
outra ,. que abrio pela roda de proa , fazendo tanta:
agua , que estava em termos de ir a pique. Lopo Soa
res arribou sobre ella, édisse-lhe, que trabalhassem afoi
tamente, porque lhes acodiria , como logo fez com a
sua lancha , ainda que o mar andava grosso. Ao anoi
tecer achava-se tomada metade da agua , e para se aca
bar de tomar o resto, determinou Lopo Soares, que es
ta Náo levasse farol toda a noite, e as outras a seguis
sem, a fim de a soccorrerera , sendo necessário, e acal
mando mais o vento no dia seguinte, vedou-se de todo
a agu3; e no dia 25" de Junho ancorou a Esquadra era
Moçambique.
1504 — Larache era hum ninho de Corsários ; acha-
vão-se alli tomadas quatro Caravelas Portuguezas, de
gue"D. João de Menezes, Governador de Arzilla (cin
co legoas de Larache) estava muito irritado, e mais o
ficou hum dia, vendo passar por diante dos seus olhos
huma Galé do Alcaide de Tetuam Almandarim, e cin
co Ga Leotas, que todas hião para Larache. Nessa mes--
ma noite mandou ellc espiar o Porto, e soube que as
Galeotas estavão abicadas em terra entre as Caravelas
aprisionadas (1), e que a Galé estava surta junto a hu
ma bateria guarnecida de artilheria, que defendia a en
trada do Rio. Andava então de guarda-costa no Estrei
to de Gibraltar Garcia de Mello, Anadel Mor dos Bes
teiros, com três Caravelas, e armando D- João de Me
nezes outras três, que estavão em Arzilla, combinou-se
com Garcia de Mello -para darem hum assalto era La
rache.
Na noite de 24 de Julho de 1J04 sahio de Ar
zilla D. João de Menezes com esta pequena Esquadra
de seis Caravelas, e foi amanhecer sobre a barra de La-

(1) Góes, Parte 1. C»p. $j.
36
482
rache , mas sendo os Navios conhecidos pelos Mouros ,
romperão contra elles hum grande fogo de artilheria.
D. João, que hia na vanguarda, fez cobrir o costado de
huma Caravela de colxoes, e saccas de lã (que já trazia
prevenidas) sobrepostas humas ás outras, e na enchen
te da maré ordenou ao Commandante, que fosse anco
rar defronte da bateria, o que elle fez. A* sombra desta
Caravela entrarão todas as outras, apezar do fogo da
bateria, e da Galé Real, e surgirão hum pouco mais
acima , onde logo desembarcarão, e se travou huma fuv
riosa peleja com os Mouros, que acudirão em numero
crescido a defender as suas embarcações , principalmen
te a Galé, que apezar de tudo foi queimada , assim co
mo três das Caravelas aprezadas , que os Portaguezes
não poderão pôr a nado; porém trouxerão comsigo hu
ma delias com as cinco Galeotas, e dous Bergantins,,
sem perderem mais que hum homem , á custa das vidas
de muitos. Mouros. E como a maré começava a vasar ,
D. João , e Garcia de Mello se embarcarão , e sahírão
do Rio, conduzindo as oiro prezas a seu salvo, que
forão ancorar em Arzilla, e Garcia de Mello continuou
a guardar o Estreito.
ElRei estimou sobre maneira esta victoria , e ficou
então fazendo o maior conceito dos talentos, e valor
de D. João de Menezes.
IfOf — Sabendo ÉlRei pelas ultimas noticias do
Oriente (1), que longe de achar-se terminada, conti-
riuava mais furiosa a guerra , convocou o seu Conselho ,
e debatida nell* a questão, assento*u-se que cumpria mu
dar o systema até alli seguido, e mandar" huma forte
Esquadra , parte da qual voltasse com carga- de espe
ciaria , e o resto, comprehendendo as embarcações mais
(1) Eatros, Década 1. Liv. 8. Cap. }. — Castanheda, Liv. a.
Cap. 1 . — Pedro Barreto do Rezende , Epilogo doj Governadores. —
Coes, Parte 3. Capítulos 1., c 2.
283
pequenas, ficasse servindo na índia ; que se construíssem
Forralezas nos Portos mais vantajosos á segurança das
Esquadras, e concentração do Comraercio ; e que se es
tabelecesse hum Governo permanente naquelle Paiz, pa
ra dirigir os negócios Civis, e Militares, segundo as
InstrucçÕes , e Regimentos que se lhe dessem.
Para preencher estes diversos fins elcgco EIRei a
Tristão da Cunha , que estando prompto a partir, teve
huma moléstia , de que por então cegou, e em seu lugar
foi nomeado D. Francisco de Almeida, filho do Conde
de Abrantes, que acceitou facilmente o Cargo, e EIRei
lhe assignou hum grande ordenado, a contar do dia que
sahisse de Portugal até regressar a elle; e lhe conccdco
mais ter na índia huma Guarda de cem Alabardeiros,
Capella , e outras preeminências, para que representas
se a sua Real Pessoa; e a seu filho D. Lourenço de Al
meida , mancebo das maiores esperanças , que o acom
panhava , fez também varias mercês. D. Francisco de
Almeida deyia ter titulo de Governador, e Capitão Ge
neral , e tomar o de Vice-Rei logo que construísse For
talezas em Cochim, Çananor, e Coulão; por quanto
EIRei mandava fazer não só estas, e a de Anchediva
na índia , mas outras em Sofala , Quiloa , Mombaça , e
Moçambique na Africa Oriental , onde os Mouros con-
tinuavão o trafico do ouro, que era da maior importân
cia vedar-lhes. Esrcs, e outros artigos se continhao em
hum amplo Regimento, que lhe deo para governo, o
qual copiarei por extenso em outra parte.
Compunha-se a Esquadra de dezeseis Náos e seis
Caravelas (i), com mil e quinhentos soldados de guarni-

(i) Barros conta vinte e dons navios, e s6 nomea dezenove Com-


mandantes. Faria diz que a Esquadra constava de dezeseis Náos , e qua
tro Carr. velas , e trazt os nomes de dezenove Commandantes. Castanheda
conta quinze Náos, e seis Caravelas, e nomea outros tantos Coir.man-
36 ii
284

çao , tudo gente limpa , em que entravão muitos Fidal


gos, e moradores da Casa Real, os quaes hião destina
dos para ficarem servindo na Índia por trcs artnos , na
forma de hum Regulamento, que EIRet então fez, de
terminando o mesmo tempo de serviço para todos os
Empregos Civis, e Militares daquelle Estado. Por este
Regulamento se estabeleceo o soldo de oitocentos réis
mensaes para os soldados durante a viagem, e quando
estivessem desembarcados mais quatrocentos réis por mer
de comedorias, como equivalente da ração do mar;.
acrescentando a estes vencimentos as liberdades, e quw-
taladas de que já fallei , das quaes gozavão todos os
indivíduos que servião na Ásia.
Erao Commandantes das Náos (não contando o
Governador), D. Francisco de E'ça, Fernão Soares, Ruy
Freire de Andrade, Vasco Góes de Abreu , João da No
va , Pedro de Anaia , Sebastião de Sousa, Diogo Cor*
rea Fogaça , Lopo Sanches, Hespanhol, Filippe Rodri
gues, Lopo de Deos, que era igualmente Piloto, João
Serrão, Antão Gonçalves, e Fernão Bermudes, Fidalgo
Hespanhol. Commandavão as Caravelas Goníalo Vaa
de Góes, Gonçalo de Paiva, Lucas da Fonceca, Lopo
Chanoca , João Homem , e Antão Vaz.
Em quanto se acabavão de aprestar os navios , foi
a pique no rio de Lisboa a Não de Pedro de Anaia, pe
lo descuido* do Mestre em mandar examinar as bombas,
de maneira que de repente abrio tanta agua, que se não
pôde salvar; e por íbso Pedro de Anaia partio depois-,
como adiante direi.
Nas vésperas- da saliida da Esquadra veio ElRei
ouvir Miss.i á Sé, e alli com grande solemnidade entre
gou a D. Francisco de Almeida a Bandeira Real ; e

dantes. Góes escreve , que er3o cfeíeseis Náos , e seis Caravelas , e não?
otaittc nenhum Comimiidaiite ; por isso o segui.
286
sabindo este da Sé com os Commandantes, e Fidalgos
àn sua Esquadra , toda a Nobreza da Corte o acompa
nhou até ao Cae* da Ribeira, onde embarcou.
A z$ de Março de 15-05: se fez á vela a Esquadra
com quinze Náos e seis Caravelas , indo EIRei ao mar
para a ver sahir , e navegando com bom tempo, avistou
a 30 a Ilha da Madeira, e depois a da Palma-, e se
guindo a sua derrota para Cabo Verde, a 6 de Abril
ancorou no Porto de Ale, em que se achava fazendo
escravatura huma Caravela Porrugueza , e sendo por es
ta via sabedor o Regulo do Paiz da chegada do Gover
nador, mudou-se com a sua família -para huma Aldeã
fronteira ao ancoradouro, á qual D. Francisco de Al
meida o mandou visitar com hum presente , e elle The
correspondeo com outro de refrescos da terra. Aqui
completarão a sua aguada os navios', huns nesta Bahia ,
outros na de Besenegue, que fica pouco distante, em
que consumirão nove dias.
A 15" de Abril continuou o Governador a sua via
gem, soffrendo antes da passagem da Linha alguns dias
de calmaria: e como havião navios ronceiros, que fazião
atrazar os outros, convocou os Commandantes, e Pilo
tos, e com o seu parecer organizou duas Esquadras (1):
huma , que tomou para si, de treze Náos, e a Caravela
de Gonçalo de Paiva , para navegar de noite com farol
na sua proa ; e a outra composta das Náos de Sebastião
de Sousa, e Lopo Sanches, e das cinco Caravelas restan
tes, entregue a Manoel Paçanha , que hia embarcado
de passageiro na Náo Conceição com seu genro Sebas
tião de Sousa. Os motivos, que teve o Governador pa
ra lhe fazer semelhante honra , forao ter EIRei nomea-
(1) Barros faz esta divisão de Esquadras no Porto de Ale; mas Cas
tanheda diz , que foi na occasiáo da passagem da Linha , o çue me pa»
wceo mais provável , pelo receio que devião causar as calmarias de ser
prolongada a viagem.
286
do Manoel Paçanha por Governador da Fortaleza de
Ancliediva, e suspeita que também hia nomeado em se
gredo seu successor no Governo da índia.
Passada a Linha no dia 5 de Maio, achando-se a
outra Esquadra fora da vista do Governador, e lia ven
do calma podre, e mar muito banzeiro, a Náo Bella,
Commandante Pedro Ferreira, que era velha, abrio pe
la segunda vez hutna agua tão grossa , que foi a pique:
salvou-se unicamente a gente, e hum caixote de prata
da Capella do Governador, nos escaleres da Esquadra,
sendo Pedro Ferreira o ultimo individuo , que sahio da
Náo, como devia fazer.
Os Pilotos pôr segurarem- a passagem do Cabo,
empenharão-se tanto no bordo do Sul , que chegarão a
40o de latitude, onde o frio era intolerável, e acharão
ventos mui fortes., e trovoadas. A 26 de Junho dobra
rão finalmente o Cabo , julgando-se distantes delle cen
to e setenta e cinco legoas.
A 2 de Julho sobreveio huma trovoada com tanto
vento, que fez em pedaços as velas das Náos do Gover
nador, e de Diogo Corrêa, e levou desta três homens
ao mar, de que ainda poderão colher hum, apezar do
grosso mar, por ser grande nadador. Abonançando o
tempo, e dissipada a cerração, achou-se de menos a Náo
de João Senão , pela qual esperou o Governador , e não
apparecendo , seguio seu caminho. A 19 de Julho via
as Ilhas Primeiras, e expedindo a Caravela de Gonçalo
de Paiva para Moçambique, a saber as novidades da
índia , foi surgir em Quiloa no dia 22. O resto para a.
segunda parte das Memorias.
i^OS" — Desejando ElRei que fosse quanto ante»
construída a Fortaleza deSofala, de que já tinha encar
regado Pedro de Anaia , que não pôde sahir com D.
Francisco de Almeida , pelo desastre acontecido á sua
Náo, fez armar a toda a pressa três boas Náos, e ou-

*-
287
tros tantos navios menores , de qne lhe deo o cominan
do em Chefe para ir cumprir aquella commissão, deven
do ficar por Governador da Fortaleza, que fizesse, com
Os três navios para sua guarda ; e remetter para a índia
as três Náos, a fim de tornarem a Portugal com carga
de especiaria. Os Commandantes que hi;1o debaixo das
suas ordens erão Pedro Barreto de Magalhães na Náo
Santo Espirito ; João Leite na Náo Santo António ;
Francisco de Anaia, filho de Pedro de Anaia , no navio
S. João-, Manoel Fernandes era outro, e João de Quei
rós no navio S. Paulo.
A 18 de Maio de ijo? sahio a Esquadra de Lis
boa , e seguindo sua viagem, sendo pela altura de Ser
ra Leoa , querendo João Leite fisgar do gorupés hum
dourado, cahio ao mar, e afogou-se. Os Pilotos, que
carece se havião combinado com os da Esquadra de D.
Francisco de Almeida, forão buscar 45° de latitude,
onde o frio era tão intenso, que se gelava a agua , e o
vinho, e a gente não podia trabalhar por falta de bom
vestuário próprio de similhante temperatura.
Virando depois no bordo do N. E. , tiverão ventos
furiosos, e tempos escuros, cora que os navios se espa
lharão, ficando Pedro de Anaia com o de Francisco de
Anaia, e Manoel Fernandes-, e a 4 de Setembro do
brou o Cabo das Correntes (1), e foi ancorar na barra
de Sofala.
Aqui veio ter a Náo Santo António, e o navio São
r*au!o, cujo Cornmandánte, chegando ao Rio da Alagoa
com necessidade de agua , desembarcou acompanhado
de vinte homens, tendo o desacordo de levar comsigo
o Piloto, e o Mestre; e mettendo-sc meia legoa pela ter-

(1) O Cabo das Correntes estí situado na Cosfa Oriental da Afri-


ea, no Canal de Moçambique , na latitude S. 2/ 40', e jor.gituds*
Í4C 5$'-
288
ra dentro movido da cubica de colher algum gado, foi
assahado dos naturaes, de cujas mãos apenas escapou o
Escrivão João de Gá , e mais quatro homens, todos fe
ridos. O navio ficando sem Official aigum, que enten
desse da Navegação, hia perder-se , quando o acaso
trouxe João Vaz de Almada, a quem Pedro de Auaia
dera o cominando da Náo Santo António, c provendo
o navio do necessário, o levou em sua conserva; bem
como a lancha de Pedro Barreto de Magalhães, que en
controu perto de Sofala, em que este enviava seu irmão
António de Magalhães a participar a Pedro de Anaia ,
que ficava com a Náo Santo Espirito no Cabo de S. Se
bastião (t) , e pedia hum Piloto, que o levasse a Sofa
la, por quanto o seu não se atrevia a isso, por ser no
vo naquella carreira.
António de Magalhães trazia comsigo na lancha
cinco Portuguezes , que achou no Rio de Quilimane,
que os Mouros lhe entregarão quasi mortos, e erão da
companhia de outros3 que tinhão passado adiante, todos
da Náo de Lopo Sanches, pertencente á Esquadra de
D. Francisco de Almeida. Pela confissão destes homens
constou , que julgando-se quarenta legoas do Cabo das
Correntes, hia a Náo já fazendo tanta agua, que foi
forçoso encalhar, onde se salvou a gente, os mantimen
tos, muita madeira que levava, pregadura, e aparelhos,
com que construirão hum Caravelão para passarem a
Sofala. Porém como Lopo Sanches era Hespanhol , a
guarnição não quiz mais obedecer-Ihe (2), e dividida em

(O O Cabo de S. Sebastião está vinte e oito legoas ao Norte da


Caba das Correntes , na latitude S. 22o 6', e longitude 54° 50'.
(2) Parece que naquelles tempos quasi todos os individuo» a bordo
de luim navio estaváo persuadidos que perdido elie, ficavão desligados
da obsdiencia do seu Commandante ,,e podiiio eleger outro a seu arbi-
trie ; ao menos na pratica suecedeo i*to muitas vezes, como mostrarei
com exemplos nestas Memorias. Tão perniciosa desordem era a coiíse-
289
bandos , huns embarcarão com Lopo Sanches no Cara-
velão, outros resolverão ir por terra. Estes cinco, que
escaparão . erão do numero de huns sessenta , que segui
rão seu caminho ao longo do mar, assim como outros
vinte, que o Rei de Sofala entregou a Pedro de Anaia ,
o resto acabou na jornada , e o Caravelão nunca mais
appareceo.
15/05" — Neste mesmo anno (i) mandou EIRei dous
navios, de que fora o por Commandantes Cide Barbudo,
e Pedro Quaresma , para examinarem a Costa d'Africa
Oriental desde o Cabo de Boa Esperança até Sofala , e
algumas daquellas Ilhas, a fim de obterem noticias de
Francisco de Albuquerque, e Pedro de Mendonça, que
se sabia terem desapparecido naquella paragem.
Estes dous navios partirão de Lisboa no mez de
Setembro, e seguindo sua viagem, quando cuidavão ter
dobrado o Cabo de Boa Esperança , achárão-se na An
gra das Áreas, situada na Costa cTAfrica Occidental,
áqucm do Cabo cento e cincoenta legoas ; e bordejando
trabalhosamente, chegarão á Aguada de Saldanha, onde
comprarão alguns mantimentos aos Cafres, e aqui pas
sou Cide Barbudo para o navio de Pedro Quaresma,
por ser elle quem hia encarregado da commissão, e Pe
dro Quaresma passou para o seu.
Dobrado o Cabo , porque os tempos o não deixa
rão reconhecer a Costa á sua vontade, principalmente
no lugar da suspeita , que era na Aguada de S. Braz ,
estando a este tempo já separado de Pedro Quaresma ,
tornarão-se a ajuntar na paragem em que o Piloto affir-
mava ter visto encalhada a Náo de Pedro de Mendon
quencia de náo haver hum Corpo fixo de Officiaes da Marinha Real,
que tivessem huma authoridade deduzida dos seus Postos , e indepen
dente de Commissões precárias, para se fazerem sempre respeitados, e
obedecidos do* que lhes fossem inferiores em graduação.
(1) Barros, Década i. Liv. 10. Cap. 6. — Góes, Parte 2. Cap. 9.
37
290

ça, vindo elle por Piloto da Náo de Pedro de Abreu.


ÍC por ser este o lugar da suspeita , deitou Cide Barbudo
dous degradados em terra , para irem ao longo da Cos
ta, e saberem dos Cafres se havia alguma gente branca
no sertão. Os degradados voltarão dahi a sete dias áquel-
le lugar, onde os navios não podião chegar cora os ven
tos contrários, e derão noticia de acharem parte do cas
co da Náo queimada , como que viera á Costa , sem os
Cafres lhes saberem dar razão da gente. Por estes signaes
julgarão que a Náo era perdida, e que o fogo fora pos
to pelos Cafres para se aproveitarem da sua pregadura.
O maior mal , que elles fizerão a estes degradados , foi
despoja-los dos vestidos.
Dalli partirão os dous Commandantes para Sofala,
onde acharão fallecido Pedro de Anaia , c a maior par
te da sua gente; por cuja causa Cide Barbudo, deixando
na Fortaleza alguma da sua, e a Pedro Quaresma com o
seu navio , pardo para a índia em Junho de 1506.
IÇ06 — Tinha EIRei determinado mandar á índia
Tristão da Cunha- (1) por Comraandante das Náos d»
carreira , e Aíronso de Albuquerque por Chefe de ou
tra Esquadra, para andar cruzando na Costa da Ará
bia ; mas com as noticias que lhe deo Diogo Fernan
des Pereira da Ilha de Socotorá (2), que descobrio, e
António de Saldanha , que por alli andara cruzando , e
dizia que os moradores erão Christãos, Vassallos do
Rei Mahometano de Frmaque, que possuía huma For
taleza na Ilha ; resolve© que estas duas Esquadras re
unidas debaixo da bandeira de Tristão da Cunha , fbs-

(1) Vede Barros, Década 2, Lrv. 1. Cap. 1. — Faria, na AtíaPot»


cogueza, Tomo j. no fim; e Europa Portugueza. — Castanheda, LiV.
2. Cap. ji. — Góes, Parte 2. Cap. ai.
(») A Ilha de Socotorá tem trinta legoas de comprido ; esta" situai»
defronte do Cabo Guardafui , na boca do Estreito da Arábia. Asu»
ponta de Leste acha-se na latitude N. 12o 20', e longitude 72" to'.
2Ȓ
«em tornar aquella Fortaleza , e a deixassem guarnecida,
no caso de ser capaz disso ; e não o sendo, construíssem
outra de novo. E para que os Portuguezes em qualquer
incidente podessem forrificar-se logo ou naquelle lugar,
©a era outro, mais vantajoso ,. fez embarcar hurra For
taleza de madeira, que se guardava no Arsenal desde o
tempo em que intentou passar em pessoa á Africa ;
porque EIRei dava gninde importância a possuir «ntí
Socotorá hum Porto, em que podessem invernar, « pro-
ver-se os seus navios de guerra, para sahirem dalli a
cruzar nos Estreitos da Arábia , e da Pérsia , e embara
çarem assim a navegação dos Mouros para a Costa da
Malabar.
A peste em que então ardia Lisboa, onde morrião
cento e vinte pessoas por dia , obstou ao recrutamento
necessário, por não ousar ninguém vir das Provindas á
Capital, e foi forçoso mandar embarcar alguns presos
já" condemnados a degredo para outras partes. Em fim a
6 de Abril de r^oó sahírão de Lisboa as duas Esqua
dras (i). A de Tristão da Cunha compunha-se de oito
Náos , e três navios menores, de que erão Commandart-
tes, elíe na Náo S. Tiago ; Leonel Coutinho na Leitos
Velha; Álvaro Telles Barreto na Garça ; Ruy Dias Pe
reira, Alferes Mor, no S.Jorge; Ruy Pereira no S.Vi
cente ; João Gomes de Abreu na Ajuda ; Job Queimado
em huma Náo sua ; Álvaro Fernandes na Náo de La
gos; João da Veiga em hum navio; Tristão Roiz em
outro navio; e Tristão Alvares no navio Santo Antó
nio. Muitos destes navios erão de particulares , afreta
dos por EIRei. A segunda Esquadra constava de qua
tro Náos, e huma Taforéa, ou Setía, de que erãoCom-

f i ) Banos diz , que es Esquadras saliirao juntas a 6 de Marco ; Cas


tanheda , e Góes dizem a 6 de Abril , e Faria, que Affonso d'Albu-
querque sahio a 28 de Março.
37 U
292
mandantes Affonso de Albuquerque na Náo Cime; Fran
cisco de Távora no Rei Grande; Manoel Telles Bar
reto no Rei Pequeno; António do Campo no Santo Es
pirito ; e Affonso Lopes da Costa na Taforéa. A guar
nição destas duas Esquadras era de mil e trezentos sol
dados (i).
As ínstrucções geraes d'ElRei determinavão, que
Tristão da Cunha se dirigisse com ambas as Esquadras
á Ilha de Socotorá , conservando-se Affonso de Albu
querque debaixo das suas ordens, até se conquistar a
Fortaleza da Ilha, ou se fazer outra de novo, se esta
não se julgasse sufficiente para defender-se de qualquer
irrupção dos inimigos; e concluído este negocio, devia
passar á índia com a sua particular Esquadra, para vol
tar dalli com carga a Portugal.
As InstrucçÕes de Affonso de Albuquerque (em quem
EIRei tinha a maior confiança), lhe ordenavão, que fi
casse encarregado de fazer guerra aos Mouros , que ou
sassem continuar a navegação da índia , sahindo pelo
Mar Vermelho, ou Estreito Pérsico; com poder de me
ro , e mixto Império , excepto que no caso dos Com-
mandantes dos seus navios commetterem algum crime
digno de morte, não a faria executar, mas os remetteria
presos a Portugal , com os autos das suas culpas , onde
serião castigados; e que obedeceria ao chamamento do
Vice-Rei , se este lho requeresse para objectos do seu
Real serviço. Deo-lhe também dous Alvarás: hum de
suecessão ao Governo da índia para quando D. Fran
cisco de Almeida acabasse os três annos , que devia go-
(1) Eairos dando a ambas as Esquadras quatorze navios, nomea com
tudo quinze Commandantes , além de Tristão da Cunha, o que fax
dezeseis embarcações. Castanheda conta só quinze navios. Góes, e Fa
ria dizem , que erão dezeseis , e põem os nomes de outros tantos Com-
roandantes, Fr. Manoel Homem, na sua Obra já citada, concorda cora
estes dous últimos Historiadores.
293
vernar, ou se fallecesse antes disso; cujo Alvará hia sel-
Jado , e no sobrescrito dizia : Este se abrirá quando
Affonso de Albuquerque o requerer , e no mesmo so
brescrito estava assignado EIRei. O outro era para que
podesse mandar assentar no Livro das Moradias as pes
soas, que bem lhe parecesse.
Estas Esquadras hião inficionadas de peste , que
antes da sua sahida morrerão alguns homens a bordo da
própria Náo de Tristão da Cunha , que seguindo a sua
derrota , foi fazer aguada a huma Ilha , que fica no ros
to de Cabo Verde (i) , então chamada Ilha da Palma ;
e para sepultar as muitas pessoas, que fallecêrão, se
construio huma Ermida de pedra e barro, na qual se
disse Missa , e enterrarão os mortos ; porem tanto que
Tristão da Cunha chegou á Linha , todos os enfermos
se restabelecerão. De Cabo Verde forão as Esquadras avis
tar a terra do Cabo de Santo Agostinho ; e atravessan
do para o Cabo de Boa Esperança , metterão-se em tan
ta altura, que os homens mal enroupados soífrêrão mui
to do frio, e alguns delles morrerão.
Nesta travessia descobrio Tristão da Cunha as
Ilhas, que se chamão do seu nome (2), e com hum
temporal se espalharão todos os navios , indo elle an
corar em Moçambique no mez de Dezembro , onde se
reunirão quasi todos.
Álvaro Telles correndo com o tempo, sem saber

(1) No rosto de Cabo Verde ha três pequenas Ilhotas insignifican


tes , chamadas Ilhas da Magdalena, ou dos Pássaros. Não he possível que
Tristão da Cunha aqui ancorasse com a sua Esquadra, e creio que se
elle com effeito desembarcou em alguma Ilha, seria r>a Gorta (talvez
naquelle tempo chamada da Palma), que tem agua nativa, e huma ex-
celíente Bahia. Castanheda diz, que fez aguada na Enseada de Eeiene-
gutf , e que alli deixou os doentes.
(a) Estas Ilhas de Tristão da Cunha são três: a maior he a que está
mais ao Noite, cuja latitude S. he de 37o 5 ', e a longitude de $° 48'.
294
bem por onde hia , passou por fora da Ilha de S. Lou
renço, foi ver a Sumatra, cuidando ser o Cabo Guar-
dafui; e conhecendo a final o seu erro, voltou para o
mencionado Cabo, onde se deixou ficar cruzando, e fez
boas prezas.
Leonel Coutinho foi invernar a Quiloa , e Ruy
Pereira entrou em huma Enseada da Ilha de S. Lou
renço (i), chamada Matatana (2) , onde veio a seu bor
do huma canoa com alguns Negros, cuja linguagem se
não entendia , mas por acenos pareceo dizerem . que no
Paiz havia prata, (de que alguns. trazião manilhas) cra
vo, e gengivre que lhe mostrarão; por cuja causa Leo
nel Coutinho tomou dous dclles , que Levou a Moçam
bique , e os apresentou a Tristão da Cunha ; e daqui
nasceu a fabula de haver naquella Ilha muita prata, e
especiaria.
Job Queimado , que se havia separado huma noite
das Esquadras antes de sahirem da Costa de Guiné, não
pôde dobrar o Cabo de Santo Agostinho, e virando na
bordo de Leste , foi avistar a Costa da Africa Occiden
tal , e dalli foi ter á Ilha de S. Thomé , d'onde prose-
guio a sua viagem ao longo da Costa, navegando com
terraes, e virações; dobrou o Cabo de Boa Esperança,
e chegou a Moçambique depois de Tristão da Cunha.
I5"07 — Este anno mandou ElRei aprestar quatorze
navios (3), divididos em quatro Esquadras. A primeira
de duas Náos, commandada por Jorge de Mello Perei
ra, embarcado na Náo Eelem, a maior que até este dia
tinha passado á índia , e Commandante da outra Henri-

(1) A Ilha de S. Lourenço foi descoberta no i.° de Fevereiro de


1 506 por Fernão Soares , na sua torna-viagem da índia para Portugal.
(2) Enseada situada na Costa Oriental da Ilha de S. Lourenço na
latitude S. de 21o 8', e longitude 66° 10'.
(O Barros, Década 1. Liv. 1. Cap. 6. — Góes, Parte 2. Cap. 14.
— Castanheda, Liv. 2. Cap. 72.
295
-que Nunes de Leão, parrio de Lisboa a 12 d'Abril de
15-07, com destino á índia, para dalli voltar com car
ga de especiaria. A segunda de quatro Náos, com igual
destino , commandada por Fernão Soares , e Comman-
dantes das outras três Ruy da Cunha, Gonçalo Carnei
ro, e João Colaço, partio a 13. A terceira de duas
Náos, também da carreira, commandada por Filippe
de Castro, e Commandante da segunda Náo, Jorge de
Castro, seu irmão, sahio a if.
A ultima Esquadra partio a 20 , composta de seis
navios mais pequenos, commandada por Vasco Gomes
de Abreu ; nomeado Governador de Sofala , que leva
va ordem d'E!Rei para construir huma Fortaleza na.
Ilha de Moçambique, a qual devia ficar comprehendida
no seu Governo: os Commandantes erao Lopo Cabral
no navio S. Romão, em que hia embarcado Vasco Go
mes de Abreu , Ruy Gonçalves de Valladares no S. Si-'
mão-, Pedro Lourenço no S.João, e Lopo Chanoca era
jiuma Caravela; Martim Coelho, e Diogo de Mello era
outros dous navios, os quaes erão destinados a servir na
índia por três annos.
Vasco Gomes de Abreu achando-se na Costa de
Guiné a 3 de Maio , mandou navegar de noite com fa
rol pela proa da Esquadra a João Chanoca , por ser a
sua Caravela pequena , e mui veleira , mas por falta de
ir sondando , encalhou em hum parcel da Costa ao Nor-
re do Rio Senegal , salvando-se em terra toda a gente.
Os outros navios , que seguiSo a sua popa, não vendo o
farol, cuidarão que a Caravela se teria adiantado, pois
não fizera signal algum, e continuarão a derrota, estan
do a noite de cerração, até que sentindo a arrebentação
do mar, derão fundo, e pela manhã soubeno da perdi
ção da Caravela. Vasco Gomes não se quiz arriscar a
enviar hum escaler a terra, tanto por ser a Costa peri
gosa , como porque receou que os Negros o aprisionas
296
sem ; e suspendendo as ancoras, foi fazer aguada a Bese-
negue , que lhe ficava perto, onde vierão ter os naufra
gados, menos João Chanoca, o Escrivão, e alguns ma
rinheiros, que o Rei dos Jalofos reteve por quinze dias,
e finalmente restituio á força de presentes, depois de
roubados.
Partio daqui Vasco Gomes, e havendo soffrido mui
to máo tempo, chegou a Sofala a 8 de Setembro.
Os navios das outras Esquadras entrarão em Mo
çambique, huns em Outubro, outros ainda mais tarde,
de modo que nenhum delles passou neste anno á índia.
ijo8 — EIRei D. Manoel illudido com hum proje
cto que lhe ofFerecérão (o qual a experiência lhe fez de
pois sabiamente abandonar), dividio em dous os Estados
da índia: hum comprehendendo desde Sofala até Diu,
cujo Governador se recolheria de Inverno na Ilha deSo-
cotorá, e se intitularia Capitão Mor dos Mares da Ethio-
pia, Arábia, e Pérsia; ao segundo desde Diu ao Cabo
Coraorim, residindo o seu Governador, chamado Capi
tão Mor dos Mares da índia , na Cidade de Cochim
durante o tempo da carga das Náos : ambos estes Go
vernadores erao independentes hum do outro, e tinhão
Regimentos separados ; devendo-se auxiliar porém nos
casos de urgente necessidade. E como EIRei mandava
retirar este anno para Portugal o Vice-Rei D.Francisco
de Almeida , e nomeara Affònso de Albuquerque para
lhe succeder no Governo , ficando assim devoluta a Ca
pitania Mor do Mar da Arábia, que este occupava, ele-
geo para ella a Jorge de Aguiar, Fidalgo da sua Casa,
assignando-lhe huma Esquadra de cinco navios do toque
de cento e cincoenta a cento e oitenta toneladas , a qual
devia ser augmentada com algumas embarcações da ín
dia : erão Commandantes destes navios Duarte de Lemos
da Trofa , sobrinho de Jorge de Aguiar, e nomeado seu
successor, em caso dclle fallecer; Vasco da Silveira,
297
Diogo de Ataide, Pedro Corrêa, e Diogo Corrêa, sett
irmão (i).
FezEiRei também aprestar oito Náos grandes para
carga de especiarias, e determinou que Jorge de Aguiar
as levasse debaixo das suas ordens até Moçambique, on
de se devião apartar para seguirem a derrota da índia,
e elle a de Socotorá ; e para mais o autborizar, quiz que
entre ranto fosse embarcado na Náo S.João, que era
a maior de todas, da qual passaria depois em Moçam
bique para hum dos navios da sua Esquadra : erao Com-
mandantes das outras sete Náos Tristão da Silva , na
Magdalena; Francisco Pereira Pestana, na Leonarda ;
Vasco de Carvalho, no Castello; Álvaro Barreto, na
Santa Martha ; João Rodrigues Pereira, no Bota Fogo;
João Colaço, na Judia ; e Gonçalo Mendes de Brito em
outra.
AJêm destas duas Esquadras, preparou-se outra de
quatro navios medianos, de que EIRei nomeou Com-
mandante a Diogo Lopes de Siqueira, Almotacé Mor;
e os outros forão Jeronymo Teixeira , Gonçalo de Sou
sa , e João Nunes. A commissão de Diogo Lopes era
para descobrir Malaca, de que se fallava muito em to
do o Oriente (2), e da qual EIRei queria ter noticias
individuaes; e na sua passagem devia entrar em alguns
Portos da Ilha de S. Lourenço (3), e certi fie ar-se se

CO Vede Castanheda, Liv. 2. Cap. 92.— Góes, Parte 2. Cap. se;


e Paite j. Cap. 1. Êarros, Década 2. Liv. 1. Cap. 6.; e Liv. 4,
Cap. ).
(â) Bairos diz, que os navios etáo desesete, e nomea deseseis Com-
mar.dantei. Faria concorda no numero dos navios, e traz os nomes de
outros tantos Commandantes. Castanheda, numerando só treze Commau-
dantes, não declara quantos erSo os navios. Góes conforma-se com Fa-
rja na quantidade dos navios, e dos Commandantes.
C)) A Ilha de Madagáscar, ou S. Lourenço, tem trezentas legoas de
comprido, e cem na sua maior largura ; e bé habitada por varias Nações,
cu Tiibus de Negros: tem muitos Portos, e Eahias espaçosas, e cm ge
38
298
cora effeito tinha minas de prata, ou produzia especiaria*,
e se era conveniente fazer-se nella huma Fortaleza.
Esta ultima Esquadra púrtio de Lisboa a 5/ de Abril
de 1508 , e seguindo sua viagem , a primeira terra que
vio, foi Cabo Talhado (1), onde fez agua , e lenha; e
estando na altura dos Medãos do Ouro (2) a 20 de Ju
lho, se encontrou com Duarte de Lemos ; e sobrevindo
hum tempo, este seguio para Moçambique, e Diogo
Lopes de Siqueira correo com elle até huma Enseada na
Ilha de S. Lourenço, era que entrou a 4 de Agosto com
a sua Esquadra, menos o navio dejeronymo Teixeira,
que se apartou. Sahindo desta Bahia , chegou a 10 do
mesmo a hum Cabo pela parte de Leste da Ilha, ao
qual chamou Cabo de S. Lourenço, por ser o dia des
te Santo. Avante deste Cabo achou humas Ilhas, on
de vierao ter com elle dous grumetes, hum Portuguez,
e outro Genovez, da equipagem de João Gomes de Abreu,
que por alli se perdera. Entrou depois no Porto de Tu-
rubaia (3) , no qual communicon com o Rei, e recolheo
outro Portuguez da mesma equipagem.
Daqui passou a humas Ilhas , a que póz nome de
Santa Clara (4), pelas descobrir no 6eu dia ; e desem
barcando em huma d«llas, negociou com os Negros al

ral he mui fértil , e produetiva. A sua ponta mais do Sul he o Cabo de


Santa Mari3, situado na latitude S. de 2{° 40', e longitude 6?" 10'.
Q Cabo de Ambre forma a ponta mais do Norte, situado na latitude
ia0 5', e longitude 67o 50'.
O) Situado oitenta legoas além do Cabo de Boa Esperança, na Cos
ta Oriental da Africa. Latitude S. u° 16', e longitude 4.1" 14'
(2) Dá-se este nome a hum Rio na Costa Orientai da Africa. Lati
tude S. 27° 45', longitude 50o $8'.
(0 Nome de hum Reino, que naquelle tempo, segundo parece,
oceupava a face do Sul da Ilha de S. Lourenço : talvez será o mesmo a
que se chama hoje Porto Delfim.
(4) São duas Uhas sobre a Costa Oriental Ha Ilha de S. Lourenço-,
a do Sul esta na latitude 24o 59' S. e longitude 65 a j6'.
299
gum gado, e outros mantimentos, c se demorou até 12
de Outubro, que proseguio a sua viagem , e foi ancorar
em huma Povoação do Reino de Matatana, onde che'-
gárão os dous homens, que por serem práticos na lín
gua Árabe, tinha desembarcado no Cabo de S. Lou
renço, para virem por terra examinando o Paiz , e in-
formando-se das suas producções. Estes lhe contarão ,
tjue em toda a sua jornada não virão, senão algum gen-
givre nascido espontaneamente; eque acharão dous Mou-
tos de Cambaia , cjue alli naufragarão havia trinra an-
iios, os quaes lhe affirmárao não haver na Ilha outra al
guma especiaria. *
Deste lugar foi Diogo Lopes ao Rio de Matatana,
em que recolheo mais três Portuguezes do navio de Joio
Gomes de Abreu; e continuando a sua navegação ao lon
go da Costa, vio muitas Povoações, e chegou a huma
grande Bahia, que chamou de S. Sebastião, por ser des-»
coberta a 20 de Janeiro de içoc. Saiiindo desta Bahia,
se pôz a caminho para Malaca; mas pelo tempo lhe
niío servir arribou a Cochim, onde ancorou a 12 de
Abril , sendo bem recebido pelo Vke-Rei D. Francisco
de Almeida.
A 9 de Abril sahio =de Lisboa Jorge de Aguiar
com as duas Esquadras ; e a poucos dias de viagem te
ve hum tempo, por cuja causa Francisco Pereira Pesta
na arribou a Lisboa com o mastro grande rendido; e
rornando a partir a 18 de Maio, dobrou o Cabo de Boa
Esperança, e foi invernar nas Ilhas Primeiras. Jorge de
Aguiar arribou á Ilha da Madeira , por se lhe quebrar
o mastaréo de gavia, e com elle outros navios; e repa
rados das avarias, pozerão-se em derrota, porém na
Costa de Guiné se dispersarão todos com as trovoadas ;' .
e Jorge de Aguiar, indo depois na volta do Cabo dfl
Boa Esperança, só com a Nio de Álvaro Barreto,. e;
achando-se huma noite muito escura na altura das Ilhas
38 ii
soo
de Tristão da Cunha, sendo no quarto da prima, se le
vantou hum vento rijo, com o qual Álvaro Barreto dt-
minuio de panno, e atrazou-se hum pouco da Capitâ-
nea, que por ser huma Náo grande, e possante, conti
nuou com a mesma vela. Ao amanhecer se achou Ál
varo Barreto com as Ilhas, e não vio mais a Náo São
João , de que inferio ser perdida , por quanto segundo o
rumo, e força de vela que levava, devia esbarrar com
alguma das Ilhas á meia noite, ou pouco depois (i).
Os outros navios desta Esquadra forao a Moçam
bique a salvamento; e o que soffreo mais incommodos
foi o de Vasco de Carvalho, por se pôr era 47o de lati
tude, onde rodos padecerão frios intoleráveis, e morre
rão oito homens gelados.
1508. — Como ElRei D. Manoel não perdia de vis
ta a guerra contra os Mouros de Barberia, seguindo o
antigo systema de occupar todas as suas Praças maríti
mas, a fim de não armarem Corsários contra o Cora-
mercio Portuguez, nem os que sahissem do Mediterrâ
neo acharem alli guarida, mandou no anno de 15-07 a
D. João de Menezes com quatro embarcações pequenas
a sondar , e reconhecer os Portos de Azamor (2) , Ma-
raora (3), e Salé (4.),. em cuja cammissto o accompa-

(1) Assim se verificou depois; e Jorge de Aguiar pagou bem cara


a sua temeridade , ou a do seu PiJoto , em correr de noite ás escuras
no paralielo dcst>a* Ilhas com vento fresco , ainda que fosse em popa.
(2.) Cidade na Costa Occidental da Africa: o ancoradouro he mao
pela qualidade do- fundo. Latitude N. }}° *4-> * longitude 90 Jt'.
O) Alamora Velha lie huma Bahia na Costa Occidental de- Africa,
situada na latitude N. 34° 5 5 ', e longitude 11o 57. Pista cinco legoas-
de Larache para o Sudoeste-. Desta antiga Cidade restão só hoje dou*
túmulos de SantòeK A. Nova- Alamora, distante da Velha perto de qua
renta milhas, he huma Cidade grande estendida por bum monte acima:
pode-se ancorar a ineia legoa de distancia- da terra por 14 braças, fundo
«b arca.
(4) O Potto de Salí , no Reino de Fiz , dista trinta e oito legoa»
301
tjhou Sebastião Rodrigues Berrio, hum dos maiores Pilo
tos e mais valentes homens do seu tempo, com outros
hábeis Marinheiros, e Duarte Darmas, grande Pintor,
que desenhou as vistas da terra, e as plantas que se le
vantarão : sobre cujos documentos , e as informações que
derão, resolveo-se ElRei ao ataque de Azamor, confiado
nas promessas que lhe fizera em Lisboa Moley Zeyão,
Rei que fora de Mequinez , e ainda posssuia alguns Es
tados , com cujas forças promettia auxiliar a empreza ,
o que não cumprio.
Nomeou ElRei ao mesmo D.João de Menezes por
General deste Armamento , que constava de cincoenta
navios, huns de guerra, e os mais de transporte (i),
em que se embarcarão quatrocentos homens de cavallo,
e dous mil de gente de Ordenança (a primeira que sevio
cm Portugal) dividida em dous corpos, de que erao
CommandanresChristovão Leitão, e Gaspar Vaz. Accom-
anhavão a D. João de Menezes o Conde de Tentúgal ,
). Pedro de Noronha , Luiz da Silveira , depois Conde
da Sortelha, D.João Mascarenhas, Capitão dos Ginetes,
D. Nuno Mascarenhas, seu irmão, João Rodrigues de
Sá e Menezes, D. Luiz de Menezes, D. António de
Almeida , Pedro Mascarenhas , D. Henrique de Mene
zes, Simão Corrêa, Simão de Sousa Ribeiro, D. Tris
tão de Menezes, Francisco de Mendonça, João Ho
mem , Simão de Sousa Docem , João Brandão , e outros
muitos Fidalgos, e Cavalleiros. Era Piloto Mor da Es
quadra Sebastião Rodrigues Berrio.
A 26 de Julho de i^ofr sahio D» João de Menezes

ao Sudoeste do Cabo de Espartel , e cinco de Mamor»: pode-se ancorar


defronte delle desde jo até 16 braças de fundo Jimpo; o Rio lie de dif
ícil entrada.
(1) Vede Barros, Parte 2. Capítulos de 27 até 29. — Fr. Manoel
Homem, na sua Obra }i citada diz,, que forio perto de três mil ho-
Jnein, « cincoeuta navios.
302
de Lisboa . e demorando-se em Lagos alguns dias para
recolher a gente, e navios do Algarve, foi dalli com
bom tempo surgir diante do Rio de Azamor, pelo qual
entrou com enchente de aguas vivas já sobre a noire a
li de Agosto, e no dia seguinte começarão os navios
de guerra a bater a Cidade, a que os Mouros responde
rão vigorosamente com a sua artilheria, e pelo Rio abai
xo lançarão balsas de fogo, que pozerao as embarcações
em perigo, por ser o Canal estreito, e estarem apinhoa-
d.is.
Neste meio tempo Moley Zeyão enviou hum emis
sário a D. João de Menezes com offerecimento dos seus
serviços; mas soube-se logo, que na Praça havia mais
de oito mil homens , e que o mesmo Moley andava no
campo em íeu auxilio com outros deseseis mil. Apezar.
de tudo, D.João de Menezes determinou desembarcar,
e assaltar a Cidade da banda da terra , d'onde se deve
inferir, que o fogo da Esquadra produzia pouco, ou
nenhum effeito.
Os Mouros, não ousando disputar o desembarque,
dispozerão três ciladas de mil e duzentos cavallos entre
a Cidade e a praia , na esperança de cercarem os Porru-
guezes , e cortar-lhes a retirada. Desembarcou D. João
de Menezes sem opposição, e formando a sua Infante-
ria em columna, poz-se na sua frente com cento e cin-
coenta cavallos, e do resto formou dous esquadrões : hum
de cem cavallos, que entregou ao Conde de Tentúgal,
e outro de cento e cincoenta a D.João Mascarenhas,
para cobrirem a retaguarda. Nesta ordem marchou di
reito á Cidade, d'ónde sahio grande numero de gente
ao seu encontro, que elle rechaçou, e perseguio até ás
portas, as quaes os Mouros fecharão, deixando os seus
de fora.
Travou-se aqui huma furiosa peleja, que não du
rou muito, porque os Mouros das ciladas vierão atacar
303

os dous esquadrões, que cobrião a retaguarda da columni


da Infanteria , a que acodio logo D. João de Menezes ;
e vendo que os inimigos erão muitos, e se reforçavao
com as tropas de Moley, que tinhaa chegado, marchou
para o lugar do desembarque , rompendo pela multidão
dos inimigos, e conseguio recolher-se ás suas embarca
ções sem mais perda , que deseseis Cavalleiros, em que
entrarão D. Pedro de Noronha, Simão Fogaça, Diogo
Barreto, D. João Henriques, Henrique Rodrigues Alco
forado, e Christovao Marques; e seis soldados de pé.
Os Mouros perderão mais de mil e trezentos homens.
Nesta perigosa retirada hum Alcaide Mouro matou o
cavallo a João Rodrigues de Sá, e o mataria a elle, se
não lhe acudira João Homem, e Diogo Fernandes de
Faria, que matando o Alcaide, deo occasião ao Sá de
montar no cavallo deste.
No dia seguinte sahio do Rio a Esquadra , com
perda de algumas embarcações, pela desordem que hou
ve na occasião de fazer-se á vela.
D. João de Menezes foi cruzar no Estreito , segun
do as ordens d'E!Rci, e em poucos dias tomou três*
Fustas de Tetuarn ; e mandando para Alcácer a maior
parte dos seus navios, ancorou em Tanger, que gover
nava D. Duarte de Menezes, e avisou o Conde de Bor
ba, Governador de Arzilla, para vir conferir com elle,
e D. Duarte sobre objectos importantes ao Real Servi
ço. Chegado o Conde, consultavão todos três o modo
com que atacariao Larache, quando veio noticia de que
o Rei de Fez marchava a sitiar Arzilla, por cuja causa
o Conde de Borba se recollieo logo. Com efFeito* a 10
de Outubro appareceo aquelle Monarcha com hum Exer
cito de mais de cento c vinte mil homens , muita arti-
Iheria, munições, e petrechos de guerra para atacar a
Praça, o que começou a fazer no mesmo dia, e conti
nuou no seguinte, em que tendo picado, e derribada
304
hum lanço de muralha, ganhou a Villa depois de huma
desesperada e matadora resistência , que fez o Conde de
Borba com os quatrocentos soldados, que unicamente ti
nha , conseguindo por ultimo retirar-se ao Castello.
Ao favor do tumulto, e confusão de hum similhan-
te assalto, se embarcarão em duas Caravelas João Mar
tins de Alpoem, c António Cordovil. O primeiro ficou
sobre ancora , batendo com a sua artilheria o campo
dos Mouros ; o segundo partio para Tanger a dar aviso
a D. João de Menezes, que já tinha chamado de Alcá
cer os seus navios , e o encontrou no caminho.
A 23 ancorou D.João de Menezes fora do recife
de Arzilla , onde ficou surto três dias, porque os Mou
ros havião construído baterias, que enfiavão o lugar do
desembarque, e o mar andava alterado, e quebrava mui
to no recife; e além disso não sabia se o Castello esta
va ou não tomado. Para sahir deste cruel embaraço
mandou a Ruy Garcia, ejoão de Mendonça, homens
valorosos, em huma lancha bem guarnecida, com ordem
de entrarem a rodo o risco no recife, e tomarem falia
do Castello , ou verem algum signal de estar ainda por
EIRei de Portugal. Entrou a lancha, apezar das balas
da artilheria Mourisca , e os que hião nella distinguirão
huma janella aberta , da qual lhes mostrarão bandeira
Portugucza; e huma mulher, tendo hum menino nas
mãos, bradou: « Portugal , Portugal. » Com estas boas
noticias voltou a lancha para bordo da Esquadra, e im-
mediatamente fez D. João de Menezes passar dos na
vios grandes aos mais pequenos algumas peças de arti
lheria, e munições.
Neste tempo vierão a nado com cartas do Conde
de Borba dous Mouros, que se havião tomado Chri-
stãos, hum chamado João Vaz Gaibão, e outro João de
Mendonça , pelas quaes soube D. João de Menezes o
verdadeiro estado das cousas ; e veio também pela mes*
305
■ma maneira hum Cavalleiro por nome Pedro da Costa ,
famoso nadador, que o informou do modo com que
poderia desembarcar com menos risco , e introduzir no
Castello gente, e mantimentos , que lhe faltavão.
Com estas noções se preparou D. João de Menezes
a soccorrer a Praça , escolhendo para isso as embarca
ções que demandarão menos fundo ; e publicou, que per
doava em nome d' EIRei atodos os homisiados abordo
dos navios, que no dia seguinte desembarcassem, e da
ria quinhentos cruzados ao primeiro homem, que pozes-
se os pés era terra, Prorapto tudo , fez-se á vela para
o recife, e quando vio hum signal convencionado, que
Jhe fez o Conde de liorba , de que hia fazer huma sor
rida , mandou desembarcar as tropas, que já estavão nas
lanchas , e escaleres, e rompeo huma furiosa canhonada
contra a multidão de Mouros, que inundavão a praia,
e a despejarão em breve.
D. João Mascarenhas foi o primeiro que desem
barcou o Corpo do seu cominando, mas D. Tristão de
Menezes ganhou o premio, porque a embarcação era
que hia abordou primeiro a terra. Os Mouros vendo
que os Portuguezes desembarca vão, correrão d praia, on
de forão tratados de maneira pelos que sahião das lan
chas, e os da sortida, que recuarão por todas as par
tes, c abandonarão huma bateria de seis canhões, á cus
ta das vidas de muitos delles , e de alguns dos nossos ,
hum dos quaes foi Manoel Coutinho.
No maior ardor do conflicto introduzio-se no Ças-
tello D. João Mascarenhas com duzentos homens, e al
gumas munições de guerra , e boca ; e no dia seguinte
entrarão outros duzentos , posto que cora muito perigo.
Com este soccorro ficou o Castello capaz de defen-
der-se, o que não faria se tardasse o soccorro mais hura'
dia, por se achar todo minado, c a gente ser tão pouca,
e- tão cançada, que já não podia resistir ao trabalho.
39
soe
No mesmo cila em que entrou o segundo soccorro,
despachou D. João de Menezes numa Caravela de aviso
a EtRei, e outra a pedir auxilio aos Governadores dos
Portos da Andaluzia, e ao Conde D. Pedro Navarro,
General de huma Armada Hespanbola , que estava em
Gibraltar. O primeiro que chegou foi o Corregedor
de Gerez em huma Caravela bem anilhada , com tre
zentos Besteiros, a qual fez grande dam no aos Mouros,
ancorando em posição d'onde descobria o seu campo, e o
quartel do Rei de Fez ; e mudando dè ancoradouro qinm-
éo percebia que os Mouros assestavão contra eHa hum
eanhão de grosso calibre, que ha v ião tomado na Villa;
de maneira que nunca lhe poderão acertar tiro algum,
a pezar do muito dinheiro que o Rei proroettia a quem
a mettesse no fundo; de que affrontado, mudou o seu
quartel para lugar mais seguro.
Poucos dias depois do Corregedor chegou o Conde
Navarro com muitos navios , e três mil e quinhentos
soldados. Queria ellc que as tropas combinadas desem
barcassem no mesmo instante, e dessem batalha aos
Mouros ; mas ou por ser isto em huma terça feira , que
D.João de Menezes tinha por dia aziago, ou por lhe
não parecer a occasião opportuna, como he de presu
mir, eorcvierao em prorogar o desembarque para o dia
seguinte ; e nessa noite levantou o Rei de Fez o cerco-,
e retírou-se para Arzilla.
Em Évora teve EIRei D. Manoel a primeira no
ticia âo investimento de Arzilla , e logo fez escrever
para todas as Comarcas do Reino ás pessoas notáveis ,
qne o podião servir ; e quatro dias depois, que era hum
Domingo, havendo já expedido muita gente para o Al
garve , recebeo o aviso de haverem os Mouros ganhado
a Villa , estando então no Convento de S. Francisco pa-
sa ouvir huma Missa de Festa , e ordenou ao Deão da
Capella Real, que fosse a Missa rezada, e não houves
307
se Sermão. Em quanto ella se celebrava fez apromptar.
o seu jantar, e sellnr htima faca mui andadeira, e <te-
pois de comer i pressa, e se despedir da Rainha, partio
só com sete, ou oito pessoas com tanta pressa, que na
serra do Al&arve lhe rebentou a faca, e alli soube ser
o Casreik) já soccorrido , pelo que foi com mais vagar
are Tavira. E resoluto a passar em pessoa á Africa, 8e
ajumárãe- em Tavira , e outros Portos do Algarve mais
■de vime mil homens com artilheria, munições, e víve
res, e navios qae viera© de Lisboa para transportar to
do o Exercito.
Estando EIRei prompto a fazer-se, á vela, .soube
haver o Rei de Féz levantado o sitio, e por parecer do
seu Concelho desisti© da jornada , remettenejo corurudiO.
a Ar/.illa alguns navios carregados de tropas, numi-
cães, e Artifices para repararem as fortificações. Ao
Conde D. Pedro Navarro mandou seis mil cruzados, que
elle não aceitou : ao Corregedor; de Gcrez (que per-
deo oitenta homens naquella expedição), e a outros Ca-
valleiros da Andaluzia Jco Hábitos com tenças em duas
vidas, em reconhecimento da presteza cora que acodí-
ráo a soccorrer Arzilla.
D. João de Menezes çonservQu»se diante desta Pra
ça até chegar todo o soccorro, que lhe foi do Algarve,
e voltou depois a Portugal, sendo recebido d' EIRei
como merecião os seus relevantes serviços. ■ ,
jc.00 — Pelas noticias que EIRei teve da guerra,,
que Jihe fazia o Çamorim (i), e da Armada que o Sul
tão do Egypto preparava em Suez para invadir a índia,,
e unir-«e áquelle Príncipe, e a outros seus confederados,
determinou maudar huma forte Esquadra a destruir a
Cidade de Calecut; e para esta expedição escolheo o

O) "Vede 1 atros, Década a. I-iv. j. Cap. 9. — Damilo de Goçs',


Pane a. Cap. 4c. — Castanlieda , Liv. a. Cap. 122.
39 ii
308

.Marechal do Reino D. Fernando Coutinho , e fez apres


tar quinze Náos guarnecidas de três mil soldados (i) ,
em que se contavâo muitos Fidalgos, e Moradores da
Casa Real. Embarcou o Marechal na Náo Nazareth ,
grande e formoso navio; e os outros Cornmandantes
erao Francisco de Sá na Náo S. Vicente; Pedro Affbn-
so de Aguiar naGallega ; Sebastião de Sousa no S.Jor
ge; Francisco de Sousa na Boa Ventura ; Ruy Freire de
Andrade na Garça ; Gomes Freire de Andrade no Bre
tão; Jorge da Cunha na Magdalena; Rodrigo Rebello
na Sebastiana Velha ; Francisco Marrecos em outro Bre
tão; Leonel Coutinho na Flor da Rosa; Braz Teixeira
no Ferros; Luiz Coutinho em hum navio seu; Francis
co Corvinel no S.Tiago, de que era Armador; e Jorge
Lopes na Santa Cruz, de que era igualmente Armador.
Estava EIRei prevenido, segundo parece, de que
haveria alguma difficuldade da parte do Vice-Rei D.
Francisco de Almeida , sobre entregar o Governo da
índia a Affbnso de Albuquerque; e este aviso lhe veio
de Gaspar Pereira , Secretario do Vice-Rei, que era ho
mem, que tudo sabia ser, autbor, juiz, e reo. He cer
to que o Marechal recebeo instrucções publicas, e se
cretas para todos os casos , e hia independente da ju-
risdicçao dos Governadores da índia.
A 12 de Março de ijoo sahio de Lisboa a Esqua
dra; e ainda que teve alguns tempos contrários, chegou
toda a Moçambique a 26 d'Agosto do mesmo anno.
ifoo — Tendo o Corsário Francez Mondragon (2)
roubado no mar dos Açores a Job Queimado, Com-

(0 Barros, e Faria dizem, que o Marechal levou três mil tolda


dos : Góes , e o Nobiliária manuscrito das Familiai de Portugal só lhe
d'.ci mil e seiscentos: Fr. Manoel Homem concede-Ihe dois mil. Quasi
todos o; Historiadores trazem a sabida da Esquadra a 12 de Março;
CastanheJa a põe a :o,e Faria a 12 d'Abril.
(2) Góes, Parte 2. Cap. 42.
309
mandante de hum navio Portuguez, que vinha da índia
no anno de ifoS, sobre a restituição de cuja preza fez
EIRei D. Manoel inúteis representações á Corte de Fran
ça ; soube-se que o mesmo Mondragon armava de novo
quatro navios para vir esperar as Náos da índia na sua
torna-viagem a Portugal , e em consequência mandou
EIRei salair de Lisboa a Duarte Pacheco Pereira com
alcumas embarcações, para o interceptar na passagem
para os Açores; o que com effeito conseguio, encon-
trando-o a 18 de Janeiro de 15-09 sobre o Cabo de Fi
nisterra;; e depois de huma furiosa peleja, o tomou com
três dos seus navios, metteo outro a pique, e os condu-
zio a Lisboa.
ijio — Este anno partirão de Portugal duas Esqua
dras (1) para a Ásia , e huma para a Ilha de S. Lou
renço.
A 12 de Março sahio a primeira com destino a
Malaca , composta de quatro navios ás ordens de Dio
go Mendes de Vasconcellos; e os outros Commandan-
tes Balthazar da Silva , Pedro Quaresma , e Diniz Car-
niche, Armador do mesmo navio. Todos chegarão a
Goa a salvamento.
A segunda Esquadra sahio quatro dias depois des
ta, e constava de sete Náos da carreira, que devião vol
tar com carga de especiaria. Era seu Commandante
Gonçalo de Siqueira ; e os dos outros seis Navios Ma
noel da Cunha, Diogo Lobo de Alvalade, Jorge Nu
nes de Leão, Lourenço Lopes, Lourenço Moreno, e
João de Aveiro, que servia também de Piloto. Perdeo-
se na viagem perro de Moçambique a Náo de Manoel
da Cunha, sal vando-se toda a gente: os outros navios
forão á índia a salvamento.

(O Castanheda , Li», j. Cap. $4. — Farros , Década 2. Liv. $.


Cap. 8., e Li». 6. Cap. 10. — Coes, Parte j. Cap. 10.
310
A 8 de Agosto partio João Serráo , GawHdro da
Casa d' EIRei, com outra Esquadra de três navios, sen
do os outros dois Commandantes Paio de Sousa, e Fer
não CavaNeiro, Levava Joio Serrão irwtrucçóes para ir
á Ilha de S. Lourenço estabelecer pazes, e rrato mer
cantil com os Reis de Turubaia , e Maratana.
Forçado dos ventos, ou por má navegação, foi ter
á Ilha de S. Thomé com os navios destroçados , onde
se reparou; e seguindo a sua viagem, chegou ao Porto
de Antepara (parece ser a Bahia chamada dos Galeões,
fia face do Sul da Ilha ), só com dois navios, por se ha
ver separado o de Fernão Cavalleiro , em que comprou
víveres, e algum gengivre. Dalli passou ás Ilhas de San
ta Clara, e a outros Portos, pelos quaes perdeo dois es
caleres; e depois de gastar o Inverno correndo a Costa,
sem achar mais gengivre, ou outra especiaria, partio pa
ra Goa , onde chegou; e Paio de Sousa foi arribado a
Moçambique.
Neste mesmo anno mandou EIRei para Governa
dor de Qífim ao famoso Nuno Fernandes de Ataíde ,
com hum Comboi de trinta navios can-egados de tro
pas , e munições, e muita gente nobre, para ficar de
guarnição naqoella Praça.
151 1 — Neste anno mandou EIRei á índia huma
Esquadra de seis Náos (1), de que deo o commando a
D. Garcia de Noronha, sobrinho do Grande Aflronse de
Albuquerque, o qual embarcou na Náo Ajuda (2); e os
outros Commandantes erao Pedro Mascarenhas na Senho
ra da Luz; Manoel de Castro Alcoforado na Santa Eu
femia ; Jorge de Brito no S. Pedro ; Christovâo de Bri-
(1) Catanheda, Liv. }. Capitulo» 71 -e 86. — Barros, Deeatta *.
Liv. 6. Cap, 10. e"Liv. 7. Cap. 2. — Góes náo faz menção desta Es
quadra.
(i) í*áo achei o numero de Soldados que levava esta Esquadra ,
mas como Sarros nos diz, que a Náo Lelem conduzia quatrocentos , pe-
311

to na Belém, numa das melhores Náos daquelk tempo;


« D. Aires da Gama na Piedade.
Por algum incidente que ignoro, sahio primeiro
D- Garcia de Noronha a 12 de Abril de 15-11 cora as
quatro primeiras Náos; e a 20 D. Aires da Gama, e
Christovão de Brito. Estes dois últimos Commandantos
navegarão unidos até á altura do Cabo de Santo Agosti
nho, onde hum tempo os apartou. Christovão de Brito
dobrou o Cabo de Boa Esperança aij de Julho, che
gou a Moçambique nos principios de Agosto, e á índia
em Setembro. D. Aires da Gama chegou pouco depois.
D. Garcia de Noronha seguindo sua viagem , so-
taventeou-se tanto, que não pôde montar o Brasil (1);
e virando no bordo de Leste, foi huma noite topar cor»
hum Ilhote, que sendo primeiro visto por Jorge de Bri
to, Commandante da Náo S. Pedro, que hia aa van
guarda , fez signal ao» outros navios , que assim escapa
rão de se perder (2). Deo-se a este penhasco o nome
de Penedo de S. Pedro. Por ultimo ancorou D. Garcia
na Ilha de S. Thomé , onde o seu Governador Fernan
do de Mello o provêo do necessário; e daqui escreveo
a EIRei os acontecimentos da sua viagem.
Partindo de S. Thomé no i.° de Agosto , o seu
demos avaliar o cocai em mil e seiscentos homens pouco mais ou me
nos.
{1} Nlo liavia ainda naquelles tempos hum systema fixo, e conhe
cido das derrotas que se devião fazer de Lisboa para o Cabo de Eoa Es
perança , segundo as estações do anno ; e por isso muitos Pilotos, por
fugirem das calmarias de Guine, onde alguns voluntariamente se h ião
metter, corrjão tanto para Oeste, que não podião montar o Cabo de
Santo Agostinho, e eráo forcados a virar no bordo de Leste em mui
pequena latitude, o que os levava a mesma Costa de Guiné , que que-
imo evitar, fiazcndi) assim hum rodeio immenso, ate se metterem no
vamente em caminho. Mas lie preciso também confessar, que os navios
daquelle tempo não andavão, nem bolinavão como os de hoje.
(2) O Penedo de S>. Pedis esxà na latitude N. de <<', e longitude
35° Si'-
312
Piloto, por segurança, foi buscar a latitude de 40o, on
de as equipagens soffrêrão terríveis frios ; e vindo de
pois demandar a terra , e cuidando (náo sei porque) le
var dobrado o Cabo de Boa Esperança , veio erobetes-
gar a Esquadra em huma Enseada muito ao Norte do
Cabo, cheia de b?.ixos, e correntes, que arrastavâo os
navios para dentro; e milagrosamente sahio a salvo pa
ra continuar a navegar bordejando ao longo da Cosra ,
em que gastou mcz e meio antes que montasse o Ca
bo. Tantos trabalhos , e tantas mudanças de climas tt-
nhao ralado as guarnições de maneira, que todos os dias
se lançaváo quatro, e cinco mortos ao mar; e os doen
tes erão tantos, que não chegavão os sãos para marear
os navios ; e assim andou D. Garcia á rôa meio perdi
do, até que vio a Costa da Africa, a qual os Pilotos
atarantados não conhecerão.
Partio então Pedro Mascarenhas na sua lancha para
tomar lingua em terra , e saber onde se achavão; e co
mo o mar quebrava muito, enviava elle hum Negro, e
bum marinheiro a nado, que voltarão com resposta de
que estavão trinta legoas distantes áquem de -Moçam
bique ; mas infelizmente não pôde Pedro Mascarenhas
recolhe-los a bordo da lancha, c mandou-lhes que fos
sem adiante a huma ponta de terra , que mostrava fazer
abrigo , e ahi os tomaria , como tentou fazer , porém
não apparecêrão, e depois se soube que os Mouros os
matarão.
A 11 de Março de 15/ 12 entrou finalmente a Es
quadra em Moçambique (1).
15" 12 — Sabendo EIRei, pelas Cartas que da Ilha de
S. Thomé lhe escreveo D.Garcia de Noronha, que nao
lhe era possível passar aquclle anno á índia, mandou

(O O mesmo diz Faria e Sousa, porém Castanheda dá a sua che


cada no mez d; Fevereiro.
313
im mediatamente aprestar doze Náos com dois mil sol
dados de guarnição (tanta era a abundância de navios,
e muniçÕ-s navaes naquelles tempos felizes!), de que
formou duas Esquadras, huma de oito, outra de qua
tro Náos (i).
Commandava a primeira Jorge de Mello Pereira
na Náo Senhora da Serra ; e erão os outros Comman-
dantes Jorge de Albuquerque na Nazareth ; Jorge da
Silveira no Bota-Fogo ; D. João de Eça na Magdale-
na ; Lopo Vaz de S. Paio na Santa Cruz; Gonçalo Pe
reira na Conceição; Simão de Miranda na Virtudes; e
Francisco Nogueira no Santo António. Da segunda Es
quadra era Commaridante Garcia de Sousa na Náo São
João i e os outros Pedro de Albuquerque na Sebastia-
na ; Gaspar Pereira , que hia servir de Secretário com
Affonso de Albuquerque, no Santo Espirito; e Roque
Raposo de Beja cm outra Náo.
Tinha El Rei ordenado, que os navios partissem a
dois e dois logo que estivessem promptos , e se fossem
reunir em Moçambique , onde esperarião pelos seus re
spectivos Chefes até hum certo tempo, passado o qual
deverião seguir para a índia debaixo das ordens do pri
meiro delles, que chegasse; mas a 25 de Março de 1512
sahirao de Lisboa quasi todos os navios.
Estas duas Esquadras surgirão em Moçambique
pelo mez de Junho, excepto Jorge da Silveira , que
passando por fora da Ilha de S. Lourenço, chegou á
barra de Goa a 8 de Julho; e não ousando entrar por
serem os tempos mui verdes, foi ancorar cm Anchedi-
va ; e Francisco Nogueira, que se perdeo nos baixos das
Ilhas de Angoxa (2) , cm que morreo quasi toda a gen-
£1} Earros , Década 2. Liv. 7. Cap. 2. — Faria, Açia Portitgueza
Tomo 1. Parte 1. Cap. 2. — Góes não faz menção desta Esqcadra. —
Castanheda falia com assas confusão no Liv. j. Qp. 88.
■ (2) São quatro pequenas Ilhas situadas sobre a Costa Orienta! da
40
314

Té, e elfe, por hão saber nadar , ficou na parte stf-


«erior do casco da Náo tora dois filhos sèns ; e quan-
no a maré vasou, descobrindo- se o pareci , passarão
ã pè ehxutó pafá htiraa daqueHas Ilhas, onde ficarão
cativos dos Mouros, mas pouco tempo depois se res
gatarão.
1J13. — Neste anno partio para a índia húma Es-
buadra de rres Náos , comraaridada por João de Sousa
de Lima ria Náo Piedade; e os outros dois erão Hen
rique Nunes de LeSo no S. Christovão, e Francisco
Corrêa no Santo António (1).
A 14 de Março de 1513 sahio de Lisboa esta Es
quadra , e sobre o Cabo de Boa Esperança se dispersa
rão os na.vios com hum temporal. João de Sousa cie Lí
bia chegou a Moçambique a 22 de Junho ; e nos princí
pios de Julho Henrique Nunes de Leão. Francisco Cor
rêa tomou por fora da Ilha de S. Lourenço, cuidando
que entrava pelo Canal; mas conhecendo depois a terra,
Seguio a sua Yiagem, e dobrando a Ilha pela cabeça dó
Norte, atravessou a Costa da Africa para vir buscar
Moçambique, e perdeo-se no baixo de S. Lazaro ses
senta legoas ao Norte desta Ilha. Teve porém occasião
áe fazer jangadas , c com estas , e a lancha , e o escaler
salvou toda a gente, e foi ter a Melinde, onde achou
felizmente as duas Náos da sua conserva.
15 ij. — Agastado El Rei D. Manoel do quebranta-
ínertto das pazes que fizera , e renovara com Moley
Zeyão, Senhor da Cidade de Azamor, determinou con
quista-la j e para esta commissão nomeou ao Duque de

Africa, pouco distantes de Moçambique, e fronteiras a hum Rio, de


que ellas tomarão o nome. A Ilha mais do Sal está situada na latitude S.
»6J J|'j e longitude $8" 10'.
(1) Barros, Década 2. Liv. 8. Cap. 6. — Faria, Ásia Portugueza. —
Castanheda, Liv. j. Cap. 115. — Esta Esquadra falta em Damião de
Góes, e na Memoria de Fr. Manoel Homem.
316
Bragança" D. Jaime, seu sobrinho, por seu Capitão Mor
General , com poderes mui amplos (i).
Constava a Armada de mais de quatrocentas e trin
ta embarcações, entre navios de guerra, e de transpor
te, na qual, embarcarão (2), além da Marinhagem ne
cessária, dois mil e duzcnios homens de cavallo, tudo
gente nobre, de que duzentos erão acobertados, e quir>
ze mil homens de Infanteria, pagos á custa d'ElRei; e
o Duque alistou -nas suas terras quatro njil homens es
colhidos , a seu soldo ; e dos seus Vassa lios, e creados
quinhentos e cincoenta de cavallo, em que entravão cem
acobertados. Destes quatro mil Infantes formou o Du
que quatro Corpos, de que nomeou Coronéis Gaspar
Vai , Pedro de Moraes , Christovao Leitão, e João Ro
drigues, os quaes linhão servido na Itália cora boa re
putação; e tanto os Officiaes, como os Soldados, forao
fardados á sua custa, com gibão, e gorra de panno bran
co, com huma Crur vermelha no peito, e outra nas cos
tas; o fardamento dos Coronéis, Alferes, Sargentos, e
Cabos era de seda da mesma côr. Estes quatro Regi
mentos (fallando na frase moderna) estavao bem disci
plinados, e instruídos em todas as evoluções militares.
Nomeou El Rei a D. João de Menezes por Capitão
(t) Por huma Carta Regia datada de Lisboa a j d*Agosto de 1 5 1 j ,
«Tingida a rodos os Fidalgos, Officiaes, e pessoas de que se coiupuiihâo
as Forças de Mar , e Terra , empregadas na expedição ; em cuja Carta
dizia EfRei estas formaes palavras: " Com a qual Capitauia lhe damas
,, (ao Duque; rodo o nesso comprido poder, e alçada sobre toda a geiv-
„ te da dita Armada, e Exercito, de qu.ilquei estado, e condição que
,, seja , para delle usar, como Nós pessoalmente o fariamos, se pre«en-
„ t* fossemos , assim no Civel, com« no- Crime, até morte natural in-
„ crusivè, sem delle em caso algum haver outra mais appellarãb, nem
„ aggravo-, porque tudo queremos , e nos praz que faça nelle fim. „
(ij Vede Góes, Parte j. Capítulos 46 e 47. — Historia Genealó
gica da Casa Real Portuguez» , Tomo 5. Liv. 6. pag. 50 j e seguintes;
e a Carta do Duque de Pragànça a EfRei D. Manoel no Tomo 4. das
Frovas á mesma Histuna , a pag. j 2.
40 ii
376
General da Armada , e Exercito na ausência do Duque
de Bragança. Os principaes Fidalgos , que acompanha
rão a este , erão : o Conde de Tentúgal , depois Mar
quez de Ferreira ; D. Fernando de Faro ; D. Affbnso
de Portugal, depois Conde de Vimioso; D. Fernando
de Noronha; Ruy Barreto, Alcaide Mor de Faro, ao-
meado Governador de Aza mor ; o Conde de Borba ;
D. Bernardo Coutinho; D. Luiz de Menezes; D. Hen
rique de Menezes; João da Silva , que commandava as
tropas do Algarve ; D, Aleixo de Menezes (depois Ayo
d'ElRei D.Sebastião); Aires Telles de Menezes; Dio
go Lopes de Lima, Alcaide Mor de Guimarães; D.
Bernardo Manoel, Camareiro Mor; D. Luiz da Silveira,
depois Conde da Sortelha ; João Rodrigues de Sá e Mene
zes, Alcaide Mor do Porto; Ruy de Mello; D. João
Mascarenhas, Capitão dos Ginetes; D. Manoel Mascare
nhas, seu irmão; Henrique de Bitancourt ; Francisco de
Abreu ; António de Abreu, seu irmão; João de Ornellas ;
Luiz da Atouguia ; João Esmeraldo; e Christovão Es
meraldo, seu irmão, todos Fidalgos da Ilha da Madei
ra ; D. Álvaro de Noronha ; D. João de Eça ; João Gon
çalves da Camará , Donatário da Ilha da Madeira , que
levou vinte navios, e seiscentos homens de pé á sua cus
ta , e duzentos de cavallo, de que oitenta erão seus paren
tes, e amigos, ou creados, edeo meza franca a todos; D»
João Lobo ;, Martim Vaz Mascarenhas ; Álvaro de Brito ;
António da Cunha ; Jorge Barreto; D. Rodrigo d' Eça,
Alcaide Mor de Moura ; João Soares ; D. Jorge Henri-
3ues, senhor de Barbacena; Álvaro de Carvalho, senhor
e Carvalho; D, João de Castello Branco, Alcaide Mor
da mesma terra ; Diogo de Mendonça , Alcaide Mor de
Mourão; Pedro de Mendonça, seu irmão; Christovão de
Mello; Simão de Sousa Docerri; João' Brandão ; Leonel
de Abreu, senhor de Regalados; Gonçalo Pinto, Alcai
de Mor de Chaves; Ruy Vaz Pinto, seu filho, Alcaide
317
Mor de Monforte; Garcia de Mello, Anadel Mcr, o
Capitão dos Besteiros, Alcaide Mor de Castro Marim;
Martim Teixeira de Villa Real, Alcaide Mor de Villa
Pouca de Aguiar; João Affonso de Beja, Commendadof
de Santa Maria de Beja •, Fernão de Mesquita de Gui
marães ; Francisco de Pedrosa , Adail Mor; Francisco
Coelho, Anadel Mor dos Espingardeiros ; Pedro Affon
so de Aguiar , Provedor dos Armazéns de Lisboa , a
quem bião encarregadas as cousas da Armada ; Ruy Dias
Pam ; Martim Calado ; Lopo Vaz Vogado ; Aires Coe
lho ; João Patalim , senhor do Morgado do mesmo no
me; Ruy Palha, que lua por Commandante dos Bestei
ros de cavallo do Duque ; Sebastião de Sousa , e Pedro
de Castro, Capitães da Guarda do Duque; Henrique
Pinheiro, depois Alcaide Mor de Barcellos ; João Roiz
Bérrio ; Pedro Bérrio , e João Martins de Alpoem, seus
sobrinhos, todos três hábeis Marinheiros.
Em quatro mezes e meio se aprestou este grande
Armamento, pela summa actividade do Conde de Villa
Nova de Portimão, Vedor da Fazenda; e estando rudo
prompto, foi EIRei ouvir Missa á Sé, onde o Arcebis
po D. Martinho da Costa benzeo o Estandarte Real,
que EIRei entregou ao Duque , com honradas , e discre
tas expressões , na presença de todos os Officiaes, e pes
soas notáveis do Exercito, e Armada. Na tarde do mes
mo dia entrou o Duque no Paço, acompanhado das mes
mas pessoas, a despedir-se d' EIRei, e da Família Real,
c se embarcou logo, aindti que por alguns incidentes,
que occorrêrão , se demorou alguns dias no Rio, dor
mindo sempre a berdo da sua Náo.
A ij de Agosto de 15-13 ancorou toda a Armada
em Belém: no dia seguinte veio EIRei a bordo visitar o
Duque; e fazendo-se os navios á vela, tomarão a sur
gir na Enseada de Santa Catharina, per acalmar o xen-
to« Tinha o Duque dado hum Regimento aos Commaiv
31*
dantes dó modo cora que haviao navegar, e a r7 sahio
a barra com toda a Armada. Na manha seguinte do
brou o Cabo de S. Vicente, e havendo calmaria, foi no
seu escaler á Bahia de Lagos, e sem desembarcar, fez
largar algumas embarcações do Algarve, que achou sur
tas, e as encorporou com a sua Armada, a que penen-
cião. A 19 chegou ao Cabo de Santa Maria, e rhaft*
dou recolher os navios, que estavao em Faro, e Tavi
ra , em que se demorou até 29. Aqui chamou a bordo
os Commandantes, e lhes fez varias advertências; e pon-
do-se era derrota para Azamor (1), foi surgir defronte
desta Praça a 28 já de noite : e como o tempo não da
va jazigo para entrar no Rio, assentou-se era Concelho,
que o Exercito desembarcasse em Mazagao (i), que
dista quasi três legoas de Azamor , e marchasse datli
por terra a atacar esta Praça ; o que se fe2.
Desembarcou o Duque em Mazagão, sem resistên
cia , e organisado o Exercito, se poz em marcha para
Azamor, indo a Armada costeando a terra. Moley Zaiáo
tinha dado o governo desta Cidade a Cide Mançor, de
quem fazia grande confiança , com boa guarnição ; e h-
(1) Azamor era quadrangular, e cercada da muralhas: constava de
mais de cinco mil famílias de Mouros, e quatrocentas de Judeos ; 05
seus habitantes eráo assas civilizados, e faz ião grande com mete 10 em
peixe seco; entre elles viviáo muitos Negociantes Portuguezes. A Pro
víncia de Doccalla, em que cila está situada, continha quatro Cidades
muradas: Azamor, Çafim, Tite , e Almedina; o seu terreno he herttf
em grãos, e gado de toda a espécie. Os Mouros Barbarescos morarão
todos nos lugares fortificados; e os Árabes, mais guerreiros do que ej-
les , na campanha, divididos emTribus, e estas em acampamentos
chamados então Aduares, de que se contavão naquella Província seiscen
tos e noventa , cuja população total se avaliava em cento e quarenta
mil homens.
(2) Mazagão, Praça marítima na Costa de Faiberia, latitude N. ,j*
18', e longitude 90 4}'. Tem hun-,a Enseada perigosa pelo setj ma'»
fundo, e por huma restinga de pedra. Naquelle tempo mi Pov cario
aberta , que os Portuguezes converterão depois em Praça fone.
319
éou no campo com todas as forças que pôde reunir, pa
ra dar batalha aos Portuguezes, segundo dizia. Tinha
o Cuque ordenado a Pedro Affònsò de Aguiar, que com
os navios de giiérrá entrasse no ilio de Azamor, e quei-
itiasse as balsas incendiarias , que os Mouros havião fa
bricado para deitarem fogo âos navios; o que elle cum-
prio, a pezar dá opposiçao da artilheria da Cidade.
O Exercito foi assaltado na marcha pelos Mou
ros, que intentarão embaraça-la, mas sendo rechaça
dos , se alojou o Duque aquella noite ao longo do
Rio , em que a Armada estava já ancorada. No diá
seguinte se começou a desembarcar a artilheria , e mu
nições para bater as muralhas, e os Mouros tornarão
a apparecer, e a rerirar-se. Alguns Generaes erão de
opinião de os atacar , porém o Duque de Bragança
fegeitou este parecer , julgando mais prudente tomar
primeiro a Cidade, para depois obrar segundo as cir
cunstancias.
Desembarcada a artilheria, e posta alguma delia
em bateria , mandou entretanto o Duque encostar man
tas a muralha para a picar , visto que a Cidade não ti
nha fosso, nem obra alguma exterior, que o embaraças
se , e assim se fez debaixo da direcção de D. João de
Menezes, que provia em rudo. Este ataque durou até
ao fim da tarde, defendendo-se os cercados o melhor
tjue podião, com tiros, e armas missivas, lançando sobre
as mantas quantidade de fogo , quando iiuma bala de
artilheria matou Cide Mançor, de cuja vida parece què
dependia a defesa da Praça ; porque nessa noite a des
ampararão os Mouros com tanta precipitação , que mor
rerão mais de oitenta affogados no meio da multidão,
que se vasava pelas portas.
Antes de amanhecer veio hum Judeo Portuguez dar
esta noticia ao Duque, que tomou posse da Cidade, na
qual só achou alguma artilhem, e mantimentos. A fa
320

ma desta conquista fez despovoar as Cidades de Tite, e


Almedina , de que os Pomiguezes se apoderarão.
Fez depois o Duque huma entrada na Província,
para castigar os Árabes, que havendo assentado com clje
pazes, as quebrarão logo; mas não achou mais que hum
pobre Aduar com duzentos' indivíduos, a que deo liber
dade. E começando a adoecer de hum tumor, que lhe
vedava andar a cavallo, deixou em Azamor toda a sua
casa, e tropas, e partio para Portugal a 21 de Novem
bro com dois únicos navios; desembarcou em Tavira
e apresentou-se em Almeirim a EIRei, que o recebeo
com grandes honras.
, 15*14. — A 20 de Março de 15" 14 partio para a ín
dia Chrisrovao de Brito, commandando huma Esquadra
de cinco Nios; sendo os outros Commandantes(i) Ma
noel de Mello, João Serrão, Francisco Pereira Couti
nho, e Luiz Dantas: este chegou primeiro a Goa, e de
pois delle em Setembro o resto da Esquadra.
Em Julho do mesmo anno sahio de Lisboa Luiz
Figueira por Commandante de dois navios, e o outro
era Pedro Annes Francez. Levava Luiz Figueira ordem
para ir ao Porto de Matarana, na Ilha de S. Lourenço,
estabelecer huma Feitoria, para negociar o gengivre,
que produzisse o Paiz; o que não teve effeito, porque
depois de estar alli seis mezes recolhido em hum Redu-
cto, que construio, na falsa esperança que lhe davao os
habitantes da colheita do gengivre, se levantarão contra
elle, por cuja causa se retirou a Moçambique; onde já
achou Pedro Annes , que mandara naquelle meio tempo
a reconhecer a Costa de Leste da Ilha, e com effeito
entrou em alguns Portos, e no uhimo comprou muita

(1) Barros , Década 2. Liv. 10. Cop. 2., e Década {. Liv. t. Cap. 1.
— Góes, Parte j. Capítulos 66 e 67. ~ Castanbeda, Liv. j. Cep. I 55,
couta só quatro Nio» nesia Es^uaJu.
321
quantidade de âmbar ; e como o vento era contrario
para voltar a Matatana, foi-se para Moçambique.
15 if. — AfFonso de Albuquerque , depois de con
quistar Goa, Ormuz, e Malaca , três das principaes
chaves do Commercio da índia, pedio a EIRei D. Ma
noel o Titulo de Duque de Goa , e licença para acabar
nclla a sua vida, mais gasta de trabalhos, que de annos;
mas os seus inimigos tiverão a arte de insinuar no ani
mo sincero o" EIRei algumas suspeitas contra a sua fide
lidade, exagerando a afreiçâo que lhe tinháo os Porru-
goezes, que serviáo na Ásia. e os Reis, c Povos daquel-
Jes ricos Paizcs, que todos folgarião de o ter por seu
Governador, ou seu alliado; d'onde concluião, que per-
tendia por aquelle meio tornar-se independente de Por
tugal.
Estas pérfidas suggestões. , attribuidas naturalmente
pelo Monarcha ao zelo do Real serviço, o fizeráo re
solver a mandar por Governador da índia (1) Lopo
Soares de Alvarenga , que não sendo amigo de AfFonso
de Albuquerque, parecia por isso mesmo mais capaz de
o fazer embarcar para o Reino , a pezar de qualquer
obstáculo que occorresse (2). Levava elle Instracçóes
sobre dous artigos da maior importância: o primeiro
para arrazar a Cidade de Goa, e abandonar a Ilha, se
assim parecesse bem ás principaes pessoas, que servião
na índia (3); c o segundo para não occtipar a Cidade
de Adem (4) quando fosse ao Mar Roxo (5"). Este pro
jecto era talvez o resultado das intrigas dos inimigos de

(1) Barros, Década j. Liv. 1. Cap. 1. — Góes, Parte ). Cap. 77.


— Castanheda, Liv. }. Cap. IJ2.
(2) Damião de Góes o diz positivamente no lugar citado.
(j) Góes, -Parte 4. Cip. 2.
£4") Esta Cidade esta" situada na Costa do Estreito da Arábia, e era
naquelles tempos mui celebrada em todo o Oriente,
( 5 ) Góes , Paite 4. Cap. 1 2.
41
322

Aflfbnso de Albuquerque, para menoscabarem os seus


planos da conquista do Oriente , que devião immortali-
zar o seu nome (i).
Felizmente para Portugal foi o abandono de Goa
impugnado por todos os homens, que Lopo Soares ali
consultou; porém Adem escapou então de completar a
linha de defensa tão necessária aos Estados da índia.
Constava a Esquadra de Lopo Soares de Alvaren
ga de treze Náos, guarnecidas de mil e quinhentos sol
dados, em que entraváo muitos Fidalgos, e pessoas No
bres. Commandavao as Náos Christovao de Távora,
D. Guterres de Monroy, Hespanhol, Simão da Silveira,
D. Garcia Coutinho, Francisco de Távora, AivaroTel-
les Barreto, D. João da Silveira, Jorge de Brito, Álvaro
Barreto, Diogo Mendes de Vasconcellos, Lopo Cabral,
e Simão da Alcáçova em huma Náo de Armadores des
tinada para a China. Com Francisco de Távora hia
embarcado Fernão Peres de Andrade, seu cunhado, que
EIRei mandava á China com huma pequena Esquadra ,
a qual o Governador da índia lhe havia de fornecer.
Conduzia também Lopo Soares a Mattheus , Embaixa
dor de Helena , mãi do Imperador da Ethiopia , Rei da
Abissínia (o chamado antes Preste João) , que voltava á
sua pátria ; e a Duarte Galvão, Fidalgo da Casa d'EIRei,
e do seu Conselho, hum dos abalisados Diplomáticos
do seu tempo , como Embaixador de Portugal junto
aquella Soberana.
A 7 de Abril partio de Lisboa Lopo Soares de Al
varenga; e sem lhe acontecer cousa notável, ancorou

(O Affonso de Albuquerque tentou dua» veres apoderar-se de Adem,


que entrava na sua linha de defensa da índia, porque fechava o Estrei
to da Arábia, e a passagem deste para o Alar Vermelho , e cortava anira
o Commercio aos Mouros, e aos Árabes, e evitava que os Turcos ali
se estabelecessem.
323

em Moçambique, e seguindo d'ali a sua viagem, che


gou a Goa nos princípios de Setembro.
AfFonso Lopes da Costa levava Cartas d' EIRei
para AfFonso de Albuquerque,- concedendo-lhe licença
para ficar na Índia (i") em qualquer Fortaleza que es^
colhesse, isento da jurisdicçao do Governador Lopo Soa
res; e que na sua vagancia tomaria o Governo cora o
Titulo de Vice-Rci. He certo, que EIRei sentio a mor
te de tão grande homem, e fez muitas mercês a seu fi
lho, como c!!c lhe tinha requerido na hora da morte.
15:15-. — Determinado EIRei D. Manoel a fazer
construa huma Fortaleza em Mamora , nomeou por
Capirao-General desta expedição a D. António de No
ronha, depois Conde de Linhares, seu Escrivão da Pu
ridade; e para lhe sueceder no commando , se falleces-
sc , a D. Nuno Mascarenhas. Constava o Armamento
de mais de duzentos navios de todas as grandezas, c
oito mil homens de tropas, divididos em três corpos,
de que erão Coronéis Tristão da Silva , Ruy de Mello,
ç Christovão Leitão (2).
Os Officiaes , e pessoas mais notáveis desta expe
dição erão D. AfFonso de Ataide, D. Álvaro de Noro
nha, D. Bernardo Manoel. Camareiro Mor, D. Gas
par, e D. João de Noronha, da Ilha da Madeira, Garr
cia de Mello, Anadel Mor dos Besteiros, Pedro da
Fonceca, Lançarote de Mello, António de Saldanha,
D. Rodrigo de Noronha, D. Pedro de Azevedo, D. An
tónio de Azevedo, seu irmão, Duarte de Lemos, Pedro
Moniz , D. António de Sousa, Tristão da Silva, Ruy
de Mello, Simão Gelez, Senhor da Torre de Chamor,
Francisco Lopes Girão, Jorge Corrêa; Christovão Lei
tão, Fernão Vaz Corte Real, Vicente de Mello, An-

(i) Assim o afíiriTu Damião de Góes na Parti: j. Cap. 80.


(23 Damião de Góes, Parte j. Cap. 76.
41 ii
324

tonio Real, Gaspar de Paiva , João Serrão, Tgnacio de


Bulhões, Diogo Berrio (i), e seus sobrinhos Pedro Ber-
rio, e João Martins de Alpoem , Estevão Barroso, João
da Costa , Balthasar de Siqueira, Ruy Varella , Ruy de
Faro, Pedro Vieira, Pedro Gonsalves de Távora , Dio
go Butaca , Architecto encarregado da construcção da
Fortaleza, Pedro Bentes, e Garcia Cainho.
Embarcarão também na Armada os Artifices neces
sários para a obra da Fortaleza, e muitos homens casa
dos, com as suas famílias para a ficarem habitando.
EIRei confiava tanto no bom successo da empresa,
que deo Instrucçdes a D. António de Noronha , para
que, concluída a Fortaleza , destacasse D. Nuno Masca
renhas com três mil homens para ir edificar outra em
Anafe: o resultado porém não correspondeo ás suas es
peranças.
A 13 de Junho de r^if sahio de Lisboa D. Antó
nio de Noronha , e no Cabo de Santa Maria esperou
até 20 por D. Álvaro de Noronha , e as tropas do Al
garve; e reunidas as forças, chegou na tarde de 13 á
barra de Mamora , onde surgio. Nessa noite entrou a
Armada no Rio, e Diogo Berrio mostrou a D. António
o local em que se devia construir a Fortaleza , o qual ,
na opinião dos três Coronéis, e dos. mais Officiaes, pare-
ceo mal escolhido; e em consequência marcou-se outro
mais perto da foz do Rio, de melhor desembarque, e
com agua próxima. Apôs isto desembarcarão antes de
amanhecer dois Corpos de Infanteria , e hum Forte de
madeira, que hia lavrado de Lisboa, e começou-se a
por em terra a artilheria , e munições; tudo isto sem
obstáculo dos Mouros, que parece não terem noticias,,
ou suspeitas desta invasão,
(1) V£-se por esta lista, que Góes náo separou os nomes do* Com-
mandantes dos navios, dos nomes das pessoas de grande qualidade, que
serviSo nas tropas.
325
No dia seguinte armou-se o Forte de madeira , e
começou-se a construcçao da Fortaleza , em que todos
trabalhavão, sem excepção, e com tal actividade, que
em breves dias se abrio hum fosso de vinte palmos de
largo, e quatorze de fundo, em que entrava a maré, e
se fechava á vontade para o conservar cheio d'agua.
Entre tanto os Reis de Féz, e Maquinez acudirão
a estorvar a obra com hum numeroso Exercito, que co
bria duas legoas de terreno, e sitiarão o campo dos Por-
tuguezes, que sem descontinuarem os seus trabalhos, fa-
zião frequentes sortidas , com perda de muita gente de
parte a parte; c huma delias tornou-se tão sanguinosa ,
que posto os Mouros fossem rechaçados, tiverao os Por-
tuguezes mil e duzentos homens fora de combate. A pezar
destes obstáculos, a Fortaleza estava quasi concluída nos
6ns de Julho.
Como os Mouros recebião muito dam no dos na
vios Portuguezes, que além de conduzirem mantimen
tos, e munições para o Exercito, batião os seus quar
téis com artilheria , construirão logo no principio do si
tio á entrada do Rio huma bateria mui forte, em que
montarão muitos canhões, para lhes vedar a passagem,
e cortarem assim todos os soccorros aos sitiados ; que a
final devião achar-se reduzidos a capitular, ou a fazer
huma retirada desastrosa, pois que não tinhão forças suf-
ficientes para arriscar huma batalha.
D. António de Noronha , vendo que a bateria dos
Mouros o punha cm perigo eminente de se perder, man
dou ancorar diante- delia mim navio grande , cujo cos
tado se reforçou com hum forro de vigas, coberto de
facas de lã, estopa , e algodão, para resistir ás balas de
artilheria, e com a sua destruir a bateria, do qual na
vio deo o commando a Gaspar de Paiva ; mas no fim de
trinta dias o mettêrão os Mouros no fundo; e D. Antó
nio perdeo de todo a esperança, de conservar-se ali mais-
tempo.
32G
Tinha elle escrito a EIRci,- expondo-lhe o verdadei
ro estado das cousas, e recebido já ordens para abando
nar a Fortaleza, e retirar-se, no caso de serem da mes
ma opinião os seus Officiaes, como forao. Em conse
quência, a io de Agcsto se embarcarão as rropas com a
desordem , c confusão inseparáveis de similhantes opera*
'çdes, c das localidades do campo, e do Rio. Naufra
garão mais de cem embarcações ã sahida, encalhando
pelas praias, em que morreo muta gente, e outra rer
stou cativa , sem contar a perda da artilhem, e muni
ções; de modo que apenas D. António de Noronha con-
duzio a Portugal metade do seu Exercita
El Rei sorfreo este desastre com o maior animo, e
resignação; e a pezar de tamanha perda, intentou man
dar no mez seguinte o Conde de Borba com outro Exer
cito a fazer a Fortaleza de Anafe; o que se não verifi
cou por motivos, que nos são desconhecidos.
15T6. — A 22 de Março de ictó partio de Lisboa
para a Índia João da Silveira (i) commandando hunia
Esquadra de cinco Náos, e os outros Commandantes
erão Affonso Lopes da Costa, Garcia da Coita, seu ir
mão, António de Lima , c Francisco de Sousa.
João da Silveira chegou a Qmloa com os mastros
rendidos, onde invernou. Affonso Lopes da Costa , e seu
irmão passarão á Índia ; os outros dous Commandantes
perderão-se nos baixos de S. Lazaro, salvando-se Fran
cisco de Sousa com toda a sua gente.
A 24 de Abril sahio de Lisboa Diogo de Unhos
por Commandante, e Piloto de hum navio, que EiRei
mandava de aviso ao Governador da índia , sobre a
Armada que preparava em Suez o Sultão do Egypto.

(1) Eanos, Década j. Liv. 1. Gtp. 2. Góes, e Fr. Manoel


Homem não falláo nesta Esçuadra ; mas Faria e Sousa fai dcIJa men
ção.
327

Este Officiál chegou á índia hum mez antes dos


navios da Esquadra de João da Silveira.
15-17. — Querendo EIRei D. Manoel aproveitar-sé
dos talentos de António de Saldanha, o mandou este an-
no de 1517 a fazer hum rigoroso cruzeiro no mar da
Arábia contra os Mouros, que por ali passavao á Cos
ta do Malabar; e como similhaiue serviço exigia algu
mas embarcações Latinas, que não podião ir de Portu
gal, ordenou ao Governador da Índia lhe desse as que
Jossem necessárias.
Aprestou-se em Lisboa huma Esquadra (1) de oito
.Náos, de que elle tomou o commando, embarcado na
Isáo Senhora da Serra ; os outros Commandantes erao D.
Tristão de Menezes, Manoel de Lacerda, no S.Tiago,
Pedro Quaresma , Rafael Catanho, Fernão de Alcáço
va, nomeado Vedor da Fazenda da índia, com pode
res que o izentavão do Governador, os quaes não pôde
executar, Affonso Henriques de Sepúlveda, e outro. An
tónio de Saldanha sahio primeiro com cinco navios, e
pouco depois partirão os outros três, que se lhe reunirão
em Moçambique, e chegarão todos á índia cm Setem
bro.
15-17. — Em Junho de 15-17 (2) mandou EIRei D.
Manoel huma Armada de setenta navios de guerra , e
de transporte, com muita gente de pé, e cem de cavai-
lo , commandada por Diogo Lopes de Siqueira , com
ordem de embarcar cincoenta Cavalleiros em Arzilla, e
outros tantos em Tanger, e d'ali passar a Ceuta, cujo
Governador D. Pedro de Menezes, Conde de Alcoutim,
devia reunir-se a eíle com toda a sua Guarnição, para
marcharem de commum accordo sobre Targa. O génio
altivo do Conde, c a desconfiança em que ficou por se
(1) Vede Barros, Década 9. Liv. 1. Cap. 10. — Castanheda, Liv.4.
Cap. 26.
(a) Góes, Parte 4. Cap» aay
828

lhe não dar o cominando da expedição , a fez irrallo-


grar; e Diogo Lopes regressou a Portugal.
r^iS. — Nomeado Governador da Índia Diogo Lo
pes de Siqueira, Almotacé Mor, lhe mandou EIRei D.
•Manoel preparar huma Esquadra de dez Náos , de que
erao Commandanres Garcia de Sá, Ruy de Mvlío , D.
João de Lima, D. Aires da Gama , Gonçalo Rodrigues
de Almada (i), João Gomes, Pedro Paulo, João Lopes
Alvim, e Pedro Cabreira (2). Embarcarão nesta Esqua
dra mil c sei^enros Soldados, entre elles muitos Fidal
gos, e pessoas Nobres.
A 27 de Março de 1^1 8 sahio de Lisboa Diogo
Lopes, e seguindo viagem com bons tempos, suecedeo
na altura do Cabo de Boa Esperança esbarrar hum pei
xe Agulha com a Náo de D. João de Lima com tal
■violência, que enterrou pelo costado o bico, oa pontl
que lhe sahe do focinho; c forcejando, e estnbuxandô
para arrancalla, quebrou-llve dentro; o que causou gran
de susto na gente, que cuidou, no estremecer do navio *,
haver tocado em algum baixo; mas carenando depois em
Cochim, se lhe achou a ponta de comprimento de dous
palmos e meio, preta, aguda, e mui rija, e áspera (3).
(1) Vede Góes, Parte 4. Cap. 51. — Castanheda, Liv. 4. Cap. 44.
— Larros, Década ). Liv. j. Cap. 1.
(2) Carros , e 'Faria dão nove Nãos a esta Esquadra ; Castanheda , e
Góes dlo-lhe dez , e referem os nomes d; todos os Commandantes,
Igual varedade se observa sobre a época, em que eHe chegou i Tndia,
dizendo Castanheda, que foi a 7 de Setembro; lanos, e Go:s a 8; e
Faria a 18.
Q) No meu tempo succedèrSo dois factos siinilhantes : o primeiro
exn hum navio (creio se chamava Santa Rosa), o qual carer.ando no
Rio tle Janeiro , se lhe achou no fundo huma similhante ponta, que
passava até ao forro de dentro , e tinha furado hum baifi de azeite,
O segundo, que lie mu iro mais moderno, em hum Kergantim , de que
era Mestre António da Cunha Moreira ( que morreo Official da Marinha,
Real), que vindo do Maianhão, achou sj de repente com mut>a agua
no poião, sem saberem a que attribuir a causa, por ser a embarcação
«29
Diogo Lopes demorou-se pouco era Moçambique,
« chegou á índia a 8 de Setembro.
1519. — Neste anno se armou (1) huma Esquadra
de quatorze Náos(2), commandada por Jorge de Albu
querque, embarcado na Náo Guadalupe; os outros Cora-
mandantes erão Lopo de Brito, Pedro da Silva, João
Rodrigues -de Almada , Francisco da Cunha , Christo-
vao de Mendonça na Náo Graça , Rafael Perestrello na
Rosa , Rafael Catanho, Diogo Fernandes de Beja, Gon
çalo Rodrigues Corrêa na Náo Santo António , D. Dio
go de Lima, o Doutor Pedro Nunes (3), Manoel de
Sousa em hum Galeão (4), e D. Luiz de Gusmão, Fi
nova, até que andando o Carpinteiro por fora examinando as costuras,
vio a cousa de meia braça abaixo do lume da agua, hum pedaço de
ponta como de boi cravada no costado. O Bergantim chegou a Lisboa
tocando sempre d bomba , e o Constructor do Arsenal cortou hnm pe
daço da taboa , em que estava mettida a ponta, que tinha mais de dous
palmos de comprido, de côr escura, mui rija, e a superfície escamosa:
persuado-me que foi conduzida para o Real Museo.
(r) Vede Barros, Década j. Liv. j. Cap. 9. — Góes, Parte 4.
Cap. )6. — Castanheda , Liv. $. Capitulos de ij até 18.
(2") Assim o diz Barros no lugar citado, Faria na Ásia Portugueza,
e o Nobiliário manuscrito das Famílias Portuguezas , no Tomo j. pag.
612. Damião de Góes conta desaseis Nãos, e Castanheda desasete. Eu
creio, que a difrerença consiste nos dous navios destinados para a Chi
na , que huns excluirão , e outros incluirão na Esquadra.
Çj) Pedro Nunes hia com o Cargo de Vedor da Fazenda nos Estados
da índia, vencendo 400^)000 reis annuaes, e outras muitas vantagens,
aJém de EIRei Hw pagar Tinte homens para o acompanharem. Levava
eile hum Regimento, que o isentava da jurisdicção dos Governadores
nos casos Civeis, e Crimes, e lhe conferia toda a administração da Fa
zenda, que elles ate ali unhão, segundo refere Castanheda no lugar
acima citado. Succedeo o que era bem natural , hum conílicto de ju-
risdicçóes entre os dois Chefes do Estado, cuja consequência foi voltar
Pedio Nunes para Portugal.
(4; Daqui por diante começa a nossa Historia a fallar em Galeões,
e assim cumpre dizer, que ás vezes os Escritores chamáo com indiíferen-
ça aos navios grandes, Galeões, ou Nãos; mas na realidade os Galeões
começarão a ser naquelles tempos os navios propriamente de guerra, e
42
330

dalgo Hespanhot v errt outro, que era o ruais" formoso,


e bem armado navio de toda a Esquadra.
Partirão' este me6mo anno rnais dois navios com
destino para a China , de que erão Commandaíites Dio
go Calvo , e Garcia Cainho.
A 23 de Abril de 15" 19 sahio a Esquadra de Lis
boa, menos Francisco da Cunha, que, por algum inci
dente , partio a 7 de Junho, e com tal fortuna , que en*
trou em Cochim a 10 de Outubro.
A Esquadra navegou derramada : Diogo de Lima
arribou a Portugal, e não pôde tornar a sahir. Jorge
de Albuquerque invernou em Moçambique com oito
Náos; Lopo de Brito, Pedro da Silva, e João Rodri
gues de Almada forao á índia a salvamento. Manoel
de Sousa, separado da Esquadra, sofFreo máòs tempos,
e chegando á altura de Moçambique nos fins de Setem
bro, não quiz entrar no Porto, a pezar de ter muita fal
ta de agua ; e na esperança de poder passar á índia ,
proseguio a sua derrota, em que achou levantes rijos,
que lhe não deixavao adiantar caminho. A final quia
buscar o Cabo Guardafui, para fazer agua, que já por
falta delia levava muitos doentes, e hia deitando mor
tos ao mar. Não podendo ferrar o Cabo , foi avistar a
Ilha de Socotorá , que também não tomou , por ser o
vento por sima delia. Nesta, extremidade arribou a bus-
oar a terra da Africa mais próxima, e navegou ao lon
por isso se consftnião mais fortes da linha d"agua para sima, e morrt*-
VSo mais artilhei-la As Náos erão de mnis tonehd3$, com grande porão,
é menos fortes de costada Na torna-viagem da índia os Galeões vrnhío
carregados como as Náos, de que se seguirão alguns naufrágios , porque
soffr ião .mais dos golpes de mar, e do* balanços, em razão da nimia al
tura dos Canellos de popa, e proa, representando cada Galeão o perfil
evacto de huma cortina flanqueada por duas Torres. Houverão depois
alterações neste systema , e corutruino-se Galeões mui grandes, ainda
qlre o numero de canhões , que momavão , era interior ao que hoje se
tVaiíca.
331
go delia, caminho de Melinde, determinado a ancorar
em qualquer lugar, onde achasse agua. Assim chegou a
IViatua , e dando fundo , desembarcou na lancha com o
Piloto, e quarenta homens armados, para fazer aguada
por força , ou por vontade.
Achou-se com erTeito huma fonte afastada hum
pouco do desembarque, em que se começarão a encher
os barris; e os naturaes, longe de se opporem, acudirão
em som de paz a vender gallinhas, e outros comestíveis,
o que infundio tão desleixada confiança nos Portugue-
«es, que na vasante da maré ficou a lancha em secco a
grande distancia da praia. Manoel de Sousa , conhecen
do tarde o erro que commettera em não deixar o seu Pi-
Joto na lancha com alguns marinheiros, cahio era outro
«íaior; porque devendo reunir logo toda a gente em
Jium corpo, para resistir a qualquer assalto dos Mou
ros, e ganhar algum tempo até a maré tornar a encher,
metteo-se pela vasa com todos os seus, para á força de
braços pôr a lancha em nado. Os Mouros, que escon
didos espreitavão alguma boa occasião de mostrarem o
ódio que tinhão aos Portuguezes , vendo-os atolados na
vasa, sem se poderem formar, nem mesmo usar das ar
enas, correrão sobre elles cm grande numero, matarão
todos, e tomarão a lancha.
A gente do Galeão , estupefacta de se ver sem
-Commandante, nem Piloto, deo a direcção da derrota
-ao Conrra-Mestre , que mui pouco entendia de Nave
gação; e fazendo -se á vela, seguio a Costa, e foi sur
gir em Oja , Cidade dezoito legoas ao Norte de Melin
de. Os habitantes receberão bem os Portuguezes, que
se detiverão aqui seis dias, fazendo víveres, e aguada;
•mas como os desastres nunca vem sós, aconteceo que o
J^egulo do Paiz deteve o Mestre, e seis homens que
esta vão com elle cm terra para os festejar; e os do Ga
leão, cuidando que erão mortos, ou cativos, e vendo-se
42 ii
332

reduzidos a seis homens sãos, e alguns enfermos, de


duzentas pessoas que compunhão a guarnição, cortarão
as amarras, e seguirão a sua derrota para Melinde, que
o Contra-Mestre varou por ignorância, e foi dar á costa
cm huma coroa junto a Quilôa, onde os Mouros os ma
tarão a todos, excepto hum rapaz, que cativarão.
Dos acontecimentos desta Esquadra resra-me con
tar o facto extraordinário, e único de hum navio de guer
ra convertido em Pirata (i).
EraCommandante de hum Galeão D.Luiz de Gus
mão, casado em Portugal, que separando-se do seu Chef
ie, navegou só, e ao Sul das Canárias encontrou huma
Caravela Portugueza ; e sabendo- pela pratica , que com
ella teve, que vinha da Costa da Mina, e trazia ouro,
disse cm particular ao Piloto do seu Galeão, a fim de o
sondar: Para que querião mais índia, do que tomslla ,
e passando o Estreito de Gibraltar, irem para o Levan»
te , onde se farião mais ricos? O* Piloto , que era Por-
tuguez , não se deo por entendido, e só lhe respondeo,
que não tomasse a Caravela. Parecendo-lhe porém isto
muito mal , o communicou. a quatro irmãos do appelli-
do de Galvão, que hião cora elle embarcados, naturaes
de Évora , homens de muito espirito, e valor, os quaes
lhe promettêrão oppor-se a qualquer attentado, que D.
Luiz ousasse commetrer. Em consequência afFastarão-se
desde logo da sua conversação , e não comerão , nem jo*
gárão mais com elle, como costumavão. D. Luiz, per
cebendo que se penetravão as suas intenções sinistras ,
tratou de ganhar partidistas, e examinando o numero
de Hespanhoes que tinha no Galeão, achou cincoenta,
(i). Na relação do caso de D. Luiz d* Gusmão segui a Castanheda,
com preferencia a Joio de Barros-, porque a miudeza com que o refere
mostra que estava bem informado de tudo; e talvez que Barros tivesse
algumas razoes de circunstancia para não dizer quanto sabia na matéria,
pomo de si confessa Damião, de Góes.
333

t fhes mandou distribuir do vinho, e agua que bebia,


dizendo que o fazia por serem homens Fidalgos; e co
meçou a tratar com altivez os Portuguezes. Quiz tomar
numa pipa d'agua, e outra de vinho a Francisco Fer
nandes , Ourives , de quem fora hospede era Lisboa , e
a quem devia singulares favores, e para lhos remunerar,
segundo dizia, o levava comsigo para a índia : e como
elie se queixou de lhe tomar a agua , e vinho que em
barcara para algum caso de necessidade , o metteo na'
arca da bomba, a que se oppôz o Piloto^ e os Galvôes,
protestando que não podiao consentir similhante violên
cia ; e D. Luiz, receando alguma sublevação , deixou
solto o Ourives, sem lhe apprehender as pipas. Obser
vando então que o Piloto trazia sempre hum punhal
(desde o dia em que lhe fallou em tomar a Caravela da
Mina), quiz saber a causa, e respondendo elle, que o
seu punhal não causava prejuízo a ninguém , ficarão
d'ahi por diante pouco amigos.
Chegados á altura do Cabo de Boa Esperança, tt-
verão hum temporal , em que se quebrou a cabeça do
Jeme, e ainda que se tentou em certo modo remediar o
damno, o Galeão governava tão mal, que o Piloto de
clarou, que não se atrevia a dobrar o Cabo com aquel-
le leme; e fazendo sobre isso D. Luiz concelho, con-
cordou-se em arribar ao Brasil para fazer hum leme
novo.
Em consequência dirigio-se a derrota para o Brasil,
e depois de trinta dias de navegação vio-se a terra. To
cou D. Luiz em alguns Portos, sem achar madeira de
que se podesse fazer o leme ,. e por ultimo entrou em
numa grande Bahia (talvez a de Todos os Santos), on
de desembarcando com o Piloto, o Carpinteiro, e trin
ta homens acharão muitas arvores capazes para a obra
que se pertendia. Aqui , parecendo a D. Luiz occasião<
opportuna de se vingar do Piloto, lhe disse algumas pa*
334
lavras más, lembrando-lhe as difFerenças passadas; e o
Piloro, ainda que só tinha da sua pane hum primo seu,
e o Carpinteiro, enrestou a lança contra elJe. D. Luiz
metteo mão á espada, e todos os da sua parcialidade,
fazendo o mesmo os outros dois. Travou-se entre elles
hum bravo jogo de cutiladas; e o Piloto, que era va
lente, fazia praça com a lança, em quanto o primo, e
o Carpinteiro lhe guardavão as costas. Vendo o Hespa-
nhol que não acabava o negocio tão azinha , como
cuidara, offereceo a sua amizade ao Piloto, cliamando-
Ihe irmão, o que elle aceitou; e feiras as pazes, jura
rão todos guardar segredo, o que não foi possível, por
estar ferido o Carpinteiro.
Passado isto, mandou D. Luiz a terra o Mestre, <e
o Carpinteiro para se fazer o leme, e com elles dois
Artilheiros, com duas peças de artilheria pequenas, que
montarão em huma trincheira, a fim^de se premunirem
contra os assaltos dos índios, que já sabião serem an-
thropofagos. Começada a obra, concorrerão muitos del-
Jes com mantimentos do Paiz, que trocavão por anzoes,
alfinetes, e outras bagatellas, entendendo-se por acenos.
Esta concorrência sendo cada vez maior, e sempre de
hum modo pacifico, animou alguns Portuguezes a irem
a huma Aldeã, quasi huma Iegoa distante, na qual fo-
rao bem recebidos. Oito dias depois levou o Piloto a
terra o leme velho, para lhe tirar as ferragens, que ba-
vião servir para o novo; e não podendo os marinhei
ros arrastallo pela praia, que atolava muito, os ajuda
rão no trabalho duzentos Brasileiros.
Recolhido o leme ao abrigo da trincheira, partio o
Piloto com alguns homens para a Aldeã, e levou comsigo
huma mulher, em torno da qual se ajuntarão os índios,
que a contemplavao maravilhados, quando chegou hum,
que parecia ser o Chefe da Aldeã , e os fez assentar em
silencio , talvez para evitar as consequências dos senri
335

mentos , qae a presença dà mulher rinha excitado nelleá.


Este Brasileiro , que trazia por distinctivo huma espada
de osso de peixe, c huma cntella de ferro mui velha,
deo ao Piloto comestiveis, e em troca recebeo delle ou
tras cousas. Acabada assim em paz esta imprudente
■visita, voltou o Piloto para o lugar onde se trabalhava
no leme, e estando comendo, chegou o Carpinteiro com
outro homem , e lhe contou que os índios os tinhão ex
pulsado da Aldeã , apontando-lhes mais de cem arcos
armados de frechas; e que lhe parecia bom conselho não
irem mais à Aldeã. O Piloto, longe de acreditar o que
elle dizia, marchou para a Aldeã acompanhado de al
gumas pessoas, e passada huma hora , veio hum grande
numero de Índios correndo, e gritando , trazendo como
troféos as armas do Piloto, e dos seus companheiros, e
atacarão logo sessenta e três Portuguezes , que estavão
na trincheira , sem que as balas das duas peças lhes fi
zessem damno (i), porque se baqueavão no chão quan
do vião o clarão da escorva. Finalmente os índios en
trarão a trincheira, que parece não tinha fosso, nem al
tura sufficiente, e ali os defensores se defenderão ás cu
tiladas espaço de huma hora ; porém mortos cincoenra
e três , os dez restantes se salvarão a nado a bordo da
lancha , que chegou nesta conjuneção. No numero dos
mortos entrou o Contra-Mestre, e o Carpinteiro, alem
do Piloto.
D. Luiz folgou com a morte dos Galvâes, do Pi-
(i) Naquelles tempos ainda não havia metralha: annos depois co-
meçou-se na índia a carregar as pec,as com saquinhos de seixos redon
dos, que em pequeno alcance fazião aJgum effeito. Todas as Artes tem
a sua infância.
O» sessenta e tres Portuguezes, que guarneciáo a trincheira, decer
to não tinhão mosquetes; se os tivessem, nunca es índios forçariáo a
entrada; mas as espadas eráo fracas armas contra as frechas (talvez en
venenadas) dos Brasileiros. Isto prova a ignoiancia, ou a malícia do
traidor Gusmão.
336
loto, e dos outros que com elles acabarão, todos Portu
guezes, vendo-se agora desabafado para o que determi
nava, e foi a terra com quarenta homens bem armados
a buscar os lemes, já que não o fez a soccorrer os seus.
Três dias se gastarão em acabar o leme a bordo, e era
o calar, e neste meio tempo repartio o fato do Piloto
pelos Hespanhocs , tomando para si huma vestia escar
late, de que mandou fazer outra pela feição da que via
no retrato de Amadiz pintado em hum lirro, dizendo
que no Mundo liouverão dous Amadizes, hum que esta
va já morto, e elle o segundo; e outras muitas fanfar-
ronadas. Calado o leme, e dizendo-lhe o marinheiro
João Velho, que o levaria a Moçambique, deo-lhe a
pilotagem do Galeão, e se fez á vela. Aos cinco dias
de viagem nomeou Meirinho a San-Torreno, Hespa-
nliol , havendo morrido no Brasil o do Galeão; e no
mesmo dia o novo Meirinho deo busca a todas as cai
xas, com o pretexto de descobrir alguma fazenda perten
cente aosfallecidos, porem só para tomar todas as armas
aos Portuguezes, como fez, deixando-as aos Hesp.mhoes.
Ao amanhecer do dia seguinte app.ireceo D. Luiz
na tolda armado com a espada na mão, cercado de cin-
coema Hespanhoes , e de outros estrangeiros, todos ar
mados, e mandou ali vir o Ourives Francisco Fernan
des, a quem se deitarão grilhões, e disse-lhe que se con
fessasse, que o hia matar, por assim o ter determinado
fazer, e mais ao Piloto, e aos Galvões, pelas disputas
que com elles tivera. E desprezadas as humildes suppli-
cas do Ourives, o confessou hum Clérigo, passeando
elle entretanto pela tolda , e dizendo a miúdo ao Pa
dre , que acabasse a confissão. Os Portuguezes viao do
convez este espectáculo , mas como não tinhão armas ,
não se lhe podião oppor. Concluída a confissão, correo
D. Luiz para o Ourives, que estava de joelhos com a*
mãos levantadas pedindo o não matasse, c deo-lhe huma
337
cutilada , com que lhe cortou huma das mãos , e logo
huma estocada, de que cahio morto; e foi deitado ao
mar.
Feito isto, chamou roda a guarnição, e fez-lhe
huma longa pratica, querendo justificar o assassínio do
Ourives com o fundamento de que este projectava ma-
talio, ainda que disso não tinha prova suiriciente, e con-
cluio dizendo : Que como EIRei de Portugal não per
doava ao homem, que matava a outro, elle não ousava
tornar á sua presença , nem menos apparecer na índia
diante do seu Governador, e queria ir a outra índia
mais segura, que era o mar do Levante, onde andariao
a roda a roupa, e ficarião todos ricos no espaço de hum
anno , levando ao mesmo tempo boa vida ; e quem nSo
quizesse acompanhallo , o dissesse, porque lhe dava a
fé de Fidalgo de não lhe ter por isso má vontade, e o
desembarcaria na primeira terra que tomasse. Desaseis
Portuguczes recusarão dar o juramento exigido dos que
havião servir com elle, a pezar das grandes diligencias
que para isso fez , por cuja causa forao postos em gri
lhões, e dorraião no convez ao sereno; e mesmo nos
outros Portuguezes , que se alistarão para ser Piratas, ti
nha elle tão pouca confiança, que publicou hum edital,
para que qualquer Portuguez, que fosse ao fogão em
quanto lhe fizessem de comer, seria açoutado', e a mão
direita pregada no mastro grande : tanto era o receio
que tinha de ser envenenado!
Depois disse ao Mestre Fernão AfFonso , que o levas
se ao Estreito de Gibraltar, porque d'ali bem sabia pa
ra onde havia de ir, ameaçando-o de lhe cortar a ca
beça , se não o fizesse; e pedindo-lhe o Mestre hum at
estado d'isso, para sua resalva, lho deo logo. Seguio-
se o rumo para a Europa , e D. Luiz disse hum dia ,
que estava informado de que os prezos o intentavão ma
tar, e por. isso devião ser enforcados, e os fez confes
43
338

sar. E para achar alguma prova , deo tratos de polé a


hum delles , o qual obrigado da dor , disse era verda
de, e que os conjurados erão trinta; mas como os Por-
tuguezes presos não cxcedião a dezaseis, e ninguém ti
nha communicação com elles , crêo que entrariao no
conloio alguns dos seus parciaes, e mandou chamar
hum João Esteves , Portuguez , que cuidando ser para
lhe darem tratos, se deitou ao mar, e affògon-se-, o
3ue o confirmou nas suas idéas, e quiz enforcar cinco
os presos, e mais o Carpinteiro, porem rogando por
este os Hespanhoes , era auenção a ter feito o leme ,
perdoou a todos.
Chegado á altura dos Açores, disse o Mestre a D.
Luiz, que em certa Povoação daquellas Ilhas poderião
fazer aguada, e carnagem , de que tinhao necessidade,
em que elle conveio; e entretanto foi surgir na Ilha das
Flores, e artes de communicar com a terra, chegou
huma Caravela Portugueza , em que vinha hum Nego
ciante da Terceira, que era seu dono, a comprar tri
go. Logo que D. Luiz a vio, metteo-se no escaler com
alguns homens armados, deixando o Galeão entregue a
hum Hespanhol chamado Bezerril , e abordando a Ca
ravela , disse ao Negociante, que D. Luiz de Gusmão,
Commandante daquelle Galeão d' EIRei de Portugal,
lhe mandava aquella carta, a qual lhe deo, e nella rela
tava , que hindo para a índia , arribara ao Brasil para
fazer hum leme em lugar do seu , que se quebrara com
hum temporal, e que os Brasileiros lhe matarão o Pi
loto, e outra muita gente, e por isso voltava para Por
tugal mui destroçado, e lhe pedia da parte d' EIRei,
Sue viesse com elle a bordo. O Negociante , acreditan-
o tudo, foi logo a bordo do Galeão com o seu Pilo
to, e alguns marinheiros, a todos os quaes prendeo D.
Luiz, e tomou ao Negociante o dinheiro, que levava \
e passando a equipagem da Caravela para o Galeão,
339
deo o cotnmando daquella a Bczerril , e l!ie metteo ar-
tilheria , e a gente necessária , e por Mestre è Piloto
hum Portuguez, que fugira de Portugal, por ser casado
três vezes , por cuja razão se confiava muito delle.
Perguntando depois ao Mestre do Galeão pela Po
voação , que lhe dissera, este o levou a Ponta Delgada
na Ilha de S. Miguel, onde determinava fugir, já que
pão o poderá fazer nas Flores. D. Luiz mandou hum
Hcspanhol a terra para dizer aos habitantes, que quem
quizesse trocar carnes por azeite, e vinho, fosse a bor
do do Galeno ; e com eífeito vierão logo três dos prin-
cipaes moradores com hum grande presente de refres
cos , e elle os prendeo , declarando-lhes, que não os sol
taria, sem que cada hum lhe desse dez, ou doze bois.
Neste tempo appareceo outra Caravela , e querendo D.
Luiz toraalla, mandou o seu escaler, mas estando den
tro delle sete marinheiros todos Portuguezes, fugirão á
voga arrancada pára terra , dando aviso á Caravela no
vamente chegada, que também se pôz em salvo.
Chegados os marinheiros á Povoação , requererão
se prendesse o Hespanhol, que lá andava, como se fez,
porque D. Luiz estava levantado com o Galeão. Apôs
isto appareceo huma Naveta , que vinha de S. Thomé,
e D. Luiz mandou a ella Bezerril na Caravela , com or
dem de a metter no fundo, se não amainasse; porem
amainou logo, e o Mestre, o Piloto, e o Contra-Mestre
íbrão trazidos a D. Luiz, que os ameaçou com tratos,
se não declarassem o que traziao. Constou do seu de
poimento trazerem escravos, algalia, marfim, e páo ver
melho, e pertencer a carga a Duarte Bello, Commer-
ciante de Lisboa. Por ordem de D. Luiz se baldearão
no Galeão os mantimentos , e mercadorias da Naveta ,
e se mettêrão a seu bordo todos os presos.
Em quanto se andava aesta faina, pedio-lhe o Mes
tre licença para ir a terra yer huma irmã, que ali ti
43 ii
340
nha , e elle o mandou no bote da Caravela com dois
marinheiros Hespanhoes, e ordem de não o deixarem
desembarcar; mas chegando perro da praia, o Mestre
deitou os dois ao mar, e fugio a nado para terra. D.
Luiz em sabendo isto, enviou a terra hum cunhado do
mesmo Mestre, com hum seguro seu para poder voltar
para bordo ; porém o mensageiro ficou também com
elle.
Quatro dias se deteve ainda D. Luiz, e a final par-
tio para Canárias: no caminho tomou huma Caravela
carregada de pastel, que hia para Flandres, e outra car
regada de peixe secco , e assim chegou ao Porto da Go-
meira com cinco embarcações, onde vendeo os roubos
que levava. Seguio-sc depois huma disputa entre o Cora-
mandante da Povoação e D. Luiz: o Galeão fez fogo
á Fortaleza, e esta respondeo, quebrando-lhe a verga
grande com huma bala. O Hespanhol vendo-se impos
sibilitado de navegar , e já assombrado dos seus pró
prios crimes, mudou o seu faro, e alguma artilheria
para a Caravela de Bezcrril ; e deixando no Porto o Ga
leão, e as embarcações aprezadas (que se restituirão aos
proprietários) navegou para Sevilha, onde foi logo pre
zo na Torre da Cidade, em consequência de represen
tações, que a Cone de Lisboa havia feito á de Madrid;
e querendo descer da Torre por huns lençoes, cahio, e
quebrou ambas as pernas. Hum homem, que os seus ge
midos ali attrahírão , o levou ás costas a hum CoiiTen-
to de Religiosos , do qual conseguio fugir para a Itá
lia, e nella acabou desgraçadamente.
j^iq. — Fernão de Magalhães (i), pertencente a
(O Os principaes Escritores, que consultei para escrever esta Via»
pciíi , foráo: i.° João de Barros, Década j. Liv. 5. Capítulos 8, 9, io>
que teve na sua mão documentos originaes,.e mui preciosos, de que
tirou o que escreveo; e oxalá os tivera copiado todos, porque hoje
desgraçadamente já não existem. 2.0 Damião de Góes, Parte 4. Cap.
341
huma illustrc família, dotado de grande valor, e con
stância , e bem instruido na Arte Náutica , segundo os
conhecimentos do teu tempo, depois de militar na ín
dia , passou a servir em Azamor , onde sobre a reparti
ção do despojo ganhado em huma entrada, se lhe susci
tarão taes accusações , que foi obrigado a justificar-se
judicialmente , sem conseguir por isso ficar na graça
d' EIRei D. Manoel , que The negou o augmento de du
zentos réis mensaes na sua Moradia.
Descontente deste máo successo , passou a Hespa-
nha em 1^17, desnaturalizando-se de Portugal, e levou
comsigo ao Bacharel Ruy Faleiro, hábil Astrónomo ,
e a outros Officiaes de inar. Em Sevilha achou estabele
cido o seu parente Diogo Barbosa , em cuja casa se re-
colheo, e casou com sua filha D. Beatriz Barbosa; e
igualmente encontrou outros Portuguezes aventureiros, e
descontentes , todos , ou quasi todos de profissão mari-
J7, que publicou o summario do Contrato passado entre o Imperador
Carlos V. Fernão de Magalhães, e o Astrónomo Ruy Faleiro.11 j.° O
Resumo Histórico do Doutor D. Casimiro de Ortega, impresso em Ma
drid em 1769 , que examinou todas as Historias, que tratão de Maga
lhães, ainda que ás vezes não escolheo o melhor ; e nos deixou (co
piada de Herrera) a lista nominal de todos os indivíduos, que voltarão
daquella celebre expedição á Europa ; na qual se deve notar , que se
não acha o nome de Pigafetta, senão o de hum Anlomo Ivmbardo, que
se diz ser elle. 4.0 A Viagem á roda do Mundo, do Cavalheiro Antó
nio Pigafetta; e a Carta de Maximiliano Transilvano, seu copista, pu
blicadas no Tomo 1. daCollecção de Ramusio. l':gafetta misturou com
a narração dos acontecimentos náuticos muitas fabulas absurdas, e risí
veis de sua invenção. Não obstante isso, tem servido de texto aos
Escritores estrangeiros, qué faltarão daquella Viagem; e he digno de
attençáo, por ser testemunha ocular dos suecesses , ainda que ignorante
em Navegação. j.° A Noticia das Expedições ao Estreito de Magalhães,
incluida na Relação da Viagem da Fragata Hespanhola Santa Maria da
Cabeça, impressa em Madrid em 1788. O Anonymo, que por Ordem
d' EIRei Catholico a escreveo , he hum Critico judicioso, que reveo, e
ar.al vsou quanto achou em Obras impressas , e manuscritas naquella ma
téria ; posto que alguma vez se enganou em citações, como mostrarei.
34?,

tima,'e capazes por estas circunstancias, de emprelien-


derem qualquer expedição, arri-cada.
Magalhães ,' e: Faleiro offerecerão-se ao Imperador
Carlos V. (que o foi pouco depois) para tentarem des
cobrir huma nova derrota para as Malucas (Ilhas, que
affirmavao estarem fora dos limites das Conquista? Por-
tuguezas na Ásia ), sem seguirem o caminho do Cabo
de Boa Esperança , mas achando alguma passagem do
mar do Norte ao do Sul , pois que a existência deste
havia já verificado Vasco Nunes de Balboa em 15*13.
A protecção, e diligencias do Cardeal Cisneros, e
a boa informação do Concelho vencerão todas as diffi-
culdades que se oppunhão á accepção do projecto, e
mallográrao os esforços de Álvaro da Costa, Embaixa
dor de Portugal , que procurava arredar Magalhães de
huma empresa tão prejudicial á sua verdadeira pátria;
e parece o havia já persuadido a voltar para Portugal(i);
mas ficou sem effeito esta utilissima negociação , que
pouparia muitas inquietações , e despesas.
Por ultimo Magalhães, e Faleiro contratarão com
o Imperador huma licença para poderem navegar , e fa
zer descobrimentos no mar Oceano, nos limites, e de
marcações de Castella; e para praticarem o mesmo no
mar do Sul, sempre dentro dos mencionados limites,
sem infringirem as demarcações de Portugal, ou faze
rem cousa alguma em seu prejuizo; com outras varias
clausulas, humas a favor dos dois Descobridores, outras
da Fazenda Real, de que se lavrou escritura em Valha-
dolid a 22 de Março de ij 18. E no anno seguinte, já
condecorados ambos cora o Habito de S.Tiago, e Postos
de Capitães , deo o Imperador em Barcelona hum R.e-
(1) Damião de Góes no Capitulo acima citado affirma ter rkto a
própria Carta de Magalhães a EIRei D. Manoel ; talvez este Grande Mo
narcha nío tinha então ideas precisai do merecimento de Magalhães,
illuJido por más informações dos seus inimigos.
343
gimento a Magalhães para a sua viagem, datado de 8
de Março deste anno, nomeando-o Capitão General da
Esquadra , com authoridade de nomear , e depor Com-
7)i andantes , e Officiaes, como lhe parecesse mais van
tajoso ao Real Serviço ; e para executar justiça ci
vil j e criminalmente em todos os indivíduos embar
cados na Esquadra , de qualquer classe que jossem.
Constava esta Esquadra de cinco navios: no pri
meiro, chamado a Trindade , embarcou Fernão de Ma
galhães (i), com seu cunhado Duarte Barbosa, e seu so
brinho Álvaro de Mesquita , levando por Piloto Este
vão Gomes, e por Contrâ-Mestre Francisco Alvo, am
bos Portuguezes, e o total da equipagem sessenta e dois
homens. Commandava o- segundo, chamado Santo An
tónio , João de Carthagena ; e os seus Pilotos o Astró
nomo André de S. Martin , e João Rodrigues Mafra ,
Portuguez ; e de equipagem cincoenta e cinco homens.
Gaspar de Quezada era Commandante do terceiro na-
yio , appellidado a Conceição ; Piloto João Lopes de
Carvalho, Portuguez, e Mestre João Sebastião de El-
cano; e o total quarenta e quatro pessoas. Do quarto,
chamado a Victoria , era Commandante Luiz de Men
donça, Piloto Vasco Gallego, e total quarenta e cinco
homens. Do ultimo navio, por nome S. Tiago, era
Commandante, e Piloto Mor da Esquadra João Serra
no, com 31 pessoas ; sendo o total dos indivíduos em
barcados duzentos e trinta e sete homens, em que en-
travão outros muitos Portuguezes. Destes cinco navios
erâo dois de cento e trinta toneladas , dois de noventa ,
e hum de sessenta, com víveres para dois annos.
No i.° de Agosto de 15*19 sahio a Esquadra de
Sevilha, e a ai de Setembro de S. Lucar de Barrame-

(O Ruy Faleiro não embarcou, por ficar doente de accejsos de


loucura.
344
da, com rumo a Canárias. Deo fundo em Tenerife, e
demorou-se quatro dias fazendo agm, e lenha : ali che
gou de Hespanha huma Caravela, que lhe levava dife
rentes efFeitos; por ella recebco Magalhães avisos par
ticulares, segundo se disse, de que os Com mandantes dos
navios hião com propósito de lhe não obedecer.
Partio de Tenerife a 3 de Outubro, dirigindo-se á
Costa de Guine, que avistou, onde sofFreo muitas cal
marias, e trovoadas; e tomando a volta do S. O. des-
cobrio terra do Brasil a 8 de Dezembro, julgando-se
em 19o 5*9' de latitude S. e a 13 entrou no Rio de Ja
neiro, a que deo nome de Bahia de Santa Luzia, e se
deteve até 27. Neste intervallo determinou o Astróno
mo S. Martin â latitude do Porto em 23o 4?' (1); e fez
outra observação para achar a longitude, que ainda que
delicada para aquelle tempo, deo hum grande erro, que
elle percebeo, mas nãq soube a que o attribuir.
Os índios receberão bem os Hespanhocs, trocavlo
os seus mantimentos por bagatellas da Europa, e offere-
cião hum escravo por hum machado; Magalhães prohi*
bio este ultimo trafico , por não augmentar bocas, que
lhe gastassem os víveres.
A Esquadra sahindo do Rio de Janeiro, navegou
para o Sul, e a 10 de Janeiro de 1J20 chegou ao Cabo
de Santa Maria , já descoberto por Soliz (2), alem do
qual virão hum monte fazendo em cima a figura de
bum chapeo, a que derão o nome de Monte Vidi (ho
je Monte Video) , que ficava na entrada do Rio da Pra
ta. Surgirão em, cinco braças, e Magalhães destacou o

O) A posição do Rio de Janeiro, no Observatório de S. Bento,


deduzida de muitas Observações, lie a seguinte : Latitude S. a»* Si'
jo"; Longitude ) 14." 51'.
(2) Joáo Dias de Soliz, hábil Piloto Portuguez, refugiado na Hes-
panlia , foi o descobridor do Rio da Prata, que por muitos annos con.
servou o seu nome. Ali foi morto, « devorado pelos índios cm 1515.
345
navio S. Tiago, para examinar se o Rio dava alguma
passagem para o mar do Sul, estando persuadido, que
a Natureza abriria algum canal de corumunicação en
tre ambos os mares-, e bem resoluto, em caso de não
descobrir nenhum , a rodear todo aquelle vasto Conti
nente, de que se não conheciao os limites, até dobrar o
ultimo Cabo. Regressou o S. Tiago passados quinze
dias, rendo só corrido vinte e cinco legoas, com a no
ticia de que o Rio se dirigia para o Norte. Magalhães
foi então pessoalmente a bordo do navio Santo Antó
nio examinar a largura do Rio na soa boca , e tornan
do ao ancoradouro, se fez á vela a 3 de Fevereiro. No
dia seguinte surgio para tomar huma agua que fazia o
Santo António. Seguindo a sua viagem ao longo da
terra , de dia a huma legoa de distancia , e de noite a
cinco , ou seis , tocou em hum baixo a Victoria , ainda
que sem receber damno. Chegados a 40" de latitude,
começarão a achar muitos frios, e máos tempos; e a 24
•de Fevereiro , fezendo-se por 42o 30', descobrirão huma
grande Bahia, a que chamarão de S. Matinas (1). Re-
gistou-a Magalhães , para se certificar se dava passa
gem ao mar do Sul; e não achando Canal, seguio a
Costa , e por ultimo ancorou a 2 de Abril na Bahia
de S.Julião, que suppôs em $oz de latitude (2); achan-
do-se a estação tão avançada, que os matinheiros não
podião marear as velas com frio.
Já nesta época tinha havido violentas disputas
entre elle e alguns dos Commandantes , por cuja causa
tirou o cominando do Santo António a João de Car-

(O Es(a Bahia tem de abertura vinte e cinco legoas, e quasi outras


tantas de seio: a sua ponta do Norte está na latitude 41° 3', e a do
Sul era 42° 4'. • s
(«) A ponta do Sul desta Bahia está na latitude 49o. 35', e longU'
tude jio° 50'.
44
346

thagena, mettendo-o preso a bordo da Conceição, e po»


do em seu lugar Álvaro de Mesquira.
Resoluro a passar nesta Bahia os roezes de Maio,
Junho , Julho , e Agosto, em que he a força do Inver
no, chamou a concelho os Omciaes, e Pilotos da Es
quadra para ouvir os seus pareceres sobre a navegação,
que restava a fazer; de que se originarão novas paixões,
porque elle não recebeo bem nenhum dos inconvenien
tes, que lheopposerao para que não proseguisse o desco
brimento; e declarou, que em entrando o Verão, segui-
Tia a sua derrota em demanda do Cabo, ou Estreito até
75:° ; allegando , que se os mares da Norwega, e Islân
dia , situados em maior altura, erao tão fáceis de nave
gar no seu respectivo Verão, como os da Hespanha, as
sim o serião aquelles. E como nesta pratica se mostrou
isento, e independente dos votos dos Commandantes, e
Pilotos , houve entre estes murmurações , dizendo os
principaes, que aquelle descobrimento não era provei
toso a Hespanha ; por quanto ainda qite naquelle Por
to , em que estavão, fosse o Cabo, ou o Estreito procu
rado, já não era clima para se navegar de tão longe;
e se os mares da Norwega % e Islândia se navegavão,
era por naturaes do Paiz , ou tão visinhos delle, que em
quinze dias podião chegar ao seu extremo : mas vir de
Hespanha passar a Linha, c correr a Costa do Brasil,
exigia seis, ou sete mezes de viagem, e em Climas tão
diversos, tudo isto era perdição de gente, e de riquezas,
que valião mais do que todo o Cravo das Malucas,
quando fosse tão fácil o caminho que restava a fazer
pelo outro mar, que ainda tinhao por descobrir.
A outra gente commum dizia, que Magalhães, por
se restituir na graça d'ElRei de Portugal, a quem of-
fendéra naquella empresa, os queria ir metter em parte,
«nde morressem todos , e depois tornar-se a Portugal.
Finalmente conspirarão-se os três Commandantes
347

João de Cartliagena , Gaspar de Quesada , e Luiz de


Mendonça para prender, ou matar Magalhães, e vol
tar para Hespanha; c attribuir depois todo o mal á sua
violenta conducta.
Magalhães, suspeitoso desta maquinação, enviou
hum escaler a bordo do navio Santo António, e por elle
soube que se achava ali Gaspar de Quesada , Comman-
da me da Conceição, o qual, havendo soltado a João de
Carthagena , rinha preso a Álvaro de Mesquita, e apu
nhalado ao Mestre João Elorriaga, que seguia o parti
do da lealdade. Ao mesmo tempo teve noticia, que Lui»
de Mendonça, Commandante da Victoria, surto na bo
ca da Bahia, estava também levantado; de maneira,
que de toda a Esquadra sô lhe restavão fieis o seu pró
prio navio Trindade, e o S.Tiago, Commandante João
Serrano, que ainda ignorava este suecesso.
Magalhães , que não gastava em deliberações o
tempo em que cumpria obrar com vigor, pôz logo a
seu navio prompto para dar batalha aos rebeldes; e co
mo sabia que na Victoria havia muitos homens honra
dos incapazes de fazerem huma sublevação, mandou a
seu bordo a lancha , e o escaler com trinta e cinco ho
mens escolhidos , ordenando ao Cabo , que os comman-
dara , que em quanto Luiz de Mendonça lesse huma
carta, que lhe levava Gonçalo Gomes de Espinosa, Mei
rinho da Esquadra, o matassem; o que cumprirão, re
duzindo o navio sem outro esforço á obediência do seu
General.
O Santo António vinha arriando a amarra , como
para abalroar a Trindade, a cuja insolente manobra res-
pondeo Magalhães com a sua artilheria ; mas observan
do que só apparecia na tolda Gaspar de Quesada, ar
mado de lança, e rodela, cessou o fogo, e abordou o na
vio, onde ?em resistência forão presos Quesada, e alguns
seus apaniguados, e postos a bom recado a. bordo da
44 ii
348

Trindade. Restava a Conceição , cujo Mestre João Se


bastião de Elcano, honrado Biscainho, quando Maga
lhães lhe mandou perguntar por quem estava aquelle na
vio ? Respondeo, entregando preso João de Carthagena.
Assim se restabeleceo o socego , e obediência em toda
a Esquadra. Restava punir os principaes culpados, não
sendo prudente castigar todos.
Gaspar de Quesada foi esquartejado vivo, e Luiz
de Mendonça já morto. E porque na Esquadra não ha
via algoz, deo Magalhães a vida a hum creado de
Quesada, cúmplice na traição do amo, para exercer
este officio. Perdoou-se a João de Carthagena a morre
natural, comrhutando-a em outra civil de perpetuo de
gredo naquella terra ; c com elle ficou também hum
Clérigo, que tinha a mesma culpa d), com algum bis-
couto para seu sustento.
Durante a invernada neste Porto de S. Julião pas
sarão as equipagens grandes incommodos, empregadas,
a despeito dos trios, em reparar os navios destroçados
•de tão comprida navegação. Aqui tratarão a primeira
vez com os nituraes, porque mandando Magalhães entrar
pela terra dentro alguns homens a descobrir > e obser-
(O O Author da Noticia das Expedições ao Estreito de Magalhães,
já citado, diz na nota }.* a p»g. 189, que com João de Carthagena
ficou abandonado em tetra hum Clérigo Portugucz chamado Pedro San
ches de Rcyna: e cita os testemunhos de Pigafetta , e de João de Bar
ros. Eis-aqui as palavras de Pigafetta no Tomo t. de Rainusio , pag.
391 : „ Ma Giouanni di Cartagenia lo fecero smontare in terra, e Hv-
,, siente con 1111 prete lo lasciarono in quella terra di Patagoni. ,, João
de Farros, no lugar citado por aquelle Author, explica-se deste modo:
„ E a João de Catthagena foi perdoada aquella morte natural, e bou-
,, ve outra eivei de perpetuo degredo naquella erma terra; e com elle
„ ficou também hum Clérigo, que tinha a mesma culpa, com trinta
„ arraies de pão a cada hum para se manter.,, Ttanwlvano, relatando
o acto d.' justiça, que fez Magalhães, não falia da ultima circunstancia,
particularisaia pelo Author Hespanhol. O Doutor Ortega, na sua Obra
jj mencionada, pig. 1 j , diz que o Clérigo era Francez : mas parece
cue o seu appeílido he Hespanhol.
349

vai se se ouvia da outra parte algum tom do mar,


promettendo mercês a quem trouxesse boas novas ; pe
netrarão estes vinte legoas pelo sertão , em que gastarão
dez dias , e conduzirão huns índios corpulentos , vesti
dos de pelles (i), aos quaes deo Magalhães alguns pre
sentes, e reteve dois dias a bordo cora intenção de os
trazer a Hespanha ; mas durarão pouco, por serem cos
tumados a outros alimentos; os Hespanhoes derão-lhes
o nome de PatagÕes.
Neste mesmo tempo o navio S. Tiago , Comman-
dante João Serrano, enviado por Magalhães a ver se
achava algum Cabo, ou Estreito, descobrio cousa de
vinte legoas ao Sul de S.Julião hum formoso Rio, a
3ue chamou de Santa Cruz (2) , onde se demorou seis
ias, matando muitos lobos marinhos; e vendo que não
havia por ali canal de communicação, sahio para o
Sul; porém apenas teria navegado três legoas, deo-lhe
hum vento mui rijo -de travessia , que lhe rasgou todo
o panno , e deo cora o navio á costa , salvando-se toda
a gente: os mais bem dispostos vierão por terra buscar
a Esquadra , no que gastarão onze dias , padecendo
tantos frios , e fomes , que quando chegarão a S. Ju
lião, quasi os não conhecião os companheiros; e Ma
galhães mandou promptamente buscar os outros em hu-
rna lancha.
A 24 de Agosto se fez Magalhães á vela com os
quatro navios, que lhe restavão, deixando enterrados

(1) A existência dos Gigantes Patagóes está hoje demonstrada por


fabulosa , pelo unanime testemunho dos melhores Navegantes , reduzin*
do-se a verdade do facto a que estes índios são em geral membrudos,'
e apessoados. Pigafetta foi o primeiro inventor desta fabula, copiada,
e ornada por Transilvano , e acreditada por Authores faltos de critério,
e de boas noticias.
(2) A ponta do Sul do Rio de Santa Cruz, na Costa Patagonia ,.
está situada na latitude S. 50o 18' )o'', e longitude $09° 48'.
380

alguns homens, que fallecèrâo de frio, e de (rabalbo,


e costeando a terra , entrou no Rio de Santa Cruz, por
achar os tempos mui verdes. Tornou a sahir a 18 de Ou
tubro, e a 21 descobrio hum Cabo, a que chamou das
Virgens, por ser o dia da sua Festa, o qual situou em ci*
de latitude, e de longitude 52o 30', e ao Sul em distan
cia de cinco legoas se via outra ponta formando a boca
de hum Estreito (1), que pelas fortes marés, e outros
signaes inferio ser hum Canal, que poderia dar passa
gem para o outro mar; e mandou por isso fazer gran
des festas em os navios. E porque entre a gente havia
rumor sobre os poucos viveres, que existião , públicos
hum bando prohibindo com pena de morte, que se fil
iasse em falta de mantimentos; e embocou o Estreito,
que em partes tinha huma legoa de largura, e em outras
mais ou menos, cercado de huma e outra banda de ter
ras altas, algumas escaldadas dos ventos, e outras com
arvoredo ; c nos cumes das montanhas via-se jazer a
neve, como que ali ficara sem se derreter, e alguma de
clinava a cor celeste.
Tendo já navegado pelo Estreito obra de cincoert-
ta legoas, achando pelas margens Enseadas, Rios, o
esteiros, que entravão pela terra, passou huma gargan
ta mais estreita entre duas serras altas, e além delia via
Magalhães, que o Canal se dividia em dois braços;
mas não podendo saber qual delles o conduziria ao mar,
destacou pek» braço do Sul a Álvaro de Mesquita no
navio Santo António, para o examinar; e pelo outro
huma lancha, que logo regressou, tendo reconhecido
somente doze legoas de Canal. Mesquita levava ordem
de tornar em três dias com as noticias do que achasse,
<i) A boca do Estreito de Magalhães he formada por dois Cabos : o
do Norte chama-se da» Virgens, situado na Latitude S. de j z" ao", e
longitude joo° 44' JO-"; e o do Sul he o Cabo do Espirito Santo, la
titude jz5 45' }©", e- longitude $0.9" jo'.
351
e sendo já passados seis, mandou outro navio a buscallo;
e voltando este dahi a três dias sem noticia alguma del-
k disse Magalhães ao Astrónomo S. Martin, que pro»
enosticasse pela hora da partida , e a sua interroga
ção j o qual respondeo , que achava ser o navio tornado
para' Hespanha , e que o Commandatite hia preso (i).
E posto que Magalhães não desse muito credito a isto,
todavia assim aconteceo ; porque o Piloto Estevão Go
mes, Portuguez, e o Thesoureiro Jeronymo Guerra, com
o favor da gente já enfadada de tão trabalhosa viagem ,
maltratarão, e prenderão o Commandante em ferros, e
crigindo-se o Guerra em Commandante, navegarão pa
ra a Europa : passarão de caminho por onde havião dei
xado João de Carthagena , e o Clérigo , e nos fins de
Março de ifn chegarão a Hespanha estes fracos deser
tores, inimigos da gloria do seu Soberano, e da sua
pátria.
Magalhães vendo-se sem aquelle navio , em que
hia seu sobrinho com outros Portuguezes, e que só tinha
agora a seu favor Duarte Barbosa , e alguns poucos de
que se poderia ajudar, pois toda a gente Hespanhola es
tava delle escandalizada, alem do aborrecimento que lhe
causava aquella viagem, ficou tão confuso, que se não
sabia determinar; e para justificar-se com estes de que
se receava , passou dois mandados de hum theor para
os dois navios, sem querer que as pessoas principaes
delles viessem a seu bordo , como homem que não fol
gava de ver ajuntamentos no seu navio; e a copia do

O) Naqoelle século confundia-se a Astronomia com a Astrologia Ju


diciaria; mas no caso presente era fácil conjecturar o que succedeo,
porque sendo Álvaro dí Mesquita sobrmbo do General, e por isso inte
ressado na floria deste , e na sua própria , não podia abandona! lo, senão
forçado pelos seus Officiaes, e guarnição, cujo descontentamento, e
rouco zelo do serviço do Imperador eráo bem sabidos, e provados pelos
factos antecedentes.
352
que foi á Victoria, de que era então Commandante
Duarte Barbosa , e a resposta de André de S. Martin,
que alli se achava embarcado, são da maneira seguinte:

Mandado.
»» Eu Fernão de Magalhães, Cavalleiro da Ordem
> de S. Tiago, e Capitão General desta Armada, que
» Sua Magestade enviou ao descobrimento da Especía-
> ria, &c. Faço saber a Vós, Duarte Barbosa , CapL
» tão da Não Victoria, e aos Pilotos, Mestres, e Con-
> tra-Mestres d'ella , como eu tenho sentido, que a to-
> dos vos parece coisa grave estar eu determinado de ir
» adiante, por vos parecer que o tempo he pouco para
> fazer esta viagem , em que himos. E por quanto eu
y sou liomem, que nunca engeito o parecer, e conselho
, de ninguém , antes todas minhas coisas são pratica-
> das, e communicadas geralmente com todos, sem que
> pessoa alguma de mim seja affrontada , e por causa
> do que aconteceo no Porto de S.Julião sobre a mor-
» te de Luiz de Mendonça , e Gaspar de Quesada , e
> desterro de João de Carthagena , e Pedro Sanches ,
> Clérigo, vós outros com temor deixais de me dizer,
» e aconselhar tudo aquillo , que vos parece que lie ser-
» viço de Sua Magestade, e bem, e segurança da dita
> Armada, e não mo tendes dito, e aconselhado: errais
y ao serviço do Imperador Rei Nosso Senhor, e is con-
> tra o juramento, e pleito, e homenagem que me ten-
> des feito. Pelo qual vos mando da parte do dito Se-
y nhor, e da minha rogo, e encommendo, que tudo
> aquillo que sentis, que convém á nossa jornada, as-
> sim de ir adiante , como de nos tornar , me deis vos-
> sos pareceres por escrito cada hum per si : declarando
» as causas, e razões porque devemos ir a diante, ou nos
> tornar, não tendo respeito a coisa alguma , porque
353
>j deixeis de dizer a verdade. Com as quaes rasões , e
>» pareceres direi o meu , e determinação para tomar
»» conclusão no que havemos de fazer. Feito no Canal
» de todos os Santos defronte do Rio do llhco , em
» quarta feira 21 de Novembro, em 53°, de 15:20 annos.
» Foi notificado por Martim Mendes, Escrivão da di-
» ra Náo em quinta feira 22 dias de Novembro de
» 15*20 annos. »

Resposta.

» Ao qual dito Mandado eu André de S. Martin


« dei, e respondi meu parecer, que era do theor se-
>> guinte:
r> Mui magnifico Senhor, visto o Mandado de Vos-
»» sa mercê, que quinta feira 22 de Novembro de i^o
»» me foi notificado por Martim Mendes, Escrivão desta
» Náo de Sua Magestade chamada Victoria, pelo qual
>» com effeito manda que dê meu parecer acerca do que
» sinto, que convém a esta presente jornada, assim de
» ir adiante, como tomar, com as razões -que para
» hum, e para o outro nos moverem, como mais largo
>» no dito Mandado se contem, digo: Que ainda que
>» eu duvide, que pòr este Canal de Todos os Santos,
»» onde agora estamos, nem pelos outros que dos dois
99 Estreitos para dentro estão, qne vão na volta de Les-
99 te, e Lesnordeste haja caminho para poder navegar
n a Maluco , isto não faz , nem desfaz ao caso , para
>» que não se haja de saher tudo o que se poder alcan-
»» çar, servindo-nos os tempos, em quanto estamos no
9» coração do Verão. E parece que Vossa mercê deve
>» ir adiante por elle agora , em quanto temos a flor do
» Verão na mão; e com o que achar , -oh descubrir até
y» meado do mez de Janeiro, primeiro que virá de 152!
99 annos, Vossa mercê faça fundamento de tornar na
45
354
volta de Hespanha, porque d'ahi adiante os dias min-
goão ja de golpe, e por razão dos temporaes hão de
ser mais pezados, que os de agora. E quando agora
que temos os dias de dezasete horas , e mais o que
he de alvorada, e depois do Sol posto, tivemos os
tempos tão tempestuosos, e tao mudáveis, muito mais
se espera que sejão quando os dias forem descendo
de quinze para doze horas, e muito mais no Inver
no, como ja no passado temos visto. E que Vossa
mercê seja desabocado dos Estreitos a fora para de
todo o mez de Janeiro; e se puder neste tempo, to
mada a agua, e lenha que basta, ir de ponto em
branco na volta da Bahia de Calez Cadix),ou Por
to de S. Lucar de Barrameda, donde partimos. E fa
zer fundamento de ir mais na altura do Polo Austral
do que agora estamos, ou temos, coroo Vossa mercê
o deo em instrucção aos Capitães no Rio da Cruz,
não me parece que o poderá fazer por a terribilida-
de , e tempestuosidade dos tempos ; porque quando
nesta, que agora temos, se caminha com tanto tra
balho, e risco, que será sendo em 6o°, e 75o, e mais
adiante, como Vossa mercê disse, que havia de ir
demandar Maluco na volta de Leste, e Lesnordeste,
dobrando o Cabo de Boa Esperança, ou longe d'clle,
por esta vez não me parece ; assim porque quando lá
formos seria ja no Inverno , como Vossa mercê me
lhor sabe , como porque a gente está fraca , e desfa
lecida de suas forças ; e ainda que ao presente tem
mantimentos que bastem para se sustentar, não são
tantos, e taes, que sejão para cobrar novas forças,
nem para comportar trabalho demasiado, sem que
muito o sintão em o ser de suas pessoas; e tachem
vejo dos que cahem enfermos, que tarde convalescem.
E ainda que Vossa mercê tenha boas Náos , e bera
aparelhadas (louvado Deos), comtudo ainda fale*
355
w cem amarras , em especial a esta Náo Victoria ; e
tf alem disso a gente he fraca, e desfalecida , e os man-
»» timentos não são bastantes para ir pela sobredita via
»> a Maluco, e de ali tornarem a Hespanha. Tãobcm
» me parece que Vossa mercê não deve caminhar por
» estas costas de noite, assim por a seguridade das Nãos,
»» como porque a gentetenha lugar de repousar algum
» poiíto: cá tendo de luz clara desanove horas, que
>» mande surgir por quatro, ou cinco horas que ficão de
»> noite. Porque parece coisa concorde á razão surgir
»» por quatro, ou cinco horas que ficão de noite, por
»» dar (como digo) repouso á gente, e não tempestear
»> com as Nãos c aparelhos : e o mais principal por
»> nos guardar de algum revez, que a contraria fortuna
» poderá trazer, de que Deos nos livre. Porque quando
>y em as coisas vistas, e olhadas soem acontecer, não lie
5» muito temellos em o que ainda náo he bem visto,
>t nem sabido , nem bem olhado, senão que faça surgir
» antes de huma hora de Sol» que duas léguas de ca-
»> ruinho adiante, e sobre noite. Eu tenho dito o que
» sinto, ç o que alcanço por cumprir com Deos, e com
»» Vossa mercê, e com o que me parece serviço de Sua
»» Magestade , e bem da Armada : Vossa mercê faça
■>■> o que bem lhe parecer, e Deos lhe encaminhar: ao
s» qual praza de lhe prosperar vida, e estado, como
»» elle deseja. j> ■
Magalhães recebendo este parecer, e os dos outros
Officiaes, como sua intenção não era tornar atraz por
cou-a alguma , c só fizera este cumprimento por sentir
que a gente andava descontente, e assombrada do cas
tigo que dera aos rebeldes , fez huma longa réplica ,
em que deo largas raztíes para irem avante; e que ju
rava pelo Habito de S. Tiago, que assim lhe parecia,
e que todos o seguissem, porque esperava na piedade
de Deos, que os trouxera áquelle lugar, e lhes tinha
■iò ii
356
descoberto aquelle Canal rão desejado, os levaria ao
termo da sua esperança. Ao outro dia, com festas, e
salvas de artilheria , mandou levar ancora , e proseguio
seu caminho; e sem ter visto índio algum, mais que
alguns fogos na Costa do Sul, a que por esta causa deo
nome de Terra do Fogo, desembocou a 26 de Novem
bro com os seus três navios no mar do Sul, a cuja uí-
tima ponta chamou Cabo Desejado (*).
Entrado no mar do Ponente, a que deo o nome
de Pacifico, afastou-se da terra, navegando ao N. O.
Em cr0 30' correo ao Norte, para se aproximar da Equi
nocial , fazendo vários rumos entre N.O. e N.N.E. até
16 de Dezembro, que estando em 36" 30', arribou para
o N. O. A 4 de Janeiro, em 18o de latitude seguio o
caminho de Oeste até ao dia 18, que tornou ao N.O.
A 20, estando em 15"', navegou 30 legoas a O. S. O.
e depois correo a O. N. O. A 24, achando-se em 16*
ic' de latitude Sul, vio huma pequena Ilha deshabira-
da , a que deo o nome de S. Paulo, ou a Desaventu-
rada (2). A 31 tornou ao rumo de N. O. e a 4 de
Fevereiro em 11° c' achou outra Ilha, a que chamou
dos Tubarões, pelos muitos que ali havia.
A 13 cortou a Linha, e continuou a navegar com
a proa ao N. O. o que foi a causa de não achar as
Malucas, as qnaes de ceFto encontraria, se desde então
seguisse para Oeste (3).
(1) A boca do Estreito no Oceano Pacifico he formada da banda
do Norte pelo Cabo Victoria, situado na latitude 52° 25', e longitude
30j" 15'; e da parte do Sul pelo Cabo Pilares, situado na latitude S.
52o 46', e longitude joj° 18'. O Cabo Desejado be buma Ponta de
terra próxima ao Cabo Pilares.
(2) Esta llhaacha.se na latitude S. H50 tf':
O) Magalhães não tinha noçóes exactas das Malucas; sabia somente
pelas cartas do seu intimo amigo João Serrão, que ficavão debaixo do
Equador (estão alguns minutos ao Norte') ; mas em quanto á sua longi
tude, era maior a incerteza, e tanto mais, quanto Serrão bavia exage»
357
A 6 de Março era 13o de latitude Norte achou
muíras Ilhas bem povoadas, cujos habitantes crao tão
inclinados ao roubo , que furta vão quanto podião al
cançar, e por isso ficarão com o nome de Ilhas dos
Ladroes. Aqui se refizerao de alguns víveres, de que ti-
nhão extrema necessidade.
Continuando a navegação, descobrirão hum Archi-
pelago de Ilhas , que denominarão de S. Lazaro ( são
as Filippinas); e em huma delias chamada Mazaguá
fez Magalhães amizade com o Regulo , entendendo-se
por meio de huma sua escrava natural da Sumatra.
Delle recebeo víveres, e práticos, que o levarão á Ilha
de Zebut, situada em 10" de latitude, tendo dez legoas
de contorno, onde Magalhães ancorou a 7 de Abril , ç
achou nella ouro, e tanto gnzalliado no Regulo, que o
quiz fazer Christão, o que elle acceitou, baptizando-se
debaixo do nome de Fernando , com sua mulher , e fi
lhos, e mais de oitocentas pessoas; porém foi mais por
artificio, que por devoção. Por quanto andava em guer
ra com o Regulo da ilha de Matan, visinha da de Ze
but, contra o qual lhe pedio auxilio, e Magalhães, pe
lo comprazer, sahio a atacar Matan com três lanchas,
em que levava sessenta homens , e desembarcando na
Ilha , ainda que duas vezes rechaçou os inimigos , que
erão mais de três- mil , na ultima acção a 27 de Abril
rado a distancia a que estavão de Malaca. Accrcscia a esta difficuldade
outra talvez maior; Serrão tinha ido ás Malucas partindo de Malaca,
navegando assim dentro do hemisfério Oriental , e Magalhães viuha
buscallas pelo Occidente , atravessando immenso espaço de mar inteira
mente desconhecido-, que a sua própria opinião figurava muitn menos
extenso; e em hum século, em que faltavão os rr.eios para se determi
nar a longitude a bordo de hum navio com alguma segurança. Em con
sequência, passado certo tempo, e vendo elle sem resultado o pluno da
viagem , que concebera r cráo ter já despassado as Malucas , e achar-se. a
Oeste delias; e neste embaraço tratou de achar alguma Ilha, em que.
lhe dessem noticias do rumo, e distancia a que lhe ficarão..
358
Foi cercado, e forçado a buscar o abrigo das lanchas,
havcndo-se acabado a pólvora aos seus soldados. Nésra
retinida, antes que os Hespanhoes se embarcassem mor-
rco Magalhães, que cobria a retaguarda, pelejando bra
vamente, e outros seis ou sete homens, em que entrou
o Astrónomo André de S. Martin, e Chrisrovão Rebel-
lo, Portuguez.
Os Hespanhoes que escaparão, reunidos em Ze-
bur, elegerão por General a Duarte Barbosa, e por seu
immediato ao Piloto Mor João Serrano. Succedeo lo
go outro desastre, que foi contratarem pazes os dois Ré
gulos inimigos, com condição de que o de Zebut trar
balhasse pelos matar a todos; e porque não pôde mais,
colheo vinte e quatro dos principaes, inclusos Duarte
Barbosa, e João Serrano, e com simulação de lhes dar
hum banquete, os assassinou á traição, ficando só vivo
Serrano, que foi conduzido á praia para ser resgatado a
troco de duas peças de artilheria, e alguma pólvora; po
rém occorrérão taes circunstancias, que os Hespanhoes,
temendo novas traições, por conselho de Gonçuo Go
mes de Espinosa, se fizerão á vela no mesmo dia i.° de
Maio, e forão surgir na Ilha de Buhol, duas Icgoas
desta, situada em o° 30', onde elegerão por seu Gene
ral ao Piloto João Lopes de Carvalho , que fazendo
alardo da gente, achou por todos cento e quinze pes
soas. Resolveo se em concelho não ser possível guarne
cer os três navios, c em consequência queimou se o cha
mado Conceição , repartindo a equipagem pelos outros
dois.
Continuando a sua navegação, visitarão algumas
Ilhas, em que comprarão mantimentos, e a 8 de Julho
ancorarão na de Borneo. Aqui foi deposto do comman-
do supremo João Lopes, e eleito em seu lugar Gonçalo
Gomes de Espinosa , e por Commaridante da Victoria
João Sebastião de Elcano.
359
Finalmente correndo de Ilha em Ilha forao fcr ás
Malucas, conduzidos por Pilotos práticos, que obriga
rão a isso, e a 8 de Novembro entrarão em Tidore,
de cujo Rei forao bem recebidos , por estar descontente
dos Portuguezes. Em hum mez, que se detiverao ,. carre
garão de cravo, e por intervenção de hum máo Pqrtu-
guez chamado João de Lourosa ( degolado depois por
traidor em Ternare), passarão á Ilha de Banda. Daqui
sahírao para a Europa , mas o navio Trindade arribou
duas vezes com agu.i aberra , e da segunda se entregou
aos Portuguezes, tendo-lhe morrido trinta e sete homens
de fome, e de doenças; e achando-se os outros em tal
estado, que nem mover-se podião. António de Brito,
Governador das Malucas, e D. Garcia Henriques trata
rão os Hespanhoes com a maior humanidade, e o seu
Commandante Espinosa passou á índia com alguns dos
seus, e veio a Portugal em 15*26.
Elcano levando na Victoria de guarnição quarenta
e seis Hespanhoes, e treze índios, começou a sua via
gem para a Europa a 21 de Dezembro de 15" 21 : tocou
nas Ilhas de Maluá, e Timor, e nesta houve hum mo
tim a bordo, que custou algumas vidas. Partio daqui
a 11 de Fevereiro; navegou por grande altura a dobrar
o Cabo de Boa Esperança, para evitar o encontro de
navios Portuguezes, soffrendo máos tempos, e muita
falta de víveres. A 8 de Maio vio a Costa d'Africa : a
30 de Junho estava a vinte c cinco legoas de Cnbo Ver
de. Fez-se concelho para saber se nas Ilhas, ou na ter
ra firme deverião remediar a penúria de mantimentos,
em que se acliavão, havendo-lhes morrido desde a pas
sagem do Cabo vinte e huma pessoas: decidio-se ir ás
Ilhas. A 9 de Julho ancorarão na de S. Tiago , e no
tarão com espanto, que estavão em quinta feira, cui
dando estarem na quarta ; o que attribuírão'.a engano
seu , não o sendo. • *■
360
Querendo os Hespanhoes comprar em terra alguns
Negros, e pagallos cm cravo, retiverão os Portugue-
zes hum escaler com treze homens; e Eicano receando
maiores inconvenientes, dóo á vela só com dezoito pes
soas. A 4 de Setembro de 15-21 vio o Cabo de S. Vi
cente, ea 7 entrou em S. Lucar deBarramcda com quasi
três annos de viagem, e a gloria de ser o primeiro Na
vegante que deo volta ao Mundo, em que pela sua es
tima navegou qúatorze mil legoas, cortando seis vezes
a linha.
15*20. — Neste anno mandou EIRei vir á Corte (1)
Vasco Fernandes César, que com grande reputação ser
via em Azamor o cargo de Adail , e lhe deo o cominan
do de huma Caravela bem armada, para cruzar sobre
as Costas de Barberia , para onde partio, e nas aguas
de Alcácer encontrou duas Galeotas Mouriscas guarne
cidas de gente, e artilheria , que o vierão buscar á voga
arrancada, cuidando o tomanao do facilmente, como
pouco antes liavião feito a duas embarcações Portugue-
zas carregadas de materiaes para as obras de Tanger.
Vasco Fernandes forçou de vela para lhes poupar
o caminho; mas os Mouros conhecendo ter que tratar
com hum navio de guerra, pozerão-se em fuga, e huma
das Galeotas, que bolinava melhor do que a Caravela,
escapou ; a outra perseguida , c acossada a tiros de ca
nhão, varou na terra. Vasco Fernandes desembarcou
logo na lancha, que conduzia a reboque, e investindo
com os Mouros, matou dezoito; e antes que o resto
delles escapasse na serra, chegou Pedro Alvares de Car
valho, Governador de Alcaçar, avisado do conflicto pe
lo ruido da artilheria, o qual ainda colheo trinta prisio
neiros, que se venderão em Alcácer, de cujo produeto
pertenceo metade á Caravela , e EIRei fez mercê deste

(1) Vede Góes , Parte 4. Cap. $7.


361
dinheiro a Vasco Fernandes César, que havendo reco-,
l.hido quanto pôde aproveitar da Galcota , e inutilisado
o casco, continuou o seu cruzeiro.
1)20. — A Esquadra que este anno foi á índia ,
constava do dez Nãos (i) , de que era Chefe Jorge de
Brito, e os outros Commandantes Pedro Lopes de Sam
paio , Pedro Lourenjo de Mello, Gaspar da Silva, Lo
po de Azevedo, Pedro da Silva, Lopo de Brito, Pedro
Annes Franeez, Ruy Vaz Pereira, e André Dias, no
meado Feitor para dirigir na índia a carga dos navio».
Jorge de Brito levava commissao secreta para ir
fazer huma Fortaleza em alguma das Ilhas Malucas , e
a esse fim enviou EIRei ordens particulares ao Gover
nador da índia, para lhe fornecer navios, e quinhentos
soldados, com todos os Officiaes necessários para a sua
guarnição. ,
Partio a Esquadra de Lisboa a 6 de Abril de i^o,
e ainda que navegou hum pouco espalhada , todos os
.navios chegarão a Goa no mez de Setembro.
iyxi. — Este anno mandou EIRei huma Esquadra
composta de dez navios grandes, commandada por Si
mão da Cunha , a levar dinheiro para pagamento das
Praças da Berbéria (como costumava fazer todos os an-
nos); commissao que cumprio; e gastando o reíto da
estação favorável em cruzar no Estreito, e Costas de
.Africa , se recolheo a Lisboa no começo do Inver-
jio (2).
. 15 21. — A f de Abril de 15" 21 partio de Lisboa
para Governador da índia D. Duarte de Menezes, a
quem EIRei concedeo maior ordenado, que até ali ha
via dado a Governador algum , pois com os emolumeu-
(1) Earros, Década $. Liv. 4. Cap. 7. — Couto, Década 10. Cap.
16» — laria, Ásia Portujueza. Góes não falia nesta Es.juadra,, a en
tre p* outros Escritores ha diversidade nos nomes, dos Commanílaiites.
(i) . Goss, Parte 4. Cap. 78. — Fr. Manoel, Homem , Cap, ao..
4o
362
tos chegava a trinta mil cruzados. Compunha-se a Es
quadra de onze Náos, cujos Commandantes eráo: D.
Luiz de Menezes, irmão do Governador; D. João de
Lima (i) ; D. Diogo de Lima ;. João de Mello da Sil
va; Francisco Pereira Pestana; D. João da Silveira;
Diogo de Sepúlveda; Gonçalo Corrêa d"e Almada , Ar
mador da própria Náo ; Vicente Gil , também Arma
dor; e António Pisco.
Com esta Esquadra santo outra de quatro Náos
destinada para a China , çommandada por Martim Af-
fonso de Mello , e os outros Commandantes Vasco Fer
nandes Coutinho, Diogo de Mello, e Pedro Homem.
Ambas chegarão a salvamento á índia nos fios de Agos
to , ou princípios de Setembro.
Após estas duas Esquadras partio Sebastião de Sou
sa por Commandante de duas Náos, e hum navio pe
queno; os outros dois erão João de Faria, Cavalieiro
da Casa d'ElRei, e Henrique Pereira. Levava elle or
dene para construir huma Fortaleza no Porto de Mara-
tana , em consequência de haverem informado a EIRei ,
que seria conveniente acharem ali aguada, e mantimen
tos os navios que fossem á Índia por fora da Ilha de
S. Lourenço , o que acontecia a alguns, forçados do
tempo; e para esse fim conduzia esta Esquadra os Ar-
tifices, e materiaes necessários.
Sebastião de Sousa chegou- só á Ilha de S. Louren
ço, por se haverem apartado delle a outra Náo, e o
navio, que se não tornou mais a ver. Tendo ali espe
rado muitos dias, e vendo que não apparecião, julgou
ambos naufragados, e fbi-sc para Moçambique, onde
invernou» No anno seguinte se fez á vela para Goa , e

(O Castanheda, Liv. 5. Cap. 69. — Barre», Década 1. Liy. 7.


Cap. 1. — Couto, Década 10. Cap. 16. — Góes, Parte 4. Cap. 6><
— Fr. Manoel Homem, Cap. 39. — Fatia, Ásia Portugueza.
363

no caminho encontrou João de Faria, que lhe disse haver


ancorado antes delle em Matatana, e que por cuidar
seria perdido, se fora para a índia. Reunidas as duas
Náos, chegarão a Goa , e estando a partir para S. Lou
renço, vierao de Portugal ordens d'ElRei D. João III.
ao Governador da índia , para que se não construísse
Fortaleza alguma de novo, e somente se concluíssem
as começadas.
15:21. — Continuando Vasco Fernandes César (1) a
guardar o Estreito , teve aviso, que a Leste do Morro
de Gibraltar estavão quatro navios artilhados, que no
dia antecedente tinhão tomado huma Caravela mercante
Portugueza , a qual a Capitanea trazia a reboque. Vas
co Fernandes, que hia de caminho para Ceuta, soltou
logo a busca-los, e vendo a Capitanea atarlavcnto, e
mui afastada dos outros, passou- 1 be á falia , e pergun
tou , que navio era? Ao que responderão içando ban
deira Ingleza , e acenando-lhe que amainasse. Vasco
Fernandes prolongou-se então pela sua aMieta, e rom
pendo os Inglezes o fogo, sem descontinuarem de fazer
signaes , que amainasse, respondeo vigorosamente cora
a su.i artilheria, o que deo occasião á Caravela mer
cante de cortar o cabo do reboque, e fugir.
Depois de duas horas de conibate, achava-se Vasco
Fernandes com seis, oh sete homens mortos, e mais de
vinte feridos, quando o seu Condestavel , que era hum
Alemão chamado Hansfreis, mui -corpulento, e valen
te, o qual a pezar de quinze ferida* causadas pelos esti
lhaços da madeira , não queria curar-se dizendo, que ou
havia morrer, ou fazer amainir aquelle navio, e todos
os outros, se viessem; pegou em hum Falcão-pedreiro,
cujo leme assentou no hombro, e apontando-o ás osta-
gas do navio Inglez, pedio a outro Artilheiro Alemão

(1) Góes , Parte 4. Cap. 78.


46 H
3C4

(todos os da Caravela erao desta Nação) ,. que lhe po-


zesse fogo em elle o advertindo ; e desta maneira fez
três tiros, com que lhe cortou as ostagas , e parte do
mastareo : outra bala de hum grosso canhão, que a Ca
ravela trazia na proa, entrando pela popa do navio ,
correo toda a coxia , e lhe levou parte da abita. E ven-
do-se os Inglezes alem destas avarias, com vinte ho
mens mortos , e muitos feridos, arrearão o resto do pan-
no: os três na.vios da sua conserva, que lhe não podião
acudir por estarem sotaventeados, fizerão o mesmo.
Vasco Fernandes César, cessando o combate, or-
denou-lhes que mandassem hum escaler a seu bordo, o
que cumprirão; e dando algumas desculpas sobre o fa
cto da Caravela Portugueza , que elles afirmarão tra
zerem comsigo para a livrar dos Corsários Mouros, que
por ali andavão, se forão reparar a Cadiz, e Vasco
Fernandes a Ceuta.
15,21*. — Nesta Praça reparou as avarias do seu bri
lhante combate, e se refez de nova gente, e muni
ções , e sahindo a cruzar , encontrou entre Marbellà > e
o Morro (1) seis Galeotas de Mouros, que dividindo-
Se em duas esquadras iguaes , a vierão buscar com gran-
, des alaridos, como quem tinha por segura a vicroriá ,
disparando sobre a Caravela muitos tiros de canhão, e
de mosquete; mas tiverão tal resposta , que não ousa vão
aproximar-se. Vasco Fernandes, conhecendo o seu re
ceio, fez remar vigorosamente contra as três Galecras
. que lhe ficavao mais a geito, e estavão mui juntas, hu-
. ma- das cjuaes era a Capitanea ; e esta foi a que recebeo
todo o damno , porque as balas da Caravela lhe varre
rão a chusma, e quebrarão os remos de hum lado, com
( que ficou desaparelhada , e adernada L banda. Acudi-
rão-lhe todas as outras, que a recolherão entre si; e ten-

(1) Góes , Parte 4. , Cap. 58:'


365
tarão então abordar a Caravela , com O mesmo infeliz
successo ; porque Vasco Fernandes, manobrando habil
mente, apresentava-lhes sempre a proa, e com tiros de
coxi.a destroçou outra Galeota , mat3ndo-lhe a maior par
te dos rerueiros: o que causou tal terror nos Mouros,
que só cuidarão era fugir, aproveitando o vento para
a Costa de Barberia fronteira r seguidos algum espaço
por Vasco Fernandes, que por ultimo entrou em Mála
ga ,. para enterrar alguns mortos , e curar os feridos ,
que erao poucos.
Voltando depois a Lisboa nos fins de Dezembro,
ElRer D. João III. lhe mandou acrescentar ao escudo das
suas Armas, as seis Galeotas, e por timbre outra.
ijii. — Para transportar á Itália a Infanta D. Bei
res, desposada com o Duque de Sabóia, mandou El-
Rei preparar huma Esquadra , de que nomeou General
(i) a D. Martinho de Castello Branco, Conde de Vil-
la Nova de Portimão, corri poderes para todos os casos
eiveis, e crimes , até' morte natural. Constava de dez
Náos, dous Galeões, quatro Galés Reaes, huma Cara
vela, huma Fusta, e hum transporte com objectos da
Uxaria. Das quatro maiores1 Náos- era Capitanea a San
ta Cathariha, de oitocentas toneladas, feita' na índia,
as outras três erão, huma de 65D toneladas, outra de
350, e outra de 300; e as seis restantes mais peque
nas. Os Commandantcs dè que achei os nomes, crão
D. Francisco de Castello Branco-, filho primogénito' do
Gonde General; D.- Francisco da Gama, primogénito
do Conde Almirante D. Vasco da Gama; © Marechal
D. Álvaro Coutinho, Affonso Pervs Pantoja , genro do-
General; Ghristováo de Brito; D. Fernando de Abran
ches v a D.. Luiz Coutinho. Affonso de Albuquerque,

(1) Vede Góes, Parte 4., C;ip. 70. - Resende, Hid? dá. Infanta.
D. Brites para Saboiai — Acenheiro, pag. $41/ • '.-■•* . .
366

filho do GTande Albuquerque, commandava hum Ga


leão de 230 toneladas, e Fernão Peres de Andrade ou
tro de 300. Era Commandante em Chefe das Galés
D. Pedro Mascarenhas , depois Vice-Rei da índia; e
0$ outros Francisco de Mello, Luiz Machado, e Gort-
salo de Campos. Commandava a Caravela Ruy Men
des de Vasconcellos ; e a Fusta Álvaro de Couto. O
Conde General embarcou na .Cajpitanea, de que era
Mestre Pedro de Cavarca , e Patrão Mor Simão Vaz,
hábeis marinheiros. Destinou --se a melhor Na'©, depois
da Capitanea , para o Arcebispo de Lnboa D. Mani
nho da Costa (que fallecco na torna-viagem a 3 de
Dezembro em Gibraltarj, e outra para os Embaixado
res de Sabóia.
Prompta .a Esquadta , embarcou a Infama com
huma numerosa comitiva de grandes Personagens, que
deviao acompanha-la , e servi-la na viagem; e hc notá
vel , que o Conde General levava quatro filhos, três
genros, e -tres netos. Surgi© a Esquadra em Belém,
onde EIRei foi visitar a Fillia , com a Rainha, e toda
a Família Real , e no dia seguinte 9 de Agosto ds i£2i
sahio a barra, e sem outro acontecimento, mais do que
soíFrer hum golpe de vento defronte de Cartliagcna ,
em que desarvorou a Náo de Aftònso Peres Pantoja , e
se recolheo naqu-.llc Porto-, chegou a Villa Franca ds
Niza a 29 de Setembro, e no mesmo -dia desembarcou
a Infanta, por se achar ali o Duque seu esposo.
A 13 de Dezembro deste anno de 1521 morreo
em Lisboa EIRei D. Manoel.
No seu feliz Reinado as Náos da carreira da ín
dia não excedião a 400 toneladas (1). Hum Escritor
nosso (2) calcula em duzentos e novema e quatro os aa-

CO Severim , Discurso 7.
(2) Faria, Ásia Poitugueia, tomo j. no fim.
367
•vios que elle mandou ao Oriente, de que se perderão
vinte» e seis; mas eu só achei duzentos e cincoenta e
oito, e naufragados dezenove á hida ,. e onze na rorna-
viagem. As arribadas forão também raras neste tempo,
c comrouns nos subsequentes , em que tanto ellas , co
rno os naufrágios cre.-cerão fora de proporção com o
que antes acontecia. Em lugar competente apontarei as
causas desta differença.
s
369

., >

TERCEIRA MEMORIA,

COMVREHENnKSnO DKSDK O JSNO BE 1522 ATK1 A** MORTI


DO CARDEAL HEI D. UENRI4W Í .° EM 1Õ80.

ADVERTÊNCIA.

Ainda que eu tinha promettido abranger em três


Memorias a Primeira Parte desta pequena Obra , vendo
comtudo que ficarião mui desiguaes em volume, resol-
vi-me a dividi-la em quatro Memorias ; o que em nada
altera o plano geral , que abracei na divisão das ma
térias.

Reinado d'Elrei D. JoXo III.

N< o tieinado deste Sábio Monarcha , não só conti


nuou a florecer, e prosperar o Commercio Marítimo
na Africa , e na Ásia , mas ampliou-se muito mais , e
começou o do Brasil. As carregações das Náos -da ín
dia , na sua torna-vingem, erão calculadas no valor de
hum milhão cada liuma , e outras vinhão mais impor
tantes, como aflirma hum Escritor Hollandez, que vi
369

veo alguns annos cm Goa (i), e Hq opinião corrente


dos nossos.
Começarão porém no mesmo tempo os Estrangei
ros a infestar as Colónias , e Possessões Portuguesas ao
Ultramar, e a atacar os seus navios no mar, como já
na vida do seu Grande Predecessor tinhão algumas ver
zes feito, e continuarão a fazer nos Reinados suecessi-
vos. Em i?30, ou no seguinte hum navio Francez ar
mado em Marseilha, foi a Pernambuco, desfie? huma
Feitoria, que òs Portugtiezes -ai li tinhão, carregou de
Páo Brasil, e deixando setenta homens em terra para
se fortificarem , voltava para o Mediterrâneo, quando
foi tomado (em i$$i) pela Esquadra Portuguesa (2),
que guardava o Estreito. ..->.• ■ .....
Em 1534, e 1 5"35" correo huma negociação entre
as Cortes de Lisboa, e Paris t relativa ás nossas Coló
nias, com intervenção do Imperador Carlos V. a quem
EIRei escreveo muitas Cartas, bem como á Impera
triz, e aos Ministros Iraperiaes, . sendo Embaixador
em Madrid Álvaro Mendes de Vasconcellos , tudo a
fim de se compor o negocio amigavelmente, . e evitar
hum rompimento (3).
A pezar de todas estas diligencias,- c não bastando
já para guardar as Costas de Portugal , e Açores as
Esquadras ordinárias, que EIRei trazia sempre no mar,
pela affluencia cada vez maior de Corsários, e Piratas
que concorrião a tomar, ou roubar os navios Portugue-
zes , c Hespanhoes , se fez. huma Convenção no anno
' . '.■/•.., . 'j
(O Historia da Navegação de João Hugues de Linschot as índias
Oi ientaes. , 1 •'; 1,
(a> A<sim o eçcreveo EIRei a Martim Affonso de Sousa , em data
de 28 de Setembro de l$J2. Vede o tomo 6. pag. ji8, das Pro»
vas á Hhtoria Genealógica da Casa Real. . . ' ,
(.) Esta transacção vem explicada no Nobiliário manuscrito das
Famílias de Portugal, no tomo j. desde pag. 161 ate pag. 19;. i u.i
47
3TO

de 7^1 enrre EIRei D. João III. e o Imperador


Carlos V. (i) na qual se estipulou por parte de Por
tugal : '
Que EIRei mandaria armar vinte navios Latinos
de 25: até 30 toneladas, que andassem sempre á vista
de terra, para guarda da sua Costa, três dos quaes ha»
viao de estar em Cascaes, quatro na Atouguia (não
estava ainda este Porto entulhado, como hoje), qua
tro cm Caminha, quatro em Lagos, dous em Villa
Nova de Portimão, e três era Cezimbra , ou Sines;
por serem estes os lugares que os inimigos costuma vão
frequentar, e que os navios Porttiguezes , e Hespanhocs
forçadamente vinhão demandar. Que mandaria quatro
Náos, ou Galeões para correrem a Costa de Portugal
mais ao mar; e os vinte navios já declarados se reuni-
rião quando cumprisse. Que além destas Esquadras, or
denaria outra para a Costa do Algarve de quatro em
barcações de remo, hum navio grande, e três Carave
las, que também se reunirião, cada vez que fosse ne
cessário, com os outros navios Latinos, que harnío an
dar de continuo no Algarve. Que todos estes navios se
conservarião sempre no mar de Verão, e de Inverno,
«em se recolherem a Porto algum, senão em caso de
necessrdadq, exceptuando as embarcações de remo, que
se recolherião de Inverno. Que para as libas dos Aço
res mandaria cada anno no mez de Abril dez navios
de guerra, três Náos, oti Galeões, e sete Caravelas.
Que os navios, que houvessem de navegar para Ar-
guim , Cabo Verde, Costas de Guiné , Malagueta , Mi
na t liba de S. Thomé, e Brasil, fossem, e viessem em
três monções: huma em Janeiro, outra em Março na

(l) Vede a Chronica d' EIRei D. João III por Francisco Freire, aa
Farte 4. , e também as Noticias de Portugal por Severim de Faria , 00
teu Discurso 2. §. 15.

>
371

conserva das Náos da índia , e outra em Setembro.


Que além dos navios de Guerra , que devião ir naquel-
Jas monções, EIRei ordenaria, que todos os navios de
Commeicio, ou a maior parte delles, fossem armados;
e as embarcações, que' navegassem para as Antilhas,
se poderiáo também aproveitar destas monções; o que
seria útil ás Ilhas dos Açores, que todas aquellas Frotas
deverião demandar na sua volta para a Europa (i).
Ajustou-se por parte do Imperador: Que elle man
daria guardar o Estreito , conforme as noticias que ti»
vesse dos Turcos , e Francezes. Que cada anno envia
ria no mez de Abril aos Açores dez navios bem arma
dos, que andarião sobre aquellas Ilhas até ao fim de
Agosto; e outra Esquadra, que deveria cruzar todo o
anno ao mar do Cabo de S. Vicente, o qual vinhao
demandar todos os navios das Antilhas, e Peru. Que
teria na Costa da Galiza quatro , ou cinco navios de
guerra para proteger aquelles Portos, e para seguran
ça das embarcações, que em consequência de tempos
contrários os fossem buscar. Que nas navegações dos
Hespanhoes , Flamengos, e Ponuguezcs dos seus re
spectivos Portos para os da Flandes, fossem reunidos os
■navios, e em duas monções: huma em Abril, e outra
em Setembro; e os da Flandes para aquelles Portos em
outras duas monções, huma em Janeiro, outra em Ju
nho. Que o Imperador daria ordem para que as Ur-
cas que esta vão retidas em Flandes, assim como outras
muitas embarcações Hespanholas, e Portuguezas, viés-.

Çi) Esta distribuição das Forcas Navaes , alím áe muito despen-


diosa, não parece a melhor possive) ; e creio se poderiáo obter os mes
mos resultados, <jue se buscarão, com menor despeza. Quem quer
guardar todos os pontos de Juima linha muito extensa, acha-se fraco
em todos; mas este era o systema da Táctica Terrestre daquelle século,
em <jue se não conhecia a Strategia; e a Táctica Naval toma sempre
Ot princípios da Terrestre.
47 ii
372
sem' logo na melhor ordem que ser podesse. Que as
Armadas de Portugal, e de Hespanha dariao auxilio,
e favor reciprocamente aos navios destas duas Nações.
Para concluir de huma vez as contestações , que
ainda continuavao com Hespanha desde o Reinado an
tecedente sobre as Ilhas Malucas, celebrou-se em Sara
goça hum Contracto (i) a 22 de Abril de 15*29 entre
ElRei e o Imperador, pelo qual este vendeo a Portu
gal todos os seus direitos iquellas Ilhas pela somma
de gfcèooo ducados de ouro (outros tantos cruzados)
que hoje valerião perto de quatro vezes esta quantia.
Neste Reinado floreceo o celebre Mathematico Pe
dro Nunes, Cosmógrafo do Reino, que illustrou a na
vegação com os seus escritos , inventou o anel gra
duado, para emendar alguns defeitos do Astrolábio; e
lembrou importantes mudanças nos Instrumentos Astro
nómicos de sombras.
Occupárao o antigo- cargo de Capitão Mor da
Trota D. Antão de Abranches, por Carta de Con
firmação passada em Évora a 16 de Abril de IJ24", e
seu filho D. Fernando de Almada , por outra Carta da
tada de Lisboa a ie de Junho de 1538.
No anno de \<y-\i largarão-se as Praças de Aza-
mor, e Çarim, e depois as de Alcácer, e Arzilla , fi
cando reduzidas as nossas possessões em Barberia a Ceu
ta , Tanger, e Mazagão. O motivo foi a economia
das despezas, que custava- a sua manutenção, por ha-
. verem crescido excessivamente as da Ásia , e ser for
çoso fazer outras muitas no Brasil, cuja colonização
principiou, e continuou neste Reinado com louvável
actividade.
As Sciencias Náuticas, e as Artes de Construcção,
e. Aparelho parece que ficarão estacionarias neste Rei-

CO VeJe o Tomo a. psg. 107 <3» Provas á Histock Genealógica.


873
nado. Augmentou-se a grandeza dos navios, levando-os
de 400 toneladas a 800 , e 900 , sem que a força , e
estabilidade dos cascos, e o seu panno, e mastreação
correspondessem áquellas maiores dimensões; assim fi
carão os navios menos capazes de resistir aos choques
dos mares, e dos ventos, do que erão até ai Li. Accres-
ceo ainda a desvairada cobiça com que se carregavão
na índia as Náos , que vinlião para a Europa , não se
contentando com abarrotar as cobertas, mas entulhando
o convéz com caixaria , e fardagem , que ao menor
tempo se alijava ao mar. Desta mesma causa proce-
dião as doenças , que de commum decimavão as Náos
da índia, tanto á ida, como á vinda. A' ida, sendo
os vasos poucos, e a gente muita, levava cada Náo de
700 a 800 homens, todos mal accommodados ; e á vin
da, posto que os Portuguezes fossem poucos, erão mui
tos os escravos, e os lugares todos cecupados com car
ga ; de maneira que as equipagens estavão expostas ás
injurias do tempo. (Vede Manoel Severim de Faria ,
Noticias de Portugal , Discurso 7.)
Eisaqui o quadro das perdas, que soffreo a Mari
nha, e o Commercio. Desde 15-22 até 1557 sahírão
■de Lisboa para o Oriçnte 228 Náos , e 20 Caravelas.-
das quaes arribarão ao Porto da sahida 12 Náos , se
guindo viagem 216, e todas as Caravelas. Perderão-se
á ida 28 Náos (6 d'ellas com toda a gente), e 3 Ca
ravelas. Na torna-viagem perderão-se 19 Náos, inclu
sas 1 1 com as suas guarnições. Cada huma destas Náos,
que voltava da índia, vinha importando em hum mi
lhão de cruzados.
A 21 de Junho de 15:5:7 falleceo nos Paços da Ri
beira EIRei D. João III.
1522. — Neste anno partirão a 15: d'Abril (1) só-

(O Vede Farros, Década j. Liv. 7. Cap. 7. — Chronica d' EIRei


374
mente três Náos, de qtie eráo Commandantes D. Pedro
de Castello Branco, no S. Miguel ; Diogo de Mello, na
Conceição ; e D. Pedro de Castro , na Nazareth , huma
das maiores Náos daquelle tempo, mas já mui velha.
D. Pedro de Castello Branco chegou a Goa a 20
de Agosto, levando a primeira infausta noticia da mor
te d' ElRei D. Manoel. Os outros dois Commandan-
tes invernárao em Moçambique, e sahindo para Goa
no anno seguinte, perdeo-se ancorada na barra desta
Cidade a Nao Nazareth , saJvando-se toda a genre.
IJZJ. — Mandou EIRei aprestar huma Esquadra
de seis Náos da carreira, e dois Galeões (1), da qual
deo o cominando a Diogo da Silveira, que embarcou
na Náo Salvador; e os outros Commandantes erão D.
António de Almeida, no Santo E?pirito; Pedro da Fort-
ceca , na Loba ; Heitor da Silveira, na Burgaleza ; Ai
res da Cunha , e António de Abreu em outras duas
Náos; Simão Sodré, no Galeão S.João, com destino
a Ormuz; e Manoel de Macedo em outro Galeão, que
devia ficar servindo na índia.
Esta Esquadra sahio de Lisboa em duas divisões,
a primeira de cinco navios a 9 de Abril ; e a 3 de Maio
a segunda composta do navio do Chefe, e os de Heitor
da Silveira , e António de Abreu. Estes dois últimos
Commandantes chegarão a Goa a salvamento. Dos ou-

D. Joáo III., Parte 1. Cap. 54. — Couto, Década 10. Cap. li. —
Fr. Manoel Homem , Memoria da Disposição das Armas Castelhanas
Cap. )2. — Extracto das Armadas, etc. Folheto escrito (segundo se
diz) pelo Doutor Jorge Coelho, Lisboa j 7 j6.
(O Ff- Manoel Homem, na obra já citada. — Tarros , Década J.
Liv. 7. Cap. 9. — Conto, Decida 10. Cap. 16. — Extracto das Ar
madas já citado. — Faria , Ásia Portugueza. — Pedro Barreto de Re»
zende, no Epilogo manuscrito dos Vice-Reis, etc, escrito em t 6 > , .
— Chronica d'ÈlRei D. Joáo III. Parte 1. Cap. 4.6. — Castanheda,
Liv. 6. Cap. 48. — Não achei o numero de Soldados que esta Esquadra
levou.

"X
875
tfos , Simão Sodré foi a Ormuz; D. António de Almei
da, e Pedro da Fonceca a Chaul; e o resto invernou
em Moçambique, cm cuja entrada se perdeo Aires da
Cunha ,'salvando-se a gente, e a carga da Náo.
IC24. — Este anno partio para a índia o seu Des-
cubridor, cora Titulo de Vice-Rei, o Almirante Con
de da Vidigueira D. Vasco da Gama (1). Constava a
Esquadra de sete Náos grandes da carreira, três Ga
leões, e cinco Caravelas, huraa redonda (hum Patacho) ,
e quatro Latinas , levando de guarnição , e transporte
três mil soldados (2) , de que huma grande parte erão
Fidalgos , ou Cavalleiros , e Moradores da Casa Real ;
além de hum reforço de Artilheiros, e marinheiros para
guarnecer as embarcações daquelle Estado. Embarcou
o Vice-Rei na Náo Santa Catharina, a mesma que con-
duzio a Sabóia a Infanta D. Brites. Commandavão as
Náos, D. Henrique de Menezes, o Roxo, Affonso Me
xia, Pedro Mascarenhas, Lopo Vaz de S. Paio, Fran
cisco de Sá, Francisco de Brito, e António da Silveira
de Menezes. Erao Commandantes dos Galeões, D.
Fernando de Monroy, Fidalgo Hespanhol , no S. Jor
ge; D. Simão de Menezes, e D. Jorge de Menezes; e
das Caravelas, Lopo Lobo, na Biscainha; Pedro Ve
lho, Christováo Rosado, Ruy Gonsalves, e Mosem

(1) Barros, Década ). Ljv. 9. Cap. 3. Faria e Sousa, na Ftr-


ropa, e Ásia Portugueza. — Fr. Manoel Homem , no lugar acima cita-
éo. — Jorge Coelho, no Extracto já mencionado. — Oironica d'ErRei
D. Joio III. Parte 1. Cap. $8. — Castanheda, Lir. 6. Cap. 71. — Cou
to, Década 10. Cap. 16. — Estes Escritores variáo nos nomes do»
Commandantes , e numero dos navios.
(í) António Vajena, na sua Chronica manuscrita d' ElRei D. Se
bastião , diz que nesta Esquadra hiSo 2700 Soldados; e que se despen
derão ioo^f cruzados sobre o que custava Inima Esquadra ordinária;
A Qvonica do mesmo Rei, attribuida a D. Manoel de Meneies, con
corda com elle na Parte 1. Cap. 12.
37«
Gaspar, natural de Malhorca, nomeado Condestavel Mór
dos Artilheiros da índia.
A 9 de Abril sahio de Lisboa o Vice-Rei, e achan
do tempos favoráveis, ancorou com roda a Esquadra
em Moçambique a T4 de Agosto. Depois de renovar
a sua aguada, partio para Goa, em cuja travessa não
foi tão feliz, porque Francisco de Briro desappareceo,
«em saber-se como; e D. Fernando de Monroy naufra
gou nos bruxos da Costa de Melinde, salvando-se toda
agente, bem como a Caravela de Ghristovão Rosado.
O Malhorquim Gaspar teve mais trágico suecesso; por
que escandalizados da sua áspera condição o Mestre, e
o Piloto da Caravela, sublevarão contra elle a guarni
ção, e o assassinarão, cujo horroroso attentado pagarão
depois com as vidas.
Em Setembro chegou o Vice-Rei á Costa da ín
dia , onde fez o que direi na segunda Parte destas Me
morias.
1525. — A Esquadra, que este anno se aprestou pa
ra a índia (r), constava de seis Náos; commandava-a
Filippe de Castro , embarcado na Não Corpo Santo -,
os outros Commandantes crao Diogo de Mello, no Pa-
raizo-, D. Lopo de Almeida, na Flor de la Mar; An
tónio de Abreu, na Flor da Rosa ; Francisco de Anaia ,
na Victoria ; e Vicente Gil, Armador, na sua Náo São
Miguel.
A 25" de Abril se fez á vela Filippe de Castro, e
na sahida da Barra naufragou a Náo Victoria , de que
se salvou toda a gente. As cinco seguirão espalhadas a
sua viagem, e dobrarão o Cabo de Boa Esperança,
(1) Earros, Década j. Liv. 10. Cap. i. — Epilogo de Barreto ja ci
tado. — Faria, na Ásia Portugueza. — Fr. Manoel Homem, já men
cionado. — Extracto das Armadas mencionado. — Castanheda, Liv. 6.
Çap. 12$. — Chronica de D, João 111. por Francisco de Andrade , Par
te 1. Cap. 88. .;..'.'. .:>-j
377
excepto António de Abreu , e Vicente Gil , que achan-
do-se a sotavento da Costa do Brasil , pela má navega
ção que fizerao, arribarão para Lisboa.
Filippe de Castro, correndo pela Costa da Africa
Oriental com intento de ir a Ormuz, por não poder to
mar Goa , foi encalhar de noite no Cabo de Rosalgate,
tar.ro por erro do seu Piloto, como pela falta da boa
^igia , que devera ter. A Náo ficou inteira, e mandan
do elle afretar hum navio ao Porto de Calaiate, em-
barcou-se com a sua guarnição, e parte da carga, que
salvou, e foi-se para a índia. As outras Náos chega
rão a salvamento.
IJ25". — Neste anno suecedeo o caso lastimoso de
D. Luiz de Menezes (i). Sahio este Fidalgo de Goa
na Náo Santa Catharina, e seu irmão D. Duarte de
Menezes na Náo S. Jorge, com destino para Portugal.
Entrarão ambos em Moçambique, e depois de repara
rem os seus navios de algumas cousas, que necessita vão,
saliírão, e navegarão separados. D. Luiz nunca mais
appareceo.
Passados annos, morreo em França hum Piloto
Portuguez, que lá residia, deixando ordenado em seu
testamento, que se entregassem a EIRei de Portugal seis
mil cruzados , que elle lhe devia das fazendas que lhe
tocarão da Náo de D. Luiz de Menezes , a qual fora
tomada vindo da índia.
No anno de i^o", andando Diogo da Silveira
com huma Esquadra de guarda costa , aprisionou hum
Corsário Francez, e huns homens da sua equipagem
3he descobrirão em segredo, que o seu Capitão era ir
mão do Pirata, que tinha tomado a Náo de D. Luiz de
.Menezes na Custa de Portugal, e assassinado toda a
gente. Diogo da Silveira fez tratear o Capitão do Cor

0) Chronica de D. João III. Parte i. Cap. 6y.


48
378

sario , o qual confessou , que era verdade achar-se elío


com seu irmão na tomada da Náo , dizendo que ella
mesma se havia entregado, por fazer tanta agua, que
se estava inJo a pique ; e que do melhor que acharão
nella , carregarão o seu navio, que era pequeno, e de
pois deitarão fogo á Náo com toda a gente dentro.
Diogo da Silveira ficou tão encolerizado com esta
narração > que sem querer conduzir a Lisboa os prisio
neiros, como devia fazer, os punio de morte.
IJ26. — Sabendo El Rei da morte do Conde Vice-
Rei, por hum expresso que lhe enviou por terra (i) D.
Henrique de Menezes y seu suecessor , o qual chegou a
Portugal em Outubro do anno antecedente , mandou
apromptar huma Esquadra , sem lhe nomear Comrr.an-
dante em chefe. Comptmha-se esta de cinco Náos, de
que erao Coramandantes Francisco de Anaia , Tristão
Vaz da Veiga , na Flor da Rosa; António Galvão, no
Espinheiro ; Vicente Gil, na sua Náo S. Miguel, e An
tónio de Abreu.
Quatro destes navios sahírão de Lisboa a 26 de
Março, e António Galvão a 16 de Maio.
Tristão Vaz, e Francisco de Anaia passarão por
fora da Ilha de S. Lourenço, e chegarão a Cochim a
salvamento: António de Abreu, e Vicente Gil invemá-
rão em Moçambique.
António Galvão , chegando a Guiné , gastoo perto
de quarenta dias a bordejar pela Costa , fazendo bordos
curtos, sem avançar quasi nada, a pezar das instancias
que fez ao seu Piloto para que seguisse o bordo do
mar, onde lhe alargaria o vento em se desabrigando
da terra ; mas o Piloto não queria ceder , e produzia,
(i) Barro», Liv. i. Cap. 6. Pedro Barreto na obra citada. —
Faria, na Ásia Portugueza. — Fr. Manoel Homem, na Relação ja meiv-
cionada. — Extracto das Armadas. — Chronica de D. João 111. Pal
ie a. Cap. 9. — Couto , Decida 4. Cap. 9. e Década 10. Cap. 1 6.
379
algumas fracas razões , que António Galvão lhe recebia
pelo não depor do seu officio (i).
Andando neste inútil trabalho, fallou no fim de
Junho a huma embarcação Portugueza , que vinha de
■S. Thomé para Lisboa ; cujo Mestre, e Piloto, vindo
o seu bordo, disseráo que lhes parecia melhor arribar a
Não a Portugal, por ser tarde para passar á índia,
pois apenas se achava em Cabo do Monte. Cora esta
noticia se alvoroçou a gente, e ousou requerer a An
tónio Galvão, que arribasse, a que elle não annuio. En
tão os dois Officiaes da embarcação de S. Thomé acon
selharão ao Piloto, que tomasse desde logo o bordo do
S. O. para dobrar o Cabo de Santo Agostinho , o que
elle fez, pedindo perdão do seu erro ao Comtnandan-
<e, e o vento lhe foi alargando á proporção que se
amarava.
Amónio Galvão, que parece tinha melhores prin-
cipios de Navegação do que elle, tomou d'ahi por dian-
re o cuidado de observar o Sol , e cartepr as milhas;
e o seu ponto era tão exacto, que crendo o Piloto, e
outras pessoas ferem já passado as Ilhas de Tristão da
Cunha, elle affirmou que não, e com efFeito apparecê-
rão na mesma hora, em que tinha dito se haviao ver.
Da altura de 39o a que chegarão, forão em deman
da do Cabo de Boa Esperança , que dobrarão no mez
de Setembro. António Galvão queria emprehender a

(1) Naquelles tempes era quasi absoluta a authoridade dos Pilotos


em tudo quanto dizia respeito á Navegação ; o que se julgava assim
necessário , por embarcarem muitas vezes de Commandantes pessoas de
profissões mui alheas da Arte Náutica; tudo consequência da íalta de
bum Corpo de Ofliciaes de Marinha (como já observei nestas Memo
rias), de que se tirassem os Conmiaiidantes, e Subalternos para guar
necer os navios da Real Coroa ; falta qus produzio funestos resultados, de
que me proponho tratar em luima Dissertação , ou Memoria separada ,
-por não caber em huma simples Nota o que tenho a dizer na matéria.
4b' li
300
viagem por fora da Ilha de S. Lourenço, e o Pilofo
instava que fosse invernar a Moçambique , dizendo a
todos, que por aquelle ciminho encontrarião muitas ca/-
marias, em que morreriao de fome, e sede, ou se per-
derião nos muitos baixo?, que havião achar; o que amo
tinou quasi toja a gente contra o Commandante, que-
rendo-o forçar a ir a Moçambique; e ainda que o Mes
tre da Náo Estevão Dias recusou entrar neste conloio,
o Piloto teve a audácia de ordenar se seguisse o rumo
para Moçambique; e quando vio que António Galvão
estava firme na sua resolução, lavrou hum Termo, ena
que lhe emcampava o navio, por lhe tirar o exercício
do seu cargo, e lhe requeria da parte d' EIRei fosse hv
vernar a Moçambique.
António Galvão , despresando todos estes protes
tos, sustentou a sua authoridade, e seguio a derrota
por fora da Ilha , em que teve alguns ventos contrá
rios, e outros favoráveis; e nos fins de Outubro se
achou entre as Ilhas Maldivas. Como ellas são baixas,
e se vião algumas restingas pela proa , assustou-sc a
guarnição, e o Piloto, que já havia reconhecido a sua
culpa, desanimou outra vez. António Galvão subio á
gavia com o Mestre, para dalli descobrir melhor o ca
nal, e foi rodeando os baixos, que erão de pedra vi
va, e davão indícios de haver fundo bastante ao pé
delles; e ao pôr do Sol dêo alguns tiros de peça t aos
quaes sahio de huma das Ilhas huma Almadia guarne
cida de quinze homens , em que vinha hum velho. Che
fe da mesma Ilha , que lhe disse hia bem navegando, e
o acompanhou até pela manhã, que sahio d'entre as
Ilhas.
Daqui seguio a sua viagem , e a ry de Novembro
ancorou em Cochim , onde achou as Náos de Tristão
da Veiga , e Francisco de Anaia.
1527. — A Esquadra, que EIRei mandou este ao
391
no á índia (i), constava de cinto Náos : era seu Che
fe Manoel de Lacerda, embarcado na Não Conceição;
e os outros Com mandantes erão Aleixo de Abreu, na
Sebastiana; Balthasar da Silva, na Flor de la Mar;
Gaspar de Paiva, no S. Roque; e Christovão de Men
donça , em outra Náo.
Sahio a Esquadra de Lisboa a 16 de Março, e
seguio a viagem mui derramada. Balthasar da Silva, e
Gaspar de Paiva chegarão a Goa a 7 de Setembro; e
Christovão de Mendonça a ij do mesmo. Manoel de
Lacerda , e Aleixo de Abreu , que navegava nas suas
agua?, encalharão de noite, por culpa do Piloto do Che
fe, em hum baixo defronte da Bahia de S. Tiago, na
Costa Occidental da Ilha de S. Lourenço, que situarão
em 20 : 30' de Latitude (2).
As guarnições das duas Náos , ao favor das janga-
.das que construirão , pozerão-se em terra , e levantando
hum entrincheiramento, em que recolherão as armas,
munições, e mais effeitos que poderão salvar, começarão
a negociar com os Negros, trocando géneros por man
timentos, que erão escassos naquclla parte da Ilha : e
na esperança de vir algum navio Portuguez , que os re
cebesse a bordo, se conservarão hum anno , sofrendo
ir.uitas fomes, e misérias. No fim deste lapso de tem
po apparereo hum dia a Náo de António de Saldanha,
desgarrada da Esquadra do Governador Nuno da Cu
nha , e os naufragados accenderáo essa noite grandes fo
gueiras, desenhando huma Cruz, para significarem que

(1) Fr. Manoel Homem, no lu?ar citado. — Conto, Década 4.


Liv. j. Cap. 5. e Década 4. Liv. 5. Cap. 2. - Pedio Eatreto , no lu
gar citado. - Chronica de D. João III. Farte 2. Cap. 2.1. — Extracto
das Armadas já citado.— Faria, Ásia Pottuguezj. — .Barros, Década. 4.
Liv. j. Cap. 5.
(2) Talvez o Rio chamado SaDgo pelos Inglezes, em ai° de lati
tude S*
382
estavao áli Christaos perdidos* António de Saldanha,
entendendo o signal , poz-se á capa, e logo que ama-
nheceo , foi no bordo da terra , mas não ousou chegar-
Se, por não ser conhecida; e por oito dias repetio a
mesma manobra, indo de noite no mar, e de dia ni
terra , esperando que viesse alguma embarcação de avi
so. Parece que por fatalidade não lhe occorreo, que os
naufragados podião naò ter em que sahir ao mar, pois
não o fizerão no primeiro dia da sua chegada ; e que
assim cumpria-lhe a elle mandar a sua lancha bem
guarnecida a saber que gente era aquella, e a sondar
juntamente a Bahia. Por ultimo succedeo o que se de
via antever , sobreveio hum máo tempo, que o obrigou
a seguir viagem.
Os miseros naufragados , vendo-se tão cruelmente
abandonados, e julgando que não tornarião a ver aque/-
le anno outra Náo, por não ser frequentada aquella Cos
ta, nem tendo meios de sustentar-se até ao anno seguin
te, resolverão, por sua desgraça, atravessar a Ilha nz
sua largura , e irem estabelecer-se na contra-costa , por
onde passavão as Náos, que por fora da Ilha tomavao
O seu caminho para a índia. E formando dois corpos
dos trezentos Portuguezes, que ainda existião, commet-
têrão o erro de marcharem divididos, e mui poucos
delles apparecêrão depois , como em seu lugar notarei.
Suppoz-se que os Negros do sertão , conhecidos por
bárbaros, os matarão, talvez por falta de disciplina, e
boa ordem , que foi sempre a causa dos desastres acon
tecidos ás guarnições dos navios naufragados, de que
citarei exemplos , assim como do que fizerão alguns
Commandantes em casos similhantes.
Mez e meio depois de partidos dali os naufraga
dos, chegou o Governador Nuno da Cunha com parte
da sua Esquadra, e só achou hum grumete, que ficou
por estar doente no momento em que os seus compa
383
abeiras se pozerao em marcha , do qual soube o que
deixo referido.
Neste mesmo anno mandou EIRei a Diogo Bote
lho Pereira (i) por Commandante de hum navio , com
ordem de correr a Costa da Africa Oriental , desde o
Cabo de Boa Esperança até ao das Correntes, para sa
ber noticias de D. Luiz de Menezes , que desapparecê-
ra vindo da índia no anno de 1525 •, porque alguns na
vios chegados a Lisboa tinhao dito, que na paragem do
Cabo das Correntes virão de noite em terra fogueiras
em cruz, que crião serem feitas por naufragados; po
rém Diogo Botelho náo achou , nem podia achar no
vas de D. Luiz, pelo que atraz deixo dito; e indo a
Melinde , se encontrou com o Governador Nuno da
Cunha.
iyiS. — Noticioso EIRei das desordens da índia (2),'
procedidas da temeridade com que se tinha aberto a se
gunda Via das Successóes daquelle Governo, o que deo
causa ás contestações entre Pedro Mascarenhas, e Lopo
Vaz de Sampaio; e sabendo ao mesmo tempo por car
tas de Veneza, que os Turcos prepara vão numa grande
Armada em Suez para invadirem o Oriente , eJegeo
Íor Governador da índia a Nuno da Cunha, Vedor da
'azenda, de quem fazia a maior confiança ; e fez apres
tar huma forte Esquadra, capaz de arrostar os perigo
sos inimigos que se esperavao na Ásia.
Constava ella de nove Náos, hum Galeão, hum
navio ligeiro para expedição de ordens, e duas Carave
las carregadas de víveres, e munições de sobrecelknte.

(1) Couto, Década 4. Liv. 6. Cap. 1.


(2) Fr. Manoemomem, na obra já eirada. — Extracto das Armar
das mencionado. — Castanheda, Liv. 7. Cap. 85 e seguintes. — Cou
to, Década 4. Liv. 6. Cap. j. e Década 5. Cap. 1. e seguintes. — Fa
tia, Ásia Portugueza Tomo j. no- fim. — Pedro Barteto no seu Epi
logo. — Chronica de D. João 111. Parte 2. Cap. 47.
304
Embarcáno-se duzentos mil cruzados em moeda de ou
ro para despezas da índia. As tropas de transporte, que
devião ficar ali servindo, excedião a três mil homens,
em que entraviio muitos Fidalgos, e Moradores da Casa
Real, que concorrerão a a!israr-se logo que souberáo
da guerra que se esperava com os Turcos. Hia tam
bém hum cerro numero de marinheiros para guarnece
rem os navios da índia (i).
Em Março estava a Esquadra ancorada em Belém
esperando tempo conveniente para sahir. Nuno ca Cu
nha embarcou em a Não Flor da Rosa ; os demais Com-
inandantcs erao Simão da Cunha , seu irmão , na Náo
Castello, que devia exercer na índia o Posto de Gene
ral do Mar; Pedro Vaz da Cunha, outro irmão seu,
na Santa Carharina; Garcia de Sá, na Victoria ; D. Fer
nando de Lima, no Espinheiro; D. Francisco de Éca,
no S. Tiago; Francisco de Mendonça, no Monserrate;
João de Freitas, na Biscainha; António de Saldanha,
na Ajuda (2); Bernardim da Silveira, no Galeão; e
Affonso Vaz Zambujo no navio Ligeiro, de que era
também Piloto. Commandavão as duas Caravelas Gas
par Moreira , e Luiz de Araújo.
EIRei foi assistir alguns dias em Belém para con
cluir os últimos despachos , e deo hum longo Regimen
to a Nuno da Cunha, no qual lhe mandou, além de
outras muitas cousas , que fizesse logo huma Fortaleza
em Dio, por ser da maior importância oceupar aquelle
(1) Pedro Barreto, qiia teve boas informações das cousas do Orien
te , diz que forâo quatro mil homens; o mesmo diz Couto; Castanhe
da só falia em três mil , e outros Escritores em menos.
(2) Nesta Nao hia embarcado Diogo Fernandes de Castanheda, pri
meiro Ouvidor da Cidade de Goa, que levava com sigo a Fernão Lo
pes de Castanheda , seu filho, ao qual EIRei mandava viajar na índia,
para depois escrever a Historia; e se demorou no Oriente perto de dei
anrios , correndo quasi todos aquelles Paizes ate ás Molucas, como es
creve Diogo de Couto.
385
posto, antes que os Turcos se apoderassem delle, por
estar a barlavento da índia ; e construísse outra Forta
leza nos Estados do Çamorim , onde lhe parecesse me
lhor : E que no caso dos Turcos entrarem na Índia,
reunisse em Goa todas as forças marítimas do Estado ,
e os fosse buscar onde estivessem , para lhes dar bata
lha. Igualmente lhe ordenava, que remettesse preso pa
ra Portugal a Lopo Vaz de Sampaio , pondo em de
posito os seus bens.
A 18 de Abril sahio de Lisboa Nuno da Cunha,
e navegando a Esquadra toda reunida, menos o Galeão,
que se apartou em sahindo da barra, hum dia pelas dez
horas da manhã, antes de chegar a Canárias, a Náo de
Simão da Cunha, estando na esteira da Biscainha, Com-
rnandante João de Freitas, seguio tanto avante, que lhe
deo duas forres pancadas na popa , com que a abrio lo
go , por ser velha ; e em cousa de huma hora foi a pi
que, sem dar mais tempo que a deitar fora o escaler,
em que se metteo João de Freitas com onze homens ,
abandonando fracamente a sua guarnição, que no es
panto e consternação de tão súbito desastre se poz em
desordem , huns tentando desempachar a lancha para a
deitarem fora, outros alijando ao mar os páos, caixas,
e capoeiras de que podiao lançar mão; e como todos
cjuerião para si estas bóias de salvação, travarão huns
com outros, e houverão muitos mortos, e feridos. Si
mão da Cunha atravessou logo, e acudio com a sua lan
cha , e escaler: o mesmo fizerão os outros Commandan-
tes quando virão subraergir-se a Náo, que só então co
nhecerão o caso, e ainda salvarão muita gente, aíFogan-
do-se comtudo cento e cincoenta pessoas , entre as
quaes causou mais lastima hum homem casado , que le
vava sua mulher, e três filhas meninas; e não querendo
abandonallas , nem as podendo salvar, abraçados todos,
entregues á Misericórdia Divina, passarão á Eternidade !
49
38 <?

O Piloto da Náo Biscainha (que escapou) não foi


castigado, posto que se lhe attribuia toda a culpa, por
não ceder o passo a Simão da Cunha, Official de mais
representação do que João de Freitas (i).
Nuno da Cunha , seguindo a sua viagem , ancorou
na Ilha de S. Tiago, onde fez agua, e descarregou as
Caravelas, que remetteo para Lisboa, escrevendo a EIRei
os successos occorridos. Cuidava elle achar nesta Ilha o
Galeão, que sem motivo apparente se tinha separado da
Esquadra ; mas não aconteceo assim, porque o seu Com-
mandante Bernardim da Silveira, seguindo o pernicioso
exemplo de outros muitos, queria chegar primeiro á ín
dia ; e continuando a sua derrota , dobrou o Cabo de
Boa Esperança, e indo buscar Moçambique, o seu Pi
loto ignorante varou no parcel de Sofala , era que se
affogou muita gente, e os Cafres assassinarão o resto.
Sahindo Nuno da Cunha da Ilha de S. Tiago,
achou muitas calmarias na Costa de Guiné-, e como a
Náo de António de Saldanha andava pouco, requere-
rão-lhe os Pilotos que a deixasse, o que elle fez. Os
Omciaes de António de Saldanha , vendo-se abandona
dos, tanto andarão com a carga para avante, e para ré,
que acertarão com o compasso da Náo, e começou a an
dar bem , ajudada com continuada força de vela ; e en-
contrando-se depois com D. Francisco d' Eça , forao de
conserva.
Nesta derrota acharão o Governador acompanhado
das Náos de seu irmão Pedro Vaz da Cunha, e D. Fer
nando de Lima , e do navio de AtFonso Vaz Zambujo.

(O Ambos os Pilotos mereciáo o mais severo castigo; por quanto


aiuda que o Piloto da Biscainha, pela sua boçal ignorância dos princi
pio; da subordinação militar-naval, fosse a causa primaria de tão funes
to acontecimento, o seu erro não autiiorizava o Piloto de Simão d»
Cunha para abordar a outra Náo; por consequência lez-se responsável
pelas mortes , e perigos que dal li se seguirão.
387

O Governador Folgou muito com o encontro destas duas


Náos , e indo na volta do Cabo de Boa Esperança , lhe
deo hum temporal do Sul, que durou huma noite e hum
•dia, e espalhou a Esquadra. Acalmado o vento , reunio-
se outra vez; e a 6 de Julho, estando na altura do Ca
bo, sobreveio outro tempo do Sul, que durou vinte e
quatro horas, ficando as Náos á capa. No quarto d'al-
va , crescendo cada vez mais o mar, e o vento, arriba
rão todos, menos António de Saldanha, por ser o seu
navio novo; e passada a fúria da, tormenta , continuou
a sua navegação. Dobrado o Cabo de Eoa Esperança,
achou tempos mui ruins, e foi avistar a Ilha de S.Lou
renço na paragem do Rio de S. Tiago, onde estavão
os naufragados das Náos de Manoel de Lacerda, e Alei
xo de Abreu , que lhe nzerão os signaes, de que já fal-
lei. Deste Rio continuou a derrota com tantos traba
lhos, fomes, e sedes, que lhe adoecco quasi toda a gen
te, e morrerão perto de sessenta pessoas: por ultimo
chegou a Cochim nos fins de Outubro.
O mesmo aconteceo a Garcia de Sá, que se apar
tou do Governador depois da sua sabida de S. Tia
go ; e navegando só, esteve quasi perdido no Cabo dé
Boa Esperança com o temporal, que as outras Náos sof-
frerao. E tomando o seu caminho por fora da Ilha de
S. Lourenço , padeceo cruéis fomes , e sedes , de que lhe
morreo muita gente; e a 17 de Outubro chegou á Cos
ta de Malabar, tendo a bordo huma única pipa d'agua.
D. Francisco d' Eça , Francisco de Mendonça , é
AfFonso Vaz Zambujo chegarão juntos a Moçambique ,
e á entrada se perdeo no Ilheo de S. Jorge o navio do
Zambujo, salvando-se toda a gente. Neste Porto esta
va Simão da Cunha , e nelle invernárao todos.
O Governador, quando amainou o temporal, achou-
se com as Náos de Pedro Vaz da Cunha, e D.Fernan
do de Lima ; e navegando com máos tempos , e calnu
49 ii
308
rias ,nos fins de Outubro vio a Ilha de S. Lourenço , e
para fazer aguada, de que tinha necessidade, surgio na
boca do Rio de S. Tiago, onde recolheo o grumere da
Náo de Aleixo de Abreu , que lhe contou o seu naufrá
gio, como deixo referido.
Passados quatro dias, estando as lanchas em terra,
sobreveio hum vento de travessia , com o qual a Náo
do Governador, que estava sobre huma ancora , come
çou a garrar, e ainda que largou seis ferros que tinha,
de nada lhe aproveitarão, por ser o fundo mais para a
terra cheio de ratos de pedra, que cortavao as amarras-,
e assim foi encalhar em huma restinga , e abrio pelo
fundo, enchendo-se logo de agua até á coberta. As ou
tras duas Náos aguentarão-se melhor, por estarem so
bre fundo limpo, e terem boas amarras de cairo, que
por muito elásticas tem vantagem sobre as de linho em
certas occasióes.
As lanchas não poderão sahir do Rio, por haver
muito mar , senão no dia seguinte que o vento abonan
çou : e o Governador passou a noite com toda a guar
nição sobre a tolda e Castellos da Náo, onde fez de
positar o cofre do dinheiro, e tudo quanto se pôde ti
rar da coberta; e em chegando as lanchas, e escaleres,
passou para bordo de seu irmão com parte da gente T e
o resto mandou para a Náo de D. Fernando de Lima.
Salvarão-se também as antenas, aparelho, e artilheria da
tolda , e convéz , e queimou-se a parte do casco a que o
fogo pôde chegar.
Completada a aguada, partio deste funesto Rio a
jo de Novembro, resoluto a seguir o Canal de Mo
çambique, contra a sua primeira idéa de rodear por fo
ra de S. Lourenço; e huma noite, fazendo-se com a
Ilha de Zanzibar, sentirão-se perto de terra, e surgirão
logo. Ao amanhecer virão-se mettidos entre esta Ilha
ç muitos baixos, de maneira que não podião distinguir
389
por onde rinhão entrado, nem por onde poderião sahir ,
arrebentando era torno das Náos por toda a parte o
mar em flor. Os Pilotos emmudeccrão, e nesta extremi
dade mandou o Governador á Ilha em hum escaler o
Capitão da sua Guarda Manoel Machado , para dili
genciar hum Pratico; mas os Negros o receberão ás pe
dradas, e frechadas, com que matarão hum grumete,
e ferirão dois. O Governador enviou então na lancha
a Pedro Vaz da Cunha com vinte e cinco homens , to
dos Fidalgos, e Cavalleiros, os quaes entrarão na Al
deã, sem acharem pessoa alguma, porque os Negros em
os vendo fugirão para os matos. Pedro Vaz determinou
armar-lhes huma cilada , para a qual se cfferecârão os
dois irmãos Diogo de Mello , e Tristão de Mello, que
com hum creado seu chamado João Rodrigues, se dei
xarão ficar emboscados próximos da Aldeã, e Pedro Vaz
retirou-se com a lancha para bordo, tendo ajustado com
clles vir de noite buscallos.
Com effeiro os Negros ao anoitecer, vendo que a
lancha se retirara , vierao metter-se na Aldèa , e quiz
a Providencia, que hum Mouro velho, o melhor Piloto
daquella Costa . viesse esbarrar com os três da embos
cada , ao qual Diogo de Mello tomou nos braços, e ra-
pando-lhe a boca, o levarão todos á praia, e se embar
carão na lancha, que já os esperava. O Governador,
louvando a intrepidez de Diogo de Mello, e seus com
panheiros, e o relevante serviço que acaba vão de fazer,
amimou o Mouro, que no aia seguinte conduzio as
Náos seguramente por hum estreito e tortuoso canal ,
c as foi ancorar no Porto de Zanzibar; recebendo por
isso tantas dadivas do Governador, que se lhe ofFcreceo
para levar a Esquadra a Mombaça, onde queria inver
nar, por se assentar que era tarde para passar á índia,
c a invernada era Melinde ser muito arriscada, por fal
ta de Porto.
390
Em Zanzibar, por ser terra abundante, e mais
sadia , deixou o Governador duzentos doentes entregues
á Aleixo de Sousa Chichorro, com todos os aprovisio
namentos necessários ; e fazendo-se á vela com duas Náos,
foi dar fundo em Melinde, cujo Monarcha o recebeo
com o agazalho que costumava fazer a todos os Portu-
guezes; e aqui achou a Diogo Botelho Pereira, de quem
atraz fallei.
Mandou o Governador pedir licença ao Rei de
Mombaça para invernar no seu Porto , por não haver
outro tão seguro em toda aquella Costa ; de que elle se
escusou, receando que fosse isto artificio para se apode
rar da Cidade. O Governador, picado da desconfiança ,
determinou por conselho de todos , entrar era Momba
ça por força ; e participando a sua resolução ao Rei de
Melinde, este lhe deo oitocentos Mouros para servirem
naquella empreza, e huma Naveta para levar parte deW
les; embarcando os outros no navio de Diogo Botelho:
os Soldados deste Official , e os das Náos erão oitocen
tos homens , tudo gente limpa , e bem disposta. Cota
esta Esquadra sahio de Melinde Nuno da Cunha, e no
dia seguinte pela manhã surgio fora da barra de Mom
baça, a qual mandou sondar por seu irmão em huraa
Jancha armada. Este entrando pelo canal , achou bom
fundo, e no mais estreito delle estava hum Baluarte com
oito canhões , que lhe fizerão fogo , sem lhe causar
damno; e seguindo avante, ancorou diante da Cidade,
e fez signal á Esquadra de ter bom ancoradouro.
O Governador em entrando a viração , levou an
cora , e foi surgir onde estava a lancha , recebendo de
passagem o fogo do Baluarte, sem lhe responder, para
mostrar que vinha de paz. Por esta mesma causa espe
rou o resto do dia, e noite, na esperança de que lhe vies
se alguma mensagem do Rei, com que ajustasse amiga.»
velmente a sua invernada naquelle Porto. Mas o Rei ,
391
longe desse pensamento, aproveiton-se da demora para
despejar a Cidade, ficando nella só com a gente de
guerra, recolhendo-se o resto dos moradores com o que
poderão levar, para hum sitio distante huma legoa.
Desenganado o Governador de que lhe cumpria
usar das armas para obter quartéis de Inverno seguros,
tornou a mandar de noite seu irmão a reconhecer os lu
gares opportunos para o desembarque, o que elle fez ; e
ainda que sentido pelos Mouros, que lhe ferirão alguns
homens de frechadas , correo toda a fiontaria da Cida
de , e nella achou huma praia , que lhe pareceo azada
para o intento, posto que seria necessário desembarcar
com agua pela cintura. Porém o Governador teve logo
outra melhor informação por hum Mouro, que veio a na
do de terra, e indicou hum local abaixo da Cidade, em
que as lanchas poderiao pôr a barba em terra: além
disso noticiou-lhe que estavão nella mais de três mil
homens cora huma única bateria de seis peças diante de
huma das portas, coramandada por hum Renegado Por-
tuguez; e que era tal o terror nos Mouros, que em
vendo os Portuguezes desembarcados , fugirião todos.
Sobre estas noticias resolveo o Governador desem
barcar no dia seguinte onde o Mouro dizia , servindo
elle de guia ; e formando em dois corpos toda a tropa ,
o primeiro de seiscentos Portuguezes, em que entravao
duzentos espingardeiros commandados por Fernão Cou
tinho, a que se aggregárao trezentos Mouros de Me-
linde; e o segundo do resto da gente, deo o comman-
do daquelle a Pedro Vaz da Cunha , acompanhado de
Manoel de Albuquerque, e dos dois irmãos Mellos, e
tomou para si a direcção do outro, em que hião D.Fer
nando de Lima , e Diogo Botelho Pereira.
Ao amanhecer desembarcarão as tropas sem peri
go , nem resistência no ponto que o Mouro marcou , e
ao som. de pifanos, e tambores, e as bandeiras desenro-.
392
Jadas, marcharão para a Cidade, dirigindo-se á bateria
avançada, onde estava o Renegado, que em disparan
do alguns tiros sem pontaria certa , fugio com todos os
defensores para a Cidade , que ficou deserta , porque o
Rei seguio o seu exemplo.
O Governador aposentou-se nos Paços, e cercou
deentrincheiramentos com seu fosso aquella parte da Ci
dade, em que podiao alojar-se commodamente as tro
pas, estabelecendo os postos avançados necessários: e
dando-se depois busca ás casas, se achou muito ouro, e
dinheiro enterrado, de que alguns ficarão ricos. O Ba
luarte do mar foi tomado por assalto, e todos os seus
defensores mortos, ou cativos, em cuja acção ficou mor
talmente ferido de huma seta hervada D. Rodrigo de
Lima , irmão de D. Fernando de Lima.
Concluido isto, que era já nos fins de Dezembro,
o Governador escreveo a EIRei por Diogo Botelho Pe
reira , que expedio para Portugal, onde chegou em Ju
nho do anno seguinte.
O Rei de Mombaça tinha tomado posição a meia
legoa da Cidade , e d'ali fazia correrias para incommo-
dar os quartéis dos Portuguezes , que não deixarão de
lhe sahir ao encontro ; e de huma destas escaramuças
sahio ferido D. Fernando de Lima. Havia o Governador
determinado atacar o campo dos Mouros, e para saber
quaes erão as suas forças, encommendou a Diogo de Mel
lo a tomada de algum prisioneiro ; o qual acompanha
do de Christovão de Mello , e de outros dois Solda
dos, sahio de noite da Cidade, e foi-se emboscar per
to do alojamento dos inimigos, onde se encontrou com
alguns; e querendo trazer vivo hum que tomou ás mãos,
não lhe foi possivel, pelos grandes brados que dava,
com que o campo se alvoroçou, e Diogo de Mello,
matando o Mouro, trouxe hum braço ao Governador
para testemunho do que fizera. Este rebate atemorizou
393
és Mouros de maneira, que não tornarão mais a in
quietar os Portuguezes em quanto ali se demorarão ,
que foi até ao fim de Março de 1529 , em cujo espaço
de tempo morrerão de febres trezentos e setenta Portu
guezes , entrando neste numero Pedro Vaz da Cunha ;
o que seu irmão sentio por extremo.
As três Náos da Esquadra , que invernárão em Mo
çambique, de que erao Commandantes Simão da Cu
nha, D. Francisco d' Eça, e Francisco de Mendonça,
em entrando os Ponentes, fizerão-se á vela com inten
ção de correrem a Costa atê Mombaça, para saberem
novas do Governador, deixando enterrados em Moçam
bique quatrocentos homens, que fallecêrão de enfermi
dades •, e nos fins deste mez de Março surgirão fora da
barra de Mombaça, trazendo a seu bordo Aleixo de
Sousa Chicliorro, e a gente que com elle ficara em Zan
zibar. O Governador folgou muito com a sua vinda ,
mas sentio a noticia que lhe derão da perda dos navios
de Bernardim da Silveira , e de Affonso Vaz Zambujo;
e chamando a concelho todos os Commandantes, e Pi
lotos da Esquadra, se as-entou, que não convinha arris-
car-se a atravessar o golfo da índia no Inverno daquel-
le clima com tamanhos navios; e que era mais seguro
passar aquelles mezes em Ormuz; e em Setembro, que
começa o Verão, virem buscar Goa.
Estando o Governador para partir, recebeo cartas
de Lopo Vaz de Sampaio , que lhe trouxe Sebastião
Freire, Commandante de huma pequena embarcação;
ao qual expedio logo com resposta; e sahindo de Mom
baça com a Esquadra, chegou a Mascate, onde desem
barcou os muiros enfermos que levava , e foi a Ormuz
só com as Náos de Simão da Cunha ( para a qual se
havia mudado), e a de D. Fernando de Lima, deixan
do as outras naquelle Porto.
Para finalizar os acontecimentos desta iiifeliz via-
ão
394
gem direi aqui em summa , que de Ormufc mandou o
Governador a Simão da Cunha com alguns navios, em
que levava trezentos homens, os mais delles Fidalgos,
e Cavalleiros, para reduzir á obediência do Rei de Or
muz a Ilha de Baharem , que estava rebellada , cm cuja
expedição morrerão quasi todos os Porruguezes de enfer
midades; e Simão da Cunha, ainda que escapou, falle-
çeo em breves dias da paixão que lhe causou este máo
successo. De maneira que esta Esquadra de Nuno da
Cunha , antes de chegar a Goa, perdeo quatro navios, e
mil e seiscentos homens.
1528. — Poucos dias depois de partir de Lisboa Na
no da Cunha , chegou António Tenreiro , homem no
bre, que o Governador de Ormuz Chrisrovao de Men
donça mandou por terra com cartas a EIRei , partici-
pando-lhe não só haver desarmado em Suez a Esquadra
Turca , mas também as desordens civis , que Raes Xa
rá fo promovia em Ormuz. António Tenreiro sahio
daquella Ilha a 20 de Setembro do anno antecedente, e
chegou a Lisboa em Maio deste anno de 1528 (1)»
Apresentado logo a EIRei com o mesmo vestida da jor
nada , se dilatou com clle largo espaço, por ser hometa
muito instruído nas cousas do Oriente •, e sahindo do Pa
ço já de noite, o atacarão no Rocio alguns homens des
conhecidos, que o deixarão por morto com dezasete cu
tiladas % e estocadas. Sentio EIRei, como he de presu
mir, tão atroz attentado, e ordenou ao Cirurgião Mor
o tratasse como a sua própria Pessoa. As maiores dili
gencias da Justiça nunca poderão descobrir os aggresso-
res. António Tenreiro escapou das feridas , posto que
ficou sempre enfermo os annos que viveo, gozando das
mercês, que EIRei Lhe fez.

(») Vede a Relação, que o mesmo Tenreiro publicou da sua fí»


mosa jornada.
305
togo depois da sua chegada entrarão era Lisboa
as Náos de torna-viagem da Índia, em que vinha Ma
noel de Macedo, que EIRei conhecia por homem va
loroso, e determinado (adiante contarei o modo com
que se comportou em hum naufrágio), e mandando ar
mar hum Galeão, lhe deo o commando, com ordem de
se dirigir ao Estreito Pérsico, e logo que o embocasse,
abrir huma Instrucção sellada, para executar o qúc nel-
la se continha. Esta Instrucção era para prender Raes
Xarafo, e o coniuzir a Lisboa. Tristão da Cunha, pai
de Nuno da Cunha , assustado do objecto da coramis-
são de Manoel de Macedo, empregou todos os meios
possíveis para penetrar o segredo; porém vendo-os bal
dados, escreveo ao filho a notável carta, que traz Dio
go de Couto (i).
Manoel de Macedo sahio de Lisboa em Outubro,
e sem lhe acontecer na viagem novidade alguma, en
trou no Estreito da Pérsia , fez aguada dentro do Cabo
Rosalgate, onde abrio a sua Instrucção, e ali soube es
tar Nuno da Cunha em Ormuz, para onde partio logo.
1529. — A Esquadra que este anno foi a índia (a),
constava de quatro Náos da carreira , com quinhentos
soldados : era commandada por Diogo da Silveira , em
a Náo S. José; e os outros Commandantes Ruy Gomes
da Gran, na Flor de la Mar ; Ruy Mendes de Mesquita,
no S. Jorge; e Henrique Moniz Barreto, na Conceição.
Sahio a Esquadra de Lisboa a 2 d'Abril. Nave-
(1) Filho Nuno, lá vai hum mancebo em huma Náo mui apressa
do por mandado d' EIRei : nunca pude saber ao que vai , deixa-lbe fa-
aer tudo o que EIRei manda, sem lhe ires á mão a coisa alguma:
rnaii a pimenta , e deita-te a dormir. Couto, Década 4. Liv. 5. Cap. 8.
(2) Fr. Manoel Homem , na obra já citada. — O Extracto das Ar
mada* acima mencionado. — Castanheda, Liv. 8. — Faria, Ásia Por-
tugueza Tomo j. no fim. — Pedro de Barreto no seu Epilosro já men
cionado. — Chronica de D. João III. Parte 2. Cap. $2. — Couto, Dé
cada 4. Liv. 6. Cap. 6.
50 ii
396
gou sempre unida, e sem lhe acontecer desastre algum;
nem lhe morrer ninguém, á excepção de Henrique Mo
niz Barreto; e ancorou em Goa a 24 de Agosto, cora
a gente tão bem disposta, como se levasse quinze dias
de viagem.
1530.. — Neste anno mandou El Rei á índia cinco
Náos (1) da carreira , sem nomear Chefe, que as go
vernasse em corpo de Esquadra. Os Commanaantes erão
Fernão Camello, na Náo Ajuda; Francisco de Sousa
Tavares, no S. Tiago; Luiz Alvares de Paiva, na San
ta Barbara ;. Manoel de Brito, na Vicroria ; e Pedro Lo
pes de Sampaio, no S. Bartholomcu (2). Estas Náos
partirão de Lisboa desde 15 de Março até 9 de Abril,
e chegarão a Goa em Setembro (3),
Depois destas Náos sahio Duarte da Fonceca poc
Commandante de dois navios, o seu que era embarca
ção redonda, e huma Caravela Latina commandada por
seu irmão Diogo da Fonceca. Levava a comraissão de
correr os Portos da Ilha de S. Lourenço, para buscar
noticias da guarnição das duas Náos, que disse haverem
ali naufragado.

CO Couto, Década 4. Liv, 7. Capítulos I. e a. — Castanheda,


tiv. 8. Cap. 28. — Barreto no Epilogo já. citado, — Chronica de D..
Joáo III. Parte 2. Cap. 64. — Extracto das Armadas já mencionado. —
Faria, no- lugar citado. — Barros , Década 4. Liv.. 3. Cap, 2. e Liv.
J. Cap. 6.
(2) Por estas.Náos. mandou EIRei ordem ao Governador Nuao d»
Cunha para remetter preso a Po;tugal ao Vedor da Fazenda Affonso Me
xia, principal motor das escandalosas contestações entre Pedro Mascare
nhas e I.opo Vaz de Sampaio. O. inventario que se fez dos bens que-
sp lhe aprehendCráo, constava de muita pedraria, peças de ouro, e prt*
to, alcatifa/., e outras coisas riais. Veda Couto, Década 4. Liv. 7.
Cap. 2.
O) Castanheda- diz- no lugar citado, que estas Náos tivetáo moi-
ruim viagem; que três chegarão a Goa em Outubro, e outra a. Cara-;
nor em Novembro, com niuita gente morta , e outra doente; mas Dio
go de Couto , e Pedro laireto cie Rezende escrevem o contrauo.
39*
Duarte da Fonceca chegando a' Ilha de S. Louren
ço, entrou em huma grande Bahia (de que se não sa
be o nome), e indo para terra na lancha, affogou-se
com outros dez homens. Depois desta desgraça (a quasi
lodos os navios, que forão examinar os Portos desta
Ilha, succedêrão desventuras), continuou Diogo da Fon
ceca a seguir a Costa, e ancorou em Imm Porto, onde
rio muitas fumaças. Aqui recolheo quatro Porrugue-
zcs, e hum Francez : dos primeiros pertencia hum á
Náo de Aleixo de Abreu, e os três á de Manoel de
Lacerda; e o Francez (i) a hum navio daquella Na
ção, que naufragara na mesma Ilha.
Estes naufragados disserao, que no sertão existião
outros muitos, que era impossível sahirem dali. Diogo
da Fonceca, passando-se ao navio de seu irmão, foi pa
ra Moçambique, deixando nt> Porro a sua Caravela
por fazer muita agua, ou abandonando-a talvez por es
sa causa , pois não appareceo mais. Em Abril do an
uo seguinte de 15*3 1 T sahindo de Moçambique para a
índia , foi » pique na altura da Ilha de Socotora , não
se salvando pessoa alguma ; e só por alguns papeis acha-

(t) No atino de- 1529 part/ráo de Diepe três navios Francezes para»
aludia: hum naufragou na Ilha de S. Lourenço , a cuja equipagem,
pertencia, este homem; o.itro, de que era Capitão, e Piloto lium Por-
tuguez de apprllido Rozadu , perdeo-se na Ilha de Samatra ; e o tercei
ro foi ter a Dio com quarenta homens. Era seu Capitão, e Piloto outra
Porfiiguez chamado Estevão Dias Brigas, que por. crimes fugira- de Por
tugal. O Governador Mouro de Dio prendes por artificio todos os Fran
cezes, e os remetteo- á Corte, do seu Soberano , onde quasi todos se fi-
zerão Mali imefanos , e aob.irão mal.
Neste annr» de 1 5 fo partio de Inglaterra luim navio chamado Pau
lo de Plymouth, de 250 toneladas, de cue era Capitão Guilherme-
Jiawkirn; , armado á sua própria custa, e fez a primeira viajem da sua
Nação ao Brasil , para omnceteiar com os índio*.. No anno seguinte fez.
outra; e dahi pnr diante continuarão os Inglezes a frequentar as Con
quistas, e Colónias de Portugal. (Historia do Brasil de Roberto Southey,,
Tomo i.. Cap.. 12.) ' v
S98
dos em caixas, que o mar lançou na Ilha', se conheceo
o successo da sua viagem.
Em Maio do mesmo armo de i^o partio de Lis
boa Vicente Pegado, creado d'ElRei, nomeado Gover
nador de Sofala e Moçambique, com hum navio, em
que elle hia, e huma Caravela commandada por Bal-
tliasar Gonçalves ; cujas embarcações erão destinadas a
aruiar no trato de Melinde para Sofala. A Caravela ar
ribou a Lisboa.
iyjo. — EIRei D. João III. deve considerar-se co
mo o Povoador do Brasil , que até á época em que su-
bio ao Tlirono, estava só em partes reconhecido, e em
nenhuma povoado, porque as guerras da índia, e as al
tas esperanças que dava o seu Commercio, attrahiao ro
da a attençao dos Portuguezes para o Oriente. As espe
culações mercantis fonnavao então o espirito dominan
te do século, e cada século tem seu espirito particular,
que o distingue dos outros. EIRci pensou sabiamente,
que hum Paiz tao fértil , tão extenso , cheio de bons
Portos, como o Brasil, cuja navegação era muito me
nos longa , e difficil que a da índia , merecia toda a sua
consideração, e o emprego das providencias mais con
venientes para estabelecer nelle Colónias , que pouco e
pouco domesticassem os seus selvagens habitantes , e
praticando a agricultura, se utilizassem dos produetos
de huma terra virgem , e das preciosas madeiras de io
da a espécie, que ofFerecião os seus antiquíssimos bos
ques, em muitas partes á beira d'agua.
Como era impossível , que o Erário podesse fazer
foce a hum projecto gigantesco, que exigia enormes des-
pezas, forraou-se pelos annos de 15-31 , pouco roais ou
menos, hum plano geral de Colonisação, que abrangia
desde Pernambuco até ao Rio da Prata, demarcando, e
dividindo toda aquella immensa Costa em Capitanias
de cincoenta legoas de frente cada huma ( houve
399
nisto algumas alterações), com hum fundo illimitado^
por nao ser ainda conhecido o Continente. Estas Capi-
ranias deo EIRei em diferentes épocas, desde 15*32 em
diante, debaixo de certas condições, e de juro, e herda
de, ás pessoas que tinhão meios para estabelecerem ali
Colonins á sua própria custa (1).
Para dar principio a este systema mandou EIRei
neste anno de 15*30 a Martim Aftbnso de Sousa, do seu
Conselho, de cuja capacidade fazia grande estimação,
por Commandante de huma Esquadra, cem a qual pa
rece que elle encorporou alguns navios afretados á sua
custa , em que se embarcarão algumas pessoas offereci-
das para povoarem o primeiro estabelecimento Colonial,
que se hia a-ear no Brasil; attendendo a que Martim
Affbnso de Sousa levava Instrucções para examinar a
Costa, que corre do Cabo Frio ao Rio da Prata, e eri
gir huma Colónia onde melhor lhe parecesse, com au-
thoridade de conceder terras de Sesmaria aos que as qui-
zessem cultivar (2).
A Esquadra sahio de Lisboa depois de 20 de No
vembro, e na sua viagem encontrou alguns navios de
Corsários Francezes, de que tomou hum. No primei
ro de Janeiro de 1531 chegou á boca de huma vasta
Bahia, a que deo o nome de Rio de Janeiro; e Martim
Affonso de Sousa , não ousando aventurar a Esquadra
em hum Porto desconhecido , surgio fora , e desembar
cando em huma praia adjacente a hum notável penhas
co (o Pão de Assucar), explorou o P.iiz, e fez por mar
outro reconhecimento cora lanchas armadas, em que

O) Assim consta da Carta d' EIRei a Martim Affonso , datada de-


Lisboa a a.<t de Setembro de 15} 2.- Tomo 6. pag. }i8 das Provas á
Historia Genealógica.
(a) Vejáose as Memorias para a Historia da Capitania de S. Vicen
te , pelo Correspondente da Academia Real das Sciencias , Fr. Gaspar
da. Madre de Dsos..
4òo
veio a conhecer, que lhe não Convinha arriscar huma
pequena Colónia era terra tão povoada de índios fero
zes, e guerreiros.
Deixando pois o ancoradouro, proseguio costeando
para Oeste; vio as barras da Tijuca, e Guaratiba, des-
cobrio a Ilha da Marambaia , e loco outra, a que cha
mou Ilha Grande; e avante desta entrou em huma gran
de Enseada, a que deo o nome de Angra dos Reis, por
ser a 6 de Janeiro. Sahindo desta Enseada, continuou
a examinar a Costa até chegar no dia 20 a huma Ilha,
a que por essa causa chamou de S. Sebastião; e a \x
descobrio hum Porto, em que entrou, e o appcllidou
Rio de S. Vicente , por cuidar que o era ; c desembar
cando em huma Ilha , construio hum Forte para sua de
fensa. Este Porto he o que sè chama hoje Porto de San
tos, e a Capitania, que por muitos annos conservou a de
nominação de S. Vicente, tomou em 17 10 o nome de
S. Paulo. f --
Não pertencendo a estas Memorias a Historia for
mal das Colónias do Brasil, direi aqui somente, que
Martim ArFonso de Sousa teve a fortuna de achar esta
belecido neste Paiz hum Portuguez chamado João Ra
malho, que havia muitos annos habitava entre os Indioc
Guaianazes, e se achava casado com a filha de Teby-
reça, poderoso Cacique dos Campos de Paratininga, com
o favor do qual fez paz, e alliança com este Cacique,
a qual foi extensiva aos índios de outras Aldeãs.
Ficando com este Tratado em segurança a Coló
nia (que se mudou depois para melhor local) expedio
Martim AfFonso de Sousa para Portugal o navio Fran-
cez, que aprezára, com todos os prisioneiros, escreven
do a EIRei o que lhe havia suecedido ; e sahio com 1
Esquadra a reconhecer a Costa do Sul , segundo lhe or-
denavão as suas InstruccÓes , em cuja derrota descobrio
todas as Ilhas, Cabos, e Bahias, pondo Padrões onde
40Í
melhor lhe pareceo, como signal da posse que tomava
daquelles Paizes para a Coroa de Portugal. O primeiro
Padrão foi collocado na pequena Ilha do Cardoso , de
fronte da Cananéa; e havendo-se perdido a lembrança
<leUe, se descubrio em Janeiro de 1767. Em 30o de la
titude Sul achou hum Rio, que se ficou chamando do
seu nome; e na Ilha de Maldonado, situada na boca
<io Rio da Prata, assentou o ultimo Padrão; e entran
do por este Rio, perdeo hum navio, que varou em hum
•baixo.
Concluído este reconhecimento, que se não sabe
com certeza até onde se estendeo, voltou para S. Vi
cente , e por duas Caravelas chegadas de Lisboa soube
que EIRei lhe havia dado huma Capitania de cem le-
goas de Costa, e outra de cincoenta a seu irmão Pedro
Lopes de Sousa. Partioelle logo em pessoa a reconhecer
o Paiz onde estava, esubio a grande serra de Paranapia-
caba, em cujos campos se construio mais de vinte an-
nos depois a Cidade de S. Paulo ; e por ultimo deixan
do a Colónia bem guarnecida , regressou a Portugal em
1533-
15-3 1. — A Esquadra destinada este anno para a índia
foi de seis Náos (1), e custou a aprestar pelos grandes
terremotos que soffreo Portugal , os quaes causarão im-
mensas perdas em Lisboa, e nas Povoações situadas pe
las margens do Tejo até Santarém. Não nomeou EIRei
quem a governasse em chefe. Embarcarão nelia mil e
-quinhentos Soldados, e erao Commandantes dos navios
Achilles Godinho, na Náo Castello; Manoel de Ma
cedo, na Esperança; João Guedes, na Santa Cruz; Ma
noel Botelho, na Vera Cruz; Diogo Botelho Pereira, na
(1) Couto, Década 4. Liv. 7, Cap. 9. — Fr. Manoel Homem, na
obra já citada. — Chronica d- D. João III. Parte 2. Cap. 75. — Pedro
Xarreto, no Epilogo citado. — Castanheda, Liv. 8. Cap. 4}. — Faria,
Ásia Tomo j. no firn. ...
51
40»
Trindade; e no.S. Miguel o Doutor Pedro Vaz do Ama
ra! , Corregedor da Corte, nomeado para Governador
de Cochim, e Vedor da Fazenda Real.
Manoel Botelho, e Diogo Botelho Pereira levavão
commissao para irem á China , cuja viagem se nao ve
rificou , por estarem então os Portos daquelle Império
fechados aos Portuguezes ; e voltando ambos no anno
seguinte para Lisboa com carga de especiaria, desap-
parecêrão no caminho.
Sahindo a Esquadra de Lisboa em 20 d'Abril , ar
ribou a ella o Doutor Pedro Vaz : as outras cinco Náos
chegarão a Goa com prospera viagem , menos Manoel
de Macedo, que por ignorância do seu Piloto, foi va
rar em huma restinga da Ilha dos Jogues, dentro do
Cabo Comorim , sem saber por onde hia. Porém Ma
noel de Macedo, conhecendo onde estava, desembarcou
na restinga, que era de arca, e se fortificou com muita
pressa com pipas, e madeira que tirou da Náo, e pôz
a bom recado os mantimentos , e aguada , por saber que
era Calecare, lugar na terra firme fronteira á Ilha, ha-
bitavão os Mouros Naiteas, desaforados ladrões, e
preparando o seu escaler, escreveo ao Governador de
Cochim, pedindo-lhe navios, em que se retirasse.
Correrão logo peh Cosra as noticias deste naufr.T-
gio, e todos os Mouros de Calecare, e mais Povoações
circumvisinhas, reunindo as suas embarcações, vierão
atacar os Portuguezes: e cercando a restinga, começarão
a bater o campo com muita artilheria, tentando desem
barcar para levarem de assalto as trincheiras. Manoel
de Macedo, hum dos mais intrépidos Ofrkiaes do seu
tempo , defendeo-se por dez ou doze dias , cm que se
repetirão os ataques, até que chegou o soccorro de Co
chim, composto de duas Caravelas, e outros vasos me
nores, á vista do qual desapparecérao os Mouros; e.
Manoel de Macedo se embarcou com toda a gente, ai
403

tllhería , munições, dinheiro, e mais efFcitos da Náoj


deixando ali só o casco queimado.
15-32. — A pezar dos soecorros de dinheiro, que
EIRei forneceo ao Imperador Carlos V. para resistir na
Áustria ao formidável Exercito Othomano , sábio este
anno para a índia a 10 de Abril (1) huma Esqi-adra
de cinco Náos, commandada por D. Estevão da Ga
ma, filho do Conde D. Vasco da Gama, embarcado na
Náo Ajuda. Os outros Commandantes erão D. Paulo
da Gama , irmão de D. Estevão , no S. Tiago; o Dou
tor Pedro Vaz do Amaral , no S. Miguel ; António de
Carvalho, no Reis Magos; e Vicente Gil, na NáoGra-
ça,de que era Armador; hia nella embarcado D. Fr.
Fernando Vaqueiro , como Bispo de Anel do Bispo de
Angra, cuja jurisdicção comprehendia nesse tempo a ín
dia toda.
Navegou a Esquadra espalhada , como succedia
quasi sempre. Quatro Náos tomarão Goa nos princípios
de Setembro, mas D. Estevão da Gama, varando Mo
çambique, foi a Melinde, que também não tomou; e co
mo tinha urgente necessidade de agua, seguio para Soco-
-torá. A força das correntes o afastou da Ilha, e por for
tuna chegou a Xael , Cidade aberta, na Costa de Farta-
que, cujo Regulo, amigo do Estado, lhe mandou quan
tidade de refrescos. Como a Náo estava a pouca distan
cia da terra, e a lancha havia de ir fazer agua, D. Este
vão embarcou-se nella com D. Manoel, e D. Fernando
■de Lima , para ver a Povoação , ficando a Náo a bor
dejar. Em quanto porém se enchiao as vasilhas, saltou
o vento ao Levante mui rijo, com que a Náo se vio
forçada a correr com elle em popa; e o único Porto
que pôde afferrar, foi Moçambique, com infinito tra-
Çi) Fr. Manoel Homem, na Relação já mencionada. — Pedro Bar
reto, no Epilogo citado. — Couto, Década 4. Liv. 8. Cap. 2. —. Cliro-
nica de D. João III. Parte a. Cap. 77. — Faria, Ásia Portugueza. •
51 ii
404

bailio, e a maior parte da gente morta. D. Christovão


da Gama, irmão de D. Estevão, que ficou a bordo,
a pezar dos scos poucos armo?, concorreo muito para sal
var o navio, animando, e confortando a guarnição para
soíFrer com valor as necessidades que padecião todos.
D. Estevão da Gama , passados dois dias, determi
nou ir buscar a sua Náo , cuidando que a achasse pe/a
Costa, e mettendo-se na lancha carregada de agua, e de
refrescos, sahio de Xael ; mas não a vendo, e dizendo-
se-lhe que estaria em Socotorá , dirigio-se a esta Ilha,
onde não a achou : e como os Levantes devião durar
até ao Inverno , por parecer dos Officiaes de Náutica ,
que hião na lancha, seguio a Costa para Melinde, e foi
fazer agua a Magadaxo, cujo Regulo, sabendo que elle
era filho do Almirante Descubridor da índia, lhe veio
fallar, è fez grandes ofFerecimentos. D. Estevão lhe pe-
dio huma embarcação maior, e amarinliada , com al
gum Piloto Pratico, que o levasse a Melinde, o que o
Regulo lhe dêo logo, e muitos refrescos; e chegado a
Melinde , soube que a sua Náo tinha sido vista em der-
jota para Moçambique. Nesta Cidade estava Nuno Fer
nandes, Offícial Portuguez , que lhe deo huma Fusta
bem preparada, na qual cm poucos dias chegou a Mo
çambique , e ficou na sua Náo esperando a monção pa
ia passar á índia.
X5*3 3. — Sabendo ElRei pelas noticias da índia, que
o Governador Nuno da Cunha tinha dado principio á
empreza de Dio , fez apromptar sete Nãos para lhe
mandar de reforça, as qiiae» dividio cm duas Esqua
dras. Sahio a primeira (i) de Lisboa a 4 de Marco
de 15*33, composta de quatro Náos, commandada por
D.João Pereira, na Flor de la Mar; os outros Cora,-
(O Vede Couto, Década 4. Liv. 8.. Capitulo» 7 e 10. — Fam v
■jpa Ásia, tomo j. — Pedro Iiarrcto no seu Epilogo. - Chrotvca. d'E!Rci
D. Joio III. Pane 2. Cap. 87. - Castanheda^ Uv. 8. Cap. 6J.
405

mandantes erão Vasco de Paiva, na Santa Barbara ; Dio


go Brandão, n.i Santa Clara; e D. Francisco, ou D.
Diogo de Noronha (que de ambos os modos he nomea
do) no S. João.
A segunda Esquadra partio em Abril : era seu Che
fe D. Gonçalo Coutinho, na Náo Sirne; e os outros
Commandantes Simão da Veiga, no S. Roque; e Nu
no Furtado de Mendonça , no Bom Jesus. Estes três
navios chegarão em Setembro a Goa.
A Esquadra de D. João Pereira teve prospera via-
Í»em até ao Cabo de Boa Esperança , onde com hum
ur.^cão soçobrou a Náo de D. Francisco de Noronha ,
sem escapar ninguém, talvez por ignorância, ou descui
do do Official que naquellc momento critico se achava
mandando; as outras Náos espalharão-se.
D. João Pereira, vencido o parcel de Sofala, e
achando-se com as Ilhas, quiz esperar pelos outros na
vios: o Piloto^ e o Mestre disserão-lhe, que arriasse
rodo o panno, e António Galvão, que lua de passagei
ro, e entendia melhor a navegação, oppoz-se a este
conselho, querendo que se aguentassem velejando, por
que as aguas puxavão muito para a Cesta ; e assim se
fez nessa noite. Mas rendido o quarto ás quatro ho
ras, que o Chefe, e António Galvão se recolherão, lo
go o Piloto , e o Mestre pozerão a Náo em arvore se
ca , e forao-se deitar a dormir nos seus camarotes. A's
seis horas deo a Náo duas fortes pancadas com a qui
lha , e deitou o leme fora , cm consequência das corren
tes a terem levado para terra. A este ruido acudirão
todos acima, julgando-se perdidos; o Mestre, e o Pi
loto ficarão como pasmados ; huns querião matallos ,
outros tomavão caixas, capoeiras, e páos para se bota
rem ao mar; e o Chefe, com a espada na mão, reser
vava a lancha para si. Nesta revolra , e confusão geral,
António Galvão com grande accordo mandou largar o
406

traquete, e como a Náo foi seguindo para o mar, dei


tou o prumo, e achou oito braças, e depois dez, em
que surgio (i). Entretanto amanheceo, e chegarão as
outras duas Náos. Examimda a bomba , vio-se que a
Náo fazia agua; e como Moçambique distava quatorze
legoas, e o tempo era favorável, fizerão-se á vela , le
vando a lancha na proa com hum reboque, para melhor
governo ; e todas as três Náos entrarão em Moçambi
que , onde o Chefe se reparou , e foi tomar a barra de
Goa em Setembro com a sua Esquadra.
Depois de sahidas de Lisboa estas duas Esquadras,
chegarão da índia as Náos de torna-viagem do anr.o
antecedente, e sabendo EIRei o máo successo do ata
que de Dio , mandou immediatamente aprestar outra
Esquadra, para a qual se recrutarão dois mil homens,
c partio nos princípios de Novembro (2) debaixo das
ordens de D. Pedro de Castello Branco, composta de
dois Galeões , o S. João em que elle embarcou , e outro
commandado por André de Castro; e dez Caravelas
Latinas, Commandantes Nicoláo Juzarte , no Santo Es
pirito; Balthasar Gonsalves, na Conceição; António
Lobo, na Santa Martha ; Leonel de Lima, no S. Se
bastião ; Heitor de Sousa, na Esperança ; Francisco Pe
reira, na Águia; Gonçalo Fernandes, no S. João; Fran
cisco Fernandes , na Graça ; João de Sousa , na Rosa ;
e António de Sousa em outra.
Esta Esquadra, ainda que achou algumas calma
rias, e ventos contrários, reunio-se toda era Moçarnbi-

(1) Eis-aqui outro facto, que demonstra as ma's consequências de


não haver hum Corpo de Ofliciass da Marinha Real, a quem se confe
rissem os commandos das embarcações d 1 Corça ; inatetia em que já
fatiei mais de huma vez, peia suj máxima importância.
(2) O armamento desta Esquadra importou cem mil cruzados, se
gundo ,-iíiimia António Vajena na sua Chronica manuscrita d' EIRei D.
Sebastião.
407

que em Fevereiro seguinte; e sahindo dali a 15* de Mar


ço, chegou á índia no 1." de Maio.
i^-lj. — Neste mesmo anno cercarão os Mouros a
Fortaleza do Cabo de Guer (1), e abrindo brecha, lhe
derão vários assaltos, com que pozerão os defensores
em aperto , cujas noticias sabendo na Ilha da Madeira
Simão Gonsalves da Camará , seu Donatário, acudio lo
go a soccorrclla em pessoa cora seiscentos soldados era
seis navios, tudo á sua custa, os quaes reunidos á guar
nição, posto que já cançada , e enfraquecida do contí
nuo trabalho, rechaçarão constantemente os inimigos, e
os forçarão a levantar o sitio.
Apôs este importante serviço, fez Simão Gonsalves
da Camará outro não menor, empregando-se com toda
a actividade em reparar o estrago das baterias, man
dando buscar á Ilha da Madeira hum navio carregado
de cal ; e por ultimo deixando <i Fortaleza reparada , e
provida com as munições, e víveres que conduzira, e
nomeado hum Governador interino , por ser morto o
proprietário, se recolheo a sua casa.
Passados tempos, achando-se este Fidalgo em Por
tugal, e sabendo que a mesma Praça estava outra vez
necessitada de auxilio, escreveo a sua mulher D. Isabel
de Mendonça, então residente na Madeira, que a man
dasse soccorrer, o que ella fez com toda a brevidade,
enviando lhe gente, navios, e munições.
15*34. — Este anno mandou EIRei á índia (z) a Marr
rim Affonso de Sous.- para General (Capitão Mor) do
Mar daquelle Estado , com huma Esquadra de cinco
Nãos, edois mil homens de tropa. Embarcou elle em a
Ci) Chronica de D. João III. Parte 2. Cap. 82.
(a) Extiacto das Armadas já citado. — Couto , Década 4. Liv. o.
Cap. 1. — Faria, na Ásia Portugueia. — Pedro Barreto, no seu Epi-
kço. — Castanheda, Liv. S. Cap. 89. — Chronica de D. Joio III. Pai-
le }. Cap. 2.
408
NâoR-rinha ; os outros Commandantes erao Diogo Lopes
de Sousa , seu irmão , na Santa Cruz ; Tristão Gomes
da Mina , ou da Gran, no Santo António; Simão Gue
des, na Graça ; e António de Brito, no S. Miguei.
Partio de Lisboa a 12 de Março, e aeonrecendo
depois d;i sahida abalroarem-se as Náos de Simão Gue
des , e António de Brito, abrio a deste huma agua,
com que arribou a Lisboa ; mas reparada brevemente,
tornou a sahtr, e ainda chegou a Moçambique antes do
seu General ; e toda á Esquadra entrou em Goa no mcz
de Setembro.
No Verão deste anno (1) poz o Rei de Marrocos
cerco a Çafim com hum Exercito, que se diz ser de
noventa mil soldados, e vinte mil gastadores, com mui
ta artilheria grossa , e miúda; e bateo furiosamente a
Praça. O Governador rinha avisado com antecipação a
EIRei , que em breve fez apromptar hum soccorro de
gente, e navios com todas as munições necessárias, o
qual encarregou a D. Garcia de Noronha ; mas parece
que não chegou a tempo de ser útil aos cercados, por
que o Príncipe Africano, vendo que perdia muita gen
te, levantou o sitio.
I5'35'. — A pezar das grandes despezas exigidas para
a expedição de Tunes, que então se preparava, mandou
EIRei á índia (2) este anno huma Esquadra de sete
Náos commandada por Fernão Peres de Andrade, hum
-dos veteranos da guerreira, e briosa Escola Portugueza.
Embarcou em a Náo Esperança ; e erão Commandan-
tes das outras Martim de Freitas (nome memorável na
Historia ! ) , no S. Roque ; Thomé de Sousa , na Galle-
ga ; Jorge Mascarenhas, na Santa Clara; Luiz Alvares

(1) Chronica de D. João III. Parte 1. Cap. 90.


(2) Couto, Decaia 9. Liv. 9. Cap. i. — Fr. Manoel Homem. —
Pedro Barreto, Qironica de D. Joáo III.
409

de Paiva, no Sirne; Fernão Camelo, no S. Bartholo-


meu ; e Fernão de Moraes , na Santa Barbara.
A 8 de Março partio de Lisboa Fernão Peres, le
vando dois mil homens de luzida tropa, e -muito dinhei
ro para despesas do Estado da índia, e compra de gé
neros do Commercio; e sem achar contratempo algum,
chegou a Goa a 7 de Setembro.
ij-jj'. — Constituído Rei de Tunes o temido Barba
Roxa (1) por ter expulsado do Throno a Moley Has-
san , resolveo o Imperador Carlos V. ir em pessoa re
stabelecer este Príncipe nos seus Estados, a fim de des
assombrar a Itália da visinhança de hum inimigo terrí
vel pela sua natural audácia, e pelos soccorros que a
Porta lhe fornecia. Em consequência começou a preve
nir o necessário para a formidável invasão , que medi
tava, fazendo armar quantos navios se acharão pelos
portos de Hcspanha , e de Itália , e todos os aprovisio
namentos de víveres, munições de guerra, e navaes, de
que se organizarão immensos depósitos em Barcelona ,
Porto escolhido pelas vantagens da sua localidade para
centro de reunião de todas as forças de mar, e terra da
vasta Monarchia Hespanholà , e dos seus Alliados.
Era EIRei D. João III. o mais poderoso destes
pelas suas riquezas, e forças marítimas, e o mais in
teressado no feliz resultado daquella empreza , pela po
sição topográfica de Portugal , e extensão do seu Com
mercio. Desde o anno antecedente lhe pedio o Impera
dor o auxilio de httma Esquadra de vinte Caravelas, e
alguns navios grandes, nomeando-lhe expressamente o

(1) Vede Anno Histórico , tomo 3. pag. 548 e pag. 41 1. — Fr.


Manoel Homem , Capítulos j; ate 57.— Chronica d'EIRei D. joáoIII.
Farte j. Cap. 15. — Acenheiro, pag. j6i; — Memoria do Galeão Bo-
ta-Fogo, por Jorge Coelho. — Historia de Carlos V. por Sandoval ,
tomo a. Liv. ia. — Vida do Infante D. Luis, pelo Conde do Vimioso,
de pag. ji por diante.
62
410
GoleabS. João (r), era Bota-Fogo, o maior navio que
então se conhecia na Europa.
ElRci, anmiindo aos rogos do Imperador, mandou
armar huma Esquadra composta do Galeão S.João,
duas Náos, e^ vinte das melhores Caravelas, com al
guns Transportes de munições, tudo guarnecido de dois
mil e quatrocentos Sqldados (2), alem de muitos Fidal
gos principaes , que forão como Voluntários , movidos
da nobre ambição de ganhar honra em huma empreza,
ende o maior Potentado do século arriscava a. sua glo
ria.
Nomeou EIRei por General da expedição a Antó
nio de Saldanha, o Velho, Official de muita experiên
cia , e serviços, o qual embarcou no Galeão com seiscen
tos mosqueteiros, quatrocentos homens de espada, e ro
dela, e trezentos artilheiros. Erão Commandantes das
embarcações, de guerra Pedro Lopes de Sousa., D» João
(1) Fr. Manoel Homem no lugar citado diz, que este Galeão mon
tava j6ó peças de artilheria de bronze, inclusas as que guarneciío do»
altos Castellos na popa, e na proa; e ainda que cita outros Autbores,
que lhe àío menos , declara-se comtudo pelo maior numero de canhões
mencionado. O Folheto attribuido ao Doutor Jorge Coelho , que pare
ce ser escrito no Reinado de D. João o III. (menos o ultimo §) diz,
que o Galeão fora construído nas Poitas do Alar , ein Lisboa, pelo Mes
tre. João Gallego,. pai de Pedro Gallego (de quem adiante fatiarei)
qus o começou a 30 de Agosto de 1 $ } } , e empregando na sua cort-
ítrucqáo ajo operários, se deitou áo mar a J4 de Junho do- anna se
guinte', que a sua quilha tinha comprimento e meio da maior Não da
índia; e que era. de cinco baterias, com o mesmo numero de 366
bocas de fogo.
A pezar destas, e de outros "authoridacles, que provavelmente se re-
dnzem a huma só, persuado-me que o Galeão não seria maior que a
N.io Hespanhola Santíssima Trindade-, de 140 peças, tomada pelos Io-
gleies na batalha de Trafalgar. D« resto ©Galeão existia ainda no ati
no de 1580, e esteve-sneorado com outros- navios em Belém, pa-a em
baraçar que a Armada de D. Filipp» II'. checasse a- Lisboa.
(a) Acenheiro, pag. }6i diz, que em- toda a Esquadra hiâo 61Í
cannóes.
ai*
tJeCastro, Simão de Mello, Jorge Velho , Her.riquèrde
Macedo, Simão da Veiga, Francisco Rodrigues Barba,
Ignacio de Bulhões, António de Mansellos, Henrique
de Sousa Chichorro, Francisco Mendes de Vasconcel-
los , Gaspar Tibáo , M3n0cl.de Briro, Balthasar Lobo
Teixeira , Manoel Brandão , Nuno Vaz de Gastello
Sranco, Thomaz de Barros, Francisco Homem , Antó
nio de Azambuja, Francisco Chamorro Garcez, D. Hen
rique de Sá, e BalthâSar Banha. - v.i -. •. .
Deo-lhe-EJRci grandes poderes no Criminal , e
Civil sobre todos os indivíduos, que servissem na Es
quadra.; e ordenou, que nó caso do seu fàllecimento lhe
suecedesse Simão de Mello , de quem fazia grande esti
ma. w\ ' ■ '•"••-■■
Sahio a Esquadra de Lisboa em fins de Março, ou
princípios de Abril , e na noite de 28 deste mez che
gou a Barcelona. Na manhã seguinte entrou no Porto
eta linha de marcha , muito embandeirada , c com lon
gas salvas de artilheria, e mosquetaria, ao som de todos
«s instrumentos bellicos usados naquelle tempo, foi dar
fundo; o que satisfez' por extremo ao Imperador, que
■para a ter entrar se achava em casa de Álvaro Mendes
de VasconceJlos, Embaixador de Portugal , cujas janel-
las cahião sobrex) mar. •'■*•'
António de Saldanha desembarcou logo accompa-
nbado de todos os Cominandantes , e pessoas mais dis-
tinctas , com ricos trajos, e adornos, kvando huma
guarda de trinta arcabuseiros fardados de verde e bran
co* Estavão á borda d'agua os Duques de Alva , e Car
dona com outros Grandes da Hespanha , que o cumpri
mentarão, e ievárao no meio até ao Palácio do Bispo ,
para onde passara o Imperador. Este Monarcha rece-
íjco a António de Saldanha, e a sua comitiva com mui
tas honras , e obséquios.
No i.° de Maio entrou em Barcelona o Príncipe
í2 ii
412
André Dória cora vinte e duas Galés bém preparadas, è
ao passar pela Esquadra Portugueza, a salvou com to
da a artilheria, e mosquetaria, a qual lhe respondeo
com outra igual salva. Occorreo aqui huma etiqueta
militar : o Príncipe Dória , como General em Chefe de
todas as forças navaes empregadas naquella expedição ,
tinha só o privilegio de usar do Estandarte Real; e a
mesma Insígnia levava António de Saldanha , que não
era homem de ceder o campo. O Imperador decidio,
que o Estandarte d'ElRci de Portugal, seu Irmão, fi
casse também arvorado (i).
No dia 16 embarcou o Imperador na Galé de Dó
ria, e seguido das outras Galés, deo volta por toda a
Armada , em cuja occasião a Esquadra Portugueza lhe
deo huma salva geral , a que responderão todos os na
vios surtos no Porto. . -.
O Infante D. Luis, hum dos Príncipes mais com
pletos do seu século, sempre desejoso de achar-se em
grandes emprezas, para que nunca obteve Hcença <PE1-
Rei seu Irmão, resolvco não perder esta occasião; e de
pois que a Esquadra sahio de Lisboa , partio em segre
do a 13 de Maio da Cidade de Évora, onde escava en
tão a Cone, accompanhado de André Telles de Mene
zes, Manoel de Sousa Chichorro, D. Fernando, Fraa-
cisco Pereira , e Pedro Botelho , todos seus criados.
Divulgada a partida do Infante, expedio EIRei pe
la posta o Conde da Castanheira D. António de Ataí
de, que o alcançou, e lhe entregou a licença para con
tinuar a jornada, e hum credito de cem mil cruzados.
Deo EIRei igualmente faculdade, e fez muitas mercês
para o acompanharem a D. Pedto Mascarenhas, Lou-

CO O General da Armada trazia então Bandeira, no tope grande, 9


o Estandarte Real iqado na popa. Hoje largão-se nos topes todas as h»-.
iigiius. Cauto, Memorias Militares., tomo j* pag. 154-
413
renço Pires de Távora, Ruy Lourenço de Távora, Luís
Gonsalves de Ataíde, D. João de Éça, Tristão Vaz da
Veiga, D. GaTcia de Castro, António de Albuquerque,
Fernando da Silveira, D. Diogo de Castro, D. Fran
cisco Coutinho, Belchior de Brito, Pedro da Fonceca ,
D. AfFonso de Portugal , filho do Conde do Vimioso,
D. AfFonso de Castello Branco, D. António de Almei
da, Ruy Mendes de Mesquita, ejoao de Sepúlveda.
Alguns Fidalgos forão sem licença, como outro filho do
Conde do Vimioso, Luiz Alvares de Távora, D. João
Pereira, filho do Conde da Feira, Tristão de Mendon
ça , e João Freire de Andrade.
O Duque de Bragança D. Theodosio tinha tam
bém seguido ao Infante, e o achou em Arronches, po
rém EIRíi o chamou logo á Corte por huma Carta âo
seu punho em data de 15" de Maio, á qual o Duque se
vio obrigado a ceder, ainda que com grande repugnân
cia ; e começou a retirada com huma acção própria de
similhante Príncipe, distribuindo por pessoas necessita
das toda a sua bagagem, armas, e cavallos (i),e quin
ze mil cruzados em dinheiro, que restavão ao seu The-
soureiro, EIRei escreveo a António de Saldanha, que
obedecesse ao Infante em tudo, como se elle mesmo esti
vesse presente.
A 23 de Maio chegou a Barcerorra o Infante D.
Luis, c o Imperador o esperou nas escadas do Paço, no
qual o hospedo» com as demonstrações , e festas devi
das a rao alta Personagem.
A 30 embarcou o Imperador na Galé Bastarda, de
três mastros, e vinte cseis bancos de quatro remos, to
da dourada; c soberbamente mobilada, e adornada, que
o Principe Dória mandara fazer em Génova para este
; e cora elle embarcou o lnfatite, levando comsigo

(1) Historia Genealógica, tomo 6. pag. 9.


414
D. Pedro Mascarenhas, c André Telles de Menezes.
A 31 sahio de Barcelona toda a Armada , e a pezar das
ordens mais aperradas para se não receberem a bordo
pessoas inúteis, nem mulheres, acharao-se destas ultimas
ao desembarcar em Tunes mais de quitro mil. Hum
vento, que sobreveio, espalhou os navios. As Galés to
marão guarida em Malhor-ca-re as embarcações gran
des em Porto Mahom. Abonançando o tempo, seguio o
Imperador a sua viagem, e a ri de Junho ancorou na
'Bahia de Calhâri , onde chegou da Itália o Marquez
dei Vasro, General da Infantcria , com hum reforço de
navios, e tropas daquelle Paiz •, e por alguns cativos fu
gidos de Tunes soube o Imperador o estado das forti
ficações da Goleta, e os preparativos de defensa de Bar
ba Roxa.
■ - Depois desta reunião constava a Armada de qua
renta Galeões, cem navios redondos, sessenta Urcas,
vinte e cinco Caravelas, e oitenta e duas Galés , alem
•de muitas embarcações ligeiras, chegando o numero to
tal a quatrocentas velas. Era General das Galés de Hes-
panha D. Álvaro Baçan. O Exercito, que recebia sol
do, 6ubia a vinte e seis mil Infantes, e dois mil Cavai-
los, em que entrarão oito mil Alemães, e cinco mil
Italianos. Na Cavallaria havia geo homens cobertos
de completa armadura ; o resto armado á ligeira de cou
raças , capacetes, lanças, e adagas. Os Voluntários, ou
Aventureiros (nome que se dava aos que não recebião
soldo) chega vão a dezeseis mil homens, huns servindo
a pé, outros á cavailo.
A *3 sahio a Armada de Calhari em duas Divi
sões, a primeira composta da Esquadra Portugueza , e
das Galés de D. Álvaro Baçan ; e na •segunda, com-
prehendendo o resto dos navios de guerra , hia o Im
perador, e o General em Chefe Principe Dória.
A ij entrou na Bahia de Tupes, e no mesmo dia
416

surgio toda cm Cabo Carthago, a cinco milhas da Go


leia (i).
Não tinha escapado á suspicaz vigilância de Barba
Roxa o armamento do Imperador, nem o seu verdadei
ro destino; e pedindo auxilio ao Sultão, que embaraça
do com guerras na Ásia, não pôde conceder-lho , obte-
ye multa gente dos Governos da Barberia: e como a,
sua Armada não podia medir-se com a do Imperador ,
tomou a resolução de defender a todo o risco o Cas-
tello da Goleta, que fez fortificar o melhor que as cir
cunstancias permirtiao. O seu Exercito compunha-se de
oiro mil Turco», oitocentos Janizaros , oito mil Árabes
de carallo, e quatorze mil Mouros, huns lanceiros, ou-
Çi) O Castello di Goleta tomou o nome dó ejtreito Canal (em
Hespanhol Goleta) em aija entrada está situado; o qual se fechava to
das os dias ao pòr. do- Sol , no tempo em que e'i ali estive , com huniá
grande Viga' atravessada- da ponta , em que elle está fundado-, pata ou
tra ponta fronteira:, onde se acha o U.uilio , ou Prisão dos Escravos , a
hm de evitar- de noite a pascem, de embarcações- pequenas. O Canal
íem bom. fundo» na. sntrada , mas espraia-se logo em hum lagamar de
dote milhas de comprido e nove de largo, que vai acabar na Cidade
de Tunes, com tão pouca altura efe agua, que só podem transitar por
eile embarcações de remo, e ainda para isso he necessário ter alguma
pratica da» localidades, porque lie cheio de nlfaques.
No relato io deste cerco não faço menção da cadea que fechava a
entrada di Goleta, e que- foi rota a' segunda investida do Galeão Fota-
Fogo , cujo bfque hii armado de hum talhamar de aço, segundo o tes
temunho de Fr, Manoel Homem,- do- Conde do Vimioso, do Padre Fran
cisco de Santa Maria (Anno Histórico), e de outros Escritores; porque
me parece pesar mais o silencio de alguns sisudos Historiadores, que
não faiem memoria de similhante facto, o qual não aumentaria a glo
ria Ha tomada do Castcllo , nem serviria de cousa alguma para a facili-
•tar, pois que elle pôde ser batido da parte do mar , de que está rnlri
pouco distante , sem obra alguma que ocubtado fogo dos- navios, a
que apresenta huma grande superfície, pela sua elevação sobre o uivei
da agua. Cumpre advertir, çu« hurra cadea não se coita cem talhamar ;
mas rompe-se com o choque de hum navio correndo a hum largo , 011
4 popa? com vento fresco. Por ultimo n modo de defender Csnaes hs
com baterias cruzadas, e. se atirarem eom.baJa roxa, tanto melhor.
416
tros frecheiros, sem disciplina : e querendo assegurar
ar/tes de tudo os seus thesouros, carregou vinte e seis
Galés , em que os remetteo para Bona, e Argel. Ao fa
moso Sinan , Renegado Judeo , entregou o Governo c*a
Goleta , com a flor dos Janizaros, e Turcos, e grande
quantidade de munições; e clle estabeleceo-se em Tu
nes, para d'ali inquietar o Exercito Imperial, e enviar
soccorros ao Castello, cuja communicação tinha franca,
porque a sua Marinha oceupava o Lago.
O Imperador, tendo mandado reconhecer o Castel
lo pelo Marquez dei Vasto com 22 Galés, fez desem
barcar no dia 16 parte da I nfan teria , e clle desembar
cou no dia seguinte com o resto do Exercito. Ganhou-
se facilmente huma Torre distante huma milha da Go
leta ; e o Exercito alojou-se junto ás ruinas de Cartha-
Não sendo do objecto destas Memorias a narração
circunstanciada do cerco, relatarei em summa os prin-
cipaes accontecimenros. Barba Roxa inquietava continua
mente o Campo do Imperador, aproveitando-se das ven-
tagens que lhe davão as localidades, por ser todo o Paiz
coberto de ruinas dos antigos edifícios de Carthago, e
de muitas vinhas, olivaes, e valados, que offerecião mil
posições favoráveis á pequena guerra , que elle sabia
bem fazer, e Sinan não estava ocioso no Castello, d'on-
de fazia frequentes sortidas , o que dava occasiao a hu
ma multidão de combates, que causavão grandes perdas
ao Exercito, sobre as que recebia das doenças procedi
das do calor do clima, da ruindade, e falta de agua,
da má qualidade dos víveres, e do continuo trabalho.
O Imperador acudia frequentes vezes aos rebates , sem
pre acompanhado do Infante D. Luis, que era inse
parável do seu lado, e promovia a obra das trincheiras,
que" avançavao com dificuldade, por ser necessário acar
retar de fora nas Galés os materiaes para ellas.
417

A 25" chegou D. Francisco de Alarcão , General


Veterano de grande reputação, a quem o Imperador cha
mava Pai, e logo começou a fazer mudanças na distri
buição, e disciplina do Exercito, é a adiantar os apro-
xes, prohibindo ao mesmo tempo as sahidas, que fazião
com frequência alguns destacamentos para atacar os
Mouros, que vinhão escaramuçar , as quaes custavão
sangue, sem produzirem fructo algum.
Promptas a final ires baterias nos lugares mais
vcntajosos para bater em brecha o Csstello com dezase-
te canhões de grosso calibre, romperão o fogo no dia
34 de Julho d) ao amanhecer; e ao mesmo tempo os
melhores navios da Armada, em que entravão as Cara
velas Portuguezas, atacarão da banda do mar, onde at-
trahio a attençáo de todos o Galeão S.João, pela acti
vidade do seu fogo mui superior, e a cavalleiro dos ou
tros navios. Os sitiados responderão com valor a esta
espantosa bateria de fogos cruzados, em que da parte
dos atacantes se dispararão mais de quatro mil balas de
artilheria. No fim de seis horas virão-se largas brechas
em todos os lados batidos; e o Imperador, que esperava
este momento á testa do Exercito debaixo de armas ,
mandou fazer o signal do assalto, ao qual marcharão
na vanguarda as tropas Hespanholas , a que sempre da
va a preferencia nas occasiões criticas , e erao sem con
tradição naquelle século as melhores da Europa: assim
a Praça foi logo entrada sem grande perda , e desem
barcando ao mesmo tempo D. Álvaro Baçan com os sol
dados da guarnição dos navios, penetrarão nella por ou
tras brechas.
Sinan , depois de fazer os maiores esforços para
(O Francisco de Andrade traz este assalto no dia 25 de Julho, a
quem segue o Conde do Vimioso; Acenlieiro diz, que foi a 21; e o
Anuo Histórico a ia; eu segui a Sandoval , que parece bem informado
jdos particulares do cerca
53 . , ......
418
rechaçar os C-hristaos, vendo mortos duzentos Janizsros,
cada hum no lugar que ©ocupara vivo, se recoMwo por
inar a Tunes, tendo perdido ao rodo mil e quatrocentos
homens.
Acharao-se no Cnstello quarenta canhões; e rotna-
râo-se no Lago todas as embarcações de Barba Roxa,
cujas eqHipageos fugirão com tal desacordo, que se es
quecerão de lhes pôr fogo. Constava esta Armada de
quarenta e duas Galés Reaes, muitas de %6 a 28 ban
cos; entre ellas a soa soberba Capítanea, quarenta e
quatro Galeotas, Fustas, e Bergantins, e tinte e sete
navios redondos, além de outros vasos mais pequenos,
com setecentas peças de artilheria, em que se comavão
trezentas de bronze.
Tomado o Gistdio, pôz o Imperador em Conce-
H10 no dia 17, se devia marchar sobre Tunes, para ex
pulsar B¥rba Roxa dsqueile Estado, ou voltar para Hes-
panhà, deixando guarnição noCastello daGoleta? O In
fante D. Luis, e o Dirque de Alva foraO pela conquis
ta de Tunes , que era a opinião do Imperador; e esta
se segiHO^ a pezar da opposiçab do maior numero dos
votantes.
Erh consequência marchou O Exercito no dia se
guinte para Tunes, e ainda que a distancia era de pou
cas milhas , o caminho offereeia terríveis obstáculos ,
tanto pela sua natureza , como pelo insupportavel calor
da estaçSo, e falta de agua. Alem disto, Barba Roxa
rinha reunido a seis mil Turcos, Jartizaro? , e Renega
dos, que lhe resravão, hum Exercito de Árabes, e Mou
ros de sessenta mil homens, em que se contavao vinte
rhil de cavallo, e treze mií- arcabuzeiros, com alguma
artilheria ligeira, e estava habilmente postado, ficando-
íhe na retaguarda os únicos poços, que por ali havia:
era por tanto forçoso, que o Exercito Imperial os ga
nhasse, ou morresse á sede, havendo-se-ihc já de todo
acabado a agua.
413

No dia 10 o Imperador, depois ife reconhecer i


posição de Barba Roxn , parece que ficou perplexo, e
perguntou a D. Fernando de Alarcão o que faria} Ac-
commetter já, respondeo elJe. Assim o fez o Impera
dor, e a primeira carga das suas tropas se debandou to
da a multidão dos inimigos, quasi sem combater, ecom
pouca perda, porque os vencedores cstavão tão abatidos
de sede, e de calor, que mal podião mover-se, quanto
mais seguir o alcance. Barba Roxa, desesperado da co
bardia dos Africanos , sahio aquclla noite de Tunes
com os seus Turcos, c Renegados, e tratou de sílvar-se
em Bona.
No dia seguinte entrou o Imperador em Tunes sem
resistência, e pôz em liberdade perto de vinte mil cati
vos de differentes Nações, que ali existião; mas os seus
soldados commettérão os maiores horrores, saqueando
a Cidade, e matando a sangue frio mais de dez mil ha
bitantes de todos os sexos , e idades, que pedião raiscrU
cord ia.
A 4 de Agosto assignou-se hum Tratado entre o
Imperador e Moley Hassan (que o ínvia acompanha
do), pelo qual foi este Principe restabelecido no seu
Throno , cedendo á Hespanha o Castcllo da Golera,e
outras Praças marítimas, com varias clausulas, que não
fazem a meu propósito.
Convocou o Imperador o seu Concelho para saber
se devia passar á conquista de Argel , empreza que pa«
recia então da maior facilidade, e infelizmente foi re
provada. Assim se concluio esta brilhante campanha, e
deixando na Goleta por Governador a D. Bernardino de
Mendonça , com mil soldados Hespanhoes , despedio â
Esquadra de Portugal. Mandou o Imperador dar dois
mil cruzados a cada hum dos Commandantes Portugue»
zes , os quaes só D. João d«. Castro não quiz acceirár.
Partio António de Saldanha para Lisboa a io de
6» i'.
420

Agosto, levando comsigo o Infante D. Luis. ' Ancorou


em Calhari, onde se deteve cinco dias , e sahindo d'dli,
sofreo liuma tempestade no Golfo de Leão, que o for
çou a arribar outra vez a Calhari. Socegado o tempo,
seguio viagem, e no dia 30 teve outro máo tempo, com
que entrou em Palamos com seis Caravelas. Aqui des
embarcou o Infante, e proseguio por terra a sua jorna
da. António de Saldanha, havendo reunido a Esquadra,
veio entrar no mez de Outubro em Lisboa.
I5'35'. — Neste anno etnprehendeo Diogo Botelho (1)
a sua viagem da índia a Portugal; viagem que deve en
trar em linha com as acções mais atrevidas do espirito
humano.
Este Official , nascido na índia (z) , era filho na
tural de António Real, Governador de Cochim no tem
po do Vice-Rei D. Francisco de Almeida, e de Iria Pe
reira, que elle levara comsigo de Portugal; a qual fican
do rica , o educou em grande mimo. A inclinação o.
levou ao estudo da Geografia, e Artes Náuticas, em que
fez grandes progressos pelo seu raro talento, constituin-
do-se hum hábil Piloto, e Artífice de Cartas Marítima?,
emendando muitos erros dos antigos Mapas; sem que
estes estudos o arredassem do uso das armas, a que o
arrastava o seu génio audaz, e emprehendedor.
Tendo assim adquirido boa reputação, veio a Por
tugal , onde El Rei Hie deo o Foro de Fidalgo ,eo tra
tou com distineçao; mas não lhe deferindo a hum re-

Çi) Esta Viagem cie Diogo Botelho he contada diversamente pelo»


nossos melhores Escritores, huns acerescentando circunstancias, que ou
tros omiMem, e, variando, todos nas datas.. Eu segui o que me patecto
mais provável.
(2) Vede a Chronica de D. João III., por Francisco de Andrade,
Paire j. Capitulos 1 « , e 14. — Castanheda, Li v. 8. Cap. 5 a. — Con
to 1 Década 5. Liv. 1. Cap. 2. — Joio de Earros, Década 4. Lir«.&
421
requerimento era que pedia o Governo de Chaul , teve
Diogo Botelho a imprudência de soltar algumas pala
vras equivocas na presença de D. António de Noronha
Escrivão da Puridade, dando a entender queria mudar
de Reino; o que sabido por EIRei, lembrando-se da
caso de Magalhães, a que Diogo Botelho não cedia em
valor, e sobrepujava em conhecimentos, o mandou pren
der no Castello de Lisboa , e o conservou a bom reca
do até á época era que foi nomeado Vice-Rei da ín
dia o Conde Almirante D. Vasco da Gama , que im
portunado de alguns Fidalgos, pedio licença para o le
var comsigo, e EIRei Lha deo debaixo da condição de
não tornar mais a Portugal sem expressa ordem sus.
Chegado Diogo Botelho a Goa , continuou a ser
vir, c passava os Invernos em Cochim, por ter ali ami
gos, que lhe fazião pagar com exactidão os seus sol
dos. Andava ell-e espreitando alguma occasião opportu-
na de vir a Portugal, porém de hum modo tão extraor
dinário, que claramente demonstrasse a EIRei a sua fi
delidade, e desmentisse- aquém lhe dissera queria dei
xar o Real Serviço. Com este intento obteve faculda
de do Governador Nuno da Cunha para armar huma
Fusta , ent que servisse o Estado , e a construio em Co
chim (i), munindo-a de tudo quanto julgou necessário
para huma comprida viagem. Era isto no momento env
que o Governador negociava com Sultão Badur a con-
strucção de huma Fortaleza cm Dio ; e devendo tão im
portante novidade ser logo communicada a EIRei por
expresso , intentava Diogo Botelho ser o mensageiro
delia. Com estas idéas foi a Baçaim-, onde deixou a sua
Fusta, e passou a Dio em outro navio.
Começada a Fortaleza,, sahio Diogo Botelho occul-
(l) Castanheda diz, que esta embarcação tinha 22 palmos de qui»
Mia, 12 de boca, e 6 de pontal; dimensões que me parecem extraor-
dinaiias!.
4H
famètité de Dio, e chegando a Ehçaim, e.epafhou voz de
que o Governador o mandava a Chaul , e fez-se á véfa
nos primeiros dia3 de Novembro de l$3$, levando de
equipagem cinco Portuguezes , que rrão três criados
seus, o Mestre, e hum Mnnoel Moreno, e oito escra
vos marinheiros; e de carga quarenta qu'ntacs de cra
vo, e os víveres, e aguada que podia accommodar tão
pequena embarcação. Partindo em monção favorável,
tomou a Costa de Melinde para se refazer de agua , e
mantimento; e nesta travessa descobrio ao Mestre, e
aos outros Portuguezes o verdadeiro objecto da soa via
gem, distribuindo logo a cada lium certa porção de di
nheiro, com promessa de ampla recompensa na sua che
gada a Portugal; e como se não fiava dos escravo?, tra
ria sempre vestida huma saia de malha, e huma espa
da curta na cinta.
Os seus receios não erão vãos , porque temendo el-
les os perigos, e trabalhos da navegação, se conjurarão
para o matar, e aos mais Portuguezes, de que alguns
vinhao doentes ; e hum dia , que sobreveio hum agua
ceiro súbito , com que arriando as velas de pancada , es-
fas cahírão no mar, acudio toda a equipagem para as
recolher, e neste momento de confusão, e de embaraço
se levantarão os escravos, armando-se de flfgas, espe
tos, e machados, c huma espada que tinhão furtado, e
atacarão o Commandanre, e os cinco Portuguezes, que,
a pezar de surprehendidos, se defenderão como leões,
matando dois, e forçando o resto a deitar-se ao mar,
em que se afFogárão três. Os outros recolherao-se a bor-
áo com promessa de perdão. Morreo nestrí briga hum
Portuguez , e ficou ferido o Mestre; e mais do que elle
Diogo Botelho, que recebeo hum- golpe na cabeça, em
consequência do qual perdeo por muitos dias a falia , e
6Ó podia dar as suas ordens por acenos , ou por escrito.
Antes de dobrar o Cabo de Boa Esperança, o que
423
reriíícoH em Janeiro de 15:36, soffYeo Diogo Botelho al
gumas borrascas, que dius vezes o rizerão arribar; e di
rigindo a sua derrota para a Ilha de Sinta Helena, nao
a vio pela escuridão do tempo-, e padecendo por isso
muitas fomes, c sedes, chegou á altura dos Açores. A ikv
cessidade o forçou a ancorar na Ilha do Faial, onde re-
cebeo agua, e mantimentos, e enganando habilmente ao
Commandante da Ilha (outros dizem ao Corregedor),
que mostrava intenções sinistras a seu respeito, se fez á
vela para Lisboa, cm cujo Porto entrou a 21 de Maio;
e passados muitos dias chegou da índia Simão Ferrei
ra , que sahíra depois delle cora as Cartas do Governa
dor Nuno da Cunha.
EJRei , ainda que estimou sobremaneira a noticia
da Fortaleza cie Dio , perdoou com difficuldade a Dio
go Botelho a sua deserção , e falta de obediência ; e de
pois de examinar pessoalmente a Fusta , a mandou re
colher em Sacavém, onde concorriao tedos os Nacio-
naés, e Estrangeiros a verem, e admirarem hum pe
queno barco, que atravessara tantas mil Icgoas de hum
<c outro Oceano.
1536 — A iode Mar^o deste anno partio para a ín
dia huma Esquadra do cinco Náos , commr.ndada por
Jorge Csbrdl (1), embarcado em a Náo Grifo; e os ou
tros Com manda mes Vicente Gú , Armador, na Santa
Cruz; Gaspnr de Quevedo, na Santa Maria da Graça;
Ambrósio do Rego, no Santo André;, e Duarte Barre
to , no S. Miguel.
Ambrósio do Rego % separando-se da Esquadra ,
.chegou á Cosu de Guiné, onde hum aguaceiro lhe que-
•brom o mastro grande, pelo que foi reparar-se a Ca-

(O Vede -o ExtTicto dai Armadas já citado. — Fr. Masoel Homem.


— Ohronica Ai -D. João IH. Patê j. Cap. js. — Castanheda, Liv. 8.
Cap. 141. — Pecko taiteto, Epilogo Ac
424

narias : dali seguio viagem com tanta fortuna , que en


trou em Goa a 4 de Setembro ; e alguns dias depois
chegou o resto da Esquadra.
15-56. — Neste mesmo anno (1) sitiarão os Mouros
o Castello do Cabo de Guer , de que era Governador
D. Guterres de Monroy; e a pez:ir de sete Caravela»
com tropas, e munições que recebeo de Portugal, foi
tomado por assalto a 12 de Agosto do anno seguinte,
ficando o Governador prisioneiro com os que escaparão
da morte, acabando aqui sumido em hum montão de
cadáveres de Mouros o valente João de Carvalho.
Nesta occasiao tinha já Simão Gonsalves da Ca
mará (de quem atraz fallei) preparado á sua custa na
Ilha da Madeira hum soccorro de navios carregados de
gente, e munições de guerra, e de boca, quando lhe
derão a noticia infausta de estar o Castello ganhado;
por cuja causa não chegou a sahir da Madeira.
1537. — Partio este anno para a índia (2) a 12 de
Março huma Esquadra de seis Náos, commandada por
D. Pedro da Silva da Gama , filho do Conde Almiran
te D. Vasco da Gama , embarcado em a Náo Rainha ;
e os outros Commandantes D. Fernando de Lima , no
S. Roque; Jorge de Lima, na Santa Ba/bara ; Lopo Vaz
Vogado, na Flor de Ia Mar; Martim de Freitas, na
Gallega ; e António de Lima, na Santa Cruz, que ar
ribou a Lisboa (3).
D. Pedro da Silva , e Martim de Freitas leva vão
(1) Chronica de D. João III. Parte j. Cap. 16.
C2) Chronica de D. João III. Parte j. Cap. 46. — Epilogo de Bar
reto. — Castanheda, Liv. 8. Cap. 174. — Couto, Década j. Liv. a»
Capítulos j. e 8. — Faria, A«ia Portugueza. — Eitcacto das Arma
das.
(0 Os nossos Historiadores varião muito no numero de navios, e
nomes dos Commaniar.tes das duas Esquadras , que este anno partirão
de Portuga! pata a Índia. Os dois, que mais concordáo entre si, são
Pedro Barreto de Rezende , e Diogo às Couto, .;
425
muitas armas, e petrechos para a nova Fortaleza de
Dio, com ordem de se dirigirem directamente a esta
Ilha , e dali passarem a Goa , como fizerão, ajuntando-
se nesta Cidade a Esquadra pelo mez de Setembro, com
a gente em boa saúde.
Despachada esta Esquadra, soube EIRei por intel-
ligencias secretas, que o Sultão Selim preparava em Suez
huma poderosa Armada para enviar á índia , da qual
era General o velho Eunuco Soleimão-Bachá, Governa
dor do. Cairo (i). Logo EIRei fez armar outra Esqua
dra de cinco Náos, de que deo o commando a Diogo
Lopes de Sousa, que embarcou cm a Náo S. Paulo ; e
os outros Commandantes erao Fernão de Moraes, no
S.Diniz; Fernão de Castro, no S.João; Aleixo de Sou
sa Chichorro, na Santa Catharina ; e Henrique de Sousa
Chichorro , seu irmão , na Sica. .
Desta Esquadra, que sahio de Lisboa em Outu
bro, ou Novembro, devia ir a Ormuz Fernão de Cas
tro, e a Dio Fernão de Moraes, para cujas Praças trans-
portavão gente, c munições. Aleixo de Sousa, nomea
do Governador de Moçambique, levava ordem para se
dirigir com seu irmão Henrique de Sousa a esta ultima
Fortaleza, a fira de tomar posse delia, e proye-la do
necessário, por se ter algum receio de que os Turcos a
fossem atacar.
Fernão de Castro chegou a Ormuz nos fins de
Maio; e Fernão de Moraes a Dio no mez de Abril. As
outras Náos tiverao todas boa viagem para os seus re
spectivos destinos ; ainda que os dois Chichorros entra
rão em Moçambique com muitos doentes, por cuja causa
(i) Esta Esquadra partio de Suez a 27 de Março de ijjS, e con
stava de dois Galeões, quatro Náos, seis Galeaças, dezesete Gales Bas
tardas , vinte e sete Galés menores , nove Fustas , e outras varias em
barcações , ao todo setenta e seis velas. Vede o Diário da sua viagem
na Collecçáo de Rauiuzio , tomo 1. pag. jcj.
428
a novo Governador formou hum Hospital , que não ha
via, no qual forão curados com o maior cuidado , c
muita despesa da sua própria fazenda , por ser Aleixo
de Sousa homem caritativo,, e amante do bem publico;
e assim sahio daquelle Governo em estado, que estava
fará se recelber no Hospital (t).
1^38. — Depois da partida da segunda Esquadra (1)
soube EIRei com individuação a força da Armada Tur
ca preparada em Suez para a invasão da índia ; e como
era necessário enviar logo hum grande reforço áquelle
Estado para o que se oltèrecêrão muitos Fidalgos, este
ve inclinado a mandar o Infante D» Luis; e não tendo
isco effeito , por motivos que não pertencem ao as
sumpto destas Memorias, nomeou para Vice-Rei a D.
Garcia de Noronha , Fidalgo de muita idade , sobrinho
do grande Albuquerque. O Conde da Castanheira em
pregou a maior actividade no aprestamento dos navios
escolhidos (?) para formarem a Esquadra do Vice-Rei ;
e- havendo falta de gente para preencher o numero de
Soldados determinado em Concelho, publicou EIRei
hum perdão para varias classes de criminosos, e com-
rnuteu em degredo para a índia as penas (inclusive a
ultima) a que outros estavão já sentenciados.
Constava a Esquadra de onze Nãos bem armadas : o
Vice-Rei embarcou em a Náo Santo Espirito, os outros
Commandantes erão Bernardim da Silveira, na Gallega ;
João de Sepúlveda, no Junco; D. João de Castro (4),

(1) Formaes palavras de Diogo de Couto. Década í. Li», a. Cap. *.


(2) Vede Couto, Década 5. Liv. j. Capitulo» S , e 9. — Epilogo
de Pedro Barreto. — Faria, Da Ásia Portugueza. — Chtonica de D.
J060 IH. Parte j. Cap. 57.
O) Gastaráo-se netta Esquadra trezentos mil cruzados sobre a des
pesa que custaria huma Esquadra ordinária de cinco Náos. Chroniea de
D. Sebastião amibuida a D: Manoel de Menezes.
(4) D. Joio de Castro , hum do» Heroes- de Portugal , era mui vci-
1427
no Grifo; T>. Francisco de Menezes, na Santa Crnz;
D. Christovão da Gama, no Santo António; D. Garcia
de Castro, nos Fieis de Deos ; Luis Falcão, na Graça ;
Ruy Lourenço de Távora , na Santa Clara ; D.João de
Eça, no S. Bartholoraeu ; e Francisco Pereira de Berre*
do, no Sirne. Transportava esta Esquadra muitos pe
trechos, e munições de guerra, e quatro mil cento e cin-
coenta Soldados, oitocentos dos quaes erão Fidalgos, ou
Cavalleiros, e Criados d1 El Rei ; o resto gente mal ves
tida , e muitos moços imberbes. Hiao como Aventu-
reiros os dois filhos do Vice-Rei D. Álvaro, e D. Ber
nardo de Noronha , D. Martinho de Sousa , D. João
Manoel, D. Luis de Ataide, depois Conde da Atou*
guia ; D. António de Noronha, Fernão da Silva, Com-
mendador, e Alcaide Mor de Alpalbao; D.João Mas
carenhas, Francisco Lopes de Sousa, e seu irmão Pe
dro Lopes de Sousa, D. João Henriques, D. Duarte de
Éça , os três irmãos Manoel de Mendonça , João de
Mendonça , e Diogo de Mendonça ; D. Jorge de Me
nezes, e outros mais.
Embarcou também o primeiro Bispo de Goa D.
Fr. João de Albuquerque, Hespanhol ; e o Doutor Fer
não Rodrigues para Vedor Geral da Fazenda.
Sahio o Vice-Rei de Lisboa em meado de Março,
indo ELRei ao bota-fóra da Esquadra , e na viagem
deappareceo a Náo Gallega , em que hião todos os cri
minosos , sem se saber como, nem onde, por se haver
separado; as outras chegarão em Julho a Moçambique,
d'onde o Vice-Rei expedio com cartas para Portugal a
Henrique de Sousa Chichorro na Náo Santa Catharina ,
<3: (o nas Mathematicas. De huma carta, que escreveo de Moçambique
ao Infante D. Luis, seu admirador, e amigo, em data de 5 de Agosto,,
eis; ia de observações sobre a Navegação, e da resposta do In&nte , se
Jotere que elle levava aJguus novos instrumentos Náuticos, de que que-
iu fazer o ensaio. '. . i .. .. . •.., * /.
54 íi
428
cm que fora seu irmão Aleixo de Sousa, e levou comsi-
go para Goa a Náo Sica (que ambas ali estavão), em
que o primeiro viera do Reino. O motivo disto foi pa
ra o congraçar com EIRei , que estava escandalizado
delle; e ao mesmo tempo para agradecer ao Governa
dor Aleixo de Sousa os trabalhos que teve, e despesas
que fez com os doentes da Esquadra, que erao muitos,
e todos forao ali mui bem tratados. Com effeito esta
Jembrança do Vice-Rei aproveitou a Henrique de Sou
sa, porque salnndo de Moçambique em Novembro,
chegou a Lisboa a salvamento , e EIRei satisfeito de
não haver noticia alguma de Turcos por aquella Cosra,
o recebeo outra vez na sua graça 5 tendo-o já maridado
riscar do Livro dos Moradores da Casa Real.
■-■ O Vice-Rei , partindo daquella Ilha em Agosto,
chegou a Goa a n de Setembro com toda a Esquadra,
excepto a Náo de João de Sepúlveda , que por má na
vegação se encostou tanto á Costa da Africa, que se
achou em Socotorá, e foi invernar a Ormuz.
I5"39. — A Esquadra (i) que EIRei mandou este
anno á índia , constava de seis Náòs, commandada por
Pedro Lopes de Sousa , embarcado em a Náo Galle-
ga ; os outros Commandantes erão D. Roque Tello, na
S. Pedro (2); Henrique de Sousa Chichorro, no Salva
dor; Álvaro Barradas, na Esperança ; António de Abreu,
no Santo António; e Simão Sodrc, na Rainha.
Sahioesta Esquadra de Lisboa a 24 de Março, e
chegou a Goa a 10 de Setembro, menos Simão Sodré,
que ficando mais atrazado, foi ancorar em Cochim.

(O Vede Couto, Década }. Liv. 6. Cap. 6. — Chronica de D.


João III. Parte j. Cap. 70. — Faria, na Ásia Portugueia. - Epilogo
de Pedro Barreto de Rezende.
(2) Eita Náo foi construída em Cochim em 1 H7 > e era tão for
te, que durou continuamente na carreira da índia vinte e bum 1
c acabou no Rio de Lisboa em i $ s 9.
42Í
i^jp. — Havendo EIRei concedido a Capitania do
Maranhão (i) de juro, e herdade ao celebre Historia»
dor João de Barros, associou-se este cora Aires da Cu
nha , e Fernão Alvares de Andrade, e armando á sua
custa dez embarcações, em que se embarcarão novecen
tos homens, e cento e trinta cavallos, sahio Aires da
Cunha de Lisboa com esta Esquadra em 15-39 » levando
em sua companhia dois filhos de João de Barros.
Esta expedição foi infelicissima , porque chegando
ao Maranhão, cuja Costa era então quasi desconheci
da, naufragarão todos os navios nos seus baixos, sal-
vando-se apenas algumas pessoas na Ilha do Medo ,
próxima á grande Ilha, a que se deo depois o nome de
S. Luts. ' Os naufragados tomarão amizade com os ín
dios , mas como não tinhão meios para formar hum
estabelecimento solido, regressarão por ultimo a Portu
gal a bordo dos navios aventureiros, que ás vezes ap-
parecião naquetlas Costas.
• - Antes desta expedição já o Hespanhol Diogo de
Ordar tinha em 1531 emprehendido outra, na qual
perdeo hum dos seus navios , o que o obrigou a aban
donar aquellas paragens. Cumpre advertir, que naquel-
Ics tempos se chamava Rio Maranhão ao das Amazo
nas , ate que em I5"42 o Capitão Francisco de Orelha-
na , fundado em huma historia fabulosa , lhe deo este
ultimo nome, que ficou conservando.
1540. — A Esquadra, que este anno foi á índia (2),
constava de quatro Náos , commandadn por Francisco
de Sousa Tavares, embarcado no S. Filippe; e os ou
tros Commandantes, Vicente Gil, na sua Náo Graça j

O) Annaes Históricos do Maranhão Liv. 1.


(2) Couto, Década 5. Liv. 7. Cap. 4. — Chronica de D. João III»
Farte j. Gap. 75. — Epilogo de Pedro Earreto. — Faria, na Ásia Por-
490
•Simão da Vçiga, na Urca; e Vicente Lourenço Bata-
vias, no Grifp,
, Partio a Esquadra de. Lisboa a 24 de Março, e
com boa viagem chegou a Goa a jq de Setembro.
15*41, n- Sabendo ElRei o fallecimento do Vice-Rei
D. Garcia de Noronha, nomeou para Governador da
índia, a Martim. Affonso de Sousa , quç partio de Lis
boa a 7 de Abril (1) com hurna Esquadra de cinco
Náps , indo elle no S. Tiago , que era da Coroa , e os
Çpmmandantes das outras (todas de Armadores), erao
D. Álvaro de Ataide da Gama, no S. Pedro ; Álvaro
Barradas, no Santo Espirito ; Francisco de Sousa, em
Santa Cruz; e Luiz Caiado, na Flor de la Mar. Em
barcarão nesta Esquadra muitos Fidalgos , e pessoas
Nobres ; e com o Governador hia S. Francisco Xavier,
o primeiro Religioso da Companhia , que passou ao
Oriente para gloria de Portugal, e da Igreja.
A viagem foi trabalhosa até Moçambique, onde
ancorou a Esquadra no fira de Agosto , levando a Náo
do Governador muitos doentes, que se tratarão com mui
to cuidado , e elle mesmo esteve quasi sem esperanças
de vida ; e como era tarde para passar á índia , inver
nou ali.
A 15: de Março do anno seguinte saliio de Mo
çambique o Governador embarcado no Galeão Cou-
fao, que viera de Goa, levando comsigo a S. Francis
co Xavier, com a Náo S. Tiago, cujo commando con
fiou a D. Francisco de Noronha, Clérigo; e a Gaieora
de Diogo Soares de Mello; ordenando ás outras quatro
Náos, que partissem na monção de Agosto.
(O Couto, Década 5. Liv. 7. Cap. I. e Liv. 8. Capítulos 1. e 9.
— Chronica de D. João III. Parle j. Capítulos 81 , e Sj. — Epilogo
de Pedro Karreto de Reiends. — Vida de S. Francisco Xavier pelo Pa-
d.te João de Lucena, Tomo 1. Liv. 1. Capítulos de 7. ate ia; e Liv.
2. Cap. 1.
411
Návegdndõ 0 Governador aò lorigò da Còsfa , suf*
gio erh Melinde, cujo Rei o veio visitar a bordo. Nd
dia seguinte continuou a sua derrota , e pelas muitas
calmarias aportou nâ Ilha de Socotorá ; e recebendo
água, e refrescos, atravessou para a Costa da índia, e
Chegou a Goa a 6 de Maio , havendo-se apartado del-
Je nesta travessa a Náo S. Tiago , que correndo humá
noite em popa com vento Sul , e tempo escuro , enca
lhou no Rio das Cabras na Ilha de Salcete de Baçairrr.
O terror próprio de similhantes acontecimentos fez coni
cjue muitos homens inconsideradamente se lançassem ao
ifiar, onde se arrogarão ; os ôtitros conservarão-se a bor
do. D. Francisco de Menezes , Governador de BaçairrV,
rfccudio logo eirf pessoa com embarcações, nas quaes" sa£
vou o resto da guarnição, os cofres do dinheiro, artilhe
ira, massame, antenas, e a maior parte do cobre do lastro.
As quatro Náos , partindo de Moçambique depois
do Governador, chegarão a Goa em Setembro.
i?4i. — Neste aimo (í) mandou EIRei á índia cin
co Náos, sem Chefe que as governasse: erão os seus
Com manda mes Henrique de Macedo, na Úrca ; Bal-
thasar Jorge, no Grifo; Lopo Ferreira, erh S. Salva
dor ; Vicente Gil , na Graça ; c Fernão Alvares' da' Cu
nha , no Zambuco.
Partirão de Lisboa a 18 de Abril'; e afribou Fer-
ríão Alvares da Cunha, pela pua Náo não querer gover
nar. As outras quatro seguirão viagem: Vicente Gil
perdeo-se na Costa de Melinde , salvando-se roda a
gente; e as três restantes chegarão a Goa em Setembrol
Neste anno, por Alvará- do i.° de Dezembro , no
meou EIRei a D. João de Castro por Capitão Mor dá
Armada de Guarda-Costa do Reino,, mas não achei

(O Couto, Detadá {. fiiv. 9. Cap. t. — Epilogo dè Pedro Earre-


la — Chronica de D. João III. Parte 3. Cap. 84.
43?
memoria do numero de navios, de que se compunha. He
certo que sahio a cruzar nesse Inverno, e que no mez
de Abril do anno seguinte se achava já em Lisboa (i).
Também neste mesmo anno o Capitão Hespanhol
Francisco de Orelhana fez a descoberta do Rio, a que
chamou das Amazonas , começando a descer por elle
nos fins do anno antecedente, até sahir ao mar do Nor
te do Brasil em Agosto deste anno , em hum máo bar
co, que construio nas margens do mesmo Rio, para
substituir outro ainda peior , em que viera de Quito.
E chegando milagrosamente ;í Ilha Margarita, foi a
Hespanha pedir ao Imperador Carlos V. a conquista
dos Paizes, que tinha visitado na sua admirável via
gem. Adiante direi o funesto resultado que teve a sua
segunda empresa.
13:43. — A Esquadra este anno destinada para a ín
dia compunha-se de cinco Nãos. e era commandada
por Diogo da Silveira, embarcado em a Náo S. Thomé;
e os outros Commandantes D. Roque Tello, na Santa
Cruz; Fernão Alvares da Cunha, na Victoria; Simão
Sodré, na Conceição; e Jacomo Tristão, Armador, no
S. Filippe (2).
A 25" de Março sahio Diogo da Silveira de Lis
boa, e navegou com a Esquadra reunida até á altura
dos Abrolhos, onde com hum tempo se espalharão os
navios. Jacomo Tristão, abrindo agua a sua Náo, arri
bou para Portugal. Diogo da Silveira, D. Roque Tello,
(1) Neste mesmo Alvará de nomeação de Chefe da Esquadra se in
cluía huma Instrucção do que elle deveria praticar em vários casos,
cheia de advertências mui acertadas, e de princípios de Direito Maríti
mo, que ainda hoje servem de base ás formalidades, que legalisão as
Presas; ajuntando a isto hum breve Regimento de Signaes para de noi
te , o que parece dar a entender , que não se usaváo antes dessa época.
(2) Couto , Década 5 . Liv. 9. Cap. 9. — Faria , na Ásia Portu-
gueza. — Barreto de Rezende. — Chronica de D. João III. Parte }.
Cap. 91.
433
ç Simão -Sodré tomarão Moçambique, e forão juntos a
Goa em Outubro. Fernão Alvares chegou a esta Cida
de depois d'elles.
Em Maio deste anno sahio de Lisboa D- João de
Castro com hunia Esquadra, para esperar, e comboiar
as Náos de torna viagem da índia, e nesta digresão
so/Frec humji tormenta, e apresou bum navio Francez;
cuja acção EiRei npprovou por Carta de 16 do Junho j
e nos principies de Agctftgse rccollico a Lisboa.
A 9 deste mez o mandou EIRei comboiar a Ceuta
alguns naviOs carregados de tropas, e munições para
aquclla Praça , e ao mesmo tempo o incumbio de exami
nar, as suas fortificações ^ e as de Tanger, A ml la , e
Alcácer. Para cuja com missa o sahio de Lisboa a 15 de
Maio, d^ande, voltando a Portugal, encontrou em* De
zembro sobre o Cíbo de S. Vicente sete Corsários, de.
que não achei mencionada a Nação, nem as circunstan
cias do cncotvtro : mas.he cerro, que entrando no Tejo
a 24-, -e cotnmunicando a EIRei o accontccinsento por
hdma Carta de 16, e ouira do dia da sua entrada, o
Mon.ucha lhe respondeo de Almeirim no dia 2.7, ap-
provgndo a sua, eondueta ,.e ordenando-lhe , que tornas
se a sahir, logo que o tempo concertasse, dando-lhe
grandes, puderes no Militar, e Civi! sobre todos os in
divíduos da sua Esquadra por hum Alvará de 28 daquel-

S4J1Í0 logo D. João de Castro, e nos princípios de


Fevereiro do anno seguinte se tornou a recolher,, deixan
do a Costa limpa de Corsários, o que EIRei lhe agra-
deceo por Carta de o deste mez. E era tão grande a
estimação que fazia dos talentos deste excellentc Varão,
que por hurna Carta Regia de 8 de Julho de I5"44 o
consultou sobre o systema , que cumpria seguir-se para
defender as Costas do Reino, comprehendendo o nu
mero necessário de. navios, e o tempo que deveriáo em
43*
pregar nos seus cruzeiros, sem fazerem despezas inúteis;
isto por ter noticia de haverem sahido dos Portos de
França muitos Armadores.
ij^. — A Esquadra (i), que este anno foi á ín
dia, constava de cinco Nãos, commandadas por Fernão
Peres de Andrade , embarcado em a Náo Esperança -, e
os outros Commandantes Simão Peres de Andrade, seu
filho, na Burgaleza; Simão de Mello, na Graça ; Jaco-
mo Tristão, Armador, em S. Filippe; e Luis de Cala-
taiide, em outra.
Sahio a Esquadra de Lisboa a 7 de Abril, e teve
má viagem. Simão Peres de Andrade arribou a Portu
gal , pelo máo governo do seu navio. Simão de Mello
perdeo-se em Moçambique, salvando-sc a gente, e par
te da carga. Jacomo Tristão invernou em Zamzibar.
Luis deCalataúde, passando por fora da Ilha de S. Lou
renço, foi a Cochim em Outubro. Unicamente Fernão
Peres de Andrade tomou Goa em Setembro.
15-45'. — Movido EIRei (2) das instancias de Mar-
tim AíFonso de Sousa , que pedia successor, determi
nou, por conselho do Infante D. Luis, mandar por
Governador da índia a D. João de Castro; e por Car
ta de 5: de Janeiro deste anno de ij^ o encarregou de
aprestar a Esquadra de tudo quanto carecesse ; e a 28
de Fevereiro declarou o seu despacho. -
Constava esta Esquadra de sei? Náos, que transpor-
tavao dois mil soldados. O Governador embarcou no
S. Thomé; e os outros Commandantes D. Jeronymo de
Menezes, no S. Pedro; Jorge Cabral, na Urca; D.
Manoel da Silveira, no Zambuco; Simão Peres de An-
j

O) Couro, Década 5. Liv. 10. Cap. 6. — Epilogo de Pedro Em*


reto de Rezende. — Chronica de D. João III. Parte j. Cap. og.
(2) Couto, Década 6. I-iv. l. Cip. l. — Faria, Ásia Portugue-
za. —• Pedro Barreto. — Chronica de D. João 111. Parte 4. Cap. 1.
4SS
drade, na Burgaleza ; e Diogo Rebello, Armador, no
Sanro Espirito,
Sa-hio o Governador de Lisboa a 24 de Março, «
com boa viagem chegou a Moçambique com toda a sua
Esquadra , menos a Náo de Diogo Rebello, que por se
atrazar, foi invernar a Melinde, d'onde passou á Ln«
dia em Maio rio armo seguinte.
Achou o Governador em Moçambique a Simão de
Mello com a guarnição da sua Náo , que naufragara ,
como já disse, cuja gente se repartio pela Esquadra.
D'aqui escreveo a EIRei, enviando-lhe a Planta das for
tificações da Ilha , com o seu parecer sobre a censtruc-
ção de huma nova Fortaleza; e lhe participou também
a descoberta do Rio de Lourenço Marques (i\
Partindo de Moçambique, esteve a sua Náo em
grande perigo sobre as Ilhas de Cômoro, e ancorou em
Goa a lo de Setembro com a Esquadra.
15-46. — Neste anno (2) mandou EIRci á índia hu
ma Esquadra de seis Náos , de que foi por Chefe Lou
renço Pires de Távora , embarcado em a Náo Esperan
ça ; os Commandantes das outras cinco erao D. Ma
noel de Lima, na Flor de la Mar; D. João Lobo, na
(1 ) A esta Carta respondeo EIRei na data de 8 de Marco do anno
seguinte de 154^1 ordenando-llw, que sem perda de tempo lizesse con
struir a Fo:t,i!e7a, para a qual mandou liunia 1'lanta teita pelo Enge
nheiro Miguel da Arruda; o que parece náo teve effeito, porque no
anno de 1558 mandou D. Constantino de Eraganta levantar huma For-
r-aleza nesta Ilha , e outra em Damão por hum Engenheiro , que levara
de Portugal, segundo dizem as Memorias d' EIRei D. Sebastião, Tomo
1. pag. 151 e pag. 241.
Ordenou mais EIRei a D. João de Castro na mesma Carta, que
fornecesse hum navio, e tudo quanto fosse necessário a Lourenço Mar*
quês , para concluir o reconhecimento começado dos Rios, e fcalwa, que
conservão ainda o seu nome.
(a) Couto, Década 6. Liv. j. Capítulos 7,09. — Faria, Ásia
Fort ugue ia. — Pedro larreto. Cluonica de D. João 111. Parte 4. Capí
tulos 14 e 1 5.
55 ii
136
Gallega; João Rodrigues Paçanha , na Biscainha; Fer
não Alvares da Cunha, na Victoria j e Álvaro Barra
das, em Santo Espirito.
Sahio a Esqundra de Lisboa a 8 de Abril, e teve
ruim viagem. D. Manoel de Lima chegou a Goa a IÇ
de Setembro; mas os outros Commandantes, depois de
perderem muito tempo no Canal de Moçambique, ar
ribarão por fora da Ilha de S. Lourenço, e tomarão
Cochim em meado de Outubro , tendo-lhes morrido
muita gente de enfermidades.
1546. — Neste mesmo anno (1), segundo dizem, se
fez notável Pedro Gallego, morador em Vianna do Mi
nho, mancebo de vinte e três annos, de pequena esta
tura , mas de fortes membros , e mui valente , insigne
no jogo das armas, e em todos os exercícios do corpo,
de modo que era reputado o chefe da mocidade daquel-
Ja Villa. Animado de hum espirito activo, e emprehen-
dedor, propoz aos seus numerosos amigos, que se com
prasse, e armasse huma Caravela á custa de todos, e
nella sahissem a cruzar contra Piratas, e Mouros, até
encontrarem alguma boa fortuna, que lhes desse honra,
e proveito. Abraçado este projecto, concorreo cada hum
com o dinheiro que pôde haver, dando Pedro Gallego
duzentos mil reis ; e com o maior segredo comprou hu
ma Caravela, em que metreo qiutro peças de ferro, ví
veres, e munições, e huma madrugada sahio de Vian
na com trinta companheiros, além da gente do mar.
A sua derrota era para as Ilhas dos Açores, n'a-
quelles tempos infjstad.is de Corsários; e a poucos dias
de viagem, debaixo de huma densa névoa, achou-se pró
ximo a hum navio de Mouros, e o abordou logo; e
depois de li ima furiosa peleja , o rendeo com morte de

CO Memoria da Disposição das Armas Castelhanas, por Fr. Manoe)


Homem Cap. i. — Anuo Histórico Tomo 1. pag. j8a.
437
treze Mouros, e cativou vinte e quatro, custando-Ihe a
victoria dois mortos , e onze feridos: esta embarcação
montava dezoito peças, em que entravão algumas de
bronze. Arribou Pedro Gallego a Sagres com a sua
presa, vendeo alli os Mouros, e a Caravela, e passou
para o navio apresado, cuja equipagem augmentou com
quinze mancebos voluntários, que o quizerão accornpa-
nhar.
De Sagres partio para o Mediterrâneo, e nos ma
res de Levante se demorou três annos, em que deo mui
tos combates a Turcos, c Mouros, e fez muitas, e boas
presas; e voltando rico para Portugal , entrou em Cadix
a fazer agua, em occasião que estava surto naquella
Bahia o Conde Pedro Navarro com huma Esquadra de
Galés. Pedro Gallego, ignorando as cortezins navaes usa
das naquella época, não abateo a Bandeira, nem salvou
a Capitaneade Hespanha, de que sentido o Ccnde, man
dou hum Official a reconhecer o navio. Este, chegan
do á falia, perguntou pelo Commandante, e vindo Pe
dro Gallego ao portaló, disse-lhe, que o seu General
desejava saber a razão, porque entrando naquelle Por
to, não abatera a Bandeira, nem salvara a Esquadra
de Sua Magestade? Pedro Gallego respondeo, que o
navio era Portuguez, c se empregava em destruir Pira
tas, e Corsários, e que a Bandeira das Armas de Por
tugal só á Cruz de Christo se abatia. O Official reti-
rou-se, dizendo que os Portuguezes estavao loucos; e
dando conta ao Conde, mandou este dar hum tiro de
peça sem bala , como advertindo que se lhe fizesse a
continência devida; mas Pedro Gallego em vez de obe
decer, respondeo-lhe com dois tiros de bala..
Irritado o Conde desta temeridade, su«pendco an
cora, e apôs elle as outras Galés, para o irem atacar,
porém Pedro Gallego, conhecendo por tste movimento
o seu projecto, picou a amarra, e ajudado de hum veu
43B

to fresco , sahio da Bahia. As Galés Hespanholas fb-


rao-no seguindo ; e adiantando-se muito a Capiranca,
Jhe dco Pedro Gallego huma descarga de artilharia,
com que lhe cortou hum mastro , e huraa bala de
■coxia matou alguma gente, e ferio gravemente cm hu
ma perna ao mesmo Conde, que se recolheo para Ca»
■dix.
Seguio Pedro Gallego a sua viagem para Vianna,
onde foi muito festejado, porque todos o tinhao já por
morto.
Queixou-se o Imperador Carlos V. a El Rei D.
João ILL, e sendo chamado a Lisboa Pedro Gallego,
escapou de outro maior castigo com huma reprehcnsao
publica ; ainda que por muitas pessoas foi estimada a
sua ousadia.
1547. — Em Março deste anno (1) mandou EJRei
seis Náos á índia , sem nomear Chefe que as governas
se. Sahírão primeiro a 23 de Março 13. Francisco de
Lima, no S. Filippe ; Baltliasar Lobo de Sousa, na
Burgaleza ; Francisco de Gouvea , no S. Boa Ventura ;
e Francisco da Cunha , no Zambuco. A 28 sahírão D.
Pedro da Silva da Gama , no S. Thomé ; e Messer
'Bernardo em outra Náo.
Estas Náos tiveráo differentes suecessos : D- Pedro
da Silva, por má navegação do seu Piloto, perdeo-se nas
Ilhas de Angoxa , mas salvou-se toda a gente, que pas
sou a Moçambique. Chegados a esta Ilha Balthasar Lo
bo , e Francisco de Gouve.1 , repartirão entre ambos
aquelles náufragos; e s.ihindo dali para a índia, anco
rarão em Goa a 10 de Setembro, como fizerão a 23 do
mesmo D. Francisco de Lima, e Francisco da Cunha.

(O Couto, Decida 6. Liv. 5. Cap. j., e Liv. 6. Cap. 7. — Pedro


Barreto. — Lucena, To.no 2. Liv. 6. Cap. 4.— ClironJca de D.JcwoJII
Parte 4. Capítulos 19 e 28. /
•439
Messer Bernardo chegou tarde a Socotorá, onde inver
nou, e em Maio do armo seguinte entrou em Goa.
Depois de expedidos estes navios , teve EIRei no
ticias da Victoria de Dio, que encheo de alvoroço o
Reino todo, e de admiração a Europa ; e logo fez tra
balhar no preparativo de quatro Náos, e duas Carave
las com oitocentos Soldados, as quaes para maior com-
modidade dividio em duas Esquadras. Commandou a
primeira Martim Corrêa da Silva , embarcado na Ur-
ca; e os outros Commandantes erao Christovão de Sá,
da Caravela Rosário; e António Pereira de outra Ca
ravela. Por estes navios éscreveo EIRei a D. João de
Castro, mandando-lhe a Patente de Vice-Rei , e proro-
gação de mais três annos de Governo, e fazendo-lhe
mercê de dez mil cruzados para pagar as suas dividas
(Tão pobre estava hum Governador da índia! Que tem
pos ! ) ; ca seu filho D. Álvaro de Castro nomeou Ge
neral do Mar daquelle Estado , com dois mil cruzados
de ajuda de custo.
Sahio de Lisboa Martim Corrca da Silva no i.°
de Novembro, e espalhando-se os navios no começo da
viagem , se tornarão a ajuntar em Moçambique. Par
tirão daqui a 15 de Março do anno seguinte de 1548,
e achando calmarias na Linha, se dilatarão muito. An-
ronio Pereira , levado pelas correntes á Ilha de Socoto
rá , e vendo-se já nos rins de Abril , tomou Ormuz no
mez de Maio, onde invernou. Martim Corrêa da Sil
va chegou a Anchediva a 28 do mesmo mez, e ficou
invernando, remettendo os doentes, e os ofRcios para
Goa. Christovão de Sa seguio melhor navegação, e en
trou em Goa a 22 de Maio. '
A segunda Esquadra sahio no principio de Dezem
bro, commandada por Francisco Barreto, embarcado em
a Náo S. Salvador \ e os outros Commandantes erão D.
Heitor Aranha, no S. Diniz ; e Pedro de Mesquita, na
440

Sant.1 Cáthariha. Esta Esquadra invernou em Moçambi


que, por haver chegado tarde; e em Agosto do anno se
guinte entrou em Goa.
1548. — A pesar dos reforços (1) mandados á ín
dia no anno antecedente, determinou ElRei enviar neste
outro armamento, que constava de onze Náos, com írsil
soldados, divididos em tres Esquadras; a primeira de
seis, e as outras de tres cada huma.
Commandava a primeira Esquadra, que sahio nos
principios de Março, Manoel de Mendonça, embarca-
do em a Náo Trindade; os outros Comina ndantes erao
Jorge de Mendonça , na Santa Catharina; Álvaro àe
Mendonça, na Ajuda; Manoel Rodrigues Coutinho,
em Santa Maria a Nova ; e Sebastião de A ta ide, no
S. Sebastião.
Da segunda Esquadra era Commandante João Hen
rique, na Esperança; e os outros Commanduntcs Aires
Moniz Barreto, na Gallega; e António da Azambuja,
na Flor de la Mar.
Governava a terceira Esquadra João de Mendon
ça, no S. Pedro; c os dois outros Corv.mandanres erao
Fernão Alvares da Cunha, na Victoria ; e Rodrigo Re-
bcllo , no Santo Espirito. Estas duas ultimas Esqua
dras salmão de Lisboa até 20 de Março.
Todos estes navios tomarão Goa em Setembro
com feliz viagem, á excepção da Náo Gallega , que na
travessa de Moçambique para a índia abrio tanta agua,
que não a podendo vencer, tratavão já de deitar a lan
cha fora para se salvarem nella os que coubessem; mâs
parando subitamente a agua, seguio sua viagem, e che
gou a Goa no fim de Outubro. •

(1) Faria, na Ásia Portii!iit;7a. — Chronica de D. João III. Par


te 4. Cap. 50. — Couto, Dtcada 6. Liv. 7. C»p. t. — Barreto de
Rezende.
441
ijT4P» — Constava de cinco Náos (i) a Esquadra, que
a 20 de Março deste armo partio para a índia , com-
mandada por D. Álvaro de Noronha, embarcado no São
Boa Ventura; e os outros Commandantes Diogo Bote
lho Pereira , no S. Bento (estas duas Náos erao da Co
roa, e levavão oitocentos e cincoehta soldados, as ou
tras pertencião a Armadores) ; Jacomo Tristão, no São
Filippe; João Figueira de Barros, na Burgaleza (ou Sal
vado) : e Diogo de Mendonça , no Zambuco.
Desta Esquadra perdeo-se João Figueira nas Ilhas
do Cômoro: Diogo Botelho Pereira tomou Cochim no
mez de Outubro ; e as outras Náos chegarão a Goa em
Setembro.
15*49. — Conhecendo EIRei por experiência (2), que
o systema estabelecido para colonisar o Brasil carecia
de reforma, pelas mudanças accontecidas no estado po
litico do Paiz, achando se fundadas varias Colónias,
mais ou menos prosperas, em S. Vicente (Santos), Es
pirito Santo, Porto Seguro, Uheos , e Pernambuco,
além de outras, determinou crear naquelle Continente
hum Governo central , de que dependessem todos os
Donatários, que por si, ou seus Procuradores região as
suas particulares Capitanias.
Para obter este importantíssimo fim, revogou EIRei
as authoridades Criminal, e Civil de que gozavão, e ás
vezes abusaváo os Donatários , e as reunio todas na
pessoa do Governador Geral, com amplos Regimentos,
e Instrucções para a direcção, e manejo dos negócios
públicos. Cumpria também escolher-se o ponto mais
vantajoso para formar a nova Capital, e julgou-se cora

(1) Couto, Década 6. Liv. 8. Cap. 1. — Faria, na Ásia Portu-


gueza. — Earreto de Rezende. — Chronica de D. João III. Parte 4,
Cap. 44.
(2) Clironica de D. João III. Parte 4. Cap. 43. — Noticias do
frasil pag. 40. — Rocha Pita , Historia da America Liv. 2.
56
442
razíío dever-se dar a preferencia á Bahia de Todos os
Santos , em que Francisco Pereira Coutinho , primeiro
Donatário daquella Capitania, tinha muito antes orga
nizado huma Colónia dentro da Ponta do Padrão (no
me que se dava á Ponta de Santo António) , a que se
chamou depois a Villa Velha , onde sustentou cruéis
guerras com os Tupinambas, e por fim acabou tragica
mente, sendo por elles devorado.
Escolheo EIRei a Thomé de Sousa, Fidalgo de
grandes talentos, para occupar o cargo de Governador
Geral do Brasil , e lhe deo huma pequena Esquadra
composta de trcs Náos, duas Caravelas, e hum Bergan
tim , com trezentos e vinte soldados, e muitos Artífices
de todas as classes. Embarcou o Governador era a Káo
Conceição ; e os outros Commandantes António Car
doso de Barros, no Salvador; Duarte de Lemos, na
Ajuda ; Francisco da Silva , e Pedro de Góes , nas Ca-
Tavelas; e hum Piloto no Bergantim. Nomeou EIRei
para Ouvidor Geral Pedro Borges j para Chefe da Ma
rinha Pedro de Góes, e Vedor da Fazenda António
Cardoso de Barros, com outros Offíciaes Civis necessá
rios paia o bom regimen da Cidade.
Partio o Governador Geral de Lisboa no i.c de Fe
vereiro de I5"40, e com prospera viagem chegou a 28
de Março á Bahia, onde já havião noticias da sua ida
por outras duas Caravelas, que EIRei mandara adiante.
Foi recebido com alvoroço dos poucos Portuguezes, que
ali existião; por quanto, ainda que vivião em paz com
os índios, receavao muito as consequências da incon
stância no seu caracter.
Ao terceiro dia desembarcou o Governador com
toda a gente armada, e em ordem, cuja vista impri-
mio terror nos índios, que sem arcos se ajuntarão em
multidão para verem o desembarque. O Governador,
depois que examinou o local da Villa Velha, em que
445
o seu Regimento lhe ordenava edificasse a Cidade, co-
nheceo quão differente juizo faz das coizas a vista pró
pria , que as informações alheias; e que era necessário
edificalla em outro sitio, por não ser aquellc accummo-
dado para preencher as intenções d'ElRei, como o ti-
nhão informado em Portugal. Para não tomar sobre si
a responsabilidade desta contravenção de ordens, pôz o
negocio em conselho, e a todos pareceo, que a Cidade
se deveria construir meia legoa ao Norte d'aquella Po
voação , em hum lugar que todos houverão por conve
niente para defensa própria, c ofFensa dos inimigos, ou
esres viessem por mar, ou por terra. Com esta determi
nação se pozerao logo as mãos á obra com tanto ar
dor, que no ultimo dia de Abril estava construído hum
Forre de madeira, e terra , guarnecido de artilheria , e
a Cidade quasi toda cercada em roda de paliçadas, e le
vantadas as officinas necessárias. Tal foi o principio da
Cidade de S. Salvador, nome que por ordem d'ElRei
se lhe deo.
1549. — Neste anno (1), depois de muitos Conse
lhos , determinou EIRei diminuir o numero das Praças,
que os Portuguczes oceupavão na Costa da Barberia ,
tanto a fim de economisar despezas, como porque algu
mas delias já não preenchião os objectos para que forão
adquirida? ; e erao hoje mais difíceis de conservar, por
haver o Xarife Muley Haraer, Príncipe guerreiro, con
quistado proximamente o Reino de Fez, creando assim
huma Potencia formidável , que ameaçava invadir to
dos os Estados circumvisinhos.
Para obstar aos seus projectos contra a Fortaleza
de Alcácer, de que era Governador Álvaro de Carva
lho, a qual , por pouco fortificada , se achava mais ex-

(1) Chronica d'ElRei D. João III. Parte 4. Capítulos )4, 39, 41,
e 4+ ' .
5tí ii
o
444
posta, se lhe accrescentou hum Forte de madeira, e
terra construído sobre hum monte que a dominara,
obra que EIRei encarregou a D. Affonso de Noronha,
Governador de Ceuta, com grandes poderes, a quem
enviou hum reforço de quatro mil soldados, parte Por-
tuguezes, e parte Hespanhoes, alistados na Andaluzia,
com mil e trezentos Artífices, e trabalhadores, e mui
tos navios de guerra, e de transporte, que sari ira o de
Lisboa em Abril de I5"49. E apôs elle partio D. Pedro
Mascarenhas com três navios de guerra , sendo Com-
mandantes de dois Thomé de Sousa , e Manoel Jaques;
e com elle forão embarcados seu sobrinho D. João
Mascarenhas (que com tanta gloria defendeo a Praça
de Dio), e os Engenheiros Manoel da Arruda, e Dio
go Telles. Levava D. Pedro Mascarenhas ordem para
examinar de novo o estado das Praças de Africa, sem
exceptuar Alcácer, porque EIRei não queria resolver-se
a final , sem pleno conhecimento de causa , sendo mui
natural, que houvesse divergência de opiniões sobre a
escolha das Fortalezas, que seria conveniente conser
var.
Por ultimo decidio-se abandonar Arzilla, pela ruin
dade do seu Porto, e em consequência mandou EIRei
a Luís do Loureiro, Orficial de grande merecimento,
com huma Náo, e vinte e cinco navios de guerra, e de
transporte, com ordem de reunir ao seu commando a
Esquadra , que cruzava no Estreito de Gibraltar com-
mandada por Luis Coutinho , constando de seis Cara
velas bem armadas, cujos Commandantes erão António
Pessoa, Rui Gonsalves; Francisco Lopes, Jorge Gomes,
e Francisco de Madureira ; e que afretando mais em
barcações até completar o numero de sessenta , passasse
a Arzilla, e recolhesse todos os Militares, e morado
res (que deviao ir estabelecer-se em Tanger), munições,
artilhcria, e mantimentos ; e arruinasse com minas o
445
Castello , e muralhas da Villa , e derribasse as Igrejas.
Esra resolução communicou EIRei ao Imperador Car-
Jos V. , como costumava praticar era todos os negócios
de Africa. ■ • •
No mez de Junho partio Luis do Loureiro a execu
tar esta delicada commissao; mas chegando logo noti
cia a EIRei de que Dragut intentava passar o Estreito
com huma numerosa Armada de Galés, mandou apres
sadas Ordens a D. Pedro Mascarenhas , para que reunin
do em huma só Esquadra todos os navios de guerra do
seu particular commando aos de Luis do Loureiro (sus-
pendendo-se entre tanto a evacuação de Arzilla), se di
rigisse ao Porto de Santa Maria , e ajuntando-se com,
D. Bernardino de Mendonça, General das Galés do Im
perador, buscassem ambos o Almirante Othomano, e
lhe dessem batalha. Ao mesmo tempo enviou-lhe huma
Náo grande, e bem guarnecida, advertindo-o, que se
carecesse de maiores forças, o avisasse, porque em bre
ve o reforçaria com outras embarcações. Achando-se
porém falsa a noticia da Armada Turca, proseguio-se
o negocio de Arzilla.
15-40, — A 11 de Maio (1) deste anno (outros di
zem que em 15-44) sahio de S. Lucar o Capitão Fran
cisco de Orelhassa com três navios, e quinhentos ho
mens, para emprehender a conquista do Kio das Ama
zonas. Tocou nas Ilhas Canárias, e nas de Cabo Ver
de, onde os seus soldados contrahírao moléstias, que
diminuirão o seu numero, e chegado ao Amazonas, e
intentando subir por elle, perdeo gente, e navios; e por
fim acabou de trabalhos, e desgostos , e os que escapá-
iao se recolherão á Margarita.
Depois deste accontecimento , vagando pela Costa
de Pernambuco Luiz de Mello da Silva, Fidalgo de

(1) Annaes Históricos do Maranhão Liv. 1.


448
espirito ousado, e aventureiro, em num navio armado
á sua custa , com o projecto de fazer descubrimentos ,
foi levado dos ventos, e correntes á Margarita, onde as
noticias, que alguns soldados de Orelhana lhe deráo do
Rio das Amazonas, o persuadirão a vir a Portugal pe
dir licença a EIRei para fazer aquelle reconhecimento,
e conquista ; e obtendo a Capitania , de que João de
Barros fizera desistência, sahio de Lisboa com três na
vios redondos, e duas Caravelas, e foi-se perder nos
mesmos baixos, em que naufragara a expedição enviada
por aquelle grande Historiador, escapando das cinco
embarcações huma só Caravela , onde elle se recolheo a
nado , e nella voltou para o Reino.
i^O. — Tendo EIRei noticia (i) pelas Náos de
torna-viagem do fallecimento do Vice-Rei D. João de
Castro, e de que ficava inteiramente governando Garcia
de Sá, Fidalgo de muita idade, nomeou logo para Vice-
Rei a D. Affonso de Noronha, filho segundo do Mar
quez de Villa Real, a quem deo hum longo Regimenro
com varias providencias, para se evitarem abusos, que
o tempo havia introduzido no manejo dos negócios pú
blicos.
Constava a Esquadra de cinco Náos cora dois mil
soldados, entre os quaes se embarcarão D. Fernando de
Menezes, sobrinho do Vice-Rei; os dois irmãos D.Gar
cia , e D. Luis Tello de Menezes ; Gonsalo Pereira
Marramaque; D. Filippe de Castro; Gaspar de Mello
de Sampaio; D. Martinho Rolim ; D. Francisco Mas
carenhas; D. Rodrigo Lobo, que falieceo na viagem;
D. Manoel Mascarenhas; Jeronymo Barreto Rolim;
D. Francisco da Costa; D. António Pereira; Filippe
Gameiro, D. Braz de Almeida; Pedrfy da Silva de Me-
(i) Couto, Dícada 6. Liv. 9. Capítulos 1. e 4. — Faria, na Ásia
Portugueza. — Pedro Barreto. — Qironica de D. João 111. Parte 4.
Capítulos 69 até 7;.
447

nezes, D. AfFonso de Moraes, Francisco Lopes de Son


sa ; D. Braz da Silva ; Luis de Sousa , e outros Fidal
gos, e Cavalleiros; assim como para Vedor da Fazen
da da índia, João da Fonceca ; e para Secretario Simão
Ferreira.
Embarcou o Vice-Rei no Galeão S. João; e os ou
tros Commandantes D. Álvaro de Ataide da Gama, no
S. Pedro; D. Jorge de Menezes, na Santa Cruz; D.
Diogo de Noronha, na Flor de la Mar; e Lopo de
Sousa , no Galeão Biscainho.
No fim de Março se fez a Esquadra á vela , e in
do o Galeão S.João só com o traquete , começou a dei-
tar-se tanto á banda , que foi obrigado a dar fundo.
Convocou-se huma vistoria de Mestres, e Pilotos, á qual
assistirão o Conde da Castanheira , Vedor da Fazenda ,
o Vice-Rei, e o Provedor dos Armazéns Fernão Peres
de Andrade. Concordou-se em que o defeito procedia
de ter o navio pouco lastro, e muita carga nos altos.
Em consequência , tirou-se-lhe parte da carregação da
coberta ; e EIRei ordenou ao Vice-Rei , que se até á
Ilha da Madeira se conhecesse que o Galeão corria al
gum risco , se passasse para a Náo S. Pedro, e o Com-
mandante desta ficasse com o Galeão naquella Ilha, pa
ra o reparar, e seguir depois viagem.
Arranjado assim este negocio, começou a ventar
do mar, e só a i? de Abril se pôde mover a Esquadra;
mas antes de sahir a barra, tornou o vento ao mar, e
o Vice-Rei veio surgir na Enseada de Santa Catharina.
Nesta breve digressão se conheceo, que o Galeão estava
incapaz de seguir viagem, sem se descarregar, e alastrar
de novo; por cujo motivo passou o Vice-Rei para o
S. Pedro, e elle ficou em Lisboa para se lhe fazer a
obra necessária. O vento mareiro durou até 3 de Maio,
que a Esquadra pôde sahir, e o Galeão sahio a 27 do
mesmo.
448
Como era muito duvidoso, que a Esquadra passas-
se este anno á índia, mandou EIRei dois avisos ao Go
vernador daquelle Estado, hum por mar, que levcu
Fernão Peres de Andrade, filho do outro do mesmo
nome, em hum navio cora setenta soldados de guarni
ção, e outro por terra , de que se encarregou Luis Gar
cez.
As Náos de D. Jorge de Menezes , e de Lopo de
Sousa arribarão a Lisboa. O Vice-Rei, navegando só,
passou por fóra da Ilha de S. Lourenço , e com bastan
te trabalho, e doenças, de que morrerão algumas pes
soas, foi buscar a Costa da índia era Outubro; e dan-
.do-lhe os levantes, não pôde dobrar o Cabo Comorim,
e já no fim do mez vio terra a sotavento, que o seu Pi
loto affirmou ser a Costa da índia ; porém João Rebel-
lo de Lima, Piloto de grande reputação, que hia de
passageiro, disse que era Columbo, na Ilha de Ceilão.
Durou a porfia entre elles por largo espaço , sendo que
Columbo está hum gráo ao Sul do Cabo Comorim, e
entretanto chegou huma embarcação de terra , que de
clarou ser aquelle o Porto de Columbo , de que tomou
tanta paixão o Piloto da Náo, que se recolheo no ca
marote, e acabou em três dias. Deteve-se o Vice-Rei
pouco tempo neste Porto , e d'elle passou a Cochim em
Novembro.
A mesma viagem do Vice-Rei seguio D. Álvaro
de Ataide no Galeão S. Julião, que era mui veleiro,
com a differença , que náo podendo tomar Ceilão, foi a
Pegú refazer-se de agua, e mantimentos , e pondo-se em
derrota para a Costa da índia , tomou a Ponta de Ga
le, onde passou ancorado todo o mez de Novembro,
curando em terra os doentes , e partindo daqui para Co
chim , ancorou nelle a 13 de Dezembro.
D. Diogo de Noronha invernou em Moçambique,
e sahindo em Março do anuo seguinte para Goa, achou
443
maltas calmarias, em que gastou até ao ultimo d'Abril;
e vindo em Maio buscar a Costa da índia, o Piloto
foi encalhar a Náo no Rio de Mazagao, quarenta' le-'
goas de Goa. D. Diogo desembarcou era terra com to
da a gente, e se fortiScou em hum morro sobranceiro
ao mar , levantando trincheiras de pipas , e madeira ,
guarnecidas da artilheria , que tirou da Náo, e ali re-
colíieo as munições, e cofre do dinheiro, com muitos
géneros que salvou, e mandou avisos ao Vice-Rei, e ao
Governador de Chaul , para que lhe enviassem navios
em que se retirasse, por se achar cercado de cinco mil
.Mouros das Comarcas visinhas. De Chaul partirão logo
doze embarcações bera armadas , com a chegada das
quaes desapparecérão os Mouros, e o Vice-Rei mandou
quatro navios, commandados por João Peixoto, e por
rerra Gaspar Pires de Muros com -muita gente, e gado
para trazer o fato, escrevendo a D. Diogo de Noronha ,
que viesse por mar, o que ell-e fez, embarcando-se com
algumas pessoas a bordo dos navios de João Peixoto; e
formando do resto da sua guarnição hum corpo de qua
trocentos homens, o entregou a Gaspar Pires, que o con-
duzio seguramente a Goa., . . f- r
155-0. — Depois da sabida da Esquadra (O da In-,
dia, mandou EIRei a Jeronymo Ferreira, e Francisco
Machado por Commandantes de duas boas Caravelas,
que levaváo cem soldados, para andarem de guarda-Cos-
ta de Cabo Verde para Guiné.
Para o Algarve partio D. Pedro da Cunha com
huma Esquadra de cinco Caravelas, e quatro Bergan
tins, guarnecida de quatrocentos soldados; os Comman
dantes das outras Caravelas erao Filippe Rodrigues,
Fernão Lopes, João Lobo, e Bakhasar Rebello,
Apôs esta Esquadra sahirão a 3 de Junho duas

(O Chtonica de D. João HL
57
450
Caravelas commandadas por Simão Rodrignrs , e R117
Fernandes, cora insrrucçoes para se reunirem na Ilha
Terceira a outras três Caravelas , que estava armando
Pedro Annes de Castro, e a hum Galeão que a!i se re
parava ; e o commando desta Esquadra deo EIRei a
João da Silva do Couto, filho daquelle Pedro Annes,
tendo de guarnição nos seis navios mais de quinhentos
soldados. O seu destino era cruzar sobre os Açores até
chegarem as Náos de rorna-viagem da índia , para as
escoltar a Lisboa , como se fazia todos os annos.
Lisuarte Peres de Andrade foi nomeado para cora-
mandar a Esquadra, que devia guardar a Costa de Por
tugal, e constava de hum Galeão, três Caravelas, e duas
Zabrasj as primeiras que os Portuguezes construirão,
as quaes por terem remos , e serem mais alterosas do
que as Galés, soffrião melhor o mar , e podião chegar-
se a terra com c.ilmaria ; porque os Corsários muitas
vezes se acolhião á sombra da terra, onde os navios re
dondos não ousavão arriscar-se. Esta Esquadra levou
quatrocentos soldados, entre elles muitos homens no
bres. Qiiasi todo o Verão gastou Lisuarte Peres em
alimpar a Costa de Corsários, de que tomou alguns, em
que achou géneros conhecidos, por serem de proprieda
de Portugueza.
iffo. — Achando-se em Lisboa o Soberano de Be-
íez (1), e querendo rctirar-se, mandou EIRei tres na
vios bem armados para o transportar, cujo commando
deo a Tgnacio Nunes Gato, o qual se devia reforçar no
caminho com duas Caravelas , que cruzavao no Estrei
to de Gibraltar.
Chegada esta pequena Esquadra ao Porto de Belez,
e salvando com toda a artilheria no desembarque do
Rei, acconteceo achar-se nas Lagunas, perto de Belez,

CO Cluonica de D. João III. Parte 4- Cap. 66.

J
45-1
o Rei de Argel Arde-Aerais acabando de espalmar vm-~
te c quatro Galés, e ouvindo o ruido da salva, se em-.
tareou a toda a pressa ; e chegando a Belez , vio a Es
quadra Portugueza ancorada. Ignario Nunes, que não
podia fazer-se á vela por estar calmaria podre , metteo
á espia, e reboque os seus navios em linha o melhor que
lhe foi pôssivel; e como. as Gales tinhão a vantagem do
remo, que lhes facilitava .tomarem todas as posições,
cercarão os cinco navios, é os atacarão por todas as par
tes ao mesmo tempo. Era impossível resistir a forças
tão superiores, mas os Portuguezes oppozerão huma re
sistência tão obstinada, que a 'vicroria custou muito san
gue aos inimigos. Por ultimorforão os cinco navios to
mados, e conduzidos a Argel, onde EIRei mandou de
pois resgatar todos os cativos. •- .-* «-
r^ÇT. — A Esquadra da índia (i) foi este anno de
oito Náosr comina ndada por Diogo .Lopes de Sousa,
embarcado em a Não Esperança ; e os outros Comman-
dantes Lopo de Sousa, no Galeão S. Jeronymo; Jacomo
de Mello, no Rosário; Francisco Lopes de Sousa, na
Algarvia; Messer Bernardo v na Santa Cruz; D. Diogo
de Almeida , no Espadarte; Aires Moniz Barreto, na
Serveira ; e D.Jorge de Menezes, na Barrileira.
Sahio a Esquadra a 10 de Março. D. Jorge de Me
nezes arribou a Portugal. D. Diogo de Almeida, indo
por fora da Ilha de S. Lourenço, chegou a Cochim a
10 de Outubro. Aires Moniz foi ter a Ormuz ; os ou
tros cinco Commandantes entrarão juntos em Goa a 10
de Setembro. . j
1551- — A 14 de Março partio de Lisboa (z) para
a índia huma Esquadra de seis Náos, commandada por
CO Faria, Ásia Portugueza. — Couto, Década 6. Liw 9. Cap. 16.
.— Pidro Barreto. — Ghronica de D. Joáo 111. Parte 4. Cap. 88.
(2) Faria , Ásia Portugueza. — Pedro Barreto. — Couto , Década 6.
Liv. 10. Cap. 6. — Chronica de D. João III. Parte 4. Cap. 94. j
57 ii
462
Fernão Soares de Albergaria, embarcado em a Náo Sao
Boa Ventura; e os outros Commandantes Francisco da
Cunha, no S. Pedro; Braz da Silva, no S. Filippe ; D.
Jorge de Menezes (que arribara o anno passado), na
Barrileira ; António de Figueiredo, no S. Tiago; e An
tónio Moniz Barreto, no Zambuco.
Esta Esquadra, como quasi todas as outras , nave
gou espalhada. O Chefe Francisco da Cunha, e Braz
da Silva entrarão em Goa a 8 de Setembro. D. Jorge
de Menezes, e António de Figueiredo invern?rão em
Moçambique, por chegarem tarde. António Moniz Bar
reto foi encalhar no Rio de Seitapor, a trinta legoas de
Goa, onde se salvou toda a gente, e a maior parte da
carga. . . . • , . ••
1572. — A 3 de Fevereiro deste anno de ijfi (1)
sahírão de Cochim para Portugal seis Nãos , de que
chegarão quatro a salvamento. As outras duas erão a
S. Jeronymo, Commaodante Lopo de Sousa, que nunca
mais appareceo , e o Galeão S. João , que comraandava
Manoel de Sousa de Sepúlveda , Fidalgo que havia fei
to grandes serviços na índia, e levava corasigo a sua
mulher D. Leonor de Sá, com dois filhos de peito. Esta
Náo, cuja carga excedia o valor de hum milhão, vinha
mui mal fabricada , com huma única andaina de panno
(coisa incrível!), e essa Cm tal estado, que de contí
nuo se arriavão as velas para se remendarem , e coze
rem , perdendo assim as occasides de aproveitar os bons
ventos, que teve para adiantar caminho, e dobrar o Ca
bo de Boa Esperança em monção favorável.
Tendo visto a Costa de Africa, seguirão ao longo
delia prumando com tempo bonançoso até ao Cabo das
Agulhas, e a u de Abril estavao vinte e cinco legoas

(O Couto, Década 6. Liv. 9. Capitules 21 , e 22. — Historia Tra-


çico-Mantíaia tomo 1.
453
ao mar d'ella N. E. , S. O. ; e no dia seguinte ao anoi
tecer passou o vento a O. , e O. N. O. com cerração, e
fuzis, dando signaes de Inverno ; por cuja causa arri
barão , c correrão cento e trinta legoas, onde o vento
saltou ao N. E. com tanta fúria , que os forçou a vol
tar para o Sul. O mar, combatido então de dois ven
tos oppostos, cresceo tanto, que o Galeão, a pesar de
ser o maior navio da carreira da índia, quando se acha
va entre duas vagas cruzadas, mettia agua por ambos os
borda». Três dias correrão assim com as bombas na
mão, e no fim do quarto dia acalmou o vento, fican
do o mar mui grosso, e banzeiro, com que o Galeão
jogou tanto de popa a proa , e de bombordo a estibor
do, que se lhe partirão três machos do leme, dois dos
quaes erão os da cabeça.
Neste momento saltou o vento a Leste mui rijo, e
querendo "arribar em popa , não deo o Galeão pelo le
me , antes veio todo de ló , e huma rajada levou pelos
ares a vela grande: correndo os Officiaes a carregar o
traquete, pelo não perderem, ficou o Galeão atravessa
do (i) sem seguimento, e recebeo três mares tão for
tes, que com os balanços que deo, lhe rebentarão os
ovens, e costa neiras do mastro grande da banda de bom
bordo , ficando-lhe só rres ovens. Cortou-se o mastro,
por evitar as avarias que poderia causar a sua queda;
c depois com huma antenna, e huma verga armarão hu
ma guindola , em que largarão huma vela feita de pe
daços de lona velha; e por fim conseguirão arribar,
.posto que o Galeão não governava pelo máo estado do
(i) Deve-se ter presente, que os navios Portuguezrs ainda não ti-
nhão mais panno , que mezena , gavias , papafigos , e cevaderrn; e que
os castetlos de popa e proa erío excessivamente altos , b*m como as
obras mortas; o que tornava os navios mui ventosos, e expostos aos
golpes do mar, e de máo governo com vento forte, e mar cavado.
Prova, de que a Construcçáo não tinha feito progressos.
454
leme. Deste modo correrão com o tempo; mas tornan
do o vento a crescer, lhe destruio a guindola , e levou
o velacho; e atravessando-se o Galeão, deitou o leme
fora, ficando-lhe os machos mettidos nas fêmeas; des-
arvorou do gorupés , e começou a fazer agua.
Neste estado critico , julgando-se os Navegantes a
vinte legoas de terra, trabalharão com actividade em
armar outra guindola, aproveitando hum intervallo de
bonança, e em fazer outro leme, cm que gastarão dez
dias, porém o Galeão não pôde governar com elle, por
sahir curto, e sem porta sufficienre; e ficou por tanto o
navio anhoto, e á mercê das ondas.
Finalmente a 8 de Junho houverão vista da Cos
ta : Manoel de Sousa de Sepúlveda chamou a conselho
os Officiaes, e resolveo-se por voto unanime encalhar
no lugar mais azado para salvar as vidas. Mandou-se
em consequência hum escaler a examinar a terra , e en
tretanto o Galeão hia rolando para ella com quinze pal
mos de agua no purão. Estando a menos de meia le-
goa da Costa , voltou o escaler , e disse , que defronte
da paragem onde estavao, havia huma boa praia, e tu
do o mais era penedia. Assim forão governando com a
guindola até acharem sete braças, era que derao fin
do, e arriando a amarra, largarão outra ancora a tiro
de mosquete da praia, tendo o vento abonançado. Dei-
tou-se a lancha fora, e assentou-sc em conselho, que se
fortificassem ali, e das madeiras, e mais coisas do Ga
leão construissem hum Caraveláo, em que podessem ir
para Moçambique, ou Sofala, ou mandarem pedir au
xilio a qualquer d'aquellas Praças.
. Feito este accordo, e reunidos na tolda , e tomba
dilho os mantimentos, armas, pólvora, e roupas que se
poderão tirar das cobertas , embarcou-se primeiro na
lancha Manoel de Sousa com sua mulher, e filhos, e
trinta pessoas das principaes, ficando a bordo o Mestre
455
Christovão Fernandes, o Piloto André Vaz, o Contra-
Mestre Duarte Fernandes, e o Guardião. Desembarca
dos em terra os primeiros, voltou a lancha, e o escaler
a buscar mais gente, e fizerão três, ou quatro caminhos ,
em hum dos quaes se virou o escaler, afogando-se al
gumas pessoas. Durou esta faina três dias, que parecia
tempo siifficientc para salvar toda a guarnição, e muni
ções necessárias ; mas não acconteceo assim , porque
passados estes dias, crescendo o vento, faltou a araar-
r«. do mar, c o Mestre, e o Piloto se embarcarão na
lancha , a qual chegou a terra espedaçada , ficondo ain
da a bordo do Galeão duzentos Portuguezes, e trezentos
escravos. O Galeão continuou a cahir sobre a outra an
cora até tocar, e logo se partio ao meio, e em breve
tempo abrio todo, e se desfez, cobrindo-se o mar de
fardos, caixotes, e madeira; e nesta occasião se afoga-
xão quarenta Portuguezes, e setenta escravos.
Manoel de Sousa de Sepúlveda convocou os Offi-
ciaes, e pessoas principaes para deliberarem sobre o que
convinha fazer, pois que o navio se havia inteiramente
desfeito (tão podre estava!), e não era possível con
struir das suas relíquias embarcação alguma , nem tão
pouco tinhão lancha. Convierão todos , que se devia
marchar por terra a buscar a Bahia de Lourenço Mar
ques (i), a que vinha todos os annos hum navio de
(O Nas terras do Inhaia (ou Unhaia) fai o mar huma Bahia de per
to de vinte legoas de fundo, e em partes com pouco menos de largo,
na qual desembocáo quatro grandes Rios, pelos quaes sobe a maré mais
de dez legoas. O primeiro do Sul chama-se Melcrigana , ou Zembe , e
divide o território de hum Regulo deste nome , das terras do Inhaca.
O segundo Rio chama-se Anzete , ou de Lourenço Marques , que pri
meiro o reconheceo , e nelie estabeleceo o trafico do marfim; chaman-
do-se antes Rio do Espirito Santo. O terceiro chami-se do Fumo, por
atravessar as terras deste Regulo. O quarto, que he o mais do Norte ,
chama-se do Manhiqa, ao longo do qual foi a derrota de Manoel de
Sousa de Sepúlveda ,ea morte de D. Leonor de Sá.
456
^Moçambique a negociar marfim ; e que como os feri
dos, e doenres erao bastantes, se dilatassem naquella
praia até se restabelecerem. O Piloto, observando o
Sol, achou que esta vão em 31o de latitude Sul. Passa
dos trcs dias, apparecêrão de longe alguns Cafres, que
não quizerão chegar á falia ; e mandando Manoel de
Sousa de Sepúlveda dois homens a reconhecer o Paiz,
andarão dois dias sem acharem mais do que algumas
cabanas abandonadas.
Tornarão depois disto sete Cafres com huma vac-
ca , os quaes estando já em preço para a vender, surdi
rão outros de hum monte, que os fizerão retirar; o que
se consentio, pelos não escandalizar. Dez dias se demo
rarão os Portuguezes neste lugar, e convalescidos os en
fermos, pozerão se em marcha ao longo da praia, por
lhes parecer acharião melhor caminho.
Hião na vanguarda o Mestre, o Piloto, e todos os
marinheiros, levando huma bandeira, e hum Crucifixo
arvorado. Seguia se o Coramandante Manoel de Sousa
com sua mulher, e filhos, oitenta Portuguezes, e cem
escravos. Cobria a retaguarda Pantaleão de Sá com o
resto dos Portuguezes, e escravos, em numero de quasi
duzentas pessoas (1).
Na boca desta Eahia, que em muitas partes tem 14, e 15 braças
de fundo , está huma Ilha de fres legoas de circumferencía próxima á
ponta do Sul , a que se deo o nome de Ilha do Inhaca , e outros lhe
chamáo dos Portuguezes, pelos muitos que ali fallectrão, escapados do
nau '.rágio da Náo S. Thomé no anno de T ; 89. Está a liba em 25°
40', e a ella lie que vinha aportar o Pangaio de Moçambique. O mar
separou huma porção desta Ilha, e formou huma Ilhota; porém na bai
xa mar passa-se de huma á outra com acua pelo joelho.
(l) Estie Galeão trazia coiza de duzentos Portujuezes , inclusos es
passageiros, e mais de trezentos escravos de hurn e outro sexo; e o
mesmo accontecia em todas as Náos da índia na toma-viagem para Por
tugal. As pinturas que fa;;m os Escritores estrangeiros das Ctmcvs
Portugiicitii C nome que davão ás Nacs da carreira da índia), atulha
das de canhões , e de solda-los , sáo miseráveis patranhas inventadas a
457
A 7 de Julho começarão os naufragados a ca mi-.
nhar, indo D. Leonor em humas andas aos hombros de
Cafres •> e em todo este mez uao houye outro mantimen
to , senão arroz , e algumas frutas do mato , e por sec
grande a fraqueza em todos , ficavão pelos caminhos
muitas pessoas, que já não podião andar, entre ellas!
hum filho natural de Manoel de Sousa, de idade de do
ze annos, que vinha ás costas de hum Cafre: ambos
cahírão de fraqueza, e ainda que o triste pai offerecia
quinhentos cruzados a quem lhe fosse buscar o filho, nin
guém ousou fazello , com receio dos tigres, que ronda-
vao por aquelles matos. Ali ficou tampem António de
Sampaio, sobrinho do Governador, que foi da índia,
Lopo Vaz de Sampaio; e cada dia ficavão dois, e três
Homens , que logo crão pasto dos animaes ferozes. Em
rodo o lapso de tempo referido caminharão cem legoas ,
fanhando apenas trinta na direcção da Costa para p
Jorre, por serem obrigados a rodear montanhas inac-
cessiveis , e rios caudalosos, que não podião Yadcar.
Não. faltarão também assaltos dos Cafres naturaes do
Paiz, e posto que sempre rechaçados, morreo em hum
delles Diogo Mendes Dourado , hum dos mais valentes
dos naufragados.. ...
As praias lhes fornecião ás vezes alguns peixes, ou
mariscos, mas não achavão agua, o que induzia alguns
homens ávidos, d'aquelles que especulao sobre as maio
res desgraças a aventurarem as vidas, mettendo-se ao

fim de realçarem as custosas victorias, que algumas vezes d'ellas obti-


i crão. O que ha de certo nesta matéria , lie voltarem estas Nãos da
índia tão abarrotadas de tardos, e caixotes , que totalmente empachavas
as poucas pecas de artilheria, que montaváo; e o numero de Porttfgue-
xes capazes de combaterem, era sempre mui diminuto, assim como era
grande a quantidade de escravos boçaes , que trazião para Commercio.
Nestas Memorias se acharão exemplos sufficientes para convencer os mais'
incrédulos.
58
458
mato, d'onde trazião pequenas porções d'ella , que ven-
dião a dez cruzados o quartilho, e Manoel de Sousa de
Sepúlveda assim a comprava , para a repartir igualmen
te aos seus companheiros de infortúnio, sem exceptuar
a sua mulher, e os dois filhinhos; e ainda folgava mui
to de haver quem se empregasse neste trafico.
Depois de dois mezes e meio de tão desastrosa jor
nada, resolveo-se deixar o caminho da praia, e através*
sar o sertão, onde a fome foi extrema, e houverao in-
dividuos que torrarão ossos, e reduzidos a pó, fizerao
(Telles papas para alimentar-se.
Finalmente chegarão com três mezes de marcha ao
território de hum Potentado chamado Inhaca, próximo
á Bahia de Lourenço Marques, o qual era amigo dos
Portuguezes. Este foi buscar os naufragados para a sua
Povoação , e deo a Manoel de Sousa de Sepúlveda o
prudente conselho de ficar ali 'até chegar o navio de
Moçambique, que vinha rodos os annos a comprar mar
fim a troco de roupas, e de outros géneros, advertindo-o,
que alem das suas terras se seguião as do Regulo Fumo
(nome conimum a muitos Chefes de pequenos districtos)
homem de máo caracter, e que de certo serião por elle
os Portuguezes roubados, e maltratados. Sepúlveda, ata
cado já da loucura que pouco depois se declarou , re-
geitou os conselhos do Inhaca, determinado a rodear a
Bahia de Lourenço Marques, para atravessar mais aci
ma os grandes Rios, que ali vem desaguar; projecto in
sensato no estado miserável em que se achavão os seus.
Entretanto, por satisfazer ao Inhaca, que lhe pedia auxi
lio contra hum visinho revoltado, mandou Pantaleão de
Sá com vinte Portuguezes , que reunidos a alguns Cafres
do Paiz, queimarão, e saquearão a Aldeã d'aquellc Ne
gro, recolhendo-se com algum gado.
Esta expedição durou cinco dia9, e proseguindo
Manoel de Sousa a sua marcha, alcançou ainda com
459
dia a margem do Rio Zerabe, hum dos quatro que en*
trao na Bahia de Lourenço Marques, o qual passarão
nas Almadias que o Inhaca lhes forneceo : e continuan
do a jornada por espaço de cinco dias , em que andarão
vinte legoas , chegarão ao Rio de Anzete já de noite, e
se alojarão em hum areal sem agua, a qual Sepúlveda
mandou buscar mui longe, pagando a cem cruzados ca
da vasilha de quatro canadas. Pela manhã vierão da
margem opposta rres Almadias, cujos Negros disserão,
que poucos dias antes tinha d'ali partido o navio de
Moçambique. Nestas Almadias passarão os naufraga
dos á outra banda; e aqui descobrio Manoel de Sousa
os primeiros symptomas da mania , que não o deixou
mais, e pôz em contingência aquella passagem, porque
no meio do Rio quiz matar os Negros da sua Almadia:
felizmente o socegou D. Leonor.
Chegados á margem do Norte , já reduzidos a cen
to e vinte pessoas, tomarão alguns Cafres por guias pa
ra os conduzirem ao bárbaro Fumo. No transito para
a Aldeã deste Selvagem , hia D. Leonor a pá , e descal
ça, levando humas vezes ao collo os seus dois filhinhos,
outras vezes dando-os a algumas escravas, que ainda lhe
restavão; mas sempre com tal constância, que sendo ella
pela sua delicadeza , e hábitos de vida a que mais sof-
fria , era com tudo a que consolava , e animava a to
dos; tendo de mais que elles o desgosto, e compaixão
que lhe causava o lastimoso estado de seu marido.
A pouca distancia da Aldeã, que servia de Corte
ao Fumo, lhes mandou este dizer, que se alojassem de
baixo do arvoredo , e ali os proveria do necessário.
Assim o executou por cinco dias , coraprando-se-lhe os
mantimentos a troco de pregos, quando Manoel de Sou
sa , alienado de- maneira, que já os seus não o consulta-
vão em cousa alguma, posto que por hum resto de de
cência lhe participavão tudo, pcdio ao Regulo lhe desse
58 ii
460
cabanas, era que seaccommodasse com a sua gente, por
que estava resoluto a esperar ali o- navio de Moçambi
que. O Negro astuto, vendo a occasião opportuna pa
ra a traição que meditava, e não ousava commetter com
receio das armas de fogo , respondeo, que o Paiz era
tão pouco abundante de víveres, que se lhe tornava im
possível sustentar tanta gente reunida em hum só pon
to: que ficasse elle naquella Aldeã com as pessoas, que
escolhesse, e as outras se repartirião pelas Povoações
visinhas, onde lhes mandaria dar casas, e mantimentos.
Mas que para evitar a desconfiança dos naturaes, cum-
Íiria se recolhessem todas as armas em huma casa , para
he serem restituídas quando chegasse o navio de Mo
çambique.
Nesta insidiosa proposta consentio Sepúlveda, e ten
tou persuadir os seus a entregarem as armas, declarando
ao mesmo tempo, que elle ficava com a sua família; e
os que quizessem passar adiante, o podião fazer. Al
guns dos circunstantes votarão pela entrega das armas;
outros não; e D. Leonor disse a seu marido: Que nar
armas estava todo seu remedia, e que lhe pedia pel»
amor de Deos, que tal não fizesse. Porem como as
suas faculdades intellecmaes estavão alteradas , entregou
as armas, e por fatalidade fizerão todos o mesmo-, co
nhecendo o seu estado de demência. Concluída esta
transacção , repartio Fumo os Portuguezes desarmados
pelos Ancoses , ou Chefes das Povoações, os quaes an
tes de chegarem a ellas, os despojarão de tudo no ca
minho, e ás pancadas os expulsa rão para longe. Manoel
de Sousa , e os da sua companhia ficarão na Aldeã do>
Regulo, que lhes fez logo o mesmo tratamento (excepto
as pancadas), e dizia-se, que lhes tirou mais de cem mil
cruzados de jóias ; e após isto ordenou , que sahissem
logo da sua Aldeã.
Este desastre acabou de enlouquecer a Manoel de
461
Sousa, a quem D. Leonor, com hum filhinho ao coifo,
levou pela mão, animando-o a submetter-se aos .alros
juizos da Providencia. Hião também com elles o Pilo
to, Contra-Mestre, e Guardião, e alguns outros homens ;
e a pouco espaço se reunirão Pantaleao de Sá, e outros
Fidalgos, e Cavalleiros expulsos das Aldeãs, que todos
juntos fazião noventa pessoas. E como nem tinhão ar
mas para se defender , nem géneros com que comprar
mantimentos , e pelos matos somente achavão frutas
bravas, e raizes, começarão a espalhar-se em differen-
tes direcções , como homens aborrecidos de tão pesada
existência ; e com effeito cada dia morrião alguns de fo
me, e de cançaço.
Os do ranxo de Sepúlveda seguirão o caminho do
Rio do Manhiça, determinados a ficarem ali, se aquel-
le Regulo o permittisse. Mas antes de lá chegarem , os
assaltarão os Cafres , e os despirão do pouco que leva-
vão. D. Leonor, tendo ao pé de si deitados no chão
os dois innocentes filhinhos, que choravao com fome,
resistio aos bárbaros que a querião despir, e que a ma-
rarião togo, se Manoel de Sousa, como despertando de
hum lethargo (que huma dor pungente tudo pode fa
zer), nao a tomasse nos braços, e lhe dissesse: Senho-
ra , deixai-vos despir , e lembre-vos que todos nasce
mos mis ; e pois dista he Tkos servido , sede vós con
tente , que elle haverá por bem , que seja em peniten
cia dos nossos peccador. Com estas palavras se deixou
D. Leonor despir , e fazendo com ns mãos huma cova
na arêa , se escondeo nella até á cintura, cobrindo-se
por diante com os seus longos cabellos, única cobertu
ra que lhe restava ; e não quiz mais levantar-se. O Pi-
Joto, e os outros que a accompanhavao, não tendo com
que lhe valer, se apartarão chorando. Seu marido en
trou pelo mato, e voltando com algumas frutas, achou
morto bum dos filhos, e D. Leonor com os olhos fitos
462
nelle, e o outro ao collo. Abrindo elle então huma co»
va , em que sepultou o filho, Foi ao mato buscar mais
frutas, e quando tornou , vio morta a mulher, e o filbo,
e cinco escravas á roda dos cadáveres chorando amar
gamente. Este funesto espectáculo lhe surFocou a voz , e
sem dizer palavra , cobrindo de piedosa arèa aquelles
dois corpos inanimados, que tanto amara vivos, se met-
teo ao mato , e nunca mais appareceo.
Concluída esta tragedia, que a Musa de Camões
relatou com melancólica eloquência, partirão as escravas
em busca do Piloto, que alcançarão; e aos da companhia
de Pantaleão de Sá; e caminhando com grandes fomes,
e trabalhos, de que só escaparão Pantaleão de Sá, Tris
tão de Sousa , Balthasar de Siqueira, Manoel de Castro,
Feitor do Galeão, o Piloto André Vaz, e outros três
Portuguezes, com quatorze escravos de ambos os sexos,
os guiou a Providencia ao território de outros Cafres
mais humanos, que lhes derão algum milho, de que vi
verão muito tempo, até que chegou ao Rio de Inham-
bane hum Pangaio de Moçambique, commandado por
hum parente de Diogo de Mesquita, Governador desta
Ilha , que vinha comprar marfim; e sabendo pelos na-
turaes , que no sertão andavao alguns náufragos Portu
guezes, destacou pessoas intelligentes com missangas , e
outros géneros, que os resgatarão.
Em Inhambane os recebeo o Commandante do
Pangaio com o maior affecto, e caridade, vestindo-os,
e curando-os a todos, e providos do necessário, os
transportou a Moçambique , onde chegarão a 2j de
Maio de ij^; e o Governador, não menos humano, e
generoso, os veio receber á praia, e hospedando em sua
casa a Pantaleão de Sá (que já havia governado aquella
Praça ) , e a Tristão de Sousa , entregou os outros aos
moradores mais abastados, cujo bom trato os restabele-
ceo em breve das fadigas passadas. Pantaleão de Sá, c
463
Tristão de Sousa passarão á índia ; e correrão depois as
coisas de modo, que fallecendo Diogo de Mesquita,
casou Pantaleão de Sá com a sua viuva D. Luiza de
Vasconcellos , e foi segunda vez Governador de Mo
çambique.
IW$. — A Esquadra (i) este anno destinada para a
índia constava de cinco Náos, commandada por Fernão
Alvares Cabral, embarcado em a Não S. Bento, huma
das maiores d'aquelle tempo, e com ellc hia Luis de
Camões: era Piloto Diogo Garcia, Castelhano, Mestre
António Ledo, e Contra-Mestre Francisco Pires, OíE-
ciaes muito estimados. Os outros Commandantes erao
D. Manoel Tello, no Santo António; Belchior de Sou
sa, na Santa Cruz ; D. Paio de Noronha , em Santa Ma
ria do Loreto; e Ruy Pereira da Camará, em Santa
Maria da Barca.
Antes da Esquadra sahir queimou-se por desastre no
Rio de Lisboa a Náo Santo António, estando á carga ;
e a 24 de Março partio Fernão Alvares Cabral com as
quatro restantes, das quaes arribou huma a Santa Cruz.
Ás três separarao-se a poucos dias de viagem. O Chefe, do
brando tarde o Cabo de Boa Esperança, e parecendo-lhe
não poderia tomar Moçambique, deitou por fora da Ilha
de S. Lourenço, e foi a Goa a salvamento. D. Paio de
Noronha invernou em Moçambique; e Ruy Pereira da
Camará chegou em Novembro a Cochim.
I5'5'4. — Querendo EIRei mandar (2) para Vice-Rei
da índia algum Fidalgo de grande auíhoridade, e respei
to , e ao mesmo tempo muito rico, nomeou D. Pedro
Mascarenhas, que se escusou , allegando a sua avançada
(1) Couto, Década 6. Liv. 1. Cap. 14. — Chronica de D. João III.
Parte 4. Cap. 10 j. — Faria, Ásia Portugueza. — Pedro Earreto de Re
zende.
(2) Conto, Cecada 7. Liv. 1. Cap. 5. — Chronica de P. João III.
P»te 4. Cap. 1 1 1. — Earreto de Rezende. — Faria, Ásia Portugueza.
464
idade de mais de setenta annos, e as poucas forças com
ue se achava para resistir aos trabalhos da viagem, e
3
do Governo; e nisto insistio de maneira, que foi necesr
sario, que o Infante D. Luiz se servisse da grande ami
zade, que tinha com elle, para o resolver a cumprir com
a vontade d'ElRei; e satisfeito o Monarcha da obe
diência de D. Pedro Mascarenhas, lhe concedeo quanto
este lhe pedio, excepto nomear seu sobrinho Fernando
Martins Freire para General do Mar da índia ; orde
nando porêra, que se os Officiaes antigos d'aquelle Esta»
do, reunidos em Conselho, julgassem conveniente o Pos
to, nomeasse para elle quem melhor lhe parecesse.
Constava a Esquadra de seis Náos, com dois m^i
soldados, em que entra vao mais de quatrocentos Fidal
gos , e Moradores da Casa Real ; de que erao os prirv
cipaes Fernão Martins Freire, e D. Francisco Mascare
nhas, sobrinho do Vice-Rei ; D. Pedro Mascarenhas,
Ruy Barreto Mascarenhas de Ludo; D. Rodrigo Cou
tinho; João Lopes Leitão ; Lourenço de Sousa; Chri*ro-
vao Pereira Homem ; D. João de Bellez , primo do Rei
de Bellez; e D. António de Noronha.
Embarcou o Vice-Rei em a Náo S. Boa Ventura,;
e os outros Commandantes , Manoel de Castanhoso , na
Conceição ; Belchior de Sousa , na Santa Cruz ; Fernão
Gomes de Sousa, no Espadarte; D. Manoel Tello, na
Flamenga; c Francisco de Gouvea , no S. Francisco.
Partio a Esquadra a i de Abril , indo EIRei ao
bota-fóra. A viagem não foi feliz. D. Manoel Tello
arribou destroçado a Lisboa : Fernão Gomes de Sousa ,
chegando tarde a Moçambique, passou a invernar a Or
muz: Manoel de Castanhoso, c Belchior de Sousa na
vegarão por fora da Ilha de S. Lourenço, e tomirao Co-
chim nos fins de Novembro. O Vice-Rei entrou em Mo
çambique no começo de Agosto , e refazendo-se de ví
veres, e aguada, ancorou na barra de Goa a 23 de Se
465
tembro; e desembarcando logo , velo a bordo o Vedor
da Fazenda Simão Botelho para levar o cofre do di
nheiro, que hia no porão; e para satisfazer a sua impa
ciência, foi necessário revolver a carga, e pôr em cima
boa parte d'ella. Tirado o cofre, e não tratando os
Officiaes de arrumar de novo o porão , sobreveio hum
aguaceiro rijo ; estava a Náo atravessada , e engorjando
ra amarra , soçobrou, perdendo-se quanto tinha a bor
do, de que o Vedor tomou tal sentimento, que entrou
na Ordem de S. Domingos.
Neste anno suecedérão alguns naufrágios. A Náo
S. Bento, sahindo de Cochim no principio de Fevereiro
tão carregada , que as cobertas vinhão macissas , e no
convez setenta e duas caixas de marca , e tanta quanti
dade de fardos, e caixotes a cavalete, que igualavão o
convez com os Castellos, abrio huma agua tão grossa,
que não a podendo vencer, foi-se perder no Rio do In
fante. A Náo Barribeira , já mui velha , e arruinada ,
desappareceo na torna-viagem. A Náo S. Tiago, Com-
mandante António Dias Figueira, também desappare
ceo vindo dos Açores para Lisboa.
1554.. — No Verão deste anno partio de Lisboa D.
Pedro da Cunha com quatro Galés (1), três Patachos,
e duas Caravelas : erão Commandantes das Galés ( alem
delle), D. Vasco da Cunha, seu irmão, no S.João; D.
Nuno da Cunha , na Santa Catharina ; e Diogo Vaz da
Veiga , na Victoria. Commandavão os Patachos Grama
do Telles , Izidro de Almeida, e Manoel Gonsalves-, e
as. Caravelas, Balthasar Rebello, e hum seu irmão. Cor-
reo D. Pedro a Costa do Algarve, e em Agosto se re-
colheo a Tavira.
Nesta mesma quadra sahio de Argel o famoso Cor
sário Turco Xaramet-Arraes , com oito Galés bem pro-

{1) Cfaronica de D. João III. Parte 4. Cap.ua


69
466
Vidas de chusma , e de soldadas da sua Nação, de arti
lhem, e munições, e no mez de Agosto chegou ao Al
garve, buscando a Esquadra Portugueza para pelejar
com ella, e com este projecto seguio a Costa de Oeste
para Leste, dirigindo-se a Tavira.
D. Pedro da Cunha em o vendo fez a grão pressa
embarcar a sua gente, e partio a cortar-lhe o caminho;
mas como alguns soldados andaviío afastados da Cida
de , ficarão em terra, posto que a boa vontade era tal,
que dois irmãos naturaes da Beira vierão a nado met-
ter-se na Capitanea, onde tinhão a sua praça, e alguns
mancebos honrados de Tavira se embarcarão por vo
luntários.
Ajuntarao-se as duas Esquadras já sobre a tarde na
Enseada da Carvoeira , hum pouco a Leste do Cabo,
de que ella tomou o nome: as duas Capiraneas pozerão
as proas huma na outra , disparando os seus canhões de
coxia, e os mais que lhes servião, e o mesmo fizerão as
outras três Galés Portuguezas , cada qual áquella das ini
migas que lhe ficava mais a geito, com tamanha fuma
ça, que se não enxergavão humasás outras. Os Patachos,
c Caravelas não poderão chegar-se a distancia convenien
te, pela calmaria podre que as colheo, e apenas derão
alguns tiros de longe, que não produzirão muito effiei-
to.
Era neste tempo furiosa, e desigual a batalha, que
com esforço, e audácia se disputava de parte a parte,
por serem as Galés Turcas em numero dobrado. A Ca
pitanea de D. Pedro da Cunha, matando-lhe as balas
do inimigo muitos dos melhores soldados, esteve em pe
rigo eminente, porém elle se houve de maneira , que re
chaçando os Turcos que saltarão dentro da sua Galé
em huma abordagem , tomou a Capitanea de Xaremet ,
ficando este prisioneiro. As outras Galés Portuguezas
sc comportarão com igual animo , c habilidade ; e de
467
pois de aturar o combate até pela noite dentro, se acha
rão rendidas qiutro Gales Turcas, com imruensa perda
sua, e o resto d'ellas buscou salvação na fugida. Huma
d'aquellas quatro Galés estava tão furada de balas, que
no acto de render-se foi subitamente ao fundo cora
quantos tinha a bordo.
As três Galés tomadas forao conduzidas a Tavira,
e Xaramet remettido para Lisboa. Morrerão dos Portu-
guezes quarenta soldados, em que entrarão os dois ir
mãos naturaes da Beira, e alguns marinheiros, e remei-
ros ; e ficarão feridos cento e sessenta homens. Dos Tur
cos pertencentes ás Galés rendidas, morrerão cento e cin-
coenta , forão cativos mais de noventa , e libertarão-se
duzentos e vinte Christãos , que elles trazião a remo.
Xaramet-Arraes esteve no Limoeiro, onde D. Pe
dro da Cunha lhe mandava presentes, e dinheiro para
seu sustento; e no anno de 1561 foi trocado por Pedro
Paulo, que, sendo Turco, veio a Portugal fazer-se Chri-
«rão, e commandou huma Galeota Portugueza; e sendo
tomado no mar, e levado a Argel, conseguio ser troca
do por Xaramet.
1555* — A Esquadra este anno destinada (1) para o
Oriente, constava de cinco Náos, commandada por D.
Leonardo de Sousa , embarcado em a Náo Senhora da
Barca; e os outros Commandantes Francisco Figueira
de Azevedo, em S. Filippe ; Vasco Lourenço de Bar
buda, em S. Pedro; Jacomo de Mello, na Algarvia Ve
lha (que na torna-viagem se perdeo surta na Tercei
ra); e Francisco Nobre, na Algarvia Nova.
Partio a Esquadra a 10 de Abril : as primeiras
quatro Náos chegarão a Goa a 10 de Setembro; porêrn
Francisco Nobre ensacou-se na Costa de Guiné, e an-
C2) Couto, Década 7. Liv. 2. Cap. 7. e Liv. j. Cap. 2. — Barreto
de Rezende. — Qironica de D. J0S0 III. Parte 4. Cap. 118. — Histo
ria Tragico-Matituna Tomo 1. pag. 171.
59 ii
468
dou quarenta e três dias em calma, sem diminuir de três
grios Norte. Finalmente vio o Cabo de Boa Esperança
a 18 de Julho, e dirigio a sua derrota por fora da Ilha
de S. Lourenço. O seu Piloto era hum AfFonso Peres,
homem ignorante naquella navegação, que nos fins de
Agosto se foi perder nos baixos de Pêro de Banhos, que
constao de huma pequena Ilha de trezentos passos de
comprido, e de muitas restingas que a rodeao, nas quaes
o mar quebra muito.
A Providencia permittio, que a Náo ficasse direi
ta , e não abrisse logo, de maneira que toda a gente
desembarcou na Ilha, com armas, mantimentos, muni
ções, tonelame, e muita fazenda. O Commandante par-
tio na lancha com alguns marinheiros para Cochim,
donde passou a Goa ; e o Governador Francisco Barre
to lhe dco duas embarcações capazes de receberem to
dos os naufragados, que erão perto de quatrocentas pes
soas. Sahio elle de Goa em busca do baixo; mas não
pôde achallo, e tornou a recolher-sc áquella Cidade.
Entretanto os naufragantes começa vão- a fazer jan
gadas para se salvarem ; porem D. Álvaro de Araide,
que ali se achava , apoiando-se na authoridade de três
Padres Jesuítas, os persuadio a que tentassem antes con
struir hum Caravelão, em que todos coubessem, visto
terem á sua disposição as madeiras, ferragem, e raassa-
me da Náo; e ainda que esta construcção havia durar
muito tempo, a Ilha era abundante de agua, cocos, pei
xe, e marisco de que viverião, guardando os mantimen
tos salvos do naufrágio para a viagem. Persuadidos-
destas, e de outras razões, tratou-se logo de desfazer a
Náo, lavrar madeira, e forjar a pregadura , e cavilha-
me para a nova embarcação, em que todos trabalharão-
com o maior esforço, e boa vontade, supprindo o talen
to» filho da necessidade, a instrucção que faltava das
Artes niechanicas.
469
Nos fins de Março do anno seguinte pozerao os
naufragantes no mar hum navio bem acabado, e apare
lhado, em que embarcarão os mantimentos de reserva,
fizerão agua da que nascia na Ilha, e recolherão huma
grande parte dos artigos de Commercio ; e fazendo-se á
vela , chegarão a Cochim com prospera viagem nos úl
timos dias de Abril. Exemplo notável do que pode a
industria, e boa disciplina!
De três Náos (i), que em Janeiro deste anno sahí-
rao de Goa para Portugal, duas chegarão a Lisboa a sal
vamento; mas a Santa Cruz, comniandada por Belchior
de Sousa, desappareceo no caminho. Esta Náo já tinha
aberto muita agua pela proa á ida para a índia , e a
pesar disso os Officiaes d'aquelle Arsenal a acharão ca
paz de voltar á Europa, e bem sobrecarregada. Nella
morrerão alguns Fidalgos de grande préstimo, e servi
ços.
i$$£- — Este anno (2) mandou ElRei á índia huma
Esquadra de cinco Náos, commandada por D.João de
Menezes de Siqueira, embarcado em a Náo Garça ; e os
outros Commandantes Jorge de Brito, na Flor de la
Mar; Pedro de Góes, no Galeão S. Vicente; Martira
AfFonso de Sousa, em S.Julião; e António Fernandes,
no S. Paulo, de cuja Náo era proprietário.
Sahio a Esquadra a 15" de Março, levando á índia
a infausta noticia da morte do Infante D. Luiz , incan
sável Protector dos homens que servirão bem a Pátria.
As quatro primeiras Náos chegarão a Goa em Setem
bro.
A Náo S. Paulo, havendo-se atrazado, dobrou tar
de o Cabo de Santo Agostinho, e nesta occasião se es
palhou a bordo hum rumor de que não havia agua pa-
(1) Couto, Década 7. Liv. 1. Cap. 6.
■ (2) Couto , Década 7. Liv. }. Cap. 6. , e Liv. 4. Cap. 1 . — Pe
dro Barreto de Rezende. — Cbronica de D- João III. Pai te 4. Cap. 12.0..
470

ra tão comprida viagem, e que era preciso arribar; e in


sistindo o Commandante em continuar a derrota, a guar
nição recusou-se ao trabalho. D. António de Noronha,
que hia de passagem, e era Fidalgo de grande respei
to, socegou o motim, e fez com que o Commancante
mandasse examinar a aguada, como devia ter praticado
em tempo opportuno. Com effeito, achou-se tão peque
na porção de agua, que arribarão á Bailia, de que era
Governador D. Duarte da Costa, o qual deo todas as
providencias necessárias par?, o apresto da Náo.
Cinco mezes se demorou aqui António Fernandes,
e sahindo no principio de Outubro com determinação de
passar por fora da Ilha de S. Lourenço, foi buscar a al
tura de 41-, onde sofFreo grandes frios, e d'ali veie do*
brar o Cabo de Boa Esperança , de cujo ponto dirigio
a sua derrota por fora de S. Lourenço, e de todos os
baixos, a fim de ir ver a ponta da Ilha de Sumatra: e
como os ventos o favorecerão, logo que chegou áquella
altura , voltou no outro bordo com os Levantes , e foi
avistar aaponta de Gale na Ilha de Ceilão, e depois o
Cabo Comorim. Deste Cabo seguio navegando ao lon
go da Costa , e ancorou em Cochim a 30 de Janeiro cio
anno seguinte , encontrando ainda neste Porto ao seu
Chefe D. João de Menezes de Siqueira , que no dia se
guinte se fez á vóla para Portugal.
1557. — A Esquadra da Índia (1) foi este anno de
cinco Náos, de que EIRei nomeou por Chefe a D. Luiz
Fernandes de Vasconcellos, embarcado em a Náo San
ta Maria da Barca ; e os outros Commandantes Cide de
Sousa, em Santo António; Braz da Silva, na Assum
pção; António Mendes de Castro, na Flamenga; ejoão
Rodrigues Salema de Carvalho, na Águia.
(1) Couto , Década 7. Liv. 5. Cap. 2. , e Liv. 6. Cap. 1.— Pedro
Barreto. — Fatia , Ajia Portugueza. — Quonica de D. João III. Par
te 4. Cap. 1 24.
471
Estando para sahir, abrio a Capitanea Iiuma agua
tão grossa , que esteve em perigo de ir a pique , e foi
necessário descarrcgalla : a final achou-se o furo de hum
prego, ou cavilha, que na carena tinha ficado tapado
com breu, e por elle fazia a agua ; mas antes desta des
coberta mandou EIRei partir as outras quatro Náos â
5" de Abril , e a Capitanea sahio a 2 de Maio.
As Náos Assumpção , e Santo António chegarão a
Goa nos fins de Setembro. A Flamenga invernou em
Mehnde, e a ir de Agosto do anno seguinte partio pa
ra Goa , porém fez logo tanta agua, que foi buscar
.Mombaça, em cuja barra encalhou, e se desfez toda,
salvando-se a gente, e a carga. A Águia invernou em
Moçambique, e em Maio passou á índia.
D. Luiz Fernandes de Vasconcellos , seguindo sua
derrota, metteo-se na Costa de Guiné, onde. andou se
tenta dias em calmaria, e a final assentarão os Ofiiciaes
cm irem invernar ao Brasil, como fizerão , ancorando na
Bahia a 14 de Agosto. D. Duarte da Costa, Governa
dor Geral daquelle Estado, foi receber ao desembarque
a D. Luiz Fernandes, e a outros Fidalgos que com elle
Jiião, os quaes erão Luiz de Mello da Silva, D. Pedro
de Almeida, D. Filippe de Menezes, D. Pedro de Li
ma, Nuno de Mendonça, e seu irmão Henrique de Men
donça , Jeronymo Corrêa Barreto, e Henrique Moniz
Barreto, e a todos deo casas, e tratou com grande
magnificência.
Era tempo próprio sahio D. Luiz Fernandes da
Bahia , e a 2 de Maio do anno seguinte chegou a Mo
çambique , e d'ali passou á Índia em companhia do
Yice-Rei D. Constantino de Bragança.
m1
472

Reinado d'ElRei D. SebastiXo. n «v •


:■-«■■ o . í>.:/.t-.sf. -
H' c*?
avendo fallecido EIRei D.João III. na noire de
li de Junho de 15- 57, ficou successor da poderosa Mo-
narchia Porrugueza o Príncipe D. Sebastião, seu NetOj
na idade de três annos, e quast cinco mezes. No dia 14
foi a Rainha D. Catharina , sua Avó, j urada , e reco
nhecida como Regente do Reino , e Tutora, e Curado-
ra de seu Neto , a qual associou a Regência ao Cardeal
Infante D. Henrique, lavrando-se de tudo hum Auto so-
lemne na mesma data; e a 16 foi o Príncipe acclatna-
do Rei. . ; "•■*!! r.5
No anno de 1564, tendo a Regente noticia qnénós
Portos de Inglaterra se carregavão dez navios de merca
dorias para as Costas da Mina, e Guiné, cujo Com-
mercio não só era vedado aos Estrangeiros , mas aos
mesmos Portuguezes, por andar arrendado a certos Ne
gociantes de Lisboa, mandou áquella Corte Aires Car
doso para representar á Rainha Izabel a injustiça de si-
milliante especulação-, o que elle fez com tanto sueces-
so, que Izabel prohibio com graves penas aos seus Vas-
sallos todo o trafico nas Conquistas de Portugal (1).
A pesar desta prohibição, e provavelmente com o
consentimento tácito de Izabel, continuarão os seus Vas-
sallos o Commercio clandestino em Guiné; e passando
a maior excesso , roubarão algumas embarcações Portu-
guezas por aquelles "mares , causando-lhes hum prejuizo

CO Memorias d' EIRei D. Sebastião tomo 2. Liv. a. Cap. j.


473
<3e quatrocentos mil cruzados; de que se seguio mandar
a Regente em 1567 alguns navios de guerra a castigar
aquella insolência , os quaes apresarão alguns navios.
Prenderao-se igualmente no Castello da Mina os Ingle-
zes , que por ali se achavão, medida que se estendeo aos
que estavão em Lisboa, cuja soltura Izabel pedio; e pa
rece serem elles cúmplices naquellas piratarias , pois na
Carta, que a Regente escreveo á mesma Izabel em da
rá de 23 de Outubro deste anno, dizia : Mandei soltar
os Liglezes, que aqui (em Lisboa) estavão prezos por
delidos graves, e atrozes.
Este negocio azedou-se de parte a parte; Izabel deo
Cartas de Marca aos seus súbditos contra os Portugue-
zes , e a Regente fez rcprezar todos os navios Inglezes ,
que se achavão nos Portos de Portugal. Ajustou-se po
rém amigavelmente a questão.
A 20 de Janeiro de 1568 , em que EIRei D. Se
bastião completava quatorzc annos, se celebrou a cere-
monia da sua Coroação, em cujo acto recebeo o Gover
no das mãos do Cardeal Infante , na presença da Re
gente.
Este Monarcha presou muito a Marinha. No an
no de 1567 appareceo huma Provisão Real, mandando
estabelecer na Casa da índia hum livro , em que se re
gistassem todos os navios da Coroa , e os de Commer-
cio existentes no Reino; prohibindo vendellos a Estran
geiros, e concedendo certos prémios aos que era Portu
gal , e seus Domínios mandassem construir navios de
130 toneladas para cima.
Determinou também, á vista do grande numero de
Piratas, e Corsários que naquelles tempos infestavão o
Commercio Portuguez, que os navios mercantes de 200,
ou mais toneladas, montassem quatorze peças, e onze
os de 150 até 200 toneladas; compondo-se as suas equi
pagens na razão de hum homem por duas toneladas j
60
474
à

'è que não sahissem do? Portos em numero menor efe


quatro* navios, cujos Capitães devião eleger hum, que
Os governasse , do qual serião obrigados a obedecer, sob
certas penas. Este regulamento, posto que pesado ao
Commercio, produzio o beneficio de navegarem as em
barcações Portuguezas com toda a segurança. A's pes
soas, que quizessem armar em corso, concedeo EfRei
"todo o produeto das presas; mas, em consequência d*
alguns excessos commettidos por estes Armados, prohi-
bio-se depois o corso (i).
Pelo Regimento da Casa da índia de 1570 se
prólribio, que ás Náos da índia fossem de menos de
300 toneladas, ou de mais de 45-0 (2); o que parece
não chegou a ter execução.
- O cargo de Capitão Mor da Frota foi oceupado
por D. Fernando de Almnda , em consequência de hu-
ina Carta de Confirmação passada em Évora a aj de
Agosto de 1573.
No Reinado deste Monarcha sahírao de Lisboa
para o Oriente noventa e sete Náos, c duas Caravelas»
Perderão-se á ida três Náos , huma d'ellas ancorada na
barra de Goa. Na tonia-viagem perderão-se nove Nãos.
sendo duas em Moçambique. Total doze- Nios perdi-
cras , de que só quatro o forao com toda a guarnição ;
de seis salvou se toda a gente; e de duas morreo parte
d'ella. De todos aquelles noventa e nove navios, arri
barão dois a Lisboa.
15c J. — Como- o Governador da índia Francisco
Barreto (j) tinha acabado o seu tricnnio, determinou a
Regente de Portugal nomear-lhe suecessor, em que se
' (i5 Noticias de Portugal, Discurso 2. §■ i&
(2) Q mesmo Severim de Faria , Discurso 7.
. (;) Couto, Ducadà 7. Liv. 6. Capitulo» 1. e }. — Epilogo de Pe
dro Barreto de Reicnde. — Faria , Ásia Poitugueza» — Memorias de
ElRel V. SebastiSo, ttímo 1. pag. IsO.
475
vio assaz embaraçada , porque dois Fidalgos, que ppFa
isso eseolheo , se escusarão , porém cortou a diffia4da-
de D. Constantino de Bragança , irmão do Duque D.
Theodosio, -offereoendo-se para aquelle Cargo : e a 3 de
Março se lhe passou Carta-Patente de Vice-Reu
Preparau-se huma Esquadra de quatro Náos com
dois mil soldados, cujos Commandames erao D. Paip
ide Noronha, na Garça; Aleixo de Sousa Çhichqrro, na
.Rainha , o qual hia nomeado por Vedor Geral da Fa
zenda da índia; Pedro Peixoto da Silva, no Tigre; e
Jacomo de Mello, no Castello. Embarcou D. Consíaíl-
.ritro cm a Náo Garça (1), e com elle muitos Fidalgos.,
-que.hiao servir á índia, taes como D. Dinjz, -filho d»
Marechal do Reino, Francisco de Mello, Air.es de Sal
danha, D. Antonio.de Vilhena, D. Francisco Lo.bo,
-í>. Luiz de Almeida, D. Francisco de Almeida , Fernão
de Castro, Pedro de Mendonça, João Gomes de Çastr-o,
-Pedro da Silva de Menezes , Jerooymo Dias de Mene
ies , João Lopes Leitão , Gil de Góes , e outros muitos
-Fidalgos, e Cavalleiros. ' :
A 7 de Abril sahio de Lisboa a Esquadra, e com
prospera viagem ancorou nos principios de Julho em
Moçambique, onde achou invernando as Náos de D>
ímiz de Vasconcellos , e de João Rodrigues Salema de
-Carvalho. Desembarcou o Vice-Rei , e ordenou logo a,
Jium Engenheiro, que para isso levava de Portugal,
desse principio a hum a nova Fortaleza , que se mandar
4ia .construir na ponta da. Ilha, que domina a entrada
do Porto, e no seu alicerce deitou a primeira pedra cora
as cereraonias costumadas.
Pactioo ViceVRei de Moçambique. a 5- de Agosto
com seis Náos , e a 3 de Setembro chegou a Goa ; e
• 1 . ' i

(1) :Eis-aqui 6 ptitheiro exemplo.de levar Commatuknte particular a


Kio 4o Vice-Rei; e este mesmo foi quem o nomeou. . í
tiO li
476
recebeo o Governo das mãos de Francisco Barreto, cu
ja espantosa viagem de volta a Portugal agora relata
rei.
1559. — A Esquadra destinada este anno (1) para
a índia constava de seis Náos , e era coramandada por
Pedro Vaz de Siqueira, embarcado na Flor de la Mar,
com quem hia o Bispo de Cochim D. Fr. Jorge Tbe-
mudo , e o celebre Escritor Diogo de Couto , de idade
então de quinze annos , Moço da Camará d'ElReiD.
João III. Os Com mandantes das outras Náos erão
Francisco de Sousa, da Algarvia, que levava o Bispo de
Malaca D. Fr. Jorge de Santa Luzia ; Pedro de Goe»,
do Santo António ; Luiz Alvares de Sousa, do S. Ji>-
lião ; Lisuarte Peres de Andrade , da Conceição , e Ruy
de Mello da Camará , do S. Paulo.
• Sahio a Esquadra de Lisboa a ^t de Março, trans
portando perto de três mil soldados , em que se incluiáo
muitos Fidalgos, e Cavalleiros, e outra gente limpa, e
mui lustrosa. Destas seis Náos invernou em Moçam
bique a Conceição, por chegar tarde; eoS. Paulo, in
do avistar a Costa do Brasil, e não a podendo dobrar,
arribou a Lisboa. As outras quatro entrarão em Goa no
mez de Setembro.
ic/jo. — Havendo Francisco Barreto entregue o Go
verno da índia ao Vice-Rei (2) D. Constantino de Bra
gança, e achando-se unicamente em Goa duas Náos á
carga , que erão a Garça , de mil toneladas , e a Águia,
navio pequeno, e já velho, commandado por João Ro
drigues Salema de Carvalho, pedio Francisco Barreto
ao Vice-Rei lhe desse esta ultima Náo, e mudasse o
seu Commandante para a Garça, a fim de ir carregar a
(1) Couto, Década 7. Lhr. 8. Cap. t. — Pedro Barreto. — Fa
ria, Ásia Portugueza.
(») Couto , Década 7. Liv. 6. Cap. j. — Dito Livro S. Capitulo*
J , 12 , e 1 j. — Memorias d' EIRei D. Sebastião , Tomo 1. Cap. 4-
477
Cochim , visto que era Goa não havia carga para am
bas, e elle desejava partir breve desta Cidade;, no qae
o Vice-^Rei conveio pelo obrigar.
Concertada , e carregada a Náo Águia , sahio de
Goa Francisco Barreto a 20 de Janeiro de icfo, levan
do a seu bordo muitos Fidalgos, e Cavalleiros , e Crea-
dos d'ElRei, como Ruy Barreto Rolim, seu primo, D.
Diogo Lobo, D. AfFonso Henriques, D. Francisco de
Moura, D. Filippc de Castro, Manoel de Brito, Pedro
Alvares de Manccllos , e Manoel de Anaia Coutinho ,
ambos seus parentes, Sebastião de Rezende, Diogo de
Vasconcellos, e Francisco de Gouvea , a todos os quaes
deo sempre meza.
D. Luia Fernandes de Vasconcellos partio de Co
chim com a sua Náo Santa Maria da Barca, e as ou
tras de torna-viagem dez dias depois de Francisco Bar
reto; e com bom tempo chegarão á ahura.da ponta do
Sul da Terra do Natal, onde lhe sobreveio hum tem
poral, que alcançou a todas, ainda qae espalhadas; sof-
frendo porém menos darano as Náos Rainha, Tigre, e
Ostello da Esquadra do Vice-Rei, as quaes poderão
dobrar o Cabo Ide Boa Esperança , e forão a Lisboa a
salvamento, todas as outras Náos se acharão derrota
das, porque passada a tormenta, ficarão os mares mui
grossos, e cruzados, e os ventos variarão , mas sempre
mui rijos, obrigando as Náos a bordejar, e a capear
frequentes vezes, o que as abrio, c desconjuntou, de
maneira que gastarão até ao fira do mez de Março em
chegar á altura do Cabo, que António Mendes de Cas
tro, Commandante da Flamenga , conseguio dobrar, pa
ra se ir perder na Ilha de S. Thorné.
D. Luiz Fernandes soríreo toda a fúria desta tor
menta, e com os pairos que fez, começou a Náo, que
jogava muito, a abrir agua por tantas partes, que a
despeito das bombas , e gamotes com que se trabalhava
478
de contínuo de noite, 'è de dia, sendo elle o primeiro
em todas as fainas, chegou a agua a cobrir os bailéos
do porão, esperando-se de momento a momento que
fosse a pique. Nesta extremidade assentarão uniforme-
mence os Òlhciaes em buscar a terra mais próxima çí-
ra encalhar; e assim deitarão ia popa em demanda da
Ilha' de S. Lourenço. Achava^se já a Nio com vinte
palmos de agua. dentro em si, quasi adernada, e sem
dar peio leme, quando os OfRciaes dtsserão.em legredo
a D- Luiz, qne clles se faxiao de doze 2 quinze legoas
dn ponta Occidental da Ilha, mas que a Náo já não po
dia lá chegar ; c .que ipor' tanto seria melhor salvarem-fe
na lancha os que nella coubessem.
Logo D. Luiz fez deitar a lancha Fora., e^ pressa
se metteo nella com seis homens, levando hum barril
d'agua, Iram sacco de biscouto, eduas caixas de mar
melada; e afastando-se da Náo, chamou por seus no
mes varias pessoas, que foi recolhendo, ate que .os Of-
íiciaes lhe requererão, que não acceitasse mais, .por estar
•a lancha já carregada. E vendo que faltava .0 Padre Fr.
Francisco de ■Castro., Religioso de nobre nascimento, e
grande virtude, se aproximou da Náo para o receber,
mas elle respondeo lhe: que se fosse na faz de Deos,
porque ficava confessando, e consolando mais de duzen
tas pessoas, que ali estavao, o que importava mais do
que a sua própria vida. 1*3 •.■/.:
Com este desengano deo D. Luiz á vela , deixando
a gente da Náo em prantos e gritos , que ferião os
ares ; e antes de a perder de vista , a eorveo o mar com
quantos nella estavao.
No dia seguinte virão terra da Ilha de S. Louren
ço em quasi 20" 30' de latitude avante da Ilha .'de São
Tiago, e forlo navegando ao longo da Costa , em que
tomarão vários Portos , e Bahias , sem desembarcar pes
soa alguma, comprando algumas gallinhas, que D. Luiz
479
feria guardar parar os doentes , sem querer paTa si mais
•do que a escassa porção de mantimento, que se dava
aos outros. Este mantimento consistia pela maior par*
te em algum peixe, ou marisco das praias a que apor*
tavão.
Chegarão finalmente por esta maneira ao Cabo,
que faz a Ilha da banda do Levante, e em huma gran*-
de Enseada na alrura de 13* acharão huma embarcação,
que vindo da índia para Moçambique, fôra obrigada a
tomar aquelle abrigo. O Gommandanre deste navio-,
«ue era- bum homem Fidalgo, conhecendo a D. Luiz, o
recebeo com muito alvoroço, e aos outros naufragado».
E como era forçoso esperar os Ponentes para irem a
Moçambique , comprou D. Luiz varias fazendas das
que levava o navio, com que vestio a sua gente, e hou
ve dos Negros do Paia todo o mantimento necessário
para a sustentar. : , '>" ■'■'■'■■ »
Logo que entrarão ostentes Ponentes, sahio IX
Luiz na embarcação da índia , e foi a Moçambique,
onde achou as Nãos que vinhao* de Portugal ; embar*
cando-se em. huma d'ellas, passou a Goa, e ali encon
trou Francisco Barreto , com quem agora continuarei. -
Francisco Barreto andou dezoito dias em arvore se
ca com ranto mar, e vento, que do muito jogar da> Não
lhe rebentarão trinta e seis curvas , por cuja causa , e
por ser velha, e podre, abrio mnitas aguas, que basta-
rião para a merter no fundo, se não fosse a grande acti*
Vidade com que laboravão incessantemente as bombas,
e gamotes, sendo Francisco Barreto quem dava o exem
plo do trabalho , ajudado das pessoas' nobres qtoe o
acompanhavão. Accresceo a este^ outro embarace»: for
preciso mud.ir a pimenta de lions pâióes para outros, a
fim de se tomarem por dentro alguma.? aguas, e de evi
tar que se- entupissem as bombas; porque era tanra a
quantidade de agua que a.Náò fazia, que não só se uaoj
480
podia conseguir esgotalla , mas 'em suspendendo algum
espaço de tempo o manejo das bombas, e gamotes, crés»
cia três e quatro palmos no porão. Quatro dias durou
este insano trabalho, sem se poder cosinhar em razão do
fumo que sahia do fogão, e suffocava os homens que da-
vao á bomba , de maneira que só comido biscouto, e al
gumas conservas.
Cincoenta e quatro forão as aguas que se acharão,
e era força tomallas todas por dentro, não permittindo
o estado do mar fazer por fora embalsos nesta obra:
tomou-se com effeito o maior numero delias , á custa de
algumas curvas, e enchimentos que se cortarão, e enfra
quecerão a Náo de modo, que quando jogava, movia-se
como se todas as peças da sua construcção estivessem
desligadas, por cujo motivo foi necessário arroxalla de
popa a proa , e de bombordo a estibordo com bons vi
rados atezados a cabrestante, único recurso em casos si-
mi hantes. Como a Náo, a pesar de tudo isto, não dei
xava de fazer agua, que duas bombas cffectivas não po-
dião esgotar , mandou Francisco Barreto , com parecer
dos Officiaes, alijar muita fazenda ao mar, e suecedeo,
que achando os que trabalhavão nisso huns fardos de
anil pertencentes a Iiuma esmola que vinha para o Con
vento de Nossa Senhora da Graça de Lisboa, e pergun
tando se os haviao deitar ao mar ? disse Francisco Bar
reto : Que primeiro se alijasse a sua própria fazen
da , se não houvesse outro remédio ; porque ás cos.' as
havia de salvar a de Nossa Senhora , de cujo fawr
pendia a segurança , e salvação (Faquella Não.
Continuava a agua a ganhar sobre as bombas , o
que vendo o primeiro Piloto André Lopes, julgou acer
tado ir buscar a terra mais próxima , que era a ponta
do Natal, em que se perdera Manoel de Sousa de Se-
pulveda, e distava cincoenta legoas, para varar nella ,
por temer a cada instante que a Náo fosse a pique.
481
Francisco Barreto , convocando logo todos os ôfficiaej,
propôz o caso , com juramento de cada hum dar livre
mente o seu parecer, e André Lopes disse: Que clle
navegava desde cincoenta annos , e tinha feito muitas
vezes aquella viagem, achando-se em grandes perigos,
porém nunca se vira com nenhum igual a este, pelo
estado de podridão, e ruina em que estava a Não; e
que assim a maior misericórdia , que podião esperar
de Deos, era que os levasse a avistar terra. O mes
mo foi o voto do Mestre, do Sota-Piloto, do Contra-
Mestre, e dos mais Officiaes.
Então Francisco Barreto, cora semblante alegre, e
mui seguro fez huma falia a toda a guarnição, animan-
do-a a arrostar todos os perigos , na confiança do auxi
lio Divino, com que influio nos homens novo espirito
para continuarem no trabalho das bombas , e gamotes ,
em quanto hião buscando a terra. Neste momento quiz
a Providencia, que o vento, e o mar abonançassem,
com que a Não começou a fazer menos agua, e os Of
ficiaes forão de opinião de seguir viagem para Moçam
bique , como se fez, posto que sempre tocando ambas
as bombas, emprego em que se empregavão exclusiva
mente os Fidalgos, e passageiros. Os ventos erão lar
gos, e bonançosos, e nos principios de Abril entrarão
em Moçambique, onde acharão a ftio Garça, que no
dia antecedente havia entrado destroçada para ali inver
nar.
Tratou logo Francisco Barreto do concerto destas
duas Náos, em que gastou muito dinheiro, e em reme
diar as necessidades dos passageiros , e guarnições de
ambas, no espaço de mais de sete mezes que se demo
rou naquella Ilha. O Governador de Sofala Sebastião
de Sá , que se achava ali, também o auxiliou com todos
os meios de gente , e de madeiras que o Paiz pôde for
necer ■ e assim forao as Náos reparadas do melhor
til
nas
modo pessvve! ; e a 17 de Novembro deste atino de
í5'59> com bom vento Levante se fizerão á vela para
Portugal, ajustando Francisco Barreto com João Rodri
gues Salema de Carvalho navegarem sempre unidos, pa
ra se poderem mutuamente soccorrer em qualquer inci
dente que occorresse.
Aos três dias de viagem , em que reriáo navegado
cincoenta legoas, começou a Náo Águia a fazer muita
signa, a qual foi crescendo de modo, que no dia se
guinte já não a vencião as duas bombas. Mandou Fran
cisco Barreto fazer signal com tiros de peça á Náo Gar
ça para vir á falia, e chegando perto lhe disse: Que *
sua Náo fazia muita agua , e lhe pedia o não desam
parasse , porque ■ elle hia arribando para as libas de
Bazaruto , visi o não poder tornar para Moçambique ,
for haver começado a monção dos Levantes. Succe-
dendo porém diminuir logo a agua, mudarão a derrota
para o Cabo de Boa Esperança.
Poucos dias depois, achando-se na latitude de 25-%
fazia a Águia tanta agua , que levava quatro palmos
d'ella no porão, sem ser possível csgotalla. Nesta situa
ção critica repetio Francisco Barreto o mesmo signal á
Garça, e tomou o rumo para as Ilhas de Bazaruto. João
Rodrigues", ouvindo o signal , ordenou ao Piloto, e
ao Mestre, que seguissem a popa do seu Chefe, que
mostrava ir em grande perigo, pois aos oito dias de
■viagem arribava segunda vez. O Piloto, o Mestre, e
Os mais Officiaes da guarnição não quizerão obedecer
ao seu Commandante, e lhe fizerão protestos, e reque
rimentos para que seguisse viagem , e deixasse a outra
Náo, que hia perdida sem remédio. João Rodrigues,
Vendo esta combinação insolente dos seus Officiaes, ce-
deo á força, e continuou a derrota.
No dia seguinte tornou a Águia a fazer menos
agua, de modo que a vencião as bombas, e animado»
4*3
todos com este favor da Providencia , concordarão era
proseguir a viagem para o Cabo de Boa Esperança , e
deste para a Ilha do Santa Helena , onde podião espe
rar as Náos de torna-viagem da índia , e virem nellaí
para Portugal.
Com este intento tomarão o mesmo rumo, que le
vava a Garça, e chegarão a alcançalla ; a qual, conhe
cendo a Águia , diminuio de panno. Chegando a ella
Francisco Barreto, mandou a seu bordo hum Protesto
dirigido ao Commandanre, e mais Officiaes, no qual
lhes requeria da parte d' E/Rei, que seguissem a sua.
Não , e não a desamparassem , sob pena de os haver
por traidores , e levantados contra El Rei , e lhes en
campava toda a fazenda , que bia nella , para EIRei
haver a sua pela do Commandante, e de todos os mais
Officiaes; e deste Protesto se lavrou hum termo. Os Of
ficiaes da Garça responderão, que seguirião a Náo.
Navegando as duas de conserva , na tarde do dia
seguinte atirou a Garça hum tiro, pedindo soccorro, a
que Francisco Barreto mandou logo eia hum bote Je-
ronymo Barreto Rolim com todos os seus poderes (não
indo elle em pessoa, por se haver sangrado aquella ma
nhã), para remediar qualquer novidade que tivesse oc-
corrido, julgando que seria alguma nova contestação en
tre João Rodrigues e os seus Officiaes. Jcronyino Bar
reto achou todos cm grande confusão, revolvendo os
paioes da pimenta para descobrir huma agua perigosa ,
que a Náo fazia , e que muito receavão se não podesse
tomar; com cuja noticia se retirou. Ao amanhecer veio
o Escrivão da Garça com hum bilhete de João Rodri
gues para Francisco Barreto, assim concebido: Senhor,
cumpre muito co serviço de Deos , e d1 ElRei Nosso
Senhor, chegar V. S. cá \ e pela brevidade deste ve
ja o que cá vai. Beijo as mãos de V. S.
Francisco- Barreio foi logo a bordo. da Garça com
61 ii
484
alguns Fidalgos, e ali ficou rodo o dia trabalhando quan
to era possivel por descobrir a agua, que não podia ven-
cer-se; e retirando-se á noite para a sua Náo, commu-
nicou a todos o perigo em que a deixara, o que augmen-
tou o seu susto , porque também a Águia fazia muita
agua , apezar de haverem alijado grande quantidade de
pimenta, e drogas, e dois mil quintaes de évano, que
imprudentemente embarcarão em Moçambique.
Ao amanhecer já Francisco Barreto hia para a Gar
ça com gente para ajudar os trabalhos, quando ella fez.
signal de pedir soccorro , porque a agua crescia , e ri-
nha-se descoberto que entrava pelos delgados da popa,
onde era impossível tomalla. Francisco Barreto, com
unanime parecer de João Rodrigues, e mais Officiaes,
determinou que passassem para a Águia, primeiro as mu
lheres, meninos, e pessoas inúteis, e depois os manti
mentos que possivel fosse tirar dos paioes, e porão; o
que se começou logo a fazer com summa actividade nas
lanchas, e escaleres. Esta faina durou três dias, que a
Providencia permittio serem de perfeita bonança de mar,
evento, conserva ndo-se Francisco Barreto todo este tem
po no convez com a espada na mão, para manter a
disciplina, e boa ordem, tanto no embarque da gente,
e mantimentos, como na continuação do trabalho das
bombas, a fim de evitar que a Náo fosse a pique. Fi
nalmente achando-se esta já com agua até á coberta,
fez Francisco Barreto saliir a tropa, e pelas três horas
da tarde sahio elle na ultima conducção com a mari
nhagem, que serião oitenta homens, ficando só a bordo
Juim macaco ; e ainda desejou elle ir buscallo, mas ce-
deo ás representações que se lhe fizerão.
Recolhido á sua Náò com toda a guarnição da
Garça, schou na revista que se passou, mil cento e trin
ta e sete pessoas, e mandou fazer hum escrito do theor
seguinte: A Não Qarça se perde o tanto avante, como
485
o Cabo ias Correntes, na altura ãe 2c0 da banda do
Sul , e foi-se ao fundo por fazer multa agua. Eu ,
com os Fidalgos , e mais gente que levava na minha,
Náo , lhe salvei a sua toda , e bimos fazendo nossa
viagem para Portugal com o mesmo trabalho. Pedi
mos pelo amor de Deos a todos os Fieis Christaos, que
disto tiverem noticia, indo ter este batel onde houver
Portuguezes , que nos encommendem a Nosso Senhor
em suas orações ,. que nos dê boa viagem , e nos leve
a salvamento a Portugal.
Este escrito, mettido em hum canudo bem tapado,'
e breado, foi posto em huma cruzeta armada na lan
cha da Garça , que se abandonou 39 ondas , a qual foi
ter a Sofala , como depois se veio a saber. Ao anoite
cer ainda se avistava a Garça.
Seguindo Francisco Barreto sua derrota para o Ca
bo de Boa Esperança com vento largo, e bonançoso,
próprio d^quella estação, saltou de repente o vento ao
Ponente, e tão rijo, que fez em pedaços a vela grande,
e ficando a Náo á capa, euidando-se que passaria logo
aquelle tempo, durou mais dois dias, por ceija razão ro
dos os Officiaes das duas guarnições, dirigidos por Ai
res Fernandes, Piloto da Garça, que trinta e quatro ve
zes tinha passado o Cabo de Boa Esperança, represen
tarão a Francisco Barreto , que no estado em que hia a
Náo, era permissão Divina aquelle vento Ponente,
que nunca na monção dos Levantes durava três dias,
como agora ; e assim lhe requeriao quizesse arribar
a Moçambique para salvar as vidas de tantas pes-
soas. Francisco Barreto, mandando lavrar hum termo,
arribou, sempre com as bombas na mão, pela muita
agua que a Náo fazia.
Cincoenta legoas antes de Moçambique, indo cos
teando a terra com todo o panno largo, afastado d'ella
ckz. ou doze legoas, hum filho do Piloto, que estava
486
pescando na grinalda , bradou duas vezes: Pai, íraca
e meia , braça e meta 1 Francisco Barreto, que se acha
va no jardim , correo á tolda , e achou rodos em con
fusão, e revolta^ quando neste momento deo a Náo
hum a pancada Com que estremeceo toda, ficando a gen
te no mais profundo silencio. Oc Piloto subio á gavia,
e mandou ir de ló para o mar até perder a terra de vis
ta. Conjecturou-se que ella roçara pela fralda de algum
aháque, e por isso escapou , aliás acabarião ali todos.
A 17 de Dezembro entrou Francisco Barreto en»
Moçambique , havendo pouco mais de hum mez que
partira desta Ilha; e por se náo demorar muitos mezes,
resolveo-se a ir invernar a Goa. Como porém achou
apenas huma Fusta velha, mandou comprar outra a Me-
linde, e concertadas , e providas ambas do necessário,
tomou t) commando de huma ', e deo o da outra a Jero-
nymo Barreto Rolira.
No principio de Março de 15:60 partirão as duas
Fustas, levando Francisco Barreto comsigo a Manoel
de Anaia Coutinho, Pedro Alvares de Mancellos, Fran
cisco Alvares, Francisco de Gouvea, e outras pessoas da
sua dependência , ficando em Moçambique a maior par
te dos Fidalgos para irem na Náo Águia na monção de
Agosto. Pela Costa da Africa foi elle fazendo escala
por vários Portos, a fim de refazer-se de agua, e manti
mentos. O primeiro que tomou foi Quiloa, e depois
Mombaça , em que se demorou oito dias , alimpando
as Fustas, sendo visitado do Rei com hum grande re
fresco, ao qual correspondeo com peças de muito valor.
Desta Cidade passou a outros Portos , e em Melinde
desembarcou para visitar o Rei , a quem mandou hum
magnifico regalo. Por ultimo chegou a Patê, onde fre
tou hum navio, que estava carregafldo para Chaul , e
pasí?.ndo-se a elle com a maior parte da gente, que le
vava na Fusta, se fez á vela para Goa. Mas sendo a
:487
•viagem ordinária de Tinte e cinco dia*, gastou quafen-
-ta, pelas grandes calmarias que achou; e assim padecerão
todos tanta necessidade de agua , <jue nem a havia para
cozer o arroz, e chegarão a ter menos de hum almude
<Tella , e só comião tâmaras, e coces.
Nesta situação critica estavao , quando a 16 de
Maio pela manhã descobrirão a Costa da índia ; e de
tarde chegou a elles Roque Pinheiro , Commandante de
hum Catur, que vinha do Estreito da Arábia, e por
curiosidade passou á falia. Este Official , sabendo que
vinha ali Francisco Barreto, correo logo a seu tordo,
•e se lhe lançou aos pés, chorando de magoa de o ver
outra vez na índia em similhante estado ; e dande-lhe
•quanta agua trazia, voltou a terra a buscar mais, com
que a gente se restabeleceo , e animou, porque já não
tinha que beber. No dia seguinte entrou Francisco Ear-
reto em Goa, e foi visitar o Vice-Rei acompanhado de
toda a Nobreza da Cidade, que acodio a cumprimen-
tallo ao desembarque. D.Constantino de Bragança o re-
cebeo com grandes obséquios, e em nome d'ElRei lhe
mandou dar quatro mil pardáos para suas despezas.
Como Francisco Barreto não rinha Náo, em que
-viesse de Commandante para Portugal, lhe deo o Vice-
Rei a Náo S.Julião, que ali invemára, de que era Com
mandante António de Sousa , satisfazendo a este o pre
juízo. Concertada esta Náo, e estando á carga, chegou
a Esquadra do Reino, e em huma das Náos vinha de
passageiro D. Luiz Fernandes de Vasconcellos, que Fran
cisco Barreto recolheo na sua Náo, na qual se fez á vela
a 10 de Dezembro, levando mais comsigo a D.João Pe
reira, D. Duarte de Menezes, e outros Fidalgos; e cora
prospera viagem chegou a Lisboa a 13 de Junho de ijór.
1560. — A Esquadra da índia (1) foi este anno de
(1) Couto, Década 7..LÍV. 9. Capítulos 5 e 16. — Faria, Ásia Pot-
tuguezx — Epilogo de Pedro Barreto de Rezende.
488

seis Náos , commandada por D. Jorge de Sousa , em i


Náo CasteHo; e os outros Coramandantes Vasco Lou
renço de Barbuda, no S. Vicente; Jorge de Macedo, na
Rainha ; Lourenço deCarvalho, no Gaieão Drago; Ruy
de Mello da Camará, no S. Paulo; e Francisco Figuei
ra de Azevedo, no Galeão Cedro. Hião nesta Esquadra
o Arcebispo de Goa D. Gaspar, e os dois Inquisidores
Aleixo Dias Falcão, e Francisco Marques Botelho, os
primeiros que passarão ao Oriente.
Sahio a Esquadra a 20 de Abril , e arribou logo
para Lisboa o Galeão Cedro, e a Náo S. Paulo foi in
vernar á Bahia. As outras quatro Náos dobrarão o Ca
bo de Boa Esperança já tão tarde , que fizerão derrota
por fora da Ilha de S. Lourenço, em que lhes morreo
muita gente de enfermidades. A Náo Rainha entrou em
Cochim no começo de Novembro. O S. Vicente vio
terra de Panane a 15- deste mez ; e surgindo próximo da
Costa, mandou o seu Commandante a lancha a Cochim
pedir soccorro, que lhe veio logo em seis embarcações
de remo, as quaes levarão a Náo ao Porto.
O Drago , e o Castello virão a Costa do Cabo de
Comorim para dentro nos fins de Novembro; e cuidan
do estarem muito mais ao Norte, forao navegando ter
ra a terra para o Sul, indo adiante o Drago sondando,
por ser navio mais pequeno; e como se achava mui vi-
sinho aos baixos de Manar, vendo-se cm cinco braças,
arriou de súbito as velas, e deo fundo quasi na ponta
do baixo, cuia manobra imitou bem a tempo a Náo
Castello , alias se pcrderião ambas. O Vice-Rei D.
Constantino de Bragança, que por acaso estava naquçl-
ias visinhanças com huma Armada , mandou socorrer
as duas Náos por algumas embarcações, que as tirarão
d'ali a reboque, e levarão a Cochin%
Ruy de Mello da Camará , depois que se refez de
agua, e mantimentos na Bahia, sahio a 15 de Setembro,
489
por assentarem1 os seus Officiaes, e os Pilotos da terra
para isso convocados, que poderia ir por muita altura
demandar a Una de Sumatra, e d'ali passar á índia em
Fevereiro na conserva dos navios da China , e de Mala
ca. Com ventos prósperos avistou no fim de Novembro
o Cabo de Boa Esperança ; e puchando para o Sul, che
gou a 42o, onde achou ventos frescos, com que navegou
mais de hum mez , e depois foi diminuindo em latitu
de a buscar a Sumatra. Finalmente com tempos bran
dos chegou á Linha, e a 20 de Janeiro ao anoitecer se
achou tão abordado com a terra , e com vento travessia
rão rijo, que havendo feito alguns bordos, lhe faltou
mar para correr, e por ultimo encalhou.
No dia seguinte deitarão a lancha fora , e desem
barcarão com armas em numero de quasi setecentas pes
soas; acudindo os naturaes, que parecião gentes pacifi
cas, a vc.ider-lhcs algumas coisas. Resolverão os nau-
fragantes formar hum arraial, em que se entrincheira
rão , e tirando da Náo madeiras, pregadura, e tudo quan
to lhes conveio, construirão diias grandes barcaças, e al
tearão a borda da lancha, correndo-lhe coberta, no que
gastarão pouco mais de mez e meio. Postas no mar as
três embarcações, e guarnecidas com alguns pedreiros,
víveres, e munições, commandou huma Lluy de Mello
da Camará, outra António de Refoios, e outra Diogo
Pereira de Vasconcellos, que trazia comsigo a sua es
posa D. Francisca Sardinha, huma das formosas mulhe
res do seu tempo, e huma filha que tinha de outra mu
lher. Estas três embarcações levavão quinhentas e dez
pessoas, e fiovão ainda cento e setenta para accommo-
dar. Concordou-se que as embarcações navegarião terra
a rerra , á vi? ta do destacamento que marcharia ao lon
go da Co? ta ; e para este effeito se lhe derão as armas
necessárias, e se nrfmeou hum Official para seu Com-
mandante. Assim começarão a sua jornada , e todos os
62
490
dia» ao pôr do Sol ancoravão as embarcações junto á
terra, e o destacamento buscava algum sitio abrigado,
em que passar a noite.
A poucos dias de viagem avistarão quatro embar
cações pequenas, a que derao cassa, e atirando-lhes hum
tiro, a gente d'ellas as abandonou, salvando-se a nado
em terra. Estas embarcações vinhão carregadas de fa
rinha de sagum, e servirão para recolher o destacamen
to. Constava agora a esquadrilha de sete vasos , que
continuarão a navegar unidos ; e chegando a 30 de la
titude Sul , hum dia antes da Lua nova se recolherão
era hum Rio caudaloso, que acharão, para deixarem
passar a conjuneçao , e esta foi tão tempestuosa, que
por espaço de doze dias não poderão sahir. Este terri
tório pertencia ao Rei de Menamcabo, amigo do Esta
do, a cujo Porto hião todos os annos navios de Malaca
negociar ouro, de que havia abundância no Paiz.
Confiados os Portuguezes nesta amizade, andavão
affoutamente por toda a parte , e Diogo Pereira se esra-
beleceo em terra com sua mulher, de cuja belleza, e
ricos ornatos se maravilhavao os habitantes. Estes , ca-
biçosos de levarem ao seu Rei tão formosa creatura,
e animados com o deicuido dos Portuguezes, assaltarão
huma noite as suas casas, e na revolta morrerão perto
de sessenta Portuguezes, ficando cativa D. Francisca,
em cuja defensa fez o Mestre da Náo acções admirá
veis, até perder a vida. Diogo Pereira salvou a filha, e
o resto da sua família , e todos se recolherão ás embar
cações»
Sahindo deste funesto Rio, navegarão ao longo da
Costa , e entrados no Estreito de Sunda , forão tomar a
Cidade de Bantam, onde acharão Pedro Barreto Rolim,
Commandante de quatro navios da índia, que estava car
regando pimenta para a China, com o qual ficarão (1).
(1) Outros Escritores acerescentáo circunstancias horríveis a este
491
ijóo. — Havia muitos annos (i) que os Francezes,
•e os Inglezes frequentavão as Costas do Brasil, sobre
tudo do Cabo de Santo Agostinho para o Norte, em
que fazia o hum trafico vantajoso, comprando a troco
debagatcllas aos índios o páo Brasil , que era de gran
de preço na Europa.
De todos os aventureiros, que a cubica attrahio
áqueiles Paizes, de que ainda se não conhecião as rique
zas, o mais capaz de organizar huma Colónia era o
Francez Nicolao Durand de Villegagnon, Cavalleiro da
Ordem de Malta, soldado valoroso, e hábil marinhei
ro; de que deo brilhantes provas quando os Tscocezes
querião , e não ousavao mandar para França a sua infe
liz Rainha Maria Stuart , por temerem que a Esqua
dra lnglcza a interceptasse no caminho. Achava-se elle
em Lcith com algumas Galés , e sahindo com todas as
apparencias de ir buscar a Costa de França , mudou de
rumo, e animou-se a dobrar a Escócia pela banda de
Oeste, viagem reputada naquella época impossível a em
barcações similhantes, enganando assim os Inglezes, que
o espera vão em outra parngem , e desembarcou a Rai
nha a salvo na Bretanha.
Em huma viagem ao Rio de Janeiro procurou Vi-
legagnon ligar correspondências com o? índios Famoios,
que habita vão o Paiz, e também escolher local para
lançar os fundamentos de huma Colónia. Voltando a
França , obteve de Henrique II., pela protecção de Co
naufragio, principalmente Henrique Dias, que nelle se achou, e escre-
veo hurru longa Relação, a qual se encont.a no i.° tomo da Historia;
T^asrico-Maritima. Eu segui a Diogo de Couto, que diz conhecera em
Goa algumas das pessoas , que escaparão.
(l) Vede Francisco de Brito Freire, Guerra Brasílica Liv. i. d. 6o
até ói. — Rocha Pita, Historia da America Liv. i. — Noticia do
Brasil Parte i. Cap. 5 j. — Historia do Brasil de Roberto Southey to
mo 1. Capítulos 9 e 12. — Memorias d'EIRei D. Sebastião tomo ti
Cap. 8.
62 ii
492
ligny, dois navios de duzentas toneladas, e hum trans
porte de cem , em que se embarcarão muitos aventurei
ros bem nascidos , e alguns Artífices , e soldados. Estas
três embarcações partirão do Havre de Grace em 15-5-6 ,
mas abrindo agua o navio de Villegagnon, arribou a
Dieppe, e em quanto se reparava, desertarão muitas
dos seus , já descontentes da viagem. Sahio finalmente
^'aquelle Porto , e chegou ao Rio de Janeiro , onde pro
jectou primeiro estabeíeccr-se em huma Ilhota de pedra
(a lage), que está na entrada d'aquella magnifica Ba
ilia , porem mudou-se depois para outra Ilha situada
mais dentro do canal (a Ilha de Villegagnon), com
quasi huma milha decircumferencia, huma praia dearéa
fouco extensa, cercada em roda de penedos, e sem agua.
ortificou Villegagnon dois morros , que domina vão o
resto da Ilha , e formou no centro d'ella em huma ro
cha mais alta hum armazém cavado na pedra. Esta for
tificação tornou-se respeitável , e se chamou Forte de
Coligny.
Expedio Villegagnon huma embarcação de aviso
áquelle Almirante, expondo-lhe as riquezas do Brasil, eas
boas disposições que mostravao os índios. pedindo-Ihe re
forços, e alguns Theologos de Genebra, para os doutrina
rem ; o que lisongeava as vistas de Coligny, tio bom Ge
neral, como Politico, e mui zeloso pelo Calvinismo, cu
jo projecto parece que era crear huma boa Colónia no
Brasil , que fosse vantajosa ao Commcrcio da França ,
e servisse de refugio aos Calvinistas perseguidos na sua
pátria.
Em consequência destas communícações , fez Co
ligny aprestar hum soccorro á custa da Coroa, com
posto de rres navios com trezentos homens, quasi to
dos aventureiros, em que entrava o Historiador João
de Lery. Commandava a expedição fíois le Conte, so
brinho de Villegagnon, que ltvava comsigo dois Mi-
493
- nistros Calvinistas, e na sua viagem roubou todas as em
barcações que encontrou, sem distincçao de bandeira.
Com este reforço se acharia Villegagnon em esta
do de conservar a Colónia, se as suas idéas não estives
sem mudadas ; ou antes se coincidissem na realidade
com as de Coligny , como até ali tinha figurado ; mas
açora começou a exercer taes tyrannias sobre os seus*
companheiros, que hum grande numero destes voltou
para França.
Quatro annos se conservou Villegagnon na posse
da sua Ilha, d'onde não se aventurava a alargar-se mui
to pelo Continente, com receio dos Tamoios anthropó-
íagos , ainda que vivia com elles em boa harmonia ; e
por ultimo partio para França com o fim de obter hu-
na Esquadra para corametter novas emprezas, e na sua
auzencia mudou inteiramente o estado das coisas.
A Regente de Portugal , conhecendo o perigo que
ameaçava o Brasil, se deixasse estabelecer no Rio de Ja
neiro hutna Colónia Franceza , mandou ordem a Men
do de Sá , Governador Geral d'aquellas vastas Regiões,
para que destruísse o estabelecimento nascente,^ lhe re-
metteo para esse effeito huma pequena Esquadra com-
tnandada por Bartholoraeu de Vasconcellos , que che
gou á Bahia a 30 de Novembro de i^Q.
Poz o Governador em Conselho o modo de execu
tar as Ordens da Regente, e a 16 de Janeiro de 15-60
sahio da Bahia com as embarcações de guerra vindas de
Portugal, e alguns navios, e Caravelas da Cidade, em
que se embarcarão os soldados disponíveis , e muitos
moradores nobres, e foi correndo os Portos do. Sul, dos
quaes tirou alguma gente voluntária, e mantimentos, até
chegar á barra do Rio de Janeiro a 21 de Fevereiro,
onde foi obrigado a esperar algum tempo osoçtorrò,
que com antecipação mandara pedir a S. Vicente, o\
qual recebeo com efFeito.
'494
Conservaváo os Francezes na Ilha setenta e qua
tro homens da sua Nação, e quarenta guarnecendo hum
•navio, que desampararão logo que foi atacado de bu
iria Galo Portugueza , recolliendo-se ao Forte, como fi-
zerão alguns outros, que andavão por terra: além desta.
gente, tinhão recolhido no mesmo Forte mil índios fre
cheiros , e alguns espingardeiros.
Reconhecida a Ilha pelo Governador, Comman-
dante da Esquadra , e mais Officiaes maiores , acharão
todos mui difficultosa a empresa, e pareceo mais pruden
te ofterecer aos Francezes huma honrada capitulação, a
■qual regeitárao com desdém.
A 15" de Março começou o ataque, batendo os na
vios ais fortificações de hum lado, e jogando do outro
contra ellas huma bateria construida na pequena praia,
que lhe servia de Porto. A este fogo responderão com
vantagem os defensores , e depois de dois dias de inútil
dispêndio de vidas, e munições, por serem as obras aber
tas na rocha viva, mandou o-Governador dar hum as
salto, no qual se comportarão os Portuguezes com tal
valor, favorecidos do casual incêndio do armazém da
pólvora, que os Francezes abandonarão o Fone, fugin
do de noite nas suas canoas todos os que escaparão das
chammas , e do ferro.
Tomada a Ilha, mandou o Governador arrazar as
fortificações , e voltou para a Bahia , fazendo antes hu
ma digressão á Villa de S. Vicente.
15-61. — Neste anno nomeou a Regente para Vice-
Rei da índia ao Conde do Redondo D. Francisco Cou
tinho (1), e se lhe aprestou huma Esquadra de cinco
Náos, indo elle embarcado no S. Tiago; e os outros
(O Faria, Ásia Portugueza. — Pedro Barreto de Reaeode. — Cow-
to, Década ?. Liv. 10. Cap. 1. — O Livro intitulado = Discirno so
bre los Commercios de las índias, 3tc. = por Duarte Cornes, Abdixl
162a.
4&6
Commandantes Gonçalo Corrêa, na Flor de Ia Mar;
Manoel Jaques , no Santo António; Francisco Figueira
de Azevedo, na Garça ; e Pedro Alvares Vogado, na Al
garvia.
A 9 de Março sahio de Lisboa o Vice-Rei, e com
prospera viagem ancorou em Moçambique a 15" de Ju
lho com toda a Esquadra. Sahio d'ali a 6 d' Agosto, e
ancorou com ella em Goa a 7 de Setembro.
1562. — A Esquadra da índia (1) foi este anno de
seis Náos , commandada por D. Jorge Manoel , embar
cado em a Náo S. Martinho, feita em Damão (que des-
appareceo á vinda); e os outros Commandantes Fernão
Martins Freire, na Esperança ; António Mendes de Cas
tro, em S. Vicente; Fernão Coutinho, no Tigre; Luiz
Mendes de Vasconcellos, na Rainha; e D. Rodrigo de
Castro , no Cedro.
Sahio a Esquadra de Lisboa a 15* de Março, le
vando três mil soldados , gente escolhida ; e com boa
viagem ancorou toda junta em Goa nos princípios de
Setembro.
1562. — Neste anno aconteceo o memorável cerca
de Mazagão (2) , que governava Ruy de Sousa de Car
valho, na ausência do Governador Álvaro de Carvalho ,
seu irmão; e se achava unicamente com dois mil e qua
trocentos homens de pé, mui poucos de cavallo, e gran
de penúria de víve/es, e munições.
A 4 de Março se apresenrou diante da Praça Mu-
ley Hamet, filho de Muley Abdalá, Rei de Féz, e Mar
rocos, cora hum Exercito formidável, que se diz chegar
a cento e cincoenta mil homens.
A Regente de Portugal tratou com a maior activi-
(1) Couto, Década 7. Li v. 10. Cap. 7. — Faria, Ásia Portugue
sa. — Barreto de Rezende. — Discursos sobre los Commercios , &c.
(2) Memorias d'ElRei D; Sebastião tomo 2. Liv. 1. Capítulos 4,
6 , e 7.
496
dade de prevenir 09 soccorros necessários : mandou com
prar munições de guerra a Flandes, e fez conduzir ou
tras da Ilha da Madeira, c da Andaluzia. Álvaro de
Carvalho embarcou logo para Mazagão com muitos Fi
dalgos , é pessoas distinctas , e sessenta Cavalleiros da
sua Praça , que se achavao na Corte. Francisco Porro-
xarreiro partio com cem homens ; Jorge Mendes de Fa
ria com sessenta ; Francisco da Cunha com alguns seus-
parentes, e outra muita gente. Os Mareantes- de Lagos
« Tavira mandarão quarenta homens; Luiz de Castro
rico Negociante, levou cem ; Jorge da Silva enviou oi
tenta ; João Cabral , e João Rodrigues de Torres con
duzirão cem ; e Vasco Fernandes Homem maior nume
ro; assim como D. António Lobo, e Luiz de Faria; e
João de Teive levou vinte e cinco. Toda esta gente foi
á custa dos que a conduzião , e era ta4 o ardor , e boa
vontade com que todos se ofFerecião por soldados , que
moços de quatorze annos se cmbarcavão furtivamenre
e o mesmo praticou Simão Sodré , Fidalgo de oitenta
annos , a quem a Regente ordenara que não fosse. Os
Officiaes mecânicos de Lisboa concorrerão com mil ho
mens pagos á sua custa ; e os Moedeiros com oitenta.
Este primeiro Coraboi, que partio a 20 de Março, e
chegou a 28, levava grande quantidade de víveres, mu
nições, boticas, e quanto pareceo seria necessário a hu-
ma Praça sitiada.
No principio de Abril expedio a Regente a Antó
nio Moniz Barreto, Pedro de Cíoes, e Gaspar de Maga
lhães, Oôkial de reputação nas guerras de Itália, e Fran
ça, com duzentos e cincoenta bons soldados, e algumas
munições de guerra ; e nomeou Vasco da Cunha , e seu
irmão Christovão da Cunha para servirem de Conse
lheiros a Álvaro de Carvalho; e pau Engenheiros Izi-
doro de Almeida , c Francisco da Silva.
Entre os que forao soccorrer Mazagão , soffreo
497
Sebastião de Brito de Menezes a desgraça de ver nau
fragar o navio do seu commando, carregado de pólvora,
e munições; porque surgindo naquella Bahia, mui des
abrigado dos ventos do mar, que então sopravão furio
sos , deo á costa , salvando-se milagrosamente toda a,
gente. Melhor fortuna teve Manoel Rodrigues, Com-
mandante de hum Bergantim do Algarve, também car
regado de munições, por quanto, ainda que o colheo o
Temporal , em que deitou ao mar os mantimentos ( não
querendo por nenhum caso alijar as munições), pôde
desembarcar a salvo no mesmo lugar, em que Sebastião
de Brito se acabava de perder.
Apôs estes soccorros expedio a Regente logo outro
de dois mil homens, em que se contavao muitos Fidal
gos, o qual chegou pouco antes do primeiro assalto, que
os Mouros derão á Praça a 24 de Abril ; e a 30 do mes
mo entrou outro reforço de sete navios carregados de
munições , e com duzentos e cincoenta soldados com-
mandados por Francisco Henriques , que desembarcou
na occasião em que elles da vão outro furioso assalto,
de maneira' que estes novos hospedes ainda entrarão em
acção. Nos dias seguintes chegarão mais navios com al-
funs Fidalgos, e em hum d'elles o Capitão Agostinho
erráz com duzentos e cincoenta soldados escolhidos.
Mas a 7 de Maio levantarão os Mouros o cerco com
perda de vinte mil homens.
15:62. — Neste anno (1) mandou o Governador Ge
ral do Brasil Mendo de Sá hum soccorro de navios, e
soldados da Cidade da Bahia á Capitania do Espirito
Santo, que assolavão os índios Goainezes, e Tupini-
quins, de que deo o commando a seu filho Fernando
de Sá , moço de grandes esperanças. Chegando este

.(O Memoria» cTElRei D. Sebastião, no tomo citado, Cap. 17. —


Noticia do Erasil Cap. 42.
63
498
ao Rio Quiricaré , desembarcou , e encorporado cora
os Portuguezes que lhe mandou Vasco Fernandes Cou
tinho, atacou os índios, que facilmente rompeo na pri
meira carga. Porem crescendo em demasia o numero
dos inimigos, se poz Fernando de Sá em retirada para
os navios, a qual se fez com tal desordem , que o ma
tarão a elle com muitos dos seus.
1562. — Contarei aqui hum exemplo notável dos
costumes, e disciplina militar djaquelle século.
D. Constantino de Bragança (1), havendo entregue
o Governo da índia ao Conde do Redondo, partio pa
ra Portugal, embarcado cm a Náo Chagas, que manda
ra construir á sua custa , e foi o mais celebre navio
d'aquelles tempos, porque conduzio á índia quatro Vice-
Reis , e dobrou dezesete vezes o Cabo de Boa Esperan
ça. Sahírão de Cochim com D. Constantino outras cin
co Náos, de huma das quaes, chamada o Castello, era
Commandante D. Jorge de Sousa , que fora Chefe da
Esquadra do anno de 1560, o qual, por não arriar a ban
deira a D. Constantino (2) , separou-se logo d'elle. No
decurso da viagem apartáráo-se igualmente os outros "na
vios, e D. Constantino veio por acaso encontrar-se na
Ilha de Santa Helena com D. Jorge de Sousa. Vendo
que este conservava içada a bandeira , poz a sua Náo
prompta para combate, e dco huma espia para se apro
ximar á Náo Castello, com intenção de a metter no fun
do , ou abordalla . e prender a D.Jorge ; mas antes de
chegar a esta extremidade, mandou a seu bordo notifi
car aos Ofticiaes, Fidalgos, e pessoas nobres que ali vt-
nliao, que desembarcassem, sobfena de caso maior \ o
que todos logo cumprirão. ■ \
(1) Vede Couto no lugar acima citado.
(2) Hum Chefe da Enquadra da índia trazia bandeira no tope srran-
de , desde que sahia de Lisboa até que voltava , ainda que na toma-
vÍJ0c:]] viesse commandando o seu único navio.
409
D.Jorge, mudando de parecer, arriou a bandeira
do tope, e foi a bordo da Náo Chagas dar satisfação
a D. Constantino, que se deo por contente ; e d'ali até
Portugal sempre D.Jorge seguio a sua esteira, eo sal-,
vava todos os dia?. Porém chegando a Cascaes, e tendo
a Regente notkia antecipada deste acontecimento, por
iuma .Nao que entrou primeiro, e communicára com
estas duas nas Ilhas dos Açores, o mandou desembarcar
preso para o Castello de Lisboa , onde esteve alguns
tempos, e por ultimo obteve perdão da Regente.
1563. — A Esquadra da índia (1) foi este anno de
quatro Náos, cornmandada por D.Jorge de Sousa, em
barcado cm a Náo Castello; e os outros Commandan-
tes Diogo Lopes de Lima, na Garça; Vasco Lou
renço de Barbuda, em S. Filippe; e Vasco Fernandes
Pimentel, na Algarvia.
Parrio a Esquadra de Lisboa a 16 de Março, e
arribou a Náo Algarvia. As outras chegarão a Goa
nos primeiros dias de Setembro; e estando surtas ainda
com a maior parte da carga , soçobrou com hum agua
ceiro o S. Filippe, perdendo-se quanto tinha a bprdo.
15-64. — Havendo a Regente nomeado D. Antão de
Noronha para Vice-Rei da índia, sahio de Lisboa a
L9 de Março com huma Esquadra- de quatro Náos,
embarcado no Santo António; e os outros Coromandan-
"tes Damião de Sousa, na Flor de la Mar, que á vin
da se perdeo em Moçambique; Francisco Portocarrei-
ro, em S. Vicente; e António Mendes de Castro, na
Rainha (2).
Esta Esquadra chegou a Goa a 3 de Setembro.

(O Couto, Década 7. Liv. 10. Cap. 16. — Epilogo de Pedro Bar


reto cie Rezende. — iraria , Ásia Portugueza. — Discursos sobre los Com-
njercios , &c.
(2) Couto, .Década 10. Cap. 16. — EpiIogo.de Pedro Barreto. —
Faria, Ásia Portugueza. — Discurso sobre los Commercios., &c.
tiii ii
500
i^6jf. — Resoluto EIRei de Hcspanha Filippell. (i)
a reconquistar o Penhão de Velez de la Gomara , Praça
forte, que os Mouros havião tomado por traição (2),
reunio huma poderosa Armada, e hum Exercito propor
cionado á empreza-, e pedindo auxilio á Regente de Por
tugal , se preparou huma Esquadra composta do famoso
Galeão Bota-Fogo, oito Galés, e quatro Fustas, rudo
guarnecido de mil e quinhentos soldados , e trezentos
Cavalleiros, cujo commando confiou a Regente a Fran
cisco Barreto, levando ás suas ordens, como Comman-
dante das Galés, a seu sobrinho Ruy Barreto.
Passou esta Esquadra a Cadiz, em cujo Porto se
achava com quinze Galés D. Garcia de Toledo, Duque
de Fernandina, General em Chefe d'aquella expedição \
e depois de conferirem ambos, sahio D. Garcia de To-
Jedo para Málaga , ponto de reunião de todas as forcas
navaes, e terrestres; e Francisco Barreto dirigio-se a Tan
ger, e embarcando duzentos dos melhores soldados, e
alguns Cavalleiros, partio para Málaga.
Compunha-se o total da Armada de Imm Galeão,
quatorze Galés d' Hespanha do Commando particular
de D. Garcia de Toledo ( por ter o titulo de General
das Galés) ; oito de Portugal ; cinco da Ordem de Mal
ta y commandadas por D. Fr. João Egio; três de Nápo
les, de que era General D. Sancho Martines de Leiva;
dez- da Sicilia , ás ordens de D. Fradique de Carvajal;
sete govern.idas por D. Álvaro Razan ; sete por Marco-
Anfonio Colona ; doze por André Dória ; dez do Duque
de Florença ; três do Duque de Sabóia , Commandante

(í) Memorias d' EIRei D. Sebastião, tomo 2. Livro 1. Capitulo»


1. e 2.
fa) Este Casrelto he construído em hum Ilhote, separado da Costa
da Africa oo Mediterrâneo por hum estreito braço de mar, situado na.
latitude js° n'45", longitude i)° 5$'. O seu Porto he pequeno,,
e com tão pouco fundo , que só pôde admittir barcos.
Sol
o Conde de Sofrasco ; e quatro do Marquez de Este-
pa , ao todo oitenta e três Galés. As Galeotas , Fustas ,
e outras embarcações pequenas excedião o numero de
sessenta.
Sahio a Armada de Málaga a 31 de Agoíto, e
em três dias de fácil navegação chegou á vista do Pe
nhão; e fazendo D. Garcia de Toledo conselho com os
principaes Officiaes, destacou o Marquez de Estepa a
reconhecer o Castello de Alcalá , situado em hum pe
nhasco sobre o mar (1), o qual se achou deserto, de
que avisado D. Garcia, foi surgir em huma Enseada já
reconhecida , e começando logo a desembarcar as tro
pas, fez oceupar o Castello por hnma Companhia de
arcabuzeiros, e tratou de guarnecer outros postos impor
tantes. Neste tempo chegou Francisco Barreto, e o Ge
neral Egio, que se havião atrazado, e se mostrarão sen
tidos de se ter efFeituado o desembarque na sua ausên
cia , aos quacs satisfez D. Garcia com boas razões.
Governava o Penhão Ferred-Arraes , intrépido Re
negado, que além da guarnição ordinária, tinha cera
Turcos escolhidos, e víveres, e munições para seis me-
zes.
Resolveo-se no Conselho de D. Garcia de Tole
do, que para facilitar as operações contra o Penhão,
cumpria ganhar a Cidade de Velez, sitiada a tiro de
canhão d'aquella Praça, e em consequência marchou pa
ra ella o Exercito a 3 de Setembro em duas divisões ,
levando a primeira na vanguarda toda a Cavallaria ,
coinmandada por D. João de Villa Real, para explo
rar o Paiz, que era coberto, e difficil. D. Sancho de
Leiva tinha o commando desta divisão1, e Francisca
Barreto o da segunda , cuja retaguarda cobria o Conde:
Annibal de Altemps com os seus Alemães-,
(1) Construído pelos Porruguezei no tempo d'EIRei D. Manoel, e
abandonado havia muitos annos, por se julgar inútil a sua conservação.
. • rQpaaeJo a vanguarda sábio ao alto da montanha,
de Valez , apparecêruo alguns Mouros, que forão re
chaçados ;• e pouco, depois sobreveio-hitm corpo d'el/es
mais numeroso, que carregou com tanto valor a reta
guarda , que o Conde de Alfemps poz em bateria doze
canhões para lhe rer-istir; e reforçado com algumas tro
ais Portuguezas, e Hespanholas,.os expulsou do cam
po com, grande perda ; de maneira que não voltarão
jnais. Qcçupada a Cidade, já abandonada dos seus mo-
xadoreg,. mandou D. Garcia Jiura pequeno destacamen
to a guarnecer huina Torre edificada sobre a montanha
.de Baba, o qual desalojou d'ella alguns Mouros. E £-
Jiaímcnte, occypados todos os postos necessários para co-
jjrir o Exercito, e cortar as communicaçòes aos sitiados,
Jevantqu huraa bateria de doze peças para fazer brecha
no Castello , que era batido ao mesmo tempo da banda
do mar pelo Galeão Portuguez ,. e muitas Galés, que fa-
zião hum fogo terrive], e continuo, com que desmonta
rão algumas peças do Castello; e derribarão duas Tor
res com hum lanço de muralha.
D. Garcia de Toledo propoz então a Ferred huraa
Capitulação vantajosa , que elle não acceitou ; e conti
nuando as baterias o seu- fogo, tentarão os sitiados hu-
ma sortida , em que forão repellidos, deixando trinta
mortos no campo, e levando muitos feridos. Para abbre-
viar o cerco, construio-se outra bateria em hum penhas
co a tiro de mosquete do Castello; e vendo os Turcos
ò damno que recebião, e o pouco effeito que produziao
os seus .tiros contra os navios, e obras dos sitiantes,
abandonarão , quafi todos a Praça na noite de cinco de
Çetembro, passando a nado para a rerra firme, cujo
exemplo seguíp forçadamente o seu Governador •, e os
poucos defensores, que restarão por não saberem nadar,
abrirão as portas aos Hespanhoes, que acharão no Castel-
Jb vinte e cinco canhões, e muitos víveres, e munições de
guerra.
503
i Á conquista do Penhão encheo de gosto a EIReí
de Hespanha, que escreveo a Francisco Barreto, agra-
decendo-lhe os serviços relevantes que fizera , e enviah-
do-lhe o seu retrato em huma medalha de ouro penden*
te de huma grossa cadêa do mesmo meral.
j^o^.. _ Continuando os Francezes a infestar a Cos
ta do Brasil; e a ampliar o seu estabelecimento no Rio
de Janeiro (1), escreveo a Regente de Portugal a Men-.
do de Sá, que fizesse todo o esforço para os expulsai
(Taquelle Porto, e construísse nelle huma Cidade.- -Para'
esta expedição lhe mandou dois Galeões bem armados
ás ordens de Estacio de Sá , seu sobrinho , o qual che
gando á Bahia , recebeo ordens do Governador para sé
dirigir ""ao Rio de Janeiro, em quanro elle não hia em
pessoa, aggregaíído-lhe aos dois Galeões- todas as em
barcações do Paiz, que pôde armar , e a gente de guer
ra disponível que existia -na Bahia.
Sa li io- Estado deSá com-o titulo de General da
Mar, e chegando á barra do Rio de Janeiro , soube por
hum prisioneiro Francez, qlie estaváo dentro alguns na
vios Francezes, e-que'os'Taraaios havião quebrado a&
pazes, e fazião guerra aos Portuguezes ; de que teve
Jogo aprovas, porque indo algumas lanchas da Esqua
dra fazer aguada em huma ribeira, foi huma d'ellas saP
teada por sete canoas, que lhe ferirão, e matarão alguns'
marinheiros. Alêfn d*isgo; era gf&nde a multidão de liv
dios armados, que apparecia nas praias-, e canoas déJ
guerra que bordejavao nela Bahia , como para darem-
mostras da sua ousadia. Estacio de Sá, que era tão pru
dente, como valoroso, julgou mais acertado prorogar a'
vingança, para a qual não trazia forças; e snspendeh-'
do as ancoras, navegou para a Villa de S. Vicente," e

(1) Rocha Pita, Liv. j. — Brito Freire-, Liv. 1. — Memorias cte


EIRei D. Sebastião, tomo 2. Liv. 2. Cap. 12. •
504
mandou também pedir auxilio á Capitania do Espirito
Santo, d'onde Jhe vierão alguns soccorros de Portugue-
zes, e índios: e reforçado igualmente com algumas ca
noas guarnecidas de Mamelucos r e índios Christâos de
S. Vicente, que conduzia o Venerável Padre Anchieta,
sahio desta Villa a 20 de Janeiro de i$6^.
No principio de Março tomou a barra do Rio de
Janeiro , e desembarcou as suas tropas em huma praia
visinha ao Pão de Assucar , onde se fortificou , por lhe
parecer o sitio defensável, e apto para se conservar nelle
«té á vinda do Governador Geral. Aqui o vierão atacar
os Tamoios; e a pesar do seu grande numero, forão der
rotados. A mesma sorte experimentarão em hum com
bate de vinte e sete canoas suas, contra dez canoas Por-
tuguezas. Por ultimo voltarão os Tamoios com cento e
trinta canoas cheias dos seus mais intrépidos guerreiros,
apoiadas por tres navios Francezes bem artilhados, e
accommettendo com fúria os entrincheira mentos, e em
barcações Portuguezas , receberão tal darano da artilhe-
rja, e mosqueteria, que voltarão as costas com grande
perda de gente, e canoas; e os Franceses, abandonados
por elles, fizerão o mesmo.
Esta victoria foi por então decisiva , e Estado de
Sá pôde enviar alguns destacamentos, que reduzirão á
sua obediência as Aldeãs visinhas. Era outro combate
naval, quatorze canoas Portuguezas derrotarão setenta e
quatro dos inimigos. Depois destes felizes acontecimen
tos conservou-se Estacio de Sá no seu campo fortificado
até á chegada do Governador, que o Padre Anchieta foi
solicitar á Bahia , para que viesse concluir aquella im
portantíssima empreza.
1565. — A Esquadra dalndia (1) foi de quatro Náos,

(O Couto, Década 10. Cap. 16. — Pedro Barreto. — Fatia, Ásia


Portugueza, — Discurso sobre los Commercios , &c.
505
Com/bandada por Francisco de Sá de Menezes, em a
Náo Chagas; e os outros Commandames Bartholoraeu
de Vasconcellos, no Tigre (que na torna-vÍ3gem se per-
deo em Moçambique); Martim Queimado de Villalo-
bos, em S. Rafael; e Pedro Peixoto da Silva, na Es
perança.
Sahio a Esquadra de Lisboa a 2C de Março , e
chegou junto a Goa nos princípios de Setembro.
ijóó. — Este anno (1) mandou a Regente á índia
huma Esquadra de quatro Nãos , commandada por Ruy.
Gomes da Cunha , embarcado cm a Náo Santa Clara ;,
e os outros Commandantes D. Diogo Lobo, na Rai
nha; André Bugalho, no Reis Magos; e Francisco Fer
reira, no S. Francisco.
Partio de Lisboa a Esquadra a 16 de Março, e an
corou toda em Goa a iy de Setembro.
. lyóó., — A 3 de Outubro deste anno (2) foi invadi
da 3 Ilha da Madeira por huma Esquadra Franceza de
sete navios grandes, e bem armados, commandada por
Mr. de Moluc, conduzido pelo traidor Gaspar Caldei
ra,"Moço da Camará do Cardeal Infante- D. Henrique,
o qual andava fugido de Portugal. Desembarcou Moluc
na Praia Formosa com novecentos soldados , e desba
ratando sem combate alguns habitantes , que tentarão
fazer-lhe opposição, marchou para a Cidade do Fun
chal, levando por prático ao mesmo Caldeira. Mui fra
ca foi a resistência, que se lhe fez, e só a clle se tor
nou fatal, porque huma bala de artilheria disparada de
huma Caravela surta no Porto, o ferio de modo, que
falk-ceo poucos dias depois, sem que entretanto deixas»
(O Couto, Década .10. Cap. \6. — Faria, Ásia Portugueza. — Pe
dro Earretr». — Discursos sobie los Commercios , &e.
(2)
Chronica
Memorias
do dito
d-j D.Rei,
Sebastião,
attribuida
tomo a4. D.Liv.
Maorel
2. Capítulos
de Minezes,
24. e Cap.
a{.

**4- , • :. „ - - .. :
64
soe
«e de exercer as foncçoes de General cora o mesmo ra-
lor, e habilidade.
Na entrada da Cidade , e de Inim Forte , que lhe
servia de Cidadella , morrerão muiras pessoas, por não
darem quartel os Francezes. O Governador interino da
Ilha Francisco Gonsalves da Camará Cachavao-se nesta
occasião era Lisboa seu tio Simão Gonsalves da Cama
rá , Governador proprietário , e o Bispo) ficou prisionei
ro no Forte com sua mulher, e muitas Senhoras nobres,
que se havião ali recolhido : e no saque geral, que derão
os invasores, commettêrão estes atrocidades mais pró
prias de bárbaros, que de homens civilizados.
Chegou a Lisboa a noticia desta escandalosa in
vasão , e em quatro dias se aprestou huma Esquadra de
oiro Galeões , e quatorze Caravelas , commandada por
Sebastião de Sá , em que se embarcarão muitas pessoas
rllustres; mas chegando á Ilha da Madeira no dia z6
de Outubro , achou terem os Francezes abandonado a
Ilha dez dias antes, levando em dinheiro, e géneros
commerciaes o valor de mais de milhão e meio, e dois
savios que se acha vão no Porto.
Soube logo Sebastião de Sá , que os Francezes se
havião dirigido a Canárias para venderem os roubos-, e
em vez de sahir no mesmo instante em seu seguimento,
deteve-se tantos dias na Madeira , que quando chegou
áquellas Ilhas, tinhão-se elíes retirado dois dias antes.
Não escapou Gaspar Caldeira á justiça Divina ;
trazido a Lisboa a 16 de Fevereiro de 1 5*68 , foi execu
tado doi« dias depois por sentença da Relação, junra-
mente com António Luiz, e Belchior de Contreiras, Pi
lotos Portugueses complices do mesmo attentado.
1567. — A Esquadra da índia (i) foi este anno de

(O Faria, Ásia Portuguei». — Pedro Barreto de Rezende. — Cotar


te, Úecada 10. Cap. 16. — Discursas sobre los Commercios, &«v
507
quatro Náos, commandâda por João Gomes da Silva,
embarcado em a Náo»Reis Magos; e os outros Com-
mandanres Pedro Leite , na Belein ; Lourenço da Vei
ga , na Annunciada ; e Vicente Trigueiros , no S. Ra
fael.
Sahio a Esquadra de Lisboa a 18 de Março, e
chegou a Goa nos princípios de Setembro.
IJ67. — Para concluir a conquista do Rio de Janei
ro (i), sahio da Bahia Mendo de Sá com cinco navids
de guerra , e seis Caravelóes , em que embarcou a tropa
disponível , e muitos moradores que voluntariamente o
quizerao accompanhar em huma empreza tão útil ao Es
tado, como a elles próprios; e nos Ilheos, Porto Segu
ro, e Espirito Santo recebeo alguns reforços. A 18 de
Janeiro de 1567 chegou a Esquadra ao Rio de Janeiro,
e reunido o Governador com seu sobrinho Estacio de
Sá , rcsolveo atacar os índios no dia de S. Sebastião.
Estavão os Tamoios bem fortificados em Urassu-
murí com entrincheiramenros guarnecidos de artilberia ,
e munidos de armas de fogo, tendo comsigo alguns
Francezes. O assalto foi tão impetuoso, que as tropas
penetrarão por todas as partes no campo, e passarão á
espada todos os defensores. Mas esta victoria custou a
vida a Estacio de Sá , ferido de huma seta envenenada ,
de que falleceo : os outros mortos não passarão de do
ze, incluso o Capitão Gaspar Barbosa.
Ganhado este campo, passou o Governador a ata
car outro, que os inimigos tinháo fortificado em Para-
napucuy, onde o suecesso foi igual, não escapando de
mortos, ou prisioneiros todos os que o defendião.
Estas duas victorias fizerao os Portuguezes senhores
do terreno, e o Governador pôde começar a fundação
(i) Brito Freire , Liv. 1. Rocha Pita, Liv. i.— Noticia do
Brasil, Parte i. Cap. 54. — Memorias d'EIRei D. Sebastião, tomo 2.
Lix. 2. Cap. jj.
64 H
508
da Cidade, a que deo o nome de S. Sebastião, na qual
deixou de Commandante a seu sobrinho Salvador Cor
rêa de Sá, e se retirou para a Bahia.
15:68- — Apenas EIRei D.Sebastião tomou o Gover
no do Reino (1), nomeou para Vice-Rei da índia a D.
Luiz de Menezes, herdeiro da Casa da Atouguia, que
havia feito grandes serviços no Oriente , onde a relaxa
ção dos costumes, companheira inseparável da opulên
cia , tinha ofFuscado a gloria dos Portuguezes. Desejava
EIRei ardentemente restabelecer a severa disciplina , e
desinteressado zelo dos primeiros Conquistadores d'aquel-
Je vastíssimo Paiz, e julgou que hum bom Vice-Rei se
ria capaz de operar essa reforma. Eis-aqui a lacónica,
cenergica Instrucção escrira do seu punho, que elle en
tregou a D. Luiz de Menezes : Fazei muita Cbristan-
dade. Fazei juttiça. Conquistai tudo quanto poder
des. Tirai a cubica dos homens. Favorecei aos que
pelejarem. Tende cuidado da minha fazenda. Para
tudo isto vos dou o meu poder. Se o fizerdes assim
muito bem, far-vos-hei mercê. Se afizerdes mal, man-
dar-vos-hei castigar. Se alguns Regimentos forem em
contrario destas coisas, supponde que me enganarão,
t por isso não haja quem vos estorve isto.
Constava a Esquadra de cinco Náos : o Vice-Rei
embarcou em a Náo Chagas, e os outros Commandan-
tes erão Pedro César, na Fé; António Sanches de Gam
boa, em Santa Catlurina ; Damião de Sousa Falcão, nos
Remédios; e Manoel Jaques, em Santa Clara. Esta Es
quadra levava muita gente nobre.
Sahio de Lisboa o Vice-Rei a 6 de Abril, soffreo
huma tempestade no Cabo de Boa Esperança, em que
a Náo Remédios desarvorou, e por isso foi invernar a
■CO Couto, Decida 10. Cap. id. — Epilogo de Pedro Barreto efe
Rejinde, — Faria, Ásia Portu^ueza. — Discursos sobre los Conimer-
cios, ficc, — Memorias d' EIRei D. Sebastião^ tomo j. Capítulos 4, e S»
609
Moçambique. A Káo Chagas também desarVororj , e
perdeo o leme, mas chegou a Goa com o resto da Es
quadra a 10 de Setembro.
. i^óo. — A Esquadra da índia foi este anno de qua
tro Náos, seu Commandante Filippe Carneiro, embar
cado em a Niío Reis Magos; c os outros Belchior Re-
bello, na Belém; Francisco Ferreira, no S. Francisco;
e João de Barros, no Santo Espirito (i).
Sahio de Lisboa a 25 de Março, e chegou a Goa
a- 3 de Setembro.
1569. — Tendo EIRei formado o projecto de man
dar descobrir as riquíssimas Minas de Monotnotapa , e
de fazer ali hum estabelecimento permanente (2), no
meou para esta espinhosa commissão a Francisco Bar
reto, General das Galés, com o titulo de Capitão Ge
neral, e Conquistador dos Reinos situados entre os Ca
bos das Corrérites, e Guardafui, a^signando-lhc para es
ta empreza três Náos, e mil soldados, cem mil cruza
dos cada anno para as despe2as do Governo ,-e hum re
forço annual de quinhentos homens.
A fama de huma expedição em que se tratava de
Minas de ouro, e prata, attrahio tanra gente a alistar-
se , que ainda sobejou; e na que embarcou se contavão
trezentos homens nobres, e duzentos criados d' EIRei.
Commandou Francisco Barreto a Náo Rainha, que
levava seiscentos soldados; e os outros dois Comman-
dantes erão Vasco Fernandes Homem, na Assumpção,
e Lourenço Carvalho, na Santa Clara: cada huma des
tas Náos conduzia duzentos homens de tropa ; além des
tes , embarcarão mais cem Africanos, porque o General
projectava mandar buscar cavallos á índia, para os mon-
(1) Couto, Decatfa 10. Cap. 16. — Faria, Ásia Poitugueza. — Bar
reto de Rezende. — Discursos sobre los Commercíos , ftc.
. (j) Couto, Década 9. Cap. ao. — Memoria? d' EIRei D. Sebastião»
tomo j. Liv. 1. Cap. ai.

V
tar , « servír-se d'elles na sua marcha por terra a Mo-
nomotapa.
Francisco Barreto era infeliz nas viagens maríti
mas. Sábio do Lisboa a ií de Abril, e estando já fora
da Barra, saltou o vento a Oeste, que o obrigou a en
trar, e veio dar fundo em Belém. Durou o mio tempo
dezoito dias; a 8 de Maio tornou a saliir, e com outra
tempestade desarvorou a Náo de Lourenço de Carva
lho, que arribou a Lisboa.
Proseguírão as duas a sua derrota, e acharão na Li
nha setenta e dois dias de calmarias, por cuja causa ar
ribarão á Bahia , onde entrarão a 4 de Agosto. Provi
das de agua, e mantimento, partirão desta Cidade, sof-
frerão trinta e seis dias de capa no Cabo de Boa Espe
rança , e ancorarão em Moçambique a 16 de Maio do
anno seguinte. Do resto desta expedição, em que Fran
cisco Barreto acabou a vida, tratarei nas Memorias do
Oriente.
1570. — A Esquadra da índia (1) constou esre an
no de quatro Náos, commandada por Jorge de Men
donça, na Santa Catharina; e os outros Comrnandantes
D.João de Castello Branco, na Annunciada ; Nuno de
Mendonça , no S. Gabriel ; e Lourenço de Carvalho, no
S. Luiz.
Sahio a Esquadra de Lisboa a 7 de Março, e che
gou a Goa a 7 de Setembro.
A 10 -de Novembro partio para a índia Manoel
de Mesquita, commandando o Galeão S. Leão, que in
vernou em Moçambique.
15:70. — Nomeado D. Luiz Fernandes de Vascon-
cellos (2) para Governador do Brasil , sahio de Lisboa
(1) Couto, Decida >o. Cap. 16. — Discursa» sobre los ComnM»-
cios de las Índias. — Pedro Barreto de Reiende.
(2) Memorias dEJRej D. Sebastiío, tomo j. Iãy. 1. C»p. 37 ; e
lÀv. a. Cap. j.
$)1
1 5" de Junho deste anno com sete navios, € huma ca
ravela, em que levava muitas famílias, e Sacerdotes, fe
outras pessoas qne hiáo estabelecer-se naquelle Paiz. Che
gando á Ilha da Madeira, como alli se devesse dilatar,
talvez para receber algumas famílias, pedio-lhe licença
o Capitão do navio S. Tiago (que era mercante) para
deixar o Comboi, e seguir viagem á Ilha da Palma, em
razão de levar muitos generos para ella , e querer carre
gar outros ; o que D. Luiz lhe concedeo.
Sahio o S. Tiago da Madeira no dia 30, e depois
de vários contrastes do tempo , que o obrigou a perder
alguns dias , achou se a 15 de Julho ao amanhecer de
fronte do Porto da Palma , e á vista de cinco navios de
Corsários da Rochella, de que era Chefe Jaques Sorb,
Almirante da Rainha de Navarra. Este, com o seu na-
"vio grande, bem guarnecido, e artilhado, abordou o
S. Tiago, cujo Capitão, e equipagem se defenderão va
lorosamente, animados pelas exhortaçôes do Venerável
Padre Ignacio de Azevedo, da Companhia de Jesus, e
dos seus quarenta companheiros, que hião para as Mis
sões do Brasil; mas como era tão desigual a contenda ,
foi o navio entrado, e todos os Religiosos feitos em pe
daços, ou arrojados vivos ao mar: tanta era a raiva dos
Hugonote&l Depois desta barbara victoria , conduzio
Soria para França a sua presa, coberto de vergonha, e
de infâmia. Parece que a Rainha de Navarra lhe estra
nhou asperamente esta selvagem deshumanidade.
D. Luiz Fernandes , sabendo na Madeira a desgra
ça acontecida ao navio S. Tiago, e não a podendo vin
gar, sahio com outro navio do Comboi para o Brasil;
e empenhando-se na Costa de Guiné, soffreo longas cal
marias, e lhe adoeceo quasi toda a gente. Por ultimo
avistou terra do Brasil ao Norte de Pernambuco, e não
Íodendo dobrar o Cabo de Santo Agostinho, arribou á
lha de S. Domingos, e o outro navjo á de Cuba-
512
Reparado do modo possivet, tentou D. Luiz Fer
nandes montar bordejando a Costa do Brasil, o que não
.pôde conseguir, como era natural, e arribou segunda
vez ?.s Antilhas, d'onde seguio a sua viagem até ver as
Ilhas dos Açores. Ancorou na Terceira v e como q seu
navio não estava capaz de navegar, afretou hum mer
cante, e fez-se á vela para o Brasil a 6 de Setembro de

Chegando a altura das Canárias, foi atacado no dia


.11 por quatro navios Francezes sabidos da Rochclla, cu-
ja Esquadra com mandava João de CadaviJle, embarc*-
do no mesmo navio, que fora dejaques Soria^ e el!e nío
era menos bárbaro, do que este. D. Luiz, ainda que nío
duvidava do resultado de huma acção entre forças tao
.desiguaes, determinou vender' cara a sua vida. A» abor
dagens de Cadayille fqrão três vezes rechaçada*, « mes
mo depois de entrado o seu navio, fizerao os Portugue-
zcs deseperada resistência. D. Luiz, atravessado já de
huma* bata , e com as pernas quebradas de outra, mas
sem render-se, acabou de huma lançada. Os Francezes
maiárão na peleja , ou deitarão dois dias depois ao mar
treze Religiosos da Companhia, que hiao de passagem
para as Missões, como os outros companheiros do Pa
dre Ignacio de Azevedo.
15-71. — Tendo ElRei dividido os Estados da índia
.cm três Governos, nomeou para Vice-Rei a D. António
de Noronha , cuja authoridade devia comprehcnder des
de o Cabo Guardifui, em que finalizava a de Francisco
Barreto, até Ceilão (1); e elegeo António Moniz Bar
reto para Governador desde Pcgú até â China , eiiabile-
cendo a sua Capital em Malaca. Nas Memorias da ín
dia analysarei este systema , que expunha aquclles ricos
Dominios ao perigo mais eminente.
(O Como, Década 9. Capítulos 1. c li.— Pedro Rirreto — Asu,
Emopa Pcrtu»ueza. — Discursos sobre los Comuiercios, &.C.
513-
•A Esquadra do Vice-Rei era de cinco Náos, indo
clle embarcado na Chagas; e es outros Commandantes
António Moniz Barreto, na Belém ;.Ruy Dias Pereira, na
Santa Clara; António de Valladares, na Fé; e Francis
co Figueira de Azevedo, no Santo Espirito. Embarca
rão nesta Esquadra quatro mil soldados , de que a Náo
Chagas ( em que regressava Diogo de Couto.) conduzia
novecentos. '.?
A 17 de Março partio de Lisboa o Vice-Rei, -e
ainda que chegou a Goa com a sua Esquadra a 7 de Se
tembro , houve tal epidemia em toda ella, que perdeo
metade da gente: só na sua própria Náo morrerão qua
trocentos e cincoen ta homens; consequência forçosa de
se amontoarem tantos homens em cinco navios, por hu-
ma falsa economia. ?. ;-•. ji
1^72. — A Esquadra da índia (1) foi este anno.de
quatro Náos, commandada por Duarte de Mello, em
barcado em a Náo Reis Magos (que se perdeo na torna-
viagem); e os outros Commandantes Gaspar Henriques,
na Santa Clara; Álvaro Barreto, na Annunciada ; e Pe
dro Leitão, no S. Francisco, que desappareceo á vinda.
Sahio a Esquadra de Lisboa á 18 de Março, e che
gou a Goa em Setembro. ' . ... f.~-j
No mez de Setembro deste mesmo anno partio pa
ra Moçambique Bartliolomeu de Vasconcellos da Cunha;
commandando o Galeão S. Lourenço, carregado de tro
pa para aquella Praça, aonde chegou a salvamento.
Tinha El Rei aprestado em Lisboa (a) com ira-
mensa despeza huma poderosa Esquadra de trinta navios
grandes, de que nomeou General ao Infante D, Duarte,
dando-lhe por Conselheiros Lourenço Pires de Távora,
e D. Álvaro de Castro. O Duque de Bragança forneceo
(1) Faria, Europa Portuguesa.— Pedro Earreto de Rezende.— Dis
cursas sobre los CommerciQs, &c. — Couto,, pecada ic.Cap. j6,
£2) Memorias d/ElRei D. Sebastião, tomo 9. Liv..2..£ap. ,4 j. ,•
05
514
para está expedição seiscentos soldados fardados, e ar
mados á sua custa;
Ignorava-se 0 motivo de tão grandes preparativos,
quando na noite de 13 de Setembro hum temporal de
vento Sul destroçou os navios, e deo com quasi todos
em terra.
15*73. — A Esquadra deste anno (r) foi de quatro
Náos , commandada por Francisco de Sousa, embarcado
era a Náo Santo Espirito ; e os outros Commandantes
António Rebello, em S. Gregório; Quintino de Vas-
concellos, na Bclem; e Luiz de Alter, era Santa Cia
rá, tia *«£**J
Partlo a Esquadra de Lisboa a 10 de Abril, e só
D.Francisco de Sousa chegou a Cochim nos fins de Ou
tubro; as outras Náos invernárão em Moçambique. -
1574. — Commandou este anno (2) a Esquadra da
índia Ambrósio de Aguiar, embarcado em a Náo Cha
gas; e os outros Commandantes D. Diogo Rolim , na
Fé; Pedro Alvares Corrêa, na Santa Catharina; Diogo
Vaz Rodovalho, na Annunciada; e Manoel Pinto, na
Santa Barbara.
Sahio de Lisboa a Esquadra a 21 de Março , e en
trou em Goa nos fins de Setembro.
1574. — Ardia EIRei em desejos de passar á Afri
ca (3), onde o seu impetuoso valor, que degenerava ern
temeridade, lhe figurava gloriosas, e importantes Con
quistas ; mas querendo esconder as suas intenções , por
evitar a opposição, que antevia, da Rainha sua Avó, do
'•-■ "_ 'J'.: ' '•'""•'.• 't^ fe*§j|ia
' (1) Couto, Década 9. Cap. 14., e Década 10. Cap. I&*2*lfi3|b
Earreto de Rezende. — Faria, Kuropa Portugueza.
1 (2) Couto, Década 10. Cap. 16. — Discurso sobre los Commeroos
de lai Índias. — Faria, Europa Portugueza.
(3) Memorias d*E!Rei D. Sebastião, tomo j. Liv. 2. Capitulas 36 ,
st-, , e 39. — Chronica manuscrita dEÍRei D. Sebastião, por António
Vajena, Cap. o. <*/
rôfô
■Cardeal Infante D. Henrique, e dós mais sabiòí Conse-
Jheiros, nomeou o Senhor D. António, Priordo Crato.,
Íiara Governador de Tanger, por Carta Regia dé 14 de
ulhò deste anno, rendo já' prompta huma- Esquadra de
•Galetíes, e Galés com cem mil: ft duzentos soldados de
dntànteria , e alguma Cavallaria; corá a qual sahio de
Lisboa o Prior do Crato no dia. i^daquelle mez, e com
■fácil viagem ancorou em Tanger.-, •?, t,\.:\A\Tt
-■ . ElRei , que se havia retinido a Cintra:. com pretefc-
■to de passar ali os maiores caiòras} mandou; a íX Ferr
nando Alvares. de Noronha, General das Galés,, que fos
se a Cascaes com a Gale Real, e outras duas, de que
rrao Com mandantes Jorge de Albuquerque, e Bernardim
-Ribeiro, e ali esperasse ordens ulteriores. Assim o cum-
-prio .o General, ena noite de 17 de Agosto embarcou
£lReÍ£acompanliado-depouc3s peséoas,'e partia para o
Algarve, onde jeunio a Esquadra de guarda-ji»sta,iCon>
anandada .ponSimão da Veiga , composta de hum Ga
leão, £ am* ;Cara velas ; e de Lagos participou a reso-
áuçáo em qge.estàvac de passar: a, Gotua^ nomeando o
Cardeal infante, para governar o Reidio, durante a sua
ausência , de; qne tomou posse á 3 de Setembf»;
• Expedidas estas, e outras ordens, foi ElRei visitar
a. Odãâe de.Tavjrayd*onde atravessou para Ceuta, de
que era Governador o Marquez de Villa Real, e nesta
èYaça .se demorou, ■até-aoíím; de Setembro, occupatido-se
no eiereicióda Caça, sem que os Mouros, assustados tlfc
sioiHhanre visita', ousassem apparecer na campanha a
perturbara sua segurança. '. o .-• . "1 » n» r
-. . 'O-Dw^ne dò Bragança-, chamado por ElRei, tinha
«a kwio.de: Lisboa a t8 de Sítembro em buwa Náo Ve
neziana, com muitos navios de transporte, nos quaes em
barcou seiscentos ca vai los é dois mit homens de pé, ar-
jtta.do.s.á sua custa, levando com sigo o Galeão S. Mar
tinho, que^tra-nspenava o Thesou.ro, e Çapell? .Real, e
65 ii
«HG
muitos Grandes , e Fidalgos , que com sumtna brevida
de se apromptárao para irem servir na Africa a EIRei,
o qual descontente de não achar em Ceuta occasião ai-
guma de medir as armas com os Mouros, passou a Tan
ger com rodas as suas tropas , e pouco satisfeito da in
acção em que esrivera o Prior do Crato , lhe tirou o
Governo, e o conferio a D. Duarte de Menezes.
Sahírao finalmente os Mouros ao campo com gran
de numero de gente", e EIRei marchou em pessoa a, re-
cebellos ; porém o combate reduzio-se a huma escara
muça , • que acabou com o dia , sem perda considerável
de parte a parte. ", " ' . i. ■
■ Conhecendo agora, ainda que tarde , que não tinha
forças para fazer Conquistas naquelle PaizT sahio de
Tanger nos. princípios de Outubro para "Portugal, em
barcado no Galeão S. Martinho; e em outros navios, e
Galés se accommodárão as Personagens, e pessoas dis-
tinctas. Hum rijo Levante, que lhe deo á sahida do
Estreito, espalhou toda a Esquadra : oGaleào S. Marti
nho correo em popa até o vento abonançar , e depois
veio buscar o Cabo de 8. Vicente. Desembarcou EIRei
em Sagres, e buscando logo outro perigo, partio em hr*-
ma Galé com vento Sudoeste, que a pôz no risco mais
eminente J e a final entrou em Lisboa- a 2 de Novem
bro (1) - ■- ■ ''/ ■:• s <i< ■-, j':t "> ■-■
1574. — Ainda que os Portuguezes introduzirão o
Christianismo no Reino de Congo (2) desde o tempo
d' EIRei D.João II., e continuarão sempre a traficar em
todos os Rios , e Portos d'aquella Costa , não tinhão
nella Colónia alguma; até que o Rei de Angola, inve
joso das vantagens que o de Congo recolhia da commu-
. (1) O Padre Amador RebeHo, na Vida (manuscrita) deste Pr inci.
pe , conta o caso com alguma differença.
(a) Vede o tomo j. da Cblteccáo de Noticias para a Historia das
fiações Ultramarinas. — Anno Histórico, tomo 2. pag. 324.
•517

nlcaçao dos Porfuguezcs, mandou huma Embaixada á


EIRei D. Sebastião, pedindo-lhe amizade, e correspon
dência mercantil. A Rainha D. Catharina, então Re
gente, enviou a Angola Paulo Dias de Novaes, neto do
celebre Descobridor do Cabo de Boa Esperança, o qual >
partio de Lisboa no mez de Setembro de 15^9, corn
três Caravelas armadas, levando instrucçóes para esta
belecer o Commercio , e procurar attrahir aquelle Prín
cipe ao Christianismo. , . ,
Em Maio do anno seguinte chegou Paulo Dias ao
Rio Quanza , e achou jFallecido o Rei , com quem hia
tratar \ e como o seu successor fez grandes protestos de
querer concluir a negociação, foi Paulo Dias visitallo á
sua Corte , acompanhado de vinte Portuguezes. O Prín
cipe o recebeo com gasalhado, posto que o reteve mui
tos tempos comsigo, a fim de se aproveitar do seu au
xilio nas guerras, que sustentava com outros Régulos
seus confinantes ; e por ultimo o mandou a Portugal a
pedir maiores soccorros.
EIRei D.Sebastião, querendo aproveitar-se da boa
occasião, que se ,offerecia para a conversão daquelle Po
vo bárbaro, onde parecia haver já penetrado a Religião
Catholica, porque Paulo Dias tinha por aqui, e por ali
achado nas mãos dos Negros alguns Missaes, pedras de
Ara, e vestimentas Sacerdotaes mui antigas, o nomeou
Governador, Conquistador, e Povoador daquelles Pai-
zes.
Com este titulo sábio de Lisboa Paulo Dias a 23
de Outubro de 1574, commandando sete navios, cuja
guarnição chegava a setecentos homens , de que erão
principaes Officiaes Pedro da Fonceca, seu parente, Luiz
Serrão, André Ferreira PereiraT Garcia Mendes de Cas-
tello Branco, e Manoel João. Aos três mezes e meio de
viagem descobrio Paulo Dias a terra de Africa , passou
avante do Quanza , e correndo a Costa , surgio na Ilha
STB
tderLoánda. Aqui foi tem recebido de quarenta Pôrtu-
-guezes, e muitos Negros de 'Gongo, que a habiravão;
■mas não lhe parecendo o locaL apropriado para edificar,
"passou ao Continente visirrho^ e levantou liuma Igreja
Jno monte , em que está hoje o Forte de S.Miguel.
Esta foi a origem da Cidade de S. Paulo de Loan-
■da , nome que o seu fundador lhe deo. No morro cha-
-mado de Benguella mandou" elle construir outro Fone,
que os Negros depois destruirão (l), e se ficou Chaman-
ndo Benguella a Velha. :.\'-wi*. c.r.s u., (.'...i.. :;..
Paulo Dias sustentou longhs1, eprofiadas guerras cora
'os Régulos do Paiz , e fatleceo no anno de 15 £8, ou no
•seguinte. " i' '>".
157J. — A Esquadra da índia foi este anno de qua
tro Náos, comroandada por D; João de Castello Branco,
-*fn â Náo S. Pedro ; e os omros Commandantes Anu>-
rio Rebello, no S. Gregório; Fernão Boro Machado,
no S. Sebastião; e Álvaro Paes, no S. João ("2).
Sahio a Esquadra de Lisboa a 14 de Março, e an
corou em Goa no mez de Séfembro.
1576. — Nomeando EIRei (3) para Vice-Rei da ín
dia a Lourenço Pires de Távora, constava a sua Esqua
dra de quatro Náos, hindo elle embarcado na Chagas;
e os outros Commandanies D. Jorge de Menezes Baro-
che, na Fé; Simão Vaz Tello, no Santo Espirito; e
Martim Pereira d' Eça , no S. Luiz.
Sahio a Esquadra de Lisboa a 7 de Março, e che
gando á altura de Moçambique , falleceo o Vice-Rei,
que foi sepultado naquella Ilha; e em Setembro anco*
rárão as quatro Náos em Goa,'
(1) A Cidade de S. FHippe de Benguella foi edificada «m 1Í17.
(a) Couto, Década 10. Cap. 16.-—' Pedro Barreto de Rezende. —■■
Discursos sobre los Commercios. — Faria, Ásia Portugueja,
fj) Couto, Década to. Cap. li. — Pedro Larreto. — Faria, Asb
Poitu«ueza. — Discursos sobre lo» Commercios de ias índia*.
No mesmo dia da sabida do Vice-Rei partio de
Lisboa para Malaca Ma th ias de Albuquerque, nomeado
Governador d'aquelle Estado, com duas Nãos, elle na
Santa Catharina ; e Balthasar Paçanha , no S. Jorge, que
se perdeo á entrada de Moçambique.
Neste anno cedeo Cide Albecherirn a EIRei D. Se
bastião a Praça de Arzilla , de que foi primeiro Gover
nador Pedro da Silva.
1577. >—» A Esquadra ordinária da índia (1) , com
posta de quatro Náos, foi este anno coromandada por
Pantaleão de Sá de Menezes, embarcado em a Náo Boa
Viagem; e os outros Commandantes Lourenço Soares
de Mello, na Annunciada; Miguel de Carnide, no São
João, que se perdeo á vinda no baixo de Pêro de Ba
nhos ; e Manoel de Medeiros , no S. Pedro.
Sahio esta Esquadra de Lisboa a 27 de Março, e
ancorou em Goa no mez de Setembro.
Descontente EiRei de lhe haver o Conde da Atou-
guia D. Luiz de Araidc recusado o commando do Exer
cito, que reunia para a jornada de Africa, o nomeou
Vice-Rei da índia, cargo que elle acceitou; ca 16 de
Ontubro sahio de Lisboa embarcado em a Náo Santo
António, levando mais duas Caravelas, a Trindade
commandada por Nuno Vaz Pereira , e a Andorinha
por João Alvares Soares. Pobre Esquadra para hum Vi
ce-Rei ! Mas a pesar da má estação, tomou Moçambi
que, onde invernou, e a 20 de Agosto do anno seguin
te entrou em Goa.
I5"78. — A Esquadra da índia (2) foi este anno de
três Náos, o Chefe Jorge da Silva, embarcado em a Náo
Çi) Faria, Ásia Porhrgueza. — Pedro Barreto. — Discursos sobre los
Ct>mmercios. — Memorias d'ElRei D. Sebastião y tomo 4. Liv. 1.
Cap. 11.
(*) Couto, Década 10. Cap. »r5. — Barreto de Rezende. — Fatia,
Ásia Portugueza. — Discursos sobre tos Commercios de las Índias.
520
S Francisco; e os outros dois Commandantes Aleixo da
Mota, cm S. Gregório; e Estevão Cavalleiro, na Ca-
ranja. ,. .' <
Sahio ã Esquadra de Lisboa a 14 de Março, e che
gou a Goa era Setembro. '■'■ r . ." :•> -.:
- 1578. — Determinado o Rei á jornada de Africa, a
pesar dos conselhos dos homens mais sábios, e mais ze
losos do bem publico, vendo reunidas em Lisboa as tro
pas estrangeiras, que tomara a seu soldo, e completas
as levas do Reino rrcsolveo partir quanto antes, impa
ciente de ver-se em campo cora Muley Maluco, Princi-
£e Guerreiro, e Politico, a quem esperava conquistar em
uma só batalha os vastos Estados, que possuia, habi
tados de Nações ferozes, inimigas irreconciliáveis do no
me Christão (1).
: • Constava a Armada de oitocentas velas , entre na
vios de guerra , e embarcações de transporte de todas as
dimensões , porque devendo ser breve a viagem , e a es
tação favorável , entrarão na expedição até as lanchas
dos Pescadores do mar alto, das quaes fornecerão oi
tenta os de Lisboa. Foi nomeado seu General em Che
fe D. Diogo de Sousa , levando ás suas ordens , como
Officiaes Generaes , a Francisco de Sousa , Martim Af-
fonso de Mello, Manoel de Mello da Cunha, e Ma
noel de Mesquita, Commandante do Galeão S. Marti
nho, destinado para EIRei passar para elle no mar; o
Sue não fez. O General das Galés era Diogo Lopes de
iqueira , tendo por seus Officiaes Generaes a Pedro Pei
xoto da Silva , Commandante da Galé Real , em que
EIRei hia embarcado; António de Abreu, Joanne Men
des de Menezes, e António de Mello.
A 14 de Junho foi EIRei á Sé, onde o Arcebispo

(1) Memoria? diEiRei D. Sebastião, tomo 4., em vários lugares.


— Qironica manusciita do mesmo Rei , por António Vajciia , Cap. 5}-
821
de Lisboa D. Jorge de Almeida benzeo o Estandarte
Real, e d'ali passou a embarcar-se na Galé Real, da
qual não sahio mais.
Como o Cardeal Infante D. Henrique se escusou
de aeeeirar a Regência , nomeou EIRei para Governa
dores do Reino o Arcebispo D.Jorge de Almeida, Fran
cisco de Sá, D.João Mascarenhas, e Pedro de Alcáçova
Carneiro , todos quatro do Conselho de Estado ; e para
Secretario Miguei de Moura.
No dia i<y sahio a Armada de Lisboa , e a 29 an
corou em Cadix, e se lhe reunirão varias embarcações
atrazadas, e outras que conduziao as tropas do Algar-
ye. O Duque de Medina Sidónia obsequiou a EIRei
com brilhantes festas, e públicos divertimentos. A 7 de
Julho sahio a Armada de Cadix, e avistando Tangec
nessa mesma tarde, se adiantou EIRei com as Galés, e
dois Galeões, e na manhã seguinte deo fundo naquella
Bahia. Achava-se era Tanger o Xarife expulso do Thro-
no por Muley Maluco, com hum filho, e poucos Vas-
sallos, que o seguião. Desembarcou EIRei, e detendo-se
três dias, partio para Arzilla, levando comsigo ao Xa
rife, e ao Governador D. Duarte de Menezes.
Reunida em Arzilla toda a Armada, mandou EIRei
desembarcar as tropas, que se abarracárão fora da Pra
ça ; e aqui declarou a D. Duarte de Menezes por Mes
tre de Campo General.
Constava o Exercito de pouco mais de vinte mil
Infantes, e mil e quinhentos Cavallos. A Infanteria Por-
tugueza, em numero de quasi doze mil homens, dividia-
se em quatro Terços , de que erão Coronéis D. Miguel
de Noronha , Francisco de Távora , Vasco da Silveira ,
e Diogo Lopes de Siqueira. Além destes Terços havia
outro chamado dos Aventureiros, composto de mil ho
mens escolhidos, e práticos nas guerras do Oriente, com-
mandado por ChristoYáo de Távora. A Cavallaria, to
66
5*22

da armada í ligeira, não tinha General particular, por"


haver EIRei tomado o seu commando. A Infanteria es
trangeira formava três Terços: hum de quatro mil Ale
mães , de que era Coronel Mr. de Tamberg ; outro de
três mil Hespanhoes ás ordens do seu Coronel D. Af-
fonso de Aguilar ; e o terceiro de seiscentos Italianos
commandado pelo Coronel Inglez Thomaz Stukelev.
G Xarife capitaneava quatrocentos Mouros de pé, e
duzentos e cincoenta de cavallo. Governavão a Artilhe-
ria, composta de trinta peças de campanha, o Balio de
Lessa Pedro de Mesquita, e Jeronymo da Cunha. Erao
Quarreis-Mesrres Filippe Estévio, Italiano, e Nicoláo
de Frias, hábeis Engenheiros. Este pequeno Exercito
hia acompanhado de tantos gastadores, criados, e ou
tra gente inútil, que quasi o igualarão em numero, c só
lhe servião de embaraço.
Convocou EIRei por formalidade hum grande Con
selho de Guerra, e contra o voto das pessoas mais intel-
ligentes, e zelosas do bem do Estado, determinou mar
char por terra a Larache , em cujas visinhanças se acha
va Muley Maluco com hum Exercito de mais de cem
mil homens, a maior parte Cavallaria , e com muita
artilhcria, p.ira lhe disputar a passagem.
Ordenou EIRei aos Coronéis dos Terços Portugue
ses, que escolhendo dois mil homens de cada hum
delles, remettessem para bordo dos navios os que resras-
sem ; diminuindo assim de perto de quatro mil homens
è numero do seu Exercito. Tão cegamente se persuadia
que lhe sobejavão as forças para conquistar a Africi !
D. Diogo de Sousa teve ordem para se apresentar com
toda a Armada defronte de Larache, mas não entrar
no Rio até novas ordens, que nunca se lhe expedirão;
perdendo-se desta maneira a occasião opportuna de ga
nhar aquella Praça , verdadeira base de operações do
Exercito , e ponto único para a sua retirada > porque
83R
quando D. Diogo de Sousa ali chegou, ainda cila não
tinha guarnição, e podia ser facilmente oççupada. O
Exercito começou a marchar de Arzilla para Larache a
29 de Julho, quasi sem víveres, e cora poucos meios de
transporte/
Não entra no plano destas Memorias descrever a
funesta batalha de Alcácer Quibir, dada no dia 4 de
Agosto, na qual desappareceo D. Sebastião, Mpnarcha
intrépido, e magnânimo, porém dominado de paixões
impetuosas; e o seu Exercito foi desfeito de maneira ,
que quasi não houve em Portugal família nobre, que
aão chorasse hum parente morto, ou cativo.
D. Diogo de Sousa, sabendo da derrota, voltou
com a Armada ■para Lisboa. , .
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624

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Reinado d'ElRei D. Henrique I.

rhegando a Lisboa a infausta noticia da morte de


EIRei D. Sebastião , foi acclamado a 28 de Agosto do
anno de 1578 seu Tio o Cardeal Infante D. Henrique,
cujo Reinado de quasi anno e meio foi só assigaafado
por criminosas intrigas politicas sobre a suceessão d»
Monarchia , as quaes atemorizando o Monarcba enfra
quecido pelos annos , e moléstias , obstarão a que decla
rasse por sua successora a Senhora D. Catharina , Du-
queza de Bragança, Princeza de animo varonil, em
quem todos os verdadeiros Portuguezes reconhecião in
disputável direito á Coroa.
Falleceo EIRei em Almeirim a 31 de Janeiro de
1580.
1578. — A 2 de Outubro (1) partirão de Lisboa
duas Caravelas com os avisos da morte d' EIRei D.Se
bastião. Commandava huma D. Estevão de Menezes,
com destino a Goa , aonde chegou em Maio do anno
seguinte ; e a outra João de Mello , que foi a Malaca.
J579- — A Esquadra da índia (2) foi este armo de
cinco Náos, commandada por João de Saldanha, em
barcado em a Náo Chagas ; e os outros Commandantes
Diogo Vaz Rodovalho, na Boa Viagem ; Pedro de Pai
va, em S. Lourenço; Rodrigo Meirelles de Mesquita,
na Annunciada ; e Estevão Alvo, em S.João.
(O Faria, Ásia Portugueza. — Couto, Década 10» Càp. 16. —
Fedro Barreto.
(2) Pedro Barreto. — Discursos sobre los Coraraércioi de. las Iodiak
'•— taiiaA Ásia Portugueza.
525
Sahio a Esquadra de Lisboa a 4 de Abril, e che-»
gou á índia nos principios de Outubro.

Interregno.
Por morte d'ElRei D. Henrique I. ficarão nomea
dos Governadores do Reino o Arcebispo de Lisboa D.
Jorge de Almeida , D. João Mascarenhas , Francisco de
Sá , Diogo Lopes de Sousa , e D. João Tello de Mene
zes , os quacs começarão logo a entender nas coisas do
Governo, de que a principal era julgar a quem perten
cia a Coroa; objecto mais fácil de discutir, que de re-
«olver, tanto pela divergência de opiniões entre os Go
vernadores, e confusão geral era que se achava Portu
gal , como pelo armamento formidável , que por mar, e
lerra fazia Filippe II. Mas como esta matéria pertence
exclusivamente a Historia do Reino , me cingirei ás
transacções marítimas acontecidas neste Interregno.
iç&o. — A Esquadra (1), que os Governadores do
Reino mandarão este anno á índia , constava de quatro
Náos, e era commandada por Manoel de Mello da Cu
nha , no S. Francisco ; e os outros Commandantes Gon
çalo Coelho Castello, em S. Luiz ; Manoel Marques de
Mello, era S. Salvador; e João de Betancor, em S. Gre
gório.
Partio a Esquadra a 3 de Abril , e arribou a Náo
S. Salvador; as outras três chegarão á índia no mez de
Setembro.
(1) Faria, Ásia Porrugueza. — Epilogo de Pedro Barreto de Rezst>
ée. — Couto, Década 10 Cap. 16.

Fim da Terceira Memoria*


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DA

MARINHA PORTUGUEZA
POR

IGNACIO DA COSTA QUINTELLA,


Vice-Almirante da Armada Real, Conselheiro d?Esta
do Honorário , Conselheiro do Real Conselho da
Marinha , e Sócio Honorário da Academia
Real das Sciencias.

TOMO II.

LISBOA
Na Typografia da mesma Academia;
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ARTIGO
EXTRAHIDO DAS ACTAS

DA

ACADEMIA REAL DAS SCIENCIAS


DA

SESSÃO DE 9 DE DEZEMBRO DE 1835.

J_Jetermina a Academia Real das Sciencias, que


sejão impressos d sua custa , e debaixo do seu pri
vilegio, os Annaes da Marinha Portugueza, que lhe
farão apresentados pelo seu Sócio Honorário Ignacio
da Costa Quintella.

Joaquim José da Costa de Macedo,


Secretario Perpetuo da Academia.
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^
PARTE PRIMEIRA.

QUARTA MEMORIA,

COMPRKHENDENDO DESDE O ANNO DE 1681 ATE1 A1 ACCLA»


macâo d1 ÍSlRei U. João IV. em 1640.

Reinado d' ElRei Filippb II.

E, lRei D. Henrique I. , que««Íevou o terror das Ar


mas de Castella além da sepultura , não ousando decla
rar por suecessora da Monarchia a Senhora D. Catha-
rina , filha do Infante D. Duarte, e Duqueza de Bra
gança, a cujo indisputável direito se oppunha ElRei de
Hespanha Filippe II., o mais rico, e poderoso Príncipe
do seu século, deixou nomeados cinco Governadores pa
ra decidirem esta importante questão, de que pendia a
gloria , a prosperidade, e a independência de Portugal.
Negociações oceultas, e destramente manejadas, fí-
zerao preponderante neste Reino o partido Hespanhol,
e mallográrao as* combinações necessárias para pôr a
Nação em estado de repellir a força pela força.
O severo Duque de Alva , hum dos primeiros Ge-
neraes do seu tempo, entrou por Alemtéjo nos fins de
Junho de i$do com hum Exercito formidável pela qua
lidade das tropas, e até pelo seu numero relativamen
te ao Exercito Portuguez, que não existia (i), e chegou

(O O Conde da Ericeira (Portugal Restaurado, tomo i.) diz,


2
a Setúbal sem opposição, excepto a que lhe fez Mendo
da Mota , Governador da Torre do Outão , auxiliado
por três navios de guerra, que commandava Ignacio
Rodrigues Veloso, cuja opposição cessou cora a vinda
do Marquez de Santa Cruz D. Álvaro Bazan, General
da Armada de Hespanha, com vinte e cinco Galeões,
setenta Galés, c quantidade de transportes, em que se
embarcou o Duque com o seu Exercito, e foi desembar
car a Cascaes, d'onde marchou para Lisboa ; e toman
do por cerco, e intelligencias a Fortaleza de S. Julião,
expulsou da ponte de Alcântara hum destacamento de
quatro mil homens, sem armas, nem disciplina, com que
o Prior do Crato I Fie disputou o passo. Ao mesmo tem
po entrava pelo Tejo a Armada Hcspanhola , sem en
contrar resistência ; ainda que se havião collocado algu
mas Náos em linha junto d Torre de Belém, e D. Ma
noel de Almada havia construído hum Forte de madei
ra na Cabeça Secca (hoje o Forte do Bugio), que ba
tia o canal da Alcáçova. Tudo ficou em apparato, por
que ninguém queria defender-se.
Desta maneira as Armas, e a Politica da Hespanha
subjugarão Portugal; c, á excepção das Ilhas dos Aço
res (i), todas as suas vastas Conquistas receberão coca
docilidade o jugo.

«jue o Exercito Hespanhol era de mil e quinhentos CavaJlos, e deiotto


mil Infantes. Watson (Historia do Reinado de Filippe II., tomo }.
Livro i 6. ) dá a esto Exercito trinta e dois mil homens; e á Armada
Hespanhola trinta e sei? Galeões , de-zesete navios mais pequenos, e se
tenta Gales, com muitos transportes. — Luiz de Torres de Lima, n»
Obra intitulada Avisos do Ceo (tomo i.) calcula o Exercrto do Ducue
de Alva em quarenta mil Infantes, e quatro mil Cavai los. He certo,
que os Hespanhoes, como adverte Faria (Europa Portugueza, tomo j.
Barre i. Cap. j.), alím daquelle Exercito, tinhão vários Corpos de tro
pas nas fronteiras das Províncias do Norte de Portugal ; e assim lie pro
vável , que as forças da Hespanha chegassem a quarenta mil homens.
(0 Como aj libas dos Aceres tomarão a voz do Prior, do Croio,
Do? cinco Governadores nomeados pof EIRei D.
Henrique I. , quizerao três, que os seus nomes fossem
manchados na posteridade, e a 7 de Julho de 1580 as-
signárão em Aia Monte, e publicarão em Castro Ma
rim huma sentença , pela qual declararão o Monarcha,
Hespanhol por legitimo Rei de Portugal : estes Gover
nadores erao D. João Mascarenhas, Francisco de Sá, o
Diogo Lopes de Sousa.
Por esta união com Hespanha se acharão os Por*
tuguezes envolvidos em todas as guerras, tão longas, co
mo sanguinosas, que aquella Monarchia sustentou con
tra as principaes Potencias da Europa , que desde sécu
los viviao em paz com elles; e isto justamente na época,,
em que o seu Commercio era mais extenso (1), e por
expedio EIRei a D. Pedro Valdez com quatro navios bem armados, e
seiscentos soldados, para reduzir á sua obediência as de S. Miguel, e
Terceira, com instrucçóes, de que não o querendo ali receber, se di
latasse naquelles mares até chegar I). Lopo de Figueiroa, que se ficava
aprestando com maiores forças, e devia neste caso commandar em che
fe a expedição.
Chegou D. Pedro Valdez a S. Miguel, e não sendo admittido, di-
rigio-se á Terceira, onde achou a mesma opposição; e parecendo-lhe fá
cil a conquista desta Ilha, a intentou, para que Figueiroa lhe não
viesse roubar essa gloria. A 2; de Julho de i jSi desembarcou Valdez
com muita dificuldade entre a Cidade de Angra e a Villa da Praia,
talvez confiado nas intelligencias que tinha com João de Eetancor, par
tidista de Hespanha; porém o Governador Cypriano de Figueiredo,
prendendo a Ketancor, desfez o conloio , e marchou a atacar os Hespa-
nhoes , levando diante de si huma grande manada de bois , que corrião
furiosos , e os Hespanhoes , receando serem atropelados , gastarão com
elles a maior parte das suas munições. Quiz Valdez retirar-se para o»
seus navios , mas já não era tempo , e em poucos minutos foi derrota
do com perda de quatrocentos e cincoenta homens, salvando-se elle com
o resto. Poucos dias depois deste sutcesso chegou D. Lopo de Figueire
do , que fez proposições vantajosas a Cypriano de Figueiredo, e não as
acceitando este , voltou para Lisboa. Veja-se Faria na Europa Portugue-
za, tomo ). Parte 1. Cap. 4.
CO O testemunho de hum Escritor não suspeito dará melhor a
conhecer a extensão do Commercio Portuguez naquelle século, e a bre
1 ii
consequência necessitavão de maiores forças marítimas
para a protegerem em hum, e outro hemisfério (i), mas
as riquezas, tropas, navios, artilheria, e munições, tudo
foi sacrificado para defender os Domínios tão derrama
dos da Monarchia Hespanhola, dando com isto a enten
der os seus Soberanos, que consideravão os Portuguezes
não como membros da mesma Nação Peninsular, po
rém como alliados , de que cumpria tirar o maior par
tido possivel em quanto durava a alliança.
A primeira viagem dos Inglezes á índia, parece que
data de 15*91 (2) ; depois apparecêrao ali os Hollande-
v idade com que diminuio: he este o Capitão Hespanhot Thomé Cano,
que escreveo em 1 6 1 1 , e navegou por espaço de cincoenca e quatro
annos; diz elle: „ Que em Portugal sempre houverão mais de quatro-
„ centos navios do mar alto, e mais de mil e quinhentas Caravelas, e
j, Caravelões; e que por isso EIRei D. Sebastião pode reunir oitoceo-
3, tas e trinta embarcações todas Portuguezas , sem deixar abandonada
j, as navegações da índia, S. Thomc, Erazil, Cabo Verde, Guine,
3, Terra Nova, e de outras diversas partes ; e que na epoca em que elle
„ escrevia , sò haviáo em Portugal algumas Caravelas. „ Veja^e o Pro
logo do Resumo Histórico da primeira Viagem ao redor do Mundo, pe
lo Doutor Ortega, Madrid 1769.
(1). Esta necessidade foi reconhecida em hum grande Conselho, que
ElRei Filippe convocou em Lisboa em 1581, composto das personagens
mais eminentes, como o Duque de Alva, o Marquez de Santa Crur,
D. Lopo de Figueiroa, Sancho de Ávila, D. Francisco Zapata, D. Af-
fonso de Vargas, o Prior Mór D. Fernando de Toledo, o Conde Jero-
nymo Landrone, Alemão, e outros Conselheiros de Guerra, e al»uns
Portuguezes; e nelle perguntou EIRei, que medidas se devião tomar pi
ra segurança de Portugal, e dos outros Estados- da Monarchia d' Hespanha ?
Resolveo-se, que convinha mudar as forças de terra para o rrrar,
porque desta maneira ficaria sendo senhor da terra, e do mar : tf»
tendo Esquadras situadas no Canal de Inglaterra, Estreito de Gibraltar,
e Costas marítimas dos seus Estados, se enfreavão todos os inimigos,
e se podia acudir melhor a qualquer pomo atacado. Este projecto era
todo do Duque de Alva , e a sua morte embaraçou que se pozesse em
pratica. Vede Avisos do Ceo, tomo 1. Cap. 16, e os Discursos sobre
los Commercios de las índias.
(2) Vede Historia da Navegação, seu principio > Commercio , Sc
tomo 1. pag. 11 9.
5
«es, inimigos mais formidáveis naquelle tempo, os quaes
emprehendêrão a sua primeira expedição em 15-95: , e
continuarão quasi sem interrupção a fazer guerra aos
Portuguezes. Os seus navios erão mais bem construídos,
e aparelhados que os de Portugal ; mais razos, e ligei
ros, melhores de bolina, e com mais panno (1) , e ar-
tilheria de maior calibre, servida por hábeis artilheiros:
as suas equipagens compunhão-se de excellenres mari
nheiros , e o mesmo erão era geral os seus Officiaes , e
soldados, de que se seguia terem mais gente para quaes-
tjuer manobras , do que os navios Portuguezes , onde os
soldados não exercião o officio de marinheiros, nem tão
pouco os criados. Porém os Hollandezes evitavão sem
pre as abordagens , temendo o espirito guerreiro, e a pe
rícia no jogo das armas , em que sobresahiao os Portu
guezes, e por isso procuravão decidir os combates a ti
ros de canhão. . .■ . .
Devo observar, que o deperecimento do espirito
publico, e do Commercio, fez recuar em Portugal os
conhecimentos das Artes Náuticas a ponto de não achar
já discípulos o Cosmógrafo Mor.
EIRei julgou mais económico arrendar a Negocian
tes o contracto da pimenta , e o fabrico, e construcção
das Nãos da carreira da índia (2), de que procedeo em
pregarem os Contratadores navios demasiado grandes ,
mal construidos, de péssimas madeiras, e mal fabrica
dos, com o fira de trazerem maiores cargas em menor
numero de vasos; e introduzirão a carcna Italiana, isto
lie, o methodo de tombar os navios sobre barcaças, o
que até ali se não praticava, porque se carenavão era
secco. . .
(1) Em i6j} ainda oj navios Portuguezes não tinháo mnstarcos efe
joanete , nem velas de estais , como adiante mostrarei.
(2) Couto, Década 10. Cap. 19. — Noticias de Portugal, nor Ma
noel Seveiim de Faria, Discurso 7»
Destes princípios, e âo erro cotnmum de sobrecar
regar os navios, resultou crescer o numero dos naufrá
gios, com imraensa perda da renda publica, e do com-
mercio ; de que eis-aqui as provas.
Neste Reinado hião cada anno mil soldados para
servirem na índia; e durante elle, salnrão de Lisboa oi
tenta e sete Náos, huma Naveta, e huma Caravela, de
que arribarão nove Náos; e seguirão viagem para o
Oriente setenta e oito Náos, a Naveta, e Caravela. Per-
derao-se á ida quatro Náos, de huma das quaes resal*
you toda a guarnição, e parte da de outra; e os Ingle
ses tomarão a Naveta.
Na torna-viagem da índia perderão-se vinte e oito
Náos, onze das quaes perecerão com toda a gente; e os
Inglezes tomarão, ou queimarão cinco Náos, escapando
de huma destas só treze pessoas: total das Náos perdi
das triAta e sete, e huma Naveta ; o que, sem exaggera-
ção, devia causar a Portugal huma perda de trinta e
cinco milhões de cruzados.
Falleceo EIRei Filippe II. a 13 de Setembro de
1598.
I5"8i. — Logo que EIRei Filippe II. se apoderou
da Coroa de Portugal , tratou dos negócios do Orien
te (1), e nomeou para Vice-Rei da índia a D. Francis
co Mascarenhas , a quem concedeo muitas mercês, dan-
do-lhe o Titulo de Conde de Ota , para usar delle era
começando a exercer as funeções do seu Cargo, cora
trinta mil cruzados de ajuda de custo, pagos antes de
sahir de Lisboa ; e mais quarenta mil cruzados, que de
via receber em Goa ; e algumas ricas Commendas para
seus filhos, e netos, e o nomeou Capitão dos Ginetes, e

(1) Couto, Década 10. Liv. 1. Cap. 9. — Faria, Ajia Portugue-


1*. — Duarte Gomes, Discurso» Bobre los Commercios. — Epilogo de
Pedro Barreto de Rezende.
da sua Guarda. Levava D. Francisco Mascarenhas em se
gredo vários Alvarás, em hum dos quaes conferia EIRei
o Titulo de Marquez de Santarém ao Vice-Rei Conde
daAtouguia (que julgava estaria vivo), se lhe entregas
se pacificamente a índia ; e levava assignados em bran
co, para prometter ás Cidades, Governadores, e pessoas
notáveis daquelles Estados, que quizessem oppor-se ao
seu reconhecimento, todas as graças, e mercês que lhe
parecessem sufficientes para os ganhar. Esta Politica era
judiciosa, porque os ânimos dos Portuguezes estavão ain
da alterados , e a Corte de Madrid receava que houves
se alguma revolução no Oriente.
A Esquadra do Vice-Rei constava de cinco Náos ,
cujos Commandantes crao Diogo Paçanlía, no S. Lou
renço; João de Mello, na Caranja (ou Bom Jesus); Pe
dro Lopes de Sousa , no Salvador; Manoel de Miran
da, no Reis Magos (que á vinda desappareceo) , e
Leonel de Lima, no S. Pedro, com destino para Malaca.
Embarcou o Vice-Rei em a Náo S. Lourenço, e
sábio de Lisboa a i z de Abril ; separou-se logo a Es
quadra: as Náos Caranja, e Saltador forao por fora
da Ilha de S. Lourenço, e chegarão a Goa a 24 de Se
tembro» A Náo Reis Magos, indo por fora da mesma
Ilha, tomou Cochim no mez de Outubro, havendo-lhe
morrido alguma gente. O Vice-Rei ancorou em Mo
çambique a 18 de Agosto, e surgio fora das Ilhas, a
tempo que sahia do Porto a Náo S. Pedro, á qual deo
licença de continuar a sua derrota para Malaca.
Como a monção estava mui adiantada , não quiz o
Vice-Rei entrar no Porto, nem desembarcar, e mesmo
a bordo tomou nova homenagem ao Governador, para
quem levava huma Carta d' ElRei , que foi logo accla-
mado na Cidade; e feito isto, partio para Goa, onde
chegou a 26 de Setembro, e achou fallecido o Conde da
Atouguia.
J?8t. — A Esquadra da índia constou este anno de
cinco Nios (i) commandada por António de Mello e
Castro, embarcado em a Nio S. Filippe; e os outros
Commandantes Gcnsaio Rodrigues Caldeira , na B02
Viagem; Luiz Caldeira, cm S. Luiz; Diogo Teixeira,
na Chagas; e João da Fonceca , em S. Francisco, des
tinado para Malaca.
Sahio a Esquadra de Lisboa a 4. de Abril : as Sjos
S. Filippe , e S. Francisco, não podendo montar a Cos
ta do Brasil , arribarão a Portugal. O S. Luiz perdeo-«
em Quilimane, salvando-se a gente. A Não Chagas an
corou em Moçambique, d'onde voltou para Lisboa com
a carga da Náo S. Pedro . que ali chegara de Malaca
em tão máo estado, que não podendo seguir viagem,
resolveo-se o Commandante a ir concertalla a Goa, mas
perdeo-se no Parcel de Sofala. A Náo Boa Viagem foi a
única , que tomou Goa a salvamento; e na rorna-viagem
combatco sobre as Ilhas dos Açores com três navios In-
glezes, de que escapou com alguma avaria, deixando-os
a elles assis maltratados.
1582. — Achava-se EIRei em Lisboa quando soube,
que em França se preparava huina Armada (2), em que
vinha o Prior do Crato com intento de assegurar-se
das libas dos Açores, onde preponderava o seu partida
Para se oppor ás operações deste Armamento partio o
Marquez de Santa Cruz nos princípios de Julho deste
anno com trinta e três grandes navios de guerra , em
que entrarão sete dos maiores Galeões Portuguezes, re-

(1) Couto, Década 10. Liv. j. Cap. i. — Faria, Ásia Portugue-


7a. — Pedro Barreto. — Discursos sobre ios Coaunercios.
V (*) Faria, Ásia Portugueia, tomo }. Parte i. Cap. +. — Arisot do
Ceo, por Luii de Torres, Cap. $;• — Historia Genealógica cia Cia
Real PortuguiU, tomo 10. paç. ?s5. — Vede também o Livro iot Ra
lado „ L'Aimata Navale, dei Capitai» Pantera Paute», Lir. s. Capítu-
„ los it c 11, edição de Roma, 1614. „
9
partidos por todos cinco mil soldados veteranos, e gran*
de numero de Aventureiros. Levava instrucções para es
perar a Armada inimiga sobre os Açores, e dar-lhe ba
talha; comboiando depois a Lisboa as Náos da torna-
viagem da índia, e a Frota Hespanhola da America,
que se espera vão.
Chegando o Marquez com 19 dias de viagem a vin
te legoas de distancia de S. Miguel, soube pelos seus
descobridores, que os Francezes já tinhao ali desembar
cado , e estavao senhores da Cidade de Ponta Delgada.
Constava a sua Armada de sessenta e quatro embarca
ções, vinte das quaes erão grandes, e bem preparadas;
e perto de sete mil homens de tropas: commandava em
Chefe o Marechal Filippe Strozi, e era Almirante Mor
<Jo Reino. Vinha com elles o Prior do Crato , accom-
panhado de D. Francisco de Portugal, chamado vulgar-
.mente Conde de Vimioso, por ser herdeiro daquella Casa.
O Marquez, cora o parecer de todos os Officiaes Maio-
res , resolvco atacar os Francezes , antes que acabassem
de estabelecer-se na Ilha; e estes, sabendo da sua chega
da por hum Patacho, que trazião de observação, se ha-
vião já feito á vela com igual intenta
No dia 26, em distancia de sete, ou oito legoas da
Ilha, se encontrarão as duas Esquadras: os Francezes,
como estavao a barlavento, vierão arribando em popa
sobre os Hespanhoes; e estes, seguindo o bordo fecha
dos á bolina, despassárão a sua linha de modo, que vi
rando, ajudados de alguma mudança de tempo, ficárãa
a seu barlavento. O Marquez de Santa Cruz, que era
mui superior em artilheria , formou a sua ordem de ba
talha, collocando-se no centro com o seu Galeão São
Martinho de sessenta peças, e oitocentos arcabuzeiros de
guarnição, e nos extremos da linha pôz algumas das
melhores Náos; e mandou guarnecer todas as gavias de
saldados , e algumas com pequenas peças de artilheria ,
Temo 1L t
10
para com estes fogos mergulhantes destruir as equipãgets
inimiga?. Hum pouco a sotavento da linha esta vão qua
tro navios de reserva , para acodirein onde fosse necessá
rio; e a sotavento destes as embarcações pequenas.
A batalha travou-se furiosa, mas com desordem às
arte dos Francezes , porque alguns dos seus navios corn-
I aterão mal , e outros não entrarão em acção. O A /mi
rante D. Lopo de Figueiroa , que trazia no seu Galeão
S. Mattheus quinhentos soldados , abordou a Capitanea
de Strozi , e foi abordado pelo outro lado da Almiranta;
de Brisac, que acodio ao seu General. Estava D. Lo
po no maior perigo, tendo já duzentos e cincoenta sol
dados mortos , e quasi todos os outros feridos , quando
o Marquez veio abalroar a Capitanea de Strozi , que se
achou entalada entre os dois Ga leões Hespanhoes. A ac
ção tornou-se então horrorosa , e acabou com a tomadi
das duas Nãos Francezas. Brisac salvou-se a bordo de
outro navio ; Filippe Strozi ficou prisioneiro, e foi mor
to a sangue frio ; D. Francisco de Portugal , que vinha
na Almiranta, foi achado atravessado de três balas, e
outras feridas , de que falleceo, Fidalgo na força da ida
de, de muita erudição, e animo generoso. Dois navio;
Francezes forão a pique, e cinco aprisionados, avalian-
do-se a sua perda de gente em dois mil homens ; a dos-
vencedores era muito menor. O Prior do Crato retirou-
se i Ilha Terceira. Entre os primeiros contavão-se onze
de grande distineção, e nascimento, além de muitos Of-
ficiaes ; o resto soldados , e marinheiros.
A rodos mandou o Marquez metter em processo,
ao qual fez ajuntar huma Carta (verdadeira , ou falsa)
d'ElRei de França , em que declarava não ter dado^
auxilio, nem consentimento para semelhante expedição.
A sentença foi de morte para todos os prisioneiros , co
mo piratas; os Nobres, e os Officiaes forao degolados,
a os soldados, e marinheiros enforcados em numero de
11
quasi oitocentos, com grande indignação do Exercito
Hespanhol.
Alguns navios Francezes , que fugirão da batalha
conduzidos por Mr. de Londres, saquearão a Ilha do
Faial na sua volta para França , viagem que também
seguio o Almirante Brisac, assim como o Prior do Cra
to com trinta navios, O Marquez de Santa Cruz regres
sou a Portugal.
15-83. — A Esquadra da índia (1) foi este anno de
seis Náos, commandada por António de Mello e Cas
tro, que arribara no anno antecedente, embarcado na mes
ma Náo S. Filippe; os outros Commandantes erao Este
vão Alvares, no Salvador, em que hia o Arcebispo de
Goa D. Fr. Vicente da Fonceca ; Fernão da Veiga, no
S. Tiago; João Trigueiros, no S. Francisco; Balthasar
Marrecos, no S. Lourenço; e Manoel de Medeiros, no
Galeão S. Tiago, destinado para Malaca. Esta Esquadra
levou algum dinheiro para despesas do Estado.
Sahio de Lisboa António de Mello a 8 de Abril ,
e a 15: vio as Ilhas de Porto Santo, e Madeira, onde
os navios se apartarão huns dos outros.
A Náo Salvador descobrio a Costa de Guiné no
dia 24 de Abril, e por ella foi navegando com frequen
tes calmarias até iy de Maio, que estando a" ao Norte
da Linha, encontrou a N30 S. Francisco. Passarão am
bas o Equador a 26 ; e a 20 de Junho separou-se o São
Francisco. A 1 1 de Julho vio o Salvador a Costa quin-
2e legoas além do Cabo de Boa Esperança. A 20 en
controu segunda vez a Náo S. Francisco, com a qual na
vegou de conserva até 24 ; e no dia 30 achou-se na al
tura do Cabo das Correntes.
(1) Couto, Década 10. Liv. 4. Cap. 5. — Pedro Barreto de Rezen
de. — Faria , Ásia Portugueza — Discursos sobre los Commsrcios. —
Historia da Navegação de João Hugues Linschot ás índias Orientaes,
Amsterdam, 1 6 j8.
2 ii
12
A 5T de Agosto chegou a Moçambique, e á entra
da achou a Káo S. Tiago, de que se apartara na Ilha
da Madeira; no dia antecedente havião entrado asNáos
S. Lourenço, e S. Francisco.
Estas quatro Náos sahírão de Moçambique a 20 de
Agosto, e ancorarão cm Goa a 20 de Setembro, haven
do morrido trinta pessoas a bordo do Salvador. .4 Náo
S. Filippe passou por fora de S. Lourenço, chegou a
Cochim a 20 de Novembro, levando muitos doentes de
escorbuto.
i^j. — Conservava-se a Ilha Terceira (1) pelo Prior
do Crato, havendo recebido hum reforço de mil e du
zentos Francezes, commandados por Mr. deChartes, Ca-
valleiro de Malta; o que obrigou EIRei Filippe a tra
tar seriamente da sua redução.
Para este effeito partio de Lisboa o Marquez de
Santa Cruz com quarenta e dois grandes navios de guer
ra, e doze Galés , as primeiras que se arriscarão a sulcar
o Oceano, conduzindo huma divisão de dez mil homens
de boas tropas Hespanholas, Alemarrs, Italianas, e duas
Companhias de Portuguezes, commandadas estas ultima»
por D. Félix de Aragão. Era Mestre de Campo Gene
ral D. Lopo de Figueiroa ; commandavão os dois Ter
ços Hespanhoes os Mestres de Campo D. Francisco de
Bobadilia , e D. João de Sandovai; o Terço dos Ale
mães o Conde Jeronymo Landrone ; e o dos Italianos
Lúcio Pignateli.
Chegado o Marquez á Terceira, escreveo a Manoel
da Silva, Governador da Ilha, offerecendo-lhe em nome
d' EIRci o Titulo de Marquez de Torres Vedras, duas
Commendas, e vinte mil cruzados em dinheiro, com per
dão geral para todos os moradores. Não quiz Manoel
da Silva receber a carta, e em consequência resolveo-se
(1) Faria, Europa Portugueza tomo j. Parte 1. Cap. 4, — Avisos
Jo U-o to. 110 1. Cap. 36.
J3

o Marquez a emprehender o desembarque, e buscou pa


ra isso algum ponto accommodado.
As Galés corrião todos os dias a marinha, amea
çando diferentes lugares, até que na madrugada de 16
de Julho conseguirão deitar alguma gente em terra cm
Porto Mole, junto a S. Sebastião, onde acharão descui
do nos defensores. Acodírão os Francezes a defender o
desembarque, porem batidos da artilheria, e mosquete-
ria das Galés, e outros navios que se aproximarão da
Costa, não poderão evitar a continuação do desembar
que das tropas, que a final se formarão cm grande nu
mero, e forçarão os seus inimigos a abandonar a posi
ção, remando para o eemro da Ilha, onde o Exercito
Hespanhol penetrou com muita perda , e difficuldade:,
pelos obstáculos que lhe oppunha o terreno, e a obstina
ção da defensa. Mas havendo-se retirado os moradores
para os matos, e sitios escabrosos, em que já tiniido
posto a salvo as suas familias, capitulou Mr. de Charles
ao terceiro dia com as tropas Francezas, ás quaes se de-
rão embarcações para França, deixando armas, e ban
deiras. Entrarão depois os vencedores na Capital, que
saquearão de tudo quanto acharão, como se fora huma
Cidade estrangeira tomada por assalto. O Governador,
c outros muito» indivíduos forão justiçados.
Concluída esta conquista, destacou o Marquez de
Santa Cruz huma Esquadra ás ordens de D. Pedro de
Toledo, que entrou 113 Bahia do Faial, e offerecendo
'partidos ao seu Governador António Guedes de Sousa,
este, por toda resposta, matou a Gonsalo Pereira, mo
rador da mesma Ilha, encarregado da mensagem. Des
embarcou logo D. Pedro, e ganhando a Ilha com pouca
resistência , fez justiçar o Governador, e saqueou os ha
bitantes.
As Ilhas do Pico, S. Jorge, e Graciosa rcnderão"*e
sem opposiçuo.
14

T5"84' — Nomeou EIRei (i) para Vice-Reí da tndía


D. Duarte de Menezes, Senhor da Casa de Tarouca,
dando lhe o Titulo de Conde (que não acceitou, por não
ser de juro, e herdade, como pedira), e vinte mil cru
zados para pagar as suas dividas, a!êm de outras mercês.
A Esquadra foi de seis Náos , de que erão Com»
mandantes Gonsalo Ribeiro Pinto, da Náo Chagas, em
que embarcou o Vice-Rei ; João Paes, da Caranja, Lou
renço Soares de Mello, da Boa Viagem (que desappa-
receo á vinda); Gomes Henriques, da Relíquias; Ma-
thias Leite, da Santa Maria; e Afíònso Pinheiro, do
Galeão S. Tiago Maior (que á vinda se perdeo nos Aço
res), destinado para Malaca. Levava esta Esquadra
muitos Fidalgos, que hião servir na índia.
Sahio de Lisboa a 10 de Abril, e separou-se logo.
O Vice-Rei , chegando á cabeça da Ilha de S. Louren
ço já em Agosto, e tão doente, que se desconfiava da
sua vida ; achou ventos ponteiros, que o obrigarão a ca
pear por espaço de quinze dias; o que vendo os Officiaes
da Náo, lhe representarão, que achando-se tão avança
da a estação, era impossivel ir por dentro do Canal, e
arriscado passar por fora da Ilha de S. Lourenço, em
razão da demora da viagem, que lhe poderia custar mui
ta gente; e que assim parecia mais prudente buscar al-
f;um dos Portos desta Ilha , onde estarião até elle conva-
escer, e dalli irião invernar a Moçambique. O Vice-
Rei porém respondeo com valor, que não tratassem
/la sua saúde, mas sim do maior serviço d^ElRei, que
era passar aquelle anno d índia. Com esta determi
nação seguirão os Oííiciaes a viagem por fóra da Ilha, c
com pouca perda de gente entrou a Náo em Coçhim nos
•fins de Novembro.

(O Couto, Década 10. Liv. 6. Cap. I. — Faria, Ásia Portuguea.


— Epilogo de Pedro Barreto. — Discursos sobre los Gooimercios, &c.
16

As Náos Caranja , e Boa Viagem seguirão o Canát


de Moçambique, e não querendo tomar esta Ilha, forão
ancorar em Goa no fim de Setembro. O Galeão Si Tia^
go chegou a salvamento a Malaca. As outras Náos pas
sarão a S. Lourenço, e forão a Cochim.
I5"S5". — A Esquadra da índia foi este anno de seis
Náos, commandada por Fernando de Mendonça, na Náo
S. Tiago; e os outros Commandantes João- Taveira, no
S. Francisco; Miguel de Abreu, no Salvador; André
Moreira, no Santo Alberto; Fernão Cotta Falcão, no
S. Lourenço; e joao Gago de Andrade, no S.. Pedro
para Malaca (i).
Esta Esquadra sahio de Lisboa a 10 de Abril. As-
Náos Sa-lvador, e Santo Alberto, e o Galeão S. Pedro
arribarão ; e no dia 30 tornarão a sahir o Santo Alber
to, c o Galeão. Este foi a Malaca a salvamento : o San»
to Alberto vio a Costa da índia em Novembro, e não
conhecendo a terra , hia com vento em popa sobre os
baixos de Chiláo, quando por fortuna encontrou dois na
vios de guerra Portuguezes, que vinhão de Negapatao
para o Cabo Comorim, os quaes lhe bradarão, que sur
gisse, o que fez já em seis braças, cuidando o seu Pilo
to que estava em Cochim. E sahindo dali com espias ,
fez-se á vela, e foi d? conserva com os outros navios a
Cochim, d'onde passou a Goa. A Náo S. Francisco,
dobrando o Gabo de Boa Esperança nos- fins de Julho,
chegou a Goa a salvamento. O S. Lourenço ancorou em
Cananor a 30 de Novembro. Esta Náo, na torna-via-
gem arribou a Moçambique, onde ficou, por se achar
incapaz de navegar.
Fernando de Mendonça- montou o Cabo de Boa

(O Couto, Década 10. Liv. 7. Capítulos 1,2, 1 , e j. — Faria,


Ásia Portugueza. — Epilogo de Pedro Barreto. — Discursos sobre \ot
Commercios.
II
Esperança a IT de Julho , e querendo ir pelo Canal , de-
morou-se na Costa do Norte com ventos contrários até
13 de Agosto. A 15" teve vento favorável, com que foi
navegando em popa, e o Piloto, chamado Gaspar Gon-
salves, observando o Sol no dia 18, achou-se em 21*
20' de latitude, e parcceo-lhe venceria de dia o espaço
que lhe faltava para dobrar o baixo da Judia (1), cujo
meio julgava estar por 21o 30', e assim continuou a na
vegar ao mesmo rumo, sem lhe occorrer, que poderia
enganar-se na $ua observação do Sol, ou achar-se o bai
xo mal situado na 6ua Carta; cousas mais que prováveis
ambas, tanto pela imperfeição dos instrumentos de som
bras então usados, como pelas poucas diligencias que fe
tinirão empregado em reconhecer, e determinar a posi
ção daquelle, e dos outros baixos, que embaração o Ca
nal de Moçambique, e mares da índia. Accrcsceo mais,
Íiue hum Mnrinhciro, que observava o Sol, achou dif
erente latitude, e gritou muitas vezes, que o baixo de
morava pela proa, e que cumpria mudar de rumo, ou
atravessar de noite. O Piloto teimou em seguir seu ca
minho , e o Commandanre não ousou contraria-lo, qui
çá por não entender da matéria, ou por falta de senso
com mum , que esse bastava para não arriscar a Náo, e
as vidas de tantas pessoas sobre huma simples hypothese,
em que havia tanto a perder, e nada a ganhar.
O Mestre, por cautela, mandou pôr ao anoitecer
alguns marinheiros no gorupés, para vigiarem o baixo, o*
quaes ás oito horas e meia do mesmo dia 18 vírao hum
negrume pela proa, que a huns pareceo terra, e a outros
nuvens; e em quanto disputavão, e se affirmavão bera
no que seria , a Náo com todo o panno largo, e vento
(1) O baixo da Judia tem huma* poucas de legoas , he todo de Co
ral , e faz no meio hum lagamar com bastante fundo, onde entra a ma
ré: em roda delle ha alguns morros de Coral, que de long« parecem ar
vores.
17
poà fresco em popa foi de roda a roda com o Baixo
em hum logar , em que era cortado perpendicularmen
te; e com a velocidade, que trazia , correo sobre ellé
algum espaço a parte superior do navio , separando-se
da pane mergulhada , como se fosse cortado á serra
£i), e esta porção do casco ficou logo em secco.
A gente, que estava quasi toda em repouro, a es
te choque terrivel e inopinado correo acima em confu
são , e tumulto , com tamanhos gritos, e alaridos , que
se não entendião liuns aos outros,, correndo alienados
aqui , c alli , sem attentarem no que fazião; e todos ,
com idêa da morte, querendo confessar-se ao mesmo
xempo. O Piloto, que mandava, a via no momento do
naufrágio , estava mudo de susto , e de terror. O Mes
tre, mais animoso , ao amanhecer deitou fora o escaler,
e entrando nelle com o Commandante, e alguns mari
nheiros , foi reconhecer o baixo, e examinar se huma
sombra , .que apparecia ao longe , seria alguma Ilha ,
para a qual podessem passar: mas desenganado do seu
erro , e temendo -que se voltasse para a Náo, se enche
ria o escaler de gente, com que se alagaria, resolveo
com os marinheiros, que tratassem da sua segurança,
ainda que o Commandante repugnava a isso*, e largan
do a vela, confiados em levarem hum barril de agua,
e algum biscoito, atravessarão para a Costa da Ca Tra
ria , e ao sétimo dia de viagem tomarão terra duas lé
guas do Rio de Quilimane.
Os naufragados, que ficarão no baixo > vendo que
o escaler não voltava , e que não podião tirar a Ir.ncha,
por vir na coberta, ainda que o intentarão, começarão
a ajuntar madeira para fazerem jangadas , em que sal
var- se. Em quanto estavão nisto oceupados, veio huma
(O Assim o affira-.a nío só Diogo do Couto, mas também Duarte
Gomes, Autbor do Livro intitulados Discursos sobre los Cómmírcios
de las índias ~, que hia de passageiro nefta Náq. . ' •' '■' "• '
Tomo II. 3 .v.-:ii'l -.
w
grande' vaga, que levantou â Náo, e quartdo eahíd^
abrio-sc ro3a,e deitou fora a lancha, que em hum pe
daço da mesma Náo rolou par-a o baixo, onde ficou e»
secco. Este uisivel auxilio da Providencia animou to
dos: Cipião GrimoaltiOj estrangeiro de nobre sangue,
e muita interligencia, corréo com os carpinteiros a exa
minar a lancha, e vendo que se podia reparar, posto
que lhe faltasse a maior pártfe da popa, pozerao mãos
á obra , ajudados de outras pessoas, concertarão a lan
cha com tflboas tiradas das caixas j que o mar arrojava
sobre o baixo, e lhe fizeráo mastro, velas, rumos, e tu
do quanto era necessário para navega^.- ■•
Como Fernando^ dé Mendonça havia abandonado
a sua guarnição, elegerão por' seu Commandante a Duar-
te de Mello, Fidalgo nascido na índia , que vinha de
passageiro nomeado Governador de Diò: para Mestre
da Lancha nomearão o Contra-Mestre Manoel da Sil
va , e para Piloto o mesmo da Náo. E como não era
possível caberem perto de quatrocentas pessoas em hu-
ma embarcação tao pequena , • escolhêráV ekicoenta e se*
te,!ique com diíficuldade se podião riélla accommodar,
de que as principaes crão Fr. Thomaz Pinro ^ Domfni-
canoy que hia para Inquisidor da índia , Fr. Adriano r
sen companheiro , o Padre Pedro Martins;( que pa?sava
a ser Provincial), e outros Padres ;da mesura Ordem ;
D. Joio de Menezes, D. F radique de Alarcão, D. Ra
fael de Noronh», D. Duarte 'de Mello ; Jorge Soeiro
Dória , Henrique Pinto, os dois irmãos Gaspar, e Fer
nando de Menezes, Negociantes de Crédito, Diogo Ro
drigues Caldeira, e seu irmão Fernando Rodrigues Cal
deira, Duarte Gomes de Soliz, Negociante; e o resro
Offfciaes da Náo, e marinheiro?» - Cj1
Antes de partir a lancha, deitarão quatrocentos mil
cruzados , que a Náo levava, dentro de hum buraco
aberto na rocha, para que ena aJgum tempo se pedessera
ir buscar.
MC
■ i * Aon largar, a' lancha no dia n de. Agosto, <fóf.
grandea desordem, ,por <quantQi muitos dos que ficarão:
se lança vão aólTOàrrj pedindo cora clamores que ,os tb-
cebcsseiD , o que os marinheiros concedião a alguns, e
negavSo a outros,, c «té lhes cortavão as mãos se se ape-<
gavãoá borda yiou.aoB remos, sendo clles quem decidir
detudo,1 peio «eu numero. Logo. que a lancha começou»
ar navegar,vconhcrerao »9 lOfBciajes, qwç hia mui. earre-i
gada:, e .tio- empacha d a;, que: não podia' manobrar,- et
ooncordáráo em por Fora algumas pessoas. Fizerâo os
marinheiros a; escolha, >e começarão ibelo6 dois irmãos
Ximene*V'k"egQC'antes'> dos. cjuaes querendo dcicamaoi
mar o que era mais idoso, se" offèraceo para isso o mais
moço, e voluntariamente saltou na agua';; mas íeguio
nadando atraz da lancha, ,e taeádcoisas idissè aos /mariV
Hheiro6, que por ultimo o recolherão outra vez. JSJadava
ao mesmo tempo na esteira da;lancbá Diogo do Couto,
moço de dezeseisâmios, o qual pedia em nome da Vir»
gem Maria ,. que o cornassem,, e todos se «aivarião ; Q
isto com taes expressões, e protestos^ que os Religiosos
pedirão aos marinheiros o recolhessem , crendo que al
gum Anjo fallava pela sua boca ; e assim o fizerão^
Navegou a lairclia no quadrante do N.O.- a buscar a
terra .da Cifraria mais próxima , e a. 29. eftcalliob naè
Barreiras Vermelhas, entre 06 Rios de Quesango, .e
Loranga, que ficão entre Quilimaner e as Uhaé de An-
goxa em mais de j6° de Latitude. . Logo qbe desembar
carão , acudirão os Cafres, que os despira© a todos , e
no cia seguinte fòráo ter a huma Aldêa.',icojos' morado
res os ca p ti vá râO. . ..;.•; 'I '"'?'• - <-•'
Os Pórtugticzcs , que ficarão no. baixo , veado-se
sem lancha , nem escaler, construirão algumas jarlgadas^
de qutí só.' doas escaparão. A primeira foi a que íez o
Sora-FUotO' Roorrgo Migueis, hábil marinheiro, que re-
colheo neila quarenta pessoas } eni. qiití entrava Simão
a ii
20

Moniz da Camâra , Fidalgo da Ilha da Madeira. Par


tindo do baixo ti verão mio tempo., e hum dos naufra-
gantes, qoe trazia ao pescoço hum Relicário com o
Santo Lenho, achado na caixa do; Inquisidor, o deitou
pela popa da jangada atado a hum cabo; e. todas ar
noites parecia aos que nella hião ouvirem huma musica
Celestial, que precedia a jangada, como para lbe mos*
trar o caminho, e desapparecia com a manhã, seguocío»
jurarão iodos uniformemente em Moçambique, quando-
O' próprio Inquisidor tirou naquella Ilha huma devassa
sobre este caso. Em nove dias chegou a jangada a to
mar terra entre Quilimane, e Luabo; e querendo reco*
lher o Relicário, não se achou. *t-, •_
A segunda jangada aportou junto a Sofata , levan
do vivos só dois marinheiros, hum dos quaes era o que
disputou com o Piloto no dia em que naufragarão. Ti-
nhão-se embarcado nella mais de vinte pessoas; roas
todas morrerão de fome, e sede, pelas escassas provi»
soes com que sahirão do baixo. Do resto da guarnição
não se teve mais noticia. )--•>.--■ ,-....
Todos estes homens, que escaparão do naufrágio,
sofFrêrão grandes trabalhos.' Os da lancha, depois dó
roubados, e despidos, forão levados para huma Al
deã do sertão, onde estiverão quin2e dias padecendo fo
mes ; e frios ; porém dois , que se havião separado dei-
les , hindo ter ao Rio de Loranga , fizerão com que os
Cafres daquella terra, que erão amigos dosPortugue-
zes, os fossem resgatar a troco de alguns pannos; e
vindo todos para. Loranga, ahi se dilatarão dois me-
zes, em que passarão muitas necessidades, de que fal-
lecêrao os Padres da Companhia Pedro Alves, João
Gonçalves, e outros.
Nesta situação estavão quando Diogo do Couto,
pondo-se a caminho , sem saber para onde hia , acertou
dé hir ter ao Rio de Quesungo, era que achou hum
2J
Pangaío do Governador de Moçambique Nuno Velho
Pereira , do qiial era Capitão André Collaço , e dando-
Ihe conta da gente que ficara em Loranga , distante oi
to legoas deQuesungo, foi o Collaço dar fundo naquel-
le Rio, e resgatando a todos, os transportou a Cuama,
e daqui ao Forte de Sena , em que adiarão já Fernan
do de Mendonça com a gente do seu escaler , e a da
jangada de Rodrigo Migueis, que havião chegado dois
dias antes. Os Portuguezes, habitantes de Sena, trata
rão, e ve: tirão a todos o melhor que poderão, e depois
passarão a Moçambique.
Neste anno de 1^85: desappareceo na volta para
Portugal a Náo Boa Viagem, onde acabarão Francis
co de Miranda de Azevedo, D. Manoel Henriques, D.
Manoel de Menezes, D. João Rolim , e hum Embai
xador da Pérsia. . .
1586. — Sabendo EIRei, que na Inglaterra se apres
tava huma forte Esquadra (1), e receando que intentas
se passar á Aíia, fez partir em 5" de Janeiro deste anno
o Galeão Reis Magos, commandado por João Gago de
Andrade , com ordem de desembarcar em Moçambi
que a Estevão da Veiga , encarregado de officios para
o Governador desta Praça, e para o Vke-Rei da índia,
e proseguir depois a sua viagem para Malaca.
. Seguindo João Gago a sua derrota, no dia 14 de
Fevereiro, antes de Nascer o Sol,, achando-se i° 30' ao
Norte da Linha, avistou huma Náo grande, e hum Pa
tacho , que lhe vinbão dando cassa ; e forão conhecidos
por Inglezes. João Gago, homem velho , e gotoso, mas
intrépido, poz logo a postos a sua guarnição, que con
stava de quasi duzentos homens, entre soldados, e mari
nhagem ; distributo pelas gáveas alguns marinheiros es-
(1) Fana, Ásia Portuguexa — EpHogo de Pedro Earreto —Discursos
sobra los Coaimercios - Couto , Década 10, L. 8 , Capítulos 6, 8, a 2»
tolhidos com «pingaras , panellas de pólvora XO» '
armas missivas, c sentou se em lio ma cadeira para dar
d'ali as suas ordens. Erao dez horas da manhaa quan
do chegou por barlavento a tiro de canhão a Náo In-
gleza : durou â acção huma hora, com dnmno de am
bas as partes; e vindo os Ingleees a abordagem, se pro
longou o combate por mais duas horas, crú/que se dis*
tinguirão António de Vilhegas , Esteva© da Veiga, e
Rodrigo Leitão. Por ultimo, desarracou-sd a ííào ln-
gleza , havendo recebido considerável perda de gente ^
causada sobre tudo pelos marinheiros que guarneciáo as
gáveas do Galeão. O Patacho entreteve-se em idar alguns
tiros em quanto os dois navios cstiverão abalroados. Os
Portuguczes tiverão muitos feridos, e hum só morto.
Continuando João Gago a «ua derrota , dobrou o
Cabo de Boa Fsperança nos fins de Abril , e na ahura
da Terra do Natal encontrou huma Náo Portugueza
destroçada , sem mastareos, sem gornpc6, sem mezena,
è sem as obras mortas da popa ; e como elle hia -cor
rendo com vento forte, ainda que não passou longe d'el-
là , e segundo o que via, e o muito que lhe acenavão,
conheceo o perigo em que estava , nao ousou comrudo
capear, e seguio para Moçambique, onde ancorou a 4
de Junho. 1
Estevão da Veiga entregou as Cartas ao Governa
dor D.Jorge de Menezes, que immediatamente comprou
hum Pangaío grande, e nelle o expedio para a índia,
dando-lhe por instrucções, que se não podesse tomar a
barra de Goa, encalhasse na terra mais próxima, era que
(1) As panellas de pólvora, * as lanças de fogo tão usadas pefoi
Portugueses nos combates de mar., e terra, erão Imrna imitação das
panellas de fogo, e lan<_as incendiarias dos Gregos, que as tomarão tkw
Povos mjis antigos, como refere o Imperador Leão no seu livro de Tá
ctica terrestre, e naval. Vede o Cap. 19 , §. 57 , e 5 9 na Tradacqío
Latina de Meurcio.
23
saNasse a sua peseoâre os officios de que era portador ,
e fosse por terra a Goa. Partio Estevão da Veiga etn
Julho, e achando ventos mui rijos, arribou á Una de
Pemb^ na £os:a de Melinde, c achando ali huma em
barcação do Governador de Moçambique, se passou pa
ra ella , é seguindo a sua viagem, entrou em Goa no
fim de Agosto.
Poucos dias depois da chegada do Galeão Reis Ma
gos, chegou também a Moçambique a Náo S. Louren-
Ío, que elle encontrara. Esta Náo vinha da índia para
brtugal, era seu Commandante Romão Falcão, e na
jornada para o Cabo de Boa Esperança teve grandes
tormentas , com que desarvorou , e abrio agoa por mui
tas partes, a qual cresceo tanto, apezar das bombas, e
gamotes, que chegou a dezoito palmos; por cuja causa
alijarão ao mar toda a fazenda que vinha por cima, e
vendo-se perdidos, arribarão em popa caminho de Mo
çambique. Nesta volta encontrarão o Galeão, e com o
alvoroço, largarão as bombas, e começarão a acenar-
Ihe para que os soccorresse; porém vendo que continua
va na sua derrota, voltarão ao trabalho da bomba, e
acharão que a agua tinha augmentado a vinte e dois
calmos. Mas forão tão grandes os esforços que fizerão ,
que se conservou a agua sempre na mesma altura até
chegarem a Moçambique. A Náo foi logo descarrega
da, e estava de maneira , que a condemnárão.
A 6 de Agosto partio de Moçambique o Galeão
Reis Magos , e chegou a Malaca a iç de Outubro. Na.
torna-viagem para Portugal , abrio agua , e arribando a
Angola , achou-se tão arruinado , que o encalharão..
A esquadra da índia foi de cinco Nnos, commnn-
dada por D. Jeronymo Coutinho, que embarcou em a
Náo S. Thomé; e os outros Commandantes António
Gomes, na Caranja ; Miguel de Abreu no Salvador;
Frar.cisco Cavalleiro, na Relíquias ; e João Trigueiros-,.
■o S. Filippe.
Sahio de Lisboa a 1 3 de Abril, e ancorou em Cot
a 6 de Outubro , menos a Náo S. Filippe, que chegan
do tarde a Moçambique, assentou-se que seria mais con
veniente receber a carga da Náo S. Lourenço j e re
gressar com ella a Portugal.
Partio João Trigueiros em Dezembro de Moçam
bique com a carga daquella Náo , e sobre as Ilhas dos
Açores encontrou huma Esquadra Ingleza , de nore na
vios, commandada pelo Almirante Francisco Drack (1).
Defendeu-se elle até Yer a sua Náo desarvorada , e qua»
si arrazada, e a maior parte da gente fora de combate;
por cujos motivos se rendeo a finai , merecendo pelo
seu valor a estimação de Drack , que lhe deu hum na
vio apparel liado, e provido de agua, e mantimentos, e
lhe concedeo mesmo embarcar alguns géneros, que lhe
Íertenciao ; com que chegou a Lisboa. Esta Náo foi
uma presa mui rica para os Inglezes, que a conduzirão
a Inglaterra.
Outras perdas sofFrco mais esta Esquadra de D.
Jeronymo Coutinho : a Náo Relíquias, estando para se
fazer á vela na barra de Goa, achava-se tão sobrecarre
gada, e com tanto peso nos altos, que os seus OfHciaes
representarão ao Vedor da Fazenda, que veio a bordo,
que são podia navegar d'aquella maneira , ao que re
spondeu mandando largar a amarra por mão. Logo que
as velas tomarão vento, suecedendo correr a gente á bor
da , pendoo a Náo de tal sorte, que se adernou, e foi

CO E*'e celebre Almirante voltava da sua expedição a Cadix , on


de foi mandado com trinta navios £de que só quatro erão da Coroa , e
os outros de Armadores) para arruinar <js estabelecimentos navaes, e k>
terceptar os transportes de muniqões, que d'alli passaváo a Lisboa; -e
com eífeito apresou, e destruio perto de cem embarcações , cauvir.do i
Haspsnha perdas immensas , e em ceito modo irreparáveis. Vide o Tri
dente Britânico, tom. i. pag. j.
91
• pique , salvando-se a guarnição nas muitas embarca-
çÓes de terra, que andavão á roda d'ella (i).' ■ "'
A Náo Salvador, Commandante Miguel de Abreu,
vindo de volra para Portugal, abrio tanta agua antes
de dobrar o Cabo de Boa Esperança , que arribou , e
não podendo tomar Moçambique, seguio a Costa com
intenção de varar na primeira terra , e por fortuna foi
a Mombaça , onde achou huma Esquadra PortugUeza >
vinda de Moçambique, commandada por Martira Af-
fonso de Mello, o qual vendo o misero estado da Náo
(que trazia dez palmos de agua no purão) , e a riqueza
da carga , a comboiou a Ormuz para se concertar ; mas
acliou-se tão arruinada, e podre, que a condemnárão, e
comprou-se hum navio grande, que trouxe a Portugal
toda a gente, e a carregação.
iclr7 — A Esquadra da índia (2) foi este anno de
cinco Ndos, commandada por Francisco de Mello, em
barcado na Náo Santo António; e os outros Comman-
dantes Gaspar de Araújo , no S. Francisco ; Heitor Ve
lho Barreto, na Nazareth ; Álvaro de Paiva , na Santa
Maria Imperatriz ; e Francisco de Brito , no S. Tiago,
com destino a Malaca.
Sahio a Esquadra de Lisboa a 26 de Março; e ar
ribando a Não Santa Maria, as outras entrarão em Goa
a 12 de Setembro: o S. Tiago foi também a salvamen
to a Malaca.
Neste anno se começarão a reunir em Lisboa na
vios, viveres, e munições para se organizar huma for
midável Armada , destinada em segredo para conquistar
a Inglaterra , da qual logo tratarei.

(O Vede Linschot na sua Obra já citada, pa». ijj.


(2) Couto, Uecada 10. L. 10. Capitulo 6 — Epilogo de Pedro Eat*
leto. — Faria, Ásia Portugueza.
Tomo II 4
2*
*f88. — A, Esquadra da índia (i ) foi este armo de
cinco Náos,, commandada por João de Tovar da Cu
nha , embarcado em a Náo S. Christováo ; e os outros
CVimmandantes , Estevão da Veiga , no S. Thoraé ; IX
Francisco de Viveiros , na Santa Maria Imperatriz;
Pedro Corrêa na Conceição (que se perdeu á vinda); e
António de. Sousa, no Santo António.
Saliio a Esquadra de Lisboa a j de Abril, e che
gou, a Goa a salvamento.
15*88. — Muitos Escriptores Hespanhoes, e estran
geiros (») tem desenvolvido, e explicado as causas ,
que moverão a EIRci D. Filippe a emprehendeí este an
uo a invasão da Inglaterra , cujo Tbrono oceupava Isa
bel , Princeza de animo varonil , e de raros talentos na
Arte difficil de governar. Eu só tratarei da execução do
plano de campanha. Consistia este em conduzir a Flan-
des numa poderosa Armada , com tropas de desembar
que, e recebendo alli o Exercito Hespanhol , que com-
mandava o Duque de Parma Alexandre Farnese, hum
dos maiores Generaes do século, desembarcallo na Ingla
terra, e marchar a Londres (3).
Escolheo ElRei o Porto de Lisboa para a reunião
.•
(1) Faria, Ásia Portugueia — Epttogo de Pedro Barreto — Discurso»
■obre los Com.-nercios.
(2) Vede António do Couto Castello-Branco , Memoria» Militares ,
tomo 1, em varia* partes — Faria, Ásia Portugueza, tomo }. Parte 1.
Càp. a» - Tridíuts Britannico, tomo 1. — Hurue, Historia dê Injlarerra»
tomo 5. Capítulos 41 , e 42 — Guerras de Flandes , pelo Cardeal ixr.u-
volio, Parte a. I. 4.
(O Este Exercito constava de trinta mil Infantes, e quatro mil Cs»
vallos, tropas excellentes, e cheias de confiança nos- talentos., e fortuna
do seu General. O Duque de Parma tinha feito construir era Dunkerke y
Ne vport , e Antuérpia as embarcações necessárias , de fundo chato,
para o transporte das tropas, com as munições, viveres, e petrexos ne
cessários; mas não podia sahir d'aquelles Pontos, senis debaixo da pro
tecção dos navios de guerra Hespanhoes.
27

das forças da sua vasta Monnrcnia ; e com muita ante


cipação mandou remetter para elle das outras Cidades
marítimas tudo quanto era necessário ; porém o ataque
de Cadiz pelo Almirante Drake atrazou os prepara
tivos.
Por morte do famoso Marquez de Santa Cruz, no
meado Capitão General da expedição, e autlior d'ella ,
degeo El Rei para o mesmo Cargo a D. Affbnso Peres
de Gusmão , Duque de Medina Sidónia , que nunca ti
nha servido fio mar. Dividia-se a Armada em dez Es
quadras, das denominações seguintes:

Esquadra de Portugal.
Galeão S. Martinho, em que embarcou o Duque,
de 1 coo toneladas , 600 soldados, 177 marinheiros, e
48 peças de artilheria. Dos soldados só oitenta crão Por»
loguezes.
Galeão S. João, de 1100 toneladas, 311 soldados,
X74 marinheiros , e co peças.
Galeão S. Marcos, de 790 toneladas, 291 solda
dos, 117 marinheiros, e 33 peças.
Galeáo S. Filippe, em que hta o Mestre de Cam
po D. Francisco de Toledo, de 900 toneladas, 445- sol
dados, 117 marinheiros, e 40 peças.
Galeão S. Mattheus, em que embarcou o Mestre de
Campo D. Diogo Pimentel , de 750 toneladas, 277 sol
dados , 120 marinheiros , e 94 peças.
Galeão S. Tiago, de 520 toneladas, 300 soldados
Portuguezes do Terço de António Pereira, 93 marinhei
ros , e 14 peças.
Galeão de Florença , de 961 toneladas, 400 solda
dos Portuguezes do Terço de Gaspar de Sousa, 86 ma
rinheiros, e 52 peças.
Galeão S. Christovao, de 35*2 toneladas, 500 sol»
4 ii
28
dados Portuguezes do Terço de António Pereira, ft
marinheiros, e 20 peças. .
Galeão N., de gço, toneladas, 25:0 soldados Por
tuguezes, do Terço de Gaspar de Sousa, 81 marinheiros,
e 20 peças.
Zabra Augusta, de 166 toneladas, $ç soldados, $7
marinheiros, e 13 peças.
Zabra Júlia, de 170 toneladas, 44 soldados, 72
marinheiros, e 14 peças.
Total da força desta Esquadra: Dez Galeões, e
duas Zabras , contendo 7059 toneladas , com 3286 sol
dados, 1172 marinheiros, e 384 peças.

Esquadra de Biscaia.
Seu General D. João Martines de Recalde, com o Pos
to de Almirante de toda a Armada.
Náo Santa Anna, em que hia o Almirante, de
769 toneladas; 32J soldados, 114 marinheiros, e 30
peças.
Náo Gargarim, de 1160 toneladas, 256 soldados,
73 marinheiros, e 28 peças.
Náo S. Traga, de 666 toneladas, 214 soldados,
102 marinheiros, e 25- peças.
Náo Conceição, de 468 toneladas, noventa solda
dos, 70 marinheiros , e 16 peças.
Náo Conceição, de 418 toneladas, 164 soldados,
€1 marinheiros, e 18 peças.
Náo Magdalena > de 580 toneladas, 103 solda»
dps, 67 marinheiros, e 18 peças.
Náo Maria, de 665 toneladas, 172 soldados, ico
marinheiros, c 24 peças.
Náo Manoela, de jao toneladas, «e soldados,
J4 marinheiros, e 12 peças.
Náo. Santa Máfia de Monte Maior , de 707 tone
ladas, 20Ó soldados, 45 marinheiros, e 18 peças.
Patacho Maria, de 70 toneladas, 10 soldados, 13?
marinheiros , e 8 peças.
Patacho Santa Isabel , de 71 toneladas , 20 solda
dos, 24 marinheiros, e 10 peças. . 1
Patacho N. de 96 toneladas , 20 soldados , 16 ma
rinheiros , e 6 peças.
Total da força desta Esquadra : Nove Náos, e trea
Patachos, contendo 6180 toneladas, cora 180J solda*
dos, 75- o marinheiros, e 213 peças.

Esquadra de Castella.
Seu General D. Diogo Flores de Valdez
Galeão S. Chrisrovão, em que hia Valdez, de 70c*
toneladas, 205^ soldados, 120 marinheiros, e 36 peças,
Gahao S.João Baptista, de 560 toneladas, 207 solda»
dos, 136 marinheiros, e 24 peças.
Galeão S. Pedro, de 5^30 toneladas, 141 soldadosy
131 marinheiros, e 24 peças.
Galeão S. João, de £30 toneladas, 163 soldados;
113 marinheiros, e 24 peças.
Gdeão S. Tiago Maior, de 5-30 toneladas, 2 IO
soldados, 132 marinheiros, e 24 peças.
Galeão S. Filippe , e S. Tiago , de 5-30 toneladas;
151 soldados, 116 marinheiros , e 24 peças. 1
Galeão Ascensão, de j 30 toneladas, 199 soldados,
114 marinheiros , e 24 peças.
Galeão Stnhora do Rosário, de 5:30 toneladas, icj
soldados, 108 marinheiros, e 24 peças.
Galeão S. Miguel , de 5:30 tondada9, 160 solda
dos, rol marinheiros, e 24 peças.
Galeão Santa Anna, de 2?o toneladas, 01 soldar
«tos,a8o marinheiros ,. e 24 peças»
80
» N4o Senhora N. , de 800 toneladas, 174 «oídjdoí,
I23 marinheiros, e 24 peças.
Não Trindade, de 872 rondadas; 180 soldados,
I22 marinheiros, e 24 peças.
Náo Santa Catharina , de 882 toneladas, 190 sol
dados , 15" 9 marinheiros , e 24 peças.
Nio S. João Baptista , de 652 toneladas, 192 sol
dados , 93 marinheiros , e 24 peças.
Patacho Senhora do Rosário, de 180 toneladas,
20 soldados , 15 marinheiros , e 14 peças.
Patacho Santo António de Pádua , de 170 tonela
das , 20 soldados, 46 marinheiros, e 12 peças.
Total da força desta Esquadra : Dez Galeões , Qua
tro Náos, e dois Patachos, contendo 8776 toneladas,
com 2453 soldados, 1719 marinheiros, e 374 poças.

Esquadra da Andaluzia.
Seo General D. Pedro de Valdez.

Não N. , em que hia o General, de n$o tonela


das, 304 soldados, 1x8 marinheiros, e 46 peças.
Náo S. Francisco, de 915: toneladas, 222 solda
dos, fó marinheiros, e 21 peças.
Náo S. João Baptista, de 8Ò0 toneladas, 218 sol
dados, 89 marinheiros, e 35" peças.
Náo S. João Gargarim, de 569 toneladas, ióf
soldados, fó marinheiros, c 16 peças.
Náo Conceição, de 862 toneladas, 18? soldados,
e 20 peças.
Urca Duqueza , de 900 toneladas, 280 soldados,
77 marinheiros, e 23 peças.
Náo Santa Catharina, de 730 toneladas, 231 sol
dados, 77 marinheiros, e 23 peças.
31
Nab Trindade, de 6?o toneladas , 192 soldados»
74 marinheiros, e 15 peças.
Náo Santa Maria do Juncal, de 730 toneladas,
228 soldados , 80 marinheiros , e 10 peças.
Náo S. Bartholorneu, de 976 toneladas, 240 sol
dados , 72 marinheiros, e 27 peças.
Patacho Espirito Santo, de 160 toneladas, 31 sol
dados, 33 marinheiros, e 10 peças.
Total da. força desta Esquadra : Nove Náos, luima
Urca , e hum Patacho, contendo 8442 toneladas, com
3296 soldados, 803 marinheiros , e 25*4 peças.

Esquadra de Guipuscoa.

Seu General D. Miguel de Oquendo.


Náo Santa Anna, em que hia Oquendo, de 1209
toneladas, 303 soldado*, 82 marinheiros, e 47 peças.
Náo Senhora da Roza , de 943 toneladas, 22; sol-»
dados, 64 marinheiros, e 16 peças.
Náo S. Salvador , de 958 toneladas, 621 soldados,
7J marinheiros , e 2? peças»
Náo Santo Estevão, de 936 toneladas, 196 solda»
dos, 68 marinheiros, e 26 peças.
Náo Sarna Manha, de 548 toneladas, 196 solda
dos , 68 marinheiros , e 20 peças.
Náo Sarna Barbara , de 525 toneladas, IC4 solda
dos, 451 marinheiros, e 12. peças.
Náo S. Boa-Ventura , de 379 tonelada?, *68 solda
dos , <; x marinheiros, e 2*1 peças.
Náo S. João, de 29.1 toneladas, 110 soldados, 30
marinheiros, e 12 peças.
Nao Santa Cruz, de 680 toneladas > 138 soldados t
36 marinheiros, e 18 pegas»
t Náo Aurèa Donzella , de ebo toneladas, T$6 sol
dados, 32 marinheiros, e 16 peças.
Patacho Assumpção, de 6o toneladas, 20 solda
dos, 16 marinheiros, e 9 peças.
fc.T Patacho S. Bamabé, de jo toneladas, if marinhei
ros , e huma peça.
• . Pinassa Senhora de Guadalupe , de 5-0 toneladas,
14 marinheiros; e huma peça.
Pinassa Magdalena, de 50 toneladas, 14 marinhei-
los , e huma peça.
Total da força desta Esquadra : Dez Nios , dois
Patachos , e duas Pinassas , contendo 7170 toneladas,
2064 soldados, 607 marinheiros, e 235" peças.

Esquadra de Levante.
Seu General Martin) de Bertendera.
Náo Aragoneza, em que hia o General, de 1294
toneladas, 344 soldados, 80 marinheiros , e 30 peças.
Náo Laura, de 728 toneladas, 203 soldados, 71
marinheiros, e 35" peças.
Náo Santa Maria, de 820 toneladas, 33c solda-
dos, 84 marinheiros, e 35" peça*.
Náo S. João, de 800 toneladas, 270 soldados,
€3 marinheiros , e 26 peças.
Náo Trindade Valenceira, de noo toneladas, 281
soldados , 79 marinheiros , e 42 peças.
. : Náo Annunciada, de 703 toneladas, 196 soldados,
79 marinheiros , e 24 peças.
Náo S. Nicoláo, de 834 toneladas, 274 soldados,
Si marinheiros, e 26 peças.
Náo Juliana, de 860 toneladas, 32J soldados, 701
rlnheiros , c 32 peças.
Nilo Santa Maria d© Piza , de 666 toneladas, 236
soldados, 71 marinheiros, c 18 peças. . . \t
.]:.- $&q Trindade , de 700 toneladas, 307 soldados",
79 marinheiros, e 22 prças. • i. T<oLs.b
Total da força desta Esquadra :. Dez. Náos , con
tendo 8joj toneladas, com 17^0 soldados, 757 imri-;
nheiros , e 280 pejas. t j, i ■» t %«
-! •■> iòt , » ' .!i.*OI .' •'■.'• \P ■ * '.' r'i t:B>">
.:- '. >'' . 1 ' . *••"■ ' •: i«:k:. ?cbsb
r1'1!'» r-: Esquadra de Urcas (1). ' <-.'j\>
*»j.... 1 ;r. í; ■.'..:.'!%. ."■'.•:.'. . L „..-■ . - - . '.l".v.j1

Seu General João Lopes Mexia.


C. .' b!.,V ^ :■: •. '. --i
Grão Grifo, em que hia o General, de 650 tone*
ladas , 24.3 soldados , 43. marinheiros , e 38 peças. "
S. Salvador, de 650 toneladas,- 2-10- soldados, • 431
marinheiros, e 24 peças. •'.■ .:.....':. '*
Cão Marinho, de 200 toneladas, 70 soldados y 24
marinheiros, e 7 peças. 1 r<.
Falcão Branco Maior, de 5*00 toneladas, 161 sol
dados, 36 marinheiros, e 16 peças.
Castello Negro, de 710 toneladas, 239 soldados,
34 marinheiros, e 27 peças. ..:
Caza de Paz Grande , de 600 toneladas, 198 sol
dados , 27 marinheiros , e 26 peças.
S. Pedro Maior, de j8o toneladas, 213 soldados,
28 marinheiros , e 29 peçasi ,>
Samsão, de 5:50 toneladas, 200 soldados, 31 mari-:
nheiros, ò impeças,—1' • - -1 -•-•'■ — - : •■■ \"- :*
; . : & Pedro Menor, de. 5-00 toneladas, 1$ 7. soldados,
23 marinheiros, e 18 peças. ,;.., ; •, t;^i.. !i.. «..a

(1) As Urcas eráo navios grandes, mui bojudos do meio para van»
te, e esguios do meio para ré, de popa chata ; .o patino, c :i,astieação
como as Mãos.
Tomo 11. 5
Barca' de Âiicípe', de 4?o toneladas , 20Ò soldado?,
je marinheiros, e 26 peças. :•: . '.&
, Falcão Branco Menor , de 3C0 toneladas , 76 sol-
dados, 27 marinheiros, e 16 peças.
+: :Santo André, de 400 toneladas, 15*0 soldados Pcr-
tugttezes do Terço de Gaspar de Sousa , 28 marinhei*
tos, e 14 peças. ...... .' . ...... ■.. .
Casada Paz Pequena, de 3^0 toneladas, 162 sol
dados , 24 marinheiros, e 15- peças.
Cerco Voador, de 40Õ toneladas, 200 soldados
Portuguezes do Terço de António Pereira, 22 marinhei
ros, e r8 peças. .-..."
Pomba Branca , de 250 toneladas, ç6 soldados , 20
marinheiros, e 12 peças. \ •<— ,.-■> .«' i J . ';
Ventura , de 160 toneladas,. 5 8 soldados, 1^ ma
rinheiros , e 4 peças. ■ • *i ■■*'. 1
Santa Barbara, de 370 toneladas, 70 soldados, 22
marinheiros, e 10 peças.
S. Tiago, de 600 toneladas, 56 soldados, 30 ma*
íDnherros , e 19 peças.
David, de 200 toneladas, 50 soldados, 24 mari
nheiros, e 7 peças. - ■
Galgo, de 400 toneladas, 40 soldados, 22 mari
nheiros, 9 peças.
S. Gabriel, de 280 toneladas, 35- soldados, 20 mari
nheiros . e 4 peça.
Isaías, de 280 toneladas, 30 soldados, 16 mari
nheiros, e 4 peças.
Total da força desta Esquadra ; Vinte e duas Ur-
Cfls , conten.lo 9480 toneladas, com 2882 soldados, 583
marinheiros, e 361 pejas. ■ , .

is ■
1 • ,
35
"Esquadra âc Zabrasye Patachos. *V
Seu General D. António Furtado de Mendonça»
Patacho Senhora do Pilar de Saragoça , em que
hia o General, de 300 toneladas, 109 soldados, 51
marinheiros, 11 peças. 1 *
Paracho Caridade Ingleza, de 180 toneladas, 70
soldados, 36 marinheiros, e 12 peças.
Patacho Santo André Escossez, de 150 toneladas,
40 soldados ,' 19 marinheiros , e 3 peças.
Patacho Senhora do Porto, de 5^ toneladas, 30
soldados, 33 marinheiros, e 8 peças. -
Patacho Senhora da Conceição da Graça, de 70 to
neladas , 30 soldados,
Patacho Senhora 4a
da marinheiros,
Vigonha, dee 5100
peças.' — ,r>
tortcladas
ao soldados, 31 marinheiros, e 10 peças.
Patacho S. Jeronymo, de 5J toneladas, ao solda»
dos, 37 marinheiros, «4 peças.
Patacho Senhora da Graça, de J7 toneladas, io :
soldados , 34 marinheiros , e 5- peças.
Patacho Senhora da Conceição, de 75" toneladas,
20 soldados , 39 marinheiros , e 6 peças.
Patacho Senhora de Guadalupe, de 70 'tonelada»,'
ao soldados , e 42 marinheiros. -"I
Patacho S. Francisco, de 70 toneladas, 10 solda
dos, e 37 marinheiros. **rl
Patacho Conceição de Castro, de 70 toneladas, 20
soldados , e 17 marinheiros.
Patacho Senhora da Fresneda , de 70 toneladas^ 20
soldados , e 77 marinheiros.
Zabra Trindade, 23 marinheiros, e 2 peças. r '• 2
Zabra Senhora de Castro, 26 marinheiros, e 2
peças. , < '
Zabra Santo A-ndré, iç1 marinheiros, e 2 peças.
Zabra Conceição de Vai Maceda , 27 marinheiros % •
e 2 peças. 5 ii
Zabra Conceição de Soturna Riba', 31 marinheiro*.
Zabra Santa Catharina ,23. marinheiros.
iÊabra Assumpção, 23 marinheiros, e 2 peças.
Zabra S. Joio de Caraças, 23 marinheiros.
: Total da força desta Esquadra: Treze Patachos,
eoito Zibr.is, contendo 1321 toneladas, com 439 sol
dados, 646 nurinheiros, e 79 peças. ,.) •
-• »! '.•'■" '■■■'' n.-T: ; .
i 1 . j • - -• 1 1 o : . ' ;r ■ í •■.
Esquadra de Galcaças de Nápoles,
L r• ■ • . • ' » - -■-<"■ • ■ ■ •
Seu General Diogo de Moncada.
• "'■." > ■" ....*. 1 . ■ . • - '.
S. Lourenço, em que hia o General , 262 solda
dos, 124 nurinheiros, 300 forçados, e 5*0 peças.
S. Luiz, 178 soldados, 112 marinheiros, 30S for
çados y e fo, peça s* j .;
Gerona, 169 soldados , 120 marinheiros, 300 for
çados. ,.6,5:0 ipecas. >
Napolitana, 264 soldados, 112 marinheiros, 300
forçados, e 5*0 peças.
Total da força desta Esquidra : Quatro Galeaças,
com 873 soldados, de 46S marinheiros, e 1200 for
çados. ',:.< :
-:.:.:,: o; *:':> ' .: >: -■? ■.-.-■':■
Esquadra das Galés de Portugat» ■■ •• .e-í>
CS ... ' ' • '..- •-'-> . '■ "?.'-■ ':•:.■:
Seu General D. Diogo de Medrano.
Galé Capitanea , 106. soldados, 106 marinheiro?,
300 forçados , e c peçasJ -
£ Princeza, 90 soldados, 90 marinheiros, 300 força
dos, e 5" peças. -
Diana, 94 soldados, 94 marinheiros, 300 forçados,
c 5/ peças* '-7! ^r , «!>«< -< . ' . \ •.> •_•
r '.
vy "Harto, ?* rsòldados» 72 marirmeirot, 30a forçaÂ
dos -, e c peças., . .: 1 • '. ...u:; .k ..;•;,-.
Força desta Esquadra : Quatro Galés > cora 30&
soldados , 306 marinheiros , 1100 forçados, e 20 peças.
; - HiSò mais vinte Caravelas' carregadas , de- munições,
«bagagens, e doze Faluas para expedições das ordens
dos Generaes. .; .iavd
fii; Constava toda Ata "Armada de «fcnto e quarenta e
seirt velas (não- contando as Faluas), em que hàvião dezv
«nove desde trinta até cincoenta peças; e trintare no
ve desde 3(inre?:até<rrihra peças;<!>olmto tirsn«portie*?
e.iembaircações de força insignificante. Qs marinheiros,
que pbr bu ca calculo moderado devetiSó ser dezoito mil;
ní^:,pa»Éaráo: de .oito mil. homens, excluindo os das
Caravelas^ de que ignoro oi numero. Os forçados erâor
dojs mil e quatroceotofeí; a artillieria compunha«se de
dfljs atilo e i. quarr^ent^^^hhõe^i^jdpajiqàiaes' mil! 1©.
quinhentos erão de bronze^ e as munições» para. elles biar*
regul*ctas> a •cin$oebt»,'tirosrpor. peçajjtMqub seria •sufK-
ciente pap huoiã.(batalha*^ > , ™p , <;irv>[,;^ i.rní.sM »b
-, O Exercito;, ;de.> rransporte^de ;qos 'jera- Mestre! de
Cpmpo, Gençral ; D- Francisco de .Bobadilha., di»idia-sé*
ero^ cinco Terços Htspanhoes. e dois Vorruguezes, aque!*
les de vintô e seis Companhias, :e estes de cinco; eis aqui;
a.Ç>rç4;de cada hum. O ter^o de Ç>. Francisca de To•*
ledo, 2694 homens; o de D. Diogo Pimentel, 249?;
o deD^Nicoldo de Lnzon, 285*4; o de NieolaVrde \l\a t
2Ç8i\ e o de Di 'Agostinho Mexia, i^.''^0[,'Ter^p?
Pomjgiiez de 'tTaspXr . de Çouia '^fa 0*e rrtrí "fiòn^ens',.. el
Opirãest.uiz, Ferreira, ManoeLGibval, João ide Tri-.
{jueirosu-Manoel'Teiacei»*s ,1e Pedro Rodrigues de Ay.i-.
a: o Terço '■•<!<? António Pereira , de igtnl mimero de1
praças T, Tln.fiU íptó.'Çapít^es rVqja/rc Bor.'Vs de Sousa,
Gpnpaló Rodrigues ^ÇjaU«?ir:a 1 Domingos Zagatlo, Cos-
sae Êíabo , e Luiz de Uzeda. Servião como Voluntários
/
atrxaa' s»{a Y14 Aventureiro»,. 'e i83 Entrete&iJõs ,
quasi tudo pessoas da maior distincçao, com 619 cria-
•015; qinrnaJ òccasióes íinhâo exercido de soldados. O
corpo dos Artilheiros não excedia a ico homens, ccra-
mandado pelo Tenente General D. Affbnso de Céspe
des. Assim o total do Exercito era de 16^)335 com
batentes. ■•■»
o í -Os mriar d» ^uerfa-tinAâoide ^guímiçáo própria
trinta e duas Companhias de soldados com 3689 ho
mens , os quaes qua rrdo desembarcassem, - levar ião o Ex
ercito a pouco «mis de vinte mil homens (r)t ■-'
, A Repartição da Saode compunha-«e do Almiran
te em Chefe I>. Martinho- de Alarcão , hum Sub-inspe
ctor, quatro Curas, cinco Médicos,' hum Cirurgião Mor,
miatro Cirurgiões , cinco Ajudantes de Cirorgja , e ou
tros sessenta e quatro ' empregados. "Eráo CapeJJães da
Armada , e Exercito 151 Religiosos de virias ordens de
Heepanha, e Portugal . :.••*; »/td .h t's <o:-
A 17 dV' Ma jade; rfflo* whio de Lisboa o Duque
de Medina Sidónia , que devera ter saindo no principio
do roez , senão fora o embaraço que causou o inecpera-
do fallecimento do Marquez de Santa Cruz, acconteci-
do naquelle momento, cuja fatalidade fez dilatar aeí*
pedição. Honw tormenta que a Armada foffreo logo
depois da sua sahida, a metteo em confusão, e desor-
• *c' ,'."..• ' ' "'''.' o ; *' ' < • ■ *. ' í -•*
(l) Os Historiadores »nriáo sobre a força desta Arrnada , ji vjfue tt
deo o nome de Invencível. Hume dii, que se compcnlva de: 1 ;o nas, jt»,
em que entravlo perto d» too "Galeões-, maturei que lodos os que ali
afi se praticavão na Europa, çom ió{ô peças grossas de bronze, e 19^295
soldados. O Tridente Lritannicn afritiiu, q«w constara -èe i ia navios
glandes, com » 1 65 canhões, e 2i$;8o homem de tropas. Faria exetuin-
dp Caravelas , e Faluas, d á-lhe 1 20 embarcações, e quasi vinte mil sol
dados. António cio Couto de Castello tranco, assigna-lhe 1 %* navios,
ia Fahías, i8çJoJ7 homens.- Eu, Jeçui o Manuscrito, de que já fia men
ção, por conter noticias autherrticas tiradas dos Registos dos Aneáes
de Lisboa, e Cadiay o 'j\:.sn'c .*;Ij'jsU 'Ai íum j t uúirj ;uS
éenv, por fahâ éVdiioipiiM>- e donhecimeotos niuti'4
co>, e pelas ruins manobras; dei ião pesados navios,
guarnecidos de poucos . marinheiros , e muitos d'dlea
nul com mandados: em '> consequência todos se espalha
rão, seguindo diferentes ,,surnos, e algumas cm bar»
Cações de remo forão engolidas das ondasL A final reu-
ftio se a Armada no Porto da Corunha em meado deju*
nho. .-. :no ir. ítthr.l i .:"> ■v' t*-m : ~i :'
--.. As forças navaes, de que a Rainha Isabel podia,
dispor para resistira está invasão , reduzião-se a trint*
e quatro navios, de guerra ♦ dois -de mil toneladas^ e o
rf«to de qiiinhentías até cincoenta , os quaes levarão dó
guarnição £21 f homens, e 764 peças de arrilhcria. A.
pobrcsa da Coma { toda a isua renda. apenas chegava na-*
quslle cetnpaiai çoo<j>cqq librasesmluiasr)- rinha, malio*
grada ns ardentes desejo* desta jlLusJtrc.Prinçeza de au-
goientar a M irinha flLraJ ; e laie^se hoje asm reweza ,'
•sue D numero total dos marinheiros dos seus Estados- j
não chegava a i^fysoo homens. T:ío mesquinho era
aindi o seu-Commercio !• O perigo commum, e a Poli
tica de Isabel desperravão o enrhusiasmo da Nação; <f
aJém de copiosos empréstimos de dinheiro, rodas as Ci
dades miritimai apresta v.io navios á sua custa Londres
armou trinta e oito, guarnecidos de três mil homens;
outras Cidades armarão quarenta e três, com icol ho*
rxuns. Alguns particulares associados derao dezoito na
vios, com 820 homens , e quinze transportes carre
gado» de munições ; além de outras quarenta «■ tréfr
das. melhores, embarcações costeiras armadàsy '■€ ;tpipo*'
ladas com 2170 homens. Assim as forças de Ingl**
terra eacedfefo a 170 vasos •, e posto que a maior parte
pequeno*, com tudo mui próprios ípara insidiar ' a Ar«<
roada Hespanhola em hum canal estreito , cheio de bai
xos , sujeito 1 correntes viriaveis, grandes marés, e sú
bitas mudanças de vemos k de que os Hcspanhoes nãj
♦íhhío «pertencia. Os sot>crirro« dos HbJIandczes; e
Flamengos forao também de grande auxilio aos Ingle-
ics: aquellas duas Nações insurgidas contra a Hespa-
nha , tendo o- 'rtiaior interesse-- em que se mallograsse a
expedição^ arriarão duas Esquadras;" a primeiray com»
mandada pbr Justino de NJsiauy bloqueou os Portos era
que o Duque de Parma '■ajuntava' oiseu' Exercito ; e a ser
Sunda, combinou-se com outra Ingleza ás ordens JeLord
eymorir, formando ambas quarenta- navios, que se es
tacionarão sobre Dunkerke, e Newporr*rí'n »>■!<■ n :-^?;f>
o 3 .AvtRsMiha Isabel entregou o commando em chefe
dà sua Marinha ao Grão Almirante Lord Havard Et-
fifrigham, rendo debaixo das suas ordens Drake, Haw-
kinsj/e^ôpbibec^nos mais iiabeis 'marinhuros da sua
Kação ; e< para defender o Pâiz., BOíxaso-sde se realizar
o desembarque dos Hesp3nhdes.{',orgaBÍzou três Exerci*
{c^iQ^risavirq de vinrb.mil homens para 'guarnecer os
posaar^dà Costa mais 'expostos ; o segundo ric vinte e
QOÍ6 millniantesvéimilrcavaèlos; eommandado por Lord
Lticesten, '. que! -se ipostotuem Til bury , cobrindo a Ca^
pital^e.ó* terceiro de trinta -e quatro mil Infantes, e oii
mil Cavalios, ás ordens de Lord Hunsdon, prompto a
marchar onde fosse necessário.- Estas numerosas tropas
não inspiravão confiança aos homens sábios de Inglater
ra ; a sua esperança estava na Marinha.
-<. A U de Maio sahio das Dunas Lord Effingtam,
e- reunindo em Plyraout.h a sua Esquadra com a do Vi-
ce-Almirante Drake , partlo com perto de noventa na
vios, para cruzar entre Ushant, e Scilly, c dar bataJAa
aos HespânhoeS. .-■>,, •■ • ,i c.\\! f.
i^A noticia da wibada destes á Corunha chegou a Zn-
glaterra com circunstancias tao exaggeradas, que a Rai
nha Isabel se persuadio, que a expedição não teria Jo
gar, neste anno, e o seu génio económico lhe fez expedir
qr&Q8, ao Grão Almirante para desarmar alguns dos
41
maiores navios , mas este respondeo pedindo licença pa*
ra conservar todos armados , mesmo á sua própria cus
ta ; e como pelas embarcações ligeiras, que trazia de
observação, lhe constou não haver noticias da Armada
Hespanhola, resolveo-se a ir buscalla á Corunha, para
a atacar antes que se refizesse das suppostas avarias , que
se dizia haver soffrido. Em consequência , sahio a 8 de
Junho com vento Norte , e chegando no dia 10 a qua
renta léguas das Costas de Hespanha, foi com certeza
informado, que os Hespanhoes não tinhão padecido gran
de estrago: aproveitando-se então de hum vento Sul,
voltou immediatamente a Plymout , e ancorou a 12.
Entretanto o Duque de Medina Sidónia largou da
Corunha , e tomando hum pescador Inglez, este lhe dis
se , que a sua Armada tinha andado no mar, e saben
do da tempestade, que espalhara a de Hespanha, se
recolheo a Plymout, onde os navios se estavão desar
mando por se julgar que a invasão já se não verificaria
aquclle Verão. Sobre esta noticia pouco exacta parece
que o Duque formou o projectov de destruir os lnglezes
naquclle Porto, a fim de ficar senhor do mar, e operar
depois livremente, posto que as suas Instrucções lhe or-
denavão , que corresse o Canal encostado á Costa de
França até chegar ao Passo de Cale, e se ajuntasse ali
com o Duque de Parma , que devia sahir de Newport
com o seu Exercito embarcado nos transportes já prepa
rados ; e que evitasse nesta viagem toda a acção decisi
va com a Marinha Ingleza , no caso de a encontrar.
Os Hespanhoes avistarão quasi ao pôr do Sol o Ca
bo Lizard, e tomando-o pela ponta de Ram-Head , que
lhes ficava quarenta milhas mais a Leste, e he próxima
a Plymout , affastárão-se de noite para o mar, a fim de
virem no outro dia atacar os lnglezes. Porem hum Pira
ta Escossez, que cruzava no Canal, correo a Plymout a
avizar Lord Erllngham, o qual apezar do tempo contra-
Tomo II. -6
42
rio, trabalhou com tanta actividade, que tirou a maior
parte dos seus navios fora do Porto.
No dia 21 (outros dizem a 20) appareceo da ban
da de Oeste a Armada Hespanhola, navegando cora ven
to S. O. , e grande força de vela, formada em huma li
nha curva , que occupava hum espaço de mais de duas
léguas. Lord Effingham tinha neste momento debaixo
das suas ordens perto de cem navios, e deixando adian
tar os Hespanhoes, ficou a barlavento delles , determi
nando aos seus Commandantes , que evitassem toda a
acção de perto. Feitas estas disposições, seguio a reta
guarda dos Hespanhoes, e na sua Náo a Ark Rcyjl
rompeo o fogo contra hum grande Galeão , que julgou
ser a Capitanea inimiga, com a qual se bateo por al
gum tempo, sem resultado decisivo : o mesmo faziio
entretanto com vantagem Drake , Hawkins , e Forbi-
her contra os navios Hespanhoes mais atrazados , apro-
veitando-se da ligeireza dos seus próprios navios, que
manobrando melhor , podiao aproximar-se, ou retirar-
se á vontade; quando ao contrario as embarcações Hes-
panholas, mui alterosas , pezadas, e ronceiras , e cora
pouca marinhagem relativamente í sua grandeza , ma-
nobravao mal , e perdiáo a maior parte dos tiros , que
passavão por alto aos Inglezes , cujas embarcações erao
mui razas; e assim proseguirao hum combate em retira
da, em que perderão dois Galeões, hum da Esquadra
de Biscaia em que hia o pagador João da Guerra (com
muito dinheiro"), no qual pegou fogo por accidente ,
ou maldade de hum Artilheiro Hollandez ; e o outro,
que era a Capitanea da Esquadra da Andaluzia , que se
atrazou por haver perdido hum mastro abordando com
outro navio; e ambos fòrão tomados pela Esquadra de
Drake. Esta primeira acção durou duas horas.
O Duque de Medina Sidónia expedio D. Luiz de
Gusmão a participar ao Duque de Parma a sua entrada
43
no Canal, para qire se reunisse com elle, ignorando
achar-se bloqueado pelos Hollandezes. Ao anoitecer es
tava a sua Armada a quatorze milhas da ponta de Start,
e na manhã de z% a sotavento de Berry-Head , achan-
do-se a maior pane dos navios Inglezes mui longe pe
la sua popa , o que deo tempo ao Duque de Medina.
Sidónia para pór os seus navios em melhor ordem, £
dar algumas instrucções aos Commandantes.
A noite de 21 foi calmosa , e ao amanhecer do dia,
seguinte, estando o vento pelo Nordeste, e achandp-ae
os Hespanhoes pelo travez da Ilha do Wight, e a bar
lavento, arribarão sobre os Inglezes para os combater»
e salvarem o Almirante Recalde, que se havia atrazado,
com as Galeaças, e corria periga de ser cortado. Os>
Inglezes seguirão o seu sysrema de combater a certa»
distancia, pira evitarem as abordagens, que os Hespa
nhoes procura vão, e não podião conseguir dar-Ihes. Nes
ta acção , que durou todo o dia, e que não foi mais do
gue huma serie de combates particulares, o Galeão S.
Martinho sofFreo grandes avarias ; porém reunio a si O
Galeão de Recalde, e só foi tomada huma Galeaça*
que deo á costa.
A 24 nenhuma das Armadns procurou atacar a ou
tra : os Inglezes por estarem faltos de munições, e o»
Hespanhoes porque querião adiantar caminho, para che
garem a Galé : o Duque de Medina Sidónia expedio Ro
drigo Tello com outro aviso ao Duque de Parma , fa-
zendo-lhe as maiores instancias para que embarcasse o
Exercito, e viesse ajuntar-se com elle. O Duque come
çou com effeito o embarque, mas protestando não sa-
hir de Newport , sem que o mar estivesse livre da Es
quadra Hollandeza , que bloqueava toda aquella Costa;
pois que as suas embarcações de transporte não erão
feitas para combater; e seria a maior das imprudências
bir voluntariamente sacrificar o melhor Exercito da Mo
6 li
44

líarchla. A opinião deste grande General tinha sido,


que a Armada se apoderasse primeiro de hum Porro si
tuado no Canal da Mancha, em que se podesse recolher
Com segurança no caso de algum desasrre.
Os Hespanhoes , receando as correntes, que os im-
pellião com força para o mar do Norte, derao fundo a
7,7 a huma légua de Cale, e acharão-se na situação mais
perigosa, tanto por ser aquella porção do Canal semea
da de baixos, e alfaques , que os seus Pilotos mal co-
nhecião , e onde era quasi impossível que tantos navios
grandes podessera manobrar, como por estarem agora
cercados das forças navaes dos Ingle2es , e Hollandezes
de maneira, que Lord Effingham commandava cento,
e quarenta navios, e havia recebido grandes reforços de
munições , e de Voluntários, em que entrava a flor da
Nobreza de Inglaterra.
Na noite de 28 lançarão os Inglezes oito navios
Íequenos, cheios de matérias combustíveis, sobre os
lespanhoes, que vendo vir aquellas embarcações arden
do em altas lavaredas , cujo clarão alumiava ao longe os
mares, lembrando-se da famosa maquina infernal àx
ponte de Anvers , cortarão as amarras, e fizerão-se í
vela com sunma precipitação, e desordem, a qual au-
gmentou ainda com o vento, e mar que cresceo neste
instante. Cada Commandante seguio a direcção, q-ue lhe
pareceo: alguns navios abalroarão com outros x e desar-
vorarão; alguns encalharão pela Costa de França, e pe
los baixos do Canal. Ao amanhecer, havendo abonança
do o vento, appareceo a Armada espalhada, e derrota
da; neste estado a atacarão os Inglezes por todas as par
tes, e tomarão, queimarão, e metterão a pique muitos
navios ; e talvez escaparião poucos , se o Duque de Me
dina Sidónia, reunindo em hum corpo alguns dos navios
da Esquadra de Portugal, não resistisse bravamente, e-
protegesse o resto da sua Esquadra até ganhar o anco
radouro , que havia deixado»
4S
Nesfa desgraçada acção morrco D. Hugo de Mon-
cada, defendendo-se com o maior valor na sua Galea-
ça de muitos navios Inglezes , que o cercarão. O Mes
tre de Campo D. Francisco de Toledo, Commandante
do Galeão S. Filippe , atiçado, e abordado por algu
mas embarcações Hollandezas, e tendo já o Galeão tão
aberto, que se hia ao fundo, saltou na lancha com os*
teus mais intrépidos soldados, e rompendo por meio das
lanchas inimigas, salvou-se em terra. O Mestre de Cam
po D. Diogo Pimentel , Commandante do Galeão S.
Mattheus, defendeo-se por espaço de seis horas de mui^
tos navios Hollandezes, e por ultimo foi obrigado a
render-se , com alguns Officiaes Generaes que o acom-
panhavão. ' "_ '
«"„ Era já evidente que a expedição estava maílogratfa,
e que só restava salvar o resto: he o que resolveo fazer
O Duque de Medina! Sidónia rto dia 31 , intentando sa-
hir do Canal para Oeste : mas o vento , que começou a
soprar do Noroeste com aguaceiros pezados, o arrojou
para a Costa de Zelândia, onde Lord Effingham julgou
>nntil perseguiHó, dando-o por perdido; e assim lhe ac-
conteceria , se o vento não mudasse ao Sudoeste , a fa<-
ror do qual determinou o Duque, em conselho de Ge
neraes, navegar para Hespánha, rodeando as Ilhas Bri-
tannicas, por ser este o caminho único, ainda que mui
perigoso , que estava aberto.
Dous mezes durou esta infeliz viagem , em que as
tempestades, e a ignorância dos Pilotos na navegação
daquelles mares, acabarão a mina d'aquelfe Armada-:
muitos navios encalharão nas Costas da Escossia , e es
tes forão os mais affortuoados, porque EIRei Jacques
deo liberdade ás equipagens. Outros naufragarão na Ir
landa , cujo Governador fez passar á empada , ou enfor*
car os que escaparão das ondas. O Duque enrrou em
Saucandcr nos fins de Seiembro: o resto dos seus navios
45
tomarão differentes Portot: a percfa foi inlmensâ , saN
vando-se apenas cincoenta e três embarcações.
- . Desta épocha data a decadência da Monarchia de
Hespanha: nem Filippe i.\ nem os seus successofes
perceberão , que todos os seus esforços devião ernpregaf-
te em crear huma marinara tão poderosa, que podesse
defender as suas vastíssimas Possessões Ultramarinas, e
proteger o seu Commercio , que abrangia as riquezas do
Mundo. Mas a sua politica tomou huma direcção in
versa, enapregando-se toda em manter as guerras de Fias*
des, e as outras que forao a sua consequência ; de ma
neira, que este pequeno Estado foi o golfo, que engo»
lio as forças, e os thesouros da Monarchia, sem pro
veito para a Nação: porque os cabedaes que sahião delia
pafra Flàndes , AUémanha, Itália , e França, nunca mais
volt.iv.1o a Hespanha.
..- 1589 — A Esquadra da índia (1) foi de cinco Nãos,
commandada por Bernardim Ribeiro Pacheco, em a
Náo Madre de Deos-, e os outros Commandanres DL
João da Cunha, no Sajito António; Christovão Corrêa
da Silva, no S. Bernardo; Sebastião Macedo de Car
valho, na Nazareth ; e Christovão de Sousa, no Santo
Alberto. . l.
Sahio a Esquadra de Li»boa a 4 de Abril , c no
Caminho desappareceo a Náo Santo António; as outra*
entrarão em Goa no mez d'Outubro,
Era Janeiro deste ahno (2) sahio de Goa para Por
tugal a Náo S. Thomé, commandada por Estevão da
Veiga , na qual vinha de passagem o famoso O. Pado

(O Faria, Azia Pertuguera — Epilogo de Pedio Earreto — Divtw


sos sobre los Commercios -- Década 11 suppkrrrcntarra as de Couto,
cap. 11.
(a) Historia Tragico-Maritima, tomo a. — Década supptcmentarw
acima citada. . .

/■'
de Lima , com sua mulher D. Beatriz , e outras pessoa*
nobres. ■ *■
No primeiro tempo, que lhe deo, começou a Náo
a fazer agua pela roda de proa, a qual poderão tomar;
e chegando a 26o, abrio hurua muito maior nos delga*
dos de proa, e outra nos de popa, consequências do seu
máo fabrico; e ainda que ao favor do bom tempo, que
sobreveio, remediarão cm parte estas avarias, estando a 1 r
de Março em mais de 32 , oitenta léguas ao mar da Cos
ta do Natal , saltou o vento ao Sudoeste , que os obri
gou a virar no bordo do Norte, e crescendo o mar,
abrio a Náo tanta agua pelos mesmos logares, que em
breve teve seis palmos de agua no porão. Alijarão-se ao
mar quantos fardos e caixote* vinhão no convez, e em-
pregarao-se todos os individuos, sem excepção de pes*
soa, no trabalho das bombas, e gamotes; porém cres
cendo muito a agua, assentou-se em buscar a terra mais
próxima para encalhar , e correrão para cila em tra-
quete.
No dia 14 acabou de encher-se o porão, e entupi-
rão-se as bombas com a pimenta extravazada dospaioes;
mas á força de trabalho conseguio-se desentupillas , e
alijou-se ao mar toda a fazenda a que se pôde chegar
de que a Náo vinha riquíssima. No dia seguinte cobria
a agua os baileos do porão, e sendo o vento Sudoeste
de aguaceiros mui rijos, deixou o leme de governar, e
fez-se o panno em pedaços. Neste aperto , concordou-se
em deitar a lancha fora, para ao menos se salvarem os
que nella coubessem , por se fazerem perto da terra ,
que ao Sol posto foi vista; indo então correndo ao Nor-
iloroeste ; e como o Piloto se receava dos recifes da
Costa , seguio de noite o rumo de Nordeste , com
intenção de a vir buscar de dia.
A 16 pela manha não virão a terra, e tratarão
àe deitar a lancha fora, o que se fez com muito perigo.
48
e grande desordem, porque todos queriáo embarcar pri
meiro, e sobre isso se ferião, e matavão huns aos outros,
Porultimo a lancha, tendo já muita gente dentro, af-
fastou-se para fora, e foi tomar-pela popa da Não a
mulher de D. Paulo de Lima, e D. Joanna de Mendon
ça , Fidalga viuva y que trazia comsigo huma filha de
pito annos, que lá lhe ficou , pela não quererem largar
as suas escravas, apezar dos rogos, e lagrimas da tris
te mãi. O Padre Fr. Amónio do Rosário, Dominicano,
recolheo-se a nado, depois de haver confessado , e absol
vido a toda a gente, e a lancha começou a navegar com
cento, e dez pessoas, c poucos mantimentos, e agua;
ç como hia mui carregada , e contra as vagas que vi-
nhao da Costa , não pôde avançar caminho , e ama-
nheceo ao pé da Náo, na qual se fizerão entretanto al
gumas jangadas tão ruins, que apenas cahirao na agua,
se desfizerão, ou virarão; e nisto foi el la a pique à vista
dos da lancha, que nem hum homem salvarão delia , antes
deitarão ao mar alguns dos seus companheiros, por se
achar a embarcação sobrecarregada ; e sem outro desas
tre, abordarão no dia seguinte a hum pequeno Rio da
Terra dos Fumos, chamado então Rio de Simão Dore,
nome do primeiro Portuguez, que alli foi ter, situado
em 27o, 20' de Latitude, quarenta léguas ao Sul da Ba
hia de Lourenço Marques. Aqui deitarão em terra dois
homens para reconhecerem o Paiz, os quaes acharão
huma Aldeã de Cafres, que os tratarão bem , e os
acompanharão á praia, trazendo algumas provisões para
venderem aos da lancha ; e não a vendo , porque se ha
via levado para aproveitar o Ponente que ventava, mar
charão os dois Portuguezes por terra aré que acharão a
lancha, que estava surta, havendo-lhe acalmado o venta
Seguirão depois a sua viagem para a Bahia de Lou
renço Marques , onde chegarão a salvamento , e desem
barcarão na Ilha do Inhaca, que he deserta, e sem
água* , e si acharão algumas cabanas, que os Portugue-
za do navio de Moçambique, que andava empregado
no Commercio do marfim, tinhão construído para se
abrigarem. Aqui queimarão a lancha, com receio de
que alguns dos seus fugissem nella de noite para Sofala ,
c aproveitarão a pregadora, que lhes servia para compra
rem aos Cafres o que lhes fosse necessário: mas como per
derão o meio único que lhes restava para passarem á
terra firme do Inhaca, que distava quatro, ou cinco lé
guas , morrendo todos de fome e sede na Ilha, victi-
mas da sua própria ignorância , senão accontecesse te
rem os Cafres percebido o clarão das fogueiras, que
clles fizerao aquella noite, o que os induzio a virem
no dia seguinte em duas pequenas embarcações a saber
o que era; e poucos, e poucos transportarão todos á Al
deã do Inhaca , Regulo d'aquelle estado, e grande ami
go dos Portuguezes, o qual lhes forneceo alguns man
timentos," huns a credito, outros em troca de ferro, e
de géneros salvos do naufrágio.
O Conimandante Estevão da Veiga , o Sota-Pilo-
to Gaspar Ferreira, e outros onze homens resolverao-se
a hir por terra a Sofala, distancia perto de cem léguas-,
o que conseguirão á custa de grandes trabalhos, fo
mes , e sedes; e de Sofala passarão a Moçambique. O
mesmo projecto seguio, e realizou Fr. Nicoláo do Ro-
zario, com alguns outros indivíduos. D. Paulo de Li
ma, e o resto dos Portuguezes escolherão ficar nas ter
ras do Inhaca, onde morrerão muitos de doenças, c
necessidades, e entre elles o mesmo D. Paulo de Lima,
Official dos de maior merecimento e reputação do seu tem
po. Os que escaparão, embarcárão-se no anno seguinte
para Moçambique no navio do marfim, entrando neste
numero as três Fidalgas D. Beatriz, D. Joanna, e D.
Maria.
Tomo II. 7
..j^gç.-; A Rainha: Isabel (i), que aproveitava toda*
as occaMÓes de causar embaraços á Monarchia Hespa-
njiola , enviou este anno hum grande armamento contra-
Isisboa , onde o. Prior, do Crato affirmava ter muitos-,
partidistas , e que farião huma insurreição geral a favo*
dos seus imaginários direitos, á Coroa Portugueza, huma,
vez que fossem protegidos por alguma Potencia..
Consrava o Exercito Inglez de quatorze mil homens^
commnndados por Joao.Sir; Norris ; e a Enquadra de seis
navios de guerra, os únicos que Isabel forneceo á sua
custa , com 60$) libras esterlinas para despezas da et-.
pedição; e os aventureiros interessados nesta empresa
correrão com o dispêndio de outros vinte navios, qoe*
armarão em guerra , e cento e quarenta transportes. Era?
Almirante Sir Francisco Drake, cujas, equipagens che»
gavao a quatro mil marinheiros. Alguns navios- Ho!lan>.
dezes reunirão-se aos Inglezes, para parreciparem do
saque, e presas que se fizessem. O Prior do Crato em-
barcourse co.n o Almirante. Esta expedição hia mil
provida de viveres, e munições, cuja falta se começou
a. sentir no principio da viagem.
A. i-8 de Abril sahio de Plymout o AlmiranteDra*
kev e.a. 4 de Maio entrou na Corunha, esperando to
mar despojos, e viveres; mas ainda que commetteo
grandes, hostilidades, e queimou os arrabaldes, foi obri
gado a levantar- o cerco. da Praça; e d'alli seguio par»:
a Costa de Portugal, em cujo caminho se lhe rcunio o
ConJe de Essex , que levado do seu espirito audaz, e
romanesco, havia» sahido para esse rim de Inglaterra
com huma pequena Esquadra armada á sua custa.

(O Fatia, Europa Portufueza , tomo j. Parte 4. Cap. 4. — Tri


dente Britânico, tomo i. pa^. jo — Humc, Historia de Inglaterra,
tpmo 5. Cap. 4a.

1
""' A i(5 de Maio consegairao os* Inglezes desembar
car era Peniche-, que não estava em termos de faZeí
muita resistência , « d'aqui marcharão para Lisboa era,
nnmero de doze mií Infantes, e alguma Çavállariaj
sem achaTem opposifão -até «e alojarem fio arrabalde
de Santa Citharina. - **
Governava «o flerno de Portugal o Cardeal Archi-
duque Alberto, a quem Elllei Filippe avisou a tempo
dos projectos do inimigo-; e era consequência reunio el-
Je em Lisboa todas as tropas disponíveis ; e no Tejo
«chava-se D. Affonso Baçan com dezoito Galés bera
armadas, para auxiliar os Fortes-, que defendrão a err-
•trada , a qual não pôde, ou não quiz comrrietter o Al
mirante Drake, como devia, segundo o plano de cam
panha combinado entre eíle -e o General Norris, esco-
jh.ndo ames -entrcter-se em aprisionar navios neotrosj
que navega vão para Lisboa.
, O General Norris, vendo que a presença do seu
Exercito, não causava no Povo a commoção, que elle
esperava, segundo as promessas do Prior do Crato, é
não tendo artilhem de cerco para baíeT as muralhas,
falto já de munições , e ainda mais de mantimentos-}
que as tropas Portuguezas, batendo a campanha, lhe
não deixavão buscar, assustado também com a chega^
da de outra Esquadra Hespanhola de Galés-, determi^
nou em Conselho de Guerra retirar-se em quanto erâ
tempo, por não se expor a perder o Exercito. Felizmen
te Drake tinha ganhado Cascaes por traição do Go*
vernador , e alli se embarcarão os Inglezes com gran
de precipitação , e se dirigirão a Vigo., que destruirão*,
e o Paiz crrcumvizmho, e por ultimo chegarão a In
glaterra no principio de Julho, tendo perdido por doen
ças , fomes , e combates metade do seu Exercito ; e de
mil e cem Voluntários Nobres*, que nelle servião, ape
nas escaparão, trezentos e.cincoenta. E ainda a perda
7 ii
teria maior j-senão enconfrassenvttt yíagem 'a Esquadra
do Conde de Cumbfrland„.que lhes deo algumas proviíòes:
!yp0 — A 8 de Mato (0 partia dç.Lisboa Para a
índia o Vicc-Rei Mathias de Albuquerque com huma
Esquadra de cinco Náos, embarcado no Bom Jesus ,
cm que hia o Piloto Mór Vicente Rodrigues, huma da»
maiores Náos d'aquelle tempo: os outros Com mandan
tes erao, Lopo de Pina, na Nio Conceição ; João Lo
pes de Azevedo, na Santa Cruz v Pedro Gonçalves no
S. Joãoi e Álvaro de Paiva no S. Filippe.
As ultimas quatro Náos desta Esquadra arribarão
& Lisboa, só o Vice-Rei chegou a avistar a Costa da
índia, mas não a podendo tomar, nem menos Masca
te, ou Ormuz, surgio na Ilha de Socororá , e falran-
do-lhe a amarra, tentou hir a Moçambique, e as cor
rentes o levarão quasi sobre o baixo de João da Nova,
de que o livrou huma mudança de vento , e assim to
mou Moçambique a to de Janeiro de icoí, tendo per
dido por doenças a maior parte da genre; e sahmdo
d'alli em Março em algumas Galeoras, entrou era Goa
a ic de Maio; pouco depois chegou a sua Náo, que
ficara em Moçambique invernando*
A 19 de Outubro partirão para a índia, Ruy Go
mes da Gran, no Galeão S. Lucas ; Diogo Pereira Ti-
báo, na Na veta Santo Espirito > e Gaspar Fagundes, na
Caravela Santa Catharina»
O Galeão desapparcceo na. viagem ; a Na veta foi
tomada pelos Inglczcs ao terceiro dia da sua sabida,
só a Caravela chegou a Moçambique, e em Setembro
do anno seguinte entrou em Goa.
O Governador da índia Manoel de Sousa Coflt?»
nho, não vendo chegar este anno nenhum navio doRei-
(0 Epilogo de Pedro Barreto — Faria, Ásia Portugueza — Discursoj
soktt los Coajajercioj - Década 1 1 supplementário Capítulos 12, e 14.
no expedio para Portugal a N^o S. Francisco dos Ao*
jos, construida naqueUç; Estado , a qual se veio per
der era Moçambique. - • --■ . - r.t
', 1591 — A 4 de Abril (1) sahio de Lisboa a Esqua
dra da índia , cornmandada por Fernando Furtado de
Mendonça, embarcado em a Náo Madre de Deoj; .c
os Com mandantes das outras erão Sim?o Vaz Velho-,
do S. Bartholomcu ; Julião de Faria Cerveira , do S.
João; António Teixeira de Macedo, da Santa Cruz;
João Trigueiros, do S. Christovão ; e D. Francisco
Mascarenhas , do S. Luiz , com destino a Malaca.
Esta Esquadra chegou a Goa por todo o mez de
Setembro.
1591 — A Esquadra da índia (1) constou de cinco
Náos, seu Chefe Francisco de Mello, embarcado no
Santo Alberto; e os outros Commandantcs, Sebastião
de Alvellos , no S. Paulo ; Luiz de Souto , na Concei
ção; Nuno Rodrigues deTarora, no S. Pantaleão; t
'Braz Corrêa, na Nazareth.
Partio a Esquadra de Lisboa a 7 de Abril; e ar
ribarão com avarias ao Porto da sahida o S. Paulo, e
a Conceição* As outras Náos chegarão a Goa nos fins
de Setembro.
1592 — A 10 de Janeiro deste anno sahírão da ín
dia para Portugal as Náos Bom Jesus, S. Bartholomcu,
"Madre deDeos, Santa Cruz, e S. Christovão ;, esta
.ultima chegou a Lisboa a salvamemo.
O Bom Jesus , em que se embarcou o Governador
Manoel de Sousa Coutinho com toda a sua família,
naufragou nos baixos do Garajáos, sem escapar pessoa
alguma. O S. Bartholomcu desappareceo na viagem ,
(1) Epilogo de Pedro Barrei» — Faria, A*ia Portuguesa — D!<cur-
ios vhte los Conamercioj. — Década 11 supplemenraria , Cap. 14
(a) Ep togo de Pedro Earrera — Discursos srbre los Cowmerciofc
— latia, Ai» Ptitugueza, -, Dtead* »i. jupplenientaiia, Cap. ai.
^Mh '&W-se onde , n«m como; A Madre de Deoç, et
"Saiítá-Cfuz, chegahdoseparadas aos Açores, foráo en
contradas pela Esquadra Ingleza do Capitão Norton-,
■tfómposra "aè sete nàvros : o Cotnmandante da Sarna
^Grus , querendo salvar a gente, e a carga, encalhoa
ha Ilha das Flores nó cíiaf- 9 de Julho, e depois de d;$-
<mbarcar tudo quanto The foi possiveí, pôz fogo á Nío.
-A Madre de Deos, cercada dos navios Inglezes, se
•defendeo com valor desesperado por quasi hora e meia,
<e por último rendeo-se a 19 de Agosto a forças táo su
periores.
^ íjTo* '■— A Enquadra da índia (O foi este am» de
cinco Náos, commandada por D. Luiz Coutinho, em
barcado no SFHippe; e os outros Gommanda ntes eráo,
'João Lopes de Azevedo, nó S. Francisco; Lopo de Pi.
•na , no S. Bartliolomeu; António Teixeira de Msce-
do, no S. Christováo^ e Pedro Gonçalves no S. Pedro.
Sahio de Lisboa D. Luiz Coutinho a 4 de Abril,
e chegou com a sua Esquadra a Goa aos fins de Dezem
bro.
I5"93 —A 2 de Janeiro deste anno (2) partio deCõ-
-chim para Lisboa Francisco de Mello na Náo Chagas,
acabada de construir em Goa , e debaixo do>eu com'-
*mando vinhão as Náos Nazareth, Santo Alberto , e S.
Pantaleão. Esta ultima chegou a salvamento' a Portu
gal.
A Nazareth , Commandante Braz Corrêa, sahio
'♦de Goa tão sobre-earregada , que dando-íhe hum renjpo
-em -iy"- de Latitude Siri, abrió* tal quantidade d*igr»
«pelos delgados da pôpà , que «V niSo podia vencer ape
CO Epilogo de Pedro Barreto. — Faria, Asis Portu?ueza. — Dis-
. cursos sobça los ^mmrBercjos«ri)ecada ir. wppferaentafia ás de tto>
go do Couto , Cap. 27. „;. ,, t> , , j . . . . ..,, , .%
^--Ç*) Historia 1'ragioo-fllaritinia, tomo t. _ A mesma Decaia «ap«
plerneiitaiia, G.ipitujps,t(je 12 »á^„ , . . -. 1 , .. .\ ... -
*fi

jjar das diligencias do.Commandante, e mais Officiàes,


que erao dos melhores d'aquella carreira, e já trata^ãoj
de varar na primeira terra que achassem, mas a, finai,
loirarão Moçambique a 24 de Março; e descarrega ndcfc
9 Náo para ser carenada, a acharão tão comida do gusa
no, e podre, que ficou condemnada. . .,
A Náo Santo Alberto, commandada por Julião de.
paria Cerveira, vinha mui rica, e sobre-carregada, co
iro suecedia a quasi todas. Trazia de Passageiros Nu
no Velho Pereira, Governador que fora de Sofala , seu,
sobrinho Francisco Velho Pereira, Francisco da Silva,
João de Valladares Soutomaior, D. Francisco de Aze
vedo, Francisco, Nunes Marinho, Gonçalo Mendes de
Vasconsellos, António Moniz da Silva, Diogo Nunes.
Cramacho, Commandante que havia sido da Náo S..
luiz, António -Godinho, -Henrique- Leite , D. Isabel.
Pereira, viuva de Diogo de Mello Coutinho, Gover
nador de Ceilão,, com sua filha D. Luiza de Mello, de.
dezeseis annos de idade, e os Padres Fr. Pedro da Cruz,
da ordem de Santo Agostinho, e Fr. Pantaleão da de Si
Domingos, alem de entras pessoas de menos disfineçao.
Era Piloto Rodr-igo Migueis>; Mestre João Martins,, e;
Contra Mestre Custodio Gonçalves.
Com vento largo, e bonançoso chegarão á Latim»
de de to' Sul, ende a Náo>abrio huma agoa de pouca
cpnSjideraeão •, e em 27° passou, o vento ao Sul, o que
ebrigando a metter de lov augmenrou a agua, e para
maior desastre ferão tocarr n*. ponta do Sul da Ilha.
de S. kuurenço, em que aj Náo dto huma pancada,
fão forte, que rendeo o gorupéss,fi que logo se remediou*
Daqui navegando com bom, tempo , avistarão a 2.1 de,
JUarço a Terra do Natal; gore Jip JÇf' , e seguindo ao,
longo d'elja, estando no dia seguinte por 32", passou oven«t
to a Oeste bonança, com oqualvsraião no bordo do mar.
§í)bre a madrugada , cresce© * agua excessivamenfe,, <t
56
adiarão que entrava por baixo de huma caverna rtoi
delgados da popa. Fez o Coramandante conselho cora
<k seus Officiaes , e assentarão em cortar huma porção
da caverna , para se tomar a agua , o que com cffeito
fizerão, e conseguirão vedalla momentaneamente-, por
que pouco depois começou a fazer tanta , que em breve
servirão com oito palmos de agua no porão.
Armárão-se bombas, e gamotcs (já adverti, que
as Nãos não trazião ainda senão duas bombas) , e ali-
jeu*se ao mar quanto vinha no convez , e nos paices
d is" drogas , mas a agua crescia sempre , e ao anoite
cer tinha doze palmos d'ella no porão, e as bombas
entupírão-se com a pimenta. Nuno Velho Pereira, dan
do exemplo aos outros Fidalgos , e soldados , decoro
ao porão, e trabalhou com tanta actividade em encher
os barris dos ga motes , que isto foi causa de não hir a
Náo a pique. Ao amanhecer do dia 24 , vio-se a terra
perto com grande alvoroço de todos, e alijando ao mar
quanto vinha no castello, e na popa, largarão as ga-
vias , e a cevâdeira , hindo a Náo já arrastando as me-
zas pela agua. Nuno Velho, sempre acautelado, lem
brou ao Commandante que fizesse metter em pipas as
armas , e munições de guerra , que lhe serião depois
bèm necessárias , como succedeo.
Estando já próximos da Costa, mandou o Mes
tre cOrtar os mastros, os quaes em ca hindo, derão ou
sadia ^ murros homens para se lançarem sobre elles,
cuidando chegarião assim primeiro a terra; porém co
mo elles esravão aiudà presos por muitos cabos, que?
pela força , c confusão se não poderão cortar , vietão
contra o costado impellidOs das ondas do rolo da praia;
e alli acabarão muitos homens, huns afFogados, outros
espedaçados. Pelas dez horas da manhã encalhou a Náo
na distancia de quatrocentos passos da Costa ; e como
estava toda podre (segundo se vio depois quando »
87
qtitlha veio d praia ,,'que Nuno Velho arrancou peda*
ços. d'clla com numa ijengala ) despcgárão-se as cober-
ras superiores do resto do casco, e correrão até enca
lharem perto da terra. Deita rão-se logo ao mar, os
cjue melhor sabião nadar, alguns dos quaes se afFogarã©
atropelados da ressaca do mar, que rebentada bos pe
nhascos, e da muita madeira que boiava, Estavão en
tretanto no castello de proa o Commandante, o. Piloto,
e o Mestre com a maior pane da guarnição; e na pó»
pa Nuno Velho com D. Isabel , e sua filha , e outras
•pessoas distinctas, esperando alguma occasião opportu-
xia para desembarcarem a saWô , o que nas circumstan*
cias actuaes não era po-sivel. : :,•■ • .,
Chegada a noite, separou-se a popa da proa, e foi
eftcalhar nn praia mui direita : era isto na vazante, et
temendo Nuno. Velho , que quando voltasse a maré,
arrastasse para ora ar aquelle pedaço da Náo, mandou
a Diogo Fernandes seu criado, bom nadador, e animo
so soldado, com hum cabo na boca, o qual foi amar
rar a luins penedos; e depois desta manobra saltou se.n
perigo em t€«ra muita gente, Logo que a maré come
çou, ai encher, alando-stj o cabo , chegou-se a popa tan
to a terra , que na outra vazante, ao amanhecer do dia
2j , desembarcarão a pé enxuto Nuno Velho, e todas
as, Senhoras, Fidalgos, e soldados que alJi estavão (t).
Reunidos finalmente em terra os naufragantes, de
pois de darem a Deos as devidas graças, passou»se mos-,
Wa á guarnição, a qual constava no momento do naufra-.
gk) de ceHtft- e cinçoenta c-tres Portuguezcs , e cento e
noventa equajro escravos: achárao-se cento e vinte e>
cinco, dos primeiros, e cento e sessenta dos segundos ;
• ■-■. i ■ ■ '■•.ti .;•...:
■ (t~) O lo»ar ,. etn.qti« naufragou esta Náo, 'he chamado ainda -h^je
o fti*jrio da* Fomes, situado em n° *4' de latitude Sul, e diitan*
tcp«rt« de dktyhtpi-Jegtus ao Sudoetfe da ifubw da Alajoa.
Tomo II »
havendo por consequência perecido vinte e oiro Pôr»»
guezes, e trinca e quatro escravos. O resto do dia pas»
sou-se a enxugar o fato , e desça nçar do trabalho.
No dia 16 mandou o Com mandante ao Mestre,
e Contra-Mcstre com alguns marinheiros aos pedaços
da Náo, para recolherem os mantimentos, e as armas
que achassem, e mandou soldados pelas praias , onde o
mar hia arrojando muita coisa; e com effèito colhêrao-
se três barris de pólvora, que se refinou com hum bar
ril de vinagre; algumas espingardas, rodelas , e espa
das, caldeirões de cobre, e hum pouco de arro2; que
tu.lo se poz a bom recado. Para se defenderem dos Ca
fres do Paiz , intrincheirárâo-se o melhor que poderão;
e das ricas fazendas, que o mar botava em terra, 6ze-
rao barracas, em que se abrigassem do calor do Sol,
« do frio das noites, que he grande naquella Região.
No dia 27 determmou-se eleger novo Comman»
dante, e para este fim nomearão os soldados dez elei
tores, que forao o próprio Commandante da Náo
Julião de Faria Cerveira , Francisco da Silva , João
de Valladares Sootomaior, Francisco Pereira Velho,
Gonçalo Mendes de Vasconcellos , Francisco Nunes
Marinho, Fr. Pedro da Cruz, e Fr. Pantaleão. Os ma
rinheiros nomearão o Piloto, e o Mestre. A. huns e ou
tros eleitores se deráo amplos poderes , jurando todos de
haverem por boa a eleição que etles fizessem. Sahio efei
to por commum accordo Nuno Velho Pereira , que re
cusou , instando para qu»; se continuasse o cominando
a Julião de Faria, que sempre se havia comportado bem,
e oíferecendo-se a auxiliallo com os seus conselhos; mas
foi obrigado a acceitar ; porque todos protestarão , que
no caso contrario se dividirião em destacamentos, e ca
da hum seguiria o caminho que bem lhe parecesse. Es
ta ameaça , que posta em execução, causaria a ruina
de todos, venceu a repugnância de Nuno Velho, eju-

rando cumprir com as obrigações do setí noVon<5arg*^
recebeo o necessário juramento de obediência da guar
nição. -• , * ■»" •' ■ ».
De tarde foi o Mestre à Náo , e trouxe algumas
armas, e três fardos de arroz, que se entregarão a Nu
no Velho, a qual de noite mandou deitar fogo aorca$V
co, para aproveitar as ferragens, única moed.i com que
se commercêa naquelles Paizes. No dia 28 se colherão'
outras armas, dois fardos de arroz, hum barril de car-<
rir, dois de vinho, quatro de biscoito, alguns outros de-
aieite, e muitos de conservas; assim como hum caixão;
d» Julião de Paria com vinte e sete peças de prata, dez-'
esete de ouro, e alguns escriptorios cheios de rosários'
de cristal , que clle entregou a Nuno Velho, e poT or
dem deste se guardou. >'
Neste mesmo dia o Aircosse, ou Regulo do Paiz "
chamado Luspance, veio visitar Nuno Velho, acompanhan
do de sessenta homens, todos cobertos de capotes de
pellcs de bezerro com o pêlo pan fora. Alli lhedeo con-;
ta Nuno Velho do seu naufrágio, e o convidou com vi»s
njro1, e doce, de que o Negro folgou muito, e promet-
t«o mandar no dia seguinte hum1 dos seus para ensinar*
onde havia agua i de que os Portugueses tinhao neces
sidade ; e recebendo hum escriptorio- dourado da China, '
eihuma bacia de latão cheia de pregos, se retirou satis
feito , dando a Nuno Velho dois : carneiros , que logo
se matarão, e, repartirão ponodos;
No dia ao tratou Nuno Velho de organizar a guar
nição, dt; que encarregou Juliãoide Faria-, c em quanto
ao governo economjco, nomeou Provedor a Diogo Nd- '
nes Gramacho, e Thesourcrros o Mestre, e Ff. Pedro ^
aos quão* se entregarão todas 'as peças de prata, e ou- '
ro, e m ús coisas próprias para o commercio; e deter-
rainop , que todas a&commutações se fizessem com as
sistência de António Godinho , por ser mui experiente
8 ii
no traffto dos Gafreá Julião de Faria dividi© f>s solda
do? eiTk esquadras , nomeando paTa scilí cabos Francisco
da Silva, João de Valladares, e Francisco Pereira; e
dos marinheiros fez outras, tantas esquadras governadas
pelo Mestre, Piloto, e Contra -Mestre. Repartírão-$e
pelos soldados todas as armas, que se havião salvado
do naufrágio, e consistião em doze piques, vinte e se
te espingardas, cinco mosquetes, e algumas empadas, e
rodeias. Entregou-se aos Artilheiros a pólvora já r.-õaa-
da, a qual se metteo em bambus fosrados de couro; e
fizerão-se- sacos para levar, mantimento , e o cobre de
luima caldeira , e de seis caldeirões , que se reduzirão a
pedaços. Dos escriptorios, èi peças de cuio, e prata acha
das tio ça ixão, de Julião -de iFaria, fez este donativo
aos soldados, para as venderem no primeiro Porro a que
chegassem , e repauir.-?c por elles.ò seu producró, o
que se verificou citi Motámbique, aonde se venderão por
mil esencenros cruzados. Proverão-se também aqui de
agua para a jornada,; porque a terra he falta de fontes,
ainda que abuodaute de ribeira**- u:? s ,- ■ ■
-• A Jt de M*rço fez>se conselho sobre o caminho,
que se deveria seguir: o maior numero votou pelo ca
minho ao longo da Costa, porém Nuno Velho mostrou
com os. exemplos das. Náos S. Thomé , eS. João nau-
frag.idas na Terra dos Fumos, muito mais próxima da
Bahii de Lourenço Marques, que se devião evitar as
funestas consequências d aquelle caminho , em que at
guarnições das duas Náos. se consumirão com fomes,
redes, e doenças, tudo produzido pela ruindade, e ari
dez da parte marítima d'aquella Região; e que portan
to devião dirigir a sua marcha- pelo sertão, no que to
dos concordarão. Km huma ..secunda visita , que lhe§
fez Lispance,pediodj»e,Nono Yelho guias, que o cca-
duzissem aos Estados de outro. Ancosse visioho, as quaa
cite prometteo. , «.••■'. .. i>.
Nessa noirc manclou Nuno Velho dar hum rebate
falso, e ficou satisfeito da presteza, e actividade com
que todos acudirão a occup.ir os postos que llies esta-
vão determinados. No i.° de Abril mudou-se o Campo,
e foi occupar hum valle, onde chegou Luspance com
os guias, e duas vaccas, e dois carneiros, que vendeo
por três pequenos bocados de cobre ; e Nuno Velho, pa
ra imprimir nos Cafres hum salutifero terror, mandou
inatar as duas vaccas á espingarda , o que lhes causou
sai espanto , que o mesmo Ancosse fugiria, se elle lhe
jião travasse do braço. A muita agua , que cahio de
noite , não permittio começar-sc a marcha no dia se«
guinte, como estava determinado, porque foi necessário
enxugar as tendas , e o fato.
A 3 de Abril , pelas nove horas da manhã se poz
em -movimento o Arraial: hia na vanguarda Julião de
Faria com o Piloto, e hum guia, seguia-se Nuno Ve
lho com Luspance , e os outros guias ; e apôs elle o
resro da gente. D. Isabel Pereira, e sua filha hião em
catres aos hembros de escravos, assim como alguns
Fortuguezes feridos, dos quaes era hum Francisco Nu.
jies Marinho; e deixou-se alli hum Negro pequeno
com huma perna quebrada, dando algum cobre aos Ca
fres para o recolherem, e curarem, o que promewêrão
fazer. O Piloto, marcando a direcção do caminho que
seguião, achou que hia a Nornordcste. Era este camr-
»ho por huma fresca várzea eheia de feno, e marchan
do por el e de vagar, chegarão ás três horas a hum val
le, por onde coreia huma beila ribeira , que se com*
muni cava com hum Rio» e este eam o mar, e por con
selho do guia fizerãtj aqui o primeiro alto, alojando-se
ao longo da ribeira, e das espessas aiatas, que oceupa-.
vão o valle.
No dia 4, buscando váo para passar íiquclle Rio
(que era o do Infame ). encontrarão dois Negros, aos
quaes pedio Luèpance, que os guiassem ao seu Aacot*
se, e serião bem pagos, o que acceirárão ; e Nuno Vfc-í
lho deu a cada hum seu rpzario de contas de crista/.
^dosrrárao os Negros o váo, que se passou com agux
pelo joelho, por ser a maré vazia» Havia neste Rio
muitos, cavai los marinhos, c muitas adens; e passados
todos i outra margem , se despedio Luspance com os
seus Negros. Continuarão os Portuguezes a marcha com.
os dois novos guias por huma encosta acima , coberta
de espesso' a rvoredo, c do alto d'ella entrarão em huma
apr. zivel campina ladeada de outeiros, cheios de bos
ques, que 'h ia finalizar em hum monte alto, e redondo,
cuja subid) i;scançou muito. Como os guias declararão,
que o logar , em que perrendião pousar , estava muito
longe , mandou Nuno Vellio fazer alto em hum valle,
a que se desceo , onde havia muita lenha, e huma ri-
beira de excellente agua. Caminhárão-se neste dia doas
léguas ao Nornordeste, cuja direcção foi a mesma por
muitos dia$; dizendo os guias, que por ella achariáo
sempre povoado com mantimentos, agua, e lenha. Alo
jada a gente, pedirão elles licença para hirem aquelia
noite á sua Aldeia , e trazerem no dia seguinte algumas
vaccas, a qual Nuno Velho concedeo, promettendo com-
prallas por bom preço.
A 5 voltarão os Cafres com oiro vaccas, que vende»
rão por alguns pedaços de cobre. O caminho deste dia
foi por viçozau planicies coberras de feno mui alto, e
retalhadas de ribeiras ; e ao Sol posto fizerão alto ao
longo de huma ribeira sombreada de basto arvoredo,
onda matarão duas vaccas, que se repartirão por todos
em quinhóes iguaes, como se praticava sempre. De noi
te choveo muito, por ser já o mez de Abril principio
de Inverno naquelle Paiz ; e alli deixarão huma velha
escrava índia , que não podia andar.
No dia 6 caminharão pouco , por causa da chor? }
€3
'ainda que o caminho Toi como o antecedente por planí
cie abundante de pasto , e de agua ; e se alojarão ao
longo da ribeira , em que havia quantidade de lenha.
A 7 , depois da gente comer (o que se fazia de
madrugada), continuou-se a marcha, e avistando humas
casas , que pertencião aos dois guias, receosos estes de
que lhes damnificassem as sementeiras de milho, que
cercavão as suas habitações , tomarão outra direcção; o
que percebendo Nuno Velho, mandou publicar pena de
morte contra quem tocasse em alguma coisa pertencen
te aos nacionaes. Em consequência, tornarão a metter-se
no caminho, e forão alojar em torno das casas, onde
comprárío algum milho; e se expedio aviso ao An-
cosse , que habitava perto.
A 8 proseguiu-se a marcha por caminho igual*
mente bom, e pelas onze horas chegarão á Aldeia do
Ancosse, que os sahio a receber com alguns Negros,
e depois de cumprimentar a Nuno Velho, o foi acom
panhando, deixando atraz a sua Aldeia, de que mandou
vir três vaccas, que vendeo por nove bocadinhos de co
bre; e ás quatro horas da tarde acamparão em logar
farto de agua , e lenha , onde se despedio o Ancosse.
Matdr3o-se três vaccas, que se distribuirão da maneira
costumada. Aqui ficarão quatro escravos. Por estes cam-
•pos havia abundância de adens, perdizes, pombos, e
outras aves. ■
A o encontrarão huma pequena Aldeia cercada de
hum curral , em que havião cem vaccas, c cento e vin
te grandes carneiros : vivia nella hum velho com seus
filhos, e netos, os qua,es receberão alegremente os Por-
tuguezes, trazendo-lhes cabaços de leite , que á pressa
ordenharão. Comprarão-se-lhe quatro vaccas por huma
insignificante porção de cobre. Continuando a marcha,
acharão cinco Negros, entre os qtraes vinha hum cha
mado Ubabú, que era irmão do guia, que Lwpance
64
lhes den ; por cuja causa Nuno Velho o rrceheo cora
gazalhado. Ao meio dia tomou o Piloto a altura do
Sol, c achou estarem na Latitude de 3 a8, 6' , e terem
caminhado até alli dez léguas, segundo os rumos que
havi.no Seguido. A's quatro horas da tarde chegarão á
Aldeia de Ubabú , que os fez alojar junto á sua casa;
e lhes mostrou o seu gado, que consistia em duzentas vac-
cas, e duzentos carneiros grandes, e chamou as suas mu
lheres que erao sete, com sres rilhas, e alguns filhos, os
quaes todos bailarão, com outros sessenta Negros que se
ajuntarão. Acabada a festa ,mandou Nuno Velho distribuir
pcloí rapazes, e raparigas algumas contas de cristsl, e
outras bagarellas , de que satisfeitos os pais, prometrê-
rao quatro vaccas. Próximo a esta Aldeia se acamparão
os Portuguezes ao longo de huma ribeira, em cujas mar
gens abundava a lenha.
No dia to, havendo Ubabú faltado á promessa,
pedindo hum preço tal pt las vaccas, que não convinha
dar-lho, se pozerão em marcha, tendo somente obtido
huma vacca. De tarde fez-se alto junto de huma r. beira
povoada de basto arvoredo; e querendo o guia, irmão
de Ubabú, hir á sua Aldeia com promessa de volver
no dia seguinte, não o consentiu Nuno Velho, sem dei
xar outro Negro em reféns. _ . „•;*
A 12 passou Nuno Velho para. a vanguarda, por
que andava de vagar, e a outra gente poderia aturar o
seu passo. Ntstc caminho passarão perto de huma Al
deia, em que comprarão huma vacca, e forão acampar
em hum sitio- abundante de agua, e lenha. Eira ccsruW.
me dos Portuguezes metter de noite as vaccas fio meio
do alojamento, para que não as furtassem os Cafres; e
^íinha-se boa vigia -com os guias, porque costumao fugir
depois de pagos. Como os soldados hião cangados tios
-mosquetes, por serem mui pezados, mandou Nuno W
Jho,<:om -parecer, de .todos ,, ia njallo* na ribçir^ jt"-n
• r TCo dia ta marcharão por hum "retrénô pedregoso J '
ao qual sahírão os Negros a vender Jeite por pequenos
pedaços de pregos; e por isso foi breve a jornada deste1
dia; e depois de alojados, vierSo outros Cafres, que
venderão três vaccas por algum cobre , e hum delles se '
offereceo a servir de guia, a quem Nuno Velho deo a'
tampa de "hum saleiro de prata.
A 13, antes de começar a marchar, veio o filho de
bum Ancosse , -que morava perto do Campo , acompa- '
nhado de vinte e oito Negros, ao qual Nuno Velho dei- ■
tou ao pescoço a chave de hum escritório , pendente de l
buma cadeia de prata-, e o Negro disse, que vinha pe-*
dtr-lhe da psrte de seu pai , que passasse pela sua Af- '
dea , ainda que torcesse alguma cousa 0 caminho, ao
que Nuno Velho se recusou; e despedindo-se o Negro,
fugio com elle o Cafre, a que se dera a tampa do sa
leiro, e ficarão sem guia; em cujo caso (e em outros si-
milhantes) guiou o Piloto com a sua Agulha, dirigin-
do-se ao Nordeste. E subindo hum monte, acharão
bom caminho, e mui povoado,a <jue vinháo os Negros
com muito leite, e por três, ou quatro tachas de bomba
davão obra de seis canadas. Ao Sol posto chegarão a
hum grande Rio, que pareceo ao Piloto ser hum dos
três marcados na sua Carta , por aquella altura dosquaes
haviao já passado o do Infante , e este deveria ser o rer-
ceiro, chamado de S. Christovão; e não terem visto o
outro, seria por irem muito pela terra dentro, e elle
penerrar menos. Este Rio levava muita agua, e corria
mui furioso ; mas vendo-re que algum gado o atravessa
va hum pouco acima d'onde estavão, o vadearão naquel-
le lugar, posto que com trabalho, e molhados, sem ac-
cidente máo; c na outra margem passarão a noite, ac-
cendendo grandes fogueiras para se enxugarem.
A 14, seguindo a direcção, que marcava o Piloto,
por caminho batido, ao longo do qual haviao Aldeãs,
Tomo II. " 9
de?que sahiãVa- vender- leite? e htitnas fruetas sirrrHrtan-
tes.á melancias; sendo onze horas, e o Sol mui arderr*
te, descançárão junto a huma ribeira sombread-i de ar
voredo, onde veio hum Negro bem acompanhado, tra
zendo diante de si perto de cem vaccas; e por estas cir
cunstancias parecendo a Nuno Velho, que seria de maior
qualidade que os outros Ancosses, mandou estender Jiu».
ma. alcatifa fora do Campo, em que o recebe». Qniz
o. Negro saber quem erão os estrangeiros , e rtrpondeo-
lhe Nuno Velho, que eráo Vas.-a!los do poderoso Rei
de Hespanha , e elle seu Capitão; que vindo em huma
Náo para, a sua pátria, o deitara o mar naquellas ter
ras, as quaes lhe convinha atravessar para chegar ao-
Irjhaca , onde acharia embarcação em que partir. Apôs
isto pedio-Ihe guias, e mantimentos, e ambas as cousas
lhe outorgou o N-'gro. Os guias forão dois filhos seus,
com outros dois Negro?, eos mantimentos duas vaccas.
Nuno Velho deitou -lhe ao pescoço a mão de hum al
mofariz, e deo-lhe mais hum caldeirão pequeno, e hu
ma*. contas de cástal, e três rosários a três filhos seus.
Este Negro parecia de oitenta annos, chamava-se Víbo,
era de grande estatura, e mui azevixado. Sendo duas ho
ras, despedio 6e de Nuno Velho, deixando os dob fi
lho?; e caminhando por terra plana, alojárão-se aquclla
noite debaixo de humas arvores, junto a huma Aldeã,
onde com licença se retirarão os dois irmãos, ficando os
outros dois Negros, que também no dia seguinte se des
pedirão, receando o deserto.
A i-y , que era Quinta Feira de Endoenças, se co
meçou a marchar antes de sahir o Sol, por me o de for- )
mosos campos, e abundanres pastos; a travessarão- se duasr'
ribeiras, e ao longo de outra se alojarão; e matarão duas
vaccas, que se repartirão escaca mente, poupa ndo-se ou
tras duas, que ficarão pira o deserto que havião atra
vessar nos ires dias seguintes, conforme dizjão os Xe-
et
<gros. Aqui celebrarão a Festa , como lhes foi -possii
•yeK ■••■■.
A 16 chegarão pelas onze horas a hum brejo, on*
•de havia huma pouca de agua turva , e nenhuma som-
<brn ; mas ás. quatro horas passarão hum Rio largo com
agua pelo joelho, e na outra margem alojarão; e como
■o mantimento era pouco, aproveitarão-se de humas rai
ves similhantes a nabiças, que erão mui doces, e seàchá-»
irão por este caminho. Os escravos de Nuno Velho vi-
•nhão já mui canÇados de trazerem a Dona Isabel, e ia
jua filha; e por isso ajustou com dezeseis grumetes, que
por mil cruzados as levassem ao Rio de Lourenço Mar
ques, cujo dinheiro elle lhes pagou em Moçambique. .
A 17 subirão mui cedo com grande orvalhada a
Jium outeiro, e depois que sahio o Sol, subirão outros,
«pie! cançárão muito os Portuguezes, indo já quasi todos
descalços; e subindo , e descendo sempre por caminha
•batido, e ao mesmo rumo, ti verão a Festa á sombra de
bum denso arvoredo, por meio do qual < corria huma ri
beira. Descinçando nas suas margens, appareceo hum
:N?gro com duas mulheres, ao qual se mandou o Lín
gua, que o trouxe a Nuno Velho, e este lhe pedio fos
se seu guia, e lhe pagaria bem; de que el!e se eectF-
«00 por causa das mulheres que levava. Continuou por
tanto a marcha até ao Sol posto, que se fez alto ao pé
de bum monte , em que havia agua , e lenha. .
A a 8 subirão o monte, pelo qual acharão algumas
Taizes, e fruetas bravas, que comerão, eá sombra do
arvoredo se abrigarão da calma. Ao meio dia observou
d Piloto o Sol, e achou-se cm 31o de latitude, cuja no
ticia alegrou a todos. Proseguírão logo seu caminho, é
chegando ao cume de outro monte, não avistarão senão
campos : desertos , e alojaraor-se aquella noite onde ha
via agua , e lenha. Aqui se resolveo enviar na manha
seguinte quatro homens a hum.TOUteiro , que ficava ao
9 ii
Sul, e outros quatro a outro outeirov que demorava so
Norte, para examinarem se se descobria alguma Povoa
ção; e que entretanto se mudaria o Arraial para hum
valle, que distava, meia légua, em que se percebia bu~
ma grande ribeira; e nella esperarião por clles, como
•se fez.
A 19 partirão os exploradores ao amanhecer, e ás
dez horas voltarão os que forão ao Sul , que nada des
cobrirão; e ás onze chegarão os que forão ao Norte, e
disserão , que em hum valle não muito longe enxerga»
rão gente, e gado; o que causou geral contentamento.
Passada a força da calma , começou-se a marchar pek
margem da ribeira , buscando váo, que se achou, e pas
sado este com agua pelo joetho , subirão. hum monte,
em cujas fraldas se matou huma lebre, e do alto deli*
virão a gente, e o gado, que por ser já tarde , se hiáo
recolhendo para a Aldeã. Ordenou Nuno Velho, que
o Mestre com António Godinho, três soldados , e o Lín
gua fossem examinar o que era; e mudou o alojamento
para hum valle, a fim de o esconder dos Cafres, e não
os espantar com a vista de tanta gente. O Mestre, e
os seus companheiros , depois de marcharem légua e
meia, chegarão a huma casa já de noite. Gritou o Lín
gua, pedindo licença para chegar, e hum Negro, que
estava ao pé do fogo com sua mulher, e filhos-, o apa
gou logo, e sahindo fora , perguntou quem era ?. porque
no accento conheceo ser estrangeiro* Respondeo o Lín
gua , que erão huns homens, que elle folgaria de ver-, c
tratar; mas o Cafre, sempre desconfiado, replicou, qw
chegasse elle sd, o que o Lingua fez-, e depois de fal*
larem ambos, forão os Portuguezes adrnittidos. ria casa
daquella familia, que tornou a accender o- seu fogo, fl
es hospedou com leite. O- Mestre -deo ao Gafre min»
rosário de cristal, e lhe comprou hum Cordeiro, que lo*.
go. se matou , e. pôz a assar. Sobrevinda porém outra».
«9

«ore Negros, os Portugueses comerão A pressa,, e^das-


pedindo-se delles, voltarão para o Campo , onde entrá-
râo de madrugada. " ■ • , • - •- /•
A 10, com a certeza de lia ver povoado, se poze-
rào cedo a caminho, e ás nove horas se acharão ao pé
de hum monte, em que havião três casas, junto a hum
ribeiro, d'onde sahírão alguns Cafres a vender leite por
tachas de bombas; e sabendo o Ancosse, chamado Inhan-
cunha, da vinda dos Portuguezes, veio visitar Nuno Ve
lho, que » recebeo do modo costumado, dando-lhe hum
rosário de cristal , e oUtrasf.cbusas de pouco valor, de
que ficou tão satisfeito, que prometteo guias, e ofFereceo
huma vacca , a qual com outras seis que naquclla ma
nhã sencomprárão, forao logo mortas, e repartidas para
dois dias. De tarde comprarao-se mais dez vaccas por
pedaços de cobre, e ao Sol posto se despedio Inhancu-
nhn para ir esperar Nuno Velho na sua Aldeã , situada
no alto do monte.. < ii *
A 21 não se caminhou, para a gente ter tempo de
dercançar, e comprarão-se outras quatro vaccas,. e muito
leite, e milho. E como se soube pelas Aldeãs^ que es-
tav.lo alli Portuguezes, acudirão muitos Negros aos ver,
com os quaes ficarão dez escravos, receando a passagem
<jdeourro deserto. Nuno Velho, conhecendo quanto im
portava conservar o cobre, o ferro, e a roupa que hou
vesse no Arraial, par» se pagarem os mantimentos, e os
guias,. èguar<tar algumas peças melhores, com que pre
sentear os Ancosscs, por cujas terras havia transitar;. e
sabendo, que algumas pessoas, compravao mantimentos
sem ordem do Provedor, e Thesoureiro, com que se al
terarão os preços , mandou: faaer inventario de todo o
cobre, eferro, e mais géneros que havia, obrigando to
dos com juramento a: fazerem- declaração do que tinhão,
€ a entregarem tudo áquellcs dois Cfiiciacs, a fim de
;70
fjue se distribuíssem as cousas com igualdade,© 'se pou
passe m para as necessidades.
A ii pela manhã subirão o monte, em cujo cume
os esperava o Ancosse, que deo a Nuno Velho dois Ca
fres para o guiarem, e três para apascentarem, e do
mesticarem quatorze vaccas, que levavão, porque se n-
-panravão Com a vista dos brancos. Pelas duas hora»
-descerão o monte, e entrarão em terra plana coberta de
■grandes arvores, carregadas de luinia friicra amarella co
mo ameixas, e hum pouco acida , e desta ^fruetacomê-
-tfão, e levarão muita colhida de > huma só arvore. Passa
ndo este arvoredo, alojarão em hum campo abundante de
-ferio, e com huma ribeira próxima.
A 23 conrinuou-se a marcha , passando por muitas
Aldeãs, cujos habitantes venderão muito leite, e milho
por poucas tachas, e contas dé cristal. Sub ilo-se alguns
outeiros, e havendo atravessado huma ribeira com açoa
pela coxa, fizerão alto ás onze horas até passar a força
da calma , pdr irem cançados. Proseguírão depois sea
caminho, que acharão mui povoado, por ser a tCTra mais
fértil; e nos matos ha cravos tão aromáticos, e yerae-
• lhos como os 3e Portugal. Ao Sol posto acamparão jna-j
to de huma pequena Aldeã, em que havia lenha, e agua ;
é de noite sobreveio huma rija trovoada de Oeste com.
muita chuva.
A 24 de madrugada subirão hum alto monte-tium-,
do defronte do alojamento, e delle descerão a huma cara
bina cheia de povoações, pela qual caminharão aré ás
onze horas, que chegarão a huma ribeira, que corria cm-
tre penedos, á sombra dos quaes passarão a calwwu Aonu
os vierão ver muitos Negros com tnulheres, * meninos,.
que os festejarão bailando, e cantando r quasi rodo» erío
fulos , e bem dispostos , e derão imiito leite, e bolos àc
milho a troco de poucas tachas* DecUhando o Sol, mar
«r
•hárãcros Porttrguezespelo- mesmo< campe , r cfiegtmdo
a outra ribeira, se recolherão a passar a noite debaixo
de grandes arvores sem fructo, levando vinte e-duas vac-
CflS.
A 2C começarão a subir huma montanha , a primei*
r« de ta jornada , e chegando ao cume ás nove horas,
achárqo huma AJdea; e descendo â huma campina , ca
minharão por entre casas até I um grande Rio, em que
hnviao muitos cavallos marinhos, e os Negros dizião*
ser a mesma ribeira que deixarão aquella manhã, que fa
zia muiras voltas. Junto delle se assentou o Campo, ca'
troco de huma verruma , e alguns pedaços de cobre
comprarão beis vaccas. Hum dos Cafres dii-se ao Lingui ,
3 ue deixasse aquelle caminho, que por antigo, e cheio-
e serras estava em grande parte despovoado, e seguis
sem outro ao longo de humai serra, que ficava próxima ,
que não era tão ermo, e áspero. E?ta opinião parece©
bem ao Piloto, por ser mais conforme a sua derrora ; &
da ndo^-se conta a Nuno Velho, este deixou-lhe a escolha.
<Ja eleição. Pedirão-se guias aos Cafres para este cami-*
irho-, com promessa de boa paga , mas todos se recusa»
rSo, com temor do deserto que se havia atravessar. E'
para- entrar nelle ao outro dia , se matarão, e distribuí»
rio naquelia noite duas vaccas, e restarão vinte e seis
domesticas.
A 26, Ibgo que amanheceo, começarão a caminhar
jwra a serra , a • que os Negros ch.imão Mòxangála , a'
cual he mui viçosa, e tão abundante de agua, que em
dois dias, que a costearão, passarão vinte e três ribei
ras, de que três erão mui caudalosas ; e chegando ás1
quatro horas da tarde ao pé de huma elevação, se alo-'
járao. Aqui vierão quatro Negros visitar os Portu<nie-
2es, e approvárao o caminho que seguião. Pcdio Nu
no Velho guias ao maioral; dfe31és,. chamado Catina, c
por hum castiçal de latão ajustou de as dar;, e ficando'
aquetta hohe no Campo-, mandou dois dos seus a ond
ear vaccas para vender no outro dia , segundo dizia.
. . A. ±7 costearão a., mesma serra, e assomando etnia-1-
ma altura hum dos Negros, que havião ido buscar as
vaccas, senr as trazer, ffiiígio Càtina,r«xj outro seu com
panheiro- queria fazex«o mesmo, parem foi preso; e pas
sado o seu primeira susto, prometteo servir <ie guia pe
io mesmo "Castiçal, indo amarrado. Co.ntinuou-se a mar
cha ao longo da serra, ç passarão a calma á sombra de
huhs penedos, por meio dos quaes corria huma ribeira:
óje tarde marcharão ao. Nordeste, e ao Sol posto acaba
rão de passar a serra , e chegarão a hum Rio, que cor
ria impetuoso por entre hum grande bosque. Ao longo
ielle se estabeleceo o Arraial, e repartio-se mantimento
para dois dias.
A 28 passou-se o Rio por algumas pedras grandes,
que nelle. havia, e marchando por rena chã, encontra--
190 outra ferra, que vinha de Leste ligar-se com 2 de
Moxangála, e entre ambas se abria hum valle, qae cur
tia ao Nordeste com caminho batido: por este marcha-!,
rão em quanto durou o valk,e delle subirão outra ser-r
ra, em cujo alto se desatou o Negro, e atravessando dc-
salto hum regato, fugio. Ficarão os Portugueees sem -
guia , e depois que descerão do monte, e subirão outro
todo de pedra, perderão nelle o trilho do caminho. Avis*
tavâ-se d'alh huma campina coberta de cxcel lente .pas
to s e no extremo delia dois outeiros, que fica vão entre
duas serras; -c como os outeiros demoravão ao .Nordes-r
te, determinou o Piloto que se marchasse direito a d-,
les, esperando achar sabida. Assim se, fez; e alem des
tes outeiros se encontrou huma :ribeira ,• que corria por>
hum grande rochedo , ao pé do qual se alojarão sem
lenha ; e de noite soffrerão huma trovoada com chuva.
A 29 ao amanhecer se passou a ribeira por cima
dos penedos com agua pelo joelho. Alêna da outra mar
75
gem era o terreno chão , com montes altos de Jiiim^" ih
de outro lado, cobertos de grandes, e viçosas arvores :n
a ribeira dava tantas voltas por aquella planície, que
naquelle dia a atravessarão cinco vezes. Pelas onze ho
ras fizerão alto á sombra de grandes penhascos para*
passarem a calma , e abrandando esta , continuarão aVy
marcha, e forão-se alojar em huma penedia, em que
crescião algumas arvores, e ai li passarão a noite cora -
muita chuva , e vento. ' t
A 30 subirão pela manha hum monte, a que se'
seguia terra plana, e depois desta passarão huma ribeiv
ra caudalosa entre dois montes, a hum dos quaes fòrao
os Portuguczes na esperança de descobrir povoado, e não :
o vendo, tornarão a descer mui tristes por hum caminho
batido, que virão, e em hum valle, em que havia agua,
e lenha , se acamparão pelas três horas.
No primeiro de Maio metterão-se por hum bosque •
tão alto , e tão espesso , e oepado, que sendo o dia ven
toso, e chuvoso como a noite antecedente, não se sen
tia cousa alguma ; e ao longo de hum ribeiro , que o
atravessara , pousou o Arraial , com determinação de se
não fazer mais longa marcha, por causa do máo tempo. •
Tomou-se porém o Sol ao meio dia , e achou-se a lati
tude de 27o 5"3', noticia que alegrou a todos, e muito '
mais porque o Piloro aflirmava , que havião passado o
mais áspero, e fragoso daquelía terra , pelo que devião
esforçar-se os fracos a caminhar para se chegar ao Rio
de Lourenço Marques no fim de Junho, que era o tem
po em que delle partia o navio de Moçambique. Fun-
dava-se Rodrigo Migueis em que a latitude achada era
a do extremo da Terra do Natal (1), que he o ponto

(O Esta latitude da ponta do Norte da Terra do Natal concorda,'


com mrmo pouca differenta , com a que lhe assignão as melhores Car
tas modernas. Os Naufragantes havião caminhado até aqui mais de cem
Torno 11. 10
74.
mais alto de toda. a Costa , e por isso -ha naquella pa«
ragem grandes frios no mar» e muito maiores trovoa
da*.
• A z peta manha cessou o mio tempo , e marcha
rão por hum 1 encosta acima , da qual descerão a huma
{iranicie, e desta subirão alguns montes y e em hum del
es descançárão , sem adiarem agua : aqui ficou expiran
do Álvaro da Ponte , e no mesmo estado dois escra
vos, e huma escrava. Passada a calma, continuando a
marcha por hum longo valle, se achou huma grande
ribeira, junto da qual se alojarão já quasi noire. E ven
do o Piloto, que para o Nornordestc rica vão humas ser
ras altas cobertas de neve, determinou dirigir-se a Les-
nordeste, como fez na jornada seguinte.
O dia 3 foi mui trabalhoso, por ser necessário su
bir muitos outeiros, e hum monte alto, do cume do
quat se Virão para LeSnordeste quatro fumos, que mui
tos cuidarão serem de alguma povoação ; mas erão de
caçadores. Fez-se alojamento em hum valle, junto a hu
ma ribeira , em que abundava a lenha.
•i A 4 subirão hum pequeno outeiro coberto de feno
tão basto, e aho, que senão vião huns aos outros. Des
cendo delhe a huma planície-, acharão o mais caudaloso
Rio, que até alli havião encontrado: corria do Norte
ao Sul, e para se achar a váo, foi o Piloto por elfe a
baixo com hum companheiro, e o mesmo fizerão outros
dois homens por elle acima; mas o melhor váo, que se
encontrou, foi onde o Arraial estava, porque fazendo
naquelle lugar huma Ilhota , dividia-se em dois braços,,
e corria com menos faria. Passarão primeiro dois ho
mens com piques, na mão, d-ando-lhcs a agua pelo pei--
to, e voltarão outra vez para ensinarem o caminho. Or

legoas , sem alteração da boa ordem , e disciplina j caso bem. rato ea»
taes circunstancias I
ííenou-se fogo , que entrassem na agna os homens msrtf
fortes, e de huns' a outros se atravessassem piques, elpé-.
gados a elles passarão os mais fracos, e as mulheres*
Os doentes forão levados aos hombros nos catres de^Do-»
na Isabel, e de sua filha, as quaes atravessarão o Rio
levadas de braço por Francisco da Silva, e João de Va
ladares; e do mesmo modo passou Nuno Velho. Gas-
tou-se todo o dia nesta operação, e chegados todos à
outra margem, fizerão grandes fogueiras, em que seeaú
xugárão; e armando as suas rendas debaixo de copadas,
árvores, passarão assim a noite, havendo antes colhido
pelo mato muitos murtinhos, c maças de anafega.
A f , logo que amanheceo, subirão hum monte, e
depois outros , e passarão ;a -calma a* sombra de humas
arvores, refresca ndò-se eom-melancias que porolli havia.
Neste tempo apparecêráo três Negros em hum alto: man
dou Nuno Velho a elles hum escravo Seu , qae; "enten
dia" alguma cousa da lingua do -Pàífe, o qual o« trouxe)'
comsigo. Saudarão elles a Nuno Velho com palavras
differentes das -que usa vão os outros, e dtsserâo que o
povoado estava perto, e hum delles foi chamar outros
oito, que ficárSo dt-traz do -Outeiro. Reunidos todos
com os Portuguézes , e tencto diminuído a-icalma, cami
nharão de companhia, e sendo já t8fde, dlsserão>o*Ne-í
gros, que visto não poderem alcançar naq-áella noite o
povoado, pernoitassem nas- suas casas, o que parecer*
nem a Nuno Velho, e elles guiarão para hum valle mui-
fundo, coberto de mato espinhoso, que mais parecia ha-
biíaçãbde feras, que de gente, o que fez prevenir as ar
mas aos Portuguézes, suspeitosos de alguma traição. Com
tudo seguirão os Cafres, c entre huns altos, e ásperos
rochedos virão seis casaes, em que elles vivião com suas
mulheres ; e aqui se alojarão com a costumada vigia.'
Os Negros, vendo que lhes era impossível roubar
algum gado,- que era só- ò.que. intentavão) porque desse
10 ii
It.
etercicio, e da caça que matava©, J*e que viviáo aaqueíj
le deserto, temendo-se do castigo que mereciao, fugirão"
aquella noite IevaHdo suas mulheres, e algum milho
que tinliao, deitando somente nas casas laços, e arma»
dilhas. •
A 6 pela manha , descobrindo-se a ruga dos Ne
gros, mandou Nuno Velho, que o Piloto marcasse o
Caminho , e este o dirig-io a Leste ;, e tendo-se marcha
do algum espaço, sem se yer povoado, enviarão-se al
guns homens a dois montes^ que demora vau hum. a Les»
»e, e outro ao Nor.deste ; mas nem huns, nem outros
descobrirão cousa alguma. Coraeçaráo-se com isto a
amotinar os mais impacientes-, reprovando o caminho
do sertão, por deshabitado, e pudindo a vozes, que os le
vassem ao mar. O Piloto, e o Mestre lhes mostrarão,
que a sua derrota era a mais breve para o mar, o que.
sendo approvado por Nuno Velho, se aquietarão; e mar
chando por aquelle rumo-, derao cm hum caminho tri
lhado, que seguirão de vagar até á noite, que se aloji-
são ao longo de huma ribeira , em que havia pouca le-
»hav e muito feno.
r No dia 7 caminharão toda a maahã por camioJk»
seguido , que perderão de tarde em hum valle, e torna-
são. a achar outro em hum- dos montes, que subirão,
tendo visto ao meio dia de longe dois Negros , que fu
girão. Passourse a noite ao meio de hum bosque sem
agua , onde se acabou o deserto, havendo ainda, no Ar
raial doze vaccas.
-- A 8,. começando a caminhar, encontrarão quatro*
Negros-,, que com outros muitos já- tinhão descoberto-
aos Portuguezes , mas não ousavão chegat-se. Mandou
Nuno Velho a elles António Godinho com o Lingua.
António, e dando-lhes huns pedaços de cobre, vierão
ao Arraial mais de cincoenra, e os principaes derão boas
informações da fertilidade ,. e povoação do Paiz i e che-

/
gartdo ao ponto, em que o caminho se dividia em dois*;,
que conduzião a duas diffcrcrhes Aldeãs, disputarão en
tre si os Cafres a qual dcU.es iriao primeiro os Portu-
guezes-, porém socegarão-se com alguma cousa que se
lhes deo, e a certeza de que se comprarião as suas vac-
cas , c logo todos cantando, e bailando se encaminha
rão para hum valle de muito arvoredo, e agua, onde
por ser já tarde, e a Aldeã ficar dalli meia légua, se
assentou o Arraial. Mas os Negros concorrerão com
muito milho, legumes, leite, e manteiga, que venderão
por poucas tachas, e pedaços de pregos. Estes Cafres
erão bem dispostos , e mais verdadeiros , e azevixados
que os outros do Sul, e entre elles vinhão alguns man
cebos vestidos de esteiras de tabúa, que he traje de mo<
ços nobres. Pelas duas horas depois da meia noite che
gou hum Negro chamado Inhanze , filho do Regulo
daquclle Paiz, com huma vacca de presente a Nuno Ve-
Jho; e hum recado de seu pai, em que se desculpava de
não o vir logo visitar, o que faria pela manha. Nuno
Velho respondeo agradecendo o obsequio, e deo-lhe hum
pedaço de cobre, e hum prego, com que se foi conten
te.
Parcceo conveniente a Nuno Velho demorar-se nes
te valle os dias 9, e 10, tanto para a gente descançar
da jornada , como para se prover de vaccas. O que sa
bido pelos Cafres circumvisinhos , trouxerão muita fari
nha, gergelim, leite, manteiga, gal linhas, e carneiros
em tanta quantidade, que sobejavão no Campo, e já não
havia quem quizesse comprar cousa alguma, sem ser ne
cessário matar vaccas , antes se comprarão mais vinte e
quatro por pequena porção de cobre. Pelas onze horas
chegou o Ancosse, chamado Mabomborucassobeta, a-
companhndo de cincoenta Negros de zagaias ,, trazendo,
çomsigo sua mai. Nuno Velho os recebeo com a devi
da cortezia ; e assentando-se todos três em huma alcali-.
9&
h , lhe retárou a historia do seu naufrágio , e concluía
dizendo, que por ter noticias suas, levadas pela fama, fi
zera de propósito caminho pelos seus Estados só a firrt
de o ver. Ficou o Ancosse mui vão com este cumpri
mento, e prometteo-lhe guias, e rúdo quanto houvesse
nas suas Aldeãs, o que Nuno Velho agradeceo dando-
Ihe a tampa de hum caldeirão, e hum ramo de coral,
fe a sua mãi humas contas de cristal. E sendo horas,
jantarão com elle, e ás três se retirarão com toda a sua
comitiva. O Piloto tomou a altura do Sol , e achoo 20*
45' de latitude.
A II partirão deste valle, a que derão nome da
Misericórdia , deixando nelle quatro escravos , c levando
dois guias, que o Ancosse deo a Nuno Velho, despedin-
do-se delle aquella manhã. Dirigio-se o caminho ao
Nordeste, e subindo hum monte, cuja descida era de
pedra, acharão no valle três Aldeãs, e passadas estas,
e mais hum ribeiro, e hum monte, em que comprarão
duas vaccas, chegarão já tarde a outro monte, e descen-
do»o por entre mato espinhoso, encontrarão huma serra,
que vinha do Nordeste ligar-se com o monte , no qual
lhes anoiteceo com grande escuro, e por isso não desce
rão ao valle, onde havia agua-, e acamparão sem cila.
No dia 12 acabarão de descer o monte ás dez ho
ras, e seguindo por hum valle sombreado de arvoredo,
vadearão luma ribeira com agua pela coxa ; e como nel-
Ja acabavão os Domínios daquelle Regulo, despedio Nu
no Velho os guias que trazia, e mandou chamar outro,
cujo nome era Mocongolo , a quem pertencia o Territó
rio em que se achava , o qual veio logo visitallo corrt
huma vacca de presente, e deixando-lhe outros guias,'
se retirou para o esperar na sua Aldeã. Continuou-se a'
marcha, e foi-se estabelecer o alojamento ao longo de"
huma fresca ribeira , que corria por hum valle entre úJ
tos penedos, cobertos de grandes, e copadas arvores.
79.

A 13 descançárao os Portuguezes neste ameno


sitio, c derão á ribeira o nome das Flores Formosas. .
A 14 partirão com dois guias, e fazendo alto pe-'
Ias onze horas debaixo do arvoredo , para passarem â
calma, vierão as mulheres dos guias com dois cabaços
de excellente manteiga, que venderão por algum cobre,
a que Nuno Velho accrescentou dois meios rosários de
cristal, com que ellas, e seus maridos ficarão contentis-
simos. E como não havia alli agua, bum dos Negros a
foi buscar a huma fonte, a primeira que os Portuguezes
rinhão visto na sua joraada. Passado o ardor da calma,
continuarão por hum bom caminho, onde comprarão
hum cabaço de favos de mel, que se repartio igualmen
te por todos i e pouco antes de anoitecer se alojarão era
hum fresco valle, mettido entre grandes rochedos, e po«'
voado de quinze Aldeãs, das quaes vierão muitos Cafres
com mantimentos.
A ic rodearão hum daquelles rochedos, dirigindo-
se ao Sueste, c passada huma ribeira, voltarão outra vez
para o Nordeste até «is dez horas, que estando descan-
Çando, vierão mais de quinhentos Negros com manti
mentos, aos quaes se comprarão seis vaccas, muitos bo
los de milho, leite, manteiga, e mel , a- troco de cousas
de pouco valor. Com estes Cafres vinha o seu Ancosse
Gogarabampolo, que apresentou a Nuno Velho huma
vacca , e hum seu filho outra , recebendo em retorno
dois pedaços de cobre, e dois pregos grandes*. Conti
nuarão os Portuguezes seu caminho por huma campina
coberta de alto feno, e alojarão-se junto a huma ribei
ra.
A 16 , em sendo manhã, continuarão a marcha , e
is 10 horas chegarão a huma pequena ribeira , em cujas '
margens haviao trinta Aldeãs, de que sahírão logo mui
tos Negros a ajudar os Portuguezes' a passar a ribeira.
Como as Aldeãs da margem opposta pertenciao a outro
80
Ancosse, veio este visitar a Ntino Velho com huma
vacca , e recebendo em retorno hum pedaço de coral ,
dois de cobre, e humas contas de cristal, deo licença
aos seus para venderem o que quizessem (que sem cila
não o podem fazer); mas como tardarão, adiantarão-se
os Portuguezes, e forão alojar-se era outro sitio abundan
te de agua , onde matarão das suas vaccas , como faziao
quando era necessário.
Postos em marcha a 17, como o caminho era bom,
andarão duas leguas até ás onze horas, e descançando,
virão em hum outeiro cinco Negros, aos quaes foi fal-
Jar hum dos guias, e logo vio o seu Ancosse, que esta
va escondido detraz do outeiro com cem Cafrts, rodos
de zagaias; e feitos os cumprimentos costumados, foi
Nuno Velho com e!le pela mão, e os Negros adiante
cantando até hum ribeiro, que se não vadeou por ser já
tarde. Havia da outra banda huma viçosa serra , e àss
Aldeãs visinhas veio muita gente a vender mantimento.
Deo Nuno Velho ao Ancosse hum pedaço de coral, dois
de cobre, e humas contas de cristal, em troca de huma
vacca, que elle lhe apresentou; e pedindo-lhe guias, as
deo logo. -
A 18 esperarão os Portuguezes até ás nove horas
pelo Ancosse, que chegado, ajustou se dessem aos guias
na sua volta três pedaços de cobre ; e pondo-se os Por
tuguezes em marcha por hum bom caminho , vadearão
huma ribeira , e subirão hum monte , em que passarão
a calma. Alli vicráo muitos Negros, e Negras de hu
mas Aldeãs visinhas, com bolos de milho, leite, e man
teiga ; e passada a calma , continuouse a marcha, e alo
jarão antes do Sol posto debaixo de grandes maceiras
de anafa carregadas de frueto, de que comerão, tendo
agua de huma ribeira, em que havião muitas adens. A
noite foi mui fria , e orvalhosa.
A 19 pelas oito horas da manhã se pozerao a ca-
61
minfio, e atravessando huma ribeira com agua pelo joe
lho , passarão a calma junto de outra cercada de mui
tas Aldeãs, das quaes vieráo Negros, a srender bolos de
milho, e leite. De tarde alojarão em sitio abundante de
agua , e lenha. A este tempo descerão de hum outeiro
cento e vinte Negros acompanhando a hum, que os
guias disserão ser o seu Ancosse. Nuno Velho o rece-
beo como tal, e dando-lhe conta do seu naufrágio, re-
spondeo o Negro (chamado Gimbacucuba), que também
elle estava perdido , e fora de seus Estados , que outro
Regulo visinho lhe tomara, matando-lhe muita gente;
e se recolhera naquella terra de hum seu parente. Nuno
Velho mostrou sentimento desta sua desgraça, e desejo
de o auxiliar, e perguntou-lhe as causas da guerra, e
com quem a tivera. Respondeo elle , que fora hum Ca
pitão do Inhaca quem lhe tomara as suas terras, e ma
tara a gente. E dizendo-lhe Nuno Velho, que mandas
se dois dos seus com elle, e faria com que o Inhaca lhe
restituisse o conquistado , pela amizade que tinha com
os Portuguezes, acceitou o offereci mento, e dando a Nu
no Velho hum cabaço de leite , e recebendo delle hum
pedaço de coral, e humas contas de cristal, se retirou
já de noite. ■-.•■ „ r.. •:
A 10 ao amanhecer se continuou a marcha, e a
pouco espaço encontrarão o mesmo Regulo, que os es
perava com três mulheres suas, e muitos Cafres. Assen-
tou-se ao pé delle Nuno Velho, e tornou-lhe a pedir os
dois homens, para que, se alcançasse do Inhaca a resti
tuição das suas terras , lhe viessem trazer a noticia. Es-
collieo elle dois, a quem fallou em particular ; e sendo
horas de jantar, se despediu de Nuno Velho, levando
huma peça de panno de algodão, que este lhe deo, a
qual repartio logo com as suas mulheres. A este aloja
mento vierão alguns Cafres doentes, e aleijados pedir a
Nuno Velho, que os curasse, offerecendo-lhe carneiros,
Tomo II. 11
. 82
e çaJjmqsyque tra^ião. Olhou elle para o Ceo, e di»
se-lhes, que só Deos ;tinha poder para dar saúde; e fa
zendo sobre elles o signal da Cruz, os despedic sem
acceitar os seus presentes. Passada a calma , caminharão
por entre muitas Aldeãs, que os receberão, cantando, e
ao Sol posto acamparão ao longo de huma ribeira , ha
vendo naquelln tarde atravessado outras sete. A noite
foi fria, e não acharão lenha.
A 21 pararão de madrugada para aquecerem com
O exercício, e caminharão por terra despovoada, como
succcdco nos dias seguintes, mas coberta de bons pastos,
e altas arvores, c tão fresca, que rodeando hum mon
te, vadearão muitas ribeiras; e ao largo de outra-, que
por huma longa planície dava muitas voltas, fízerão aU
to. Aqui vieriío muitas perdizes. •
A 2Z encontrarão huma serra, que para passar com
menos trabalho, guiarão os Cafres ao Noroeste > e as
sim caminharão até se alojarem.
A 23. voltarão para o Nordeste, e ora snbindo, e
òVscendo montes, ora caminhando por valles , e passan
do ribeiras, alojarão-se ao longo de huma; e matando
algumas vaccas para seu sustento , restarao-lhes ainda
trinta e nove.
■ A 24 choveo pela manhã> e em quanto a agua im
pedia a marcha, mandou Nuno Velho a André Martins;
çom o Lingua, e hum dos guias a pedir licença ao An-
cosse do Paiz em que entrava, para passar por elfe. A*s
dez horas levantou-se o Campo , e marchando peto pé
de hum monte por baixo de arvores espinhosas quast
huma legoa , encontrado duas casas, junto ás quaes fi-
zerão alto. Aqui veio André Martins com o Ancosse y
que Nuno Velho recebeo do modo costumado, e presen
teou com humas contas de cristal , prometrendo eíie
£uias, e tudo o mais que houvesse na sua terra.
« A *5> chegando os Portuguezes ás sqasAMeas, não
83

deo o Ancossc (que se chamava Uquine) mais do que


manteiga , leite , c bolos de milho , negando a. licença
necessária para se venderem vacças ; mas vendo. hMm%
gaTrafa de porcelana a Nuno Velho, deo por ella hum
grande boi, e com muira festa a pôz nos olhos y e de
pois os seus-nas partes do corpo, em que tinhao algu
ma dor, persuadidos de que dava saúde; e o mesmo,
praticarão os Negros daquellas Àldcas, que concorre
rão em sabendo que o seu Ancosse possuía aquella peça.
No dia zú foi útil aos Portuguezes este ajuntamen
to de Cafres, para atravessarem -huma grande .ribeMfftj
que era mui rápida , e dava a agua pela cinta. Chega-*
do9 á outra tnaTgem, se despedio o Ancosse, deixando,
dois dos seus para guias, e não consenti© que passassem
os outros, que trazião, nem os dois Cafres que íiiao ao
Inh.ica, por ser o seu costume não deixarem transitar
pelas suas terras os Negros das alheias. Depois de des
ça nça/em- aqui hum pouco, continuarão a marchar por
entre Aldeãs, de que saliio muita gente a vender man«<
timentos;-e sendo duas horas da tarde, alojarão onde
tinhao agua, e lenha, por estar ainda longe huma gran
de ribeira, que se avistava.
A 27 pelas dez horas chegarão a esta ribeira , que
acharão será mais caudalosa ,. e rápida que tinhao vis
to; porém não lhes faltou o auxilio dos Negros> porque
veio logo o Ancosse daquelle districto acompanhado de
trinta ; e passando-a hum delles com agua pelo peito,
conheceo-se a força com que a agua corria; e descon
fiando os Portuguezes de a poderem atravessar, buscou
o Piloto pelo mato alguma madeira de que faser jan
gadas, e achou-a tão pezada, que se hia ao fundo. Era
consequência, sabendo Nuno Velho pelo dito do An
cosse, que a ribeira baixaria no dia seguinte , por ser
o seu actual crescimento produzido da chuva de huma
trovoada, mandou acampar no mesmo lugar, c disse ao
11 ii
84
Ancosse, que viesse r/o outro dia com os seus para os
ajudar a passar. Estes Negros são mais eubiçosos, que
es outros que habitão par-a o Sul, e estimão mais os pan-
Bos; evendião huma vacca pelo preço por que se cotn-
Í>ravão até alli três. Nuno Velho, papa evitar que el
es intentassem algum insulto , deo ordem , que as vac-
éas, que se matassem para o sustento da gente, o fos
sem á espingarda. Com effeito, morta por este modo
huma , ficarão os Cafres espantados ; e o Ancosse , que
indo já em retirada , sentio o estrondo, voltou a ver o
que era , e sabendo dos seus o caso , pedio a Nuno Ve-
lho mandasse matar outra ; o que logo se fez. De que
elle maravilhado , tomou a espingarda , e dando-lhe mil
yoltas , disse , que pois matava as vaccas , também ma
taria os homens ; ao que o Língua respondeo , que a to
do tirava a vida ; e cora grande medo se recolherão to
dos á sua Aldeã.
O dia 2& amanheceo tão nublado, que se receott
chovesse, o que faria crescer de novo a ribeira. Mas dis
sipando o Sol as nuvens, e vendo-se por huma baliza, qoe
se havia posto, na tarde antecedente , que já tinha dimi
nuído palmo e meio, determinou-se atravessalla. Assim,
tendo chegado o Ancosse, escolherãe-se dez dos Negros
mais altos, que começarão a passar os moços ás costas*
Francisco Pereira , e Francisco da Silva , com alguns
Cafres, tomarão aos hombros em cokhas a Dona Izabel»
e sua firha, e todo o mais Arraial os foi seguindo. O ga
do custou mais a passar, porque não tomava pé; mas
hum Negro, puxando huma vacca por huma corda, as
outras a seguirão. Assentou-se o Campo na outra mar
gem, e pagou-se mui bera aos Negros o seu trabalho.
A 29 pela manhã mandou o Ancosse dois Negros
para servirem de guias , e logo os Portuguezes se poze-
rão em marcha por hum caminho cheio de pedras, e cos
tearão huma serra grande , que ficava da parte do Nor
85

te, ao pé da qual (lies anoiteceo junto a hum ribeiro,


era que havia bons pastos, e muitas arvores.
Na manhã de 30 , marchando por hum similhante
caminho, encontrarão ás nove horas hum Negro, a quem
Nuno Velho disse, que fosse chamar o seu Ancosse.
Não tardou este muito a chegar com quarenta Cafres
armados de zagaias, rodellas, e adagas ; e feitas as cor-
tezias costumadas, forão todos de companhia até ás suas
Aldeãs , que estavão ao longo de hum ribeiro , onde se
estabeleceo o Campo. Havia aqui grande escassez de
mantimentos, por faltarem aquelle anno as chuvas, e
também por ser o Paiz estéril , de ásperos montes , e
grandes penedias, e arvores poucas, e espinhosas: assim
apenas se obteve huma vacca do Ancosse, e muito cara.
•A 31 acharão igual caminho, e a mesma esterili
dade, e acamparão onde virão sitio mais accommoda-
do.
No 1.° de Junho proseguírao a marcha, e como tra-
ziao dois grumetes atacados de diarrhéas de sangue, que
iá não podião andar, os deixarão encarregados a hum
Negro , a quem derão quatro pedaços de cobre pelos
sustentar os poucos dias, que poderiáo viver. Esta jor
nada foi por caminho menos fragoso, e passarão a cal
ma junto a huraas Aldeãs, onde comprarão huma vac
ca , e a II i mesmo pernoitarão, em razão de ir indispos
to Jurião de Faria.
No dia a, achando-se melhor Julião de Faria, ca
minharão com os guias que lhes de© o Ancosse destas
Aldeãs, despedindo os que trazião. Subirão ao cume de
huma serra, e descendo delia , acharão terreno plano,
e aprazivel\ em que encontrarão muitos Negros, e Ne
gras, que lhes davão espigas de milho, para que lhes
pozessem as mãos sobre as partes do corpo , em que
sentião dores, esperando curar-se com aquelle remedia:
«s. Portuguezes faziao-lhes o signal da Cruz, e cjles fi
86
cavão contentes, e pondose adiante da vanguarda, -hião
cantando. Alojarão-se no meio da descida de hum mon
te, por ser tarde -, e pouco depois vierão dois Cafres,
que apresentarão a Nuno Velho liuma vacca da parte da
viuva de hum Ancosse , o que elle estimou muito, e lhe
mandou de presente huma cortina de seda lavrada de ou
ro, e matizes, e três pedaços de cobre.
Na manhã de 3 se acabou de descer o monte, pas»
sou-se huma ribeira, que corria próxima á sua base, e
começou-se a subir huma serra na direcção do Norte,
no éimor da qual voltava o caminho ao Nordeste, caia
da que cheio de pedras, que fcriíío os pés aos que liiáo
descalços, marcharão até mui tarde, que acharão sitio
com agua , e lenha , onde se alojarão.
A 4 encontrarão algumas Aldeãs, das quaes sahírão
os Negros alvoroçados a abraçar, e beijar os Portugue-
zes, mostrando-se tão domésticos, que beija vão as cru
zes das contas. Assim de companhia chegarão a huma
ribeira, que ajudarão a vadear com grande prazer, e boa
vontade, que se lhes pagou com 3lgumas continhas de
cristal , c tiras de panno. Passou-se a calma ao longo
de huma sementeira de milho já maduro, cm que se não
tocou, e os Cafres o vendião a baixo preço , como ao
leite, e á manteiga. Passada a calma, e a ribeira, on
de havião exceilentes murtinhos, atravessarão huma pla
nície semeada de milho, e regada com as aguas- de ou
tra ribeira, que descia de huma serra fronteira, a qual
subirão, e alli encontrarão o Ancosse Panjana com trin
ta Negros. Rccebeo-o Nuno Velho como costumava,
e narrando-lhe os seus trabalhos, respondeo o Ancosse,
que lhe peziva muito d'cllcs, mas que era bom não
morrer; e que lhe forneceria guias, e mantimentos. Man
dou logo vir dois grandes bois, quatro carneiros, e hum
cabaço de leite, o que tudo se pagou com alguns peda
ços de cobre, e huma cortina de seda, de que ficou por
87

extremo contente, e acompanhou os Portuguezes até se


alojarem, promettendo voltar no outro dia com guias.
• A 5 cumprio o Ancosse o que promettera, e entre
teve os Portuguezes no Campo até ao jantar , vendendo
hum boi por três pedaços de cobre, e dando outro a Nu
no Velho, que lhe retribuio com humas contas de cris
tal , huma pedra de estancar sangue , e hum pouco de
bálsamo; e deo outro boi grande, e hum formoso car
neiro ao Piloto por bum frasco de vidro. Sendo já pas
sado o meio dia, marcharão por caminho plano, indo
com elies o Ancosse, que se despedio ao Sol posto quan
do se alojarão, e ainda mandou a Nuno Velho huma
vitela , e hum carneiro.
No dia 6 não vierão os guias, por temerem hum pe
daço de deserto y que se seguia, e por esta mesma causa
determinarão alguns Portuguezes separar-se dos mais, e
apressar a jornada ; de que avisado de noite Nuno Ve
lho, os socegou , convencendo-os de que se perderião
sem remédio em similhante empresa. E logo que ama-
nhecco começarão a marchar por boa terra até ás onze
horas, que fizerao alto ao longo de huma ribeira, onde
vierão muitos Negros como seu Ancosse- Malangana,
que vivia era humas Aldeãs arredadas do caminho, ao
<jual se comprou huma vacca por- hum pedaço de coral,
e dois de cobre. Pedio-lhe Nuno Velho guias, que por
causa do deserto não qniz conceder , porém apontou com
a mão a direcção que devião seguir ^ e marcada pelo Pi
loto com a Agulha , achou ser ao Nordeste. Retirados
,os Cafres, marcharão os Portuguezes até á noite, que
.se abrigarão em hum bosque-.
A 7 seguirão a mesma direcção por Paiz deserto.
A 8 pelo meio dia entrarão em huma serra mui
fresca, que se- dividia em duas- partes, huma hia ao Nor
te, e a outra a Leste, e entre ambas ficava hum com-
BEido valle. Na entrada deste andarão oito Negros quei -
88
mando o feno; aos quaes se mandou o Língua ; e indo
elles chamar o seu Ancosse, voltarão com elle jí em
numero de vinte. Estes Cafres andavao levantados nesra
terra , e vivião de roubos , e assim vinháo armados de
frechas, e zagaias. Fingirão elles ter longe a sua Al
deã, e encaminharão os Portuguezes a hum valle profun
do, em que não havia lenha, nem agua. Levava Nuno
Velho ao pé de si a hum destes Negros, e percebendo
que elle estava com intento de furtar alguma vacca, dis
se aos soldados, que estivessem á lerta. O Piloto, que
hia na vanguarda, conhecendo a mesma intenção nos que
o acompanhavao , voltou para traz, c após elle toda a
gente. Hum dos Cafres, metrendo-se entre as vaccas,
procurou desviar huma , porém recebeo na cabeça hu
ma pancada com a haste de huma alabarda, de que cahio
em terra, e todos outros Cafres deitarão a fugir, vendo
descoberta a sua traição. Os Portuguezes, continuando
sós a marchar, alojarao-sc quasi noite na serra com boa
vigia.
Na manha de 9 costearão a serra, que corria a Les
te, dirigindo a sua marcha a Lesnordeste, e sendo vis
tos de alguns d'aquellés Negros ladroes, derão estes gran
des brados, a que se ajuntarão outros muitos com zagaias,
e vierao descendo por hum outeiro para o Arraial. Nuno
Velho fez logo alto, e pondo a gente em ordem, conti
nuou a marcha. Os Negros também pararão ; e apar-
tando-se alguns, vierão á falia, e perguntarão quem erão,
e o que buscávão pelas suas terras. Respondeo-lhes o
Lingua do modo costumado , e assegurados por elle,
forão chamar o seu maioral, que Nuno Velho recebeo,
e presenteou com hum rosário de contas de cristal. Re
tirados estes, continuarão os Portuguezes o seu caminho,
e pouco adiante encontrarão sessenta Cafres, de que vie
rão a elles três, o mais velho dos quaes, depois que sou-
be do seu naufrágio , e o caminho que levavão , chamou
89

os outros dizendo, que viessem ver homens, que erão 6V


lhos do Sol , e o hião "buscar. Deixando todos elles as
armas entregues a hum dos seus, vierao a correr, e
ajuntando-se com os Portuguezes, caminharão até que
estes fizerao alto á sombra de hum bosque para passa
rem a força da calma. Aqui vierao alguns Negros com
milho, que venderão por contas de cristal, e tiras de
panno de cores; e veio também o seu Ancosse, no qual.
não achando Nuno Velho o gazalhado que esperava , e
percebendo nelle desejos de saltear a sua gente quando a
achasse desapercebida, avisou os Soldados que o acom-
panhavão, que preparassem os seus arcabuzes, e cada
hum marcasse o Negro a que queria atirar. O Ancos
se, percebendo esta determinação, dissimulou a sua r é
Huno Velho mandou que continuasse a marcha, e se não
fizesse caso deste Cafre , nem da sua Aldeã , pela qual
logo adiante passou. Ao Sol posto armou-se o Campo
em lugar provido de agua , e leiiha , onde vierao dois
. Negros de outras Aldeãs, que contentes com dois peda
ços de cobre, promettêrão voltar no dia seguinte para
servirem de guias.
A 10 amanhecerão os Negros no Arraial, e por sua di
recção subirão hutna serra; e ainda que dalli descobrirão
outras, os Cafres os levarão por caminhos, que diminuiao
a aspereza delias, e alojarao-se á noite ao pé da ultima.
A ii atravessarão aquella serra, indo a Leste, e a
Lessueste, e acabada ella , tornarão ao caminho de Les-
nordeste por bosques mui espessos de arvores altas, e
sombrias ; e descendo huma encosta , no fundo delia en-
rre grandes rochedos estavao humas casas, junto das quaes
se alojarão. Estes Cafres erão pobres ; e só tinhão algum
milho, e leite, que venderão. Aqui ficou entre elles, em
huma cabana, que se construio separada das suas, tendo-se
primeiro confessado , e recebido as consolações da Reli
gião (únicas consolações verdadeiras!) Álvaro Gonsal-
Tomo U} 12
ves, velho de setenta' a twos, pai do Gontra-Mestre, que-
vinha mui doente, e todos os seus rompanheiros tão can-
çados, que já não o podião levar aos hombros, como até
alii fizerão. Deixou-se-lhe cobre para comprar o que hou
vesse mister, e em hum papel escritos na lingua do Paiz
os nomes das coisas necessárias: não se consentio que o
filho ficasse com elle, como pertendia. Este negocio de
teve o Arraial até ao fim da manha seguinte.
A 12 ao meio dia observou o Piloto o Sol, e achou
e«ar em 27o 27' de latitude, pelo que determinou ca
minhar a Leste-quarta ao Nordeste, para chegar mais
depressa ao mar, de que se fazia quarenta léguas. Sen
do duas horas, veio o Ancosse daquellas Aldeãs com
gaias, pelas quaes recebeo quatro pedaços de cobre, e
marcharão direitos a Leste por terra plana, e boa, por
que diziao os Negros , que naquella direcção ficava o
povoado, onde se venâião as suas contas vermelhas, que
são as que lhes vem do Rio de Lourenço Marques. Fez-
se-o alojamento ao Sol posto em hum valle.
A 13 partirão daqui, e pelas dez horas da manhã
virão muitas Aldeãs, de que vierão muitos Cafres a re-
cebellos , e com elles o seu Capitão, que alli residia
por mandado do Ancosse, que estava ausente; o qual,
sendo bem recebido, disse a Nuno Velho, que dalli ao
mar era jornada de seis dias , e por outra parte seria de
doze, passando pelas terras do Inhaca, por onde se ha
via de vadear hum Rio grande com agua pelo peito.
Esta noticia alegrou a todos ; e passadas as horas da cal
ma, veio hum filho do Ancosse visitar a Nuno Velho da
parte de seu pai, e se retirou logo, levando de mimo hum*
medalha de prata. Comprou-se aos Cafres milho , leite, e
manteiga , e matando algumas rezes para sua provisão ,
continuarão a marcha com o mesmo Capitão, até qae se
alojarão quasi noite ao pé de huma ribeira, d'onde o Capi-
Jao ayisou ao seu Ancosse para que viesse pela manM.
91
A 14 pelas onze horas da manhã chegou o Aficòsc
"se, chamado Gamabela , acompanhado de cera Negro*
desarmados: sahio Nuno Velho a recebello com quinze
arcabuzeiros, e sentados ambos em huma alcatifa, lhe
significou Nuno Velho quanto folgava de o ver, e áè
ter entrado nas suas terras, pela ceitcza de achar nellas
o que necessitava para passar ás do Inhaca: Gamabela
lhe offbreceo tudo quanto estivesse debaixo do seu do*
minio. Passados esres cumprimentos , apresentou-lhè
duas vaccas , e recebéo delle humas contas de Madre
pérola, huma peça de prata, huma pedra de estancai'
sangue, e alguns pedaços de cobre. Tratarão depofe doS
guias, e Gamabela deo para isso o seu mesmo Ca pifão,
e outros dois Negros, e pedio , que lhe deixasse alguma
peça, que lhe servisse de lembrança da sua pesSôa, « dos
Portuguezes. Respondeo Nuno Velho, que lhe daria á
mais preciosa que havia no Mundo ; e tirando a cruz de
humas contas que tinha ao pescoço, com o chapeo na
mão , a beijou , e assim o fizerao Os Portuguezes , que
com elle esta vão; e a entregou ao Ancosse , que com
igual acatamento a beijou, e o mesmo praticarão todos
Os outros Cafres. Vendo Nuno Velho a veneração, què
ellts mosrravão á Cruz , mandou logo a hum Carpintei
ro, que de huma arvore fizesse huma Cruz de oito pal
mos de alto, e a deo a Gamabela, explicando-lhe bre
vemente as virtudes daquella Sagrada Insignia, para que
a pozesse diante da sua casa ; e todas as manhãs quan
do sahisse, a beijasse, e adorasse de joelhos; e se fal-
rasse saúde aos seus Vassallos , ou chuva aos seus cam
pos, com roda a confiança lha pedisse. O Ancosse, to
mando a Cruz ás costas, e despedindo-se dos Portugue
zes, seguido de mais de quinhentos Negros, a levou á
sua Aldeã, para cumprir o que lhe disserão.
No dia 15" seguirão seu caminho em companhia de
Gamabela , que os quiz acompanhar na primeira jorna
12 ii
92

da com os outros guias, e ás 10 horas chegarão a hn-


ma casa , onde se despedio com verdadeiras demonstra
ções de amizade; e por entre arvores espinhosas, e ter
ra despovoada se continuou a marcha até ser noite, que
se alojarão ao pé de huma fresca ribeira.
A ió continuarão a marchar até ás duas horas, que
acharão Aldeãs sem gente, mas com muitas galhnhas,
e mantimentos. Mandou Nuno Velho guardar tudo, pa
ra que se não extraviasse coisa alguma, e fez pelos Lín
guas chamar os donos, que estavão em huns outeiros, os
quaes descerão logo, e disserão, que havião desampara
do as suas casas por causa da guerra , que tinhão coro
seus visinhos; e tornarão para ellas, enviando hum dos
seus a mostrar o sitio em que havia agua , e lenha.
A 17 caminharão por huma estendida campina po
voada de bons pastos, e arvoredo, e muitas vaccas bra
vas, veados, búfalos, e elefantes, que em numerosos
bandos andavão por ella pastando. Forao estes os pri
meiros animaes deste género, que encontrarão na sua di
latada jornada, os quaes descem áquelles campos de hu
ma grande serra, que os atravessa de Norte a Sul. En
trarão os Portuguezes nesta serra por hum valle , peia
qual corria huma ribeira, que passarão muitas vezes, e
junto d 'ella se alojarão.
A 18 de madrugada continuarão seu caminho stc is
dez horas pelo mesmo valle, e ribeira, que era sombrea
da de arvores de varias cores, nas quaes apparecião mui
tos papagaios, rolas, e outros diversos géneros de pás
saros. Subirão depois huma ponta da serra da parte do
Sudoeste, e em huma chapada, que no alto delia se fa
zia , encontrarão quatro Negros, que andavão á caça, 0$
quaes sabendo dos guias a largueza com que os Portu
guezes pagavao os mantimentos, se forão logo, dizendo
os hião buscar i sua Aldeã. Ao longo da mesma ribei
ra fizcrao os Portuguezes alto em hum bosque para pis
93

sarem a calma. Acabada esta , subirão Iium outeiro, que


ficava do outro lado , e delle se seguia huma dilatada
campina , que toda se regava da mesma ribeira, e nella
havia muita caça; e em huma vasta alagoa, que secom-
municava com a ribeira , nadavão muitos cavallos mari
nhos, que com os seus rinchos não deixarão dormir os
Portuguezes , que se alojarão nas suas proximidades.
A 19 sahirao mais tarde do costumado, pelo incom-
modo da noite antecedente, e chegarão a hum brejo, que
os guias disserao estar perto do povoado; e alojando-se
ao longo delle, enviou Nuno Velho hum dos guias a
avisar o Ancosse da sua chegada.
No dia seguinte 20 o mandou visitar por António
Godinho, o qual quando voltou, achou os Portuguezes
já da outra banda da ribeira descançando do trabalho,
que havião tido em passar o gado, e deo por noticias,
que o Ancosse era Capitão do Inhaca , e que lhe fizera
offerecimento de tudo quanto havia na terra até chega
rem ao Inhaca , por saber a amizade que entre elles
existia ; e que o navio de Moçambique não era parti
do , por quanto poucos dias antes passarão por aquella
Aldeã alguns Cafres, que lhe Ievavao marfim. Pouco
depois chegou hum Capitão do Ancosse a visitar da sua
parte Nuno Velho, trazcndo-Ihe dois cabritos, e duas
gal/inhas, e após elle chegou o mesmo Ancosse, que foi.
recebido em alcatifa, e confirmou as novidades que dera
António Godinho. Apresentou elle a Nuno Velho duas
vacais, e recebeo deste huma tampa de hum copo de
prata , e quatro pedaços de cobre, e hum seu sobrinho
teve igual presente; e com isto se retirarão, por estar a
sua povoação longe. O Arraial conservou-se naquelle
sitio, e observando o Piloto a latitude, achou estar em
27o 20', fazendo-se trinta léguas distante do Porto, emr
que se achava o navio..
A 21 pela manhã começarão a caminhar para a po*
9*
svóação do Ancosse, onde esperando achar guias fieis,
Sacharão o contrario; porque guiando-os o próprio An
cosse , os levou por hum tal rodeio , que voltarão ao
mesmo brejo de que havião partido. Escandalizado No
no Velho desta perfídia, pedio-lhe o que lhe tinha da-
ído, porque já não queria delle guias: a final o Ancos
se, recebendo mais alguns pedaços de cobre, chamou
três dos seus Negros, e começou a dirigir o Campo por
hum caminho de aréa cheio de palmeiras bravas, a]eu-
Tnas das quaes tinhao fructo ; e sendo já noite, alojarão-
ée debaixo de hum arvoredo sem agua.
A 22 de manhã, chegando a humas casas, leroti
O Ancosse os donos comsigo , e desviou os Portuguezes
do caminho, mettendo-os por hum bosque, a fim de ex
traviar algumas vaccas , e fugir com ellas. Passado este
bosque, e huma ribeira, entrarão por outro, mas como
havia grande vigia nas vaccas, indo o Ancosse adiante
com o Lingua , e não podendo fazer o que perrertdia ,
sendo o mato mui espesso , que se não vião os que vi-
nhao detraz delles, atirou com huma zagaia ao Lingua,
e errando-o, fugio. O Lingua , segurando hum dos Ne
gros das casas, que estava próximo delle, gritou , e acu
dindo os Poiruguczes, prenderão os companheiros daqud-
te; e sahindo do bosque, perguntarão aos Cafres, quem
era o Ancosse fugido ? A que responderão, que era hum
grande ladrão chamado Bamba , ao qual por temor
acompanhavão. E pedindo-lhes Nuno Velho, que o en
caminhassem até ao Inhaca , prometterão de o fazer.
Postos com tudo a bom recado, forão marchando por
hum mato, e atravessando hum brejo, acharão da ootra
banda bom caminho, que seguirão até á noite, e ao lon
go de hum ribeiro se acamparão, não lhes faltando le
nha. Esta terra he alagadiça, c de muitos brejos, de
que já tinhão passado alguns.
Na manhã de 23 passarão outro brejo com grande
trabalho, porque além de atolar muito, era no meio tão
fundo, que excedia a altura de hum pique. Atravessou-se
este espaço com troncos de arvores, e cobriose o resto
com espadana, de que havia muita ; e passado elle, des-
cançárão á sombra do arvoredo. Aqui mandou Nuno
Velho soltar hum dos Negros, para que fosse a sua casa
dar noticia dos outros, satisfazendo-o com hum pedaço
de cobre, e huma tira de panno encarnado; e passada
a calma , marcharão até ao Sol posto, que se alojarão ao
pé de outro brejo. Via -se ao Sudoeste a foz de hum
Rio, que tinha na Carta o nome de Santa Luzia, e esta
va situada em 28° de latitude (1), o qual tinhao passa
do o dia antecedente, mas em parte que não os embara
çou, por ser longe da sua boca. Neste Rio he que mor-
reo afFogado Fernão Alvares Cabral , Commandante da
Náo S. Bento.
No dia 24 pela manhã descobrirão de hum alto
algumas Aldeãs , cujas casas erão similhantes ás chou
panas das vinhas em Portugal , porém redondas como
as que até alli tinhao encontrado; os Negros das quaes,
era vendo os Portuguezes, se ajuntarão em numero da
duzentos. Foi a clles o Lingua , e sabendo serem Por
tuguezes, vicrao logo a Nuno Velho, e o certificarão
de que estava nas terras do Inhaca , sendo aquellas Al
deãs de huma irmã sua ; e que o navio não era partido.
Alvoroça rao-se todos com esta boa nova , e chegando
ás casas, veio a irmã do Inhaca com seu marido visitar
Nuno Velho, que os recebeo como devia, e dando-lhes
hum panno preto, e dois pedaços de cobre, mostrou-se
pezaroso de o tempo lhe não dar iugar a deter-se com
elles alguns dia«. Desta Aldeã , situada onde chamão os
Medãos do Ouro, se descobria o mar. Passada a cal-

(O A ponta do Sul da entrada do Rio de Santa Luzia, segundo»


algumas Cartas Inglezas, está na latitude Sul de A" 22'.
96
ma , continuarão a marcha com hum Negro do Inbaca
(que da parte deste viera visitar a irmã), por hurna gran
de praia de arêa ruiva, que em breve os cançou muito;
e subindo ao alto dos Medãos, por onde se andava com
menos trabalho, chegarão ao Sol posto a hurna povoa
ção situada ao longo de hum Rio, o qual, por ser maré
vazia, passarão logo, e já de noite se acamparão na ou
tra margem , onde comprarão por pequenos pedaços de
panno, muito milho, peixe, e gallinhas.
A 25", sendo pela manhã preamar, estava o Rio
mui crescido, e na boca fazia hum Ilhote: a elle be que
os Naufragados da Não S. Thomé pozerão o nome de
Rio da Abundância (1). Marcharão os Portuguezes por
detraz dos Medãos até ao meio dia , que fizerão alto ao
pé de hurna Aldeã. Observou o Piloto o Sol , e achou
estar em 26a 45"' de latitude. Passada a calma , e atra
vessado hum brejo, se alojarão debaixo de grandes ar
vores , que os defenderão da chuva naquella noite.
i A 16 caminharão até ás dez horas , que chegarão a
hurna grande , e formosa alagoa de hurna légua de com
prido, perto da qual esta vão duas Aldeãs, cm que com
prarão gallinhas; e fazendo alto ao meio dia , observou
o Piloto a latitude, e achou 26o 20'. Continuarão ao lon
go da alagoa, vendo muitos patos, e garças, e além
delia se alojarão no meio de hum campo, onde marárjo
três vaccas e ainda ficarão vinte e três. Passou pelo Ar
raial hum Negro, que disse não ter partido o navio, e
Nuno Velho, para certificar-se disso, mandou António
Godinho , Simão Mendes , e António Mendes com o
guia ; e já de noite voltou este com hum Negro enviado
pelo Inhaca a visitar Nuno Velho , cujo Negro havia
alli ficado do naufrágio do Galeão S. João, e o cumpri
mentou na lingua Portugueza, de que todos se alegrarão

CO He o mesmo Rio chamado nas Cartas, dos Médios do Ouço.


9T
muito. Este Negro disse, que o Inhaca níó viera lo*
go, por ser de noite, eque o navio estava ainda no RU»
Esta noticia foi por extremo agradável á gente , porque
se o navio tivesse já partido, ou haviáo de marchar por
tem a Sofala, que erao dois mezes de jornada , ou es
perar alli hum anno por outro navio; a risco de mor-»
rerem quasi todos entretanto de fome , è doenças, por
ser o Paiz doentio, .de más aguas, e falto de víveres
A 27 regressou hum dos Portuguezes , que Nuno
Velho mandara ao Inhaca , e confirmou ser verdade o
que se dissera acerca do navio. Em consequência , posta
que chovesse, caminharão até á Aldeã do Inhaca, de que
vierao muitos Negros a recebellos. Mandou Nuno Ve
lho avisallo da sua chegada , e levando comsigo o Pro
vedor, o Thesoureiro , o Piloto, o Lingua, e oito ar
cabuzeiros, o foi esperar debaixo de huma arvore, em
quanto elle se vestia. Chegou finalmente o Inhaca , que
era homem agigantado, bem feito, e de aprazível sem
blante; e assentados ambos em huma esteira, depois
dos primeiros cumprimentos, lhe agradeceo Nuno Velho
os serviços que fizera a D. Pedro de Lima, na perdição
da Náo S. Thomé, e lhe pedio hum homem para man
dar com cartas ao Capitão do navio, que elle logo deo;
e com este Negro partio António Godinho , e mais dois
soldados , e hum Lingua. Apôs isto ofFereceo-lhe Nuno
Velho hum chapeo de feltro negro, hum panno lavrado
de seda e ouro, duas vaccas, huma garrafinha de prata,
e huma medalha pendente de duas cadêas de prata tira
das do apito do Mestre , do que o Inhaca se mostrou
contentíssimo, e mandou mostrar hum sitio perto, em
que havia agua, e lenha, onde Julião de Faria estabe-
leceo o Arsenal, ficando Nuno Velho com os Officiaes,
e soldados que o acompanhavao, praticando com o Inha
ca. E parecendo horas de jantar, disse o Piloto, que
o relógio do Sol marcava onze horas, de que o Inhaca
Tomo 11 13
te maravilhou, etmiito mais mostra ndo-se-lhe na Carta
pelos rumos da Agulha o caminho, que se fizera. Pas
tando assim algum tempo, se levantarão, e de mãos da
das forão ao alojamento, onde o Inhaca visitou a Dona
Isabel, e sua filha, e jantou com Nuno Velho na sua
fenda , e pelas duas horas se retirou.
Voltou a 28 pela manhã cedo, vestido em hum rou
pão de gran guarnecido de veludo carmezim, o chapeo
de feltro na cabeça , as cadêas do apito ao pescoço, e os
braços cheios de manilhas de latão. E depois das cor-
tezias costumadas, lhe deo Nuno Velho o apito, roçan
do primeiro o Mestre com elle, de que o Inhaca Fol
gou, julgando ser bom instrumento para a gu:rra ; e a
hum seu iilho se deo hum copo de prata, que o pai lhe
tomou logo. Despedidos os Portuguezes do Inhaca , ca
minharão ao longo de alagoas de agua doce até ás dex
horas, que pararão para passar a calma. Aqui vierlo
dez Cafres do Paiz com dois marinheiros do navio, e
hum natural de Moçambique, o qual andando no serrão
a comprar marfim , e sabendo da chegada dos Portugue
zes, os vinha visitar: em recompensa recebeo de Nuno
Velho hum presente ; e proseguindo-se a marcha até a tar
de, armou-se o Campo em sitio abundante de agua, e
lenha.
A 29 pelas nove horas da manhã chegarão & Aldeã
de hum filho do Inhaca, que veio logo, e deo hum Ne
gro para ir com outras cartas ao Capitão do navio, cm
companhia do qual foi hum dos dois marinheiros. A este
filho do Inhaca deo Nuno Velho o pé de hum copo de
prata , e hum panno de seda igual ao que dera a seu
pai ; e recebeo delle huma cabra. Este Negro era mui
parecido ao pai , e vivia separado delle , por haver in
tentado a sua morte, e apossar-se dos seus Estados. Des
pedido delle Nuno Velho, marchou até alojar-se junto
de hum brejo.

A 30, estando já perro da praia, encontrarão hurti
marinheiro do navio com huma carta do Capitão para
Nuno Velho, e outra do seu Piloto para Rodrigo Mi
gueis, nas quaes os avisavão , que ficavao com elles. 03
homens que lhes levarão as suas cartas, e que no dia
seguinte virião embarcações a passar a gente á Ilha (1).
E quasi ao anoitecer chegou em huma embarcação o Ca
pitão do navio, e como vasava a maré, pareceo a Nuno
Velho, que levasse logo comsigo as duas Fidalgas, e
outras pessoas; e nos dois dias seguintes se transportâ%
rao todos á Ilha, com cento e nove vaccas, que lhes ha-
vião sobejado da jornada , prova incontestável da prur
dencia com que Nuno Velho havia dirigido a sua la
boriosa marcha. Constava neste momento a guarnição
de cento e dezesete Portuguezes, e sessenta e cinco escra
vos , havendo-se perdido na jornada por doenças, com
bates , e deserções , trinta e seis Portuguezes , e cento e
vinte e nove escravos. O espaço andado nestes três me-i
Zés excedeo a trezentas léguas.
A 9 de Julho achavao-se todos embarcados, espo
rando a conjuneção da Lua nova, que havia ser a ia,
para com os ventos Ponentes seguirem viagem ; mas o
navio estava tão empachado com perto de duzentas c
trinta pessoas, que o seu Piloto Baptista Martins, mari
nheiro escapado do naufrágio da Náo S. Thomé , de
clarou que não podia navegar desta maneira. Decidio-se
em conselho, que se deix.issem alli os marinheiros do
navio com as suas mulheres, e filhos, sommando quaren
ta e cinco pessoas, para irem por terra a Moçambique,
porque como todos erão Mouros , se arranjarião com os
Cafres melhor do que os Portuguezes; o que elles accéi-
tárão de bom grado, attrahidos da paga que Nuno Ve-

(1) Veja-se a descripçáo da Bahia de Lourenço Marques na minha


terceira Memoria.
13 ii

/
m
lho lhes deo. Nesta jornada todas as despesas" { cfíe fò-
râo mui grandes) correrão por conta deste Fidalgo.
Prompto o navio para navegar, não mudou o ven
to com a Lua , e foi necessário aguardar outra conjunc-
çáo, o que vendo alguns Portuguezes, enfadados da pe-
?uenez do navio, resolverão marchar por terra até So-
àla , distancia de cento e cincoenta léguas; e apezar de
tudo o que Nuno Velho lhes disse para os dissuadir de
similhante projecto, partirão vinte e oito, de que foi por
cabo hum soldado chamado Balthasar Pereira, aos quaes
se derão armas, munições, e effeitos de Commercio; po
rém não obstante isso, commettêrão taes desordens pelo
caminho, que era já bem conhecido, qui mui poucos
ohegárão a Sofala.
-s A 22 de Julho sahio finalmente Nuno Velho daquel-
le Rio, e a 6 de Agosto entrou em Moçambique, ha
vendo- soffrido antes numa tempestade, em que se vio
quasi perdido.
Achou nesta Ilha a guarnição d-i Não Nazareth-,
que alli ficou condemnada; e a Náo Chagas , que não
podendo dobrar o Cabo de Boa Esperança , pelos ma'os
tempos que nella encontrou , veio invernar naquelie ftw-
to. >'■
15^93. — Esta Náo, como era nova , The tnettêrío na
índia superabundância de carga (1), e vinha com e/Fei
to riquíssima , com muita gente, e alguns Fidalgos de
passageiros. Francisco de Mello, irmão do Monteiro
Mor, seu Commandanté, soccorreo liberalmente os nau
fragados, e recebeo a bordo quantos quizerão embarcar,
assim como boa parte da carregação da Nazareth , com
cujo excesso de peso ficou a Náo tão mertida , que co
meçou a fazer alguma agua. Era Mestre delia Manoei
Dias, e Piloto seu filho João da Cunha.

(1) Historia Tragico-AIaritima, tomo 3»


101
Em Novembro sahio de Moçambique Francisco de
Mello, levando a bordo cento e trinta Portuguezes, e du»
zentos c setenta escravos, e de passageiros Nuno Velho
Pereira , Julião de Faria Cerveira, Braz Corrêa, D. Duar
te d'Éça, António das Povoas, D. Rodrigo de Córdova ,
Fidalgo Hespanhol, João de Sousa , Pedro da Costa de
Alvellos , João de Valladares Soutomaior, Paulo de An
drade, Henrique Leite, Luiz Leitão, António Godinho
de Beja , Bento Caldeira , Marcos de Góes, Diogo Nu
nes Gramacho , Belchior Martins, Gregório Gomes Gal-
lego, Dona Francisca da Fonceca (que trazia comsigo
hum seu irmão), mulher de D. Tristão de Menezes ,
com três filhos, e duas filhas, e Dona Izabel Pereira, e
sua filha Dona Luiza.
Passou Francisco de Mello o Cabo de Boa Esperan
ça com grandes tormentas, fazendo a Não muita agua,
por cuja causa se alijou muita fazenda que vinha por ci
ma, e alguns mantimentos, que depois fizerão falta. Do
brado o Cabo, fez Francisco de Mello conselho, em que
mostrou o Regimento, que lhe prohibia tomar a Ilha de
Santa Helena , por ter EIRei noticia de irem a ella os
Inglezes; e lhe determinava, que em caso de necessidade
de víveres, ou aguada, buscasse o Forto de Angola, e
não fosse ao Brazil. Em consequência resolveo-se a ar
ribada a Angola, onde esteve a Náo alguns dias, nos
quaes fez mantimentos, e aguada, e embarcando muitos
escravos, sahio para Portugal. As calmarias da ensea
da de Guiné a demorarão muitos dias, em que adoeceo
quasi toda a gente de escorbuto, e merreo quasi meta
de, e os que escaparão vinhão pela maior parte tão en
fermos, que quando chegarão aos Aceres, mal podiãç»
com as armas. Na altura destas Ilhas fez Francisco de
Mello outro conselho, e assentou-se, que nr.tise fosse avis
tar o Corvo, a pezar de o mandar assim o Regimento>
com declaração de que. alli esta lia hm; a E. quadra para
102
comboiar as Náos da carreira. Tinha Francisco de Mel
lo sabido em Moçambique por D. Luiz Coutinho, qae
passava á índia, que os Inglezes haviao tomado sobre a
Ilha do Corvo â Náo Madre de Deos, e feiro queimar
a Náo Santa Cruz, as quaes levavão este mesmo Regi
mento; e por isso quizerao todos evitar aquella Ilha.
Tomada esta resolução, seguirão sua viagem, e pas
sados três dias , começou hum susurro na guarnição
suscitado por alguns marinheiros, e soldados, que espa
lharão voz, de que não havião na Náo mantimentos pa
ra chegarem a Portugal , e se forao ao Commanuanre
com hum protesto para que buscasse as Ilhas, na forma
do seu Regimento. Francisco de Mello, remendo ser cas
tigado, em caso de algum desastre, por alterar as Ordens
■Regias, convocon outro conselho, e examinado o estado
da aguada , e víveres , concluio-se que não se escusava
tomar as Ilhas. Assim bem contra sua vontade, e da
de outros , foi buscar o Corvo. E fazendo-se a Náo
prestes para combater, convierão todos cm se deixar an
tes abrasar, ou metter a pique, do que render-se. Fran-
ciíco de Mello encarregou a defeza da popa a D. Ro
drigo de Córdova, a proa a António das Povoas, c o
curívez a Braz Corrêa. Os Portuguezes capazes de pe
lejar não excediao neste momento a setenta homens.
Chegada a Náo á vista do Corvo , não a pôde
tomar, por ser o vento contrario, e indo na volta do
Faial, a 22 de Junho de x^i, avistarão três Náos (co
nhecidas logo por Inglezas), de trezentas a quatrocentas
toneladas, commandadas pelo General Kleve, guarnecidas
de muita gente, e artilheria grossa de bronze, e muni
das de armas, e petrechos de guerra em tal modo, que
cada huma poderia combater com a Náo Chagas.
Passou-se de novo palavra abordo deste, de $cdet~
ocar antes queimar, ou metter no fundo, do que a-riar a
bandeira. Ao meio dia começou o fogo de artiluena, e
103

mosqueteria, que durou por muitas horas, corri mortes,


e feridas de parte a parte, sendo a Náo Chagas mui mair
tratada pela popa, em que náo tinha peça alguma, mas
de noite cavalgarão duas, e çafárão os guarda-iemes: fal
ta vão porém Artilheiros, por haverem morrido muitos
das doenças ; e em lugar delles, servião alguns Fidalgos.
Os Inglezes, vendo a Náo armada pela popa, d'on-
de recebião damno, resolverão-se a abordalla; e ao meio
dia prolongou-se comella costado a costado a sua Capi-
tanea ; o navio do Capitão Anthony accommetteo-a pe
la popa, e o outro navio pela proa. Disparou-se neste
momento toda a artilheria, e mosqueteria de ambas as
partes , e das gavias cbovião panellas de pólvora , e al-
cancías de fogo, dardos, e pedras, de maneira que os
quatro navios parecião incendiados, e envoltos em turbi
lhões de fumo. Isto succedia á vista da Ilha do Faial.
Huma bala de artilheria espedaçou ambas as per
nas a D. Rodrigo de Córdova, e levando-o para baixo
«juasi espirando, levantou a voz, e disse: Senhores, isto
recebi em meu officio, ninguém desampare o seu posto -y
antes abrazados, que rendidos. Succedeo-lhe na popa
Pedro de Alvellos, valoroso soldado, que rechaçou os
Inglezes, e o mesmo fez Nuno Velho, que com huma
lança de fogo, ajudado de Luiz Leitão, e de Belchior
Martins, os forçou a retirar-se, e lhes pegou fogo no
panno. Os da Capitanea tentarão duas vezes ganhar a
Náo, entrando com grande ímpeto; porem Braz Corrêa,
<jue estava no convez, Nuno Velho, e António das Po-
yoas os tratarão de modo, que não poderão retirar-se a
salvo, e deixarão alguns mortos dentro da Náo, e outros
cahírão no mar. Em huma destas abordagens» acabou
Belchior Martins de huma bala de mosquete, e no seu
posto entrou Bento Caldeira. Francisco de Mello corria
todos os postos, dizendo, que se não entregaria, sem
morrerem todos.
104
O navio, que estava atravessado na proa, emprelien-
<leo também abordar, mas sem successo; e a Capitanea
deo outra abordagem : os Inglezes , cobertos de rode/as
de aço , e capacetes, atacarão com vigor, e levantarão
no porta lo huma bandeira branca, crendo que os Pcrtu-
guezes se renderiio. O primeiro, que estes matarão, foi
o da bandeira , e depois expulsarão os outros. A este
tempo alçou na popa da Náo outra insígnia branca o Pi
loto João da Cunha , a qual lhe romperão, e deitarão ao
mar os soldados que estavão no tombadilho , e querião
fazer- lhe o mesmo a elle.
Depois desta ultima não tentarão os Inglezes outra
abordagem: a sua Capitanea duas vezes 1 lie pegou fogo,
e outras tantas o apagou ; e o navio, que estava pela
proa, se afastou ardendo em chammas, porém delle se
communicou o fogo á Náo Chagas , o qual pegando era
hum coxim do gorupés , se ateou com tal braveza , que
em hum momento se incendiarão as enxárcias, e velas do
mastro do traquete, e todo o castello de proa. Quatro
horas tinha durado esta terrível abordagem, e afastados
os Inglezes, ainda no meio do incêndio não cessava o
combate; até que desenganados os Portuguezes , de que
a sua Náo ardia irremissivelmente, tratarão de salvar as
vidas: huns lançavão-se ás ondas, outros que não s&bião
nadar, corrião a hum bordo e outro, dando gritos, e pe
dindo a Deos misericórdia ; outros deitavao ao mar páos,
e barris a que se pegavão; mas os Inglezes acudirão lo
go nos seus escaleres, e matarão todos os que poderão
alcançar. Algumas mulheres também se deitarão ao mar,
como forao Dona Izabel, c sua filha, as quaes atando-se
primeiro huma á outra com hum cordão de S. Francis
co, sahírão mortas na praia do Faial.
Esta barbaridade (se o facto he verdadeiro) dos in
glezes, foi em seu prejuízo, porque salvando a gente da
Náo, salvariáo para si mais de hum milhão em pedraria.
105
que ella trazia. De toda a guarnição apenas escaparão
treze pessoas , por causa de hum bizalho de pedraria ,
que hum grumete mostrou a hum dos escaleres Inglezes^
os quaes ao favor deste incidente recolherão os outros
Portuguezes. Erao estes treze indivíduos : Nuno Velho
Pereira, Braz Corrêa, Gonsalo Fernandes, Guardião da
Náo Nazareth ; António Dias, escoteiro; Pedro Dias,
soldado; dois Calafates, dois marinheiros, e quatro es
cravos. Ao anoitecer se concluio esta horrorosa tragedia ,
porque chegando o fogo á pólvora, rebentou a Náo com
estrondo pavoroso, e foi a pique, acabando de perecer,
os que ainda estavão pegados pdo costado.
Deitarão os Inglezes onze dos prisioneiros nas Costas
do Faial, e levarão para Inglaterra Nuno Velho, e Braz
Corrêa. Tiverão elles na acção perto de noventa mor
tos, e cento e cincoenta feridos, entrando no numero dos
primeiros o Capitão Anthony, e nos segundos o seu Ge
neral, que ficou aleijado. Os Portuguezes capazes de pe
lejar não passarão de setenta , havendo fallecido os ou
tros de escorbuto; e ainda que havião a bordo muitos es
cravos, erão bcçaes, de que apenas tomarão armas qua
tro, ou cinco.
Os Inglezes continuarão a cruzar sobre os Açores
por mais de hum mez ; e huma manhã descobrirão a
Náo S. Filippe, Capitanea da carreira da índia, em
que vinha D. Luiz Coutinho , com a qual combaterão
todo aquelle dia, até que o Chefe Inglez mandou met-
ter Nuno Velho, e Braz Corrêa em hum escaler, que
enviou a D. Luiz, dizendo, que se rendesse, aliás lhe
queimaria o navio, como fizera á Náo Chagas, o que
poderia saber daquelles dois Officiaes. D. Luiz , sem
deixar aproximar o escaler, lhe respondeo, que aquella
Náo era Capitanea da carreira da índia , e Comman-
dante elle D. Luiz Coutinho, que sobre a Ilha do Cor
vo aprisionara ao Vice-Almirante Ricardo GrenviUe; e,
Tomo II, ' 14
10S

que se chegasse , porque a Náo vinha carregada de mui


ta riqueza. - » •
O General Inglez, ouvindo a resposta , determinou
incendiar-lhc o navio, e para isto mandou logo despe
jar huma das suas Náos, que era velha, e sobrecarre-
gar-lhe toda a artilheria , deixando-Lbe só dez homens
para a marearem, e hum escaler por popa, com ordem
de abalroarem o S. Filippe, e depois de seguros com ar-
péos, deixarem rastilhos na pólvora, e fugirem, para que
os dois navios se abrazassem. Entretanto os outros dois
navios combaterão aquella tarde a D. Luiz, esperando
occasiao de lhe lançarem o Brulote; mas huma bala do
S. Filippe cortou-lhe o mastro do traquete, e o inhabi-
btou para toda a manobra ; e sobrevindo huma trovoa
da em popa, D. Luiz continuou a sua derrota, e os dois
navios inimigos após ella , aos quaes D. Luiz aquella
noite accendeo o farol, e como amanheceo, rendo o
Chefe Inglez, que o outro navio já nao apparecia, vi
rou de bordo para se ajuntar com elle, e a final retirou-
se para Inglaterra, onde o Conde de Cumberland, por
cuja conta corria esta Esquadra , recebeo cm sua casa ,
e tratou mui bem a Nuno Velho,, e Braz Corrêa por es
paço de hum anno, até que se resgatarão ambos por ires
mil cruzados, os qnaes pagou Nuno Velho, e vindo pa
ia Hespanha, EIRei fez a ambos mercês.
1504. — A Esquadra da índia (1) constou este armo
de três Náos, e era commandada por Aires de Miran
da Henriques, em a Náo Monte do Carmo ; e os outros
dois Commandantes Luiz do Souto no S. João, e Se
bastião Gonsalves de Aivellos no S. Paulo.
Sahio a Esquadra de Lisboa a 30 de Março, c
«hegou a Goa em Setembro»

(1) Epilogo de Pedro Earrtro. — Faria, Ásia Portuguera. — D»


Cttnos sobre los Commercios. — Década supple mentiria 1 u Cap. >j.
Em Janeiro deste mesmo anno partio da índia para a
Europa p. Luiz Coutinho , Chefe da Esquadra do anno,
antecedente , com cinco Náos , que navegarão separadas '+
e na altura dos Açores pelejou com três navios Inglezes-,
como já disse. Das outras Náos o S. Christovão arri-x
bou a Moçambique, e sendo examinada, a acharão, em*
tão máo estado, que o seu Comm2ndante resolve© vot-:
tar para Goa em Setembro , e por fortuna encontrou; n-
Náo S. Paulo, que lhe recolheo a gente, e a Náo foi lo?
go a pique. Á Náo S.Pedro, não podendo tomar a Ilha
de Santa Helena para fazer aguada , de que vinha tuui<
necessitada , arribou ao Brasil, onde estando surta , nau
fragou com hum tempo, salvando-se toda a guarnição.
^Çí* — A Esquadra da Índia (i) foi de cinco Náos,
commandada por João de Saldanha , embarcado em a
Náo Senhora da Luz; e os outros Commandantes João
Rodrigues Carreiro, na Victoria ; João Paes Freire, no
S- Pantaleão; Gaspar Palha Lobo, no Rosário; e An
tónio Carvalho, no S. Simão, Nesta Esquadra hia o.
Arcebispo de Goa D. Fr. Aleixo de Menezes (2).

(1) Epilogo de Pedro Barreto. — Discursos sobre los Commercios.


— Década ti. Supplementaria , Cap. \\.
(1) No anuo antecedente se formou na ílollanda huma Companhia;
para fazer expedições á índia ( Vede a Collecção das Viagens da Com»
panhia das índias Orientaes , Amsterdam 1702, tomo 1.), cujo pri
meiro titulo foi Companhia dot Paiiet Rciv.otoi. A 2 do Abril desta
anno de 1 $95 sahio do Texel a primeira Esquadra, que armou esta ce
lebre Companhia; constava dos seguintes navios: O Maurício, de 400
toneladas, ji peças, e 84 homens; seu Commandante João Janiz Mo-
lenaar, e Sobre-Carga Cornei io Houtman. A Hollanda , da mesma gran
de 7,1 , e força que o Maurício; seu Commandante João Dignumii, e
Sobre-Carga Gerardo Van teuningen. O Amsterdam, de 200 toneladas,
26 picas, e 59 homens; Commandante João Schellinger, e Sobre-Carga
Renc Van Hei. A Pinara (ou Patacho) Pombinha, de jO toneladas, IO
peças, e 20 homens; Commandante Simão Lambert» Mau.
Esta Esquadra encontrou .1 4 de Maio duas Náos Portugoem separa
das da Esquadra de João de Saldanha, em huma das quaes hia o Arcebis-
14 ii
loa
Sahio de Lisboa João de~SaHanha a 14 de Aoril ,
e entrou em Goa -com coda a sua Esquadra nos princí
pios de Outubro.
A re de Janeiro sahio da índia para Portugal Ah
fes de Miranda Henriques com as três Náos , que com-
punhao a Esquadra que levara no anno de 1594 , a que
se aggregou a Náo Madre de Deos , acabada de fazer
em Bacaim, commandada por António Teixeira de Ma
cedo.
Destas quatro Náos o S. Paulo deappareceo na via
gem ; e a Madre de Deos aos treze dias de viagem va
rou de noite no Cabo das Baixas, fazendo-se o Piloto
muito longe da terra : a Náo desfea-se togo , em que
morreo grande parte da gente, e o resto marchou pelo
deserto até á Cidade de Magadaxo, onde chegarão uni
camente dezeseis homens, havendo morrido os outros de
fome, e sede pelo caminho.
1596. — Tendo EIRei nomeado (1) para Vice-Rei
da índia ao Conde Almirante D. Francisco da Gama,
se aprestou huma Esquadra de cinco Náos, de que foi
por Chefe João Gomes da Silva em a Náo Conceição;
e os outros Commandantes D. Luiz da Gama, irmão do
po de Goa ; e passando d falta , se íizeráo huns e outros reciproco» pre
sentes, segundo dizem os Escritores Hollande7e*. He certo, que o »e»
projecto era introdirzir-se na índia sem escandalizar os Poitu*uezes, «e-
pcssivel fosse, até formarem naquelles ricos Paizes algum estabelecimen
to solido, que lhes servisse de base para as futuras operações, que n*»
ditavSo em segredo. Mas Diogo de Couto diz (Década ia. Liv. i. Ca
pitulo 7.), que dois navios Hollandezes desta mesma Esquadra roubará»
algumas embarcações Portuguezas mercantes em Cabo Como* im ; e fiz*
ráo depois o mais , que em seu lugar se dirá.
Quando eu tratar das guerras do Oriente, exporei o plano que ite
parece deveria desde logo abraçar a- Corte de Hespanha, para fechar a en
trada da índia riquelles ambiciosos, e astutos Republicanos.
(1) Couto, Década 12. Liv. 1. Capítulos 1. e 2. — Epilogo <fc
"Pedro Barreto. — Fatia , Ásia Portugoeza. — Discursos sobre las Comr-
mercios.
109

Vice-Rei, na Guadalupe; Pedro Tavares, no Vencimen


to; Vasco da Fonceca Coutinho, no S. Francisco; o
Luiz da Silva, no S. Filippe. Embarcou o Vice-Rei
na Guadalupe; e tanto nesta, como nas outras Náos
embarcarão muitos Fidalgos, e homens distinctos, que
hião oceupar empregos , ou servir de voluntários , taes
como Lourenço de Brito , Diogo Moniz Barreto , Gu
terres de Monroy de Beja , D. Luiz Lobo , D. Paulo de
Portugal, D. Fernando, e D. Christovão de Noronha;
irmãos ; D. António de Castro , D. Bernardo de Noro
nha , D. Álvaro da Costa , D. Pedro de Noronha , D.
João de Menezes, D. Jeronymo de Noronha, D.João
Tello de Menezes, D. Lopo, c D. Duarte Henriques,
irmãos; Lourenço Guedes, Diogo Botelho, Jeronymo
Telles Barreto, Mendo Rodrigues de Vasconcellos, João
da Gama de Vasconcellos , D. Lopo de Almeida , o Dou
tor Pedro da Silva, Chanceller da Relação; João de
Abreu, Secretario; e Júlio Simões, Engenheiro Mor.
Partio de Lisboa o Vice-Rei a 10 de Abril: sofFreo
na Costa de Guiné muitas calmarias, e trovoadas; e pas
sando a Linha , separarão-se os navios. Dobrou o Ca
bo de Boa Esperança a 2 de Agosto; a 27 vio as Ilhas
de Angoxà , e a 7 de Setembro ancorou em Moçambi
que, d'onde sahio no dia seguinte; e a 29 , estando em
10° 30' de latitude Norte, encontrou correntes tão for
tes, c contrarias, que em vinte e quatro horas se achou
em 70. Com estas alternativas de tempo vio a Ilha de
Socotorá a 20 de Outubro , a qual não pôde tomar, por
ser o vento Nordeste, antes foi forçado a arribar, e cor-.
rcr pela Costa abaixo; e depois de quatorze dias de ven
tos variáveis, e grandes correntes, ancorou em hum lu
gar doze léguas distante da Cidade de Ampaza ; e tra
tando alguns negócios commerciaes com os seus morado
res , e os de Patê, e Lamo, foi ancorar em Mombaça
para esperar a monção»
110
A esta Cidade o veio visitar o Rei de Melinde, t
quem o Vice-Rei hospedou, e presenteou magnificamen
te , e chegarão também dois navios da índia, que o Go
vernador Matinas de Albuquerque mandava a correr to»
da aquella Costa , para saberem noticias suas ; e por el-
les soube o Vice-Rei , que as Nãos Vencimento , S. Fi-
lippe ,• e Conceição havião chegado a salvamento, e só
faltava* o S. Francisco. A n de Abril do anno seguin
te fez o Vice-Rei partir avNáo Guadalupe, cujo com»
mando entregou a Manoel de Almeida, ordena ndo-lhe,
que fosse tomar Bombaim, por ser mais fácil, que o Por
to de Goa; e clle sahio de Mombaça com os dois na
vios da índia, e mais cinco Galeotas, fez aguada em
Socotari , e a 22 de Maio entrou em Goa.
Manoel de Almeida ancorou em Bombaim a 30 de
Maio com a Náo Guadalupe, a qual no anno de i)«>8,
estando já carregada, e prompta a sahir de Cochim com
Mathias de Albuquerque, que tinha o seu fato embar
cado, e tendo pela popa huma barcaça com huma cal
deira de breu, com que andavao breando algumas por
tinholas , saltou o fogo na caldeira , e sendo o vento da
popa, pegou logo pelas obras mortas, d'onde se espa
lhou pela Náo com tanta rapidez, que se queimou sem
se salvar coisa alguma, e ainda morrerão algumas pes
soas: a carga desta Náo avaliou-se em milhão e meio.
A Náo S. Francisco (1) sahio de Lisboa tão mal
alastrada, e carregada, que foi sempre deitada á banda.
Separando-se da conserva do Vce-Rei, navegou so; e
chegando a 36o de latitude Sul , perdeo o leme. Ar-
•mou-se huma esparrella com dois masrareos , e como go
vernava muito mal, assentou-se em arribar á Bahia de
Todos os Santos, para a qual se dirigirão com bom ven
to, mas estiverão quasi perdidos á entrada, porque ha-

CO Vede a Historia Tragico-Maritima, tomo 2.


Itl
rendo quinze dias que o Piloto, por vir doente, não ob
servava o Sol, e não tendo a bordo outra pessoa que o
fizesse, amanhecerão abarbados cora terra, fazendo-se
ainda muito longe delia ; e por fortuna se mudou o ven
to, e entrarão na Bahia em Outubro. Esta Náo levava
quatrocentas e cincoenta pessoas, e na sua chegada á
Bahia havião unicamente cinco homens sãos: todos os
mais hião doentes.
Sahio a Náo desta Cidade, para regressar a Portu
gal, em Janeiro de 1597, e obrigada dos ventos foi até
26° de latitude Sul , d'onde virando , dobrou o Cabo de
Santo Agostinho aos quarenta dias de viagem. Sobre
vindo depois hum vento Norte mui rijo, e grande mar,
abrio a Náo tanta agua, que chegou a ter quatorze pal
mos delia no porão , e só huma bomba capaz de tocar ;
armarão gamotes, arroxarão o navio com viradores, e
e alijarão muita carga ao mar. Achando-se em 33° de
laritude Norte, e vendo que a Náo não podia governar,
tanto pelo novo leme ser defeituoso , como pela muita
agita, que continha no porão, e o vento era contrario pa
ra tomarem os Açores, arribarão para as índias de Hes-
panha, e a 25 de Março descobrirão a Ilha de Porto Ri
co, em cuja entrada tocou a Náo, mas sem perigo, e.
já dentro do Porto encalhou na vasa. Tirada dalli, vi
rou de carena , porém não se pôde dar com a agua, que
fazia. Depois de quinze mezes de demora nesta Ilha,
resolverão-se a sahir com a mesma agua T e com cffeita
chegarão a avistar o Faial, onde encontrarão huma Fro-.
ta composta de cento e vinte navios Inglezes, e dez Hol-
landczes, de que erão Generaes o Conde de Essex, Lord
Thomaz Howard, c Sir Walter Raleigh : este poderoso
Armamento, que tinha a bordo seis mil homens de tro
pas , destinado para atacar os Portos do Ferro! , e Co
runha, havia mudado de direcção, e cruzava sobre os-
Açores para interceptar os navios Hespanhoes, que re-
112
gressavao da America. Nesta situação desesperada, o
Gommandante da Náo tomou por melhor expediente en
calhar no Faial, e queimar a Náo, para salvar a gente,
como fez.
Da Esquadra de João de Saldanha, que este anno
de 1596 parrio cie Goa para Lisboa, desapparecêrão na
viagem as Náos Senhora da Luz, e a Victoria: o S. Si
mão arribou a Moçambique, onde invernou, e no anno
seguinte veio a Portugal : o Rosário arribou igualmente
«'Moçambique, c alli se perdeo , salvando-se a gente,
ea carga; e só oS. Pantaleão chegou a salvamento a
Lisboa.
15-97. — A Esquadra da índia (1) foi este anno de
três Náos, de que era Chefe D. Aftbnso de Noronha,
embarcado em a Náo Castello ; e os outros dois Com-
mandantes erao Jorge da Silveira, do S. João; e Cbristo-
vão de Siqueira Alvarenga , do S. Martinho.
Sahio a Esquadra de Lisboa a 5 de Abril, c entrou
em Goa a 26 do mez de Setembro.
1598. — Achava-se prompta em Lisboa (2) huma
Esquadra de cinco Náos para a Índia, quando veio blo
quear este Porto huma Esquadra Ingleza de vinte gran
des navios, de que era General o Conde de Cumberland,
conduzindo a bordo hum Corpo de tropas commanda-
do pelo Tenente General Sir João Berkley. Esta Es
quadra dilatou-se todo o mez de Março na Costa de Por
tugal; e vendo mallogrado o projecto de interceptar á
sabida os navios da carreira da índia , foi descarregar a
sua cólera sobre a Ilha de Lançarote, que destruio, da
qual passou á de Porto Rico , e ainda que a tomou, foi
(O Couto, Década ia. Liv. 1. Cap. 7. — Epilogo de Pedro Cane
co. — Faria , Ásia Portugue?a. — Discursos sobre los CornmercioR.
(2) Couto , Década 1 2. Liv. 2. Cap. 1 . — Epilogo de Pedro Burtr-
to'. — Faria , Ásia Portugueza. — Discursos sobre los Comwiercios. —■
Tridente Britânico, tomo 1. pag. 55.
113
tal a epidemia que assaltou os soldados, e os marinhei
ros, que o Conde de Cumberland se vio forçado a aban
donar a Ilha , e regressar a Inglaterra , com perda de
muita gente, e de immensos cabedaes ; porque elle, e
outros associados fizerão quasi todas as despezas deste
Armamento.
Em consequência deste bloqueio, não passou navio-
algum á índia , o que foi grande perda para aquelle
Estado , que muito necessitava de soccorros abundan
tes, e efficazes , pelos armamentos navaes da Hollanda.
Nem havia o menor obstáculo em que as Náos partis
sem juntas, ou separadas, logo que a Esquadra Ingleza
desappareceo das Costas de Portugal ; ou faltou o zelo,
ou sobejou o terror pânico (i).
(O Neste anno (vede a citada Collecçáo tomo i.) sahirao de HoI-:
landa três Esquadras armadas pela Companhia. A primeira constava de
seis navios grandes, e dois H iates; os navios erão: O Maurício, em
que hia o Almirante Jaques Cornelisz Van Neck , e por Commandante
Govert Jansz, e Commissario Cornelio Heemskerk : o Amsterdam, com
o Vice-Almirante Wibrant Van Wanvyk, e Commandante Cornelio
Jansz Fortuyn : a Hollanda , Commandante Simão Lambertsz Mau : a
Zelândia, Commandante Nicoláo Jansz Melk-nass : o Gueldrrs, Com
mandante João Bruyn : e o Utrecht, Commandante João Martsz. O Hia-
te grande chamava-se Frizia , Commandante João Cornei itsz; e o pe
queno Overissel , Commandante João Jansz Hoen. Esta Esquadra leva
va quinemos e sessenta homens de guarnição; e sahio do Teixel no pri
meiro de Maio com destino de ir directamente a Índia, como fez; e
voltou á Hollanda em Junho do anno seguinte.
A segunda Esquadra compunha-se de quatro navios, e hum Hiate,
cujos nomes erão: A Esperança, de 500 toneladas, e ijo homens, no
qual hia o Almirante Jaques Maliu : o Amor, de joo toneladas, e 110
homens, s.u Commandante Simão de Cordes, servindo de Vice-Almi
rante : a Fé , de j 20 toneladas , e 1 09 homens , seu Commandante Ge
rará Van Eeuningen: a Fidelidade, de 220 toneladas, e 86 homens,
Cprnmandame Jurien Van Eockholt : e o Hiate Feliz Mensagem, de
150 toneladas, e 112 homens, Commandante Sebald de Weert. Levava
o Almirante Instrucçóes para passar o Estreito de Magalhães, a fim de
conhecer se seria mais fácil este caminho para a índia, do que o do Ca-
bo de Boa Esperança. 1 . .
Tomo II. 15
U4

Reinado d'ElRei Filippe III.

Ne o Reinado deste Príncipe continuou a decadência


de Portugal pelas causas já existentes , e por outras que
Sahíráo de Hollanda a 28 de Junho: a 19 de Julho acharío-se m
Costa de Barberia tão abarbados com a terra , que surgirão desde sete
até quatro braças e meia de fundo, em risco eminente de se perderem.
Escapando dalli, checarão á Ilha do Maio no i.° de Setembro, donde
passarão ás de S. Tiago , e Brava , tendo em todas contendas com 01
moradores sobre lhes fornecerem refrescos, e aguada, de que tinbío a
maior necessidade, porque já levavão metade da gente escorbutada, de
que poucos dias depois morreo o Almirante , e tomou o cominando da
Esquadra o Vice-Almirante Cordes. De S. Tiago levarão hum barco de
30 toneladas.
A 2 de Novembro resolverão ir á Ilha de Anno Bom-, porem na
mesma noite lhes foi forçoso dar fundo na Costa de Mani-Congo, quast
em três gráos de latitude Sul , achando-se com cento e vinte, léguas de
ewo na sua estima. Como a ressaca do mar não permirtia o desembar
que, quizerão demandar o Cabo de Lopo Gonçalves: fizerão-se á veJ*
no dia 6, e navegando de dia, e surgindo de noite, chegarão 19 i
Costa de Guiné, e ahi pozerão em terra os doentes , havendo-se-lhes se
parado o barco com onze homens. Demorarão-se até 8 de DeTentbro,
em cujo lapso de tempo fallecérão dezeseis homens , e adoecerão muita»
das moléstias endémicas do Pau , ainda q\ie aljims dos escorbutadot se-
restabelecerão. Sahíráo a 9 deste ancoradouro, e a 16 deráo fundo n»
Ilha de Anno Bom , onde tiveráo varias escaramuças com os pouco»
Portugtiezes , que naquelle tempo a habitavão j e partindo para o Estrei
to de Magalhães a 2 de Janeiro de 1599, á proporção que augmentavã»
em latitude , se restabeleciáo os enfermos. Embocirão finalmente o
Estreito, e a 6 de Abril ancorarão na Bahia Grande, e depois na de
Cordes , onde o rigor do Inverno , que he- terrível naquellas Regifief,
lhes custou mais de cem homens , e hum dos Commandantcs.
San indo ao mar do Sul nos fins de Agosto, huma tormenta- 01 se-
pacou, correndo todos varias fortunas. O Almirante Cordes foi mono»
pelos índios na Ilha de Santa Maria (no Mar do Sul ); e de toda.» Es»
115
©ccorrêrao de novo, porque as Marinhas de Inglaterra;
quadra só o navio Fé voltou á Hollanda depois de vinte e cinco mezes
de penosíssima viagem, sem ter feito descoberta alguma importante no
mar Pacifica
A terceira Esquadra (vede o tomo a. da citada Collecção), levan
do as mesmas Instrucçóes da segunda, constava de dois navios: o Mau
rício, em que hia o Almiraute Olivier de Noort ; e o Henrique Frederi
co, commandado por Jaques Claasz , servindo de Vice-Almirante; e
dos Hiates Concórdia, Commandante Pedro de Lint; e Esperança, com-
mandado por João Huidecooper: o total das equipagens era de 248 ho
mens. O Piloto Inglez Melis dirigia a derrota.
Sahiráo de Roterdam a 1 1 de Setembro. A 10 de Dezembro virão
a Ilha do Príncipe, onde querendo tomar alguns refrescos, e agua, os
Portuguezes matarão o Piloto Mel is , e hum irmão do Almirante, com
alguns outros homens. Retirarão-se os Holiandezes, levando muitos fe
ridos , e doentes : correrão a Costa de Africa; estiverão ancorados nas
proximidades do Cabo de Lopo Gonsalves, e a a6 de Dezembro se po-
■eráo a caminho para o Brasil. A 9 de Fevereiro de 1 5 99 surgirão fo
ra da barra do Rio de Janeiro : pedirão licença para fazer víveres, e agua
da ; e não a obtendo, forão á Ilha de S Sebastião, onde fizerão alguma
agua. Gastarão nisto até ao de Março , que vendo a estação adiantada
para buscar o Estreito de Magalhães, tentarão ir á Ilha de Santa Hele
na , que não poderão tomar ate 1 1 de Maio. Dirigirão-se então i liba
da Ascensão; e a ai descobrirão huma Ilha deserta (era a da Trinda-
de ) em a" 1 f ' de latitude Sul , na qual não acharão refrescos. A JO)
descobrirão a Costa do Prasil. No i.° de Junho ancorarão em Rio Do
ce (na latitude de 19o jí'), onde não forão admittidos pelos Portu-
gueze*. Sahidos dal li, avistarão no dia seguinte huma Ilha deserta (al
guma das de Santa Anna, ou talvez a que forma o Cabo Frio) , que ti
nha menos de huma legoa de contorno , e distava outro tanto da terra
firme , na qual desembarcarão os escorbutados , que se restabelecerão
quasi todos em quinze dias. Partirão desta Ilha a ai, queimando antes
o Hiate Concórdia, que não estava em termos de navegar. A jo en
trarão na mesma Enseada da Ilha de S. Sebastião, em que primeira
bavião estado, e fizerão aguada.
A 1 6 de Julho se pozerão em derrota para o Estreito , e nos fins
de Setembro ancorarão no Cabo das Virgens. Entrarão depois no Estrei
to, havendo já perdido cem homens; nelle encontrarão o navio Fé,
pertencente á Esquadra do Almirante Mahu ; e depois de grandes con
tratempos , desembocarão no mar Pacifico. Por ultimo o Almirante
Noort foi o único, que regressou á Hollanda com o seu navio a 26 de
Agosto de 1601.
15 ii
JI6

e de HoIIanda forão progressivamente crescendo, e a se


gunda destas Potencias empregava sobre tudo os maio
res esforços para atacar as Possessões Portuguezas Ul
tramarinas, e apoderar-se do Commercio da Ásia, além
de infestar os mares com Esquadras , e Corsários que
embaraçavão a navegação dos mercantes, e faziao im-
mensas prezas , com que se enriquecião.
Estes males augmentárão com a Trégua infeiiz,
que ElRei concluio com os Estados Geraes no anno de
lóio, na qual exceptuou os Domínios da Monarchia
situados da Equinocial para o Sul , permittindo que nel-
les cruzassem vasos de guerra Hollandezes. Logo estes
ávidos Republicanos destacarão muitos navios bem ar
mados para as Costas do Brasil , os quaes aprezavão
quantas embarcações Portuguezas sahião dos Portos da-
quelle vastíssimo Continente, tendo a vantagem de ser
o Brasil cheio de Bahias, e Enseadas, que então esti-
vão abertas, onde elles se recolhião , carenavão, e refa-
zião de agua , lenha , e refrescos, para saturem como de
huma emboscada nas monções opportunas a interceptar
os navios Portuguezes, que voltavao carregados para a
Europa.
O Governo de Portugal não podia só fazer face ás
despezas, que exigÍFÍão as Esquadras necessárias para
comboiar os navios do Brasil desde a sua sabida daquel-
les Portos até entrarem nos de Portugal ; e a Corte de
Madrid, por huma falsa Politica, não permittia que se
consumisse em beneficio das Colónias Portuguezas o ca
bedal , de que ella se aproveitava para as precisões, e
defensa das Possessões propriamente suas, sobre tudo as
forças, e os thesouros da Monarchia em conservar os
Estados de Itália, e de Flandes, que pela sua posição
Geográfica a respeito da Hespanha, mais cedo, ou mais
tarde se devião perder.
As Esquadras Hcspanholas estavao quasi sempr»
117

•estacionadas em Lisboa, onde se proviao de tudo, á cus


ta do Paiz, sem exceptuar artilheria, e munições de guer
ra. A Invencível Armada foi quasi toda preparada em
Lisboa com o dinheiro de Portugal. A estas Esquadras
reunião-se de ordinário alguns navios Portuguezes, com-
rnandados por pessoas de grande qualidade ; e nestes era-
barcavão também como Officiaes, ou simples Voluntários
(chamados Aventureiros) os Fidalgos , e outros homens
illustres, que querião entrar nas Commendas da Ordem
de Malta. Extinguio-se a Armada das Gales, que em
Portugal i,bem como na Hespanha) tinha hum General
privativo.
Era costume na Hespanha dividir a Marinha era
Esquadras , cada huma das quaes tomava o nome do
Reino, ou Província, que corria com as despezas do seu
armamento; e assim se dizia : Esquadra de Galliza, de
Portugal, de Biscaia, etc. ; e cada huma tinha seu Ge
neral, e seu Almirante subordinados ao General em Che
fe da Marinha, que se intitulava Capitão General do
Mar Oceano; mas raras vezes os navios Portuguezes se
formavão em corpo de Esquadra , e até ao anno de 1616»
não se tinhao regulado a* precedências entre aquellas
differentes Esquadras e a de Portugal ; nem entre a de
Portugal e a de Castelha T que era a mais privilegiada , e
commandada pelo Capitão General. Succedendo porém
achar-se no Governo de Portugal D. Diogo da Silva (ve
de as Epanaforas de D. Francisco Manoel), Marquez
de Alemquer, quiz o Reino de Aragão disputar em pre
eminências com Portugal ; e tratando o Marquez este
negocio com a Corte de Madrid, resolveo-se no Conse
lho deEstado> que a Esquadra de Portugal usasse da suai
antiga bandeira , com tanto que visivelmente se distin
guisse da bandeira Castelhana, que era branca, com humt
escuda coroado no meio, e por isso- de longe se confun
dia com ella a Portugueza. Em consequência desta Resoj
118
Jução, mandou o Marquez pintar na bandeira Portogue*
za huma silva verde nascendo do escudo das Armas
Reaes, a qual occupava grande parte do chão branco
da bandeira ; com cuja distincção se satisfez El Rei.
Em quanto ás preeminências, ordenou El Rei : Que
a Capitanea de Portugal abatesse a sua bandeira for
guinda amaina (arriar, e tornar a içar) d Capitanea
de Castella (que tinha o nome da Real de Hespasba)y
e o mesmo d sua Almiranta Real (o Almirante da Es-
quadra de Castella era superior aos Almirantes das ou
tras Esquadras): Que as Capitaneas dos outros Rei
nos da Monarchia usassem com a Capitanea de Por
tugal a mesma civilidade, que esta praticava com a
Real de Hespanba : E que nas salvas , faroes , e or
dens houvesse similbante correspondência. Esta Orde
nança não foi sempre executada pelos Hespanhoes.
Era por este tempo General da Armada de Portu
gal D. Affonso de Noronha, o qual escandalizado desta
Resolução, que julgava indecorosa a Portugal, deo a sua
demissão. Seguio-se-lhe interinamente no Posro João
Rodrigues Roxo , soldado de fortuna , e experimentado
marinheiro j e pelo mesmo modo D. Jeronymo de A2-
meida , e apôs elle, de propriedade D. António de Ataí
de, que depois foi Conde de Castro Dairo, mas entran
do em hum processo criminal , se nomeou Governador
da Armada D. Manoel de Menezes.
Durante o Governo de D. António de Ataide, se
creou em Portugal o primeiro Terço de Infanteria, uni
camente destinado para o serviço da Marinha , de qoe
foi Mestre de Campo o Almirante D. Francisco de Al
meida; e alguns annos depois (no Reinado seguinte) se
creou outro com o nome de Terço do Soccorro , pelo
motivo da expedição, que foi á restauração da Bahia.*
ambos estes Terços ficarão privativos do serviço naval,
tendo hum dcllcs o seu quartel na Fortaleza de S.Julião.
119
Atites da creação destes Terços guarnecião-se os navios
de guerra Portuguezes com gente collecticia , reunida
para aquelle momento, e concluído o embarque, retira-
va-se cada hum para sua casa ; e desta maneira faltava»
Officiaes , e soldados veteranos quando se querião. As-:
sim a creação destes dois Corpos foi huma idéa feliz.
AsCapitaneas dasNáos da carreira da Índia, quan
do estas fazião Esquadra , estavão no uso de precede
rem , mesmo nos mares da Europa , ás Capitaneas das
Esquadras de Portugal. Ventilou-se este objecto na Cor
te de Madrid, em huma Junta de Ministros Portuguezes
de Guerra , e de Estado, e resolveo-se conservar-lhe esta
preferencia, pelo fundamento, além de outros, de que
a bandeira das Capitaneas da índia não era huma Insí
gnia Real , mas sim huma Insígnia Religiosa , ornada
com a Cruz de Christo (a bandeira das Náos da índia
rinha a Cruz vermelha da Ordem de Christo por baixo
do escudo das Armas Reaes), a cuja Milícia competia
lodo o dominio útil das Conquistas Orientaes; e por con
sequência , huma Insígnia quasi Sagrada, e Ecclesiasti-
ca, não podia ceder a outras Insígnias, ainda que So
beranas, simplesmente Seculares.
Durante este Reinado sahírão de Lisboa para a
Oriente cento e vinte e quatro Náos, ou Galeões, treze
Urcas, sete Patachos, e seis Caravelas. Destes navios
arribarão para Portugal vinte e quatro- Náos, e hum Pa
tacho; e seguirão viagem cem Náos, treze Urcas, sei»
Patachos, e seis Caravelas. Naufragarão na sua ida pa
ra a índia dez Náos, dua^ Urcas, e hum Patacho; e
na torna-viagem nove Náos, e duas Urcas, Forao to
madas, ou queimadas à id3 cinco Náos, e buma Ur-
ca; e na terna-viagem duas Náos. Total 32 vasos per
didos; cujo valor não se pode calcular em menos de yíq*
te e cinco milhões.
Falleceo EIRei FiDppe III. em 1625.
120

I5'99- *"~ Neste anno (i) mandou EIRei duasEsqua-


dras á índia. A primeira de quatro Náos sahio de Lis
boa a io de Fevereiro, commandada por D. Jeronymo
Coutinho, em a Náo S. Roque; e os outros Comman-
dantes, João Paes Freire, na Senhora da Paz; Gaspar
Tenreiro, no S. Machias; e Sebastião da Costa, na Con
ceição. A segunda de três Náos partio a 4 de Março,
commandada por Simão de Mendonça , em a Náo Cas-
tello ; e os outros dois Commandantes, João Soares Hen
riques, no S. Martinho; e Diogo de Sousa, no S. Si
mão (2). .
(1) Couto, Década 12. Liv. j. Cap. 10. — Faria, Ásia Portugue-
za. '■— Epilogo de Pedro Farreio.
(2) Neste anno (Vede a citada Collecção , tomo 2.) sahiráo de Hol-
landa duas Esquadras para a Índia. A primeira de três rrevios , comman
dada pelo Almirante Estevão Van Der Hagen , embarcado em o navio
Sol, de que era Commandante Cornelio Jansz Schouton ; e os outros
dois, a Lua, Commandante Cornelio Heynsen ; e a Estreita da .Manhã,
Commandante Cornelio Jansz Mellicknap.
Partirão de Hollanda a 6 de Abril: a 8 do mez seguinte surgirão
na Ilha do Maio para fazer agua, o que os habitantes embaraçarão, no
tando, e aprisionando alguns Hollandezes. Sahir.do dalli , virão a Costa
de Malagueta a 5 de Junho; a 10 o Cabo das Palmas, que lhes custou
muito a montar; e a :| ancorarão na Ilha do Príncipe, e pedirão li
cença para fazer aguada , dizendo serem Hespanhoes , que passarão ao
Brasil; mas descoberto o engano, negou o Governador a licença, e sen
do atacado pelos Hollandezes , os rechaçou com perda. Largarão desta
Ilha para a do Corisco (*). A 27 avistarão a Costa da Ethiopu, e a a
de Julho acharão a Ilha do Corisco, onde se demorarão quinze dias, to
mando agua, e muito peixe. Fizerão-se daqui á vela, e a 24 derio fun
do debaixo do Cabo de Loj-.o Gonsalves (**). Sahiráo deste ancotadoo-

(*) A Ilha do Coiisco fica quasi na boca do Rio de S. João, na Cos


ta Occidental da Africa, pouco ao Sul da sua ponta do Norte , dana
da o Cabo de S. João, na latitude de i° 14, distante coisa de uuxa
léguas da Ilha do Príncipe. Ha na Ilha do Corisco muita agua, e irtiu ,
e muitos palmitos, e inhames.
(**) O Cabo de Lopo Gonsalves tem surgidouro da banda do Nos- "
te , 8 do Sul , mas este he o melhor.
121
Estas chias Esquadras se reunirão em Moçambique;
e chegarão a Goa nos princípios de Setembro, excepto-
a Náo Castello, que se perdeo no parcel de Sofala, jun
to a Quilimane-, e ainda que se salvou quasi toda a gen
te cm terra , fallecêrão alli muitas pessoas de enfermi
dades, em que entrou o seu Commandante.
1600. — A Esquadra da índia (1) constou de quatro
Náos, em que foi o Vice-Rei Aires de Saldanha em
barcado em a Náo S. Valentim (que á vinda a tomarão
os Inglezes ancorada na Ericeira ) ; os outros Comman-
dantes erão Fernão Rodrigues de Sá, no S. Francisco;
Gaspar Palha, no S. Filippe; e Gonsalo Caldeira, no
S. João (2).
^
to, e forão tomar o da Ilha de Anno Bom, cujos moradores lhes forne
cerão refrescos. Depois destas extraordinárias eícalas , pozerão-se em der
rota para o Cabo de Boa Esperança.
A segunda Esquadra constava de oito navios, commandada pelo Al
mirante Pidro Both, embarcado em o navio Paizes Baixos. Saliio de Hol-
landa a 21 de Dezembro; passou a Linha no 1 .° de Fevereiro de 1600,
e dobrou o Cabo de Boa Esperança a 27 de Março.
(1) Couto, Década 12. Liv. 5. Cap. 8. — Epilogo de Pedro Bar»
reto. — Discurso sobre los Commercios.
(2) Neste anno (vede a Collecção já citada, tomo 2.) mandou a
Companhia de Hollanda huma Esquadra de seis navios para as índias
Orientaes , commandada pelo Almirante Jaques Van Neck , embarcado
em o navio Amsterdam , e os outros erão o Dordreget , o Harlem , o
Leide, o Delfet, e o Hiate Gouda.
Sahio a Esquadra a 28 de Junho: a 1 j de Agosto vio a Ilha do
Maio , e a 24 de Setembro passou a Linha. A 28 virão huma Ilha, que
cuidarão ser a. de S. Mattheus; mas surgindo nella no i.° de Outubro,
adiarão ser a de Anno Bom (o que fazia hum erro de duzentas e sessen
ta léguas), cujos moradores, receosos de algum ataque, consentirão que
pozessem os doentes em terra , e lhes fornecerão agua , e reforços : par
tirão da 11 i no dia 10, havendo-se restabelecido quasi todos os enfermos,
e dobrarão o Cabo de Boa Esperança a 20 de Dezembro.
Com esta mesma Esquadra partirão de Hollanda , com destino ao
Achem, os navios Águia Branca , e Águia Negra , ambos de 600 tone
ladas, e separando-se delia, virão a 1 1 de Agosto a Ilha da Loa Vista,
A S de Setembro encontrarão a Esquadra de Van Neck, e navegarão uni-
Tomo II. 16
122"

Sahio o Vice-Rci de Lisboa a 4 de Abril , c logo


no principio da viagem desappareceo a Náo S. Filippe,
sem se saber mais delia ; as outras chegarão em Outubro
a Goa.
Nos princípios de Janeiro deste anno (1) sahírao da
Índia para Portugal seis Náos, de que veio por Chefe
D. Jeronymo Coutinho, em a Náo S. Roque (que par-
tio alguns dias antes), e os outros Cornmandantes erão
Diogo de Sousa , no S. Simão; Sebastião da Costa, na
Conceição; João Paes Freire, na Senhora da Paz; João
Soares Henriques , no S. Martinho ; e D. Vasco da Ga
ma, no S. Mattheus, trazendo poderes para comraandar
a Esquadra , era quanto não encontrasse o Chefe.
Navegarão os navios desunidos; e a 25" de Abril
avistou Diogo de Sousa a Ilha de Santa Helena, levan
do em sua conserva hum Caravelão, que encontrara em
16° de latitude, com destino do Rio da Prata para An
gola ; e indo buscar o ancoradouro , que he defronte da
Ermida, vio surtas duas Náos Hollandezas, que vinhio
do Sunda, e havia cinco, ou seis dias, que alli espera-
vão por outras duas da sua conserva. Tanto que a? co-
nheceo, aprestou-se para o combate, e foi dar fundo
hum pouco afastado delia , por ter falta de agua.
No momento de ancorar , chegou huma lancha
Hollandeza , e hum pouco arredada, disse em Hespa-
nhol, que o Chefe daquellas Náos mandava dizer 20
Commandante Portuguez, que logo lhe fosse fallar, e
lhe entregasse a Náo, se não, o viria buscar. Diogo de
Sousa mandou apontar huma peça para a lancha > c gri-

•dos. A 24 passarão a Linha ; a 28 descobrir-jo a liba de Anno Brm ,.


de que se julgaváo a mais de cem léguas; receberão algum refrescos, e
a jo se apartarão outra vez da Esqundra. A 6 de Outubro, estando par
4.0 jo' de latitude , virão a Costa de Congo a quatro Jejuas de
«ia; e passarão Cabo de Boa Esperança a 22 de Dezcnihnv
(1) Couto y Década 12. Liv. 4. Cap. 1 j.
123

tar-Ihe que se chegasse mais perto , porque não a ou*


viâo; mas os da lancha fizerao cea-voga, e se retirarão»
Os Hollandezes começarão então a bater a Náo
com muita fúria , matarão dois homens,, cortarão o mas
tro do traquete, e quasi lhe destruirão as enxárcias, e hu-
ma bala passou obliquamente o mastro grande. A equi
pagem do S. Simão, vendo similhante destroço em pou
co tempo, desanirrtou-se ; e muitos homens, desampa
rando os postos, correrão á borda da Náo da parte d'on-
de estava o Caravelão, para se passarem a elle, e fazer-
se á vela, por ser embarcação mui ligeira. Porém Dio
go de Sousa os fez volver a seus postos, ora affrontan-
do-os de palavras, ora persuadindo-os a defender-se co
mo verdadeiros Portuguezes, affirmando, que para aquel-
ias duas Náos bastava a sua. Com effeito a sua arti
lhem, sendo bem servida, matou muira gente aos Hol
landezes, e lhes fez taes avarias, que alando-se pelas re-
geiras, ficarão pela sua proa, d'onde o podião offender
com menos risco.
O Mestre do S. Simão, homem experto, e hábil
marinheiro, metteo na lancha hum ancorote, e foi dar
Jiuma espia , sobre a qual a Náo se atravessou, apresen
tando o costado aos inimigos, e deste modo se baterão
os três navios por muitas horas , até que a final os Hol
landezes largarão as amarras por mão, e fazendo-se á
vela, fugirão.
Os Portuguezes desembarcarão, e apfoveitarão-se
para a sua aguada das pipas, que os Hollandezes rinhão
em terra para o mesmo fim ; e na- Ermida acharão hum
letreiro, que elles alli pozerão para as outras duas Náos,
que fica vão no Achem carregando, em que lhes fazião
saber, que osjavos os reti verão seis mezes cativos, até
chegarem outras duas Náos, que os fizerao pôr era liber
dade. A razão desta prisão havia procedido de que estas
duas Náos forao carregar a Sunda , e todas as patacas
16 ii
1Z4

«[ue Ievavao erao falsificadas ; e tendo comprado com el-


Jas muitas drogas, vierão osjavos a conhecer a falsida-
de, e prenderão todos os que acharão em terra, e os
conservarão presos quatro, ou cinco raezes, até que che
garão outros dois navios da sua conserva, e derão aosja-
vos outra moeda de lei.
Sahidas de Santa Helena as duas Náos Hollande-
zas, concertarão os Portuguezes a sua Náo; e a trinta,
cinco dias depois da acção, surgio na Ilha a Náo Se»
nhora da Paz; aos 3 de Maio a Conceição, e a 16 o
S. Roque com o Chefe da Esquadra D. Jeronymo Cou
tinho. Neste mesmo dia apparecêrão as outras duas
Náos Hollandezas , que esperavão do Achem ; e indo
demandar o surgidouro , corno virão a Esquadra Portu-
fueza , forão ancorar na ponta da Ilha , onde ficaváo 1
arlavento; e D. Jeronymo preparou-se para as ir ata
car, em o vento lhe dando lugar. A' boca da noite veio
a Náo S. Martinho buscar a Ilha, e descobrindo as duas
Náos Hollandezas, cuidou que erao da sua Esquadra,
e por não perder tempo na Ilha , seguro derrota para o
Brasil, onde fez agua , e mantimentos na Bahia , e re
gressou a Lisboa.
O Commandante das Náos Hollandezas, veado que
não havia agua na ponta da Ilha, onde estava, mandou
liuma Carta a D. Jeronymo Coutinho, cm que \bediv>:
» Que elles erão Christaos, e vassallos de num Princip*
»> amigo da Hespanha ; que erão mercadores , que bus-
»» cavão sua vida pelo mundo; e como tinhão necesád*
» de de agua , lhe pedião licença para a mandaf fazff
» nas suas lanchas.»» Respondeo D. Jeronymo, quepoit
erao Christaos, e amigos dos Portuguezes, fossem anco
rar junto delle, e aili firião agua a sua vontade.
Os Hollandezes, percebendo a astúcia, não qttizerao
mover-se, e ficarão ai li mais cinco dias; mas a u df
Maio chegou D. Vasco da Gama com a Náo S. M*
125
«heus, e a tiros de canhão fez desamarrar os Hollande-
zes, que de noite se fizerão á vela , e desapparecêrão.
Apressou D. Jeronymo a aguada do S. Mattheus, e sahio
com a sua Esquadra a ver se ainda podia alcançar os
Hollandezes, o que não pôde conseguir, e assim nave
gou para Portugal , onde chegou a salvamento.
1601. — Neste anno (1) determinou EIReí mandar
á índia duas Enquadras. A primeira de três Náos, com
mandada por D. Francisco Tello, embarcado no S. Ja-
cintho; e os outros Commandanres Sebastião da Costa,
na Senhora da Paz; e Constantino de Mello, no S. Ro
que. A segunda Esquadra, commandada por António
de Mello e Castro, constava de seis Galeões: O São
Tiago , em que elle hia ; o S. João, Commandante Jor
ge de Moura; o Salvador, Commandante Francisco de
Miranda Henrique; o S. Mattheus, Commandante Dio
go Paes Castello; o Santo António, Commandante Ma
noel Paes Viegas ; e a Senhora da Bigonha , de que não
achei o nome do Commandante. Esta ultima Esquadra
levava gente, munições, e dinheiro para remediar as ne
cessidades, que padeciao os Estados da índia (2).
(1) Epilogo de Pedro Barreto. — Faria, Ásia Portugueza. — His
toria Tra»ico-Maritima, tomo 2.
(2) Neste anno (vede a citada Collecqáo, tomo *.) sahírâo de Hoí-
hnda três Esquadras para a índia. A primeira commandada pelo Almi
rante V^olphart Hormansen, constava dos navios Gueldres , em que elle
embarcou , de 250 toneladas; a Zelândia, em que hia o- Vice-Almirante
Hans Hendricksz Bouwcr, de 400 toneladas, o Utrecbt , de 240 tonela
das; e os Hiates Gardien, de 120; e outro de jo toneladas*
A segunda Esquadra compunlu-se dos naviosAmsterdam, Enchuise,
Alckniaar, Leáo Negro, Leão Branco, Leão Verde , Leão Vermelho , e
Pombinha; repartida em duas Divisões, ás ordens dos Almirantes Vai*
Heemsketk, e João Grcnier.
A terceira Esquadra era composta dos navios- a Ovelha, em que le
vava a sua bandeira o Almirante Jorge Spilberg; e o Carneiro, Com
mandante Guiou le Fort ; e do Hiate o Cordeiro> comm.mdado porGui-
Ibeime Jansz.
126

Como não foi possível apromptar ao mesmo teto-*


Sah/rão as duas primeiras Esquadras a 21 de Abril, e a 20 de Amas
io chegarão á altura do Cabo de Boa Esperança, havendo-se na viagem
separado a segunda.
Spilberg partio de HoIIanda a 5 de Maio, a 29 vio a Madeira, a
)I a Palma , da qual se diricio a Cabo Franco , que reconheeeo a 4. de
Junho, e a 10 ancorou ao Sueste de Cabo Verde. Deixando ajli os seus
dois navios, passou para o Hiate, em consequência de ordens da Corc-
j.iauhia, e foi a Porto Da!e , então aberto ao Commercio de todas as Na
ções. Achou neste Porto três Caravelas Portuguezas mercantes , com a»
íjuaeç teve hum combate , de que sahio ferido ; e na sua retirada os Ne
gros da terra assaltarão a lancha do Hiate , em que elle hia , e o âzerão
prisioneiro,, conduzindo-o a Rufino, onde estavão' algumas embarcações
Francezas , que o liwárão das mãos dos Negros. Recolhido finalmente
a bordo da sua pequena Esquadra, voltou com cila a Porto Dale, pata,
se vingar da? Caravelas , de que achou só huma , que tomou , e tornou
a largar por concerto , que fez com alguns Portuguezes estabelecidos
mquelle Porto.
Sahio daqui a 30 de Junho, e a 1 1 de Julho achou-sr a três legoas
de Rio de Cestos (*), e determinou ir á Ilha de S. Thomé a buscar
alguns refrescos ; mas a 26 , avistando a Ilha de Anno Bom , ancorou
relia. Para enganar os moradores, disse-Ihes, que tinha licença d'E!Rei
de Hespanha para ir ao Urasil ; porem vendo logo descoberta a sua falsi
dade , tentou desembarcar com cento e vinte homens debaixo da pro
tecção dos seus navios ; empreza em que foi rechaçado. Partio desta ííru
a 29 , e a ji vio a de S. Thomé, na qual lhe suecedeo o mesmo. Em
consequência destes acontecimentos, atravessou para o Continente, e a
a de Agosto ancorou na Ilha do Corisco. Sahio a 1 1 para o Cabo deLo-
po Gonsalves, em que deo fundo a 17. A jo fez-se de vela, e fi
nalmente reconheceo o Cabo de Boa Esperança a 28 de Novembro.
Seja-me permittido dizer aqui por antecipação, que tendo Spilberg
affírmado ao Rei de Cândia , Qtie os Hollandcics erâo os verdadeiros
ChrisiâoS , e os que tmhâo o verdadeiro Deos nos seus corações ; acon-
teceo pouco depois aprisionar no Porto de Matecaló , situado na mesma
Ilha de Ceilão, três embarcações mercantes Portuguezas, cujas eçuipa-

(*) Este Rio está situado na Costa da Malagueta na latitude N. «•


57 ; e longitude 9^ 8'. He muito estreito, e sr> capaz de pequenas em
barcações, mas as suas margens são povoadas de muitas Aldeãs, onde ha
abundância de arroz , e outros mantimentos: a Costa he por aqui mui
to aparcelada.
127

po tantos navios, sahírão successivamente desde n até


37 de Abril ; e arribarão para Portugal as três Náos do
cominando de D. Francisco Tello , e os Galeões Bigo-
nha, e S. Mattheu?.
António de Mello levava debaixo da sua bandeira
as Frotas do Commercio destinadas para Africa , e Bra
sil , que largou nas paragens convenientes; e seguindo
viagem com os quatro Galeões, que restavao da sua Es-
uadra, se apartou voluntariamente na altura das Ilhas
3 e Tristão da Cunha o Galeão Santo António, que se
foi perder cm Socotorá, onde morreo quasi toda a gen
te ; e o seu Commandante Manoel Paes Viegas, embar
ca ndo-se para Goa com os que haviao escapado, nunca
mais appareceo. Os outros três Galeões forão a Goa.
1602. — A Esquadra da Índia (1) foi este anno de
seis Náos (2), commandada por D. Francisco Tello,

gens chegavão a cem homens, pela maior parte marinheiros índios. Dej-
tes recebeo elle a seu bordo alguns, que acceitárão o serviço Hollandez :
dos outros mandou huns poucos de presente ao Rei de Cândia, inimi
go capita! dos Portuguezes, e mandou deitar o resto ao mar. Tal he
o facto narrado no Jornal de Cornelio Jansz Vennip, Prloto do seu pró
prio navio. — Vede a mesma Coilecçãa no tomo 2. já citado.
CO Faria, Ásia Portugueza. — Epilogo- de Pedro EarTeto.
(2) A Companhia Hollandeza mandou este anno á índia huma Es*
quadra de quatorze navios, e hum Hiate, commandada pelo Almirante
Wybrandt Van Waarwik (vede a citada Collectão, tomo 2.1), tendo
por Vice-Almirante Sebalde de Weert ; os navios eráo: O Maurício (em
que hia o Almirante) de 800 toneladas; a Zelândia, de 800 tonela
das; a Hollanda, de 700 tonelada»; o Nassau, de 6'io toneladas; o Sol ,
de $00 toneladas; a Lua, de 500 toneladas; o Messingue, de 500 to
neladas; o Erasmo, de 500 toneladas; o Jardim de Kollanda , íte 400
toneladas; a Estreita, de j6o toneladas; a Virgem de Enchuise, de «5»
toneladas; o Ganso , de 280 toneladas; a Concórdia, de 24c tonela»
das; o Rotterdam, de 260 toneladas; e o Miate Pombinha, ,.e 50 to
neladas. Estas embarcações hião bem artilhadas, e levavão tnais de mil
bornens,
A 1 j de Maio sahio primeiro de Hollanda o Vice-Altnirnnte Weett
a 17 de Junho o Almirante V aarwik com o resta
m
embarcado em a Náo S.João; e os outros Commandan-
tes Sebastião da Costa, na Senhora da Paz; Sebastião
Macedo de Carvalho, no S. Francisco; Constantino de
Mello, no S. Roque; Vicente Paes Castcllo Branco, no
S. Mattheus; e Vicente de Sousa, no Galeão Conceição.
Sahio a Esquadra de Lisboa a 25 de Março, e che
gou a Goa no mez de Setembro.
Determinando-se em Goa (r), que o Galeão S.Tia
go voltasse carregado para Portugal (ainda que construí
do para a guerra), deitarão-lhe hum entrecosrado para
o fortificar, e metterao-lhe no porão quatro mil quin-
taes de pimenta, e nos baileos, coberta, convéz , roí
da, tombadilho, e até dentro da lancha, e á roda do ca
brestante erão tantos os caixotes, e fardos a cavalete,
que não podia passar hum homem entre elles; e ainda
não satisfeitos desta espantosa carga, pozerão fardos, e
camarotes de vento nas mezas , e em postiças armadas
por fora do costado , de maneira que o Galeão vinha en
terrado no mar, e era impossivel marear o panno em
qualquer momento critico. Em recompensa não tinha
partido da índia desde muitos annos hum navio tão im
portante.
A ^S de Dezembro de 1601 sahio António de Mel
lo e Castro no Galeão com perto de trezentos homens,
entre marinheiros, soldados, e escravos; e além destes,
vinhão trinta Fidalgos , e pessoas nobres , como cráo D.
da Esquadra. A 24 de Julho descobrio a Madeira , e a f de Agosto a
Ilha da Eoa Vista. A 2 j achou-se junto ao Cabo das Palmas, e a c de
Setembro reconheceo a Ilha de S. Thomé, que não pôde tomar. Ali
vio o Rio de Gabão, e a 24 ancorou no Cabo de Lopo Goraalres, p«»
ra fazer agua. Sahio a 28 ; a 1 1 de Outubro chegou á Ilha de Anro
Fom , onde por forqa de armas , e com perda de gente , íer. aguada , eo-
ilieo algumas fructas, e queimou , e saqueou tudo quanto pôde alcançar.
Largou desta Ilha no dia 21 , e a 12 de Dezembro dobrou o Caio de
Boa Esperança.
: (1) Vede a Historia Tragico-Maritima, torno a
129
Pedro Manoel, irmão do Conde da Atalaia ; D. Filippé
de Sousa, D- Manoel de Lacerda, Francisco de Mello?
e Castro, filho do Commandante; Ruy Pereira, Simão
Ferreira do Valle, Duarte Barbosa de Alpoem, Álvaro
Velho, João Falcão, Fernando Ortiz de Távora, Pedro
Mexia , o Padre Fr. Félix, e outros.
Vendo António de Mello, que o Galeão governava
mal, ordenou, com o parecer dos Officiaes, que se ali
jasse ao mar o que fosse indispensável para ficar mais
boiante ; e assim se fez , obrigando-se todos ás perdas
do alijado, por serem efFeitos de marinheiros, e grume
tes. Navegando na volta de Moçambique, na forma do
seu Regimento, não o pôde tomar, por ser o vento con
trario a isso, e bom para seguir viagem. A 2? de Fe
vereiro de i6oz passarão o Cabo de Boa Esperança com
tudo largo , e mar bonança , como até alli não passara
navio algum.
Montado o Cabo, preparou-se a artilhem , e fize-
rão-se todas as disposições para se poderem defender,
por terem noticias na Índia de haverem passado ao Sun-
da muitos navios Hollandezes. Agitou-se aqui a ques
tão , se devião ir á Ilha de Santa Helena, ou seguir pa
ra Lisboa , onde podião chegar até Maio. O Regimen
to, que António de Mello trazia de Goa, dado pelo
Vice-Rei Aires de Saldanha, ordenava:
» Que a derrota fosse á Ilha de Santa Helena,
» como Sua Magesrade mandava ; e que achando sur-
99 to algum navio inimigo, o accommettesse , parecen-
99 do-lhe que seguramente o podia fazer, com tanto que
>» não se desgarrasse do surgidouro. E que chegando
*9 á Ilha, surgisse na primeira ponta, chamada o Espa-
99 ravel , porque estando a Bahia oceupada de Náos ini-
99 migas, ficava seguro de não poderem ir a clle, por
»» ser o vento sempre por cima da terra, contrario a
99 quem estava dentro , que não podia ganhar aquella
TomJI. 17
130

*» ponta. E nío estando Náos inimigas na Bahia, iam-


» bera ficava melhor no dito Porto, para dallj defen-
» der a entrada da Ilha a quem a viesse demandar de
« fóra. Que depois do Galeão bem amarrado, seria
»> bom mandar fazer em terra huma trincheira cora
» duas, ou três peças, e gente suficiente, a cuja som-
»-• bra ficaria melhor defendido o navio, e capaz de oí-
» fender a quem viesse demandar o Porto. E que acon-
» tecendo ajuntarem-se as outras Náos da sua conser-
» va , não deviao deixar o ancoradouro do Esparavel,
» ainda que fizessem aguada com mais trabalho, pois
*> que delle se podião defender , e impedir aos inimi-
" gos> 9,ue surgissem na Ilha. Que suecedendo, que
»» no dito lugar, e na Bahia estivessem surtos mvios,
« com os quaes não fosse licito arriscar-se a pelejar,
» passasse de largo seguindo a sua viagem para- o Rei-
» no} na forma do Regimento. E que surgindo em
?> Santa Helena, mandasse vigiar a terra, e a Ermida
» por pessoas intelligentes , e fossem ao alto da serra
»> descobrir rasto de inimigos. Que acontecendo ap-
»> parecerem mais Náos, que a da sua conserva (que
»> era indicio certo de serem inimigas), se fizesse á ve-
>» la , e assentasse com os Officiaes, Fidalgos, e mais
» pessoas o que conviesse para maior segurança da via-
« gem, não se desviando da altura limitada. E que se
»> encontrasse alguns navios inimigos , deixava em seu
»> entendimento como se haveria com elles. >»
Com este Regimento se defendeo António de Mel
lo de não proseguir a viagem para Portugal, além de ou
tras ordens precisas, que trazia do Vice-Rei, e Conselho
de Estado da Índia , que o obrigavão a tomar Porto
naquella Ilha , e esperar alli todo o mez de Maio pelos
outros dois Galeões do seu coiymiando, que havião sahi-
do da índia depois delle, para irem juntos buscar a Cos
ta de Portugal, em que andavão Corsários. Estas Oídcoa
131
Hle tinhno sido dadas, a pesar de todas as representa
ções, que contra ellas fizera erri Goa. *
-" Repartio António de Mello os postos para o caso
de combate, nomeando D. Pedro Manoel para comraan-
dar no convéz . Ruy Pereira no castello de proa, e Si
mão Ferreira do Valle na tolda. Constava a artilheria
do Galeão de dezesete peças, quasi todas de pequeno ca
libre , e as do convéz (sua única bateria) não se podião
ponteirar, tanto por serem as portinholas muito estrei
tas, como pela grossura dos dois costados; e além dis
so estava o convéz empaxado com fardos, e caixotes ;
também as munições de guerra erão poucas. Em fim,
preparado o navio do modo possível, soltou o rumo pa
ra Santa Helena.
A 14 de Março pela manha avistou a Ilha , e indo
buscai la pelo Norte , descobrio a ponta do Esparavel, e
logo ancoradas no- Porto três Náos Hollandezas. Esta
Esquadra , commandada por Cornelio Sebastiansz, vinha
do Sunda , e havia chegado a Santa Helena nos princí
pios de Fevereiro, em consequência das ordens, que pa
ra isso- recebera. A Capitanea montava trinta e duas pe
ças, e as outras trinta cada huma : todas tinhão duas ba
terias; e como só trazia cada huma dois mil quintaes de
pimenta, vinhão mui boiantes, e bem armadas, e as suas
portinholas erão bem rasgadas , de maneira que pontei-
ravão as peças para todas as partes. Cada huma tinha
de guarnição quasi cem homens escolhidos.
António de Mello, ainda que alguns lhe aconselha-
vlo a retirada, considerando quanto o seu Galeão era
mio de vela, e o animo que similhante manobra daria
aos inimigos, resolveo ir buscar o ancoradouro, que o seu
Regimento lhe ordenava. O Commandante Hollandez
quando vio vir o Galeão demandar o Esparavel, cuidou
que queria encalhar, e queimar-se, como fizera na Ilha
da* Flores a Náo Santa Cruz, acossada dos Inglezes. Em ;
17 ii
132
consequência expedio logo huma lancha com hum trotn;
beta a fallar aos Portuguezes, e foi-se entretanto fazen
do á vela com a sua Não, e mais outra , deixando a ter
ceira no ancoradouro. A lancha fallou de largo, sem
se perceber o que dizia , e retirou-se logo , porque isto
era artificio para entreter o Galeão, que foi dar fundo
no Esparavel , onde ao mesmo tempo surgirão as duas
Náos Hollandezas, que forçando de vela, havião ganha
do barlavento, vindo com bandeiras, e flâmulas, tocan
do as trombetas, com a artilheria fora, e morrões acce-
»os. Simão Peres, Mestre do Galeão, bradou a Antó
nio de Mello, que não consentisse os inimigos naquelle
Ipg3r. António de Mello atirou-lhes hum tiro, a que
elTes responderão com toda a artilheria , e assim se tra
vou huma furiosa batalha a tiro de arcabuz , arma de
que os Portuguezes usarão todo o dia, mas com pouco
effeito, porque dos inimigos não apparecia pessoa algu
ma descoberta , pelas boas trincheiras que trazião. Vea
do António de Mello, que na posição em que estará,
lhe não servia huma parte da sua artilheria , mandou
dar huma espia em terra pela popa , com que o Galeão
se atravessou ; e sentindo os Hollandezes o damno; se
fizerão á vela, e no outro bordo vierão surgir em tal po
sição, que hum dos seus navios ficava pela proa do Ga
leão. ' Com esta varuagem pelejarão todo o- dia, haren-
do de paste a parte muitos mortos , e feridos , entre os
cuaes foi hum Francisco de Mello e Castro, que estan
do no convéz apontando huma peça , cuja guarnição o
tinha desamparado, recebeo treze mortaes feridas, e per-
deo hum olho pelos estilhaços que levantou huma bala,
que atravessou os costados. E estando cahido sem accor-
do, querendo D. Pedro Manoel encobrir a seu pai este
triste suecesso, não pôde, porque como elle acudia a ro
das as partes , veio logo n 11 i , e cuidando que o filho es~
taya morto , levantou a voz , e disse : Senhores y nii
133

haja turvação ; se meu filho está morto , cubrao-no \


que acabou em seu ofício , e cada hum acuda ao seu.
Os Portuguezes não cessa vão de buscar todos os
meios de offender os Hollandezes, cujas balas fazião
grandíssimo estrago no casco do Galeão , e nas enxár
cias. No convéz hum Artilheiro Hespanhol , agastado
de lhe não correr huma peça á sua vontade, acabava de
dizer : Praza a Deos, que venha huma bala, e me que
bre estas pernas , quando chegou a bala , e lhas que
brou , e o matou. O Piloto tinha seis escravos , e mer-
teo-os todos entre as abitas mui juntos , cuidando esta-
rião mais seguros; veio huma bala, e espedaçou todos
seis. Além destas mortes, houverao outras, e muitos fe
ridos. Todos os Fidalgos , e soldados mostrarão mui
to valor, pelejando com os seus mosqueies, e arcabu
zes , e servindo a artilheria , porém cheios de magoa de
não poderem chegar ás mãos com os inimigos.
Cerrada a noite, botarão-se os mortos ao mar, e
se curarão os feridos; reformou-se o apparelho, que es
tava espedaçado , trabalhando todos nisso; e parecendo
a António de Mello, que os Hollandezes tinhão naquel-
Je sitio muita vantagem, e que no mar largo, se esti
vesse agitado, serião obrigados a fechar a primeira ba
teria, que era a mais importante, e elle poderia aprovei-
tar-se da sua artilheria de hum e outro lado, o que lhe
não era possivel estando surto, determinou fazer-sc á ve
ja ; e dando disto conta a algumas pessoas, julgárso qiis
devia seguir seu caminho, na forma do Regimento; e
esta foi também a opinião do Mestre. Rendido o quar
to da prima , se desamarrou o Galeão; e como os Hol
landezes, logo que anoiteceo, voltarão para o Perto, com
receio de que os Portuguezes os abordassem de noite,
que era o que mais teniiáo, vendo vir o Galeão velejado
qom a proa direita a elles, alaráo-se para a terra com
unta presteza , que ficarão por seu barlavento, e não pô^
134
de António de Mello abordallos > como era seu intento,
e lhe foi forçoso seguir viagem.
As três Nãos" Hollandezas, fazendo-se então á vela,
em breves horas o alcançarão ; e ficando hnma delias
affastada , as outras duas se collocárão pela sua popa , e
alheta de sotavento, e o começarão a bater, mettendo-
lhe muitas balas ao lume de agua, sem o Galeão Jhet
poder fazer grande damno, porque além de não trazer
peça alguma na popa, como lua a barlavento, era-íhe
preciso arribar quâsi a popa , para lhe servir a sua bate
ria, mas nesta occasião orça vão etles, e tiravão-se da
direcção das peças, que pela estreiteza das portinholas,
e embaraço dos caixèes, e fardos que empaxavao o con-
véz, não podião ponteirar. Desta maneira se acabou o
dia, havendo alguns mortos, e feridos a bordo do Ga
leão, que ficou hum crivo de balas, por onde bebia tan
ta agua , que não a podião vencer as duas bombas : a»
enxárcias, é velame estavão feitos em pedaços, e o mas
tro grande passado por tantas partes, que se esperara
que cahisse. Passou-se a noite com grande trabalho, não
descançando pessoa alguma, especialmente para acudirás
bombas ; pois ainda que o Calafate José Diniz andou em
hum balso tapando os buracos por fora , debaixo do ro
go dos inimigos, não pôde tapar todos por causa da ma
rota ; e por dentro era impossível, pelo macisso da car
ga. Deitarão-se os mortos ao mar, curarão-se os teri-
dos, e preparou-se tudo o melhor que foi possível. Mas
António de Mello, percebendo que não podia rer van
tagem , senão abordando os Hollandezes , mandou ao
amanhecer largar huma bandeira encarnada, que naoucl-
les tempos significava hum desafio para abordagem; e
fez abrir duas portinholas na popa, em que se cavalga
rão dois canhões tirados da proa.
Os Hollandezes mostrarão ao principio acecitar o"
desafio, porém mudarão de projecto, e continuarão a ba-'
ter o Galeão com a sua. artilhem , matando , e. ferindo
algumas pessoas, e recebendo rambem algum darhrio das
duas pejas da popa. A. este tempo achava-se já o Ga
leão sem governo , a mastreação arruinada, sem pan/io,,
nem cabos, e as bombas entupidas , por se haver ar
rombado hum paiol de pimenta, a qual correo para a ar
cada da bomba. Neste estado, a maior. parte da gente
se deo por perdida, c muitos forao representar ao Com-
mandante , que o Galeão hia a pique , e era necessário
render-se, para salvarem as vidas. António de Mello
os animou, lembrando-Jhcs que erão Portuguezes, a quem
a morte nunca fez esquecer ,da honra; e que de noite
desentupiriao as bombas , e alijariãp muita, fazenda ao
mar, como havião feito, na antecedente; e que esperava
em Deos se defeuderião com muita gloria, Os Fidalgos, e
mais pessoas distinçfas, ,que se comportarão sempre com
o major valor, ajudarão a socegar o alvoroço, e a ani
mar a gente atemorizada.
Tomando, todos ~ a seus postos, não passou muito,
que se levantou bum sussurro entre a gente, de que o Ga-
Jeão se hia ao fundo ; è com grande motim tornarão ao
Commandante, leva/idò cqmsigo o Padre Fr. Félix com
hum Crucifixo nas mãos, o qual lhe requereo em nome
de toda aquella gente, que pelas chagas de Nosso Senhor
Jesus Christo se quizesse entregar. Respondeo-lhe Antó
nio de Mello : Já Fossa Reverencia tem muito bem
cumprido com o Oficio de Re/igioio, c Pregador, agora
deixe-me a mim fazer o de Capitão. O Escrivão Ma
noel Ferreira, ousou d^c-lhe, que pozéssè o caso a vo
tos, a que elle se recusou. Chegou neste momento o Mes
tre , que vinha do porão, e fallando-lhe ao ouvido, pa-
receo aos que estavão presentes ouvir-lhe diztr, que o
Galeão hia a pique, e responder-lhc António de Mello:
JPeis ajudallo a ir, ao que o Mestre lhe tornou: Logo
136
V. mercê quer morrer ? Pois se iss§ quer, também eu
morrerei com elle.
A isto bradou quasi toda a gente com grande mo
tim : Se Vossas mercês querem morrer , nos queremos
salvar as vidas ; jd que não aproveita pelejar , nem
ha remédio de defensa. E desobedecendo ás vozes, e
diligencias do Commandante, correrão ao tombadilho,
e içarão huma bandeira branca , a cuja vista cessarão os
Hollandezes o fogo, e vierão a bordo nos seus escaleres.
Entrando o Commandante Hollandez na camará , onde
António de Mello estava retirado com algumas pessoas,
que nunca o desampararão , o cumprimentou com as pa
lavras em taes casos costumadas , proraettendo-lhe em
nome da sua Republica toda a fazenda, que lhe perten
cesse; e que lhe entregasse os papeis, e pedraria que tra
zia; a que António de Mello respondeo : Esse partida
fazei vos com os que vos entregarão o Galeão , e vtf
chamarão , e deixarão entrar, que eu não beide mister
mercês vossas , nem da vossa Republica , porque tesbt
Rei para mas fazer : nem eu tenho para vos entregar
nada, pois me não dou por vencido, senão quando vis
me abordardes, e renderdes pelas armas. Cora esta re
sposta voltou o Hollandez colérico nos escaleres para os
seus navios, d'onde tornou a vir com gente armada. Nes
te meio tempo tomou António de Mello as Vias, e li
vro de carga , com boa copia de pedraria , e deitou todo
ao mar, dizendo a Ruy Pereira, e a outros que estarão
na Camará, e lhe observavão o perigo a que se expu
nha : Que perecesse embora a sua vida, e não pereces
se bum ponto da sua obrigação, nem permittisse Deos,
que os inimigos soubessem os segredos d* ElRei.
Disto se resentio muito o Commandante Hollao-
dez, c mandou passar para bordo da sua Náo a Anro-
nio de Mello, e a seu filho Francisco de Mello, coo\
137
outras pessoas priricipaes; e depois trabalharão os Por-
tuguezes, e Hollandezes em reparar o Galeão até ser noi
te , que os Hollandezes não ousarão ficar nelle, Com re
ceio que fosse a pique.
No dia seguinte tornárso os Hollandezes, e conti-
nuou-se o trabalho dos ga motes, e o reparo dos furos
das balas •, mas a pezar de tudo , cada vez o Galeão se
afundava mais, por ser impossível tapar-lhe todos os rom
bos , de que estava crivado; e vendo isto os Hollande
zes, que esravao a bordo, chamarão as suas lanchas, e
saltarão nellas com tal pressa, que se afogarão dois. Os
Portuguezes , considerando-se abandonados, largarão os
gamotes , e huns nús , outros vestidos, subirão-se pelos
bordos, e pelas mezas , clamando aos Hollandezes, que
os recolhessem; porém estes, longe de o fazerem, ma-
tâvao os que os hião buscar a nado , entre os quaes foi
hum o Calafate José Diniz. Ao Escrivão ferirão grave
mente , e assim mesmo se pôde metter na lancha ; e fa-
zendo-se morto em quanto clles se oceupavao em assas
sinar os mais, escapou com vida. Finalmente gritando
alguns do Galeão aos Hollandezes, que tomassem pedra
ria, e mostrando-lhes bizalbos delia, forão recolhidos a
bordo. O Mestre mostrou-lhes o seu apito com cadéa
de prata , e foi recebido. Os restos da gente, observan
do que só levavão os que davão pedraria (que poucos ti-
nhão) , entrarão em desesperação, e pegados por fora do
costado , pedião a gritos misericórdia.
Succedeo aqui hum caso raro. Hia no Galeão hum
Artilheiro chamado Vicente Fernandes, fugido do Rei
no , com intento de ficar na índia , temendo ser enfor
cado em Portugal por haver morto hum homem; e ven
do que os Hollandezes só tomavão os que tinháo pedras
preciosas, determinou lançar-se da popa dentro das suas
lanchas quando passassem por baixo. Para isto pendu-
rou-se de hum balso, com taes voltas, que indo a ar*
Tomo 11. i8
139 .
riar-se sobre huma lancha , se lhe embaraçou o balso no
pescoço , e ficou nelle enforcado.
Não podendo António de Mello soffrer por mais
fempo tão triste espectáculo , disse ao Com mandante
Hollandez, que já que soubera vencer cora tarifo valor,
o mostrasse em se apiedar daquella gente, que diante
dos seus olhos se hia ao fundo, pedindo-lhe misericór
dia. A esta justissima representação respondeo outro Of-
fkial Hollandez, insultando grosseiramente a António de
Mello, e ameaçando-o com a morte. Entretanto anoi-
teceo.
Os Portuguezes, irritados da barbaridade dos seus
inimigos, começarão com grande espirito a trabalhar na
sua conservação, alijando ao mar a artilheria, e fazen
da que poderão > e não cessando com os gamotes: ama-
nheceo o Galeão ainda sobre o mar, com espanto dos
Hollandezes, que parecendo-lhes agora o poderião fazer
navegável, ou que ao menos salvariao parte da carga,
acudirão com muita gente; cortarão o mastro grande,
que estava incapaz de serviço; e alijando mais caixo
tes, e tapando por fora os rombos mais baixos, pelo so-
cego do mar o permittir, chegarão a desentupir as bom
bas, e a vencer a agua, com grande gosto dos Portugue
zes, que se derão por salvos. Finalmente em poucos
dias se poz o Galeão em estado de navegar, posro que
sempre fazendo agua; e assim seguirão derrota paca a
Ilha de Fernando de Noronha, expedindo logo para Hol-
landa o navio, que não entrara em combate.
Em 22 dias, que gastarão aré á Ilha de Fernando
de Noronha , soífrêrão os Portuguezes cruel trato dos
Hollandezes , que se não devia esperar nem de gente
barbara; e antes de os lançarem na Ilha, forao a hum
e hum apalpados por dois Hollandezes escolhidos para
esse ministério, que os despirão mis, para que não esca
passe cousa alguma. António de Mello foi apalpado. em
r39
Iram camarote pelos Commandantes dos dois' navios Hol
landezes, que nada lhe acharão. Povèm o que os Portu-
guezes mais sentirão forao os insultos, que elles fizerão
a algumas Imagens.
Desta maneira forão os Portuguezes desembarcados
sa Ilha, sem cousa alguma que os abrigasse, e só a
Francisco de Mello derão huma alcatifa para ser trans
portado, por estar muito mal das feridas; ea todos os
escravos declararão livres, levando comsigo os que qui-
zerão ir com elles.
Entrados os Portuguezes na Ilha, se fez resenha de
gente, e achou-se que nos combates, e suecessos que se
lhes seguirão , morrerão quarenta homens, pela maior
parte escravos: dizia-se, que dos Hollandezes morrerão
dezoito. Todos os moradores da Ilha se reduzido naquel-
le tempo a hum Feitor Portuguez, com treze escravos do
ambos os sexos. Os Hollandezes derão aos prisioneiros
hum moio de milho pilado, hum barril de arroz, hum
pouco de biscouto avariado, e hum barril de vinagre;
ainda que se lhe pedirão alguns dos muitos mantimen-
los, que trazia o Galeão; e nem mesmo lhes quizerão
deixar huma espingarda para poderem matar algum ga
do bravo, de que havia bastante na Ilha.
Padecerão aqui os Portuguezes grandes fomes, e ne
cessidades, porque as arvores não da vão frueto, nem os
campos hervas, que se comessem ; e assim tratarão de fa
zer hum barco, para mandarem á Costa fronteira do Bra
sil buscarem auxilios, e meios para sahirem dalii, e com
summa difficuldade obtiverão dos Hollandezes alguma
ferramenta, com que á força de trabalho concluirão o
barco.
A falta de abrigo, a má qualidade das aguas, e dos
alimentos causarão doenças graves; c estando António de
Mello muito mal, pedio-se huma gallinha aos Hollande
zes, que não a quizerão dar, e foi necessário comprar-se
18 U
140
hurna ao Feitor da Ilha a froco de camizas; mas pondo
a gallinha hum ovo, julgou-se conveniente não a matar,
a fim de aproveitarem os ovos para António de Mello,
e seu filho.
Demorarao-se os Hollandezes na Ilha muitos dias,
em que baldearão a maior parte da carga do Galeão no*
seus navios, e a final partirão com elle para Hollanda-,
levando por força alguns marinheiros Portuguezes; po
rém antes de sahirem , escreverão por duas vezes a An
tónio de Mello, pedindo huma cadêa de ouro, que di-
ziao terem visto em terra a hum dos prisioneiros , com
ameaças de queimarem o barco; e por fim nada fizerãa.
Neste barco partio da Ilha D. Pedro Manoel, que
chegou felizmente a Parahiba , e dalli avisou ao Gover
nador de Pernambuco Diogo Botelho, que expedio duas
Caravelas a buscar a gente , a qual por ultimo veio a
Portugal. António de Mello justificou-se por Justiça, e
em Resolução de Consulta do Desembargo do Paço de
l£ de Julho de 1603 foi declarado não só livre de toda
a culpa, mas louvado pelo seu bom comportamento.
1603. — A Esquadra da índia (1) foi de cinco
Náos (2), commandada por Pedro Furtado de Mendoa-
(O Epilogo de Pedro Barreto. — Faria, Ásia Portngueia.
(2) A Esquadra Hollandeza (vede a citada Collecção tomo {.) , qae
se armou este anuo para a índia, era commandada pelo Almirante Este
vão Van der Hagen > tendo por Vice-Al mirante Cornelio Sebastiansz, e
constava dos seguintes navios : As Províncias Unidas (em que hia o Al
mirante), de 700 toneladas, seu Commandante Simão Hom; o Anaster-
dam, de 700 toneladas, Commandante Arem Claarsz Calck-huts; o
Dordrecht (navio do Vice-Almirante ) de 700 toneladas, Commandante
Hans Rymerandt; o Hoorn, de 700 toneladas , Commandante João Cor
nei isz Avenhorn ; o Gueldres, de 500 toneladas, Comandante João Jaosx
Mol; a Zelândia , de 5 00 toneladas , Commandante Crijn Pietern ; a
Oueste Frizia, de 500 toneladas, Commandante Jaques Jacobsz Chiar;
a Corte de Hollanda, de J40 toneladas, Commandante Guilherme Car-
nelisz; o Derft , de joo toneladas, Commandante Guilherme Lcc* , o
Eiiciíuise^ de joo toneladas, Commandante Nicoláo Tliijiz Cab; o (jou-
MI
ça, embarcado em a Náo Bitancor; e os outros Com»,
mandantes Vasco Fernandes Pimentel * no Galeão São
Salvador; António Moreira ,. no Galeão S.,.Siniãol4 An,*
tonio Vaz Salema , no S. João; e Pedro de Almeida
Cabral , no S. Mattheus. ._...", ...'.", .,
Sahio a Esquadra de Lisboa a 9 de Abril , e chegou
a Goa por todo o mez de Outubro.
1604. — Este anno (1) partio para a índia o Vice-
Rei D. Martim Affonso de Castro, commandando huma
Esquadra de cinco Náos, indo elle embarcado no S. Ja-
çinthoi e os outros Commandanres Braz Telles de Me
nezes , na Senhora da Palma; António de Mendonça,
no S. Filippe; D. João de Menezes, no S. Nicoláo; e
Manoel Barreto Rolim, na Senhora das Neves. .
Sábio o Vice-Rei de Lisboa a 28 de Abril , e na
vegando só, por se espalharem os navios, foi ter Ás Ilhas
de Angoxa com o mastro grande rendido , e dalli a Mo
çambique, onde invernou. O S. Filippe perdeo-se em An
goxa, salvando-se a gente. As três Náos restantes, achan-
do-se já em ia" de latitude Sul, arribarão para Portu
gal ; caso extraordinário, de que não achei explicação!
Era Novembro partirão de Lisboa para Malaca as

da de a6o toneladas, Commandante Comelio Henz Pronek ; o Meden-


blick , de ajo toneladas, Commandante Díerick Claasz Moylieves ; e o
Hiate Pombinha, de 6o toneladas, Commandante Guilherme Jansz. Esta
Esquadra levava mil e duzentos homens de guarnição ; e o seu armamen
to importou perto de oaodiooo cruzados.
Sahio de Hollanda a 18 de Dezembro, menos o Gouda , que partio
depois; e a 10 de Março de 1604 ancorou na Ilha do Maio, da qual
passou á de S. Tiago. Aqui o Almirante escreveo ao Governador, pe
dindo licença para comprar alguns refrescos; ao que lhe respondeo : Que
fará as 11 ollondeies não tinha senão pólvora , e bala. Com isto se fez a
Esquadra á vela, passou a Linha a 9 de Abril , e dobrou o Cabo de Eds
Fsperança no i.° de Junho.
(O Epilogo de Pedro Barreto de Rezende. — Faria e Sousa, Ásia
Fo.tujueza.
142
Caravelas S. Bernardo, commandada por Sebastião da
Costa ; e Santo António, de que era Cominandante Se
bastião Barbosa; e ambas forao a salvarhenro.
ióc^. — Este anno (r) sahírao de Lisboa duas Es
quadras para o Oriente. A primeira, que parrio a 7 de
Março, destinada para Malaca, era de três Galeões; no
primeiro, chamado Senhora das Mercês, ília o Chefe
Álvaro de Carvalho, com ò Posto de General do Mar
do Sul; dos outros eráo Commandantes Manoel Masca
renhas Homem , do S. Nicoláo; e D. Francisco de No
ronha, do S. Simão. Esta Esquadra ancorou em Goa
no mez de Outubro (2).
A segunda Esquadra sahio a 27 de Março, com-
Sosta de sete Náos, commandada por Braz Telles de
lenezes; e os outros Commandantes Pedro da Silva, na
Conceição; Vicente de Brito e Menezes, na Senhora da
Pai :11a ; Manoel Barreto Rolim , nos Martyres ; D. João
de Menezes, na Salvação; D. Francisco de Almeida, na
fj) Epilo»o de Pedro Barreto. — Faria, Ásia Portujjueza.
(2) A Enquadra, que a Companhia de Hol landa (vede a citada Co)-
lecçáo , tomo }.) mandou este anno á índia, ás ordens do Almirante
Cornelio Metelief Júnior, constava dos navios: o Oange (em que elle
tinha a sua Insígnia) de 7C0 toneladas, e 165 homers; o Maurício, de
7U0 toneladas, e 144 homens; o Amsterdam, de 700 toneladas, e 179
homens ; o Aliddelbug , de 600 toneladas , e 1 j 1 homens ; o Leio Ne-
gro, de 600 toneladas, e 127 homens; o Ijcío Branco, de 540 tonela
das, e 140 homens; o Sol jjrande , de 540 toneladas, e 1 50 homens: o
Erasmo, de 500 toneladas , e 14? homens ; as Provircias Unidas, de
400 toneladas, e ico homens ; o Nassau, de jio tonelada* , e 85 ho
mens; e o Sol pequeno, de 220 toneladas, e 67 homens. Este Arma
mento custou á Companhia pouco mais de 780& cruzados.
A Esquadra partio de Kollanda a 24 de Aiaio, e a 4 de Julho an
corou na Ilha do Maio, em que fez aguada. Sahio dalli a 19, e desço
brio a Costa de Afiica 3 iode Agosto pela latitude de 6" Norte. Pas
sou a Linha a 2;. Vio a Ilha de Anno Bom a 7 de Setembro, onde se
proveo de agua, e refrescos; nesta Ilha habitaváo enrão unicamente
dois Portuguezes. Sahio a 1 5 , leconheceo a Ilha da Ascensão a 7 de
Outubro; e a 21 de Novembro tomou sondas tio Cabo das Agulhas.
143
Oliveira; e Manoel T.eJ.les de Menezes, no Galeão Sal
vador. Esta Esquadra tomou Goa nos princípios de Se
tembro.
Na torna-viagem encalhou na Ilha de S. Louren
ço, pela banda de dentro , a Náo Bitancor ; e cortando
o mastro grande, esteve quatorze dias encalhada na vasa ,
mas a final sahio, e foi a Moçambique, d'onde voltou
Sara Goa, a fim de se concertar. As Náos Salvação, e
tartyres tiverão peior fortuna, porque se vierao perder
na barra de Lisboai u
1606. — Neste anno (1) não foi Esquadra á índia,
posto que seapromptasse huma de três Náos, porque Jiu-
ma poderosa Esquadra Hollandcza bloqueou o Porto de
Lisboa. Os Ministros.de Hespanha não pcrcebiao , que
as riquezas daquella Monarchia vinhao do Ultramar; e
por consequência havião passar para as raaos de quem
fosse senhor dos mares (2). ' '•"■
1607. — Neste anno (3) mandou EIRei duas Esqua
dras ao Oriente, A primeira commandada por D. Je-
ronymo Coutinho, constava das Náos Senhora da Penha
de França, em que embarcou D. Jeronymo; Senhora
de Jesus, de que era Coramandante D.João de Mene-
(1) Epilogo de Pedro Barreto. — Faria, An ia Portiigueza.
(a) A Companhia de Hollanda (Vede a citada Collecção, tomo }.)
mandou este anno á índia o Almirante Paulo Van Caerden com huma
Esquadra composta dos navios o Banda, em que elle hia embarcado , de
600 toneladas; o Bantam , de 700 toneladas; o Y&alcheren, de 700 to
neladas; o Terveer, de 700 toneladas^ oZiericzea, de 500 toneladas;
a China, de 420 toneladas; o Ceilão, de (4° toneladas; e o Patane ,
de 340 toneladas.
Sahio Caerden a 3 de Junho: a 12 de Setembro vio a Costa de
Guiné , ao longo da qual navegou em demanda do Cabo de Lopo Gon-
salves , em que surgio a jo. Partio daqui, e a 6 de Novembro ancorou
na llhi de Anno Bom, onde tomou agua, e refresco, feguio a sua via
gem, e no i.° de Janeiro do anno de 1607 se achou na latitude da
Cabo de Boa Esperança.
(j) Epilogo de Pedro Easreto. — Faria, Ásia Fortugueia.
144
zcs ; e S. Francisco , commandado por D. Francisco de
Lima (r)..' " '"'
(i ) Â Esquadra, que a Companhia de Hollanda mandou este anno i
Índia (Vede a citada CoUeççáo, tomo 4..)» «a commandada pelo Al
mirante Pedro Willzmsz Verhoeven , levando por Vice- Al mirante Fran
cisco Wettet , e constava dos navios seguintes: Províncias Unidas (on
de hia o Almirante) de 800 toneladas, j tf peças, e 16c homeas, seu
Com mandante Frans Jacobsz ; o Middvrbourg (navio do Vice-A'mr?ir}-
tç), de jooo toneladas, .26 peças, e 220 homens, seu Commar.1ii.1tc
Cornelid Leenertsz Krackeal ; a Hollanda, de 1000 toneladas, j% peças,
e 2 jo homens, Conimaiiflante Simão Jans/. Hoen ; oRotterriarn, de ícco
toneladas, 50 pecas, e- 210 homens ( Comandante João Cornelisa de
With; o Delft , de 1000 toneladas , )6 peças, e 210 homem, Com
mandante João Cornelisz de With; o Delft, de toco toneladas, p pe
cas , e 210 homens, Commandante Simão Martensz ; o Hoorn , de 7,:»
toneladas, 27 pecas, e 140 homens, Commandante Martin JansíRloot;
6 Amsterdam , de 600 toneladas , }0 peças, e 140 homens, Cormnao-
dante Pedro Gerritsz ; a Zelândia, -4e 600 toneladas , 28 peças, e 14a
liomens, Commandante Guilherme Jacobsz; o Leão Vermelho com Fie»
chás , de 460 toneladas, 26 peças , e 120 homens, Commandante Joio
Walíisçhsz ; o Hiace Pavão, de 220 toneladas, 26 peças , e 70 homei*,,,
Commandante Meus Gysbertsz ; o Hiaté'Aguia, de 220 toneladas , 24
peças, e 70 homem, Commandante Rutgert Thomasz; o Hiate Falcão,
de 200 toneladas, 21 peças , e 70 liomens, Commandante Comei»
Adriansz; e o Hiate Grifo, de 200 toneladas, 19 peças, e 60 homens,
Commandante Cornei io Cornelisz Thert.' '
Esta Esquadra levava 1840 homens, }6; canhfes , e viveres, e mu
nições para três annos : importou o" seu armamento 1:1 2C^ cruzai».
Saiiio de Hollanda o Almirante Verhoeven a 22 de Dezembro. A a
de Fevereiro de 1608 vio as Ilhas 'de Cabo Verde, e ancorou na do
Maio, onde fez agua. Passou a Linha a 7 de Março : a 2 j rejolveo ir i
llh.i de Santa Helena fazer aguada , e refrescar os enfermos. Den fur>ío
nesta Ilha a 1 5 de Maio , e desembarcou quinhentos doentes. Sahio dtiii
a 2 de Junho , e a 28 reconheceo o Cabo das Agulhas.
Referi as Esquadras, que a Republica de Hollanda mandou 3 As»
contra os Portuguezes , desde o anno de 1598 ate este de 1607 (mencK
o de 1604, que me parece não fof nenhuma) , cujo total eleita a certo
è treze navios, para que se possão Comparar com as poucas embarcações
' que Portugal, ou antes o Govírno de Hespanha, enviou áquelFa k-.tx>-
ta 'parte do Mundo para defenderem as riquíssimas Possessões , cpe ftr»
tugal conquistara á custa de tantos trabalhes, despezas , e d-rniiase?»*
to de sangue; não se devendo met ter ein linho de conta as Ktts "d*
145
A ? de Fevereiro sahio de Lisboa D. Jcronymô
Coutinho, com destino a Moçambique, onde chegou
com todos os seus navios, e fez retirar os Hollandezes,
que tinhão posto em risco aquella Praça , como em seu
lugar direi; e concluída esta commissão , partio para
Goa, e ancorou alli em Setembro com duas Náos, por
que á sahida de Moçambique se perdeo o S. Francisco,
salvando-se a gente, e a carga.
A segunda Esquadra sahio de Lisboa a 17 de Fe
vereiro , commandada por João Corrêa da Silva, no Ga
leão S. Filippe e S. Tiago; e os outros Commandantes
Luiz de Brito de Mello, no Santo André; Diogo de
Sousa ,' na Senhora da Consolação ; e Jeronymo Telles
de Albuquerque, na Senhora do Loreto.
Desta Esquadra tomarão os Hollandezes nos Ilheos
Queimados a Náo Senhora do Loreto. A Não Santo An
dré chegou a Goa em Maio do anno seguinte, e per-
deo-se naquella barra. A Náo Consolação invernou ena
Moçambique; mas tornando no anno seguinte, achou
os Hollandezes sobre aquella Ilha, e os Portuguezes lhe
lançarão fogo.
1608. — Sendo nomeado para Vice-Rei da índia (1)
o Conde da Feira D. João Pereira , sahio de Lisboa
a 29 de Março com huma Esquadra de seis Náos da
Carreira , indo elle embarcado em a Náo Monte do
Carreira da índia, que liião cada anno directamente a Goa, c voltavão
no seguinte com a carga, que achavào prompta ; e aindaás vezes se qc-
cupavão neste giro alguns dos navios, que tinhão sido mandados com
destino de servirem nas Esquadras da índia.
Deste quadro comparativo das forças, que os Hollandezes empregf-
ráo na Ásia para atacar, e das que tinhão os Portuguezes para se defen
der, se deduzirá facilmente, que não he de admirar, que cllcs fizessem
algumas conquistas, mas que não conquistassem mais; sobre tudo, se
estendermos o termo de comparação aos annos -seguintes; mas reservo
esta matéria para outro lugar.
£i) Epilogo de Pedro Jkrreto. — Faria, Ásia Portugueza,
Tomo II. 19
14$
Carmo; e os outros Commandantes D. Luiz de Soiisa,
na Salvação ; Pedro de Tovar, na Oliveira ; Miguel Cor
rêa Baharem, na Ajuda; Christovão de Sequeira AJra-
renga, na Palma; e D. Pedro Mascarenhas, na Conceição.
Levava o Vice-Rei debaixo da sua bandeira outra
Esquadra de seis Galeões, e duas Urcas, destinada para
ficar servindo na índia, a qual era commandada por D.
Christovão de Noronha , que hia servindo de Almirante
no Galeão Santo António; e os outros Commandames
erao Diogo de Sousa de Menezes era outro Galeão da
invocação de Santo António; D. Diogo de Almeida, no
S. Bartholomeu ; Francisco Pereira Sodre, no Bom Jesus;
Manoel da Silva da Cunha, no S. João Evangelista; e
D. Constantino de Menezes , no Santo Espirito. Ma
noel de Frias commandava a Urca David ; e Manoel
de Matos, a Urca S. Marcos.
Esta Esquadra navegou cora pouca ordem, corço
fazião quasi todas. A Náo Conceição, e o Galeão Santo
Espirito arribarão. O Vice-Rei falleceo de doença no dia
IJ de Maio, e o seu corpo foi remettido para Portuga!
na Urca David. Em consequência tomou D. Christovão
de Noronha o commando em chefe das duas Esquadras,
e mudou a sua bandeira para a Náo Monte do Carmo,
na qual invernou em Moçambique, o que também fiíe-
rao os dois Galeões do nome de Santo António, o São
Bartholomeu, e a Urca S. Marcos; que todos no anno»
seguinte passarão a Goa. As Náos Salvação, e Palma
naufragarão, a primeira junto a Moçambique, e a segun
da em Angoxa , salva ndo-se a gente de ambas. A Nio-
Ajuda perdeo-se na Costa da Mina, por má navegação-
A Náo Oliveira foi incendiada pelos Porruguezes nos
Ilheos Queimados . para evitar que a tomassem os Hof-
Jandezes, como tomarão o Galeão Bom Jesus defronte de
Moçambique. Na torna-viagem foi a pique em Ceilão
o Galeão S. Bartholomeu»
147
A chegada a Portugal da Urca David, fez com que
EIRei nomeasse logo a Lourenço Pires de Távora para
Vice-Rei ; e a 24 de Outubro sahio de Lisboa embarca
do em hum Galeão, levando debaixo das suas ordens as
Urcas S. Jacintho, e David , de que erão Coramandáiy
tes Estevão Teixeira de Mello, da primeira ; e Gregório
da Costa , da segunda ; o Patacho S. José, commandad©
por André Salema; c a Caravela Monserrate , Comiuan-
dante Manoel de Frias.
Invernou o Vice-Rci em Moçambique, e em Setemr
bro do anno seguinte chegou a Goa com os seus navios.
1609. — A Esquadra da índia (1) foi este anno de
cinco Náos , commandada por D. Manoel de Menezes,
embarcado em a Náo Piedade; e os outros Commandan-
tes Ambrósio de Pina de Azevedo, na Penha de Fran
ça ; Manoel Barreto Rolim , na Guadalupe ; Antoniq
Barroso, na Senhora de Jesus (que á vinda arribou á
Bahia, onde se perdeo); e Luiz de Barde no S. Boa
Ventura.
Sahio a Esquadra a 23 de Março, e arribou a Náa
Guadalupe. A Náo Piedade entrou em Goa a 19 de Nch
vembro , e as outras três havião chegado em Outubro.
1610. — A Esquadra deste anno (2) constou de trea
Náos , commandada por Luiz Mendes de Vasconcellos ,
em a Náo Remédios; e os outtos Commandantes Ma
noel Telles de Menezes, no Livramento; e João da Cos
ta Travassos, na Santa Helena.
Sahio de Lisboa a 23 de Março, e naufragou 'á
sabida na barra a Náo Livramento: as outras duas to
marão Goa a 4 de Outubro.
161 1. — A Esquadra ordinária da índia (3) foi de*

O) Epilogo de Pedro Earreto. — Faria, Ásia Portuguera.


(2) Epilogo de Pedro Barreto. — Faria, Ásia Pottugueza.
(}) Epilogo de Pedro Barreto. — Faria, Ásia Port.ugueza,
19 ii
146
tres Náos, commandada por D. António de Atside, na
Guadalupe; e os outros Commandantes António de Men
donça , no S. Filippe; e Francisco Corrêa, na Piedade.
Sahio de Lisboa a 20 de Março: a Náo Piedade
chegou a Goa a 9 de Setembro , e as outras duas a 12.
A 3 de Outubro partirão de aviso para a índia duas
Caravelas: o Santo António, commandada por António
ce Abreu , com destino a Malaca; e a Esperança, Com-
mandante André Coelho, para Goa , onde chegarão am
bas em Maio do anno seguinte, havendo invernado em
Moçambique.
■' A 17 de Novembro sahio de Lisboa o Galeão São
João Evangelista, Commandante António Pinto da Fon-
ceca, com o novo cargo de Visitador das Fortalezas da
índia: invernou em Moçambique, e em Setembro do
anno seguinte chegou a Goa.
161 2. — A Esquadra deste anno (1) foi de tres Náos,
commandada por D. Jeronymo de Almeida , embarcado
em a Nazareth; e os outros Commandantes Cnristorão
de Sequeira Alvarenga, na Senhora do Carmo ; e D. Luiz
da Gama , na Senhora do Cabo.
Sahio a 10 de Abril D. Luz da Gama , invernou
em Socotorá , onde lhe morrerão de enfermidades qua
trocentos homens. As outras duas Náos chegarão a Goa
em Setembro; e na volta para a Europa combaterão na
Ilha de Santa Helena, com quatro navios Hollandezes,
de que mettêrão hum a pique , e vierão a Lisboa a sal
vamento.
1613. — A 29 de Janeiro (2) partio de Lisboa com
avisos para Malaca o Patacho Senhora dos Remédios,
comnaandado por Belchior Rodrigues Cardoso, que che-

(1) Epilogo de Pedro Barreto. — Faria, Ásia Portuguera:.


(2) Epilogo de Pedro Barreto. — Faria., na Ásia Portuguesa di
* versifica de Barreto.
•41
fou a Moçambique a $ de Junho, e dalli seguio pari
laJaca, onde entrou a 29 de Agosto. ; .*. . :: l
A 7 de Abril sahio a Esquadra da índia de quatro
Náos, commandada por D. Manoel de Menezes, embar
cado em a Náo Senhora da Luz ; e os outros Comman-
dantes erao Luiz Freire Furtado, no S. Boa Ventura;
Paulo Rangel de Castello Branco, nos Remédios; e Ma
noel de Vasconcellos , no S. Filippe. 1
Esta Esquadra, navegando unida, não pôde montar
o Cabo de Santo Agostinho, e arribou para Lisboa, on
de entrou a 23 de Agosto.
Por causa desta arribada , partirão de Aviso para a
índia a 4 de Dezembro Pedro Rodrigues, no Patacho
Senhora da Luz; eLuiz Massene, no Patacho Nazareth,
os quaes chegarão a Goa em Maio do anno seguinte ; o
primeiro a 13, e o segundo a 1?. . '
1614. — A Esquadra da índia (r) constava de cin
co Náos, commandada por D. Manoel Coutinho, em
barcado em a Náo Senhora da Luz ; e os outros Com-
mandantes erão Paulo Rangel de Castello Branco, que
levava o cargo de Almirante, na Náo Senhora dos Re
médios ; João Soares Henriques , na Guadalupe ; Luiz
Freire Furtado , no S. Boa Ventura ; e Manoel de Vas
concellos, no S. Filippe. Esta Esquadra levava três mil
soldados para ficarem na índia , dos quaes morreo meta
de na viagem. Em sua conserva partirão com destino pa
ra Moçambique as Urcas Boa Fortuna , Commandante
Ruy de Mello de S. Paio, e a Conceição, commanda
da por Francisco de Sousa Pereira, que obedecia a Ruy
de Mello.
Sahio de Lisboa D. Manoel Coutinho a 7 de Abril,
e tomou Goa a 7 de Novembro com as Náos S. Boa Ven-
(1) Epilogo de Pedro Barreto. — Faria, Ásia Portugueza. — Vede o
Livro intitulado Rebelion de Ceilan, por João Rodrigues de Sá e Mene
zes, Lisboa i68t.
ISO

lura, e 55. Filippe. A Náo Guadalupe perdeo-se era Me-


linde, salvando-se a gente, e o cofre do dinheiro. O Al
mirante Paulo Rangel achou na sua viagem rempos con
trários, e ruins, e ranta falta de agua, e mantimentos,
que chegou á altura da Ilha de Socotorá, tendo a bordo
Setecentos enfermos , e mui poucos homens sãos para o
trabuLho. Não podendo ferrar a Ilha, determinou ir in
vernar a Mombaça, e foi avistar a Costa deMagadaxo,
aetn saber onde estava, e com a gente já amotinada. Fe
lizmente apparecêrao duas embarcações , e como o tem
po era calmoso , mandou no escaler a Constantino de Sá
9 Noronha, Fidalgo de approvado valor, e grande ra-
lento, que hia de seu passageiro, o qual depois de seguir
as embarcações por espaço de dois dias, soube dos Por-
Wguezes (porque ambos -p erão), que a Costa, que se
via , era a de Magadaxo. Esta boa noticia socegou o
motim, e a Náo ancorou naquella Cidade, onde se pro-
veo de agua, e víveres. Dalli passou a invernar em Mom
baça ; e sahindo no anno seguinte para a índia , entrou
em Goa no mez de Maio.
Não foi mais feliz esta Esquadra na sua volta para
Portugal. A Náo S. Boa Ventura aos vinte e cinco dias
de viagem, foi a pique, salvando-se a gente nas Nãos
Capitanea, e S. Filippe. A mesma Capitanea naufragou
na Ilha do Faial , em que se perdeo toda a carga, e se
afogarão duzentas pessoas. A Náo Remédios , estando
surta na barra de Goa para sahir a a8 de Janeiro de
1616, naufragou, salvando-se a gente, e ptrdendo-se tu
do quanto havia a bordo. A Urca Conceição (em que
hia embarcado o Escritor Pedro Barreto de Rezende),
varou de noite, por erro do seu Piloto, na Costa ào Bra
sil, entre as Bahias Formosa , e da Traição.
1615. — A Esquadra da índia {1) foi este anno de

(1 ) Epilogo de Pedro Barreto de Rezende. — Faria, Ásia Portuguesa. ]


151

quatro Náos, commandada por D. Jeronymo Manoel,


embarcado em a Náo Boa Nova ; e os outros Comman-
dantes D. António Tello de Menezes, na Senhora de
Jesus, o qual não estando em Lisboa na occasião da sahi-
da , foi em seu lugar D. Diogo Cavaco (mas elle teve o
capricho de ir por terra á índia, para tomar o cominan
do na torna -viagem); Francisco Lopes Carrasco, na Na-
zareth ; e João Pereira Corte Real, no Galeão Santo An-»
tonio.
Sahio a Esquadra a 5* de Abril : o Galeão entrou
em Goa a 11 de Agosto; as Náos Senhora de Jesus, e
Nazareth em Setembro; e a Boa Nova a 7 de Outu
bro.
1615. — Neste anno de iéi? se concluio a Conquis
ta do Maranhão (1); Conquista da maior importância
para Portugal, em que os meios empregados para a ob
ter, forâo desproporcionados ás difficuldades da empreza.
Para se entender este extraordinário acontecimento, he
preciso tomar as cousas de mais longe.
Hum Armador Francez, por nome Rifault, que fre
quentava muito as Costas do Norte do Brasil, havendo
travado amizade com os índios naturaes, pareceo-ihe fá
cil crear hum estabelecimento naquelles Paizes; e asso
ciado com outras pessoas, voltou de França em 14 de
Maio de 15*^4 com três navios bera armados; mas ha
vendo perdido o melhor delles, arribou por accidente á
Ilha do Maranhão, onde foi bem recebido dos índios
seus habitantes. Determinado a fixar alli a sua residên
cia, deixou em terra com alguma gente a Mr. Des-Vaux,
e tornou a França para se munir das cousas necessárias
ao estabelecimento projectado. Se a Corte de Paris ri-
Çi) Vede os Annaes Hiitoricos do Maranhão, por Bernardo Pereira
rfe Bacredo, desde Liv. 2. ate Liv. 5.; e o tomo 1. N. j. da Colkcçãoi
das Noticias para a Hiitoria das Nações Ultramarinas, pela Academia*
Real das Sei ene ias de Lisboa.
152
•yésse favorecido cora meios effícazes este principio de
conquista , de certo a ampliaria nos annos que decorre
rão até á época, em que os Portuguezes pensarão seria
mente na occupação daquella vasta Província , que então
comprehendia não só o Maranhão, mas o Pará.
A primeira tentativa para penetrar no Maranhão
foi emprehendida no anno de 1603 , sendo Governador
do Brasil Diogo Botelho, por hum morador da Parochia,
chamado Pedro Coelho de Sousa, que levou á sua custa
oitenta Portuguezes, e oitocentos Índios armados, com
duas Caravelas, auxiliado pelo Sargento Mór do Esta
do Diogo de Campos Moreno, Gfficial do maior me
recimento. Esta expedição , que poderia dar grandes
resultados, não produzio outro mais, do que a ruina de
Pedro Coelho, e o conhecimento das difficuldades que
offerecem a marcha por terra.
Em 1604 partio Diogo de Campos para Hespanha,
encarregado de expor aos Ministros daquella Monarchia,
o máo estado em que se achavão. a Bahia, e Pernambu
co, ameaçadas das Esquadras de Hollanda; e a impor
tância da Conquista do Maranhão ; porem ainda que
obteve satisfação aos primeiros artigos, nenhuma se lhe
deo relativamente ao Maranhão.
D. Diogo de Menezes, que em i6c8 suecedeo no
Governo do Brasil a Diogo Botelho, fez novas instancias
na Corte de Madrid para se proceder á Conquista do
Maranhão; e por ultimo obteve huma Carta Regia pa
ra tirar ulteriores informações daquelle Paiz , e do me
lhor modo de emprehender a sua Conquista. Em conse
quência , mandou em 161 1 a Diogo de Campos ao Rio
Grande do Norte, onde tinha intelligencias com os ín
dios, por via de seu sobrinho Martins Soares Moreno,
que alli vivia; e com sua informação, toda favorave/i
empreza do Maranhão, se resolveo D. Diogo de Mene
zes a participallo assim á Corte de Madrid, e mesmo
15»
a dar-Ihe principio , nomeando logo ao próprio Mártir»
Soares para Commandante do Seara, com ordem de con
struir hum Forte , e huma Igreja , a rim de domesticar
os índios, com os quaes tinha ganhado grande reputa
ção. Chegado ao Seara , o favoreceo a fortuna, rrazen-1
do-lhe hum navio Hollandez, que elle assaltou, e tomou
á resta dos seus índios; morrerão na acção quarenta e
dois Hollandezes, e acharão no navio muitas munições
de guerra, víveres, e artilheria, que lhe forão de gran
de auxilio. Do Porto de Mucuripe expulsou Martim
Soares outro navio da mesma Nação, matando-lhe al
guns homens, de maneira que por falta de braços que
o mareassem , naufragou na Costa , perdendo-se o resto
da gente. Faltarão porém os soccorros de Pernambuco
a esta Colónia nascente , por haver passado D. Diogo
de Menezes a assistir na Bahia ^ e assim não pôde pro
sperar.
Entretanto informado EIRei da necessidade urgen
te de proseguir o ntgocio do Maranhão, ordenou a Gas
par de Sousa, que acabava de nomear Governador do
Brasil, que residisse em Pernambuco, e elegesse para a
expedição do Maranhão as pessoas que mais idóneas lhe
parecessem , dando-!he para esse fim todos os poderes ne
cessários. Mandou logo Gaspar de Sousa hum reforço
a Martim Soares, e nomeou para General da Conquista
do Maranhão a Jeronymo de Albuquerque, morador em
Pernambuco , por ter muita pratica dos costumes, e lin
guagem dos Índios, e por estar persuadido, que sem O
auxilio destes se não poderia conseguir aquella empreza.
Sahio de Pernambuco Jeronymo de Albuquerque em
1613, com quantidade de géneros para fazer presentes,
e câmbios com os Índios; e chegando ao Seara, levou
comsigo o Capitão Martim Soares, o qual se lhe orFe-
receo para reconhecer a Costa até ao Maranhão, e vol
tar com roda a brevidade possível ; o que era mais fácil
Tomo II. 20
i54
fie prometter, qpe de-cumprir, coroo a experiência mos.
trpu. «.'.... '
Partido Martim Soares a este reconhecimento ma
rítimo, foi Jeronymo de Albuquerque ao Rio Camuri,
e não achando por alli terreno conveniente para fazer
povoação , por ser mui falto de agua, voltou oito léguas
atraz á Bahia das Tartarugas, que desemboca no gran
de parcel dejericoacoara, onde construio hum Forte com
o nome de Nossa Senhora do Rosário , em que deixou
hum seu sobrinho cora quarenta Soldados: e como não
linha outras noticias de Martim Soares, senão mandar-
lhe dizer do Pará, que havia alli chegado, e se dispu
nha, a passar ao Maranhão; e também o índio Principal
da Serra de Buassava, chamado o Diabo Grande, recusa
va obedecer ao seu mandado de vir fallar-lhe á Bahia das
Tartarugas, resolveo-se a marchar por terra ao Seara com
o resto da sua gente, ordenando aos barcos de transpor
te se dirigissem a Pernambuco ao longo da Costa, como
elle depois fez, dando com isto por concluída a campa
nha deste anno, de que o Governador Gaspar de Sousa
não ficou satisfeito.
: Diogo de Campos Moreno, que estava em Madrid,
recebeo neste meio tempo ordens successiv3s, e aperta
das d' EIRei para passar a Pernambuco, por ter aviso
de que os Hollandezes «rmavao para o Brasil. Dirig-io-se
elle a Lisboa, onde se lhe promettia achar promptos al
guns navios com quatrocentos homens. Mas chegando
a esta Capital em Junho de t6i$, achou só tr nta sol
dados alistados; o que participou ao Governador de Per
nambuco, do qual recebeo ordem, que levasse unicaraetv
tç peças de artilheria , e armamento, porque não tinha
meios pecuniários para pagar aos Soldados.
A & de Abril de 1614 partio de Lisboa Diogo de
Campos embarcado em huma Urca , levando duas peça*
de artilheria , algumas armas , e munições ,. e cincocoia.
165
Soldados. Chegou ao Recife a 26 de Maio; achou J11P
noa Sumaca prompta com alguma farinha de mandioca '
para o Forte das Tartarugas, cuja guarnição havia três
mczes, que comia hervas do campo; e soube que os ín
dios daquelle Paiz havião assaltado o Forre em numero
de trezentos, em que forão rechaçados, e depois fizerão
pazes. Como a Sumaca não sahia por falta de gente, se
lhe mettêrão quatorze Soldados dos que chegavaó de Por*
tugal , e dezeseis Hespanhocs que ali i forão ter arriba^
dos; e assim partio, levando só dois arráteis de pólvora,
pelo descuido dos OrHciaes dos Armazéns. Chegada a
Sumaca ás Tartarugas a 9 de Junho, logo a 12 appare-
ceo naquella Bahia hum navio Francez de 400 tonela
das , com trezentos homens , que conduzia para o Mara
nhão; e querendo de passagem destruir aquelle estabele
cimento , desembarcarão cem homens , de que os Portu-
guezes matarão hum, ferirão sete, e obrigarão os outros
a retirar-*e; ficando morto hum Portuguez, e quatro fe
ridos.
O Governador Gaspar de Sousa , tardando-lhe no
ticias do Capitão Martim Soares, que havia perto de
hum anno, que partira a fazer o reconhecimento do Ma
ranhão, e querendo adiantar os preliminares da Conquis
ta , nomeou de novo para General da expedição a Jero-
nymo de Albuquerque, e por ordem expressa d1 EIRei
lhe deo por Collega com voto igual em todas as cousas
a Diogo de Campos Moreno, que sendo Sargento Mor
do Estado do Brasil, só delle Governador Geral podia'
receber as ordens; ainda que todas as que se dessem na
expedição, havião ser em nome de Jeronymo de Albu
querque; e fez sahir este a 22 de Junho para a Parahiba
com algumas Sumacas , levando as munições necessárias
para organizar hum corpo de índios, de que elle tratou
com gr.inde actividade.
Diogo de Campos estava em Pernambuco apressan
do ii
J5«
do a sahida do resfo da expedição, quando a 24 de Ju
lho chegou aviso de Lisboa, de que o Capitão Martim
Soares havia reconhecido a Ilha do Maranhão, e acha
ra os Francezes bem estabelecidos, e fortificados, e cora
infinitos índios do seu partido; e que não podendo vol
tai a Pernambuco pelos ventos contrários, e correntes
arribara ás índias de Castella, d'onde passara a Sevilha;'
e mandava o Piloto Simão Martins, e alguns Soldados
dos que o acompanharão, para darem todas as informa
ções, que se necessitassem. Com a chegada destes ho
mens continuou o Governador a aprestar os navios e
gente que devia ir na expedição, para a qual se offere-
ceo o Engenheiro Mor Francisco de Frias, e outras pes
soas particulares. Formarão-se quatro Companhias de
sessenta homens cada huma , incluindo os Soldados que
havião hido com Jeronymo de Albuquerque : offerecerão-
se também alguns Aventureiros para formarem buma
Companhia separada.
A maior dificuldade desta empreza consistia na
falta de dinheiro para fazer face ás grandes despezas
que ella exigia, as quaes augmentárão, porque quando
o Governador rec^beo de Madrid as ordens mais termi
nantes para emprehender aquella Conquista, recebeo ou
tras para remetrer a Hespanha o produeto dos Dízimos,
que era o único rendimento do Estado, de que elJe po
deria servir-se naquella occasião.
Em fim, depois dos maiores esforços, sábio de Per
nambuco Diogo de Campos a 23 de Agosto de 1614
com dois navios mercantes, huma Caravela, e cinco Su-
macas, levando cem Portuguezes , entre Soldados, e ma
rinheiros, que unidos aos que tinha Jeronymo de Albu
querque no Rio Grande, farião trezentos homens, além
dos índios. Os petrechos de guerra consistião em rres
canhões de ferro , duzentas balas de artilheria , vinte
quintaes de pólvora, e os mosquetes, arcabuzes, chura-
15?
feo, e morrão que havia nos armazetis. As embarcações"
Jevavão algumas pequenas peças para sua defensa, e mui
poucos víveres.- ' . ■ \ .t''i'i^r/; £.• ■■:: v -■*:■: r.í t
No mesmo dia da sah ida - ancorarão os navios no
Porto dos Francezes. Sahirão daqui a 24 com bom ter
ral; e correndo a Costa , surgirão na Bahia da Traição.
Neste caminho encontrarão huma Sumaca de Pernambu
co, que havia levado soccorro ao Presidio das Tartaru
gas, d'onde sahíra a 8 de Junho; e a tornarão a expe
dir para o Rio Grande, com aviso da sua ida. A 2Ç
partirão com bom vento para o Porto dos Búzios ; e
chegando ainda com Sol , passarão adiante, e derão
fundo na Ponta Negra.
t ■ A 26 veio por terra Jeronymo de Albuquerque a
conferenciar com Diogo de Campos , e assentarão que
na maré da tarde entrassem no Rio Grande a Caravela ,
e as Sumacas , o que assim se fez, indo nellas Diogo de
Campos para apromptar espias, e reboques, com que na
maré da tarde do dia seguinte mettêrao dentro os dois
navios redondos, a pezar de hum Sueste rijo.
A 28 passou -se mostra aos índios, para ver os que
fàltavão dos quinhentos, que Jeronymo de Albuquerque
contava levar do Rio Grande; a fim de que reunidos aos
do Seara , e Serra de Buapava, com quem se prezava de
ter grandes intelligcncias , se podessem unir á expedição
are mil índios. Acharão-se quatorze Chefes, ou Princi-
paes, duzentos e trinta e quatro frecheiros, e trezentas
mulheres, e meninos; e outro Principal chamado Ca
marão, que tinha marchado adiante com pouco mais de
trinta frecheiros; 0 que dava hum total de duzentos e
setenta índios.
Tratou-se agora de organizar a tropa: formarão-se
quatro Companhias, cujos Capitães (que vencíão soldo
como Soldados) forão António de Albuquerque, filho do
General; Gregório Fragoso de Albuquerque, seu sobri
ist
nho; Manoel de Sousa d' Éça, e Martira Calado de
Beta ncor, que viera de Portugal coro Diogo de Campos,
para servir nesta campanha. Noraearão-se também Al
feres, e Sargentos para as Companhias, e distribuino-
se armas , e munições aos Soldados. Jeronjrmo de Al
buquerque estava determinado a marchar por terra com
os índios, e homa parte dos Portuguezes, mas cedeo ás
razões de Diogo de Campos; e embarcados todos, se fi
zerão, á vela na manhã de 3 de Setembro. Porém tocan
do á sabida huma das embarcações, derão todas fundo.
Tomarão a sahir felizmente na manhã de 5 ; nave
garão tres léguas ao Nordeste, para montar os baixos
de S. Roque, a quatro léguas de distancia da terra-, de
pois forão huma hora ao Norte, e logo ao Nomoroeste ,
e ao Noroeste, sempre a quatro léguas de terra, e não vi
rão baixos, nem arrebentaçáo de mar, de que se devessem
desviar. De noite seguirão o rumo de Noroeste ; mas ha-
vendo-se amarado a Capitanea mais do necessário, sem
fazer signal, amanheceo com algumas embarcações a dez
léguas da Costa, faltando tres navios, que se reunirão de
pois quando se chegarão mais a terra, indo com vento ri
jo correndo a Custa para entrar no Porto de Ubarana, o
qual não poderão tomar pela demora de esperarem nuns
pelos outros; e assim passando avante, navegarão até
quasi á madrugada ao rumo de Noroeste, que indo rodos
com o prumo na mão, com muito escuro, e muito vento,
derão de repente em tres braças, por cuja causa forão duas
horas ao Norte, que acharão sete braças, e conhecerão
ter vencido, o parcel de Jaguaribe , que se estende duas
léguas e meia ao mar, distancia a que se julga v.lo da
terra; e deitando a caminho de Noroeste, rorão no da
7 entrar na Bahia de Iguape pelas dez horas da manhã.
Gastou-se o dia em amarrar os navios , e desembarcou
Jeronyroo de Albuquerque, que vinha muito enjoado, e
mais os Índios com suas mulheres, que não. sendo costu
159
mados ao mar, se acharão doentes; e caminharão rodos
para as Aldeãs do Seara, que distavão dez. léguas. Ficou
a bordo Diogo de Campos cora -a tropa; e fazendo-se á
vela no dia seguinte, foi ancorar três legoas mais adian*
te na Povoação do Seara , onde havia o For,te do Am
paro: dalli expedio a Paulo da Rocha, Soldado experi
mentado, em huma Sumaca com farinha para ir a Jeru-
fuaguara, como fez, dar aviso da expedição. Estava no
brte do Amparo o Capitão Manoel de Brito Freire
com deaeseis Soldados Portuguezes, com os quaes se em
barcou , deixando no Forte o seu Sargento com outros
Soldados novos, que se lhe. derão. i
Aqui se dilatarão por causa dos índios, que Jero-
nymo de Albuquerque esperava se lhe reuniriao; e a fi
nal apenas obteve vinte frecheiros, deixando mais de
quarenta dos que trazia. Concordou-se em que a Esqua
dra, com as tropas Portuguesas, fosse ao Paramirí, onde
dÍ2Íão que seria vantajoso esperar os índios, indo até lá
por terra Jeronymo de Albuquerque com todos os seus.-
Em consequência partio Diogo de Campos no dia 17,
e navegando a pouca vela, surgio no Paramirí pelas duas
horas da tarde. Desembarcou logo a tropa , e se alojou)
em forma ; e todos os dias fazia exercício, por ser a
maior parte delia gente bizonha , e que não vinha de
boa vontade. .•..:
A 24 chegou Jeronymo de Albuquerque , e no ou
tro dia subio Diogo de Campos em huma lancha arma
da pelo RioCuru mais de cinco léguas, para o reconhe
cer, nr> qual achou muito peixe, e infinita caça ; de ma
neira, que houve pela primeira rea abundância de man
timentos no Campo. *■
A 28 , tendo-se reunido os índios, se passou outra
mostra, e se acharão unicamente duzentos e vinte frechei
ros.
A 20, estando todos embarcados, sahio a Esquadra
160
para a Enseada das Tartarugas, com vento Lesnordesfe;
ao longo da Costa, e rumo dV Noroeste quarta a Oeste:
seguio-se de noite o: mesrno rumo a pouca vela , e ao
amanhecer se acharão seis legoas da terra , e vento Su
doeste rijo, com o qual á orça se vierão chegando para
a Costa , que já corria mais a Oeste , e se conhecco ser
terra do Acura cu , e seus parceis, que numa légua ao
martinhão duas braças e meia de agua; e pela banda
de Oeste se descobria a ponta, ou morro de Jeruguagua-
ra , ou das Tartarugas, chegando-se para a qual coro o
prumo na mão, vendo o fundd^rmii claro, derão em qua
tro, e cinco braças pegados á ponta , que corria agora a
Oes-sudocste , com grandes penedias ao longo do irar,
e rochedos de mármore de muitas cores. Surtos nené
Porto, gastoií-se o dia em desembarcar a gente, e fa2er
alojamento, deixando alguns Soldados a bordo dos na
vios, por ser esta Bahia das Tartarugas frequeurada de
Corsários, ainda que mui desabrigada, e aparcelada. Por
estas razoes pareceo melhor, que a Esquadrai e roda a
gente, e mesmo a guarnição do Forte se passassem ao
Porto do Camurí , oito léguas mais adiante , para alii se
deliberar sobre o modo de fazer a expedição, c receber
o soccorro dos índios Tabajares da Buapava, com quem
Jorge de Albuquerque dizia ter estabelecido amizade; e
também porque os índios do Pará , ou Ototos ficarão
mais perto , com os quaes Martim Soares havia tido
pratica , c parecia haver deixado os Povos daquella Cos
ta amigos do Estado ; a fim de se poder marchar seguro
por terra , se fosse necessário.
Mandou-se reconhecer de novo por terra o Camuri-,
mas como o anno fora mui seco, achou-se que não havja
agua de beber, e que a barra era muito perigosa, por ter
na entrada as ruinas de huma casa, ou Forte, que pa
recia feito antigamente por Europeos. Com esta infor
mação resolverão ficar nas Tartarugas. Entretanto min
161
dou Jeronymo de Albuquerque dois índios á Serra de
Buap.iva, para avisarem o Diabo Grande da sua chega
da, a fira de trazer o soccorro, que promettêra para a
guerra do Maranhão; projecto de que se rião os Portu-
guezes da guarnição do Forte; e contavão, que poucos
dias antes, tendo-lhe clles dado soccorro contra huns Ta
puias seus inimigos, com o qual obtiverão victoria, logo
?ue se recolheo á sua Serra, quiz marar, e devorar os
ortuguezes auxiliares, de que escaparão avisados por sua
mulher.
A 4 de Outubro chegarão com efFeito dois índios
da Serra , pelos quaes o Diabo Grande se mandava des
culpar de não poder vir fallar a Jeronymo de Albuquer
que, nem dar-lhe auxilio para a expedição. No dia £
passou-se mostra geral: acharao-se duzentos e vinte Sol
dados promptos, e vinte doentes, sessenta marinheiros,
e duzentos índios frecheiros. Fez-se conselho, a que se
chamarão os Mestres , e Pilotos dos navios, os quaes dis-
serão, que não conhecião naquella Costa outro Porto,
que o Pereá , no qual o Piloto Sebastião Martins , que
estava presente , se offereceo a metter todos os navios.
Conveio-se nisto, e feita aguada, e lenha, se embarcou
toda a gente com tal aperto, que não se podião deitar;
nem tinhao mais mantimento, que agua, e farinha.
A 12 de Outubro pelas seis horas da manhã sahio
a Esquadra com vento Sueste, e foi correndo a Costa,
até que crescendo o dia , entrou a viração de Leste com
fúria, e grande mar, e foi necessário navegar cora bol
sos de vela era popa, com muito trabalho, e perigo: de
tarde abonançou hum pouco o vento, e de noite se na
vegou ao favor da Lua; e ao amanhecer estavão os na
vios rodos juntos. Chegarão-se então bem á terra, a qual
não foi conhecida de nenhum dos Pilotos : Sebastião Mar
tins aflirmava, que estava a três léguas do Pereá, quan
do este lhe demorava a Oeste mais de dezeseis, como
Tome II. 21
Jlí!
depois confessou. Fizerão força de vela para alcançar a
barra de dia, porém não foi possível, c chegarão a ella
com huma hora de noite, vasando a maré, e não ten
do lugar onde dar fundo para esperar a manhã, com em
barcações tão carregadas, entre parceis, e alfaques ainda
não conhecidos, era que o mar andava muito levantado.
A pezar de tudo isto, confiados no bom lugar, e em se
rem as aguas mortas , e o vento em pnpa , que vencia a
corrente, accommettêrão atrevidamente a entrada com
o prumo na mão, levando faroes accesos, e fazendo a
miúdo fogachos huns aos outros. Alguns navios toca
rão nos bancos da entrada ; por ultimo ás dez horas da
noite estavão todos em salvo fundeados três léguas pelo
Rio acima , e desembarcarão com summo contentamen
to: cora effeito, pareceo milagrosa similhante entrada!
Em quanto se passavão os acontecimentos, que dei
xo referidos, não se descuidavao os Francezes de promo
ver os seus interesses. Em 1610 passou a França Mr.
Des Naux, para expor á sua Corte as favoráveis circun
stancias era que estavão as cousas no Maranhão, para se
crear huma florecente Colónia. Formou-se para este eflèi-
to huma Companhia, composta de Mr. de Ravardiere,
de Mr. de Sancy, Barão de Mollej e de Mr. de Raci-
]y, authorizada por Carta-Patente , em nome d*ElRei
Luiz XIII., assignada pela Rainha Regente Maria de
Medicis, em data do 1." de Outubro de 16 n (i).
Deo-se o coramando da expedição a Mr. de Ra
vardiere, e por seu immediato Mr. de Racily : o primei-

(1) Por esta Carta era authorizado Ravardiere a oceupar cincoenta


léguas de Costa , para huma e outra parte do Porto , onde primeiro se
estabelecesse , e pela tetra dentro quanto podesse reduzir á sua obediên
cia. Esta Doação era feita ao Senhor de Dampuilie, Almirante de- Fran
ça , c Navarra (a quem EIRei chamava seu Primo); e na sua audácia
ri ia nomeado seu Lugar-Tenente General Daniel de la Tousçhe 1 Scch.cs
de Ravardiere.
163
ro Calvinista , o segundo Catholico Romano. Embar
carão ambos no navio Regente, de 400 toneladas; era
Commandante de outro, chamado Carlota, o Barão de
Sancy, irmão do de Mollé; e do terceiro navio, por no
me Santa Anna, o Cavalleiro de Racily, irmão de Mr.
de Racily. Constava a guarnição dos três navios de quasi
quinhentos homens, entre Soldados, e marinheiros. Mr.
Des-Naux embarcou-se nesta expedição, com quatro Mis
sionários.
Sahírao do Porto de Cancale a 19 de Março de
1612, e arribarão com hum temporal a Inglaterra. Par
tirão dalli a 23 de Abril, e a 7 de Maio estavaò em
Canárias: no outro dia descobrirão a Costa de Africa,
que forao correndo, e dobrarão o Cabo Bojador. A 11
acharão-se na boca do Rio do Ouro, onde surgirão. Fi-
»erão-se logo á vela , e na manhã seguinte montarão Ca
bo de. Barbas. Detiverãoi-se por alli a pescar; passarão
as Ilhas de C^bo Verde, e cortarão a Linha a 13 de Ju
nho , sem acharem calmarias. A 23 avistarão a Ilha de
Fernando de Noronha , e ancorarão nella no dia seguin
te* Detiverão-se até 8 de Julho, e levarão comsigo hum
Porruguez, e dezoito Tapuias, que acharão na Ilha. A ir
avistarão a Costa do Brasil ; e correndo-a de perto, sur
girão no outro dia na Enseada das Tartarugas.
Demorarão-se doze dias oceupados na caça , e na
pesca; e a 24 continuarão a sua navegação. Virão os
Lençóes a 25 ; e a 26, embocando a barra do Pereá, dé-
rão fundo defronte da Ilha, a que chamarão de Santa
Anna ( por ser o dia da sua Festa ) distante doze léguas
da Ilha do Maranhão. No mesmo ancoradouro. estavão
dois navios Francezes de Dieppe, e em outro Porto mais
três da mesma Nação. Tratarão os Francezes de con-
trahir amizade com os indígenas, e com o seu favor se
estabelecerão pacificamente na Ilha do Maranhão, onde
os seus Missionários celebrarão a primeira Missa a 12 de
'ii ii
IG4

Agosto de 1612. Construirão hum bom Forte guarneci


do de vinte canhões, a que derâo o nome de S. Luiz,
que ficou sendo o nome de toda a Ilha; e outros edifí
cios necessários , e dal li 'proseguírão a communicar-se
com os índios do Continente. Em Dezembro voltou pa
ra França, no navio Santa Anna, Mr. de Racily.
Estabelecidos os.Portuguezes no Periá , mandou Je-
ronymo de Albuquerque (a quem não agradava aquelfe
local), huma lancha com o Alferes Estevão de Cam
pos, e dois Pilotos, a reconhecer a Hha do Maranhão,
rartio a lancha no dia 17 de Outubro, e voltou quatro
dias depois, dando por noticias haver descoberto hum
sitio bem defronte daquella Ilha, abundante cPagua, com
excellentes terras para cultura; e que não se encontrara
embarcação alguma Franceza. Resolveo Jeronyrao de
Albuquerque, sempre possuído da vã esperança de at-
trahir os índios ao seu partido, ir occupar aquella nora
posição, a pezar das razoes em contrario, que lhe dará
Diogo de Campos..
• A 22 sahírao todos os navios do Periá; e iutch»
do por hum labyrintho de Ilhas, e parceis, em que ro
çarão, e estiverão mil vezes perdidos, chegarão felizmen
te no dia 16 a hum sitio chamado Guaxinduba , qaasi
três legoas distante do Rio Moní, e fronteiro á Ilha do
Maranhão ; e como a distancia a esta não era moira , e
os navios Portuguezes largarão as suas bandeiras, forão
vistas da Ilha , onde se fizerão muitas fumaças por toda
a Costa.
Escolheo-se hum local conveniente, e o Engenheiro
Francisco de Frias traçou hum hexágono, a que se deo
o nome de Forte de Santa Maria , e se começou logo a
trabalhar com toda a actividade na sua consrrucção, e
na descarga dos navios. A 28 chegou huma canoa gran
de com muitos índios, que dizião virem saber quem
erãa os estrangeiros, para serem seus amigos; e posto
165
que fado indicava que vinhão como espias, pois varia-
vão nas respostas, huns affirmando que os Francezes se
havião retirado, outros que não; Jeronymo de Albu
querque os deixou retirar , dando-lhes vários presentes^
e mandando com elles cinco dos seus índios para alli-
ciarem os da Ilha; e se contentou com ficarem dois dos
outros em reféns.
Continuou-se a fortificação feita de grossos páos,
com entulho de terra, e em huma plataforma se assen
tarão os únicos três canhões, que havião no Campo.
O mantimento era agua, e farinha, e com isto, e o tra
balho das fortificações, e calor do clima, começarão a
adoecer os Soldados; e faltavão Officiaes de Saúde, e
Boticas, que não vierão de Pernambuco. A 30 de ma
drugada saltearão os índios inimigos a humas índias da
Campo, que andavão mariscando pelas praias, das quaes
matarão quatro, e mais hum índio, que acudio aos seus
gritos, e cativarão outras, e alguns meninos; porém so
brevindo os Porruguezes, foi tomada a canoa, e presos
os que a conduziao. Hum destes confessou, que na Ilha
havião muitos Francezes, e tinhão muitos Forres com
artilheria, e muitos navios, em particular hum muito
grande; que havião reunido todas as canoas dos índio»
daquelles districtos, e em breve virião atacar os navios
Portuguezes, cujo signal seria apparecerem no dia seguin
te duas embarcações ao longo da Ilha; e que os índios,
que os Portuguezes mandarão na primeira canoa , estav<tt>
presos em ferros, depois de serem mettidos a tormento.
Ouvidas estas noticias, resolveo Jeronymo de Albu
querque mandar aviso a Pernambuco por duas vias, em
quanto estava o mar livre ■> e escolhe© para isso as duas
Sumacas que andavão mais, indo em huma delias com
os despachos o Almoxarife Francisco Rodrigues Roma,
e na outra o Caphão Martim Calado, que se achava
muito doente A 2 de Novembo virão-se com effeito
166
duas lanchas Francezas, huma das quaes veio reconhe
cer os navios, e o Forte, na qual se soube depois que
vinha Mr. Du-Prat, liabil Official , com qujnze Solda
dos; mas vendo fazer-se á vela liuma Caravela , se reti
rou apressado. A f partirão as duas Sumacas de aviso,
e passarão duas léguas a barlavento do grande navio
Francez, que lhes não pôde chegar, por estar merrido
enrre parceis, com muito mar, e vento, onde perdeo
dois ferros, e arribou para a Ilha do Maranhão.
A 10 tomou-se huma canoa, que vinha reconhecer
o Campo, e hum dos índios confessou, que os France
ses devião naquella noite assaltar os navios Portugue-
2es. Diogo de Campos quiz logo embarcar-se com al
guns Soldados, para os defender, dizendo, que delles
pendia a segurança de todos, e o credito das armas; po
rém Jeronymo de Albuquerque o náo consentio. Antes
das quatro horas da manhã do dia seguinte vieráo os
Francezes ao favor da maré, e do escuro, sem serem
sentidos dos marinheiros, que esravão a bordo, ainda
que tinhão sido avisados; mas do Forte os enxergarão,
e começarão a fazer-lhes fogo. Os marinheiros salva
rão -se a nado em terra quando se virão entrados dos
Francezes, que erao conduzidos por Mr. de Pisiati, Mr.
Du-Prat, e o Cavalleiro de Racily, os quaes tomarão a
Caravela, hum Patacho, e hum barco: os outros três
navios escaparão debaixo da artilheria do Forte.
Guarnecerão os Francezes as embarcações apresadas,
e com cilas, e as suas corrião continuamente a Costa, ati
rando á gente solta, que andava pelo Campo; o que cau
sou tanto desalento, e desconfiança nos Soldados, que se
formou huma conspiração para dar fogo á pólvora, e
obrigar assim Jeronymo de Albuquerque a retirar-se por
terra. Hum dos conjurados descobrio tudo a Diogo de
Campos, que tomou as necessárias medidas para editar
siiuilhante desastre, que seria a perdição de todos.
IG7

No dia 19 ao amanhecer appareceo o mar coa


lhado de embarcações , que á vela , e remos vinhão
buscando a terra : era a Esquadra de Mr. de Ravar-
diere , cuja força se compunha de sere navios redon
dos , com quatrocentos Soldados Francezes, e cincoen-
ta canoas grandes com mais de dois mil índios fre
cheiros. Ficou elle a bordo dos navios com duzen
tos Francezes , e mandou desembarcar Mr. de Pisiau
cora os outros duzentos , e todos os índios , cobertos
estes de pavezes, e rodelas, com os corpos pintados de
mil cores, e emplumados de diversas pennas, levando
cada hum ás costas hum molho de faxina.
Desembarcarão os Francezes na preamar ao pé de
hum outeiro, situado próximo ao mar, e a tiro de ca
nhão do Forte, junto ao qual corria hum regato, de
que os Portuguezes bebião ; e dividindo-se em dous corpos,
marchou o da vanguarda, conduzido por Mr. Du-Prar,
a ganhar o monte, começando-se logo a fortificar nel-
le , e estendendo huma trincheira de faxina para a ban
da da praia, onde as canoas estavão abicadas, a fim de
conservar a sua communicação com a marinha, e cor
tar a agua aos Portuguezes. Diogo de Campos , que
sahíra com alguns Soldados a observar os movimen
tos dos Francezes, travou com elles huma escaramuça
para os entreter, na qual morrerão dois Francezes, e,
hum Portuguez ; e tendo examinado as suas disposi
ções, correo ao Forte, e disse a Jeronymo de Albu-*
querque, que lhe parecia urgente, que sem perda de
tempo marchasse com metade dos Portuguezes , e ai*
guns índios a atacar o monte, antes que os inimigos
se fortificassem ; e que elle faria o mesmo pela praia
com o resto da gente. Soube-se depois , que Mr. de
Ravardiere, logo que as Suas tropas estivessem segu
ras em terra, devia desembarcar com os duzentos Sol
dados, que lhe restavão, os quaes èrao commandados
168
pelo Cavalleiro de Racily , e cem índios frecheiro»,
com a anilheria necessária para formar o sitio do For
te.
Jeronymo de Albuquerque parrio logo com o En
genheiro Mor, o Capitão Manoel de Sousa d*Éça, se
tenta e cinco Soldados, gente escolhida , oitenta frechei
ros Portuguezes, Soldados velho? costumados ás guer
ras do Brasil, c alguns índios. Ficou no Forte o Capi
tão Manoel de Brito Freire com trinta Soldados, e ma
rinheiros, e todos os doentes. Diogo de Campos mar
chou pela praia com alguns Portuguezes, e cem índios
commandados pelo valente Capitão Madeira , ao qual
ordenou, que quando o visse accommetter de frente os
inimigos, atacasse os índios que lhes cobrião o flanco;
e ao mesmo tempo chamou do Forte o Capitão Gregó
rio Fragoso com a sua Companhia , de que formou hum
pequeno corpo de reserva, mandando-lhe, que seguisse a
retaguarda dos seus índios, para lhes dar calor, e apoiar
o ataque do flanco.
Feitas estas disposições, esperava Diogo de Cam
pos que Jeronymo de Albuquerque começasse o assalto
do monte, quando vio saltar na praia hum Trombeta
Francez, que trazia huma carta de Mr. de Ravardiere,
e abrindo-a, achou que era huma intimação a Jeronymo
de Albuquerque, para se render no espaço de quatro ho
ras. Chegou logo o Alferes Manoel Vaz de Oliveira,
enviado pelo General a saber o que buscava o Trombe
ta ; e Diogo de Campos, mandando-lhe explicar a sub
stancia da carta, acerescentou, que principiasse a acção,
como estava assentado, que elle hia fazer o mesmo. Je
ronymo de Albuquerque marchou aos Franceses com
grande coragem , e Diogo de Campos assaltou as trin
cheiras da banda da praia com tanto vigor, apoiado pe
los índios , do Capitão Madeira , e pelo ataque de flan
co do C.i pua* Fragoso , que os índios inimigos que as
16*
defenctião , voltáTão as costas para salvaf-se nas suas éà*
noas, espantados do grande estrago, que nelles faria"' k
arcabuzaria dos Portuguezes. Mr. de Pisiati acodio"ffc
este ponto com hum reforço, que tirou do monte; por
que lhe não cortassem o caminho do mar. A este tentf-
po sahia dos mattos Jcronymo de Albuquerque, que ha
via feito hum rodeio sem ser visto ; e ainda que os Sol
dados Francezes pelejarão aqui valorosamente , já des-»
amparados dos seus índios, rorao defrrotados, e rriortò
Mr. de Pisiau; e Mr. Du-Prat escapou a nado com aes-
pada na boca. Os outros Officiaes Francezes, e pessoas
de qualidade resistirão com valor desesperado, sem que
rerem acceitar quartel, que Diogo de Campos lhes of-
ferecia. Durou a acção quasi huma hora.
O General Ravardiere, vendo de bordo do seu na
vio a derrota das suas tropas , mandou algumas embar
cações ligeiras a bater o Forte, para fazer diversão;
mas o Capitão Freire, e o Alferes Diogo da Costa, que
nelle estavão, a6 receberão de modo, que as forçarão a
retirar-se. Entretanto Diogo de Campos pòz fogo a qua
renta e seis canoas, que estavão abicadas na praia, tiran
do com isto toda a esperança de retirada para os navios
aos Francezes, que se conservado no monte, comman-
dados por Mrs. de la Foi Benart , e Canonville, onde
se achavão também mais de seiscentos Índios.
Finalmente foi o monte assaltado por Jcronymo de
Albuquerque, e Diogo de Campos só com as tropas Por-
tuguezasj e como era necessário arrancar á mão as pa
liçadas, e os Francezes se defendião com o maior valor,
esteve duvidosa a victoria , porém sendo ferido Mr. de
la Foi Benart. e morto o Lingua principal dos seus ín
dios, que os animava a pelejar, lançarão-se todos em
montão pelo outeiro abaixo da parte opposta com tal
Ímpeto, e confusão, que levavão após si os mattos, e os
arbustos, e fugirão -para o sertão, e os Francezes envd-
Tomo II. 22
tos com elles. Nisto anoireceo, e os Portuguezes conten
tes com tamanha victoria, se retirarão ao Forte, haven
do já recolhido todos os seus mortos, e feridos; os pri
meiros dos quaes forão onze , em que entrarão Luiz de
Guevára , sobrinho de Diogo de Campos; António Grv-
zante, moço de distincto nascimento; e Domingos Cor
rêa, Mestre da Caravela: os segundos erao dezoito, en
tre elles o Capitão António de Albuquerque, filho do
General; os Alferes Christovão Vaz, e Estevão de Cam
pos, sobrinho de Diogo de Campos, e o Sargeoto Ro
dovalho, que muito se illustrou na acção.
Sepultarao-se no campo da batalha cento e quinze
Franceze» , em que entrarão trinta Officiaes , e pessoas
de boas famílias; e ficarão oito prisioneiros. Dos índios
foi grande a mortandade. Os despojos consistirão em
muitas armas , munições , e alguns víveres.
Passarão os Portuguezes a noite com boa vigia, e
souberao pelos prisioneiros, que no dia seguinte devia
chegar aos Francezes hum avultado soccorro de índios.
Com effeito, a 20 pelas sete horas da manhã apparecê-
rao dezeseis canoas grandes, com mais de seiscentos Ín
dios. Sahio logo do Forte o Capitão Manoel de Sousa
de Éça com cem Soldados Portuguezes, para os atacar
ao desembarque, o que elles não ousarão tentar, antes
avisados pelos outros índios escapados da derrota do dia
antecedente, que andavão vagabundos pelos mattos, vol
tarão á voga arrancada para a sua terra, sem terem pra
tica, com os navios Francezes, a pezar de mandarem hu»
01a lancha apôs elles.
A 21 mandou Ravardiere huma carta a JeFonymo
de Albuquerque, que produzio entre ambos huma cor
respondência, á qual se seguio huma Convenção entre
os dois Generaes , assignada no dia 27 de Novembro,
cujos principaes artigos erao: u Que d'aquelle dia em
v diante até ao fim de Dezembro do anno seguinte de>
17!
n z6i<> lia veria suspensão de hostilidades entre ambas
» as Nações: Que cada hum dos dois Generaes manda-
» ria hum Official a Paris, outro a Madrid, para se re-
» solver a quem pertencião as terras do Maranhão :
>» Que em quanto não chegasse resposta definitiva , não
»» poderião os Portuguezes, nem os Francezes passar pa-
tr ra as terras huns dos outros, sem Passaportes dos seus
j» respectivos Generaes: Que logo que chegasse a reso-
» luçáo das duas Cortes, a Nação, que houvesse de
>» abandonar o Paiz, o faria dentro de três mezes: Que
>» os prisioneiros, tanto Europeos, como índios, serião
»>- logo restituidos de parte a parte , sem resgate : Que a
»»• Esqu.ídra Franceza se retiraria im mediatamente para
»»• a Ilha de S. Luiz, deixando o mar livre aos Portu-
»» guezes; e no caso que estes, ou os Francezes recebes-
>> sem alguns soccorros, esta Convenção ficaria sempre
»» em seu pleno vigor, sem poder-se alterar por motivo,
»> ou pretexto algum. »» Assignárão a Convenção, pela
parte dos Portuguezes Jeronymo de Albuquerque, e Dio
go de Campos Moreno; e da parte dos Francezes, o
General Ravardiere.
Publicada esta Convenção, foi Mr. de Ravardiere
a terra visitar, e mostrar a sua Commissão a Jeronymo
de Albuquerque, que o recebeo com todas as honras
militares, e lhe fez ver igualmente a sua Commissão.
O que deo motivo a esta formalidade foi suspeitar-se ,
que Mr. de Ravardiere não tinha authorização d' EIRei
de França , e que por tanto podia ser tratado como Pi
rata. A 29 se fez elle á vela para a Ilha do Maranhão
com a sua Esquadra, salvando na passagem ao Forte,
que lhe respondeo com igual cortezia ; c daquella Ilha
mandou o seu Cirurgião Mor com medicamentos para
curar os feridos, e doentes dos Portuguezes, que nada
inhaoj cousa que pareceria impossível, se não fosse at-
:escada por testemunhas oculares.
22 ii
irar
Passados poucos dias mandou Rsvardiere pedir a
Jeronymo de Albuquerque, que lhe enviasse Diogo de
Campos, e o Padre Fr. Manoel da Piedade para fatiar
aos seus índios, e os persuadir da verdade das condi
ções contidas na Convenção por elles assignada , porque
estavão desconfiados de que os Portuguezes os querião
fazer escravos; e em consequência intentavão abandonar
a Ilha, e fugir para a terra firme. Como se apromptava
htima Sumaca para levar a Pernambuco as noticias do
que havia occorrido, das quaes havião ser portadores o
Capitão Manoel de Sousa de Eça , o Engenheiro Mor
Francisco de Frias, e o Ajudante Simão Nunes Cor
rêa , embarcou-se nella Diogo de Campos , e o Padre
Fr. Manoel , e forão a Ilha , onde o General fez o
mais polido acolhimento a Diogo de Campos, obrigan-
do-o a dar o Santo, e a Ordem naquelle dia. Alli sou-
berão do Padre Fr. Archangelo de Pembroc, Superior
daquella Missão (em que se empregavão vinte Religio
sos) (i), que tinhão já baptizado mais de vinte mil pes
soas; e virão o seu Convento, e hum Seminário, em que
os meninos Francezes, e índios aprendião reciprocamen
te as linguas huns dos outros.
Não tendo Jeronymo de Albuquerque á sua dispo
sição lnima embarcação capaz de mandar a Portugal ,
comprou aos Francezes, por quinhentos cruzados, a Ca
ravela , que havião apresado ; e guarnecida com duas pe
cas de artilheria , que elles derao, e alguns marinheiros
Portuguezes, sahio nella para Lisboa Diogo de Cam
pos, com o Capitão Francez Malharr, no fim de Dezem
bro; tendo já partido a 16 para França, em o navio Re
gente, Mr. Du-Prat cora o Capitão Gregório Fragoso

í (O O Padre Fr. Archangelo tinha huma Patente de Chefe da Mbsío


do Maranhão, attignada pela Rainha Regente no 1." de Fevereiro de
1(14; c ahj se dava ácjuelle Paia o nome de Nova França,
173
àe Albuquerque, portador de Officios de Jeronymo de
Albuquerque para o Embaixador de Hespanha em Pa-*"
ris.
Assim ficarão suspensos os negócios do Maranhão ^
até meado do anno seguinte de 1615", em que Jeronymo
de Albuquerque, havendo recebido reforços de Portu
gal, Bahia, e Pernambuco, significou ao General Ra-
vardiere, que elle rinha ordens do seu Soberano para
occupar a Ilha do Maranhão, por serem todos aquelles
Paizes do Património da Coroa de Portugal. Fez -se hu-
ma nova Convenção, em virtude da qual occupou Jero
nymo de Albuquerque o Forte de Itaparí no dia 31 de
Julho, e mudou para elle o seu alojamento, obrigando-se
o General Francez a evacuar a Colónia no espaço de
cinco mezes, dando-lhe os Portuguezes as embarcações
de transporte necessárias , e pagando-lhe o valor da ar-
tilheria, que deixasse nos Fortes. . .,„ ..
Entretanto reunirao-se em Pernambuco maiores for
ças para concluir a Conquista do Maranhão, e fazer a
do Pará; porque Diogo de Campos, chegando a Portu
gal no mez de Março deste anno, persuadio o Gover
no do Reino a enviar tropas áquelle fim , e partio em
pessoa para Pernambuco com seu sobrinho Martim Soa
res, conduzindo hum bom reforço. Foi nomeado Gene
ral desta ultima expedição Alexandre de Moura, que
sahio do Recife a 15" de Outubro de iji? , com sete
navios redondos, huma Sumaca , e huma Caravela, ar
mados todos em guerra. Hia por Almirante Diogo de
Campos Moreno, eerão Commandantes dos navios, Hen
rique AfFonso (com quem hia embarcado o General),
Paio Coelho de Carvalho, Manoel de Sousa de Éça, Je
ronymo Fragoso de Albuquerque, Ambrósio Soares de
Angulo, Bento Maciel Parente, e Martim Soares More
no. Embarcarão nesra Esquadra novecentos Soldados
escolhidos.
174
Chegou Alexandre de Moura com feliz viagem á
Bahia de S. José, onde Jeronymo de Albuquerque lhe
entregou o governo do Campo; e por ordem do noro
General cercou por terra o Forte de S. Luiz, em que se
haviao reunido todos os Francezes; e a Esquadra o blo
queou por mar. O General Ravardiere, que não rece
bera, nem esperava receber soccorros de França, capi
tulou a 3 de Novembro, entregando a Colónia com toda
a artilheria , e muniçóes, sem indemnização alguma, e
dos seus próprios navios se lhe derão três para transpor
tar á Europa os Francezes, que não quizessem ficar na
terra. Sahírao da Ilha quatrocentos Francezes, restando
alguns , que estavão casados com índias. Jeronymo de
Albuquerque ficou por Governador daquella Conquista.
Apenas Alexandre de Moura concluio este negocio,
nomeou a Francisco Caldeira deCastelIo Branco por Ge
neral do Deícobrimento, e Conquista do Pará, dando-lfte
duzentos Soldados, com hum Patacho, huma Sumaca, e
huma lancha grande, cujas embarcações erao comman-
dadas por Pedro de Freiras, Álvaro Neto, e António
da Fonccca.
Partio Francisco Caldeira do Maranhão em No
vembro do mesmo anno, e com viagem breve entrou
pela barra do Se pêra rd ; e navegando pelo Rio acima,
desembarcou a 3 de Dezembro, e escolheo o sitio que
melhor lhe pareceo para fundar huma Povoação, a que
chamou Nossa Senhora de Belém , e deo a sua Con
quista o nome de Grão Pará, nome que também se dava
ao Rio das Amazonas, onde elle julgava então achar-se.
Esta Povoação converteo-se depois em Cidade Capital
da Província (1).

(O O limite da Província do Pará era de g; 1 40 Icguas alím cif


Cabo do Norte , por outro modo, erj no Rio de Vicente Pinçon, onde
começava a demarcação das índias de Hespanha. Assim consta da Carta
- 175
i6io\ — A Esquadra da índia (r) foi este anno de
três Náos, commnndada por D. Manoel de Menezes,
embarcado em a Náo S. Julião; e os outros Comman-
dantes erão Lançarote da França Pita, na Senhora do
Carmo; e Lançarote da França de Mendonça, na Se
nhora do Cabo.
Sahio a Esquadra de Lisboa a 25" de Março. A
Náo Senhora do Cabo arribou a Lisboa com agua aber
ta ; e o Carmo, separando-se na Costa de Guiné, foi ter
a Goa a 22 de Outubro.
D. Manoel de Menezes, seguindo sua viagem pe
lo Canal de Moçambique, avistou na madrugada de 16
de Julho quatro grandes navios, que trazião a mesma
derrota : era huma Esquadra , que sahíra de Hollan-
da em Fevereiro do anno antecedente , commandada
pelo Capitão Benjamin José, servindo de Almirante, e
se compunha dos navios o Carlos (em que elle hia),
o Licorne, o Jaques, e o Globo, que dobrarão o Ca
bo de Boa Esperança a 29 de Junho. Ao meio dia
chegou á folia o navio Globo, e perguntando d'onde
vinha aquella Náo? Do mar, respondeo D. Manoel.
Seguio-se huma contestação, que D. Manoel acabou, ati-
rando-lhe sete tiros, que lhe fizerão seis rombos, e fe
rirão muitos homens. O Globo respondeo ao fogo, e
foi-se reunir ao seu Almirante, que pelas três horas da

de Doação, que Filippe IV. fez a Benta Maciel Parente, de juro, c her
dade , daqiielle pedaço (te Costa comprehendido entre o Cabo do Norte
e o Rio de Pinçon, passada a 14 de Julho de \6i6, comprehendendo
as Ilhas, que estivessem dez léguas ao mar do dito espaço de Costa.
Vede Eerredo, Liv. 9. pag. 294.
(O Epilogo de Pedro {.'arreto. — Faria, As» Portugueza, tomo j.
Parte {. Cap. 11. diz, que as Náos erão Indicas. — Viagem de Eduar
do Terri ás índias Orientaes , no tomo 1. das Viagens de Th*renot,
Paris, 166). Fen í hia nr> navio Carlos, cuja relação principalmente
segui, por ser testemunha ocular, e náo suspeita no que be relativo
ao valor de D. Majioel de Menezes*
176

tarde veio a tiro de pistola da Náo S. Julião, e a salvou


com toques de trombeta, a que lhe responderão cora igual
urbanidnde.
O Almirante Hollandez enviou então hum escaler
a seu bordo , requerendo que D. Manoel de Menezes
lhe fosse fallar. Escusouse elle, e havendo mandado
também hum Official a bordo do navio Carlos , este
u.indo regressou lhe disse em publico , que quaiqaer
3 aquelles navios era capaz de se bater cora a sua Náo,
de que D. Manoel o reprehcndeo asperamente. O resul
tado destas mensagens foi travàr-se hum furioso comba
te , no principio do qual huma bala de artilhem partio
pelo meio o Almirante Hollandez. Succedeo-lhe o seu
immediato no cominando do navio, que depois de meia
hora de acção , se retirou do fogo, e fez signal de cha
mar a conselho. Ajuntarão-se a bordo do Carlos os ou
tros Commandantes, e instalarão por Almirante o Ca
pitão Henrique.
Entretanto continuou D. Manoel a sua navegação;
e como era já noite, accendeo farol aos Hollandezes,
que o seguirão, e foi dar fundo na Ilha de Mohilia (l).
Os Hollandezes ancorarão próximos delle. No dia se
guinte sobre a tarde, havendo reparado do modo possí
vel as avarias da sua Náo, se fez á vela, e apôs delle
os Hollandezes; e anoitecendo, accendeo D. Manoel o
seu farol , como que os provocava ao seguirem. PeJa
manhã travou-se hum, porfiado combate , em que os na
vios Hollandezes se revezavão huns aos outros. Em bre
ve espaço de tempo o novo Almirante recebeo huma fe
rida mortal; c o Alaster, e alguns marinheiros forao
mortos. Durou esta desigual batalha até ás três horas
da tarde, que achando-se a Náo S. Julião sem mastros,

* O) As IHias do Conioro são quatro: Comoto, Joannet , Mobila* «


Ahyota. »
«7
e só com hum pedaço de cevadeira , se dirigio para a*
Ilha do Cômoro, que lhe ficava próxima. Os Hollan-
dezes mandarão propor a D. Manoel , que se rendesse ,
e seria tratado com todo o respeito, que lhe era devi
do; o que elle não acceitou. Pouco tempo depois o
mar, e o vento lançarão a Não entre dois penhascos, on
de os Portuguezes desembarcarão em numeVo de quast
seiscentas pessoas, e pozerão fogo ao navio.
Os Cafres habitantes da Ilha oppozerao-se ao des
embarque, mas cederão logo, dando-se-Ihes algumas cou
sas. José Alvares de Torres, que hia de passageiro,
aconselhou a D. Manoel, que deitasse as armas ao mar,
porque não tendo mantimentos, os Cafres lhos negarião
cm quanto os vissem armados. Conveio nisso D. Ma
noel, porém quando os Cafres voltarão no dia seguinte,
achando-os sem armas, os despojarão de tudo. Dividi-
r5o-se os naufragantes em dois corpos : D. Manoel mar
chou com hum paia terra dentro, o outro seguio seu ca
minho ao longo do mar. Os deste segundo corpo, era
dois dias de marcha, assados do Sol, não acharão agua,
e alguns morrerão de fraqeeza , entre os quaes forão D.
Pedro Soutomaior, e D. Manoel de Castro. Ao tercei
ro dia acharão outros Cafres mais humanos, que lhes
derão leite , e agua. • ■.
O Piloto da Não, chamado Sebastião Prestes, ten
tou salvar-se na lancha com alguns marinheiros; e cos-
reando a Ilha , quiz a Providencia , que encontrasse dois
Pangaios, em que vinha hum nobre Mouro de Pare, por
nome Chande, que hia para a Ilha de S. Lourenço. Ti
nha este amizade com o Regulo de Cômoro, e por sua
mediação, e presentes de pannos que lhe fez, libertou a
O. Manoel de Menezes, e a rodos os Portuguezes. Os
Cafres não estima vão o dinheiro, que em grande quan-
idade havião recolhido do naufrágio, e assim davão
•niiito por hum só panno. Emprestou Chande os seus
Tomo 11. 23
178

fangaios- parar transportar os naufraganres a Moçambi-


*]»e, e lhes fez restituir jóias mui ricas das que tinháo
salvado. Embarcou finalmente D. Manoel nos dois Pan-
§aios, e passou a Moçambique, onde ancorou a 4 de
etembro; e dalli foi a Goa em outras embarcações.
l6i7. — Este anno (1) foi para Vice-Rei da Índia
o Conde doRedondo D. João Coutinho. Constava 1 sua
Esquadra das Náos Penha de França , em que elle em
barcou; a Guia, commandada por Nuno Alvares Bote
lho, que servia de Almirante; a Senhora do Cabo, Com-
mandante Lançarote da Franca de Mendonça; e o Ga
leão Santo António, Commandante João Pereira Corte
Real; huma Caravela, commandada por D. João de Al
meida ; e hum Patacho, de que era Com mandante D.
Nuno Soutomaior.
Sahio de Lisboa o Vice-Rei a 21 de Abril: nave
gou a Esquadra espalhada, mas toda entrou em Goa des
de 20 de Outubro até 17 de Novembro, menos o Pata
cho, que da altura do Cabo de Santo Agostinho arribou
para Portugal.
161 8. — A Esquadra da índia (a) foi este anno de
três Náos, e duas Urcas, commandada por D. Chrisro-
vSo de Noronha , embarcado em a Náo S. Carlos. Os
outros Commandantes de Náos erão João Rodrigues Ro
xo, que servia de Almirante; e João Soares Henrígues.
Commandava a Urca S.Francisco, D. Luiz de Menezes;
e Manoel Ribeiro a Urca S. Sebastião.
Sahio a Esquadra a 16 de Abril , e navegou derra
mada. A Urca S. Sebastião encontrou sobre a Ilha de
S. Lourenço seis navios Inglezes, que a aprisionarão; e
sabendo que pertencia á Esquadra da índia , ficarão alli
enlatando até que appareceo D. Christovão de Noronha.

(l) Epifogo de Pedro Barreto. — Faria , Ásia Portu^neia.

it CO Epilogo de Pedro Barreto. — lai ia, Ásia Ponugucta.


w
Communicou-Ihe o Chefe Inglez, que el!e trazia ordem
para se indemnizar nas fazendas dos Portuguezes, de se
tenta mil patacas, que o Vice-Rei D. Jeronymo de Azo
vedo havia causado de prejuízos a quatro navios seus,
que atacara na Bahia de Surrate. D. Christovão, depois
de fazer sobre isto conselho, deo aos Inglezcs não só
aquella quantia, mas acerescentou vinte e duas mil pata
cas para repartirem pelas guarnições, cujo dinheiro tirou
do cofre dos particulares. Chegado a Goa a 18 de Agos
to, foi mandado prezo para Portugal com o Mestre, ó
Piloto, e mais Officiaes da Não. Observou-.se, que no seu
processo teve por maiores contrários aquelles mesmos,
que mais h avião insistido em se dar o dinheiro aos In
glezcs: caso, que muitas vezes tem occorrido.
1618. — Determinado EIRei a mandar fazer hum
reconhecimento (l) exacto do Estreito de le Maire (des
coberto, e mais o Cabo de Horn pelos Hollandezes ein
1616) . e também do de Magalhães, de que se não pos-
suia numa descripção, que inspirasse confiança , nomeou
para esta empreza ao Capitão Bartholomeu Garcia de
Nodal , intrépido Gallego, que servia deíde vinte e oito
annos na Marinha Real, e commandára já navios de alto
bordo. Propoz este para levar de seu segundo a seu ir
mão o Capitão Gonçalo de Nodal , não menos antigo,
e pratico no serviço da Armada , e de muitos conheci
mentos no serviço naval; o que EIRei approvou.
Expedirão-se ordens da Corte de Madrid a D. Fer
nando Alvia de Castro, Provedor dos Armazéns do Ar
senal de Lisboa, para se construírem duas Caravelas, e
se munirem de tudo quanto fosse necessário para o des
empenho daquella commissão, dasquaes devião ser Com-
mandantes os dois irmãos Nodales.
Fizerão-se as Caravelas do porte de oitenta tone-

(1) Vede o Diário desta Viagem , imprevio em Madrid em 17.6$,


ÍÍ3 ii
180
fadas, fornecidas de víveres para dez mezes, armada ca
da huma de quatro canhões, quatro pedreiros, trinta
"mosquetes, vinte piques, e as munições necessárias. Con
stava a equipagem de cada huma de quarenta marinhei
ros todos Portuguezes, sem levarem soldado algum , aos
quaes se pagarão dez mezes de soldo adiantados. Hião
por Pilotos Diogo Ramires de Arellano , que depois foi
Cosmógrafo, e Piloto Mor; e João Manco, ambos Hes-
panhoes. Chamou se a primeira Caravela , Senhora da
Atocha, e a segunda, Senhora do Bom Successo.
A 27 de Setembro deste anno de 161 8 sahío de
Lisboa o Capitão Bartholomeu Garcia com as duas Ca
ravelas, e navegando ao S. O. com ventos do quadran
te do N. E , achou-se no dia seguinte raxado junto ao
calcez o mastro grande da Caravela Bom Successo, cuja
avaria remediarão enrocando o mastro com vergonteas
de sobrecellente
A 30 pela manhã avistarão a Ilha de Porto Sanro,
havendo sempre seguido o rumo de S. O. Logo que
montarão a Ilha, forão a O.S. O. até passarem a Ma
deira , que tornão ao S. O. até ao i." de Outubro ,
que ao meio dia acharão 31o 40' de latitude. A 2 na
vegarão ao S. 4. S. O. , e ao S.S.O. , vento constante ao
N. E. , e tiverão de latitude 30o 40'.
A 3 virão a Ilha da Palma, e navegarão pelo rumo
de S.4. S. O. até ao dia 10, que tiverão de latitude 13*
e 40', e julgarão demorar Cabo Verde a E. 4. N. E., e
a Ilha de S. Tiago a O. N. O. Continuarão o mesmo
rumo a 11 com o vento N. E. , e acharão n° 30' de la
titude.
A 12, passando a noite ao S. O. , navegarão ao
S. S.E., e assim continuarão até 14, que tiverão 8° 48*
de latitude. A i? forão ao S.4.S.O. com vento O. bo
nança. A 16 navegarão ao S. com vento O.S, O., e
observarão 50 55' de latitude» Até 20 acharão venros
181

pelo S. S. O. , e forão ao S. E. An veio o vento ad


S. , e navegarão a E. S. E. , latitude 3' 6'. A 22 tomou
o vento ao S. S. O. muita bonança, e seguirão o bordo
do S. E , tendo de latitude 20 $0'.
A 23 com vento S. virarão no bordo de O. S. O.
A 24 tiverao a noite de calma podre, e de dia aragem
de S.S.O.; observarão 2' 20' de latitude. A 2£ ven
to S. , e continuarão o bordo de O. S. O. Aturou o ven
to pelo S. , tempo escuro, e seguirão o mesmo bordo
até o dia 29, que poderão observar o Sol, e acharão
30' de latitude S. , a qual concordava com a sua estima;
fazião-se então quarenta léguas do Penedo de S. Pedro.
A 31 navegarão ao S. O. com vento E.S. E. , e ti
verao 2 5"o' de latitude. No i.° de Novembro segui
rão o rumo de S.S.O. com vento S.E. , tempo claro até
ao dia 4, que estavão em o° 55"' de latitude. A 5", e 6
navegarão ao S.4.S. O., vento N.E. Na noite deste
ultimo dia virão hum grande Cometa ao S. O. Nos dias
f , e 8 seguirão o rumo de S.S.O. , sempre com vento
N. E. , estando em 16° 20' de latitude. A 9 forão ao
S. O. até 12, que tiverão de latitude 21o 45"', e o mes
mo vento N.E. A 13 deitarão a 0. 4. S.Ó. , e acharão
22° l?' de latitude.
A 14, no quarto d'alva, sondarão em 35" braças so
bre o Cabo de S. Tbomé \ atravessarão, e logo que ama-
nheceo, governarão ao S. 0. 4. 0, para reconhecerem a
terra : virão huns montes altos junto á Ilha de Santa An-
na, e continuarão ao S. O. , guinando p.ira o Sul, em
demanda de Cabo Frio. A if ao anoitecer ancorrírao
no Rio de Janeiro, para metterem hum mastro novo em'
lugar do arruinado. Era Governador da Cidade Ruy Vaz
Pinto.
As duas Caravelas tinhão mostrado as boas quali
dades de andar, c aguentar, vms erão tão rasas, qué
ainda com bom tempo mettião agua pela borda com
182
qualquer balanço. Em consequência deste defeito, mui
perigoso para navegarem nos mares do Sul, assentou-se
em huma conferencia de Mestres, e Pilotos experimen
tado?, que se lhes levantasse a borda, e fizesse hum pon
teava nte; obra que se concluio em dez dias.
Descobrio-se nesta occasião a bordo da Caravela de
Bartholomeu Garcia de Nodal huma conspiração traçada
pelo Despenseiro Marco António, e outros indivíduos,
para se levantarem com o navio, por cuja causa forão
três condemnados ás Galés, e outros ficarão presos nas
cadêas da Cidade; em lugar destes, e de alguns, que
quizerão ficar, receberão igual numero de Portugueres.
No i." de Dezembro esta vão as Caravelas prompras
a dar á vela, mas havendo vento S. O. , só poderão sahir
no dia 6 ao amanhecer, com vento E. S. E. , que logo
saltou a O..S. O. , e com ellc navegarão ao Sul, tempo
escuro até ao dia 10, que o vento rondou para o N.E.,
e navegarão ao S, O. este dia , e o seguinte com o mes*
mo vento, e a mesma escuridão de tempo. A 12 rou-
dou-se o vento para o S. O. , e estiverão á capa todo
este dia , e parte do seguinte, que tornou o vento ao
Jí. E. , e seguirão o rumo de O. S. O. , e pela primeira
vez poderão observar o Sol , e acharão 27o 40' de lati
tude.
A 14 com o mesmo vento, e rumo descobr/rão ba
nas montanhas mui altas, e por isso mudarão o rumo
ao S. 4. 0, para se afastarem da terra. Assim navegarão
no dia seguinte, e a 16 forão ao S. S.O., e ti verão de
latitude 31° jo'; e ás oito horas da manhã soffrèrão hu-
rna trovoada do quadrante do S. O. A 17, e 18 forão
com vento E. N. E. aos rumos de S. S.O. , e S. O., e
observarão a latitude de 34o $ç'. A 19 riverâo vento*
variáveis de N. N. E. até O. N. O. Sondarão pela pri
meira vez em 22 braças. Partio-se a verga grande á Ca
ravela Senhora da Atocha , estando-se ferrando a vela , e
183
escaparão milagrosamente três marinheiros, que vieracr
de cabeça abaixo agarrados á metade da verga , que
cahio. De noite passou o vento ao í>. S. E. bonança:
navegarão ao S. O. com a sonda na mão, aré chegarem
a 14 braças, que virarão com a proa a E. N.E. ; e de
pois foi alargando o vento.
A 20 fizerão rumo ao S. S.O., com vento N.E.^
tiverão 35"° 40' de latitude, fundo de 25* a 35" braças,
sem verem terra ; a pezar de ser o tempo mui claro ,
porque estavão no parcel do Rio da Prata. A 21 segui
rão o mesmo rumo, com o mesmo tempo, e tiverão 36a
57' de latitude.
A 22 navegarão com o mesmo vento aoS. O. , la
titude 37o 17 , e sondarão em 95" braças, fundo de vasa.
A 23 navegarão ao S.S. O. com o mesmo vento; tive
rão 38° de latitude, e sondarão cm 60 braças. A 24 to
marão o rumo de S. O. , o mesmo vento; fundo 50 bra
ças, arêa fina. A 25, rumo ao S. O. , vento Norte, la
titude 39o 26', fundo 5*0 braças, e virão muitas baleas.'
A 26 o mesmo rumo, ventos N. O. , e N. N-O. ; lati
tude 40° 70', fundo 50 braças, e virão poucas baleas.
A 27, e 28 o mesmo rumo, e os mesmos ventos mui
bonançosos; fundo de 45^ e 40 braças, arêa fina.
A 29 o mesmo rumo, vento N. E. ; latitude 42°
44', fundo 40 braças, arêa. A 30, rumo ao S. 0. 4. 0. ,
o mesmo vento, que depois passou a Oesre calmoso ;
fu/ido 40 braças. Pescarão tanto peixe, que durou oito
aias. A 31 estiverão á capa com muito mar, e vento
de S. O. , e S. S. O. , tempo escuro; fundo 45 braças de
arêa Nomiúda.
i.° de Janeiro de 1619, calma, latitude 43o
11', fundo 45" braças, arêa miúda. No dia 2 rumo ao
S. 0. 4. 0. , vento N.O. , tempo escuro, fundo 48 bra
ças. A 3 tiverão calmaria; latitude 43" 50', fundo 4J
braças. De tarde virão terra, que pela sua latitude ob
184
servada julgarão per o Cabo das Sardinhas, e seguirão
correndo a Costa. A 4 amanhecerão quatro , ou cinco
jeguas do Cabo de Santa Helena (em 44 30'); e de noi-
tje navegarão ao Sul com vento N.E. , bom tempo, para
se afastarem da terra , porque o Cabo deita muito ao
mar; latitude 45° 34'; fundo 45" braças, pedra.
A <i• -virão o Cabo de S.Jorge, demorando ao S.O.
Navegarão de noite ao Sul, e S.S. O. com terral; antes
cie chegarem ao Cabo, observarão 46o 38' de latiraie.
Entrarão na Bahia (que he mui grande) costeando a tet
ra ; no meio delia acharão 40 braças, arêa preta miúda.
Navegarão ao S. E. até dobrar o Cabo, que tem pegado
a si hum Farilhão, que de longe parecem dois, e he mais
alto que o Cabo. Quizerão entrar em huma Enseada,
que hz o Farilhão da parte do Sul, mas não poderá*
Gela força da corrente, que os encontrou sobre o Fari-
íão, ao pé do qual ha hum baixo, em que rebentão
mar. O resto da Costa he limpo. Dobrado o Gbo,
correrão a Costa mui perto de terra , cora vento fresco
do N.E ; governando ao Sul contra a corrente, que era
tão forte, que não a podião vencer as Caravelas. Este
Farilhão corre Norte Sul com outro Cabo mais salien
te, que dista delle duas, ou três léguas. Ao anoitecei
chegarão a este Cabo, onde a Costa deixa de correr Nor
te Sul; e acalmando o vento, a corrente os levou até
chegarem a sete braças, fundo pedra; de cujo perigo os
salvou huma forte corrente opposta á outra , que veio
naquella noite com grande ruido da banda doS.E.; e
em breye espaço os póz em mais de vinte braças. Saltou
logo o vento a Oeste , e O.S.O. , cora o qual forão tnfr
cando no bordo do Sul até amanhecer, que se pozeraoa
capa com vento S. O. , dez léguas ao mar, fundo 40 bra
ças.
A 6 observarão 47" 38' de latitude. De tarde pas
sou o vento ao Norte, e governarão a Oeste. Ao Sol
185
posro, estando próximos cia terra, virão huma Illia pé-» "
quena, a que chamarão dos Reis, e alguns Ilhotes á ter
ra delia. Bordejarão de noite com pouca vela, e ao ■
amanhecer estavao obra de quatro léguas ao S. O. da
Ilha dos Reis, junto a huma ponta mais raza que a
Costa adjacente ; e coisa de quatro, ou seis amarras de
distancia tem hum Farilhão, e entre este e a terra firme
ha hum baixo, onde o mar .quebra. Correrão a Costa -
na direcção da Ilha dos Reis (em 47o 48'), e antes de
chegarem a ella menos de duas léguas, virão huma gran
de Enseada, que na entrada tinha 14, e 12 braças de
fundo limpo, arêa preta, em que surgirão. Gonsalo No- .
dal foi na lancha com os Pilotos a eondar, e examinar
o Porto (Porto Desejado, em 47o 43') j e desembarcan
do cm terra , observarão o Sol ao meio dia com os As-
tiolabios, e acharão 47o £3' de latitude. Esta Bahia
tem bom fundo, e offerece algum abrigo aos navios,
mas falta-lhe agua , e lenha. Ha dentro delia algumas
Ilhas pequenas, na maior das quaes matarão alguns leóes
marinhos, em cuja peleja. correo perigo Gonsalo de No
dal , e ficou tão mal tratado dos queixos, que por mais
de hum mez não pôde mastigar. Na tarde do mesmo
dia voltarão á caça dos leões marinhos, de que matarão
mais de cem tamanhos como bois, e derão á Bahia o
nome dos Leóes. 9
A 8 amanhecerão sobre o Cabo de Santa Maria
(em 48' 9), distante coisa de três léguas da Bahia dos
Leões, cujo Cabo tem hum Farilhão, e hum baixo ao
pé; e com vento N. E. íorão correndo a Costa, vendo
algumas Enseadas, com pequenas Ilhas; e na boca de •
huma destas Enseadas, huma légua ao mar, ..ao hum
Farilhão grande, c dois menores ao pé delle. O fundo
era então de 36 a 32 braças, pedra. A Costa corria
N. E. , S. O. Continuarão o reconhecimento na tarde do
mesmo dia, vendo outras Bahias com duas Ilhas, e hum
Tomo 11. 24
lí«:
baixo descoberto; e antes de chegar a estas Ilhas virão
hum escarceo de agua, que parecia restinga, hum pou
co desviado da terra firme, que não examinarão.
A o passou o vento ao S.O. , e O.S. O. ; capearão
latitude 48o 42', fundo 48 a 50 braças, arêa, a oito lé
guas de terra. Dia 10 á capa, vento S.O. , latitude
48" 20'. De tarde saltou o vento ao N.N. O. , e segui
rão o seu reconhecimento. Depois das cinco horas en
contrarão hum baixo , que rebentava o mar nelle , e es
tava cinco léguas afastado da terra (chamado Baixo Ve
lhaco); junto delle sondarão 16 braças, fundo de pe
dra; eo situarão em 48 30' de latitude.
A II, pouco depois do meio dia, chegarão á boca
da Bahia de S. Julião (em 49^ 22'), onde saltou o ven
to ao O.S. O., e S.O, com o qual se pozerão á capa,
tempo escuro, fundo 33 braças, vasa negra, e mui ri-
Í:osa. A 12 com o mesmo vento á capa, a oiro, ou dei
éguas de terra, fundo limpo de 60, e 70 braças. A 13
tiverão ventos de N.O., e O.N.O. , tempo escuro. Na
vegarão em busca da terra , que virão quatro léguas ao
S.O. da Bahia de S. Julião. Correrão a Costa aos ru
mos de Sul, S. 4. S. O. , fundo limpo de 10 até 7 braças.
De noite navegarão ao Sul com pouca vela , esperando a
manha. A 14 o mesmo vento. Ao meio dia chegarão 2
boca da Bahia da Cruz (em fi), c»de mudou o vento
ao S.O. de rajadas, seguidas de calmas, e corrente ao
S. E. , fundo 27 braças, vasa viçosa até quatro leguss de
terra; latitude 5"o" fi'. Não examinarão o interior da
Bahia, porque de tarde rondou o vento a Oeste por ci
ma -da terra com tanta força, que estiverão algum tem
po á capa , e depois seguirão a Costa a pouca vela.
A 15 amanhecerão com a terra das Barreiras Bran
cas, que he terra alta, e no fim delia virão o Rio de
Gallegos (em fi0 34'), que lhe pareceo ser grande, e
com larga entrada, porém só com 3 a j braças, fundo
187
pedra da parte do Norte, vindo até alli por fundo lima
po de 8, e 9 braças. Do meio da boca da Bahia para
o Su! acharão de ro a 14 braças fundo de cascalho; -6'
seguio-se huma praia mui raza por espaço de quatro lé
guas, com oito, ou nove montes, que de longe paredão
Ilhas. Passado o Rio de Gallegos, tivcrão $z" de lati
tude. Deáte Rio para o Cabo das Virgens corria a terra
aoS. E. 4.S. , primeiro terra baixa, que só se descobre
de mui perto , e depois mais alta até aqlielle Cabo. Ao
Sol posto ancorarão em ró braças, fundo limpo, huma
légua alem do Cabo das Virgens (5-2° 20').
A 16 passou o venro ao S. S.É. , tempo escuro, e
chuvoso, e por isso se fizerão á vé!a , e pozerão á capa
no bordo do mar. Abonançou o vento para a noite , e
forão demandar o Cabo das Virgens, de que se havião
afastado seis, ou oiro léguas. Huma légua antes de che
gar ao Cabo está hum banco, que tem de fundo 10 até
6 braças.
A 17 amanhecerão com o Cabo, vento O.S.O. pe-"
Ja boca do Estreito de Magalhães , com cujo vento bor
dejarão até meia Bahia, por fundo limpo de 35", e 40
braças. Ao meio dia derão fundo, e ti verão 51 20' de
latitude. Desembarcarão na lancha, e acharão hum na
vio grande naufragado, de que trouxerão algumas ferra
gens : virão alli signaes de fogueiras , e muitas cascas de
mexilhões. De noite ventou muito o S. O. , com chuva,
e cerração; e logo que amanheceo, se fizerão á vela no
bordo do S. E. ; e como o tempo lhes não permittia era-
bocar o Estreito de Magalhães, resolveo-se em conselho
de Pilotos ir demandar o Estreito Novo (Estreito de le
Maire).
A 18 seguirão derrota para o Sul, reconhecendo, e
marcando todos os pontos notáveis da Terra do Fogo,
a pezar das contrariedades dos tempos; e nelle desco
brirão o Canal, a que chamarão de S. Sebastião (em
24 ii
188
fj" 13'), que>se cotomunica.com o Estreito de 'Maga*
Ihaes. A 22 entrarão no Estreito de le Maire, a que
pozerão nome de S. Vicente, e por elle continuarão pa
ra o Sul, desembarcando algumas vezes para communi-
car com os indígenas, aos quaes virão comer hervas, e
sardinhas cruas.
No i.° de Fevereiro esta vão em 56o de latitude,
tempo muito escuro, e no dia 5* pela manhã virão o Ca
bo de Horn (em 55 5"6"); em distancia de cinco léguas,
e lhe derão o nome de Santo Ildefonso; tiverao ao meio
dia de latitude jf" jo'. Continuando a sua derrota 20
Sul , descobrirão no dia 10 a Ilha de Diogo Ramires
(em $6} 40'). A 18 estavão por 58 30 de latitude,
d 'onde navegarão a rodear a Terra do Fogo pela parte
de Oeste , para entrarem no Estreito de Magalhães pe
lo mar do Sul; e no dia 25 reconhecerão o Cabo Dese
jado (em 5'2>5o'), e os quatro Evangelistas (em p*
23'), e embocárão o Estreito com veriro Oeste mui for
te. Dalli forão registando todos os Portos, e Bari ias ào
Estreito, ancorando muitas vezes; até que no dia 12 de
Março sahírão pela banda de leste, e derão fundo do
Cabo das Virgens, collocando-o na latitude de 5-2Q 24'.
A 13 pozerao-se em derrota para a Europa, e a
28 de Abril, estando em 90 17' de latitude Sul, virão
de noite a terra , e sondarão em 30 braças ; a 30 derão
fundo em Pernambuco em 16 braças , e no outro dia fo
rão ancorar no Recife, sem haver fallecido hum só indi
viduo a bordo das Caravelas. Acharão aqui surtos vinte
e oito navios Portuguezes, e poucos dias depois chega--
rão da Bahia outros treze: a 14 sahírão todos justos
em Frota para Portugal ; e coino entre elles vinhão em
barcações ronceiras, que demora vão a viagem, separa-
rão-sc as Caravelas no dia 28 , e seguirão sós sua der
rota.
A 23 de Junho, estando já em mais de 38* de la-
189
titudé Norte, avistarão sobre a tarde trcs Corsários Fran-
cezcs, que os seguião ; e no outro dia ao amanhecer veio
Jium delles buscar as Caravelas, que pondo-se em traque-
tes, com hum virador dado de huma para a outra, o
esperarão. A's oito horas chegou perto o Corsário, com
joanetes largos, e içou bandeira Hespanhola, tocando
hum tambor, e huma trombeta ; e pondo-se á falia, lar-
§ou bandeira Franceza, e mandou amainar por EIRei de
Yança. Respondeo-se-lhe, que estavao amainados, e
que abordasse, po/que as Caravelas vinhão do Brasil
com assucar. Disparou o Corsário a sua artilheria, pon
do-se á trinca: responderão-lhe as Caravelas comas suas
peças, c mosquetaria, e refrescando neste instante o ven
to, que estava quasi calma, largarão o virador, e fize-
rao força de vela para virar sobre elle; mas o Corsário
virou logo de bordo para se aproximar dos outros seus
companheiros; e as Caravelas seguirão a sua viagem, ha
vendo huma delias recebido huma bala na verga da mes
ma. Ti verão de latitude 38o 42'.
No dia seguinte virão a Ilha das Flores, da qual
Teio hum barco dar-lhe aviso, que naquella manhã ha-
vião dalli sahido cinco navios Francezes. A 26 reco
nhecerão o Faial , e S. Jorge. A 27 derão fundo na
Villa da Praia, na Ilha Terceira, d'onde largarão á noi
te , e navegando com tempos escuros y ancorarão no Ca
bo de S. Vicente a 7 de Julho, onde desembarcou Gon-
salo de Nodal com officios para EIRei- , que estava em
Lisboa , e no dia seguinte partirão as duas Caravelas
para S. Lucar, em cujo porto entrarão no outro dia.
1619. =r A Esquadra da índia (1) foi este atmo de
quatro Náos, commandada por D. Francisco de Lima,

(1) Epilogo de Pedro Barreto. — Faria, Ásia Portugueia. — Veda


01 Commentarios do grande Capitão Ruy Freire de Andrade y Lisboa ,
1647.
190

«mbarcado em a Náo Boa Nova ; e os outros Commsn-


dantes erão Francisco Ribeiro, na Santa Theresa ; Ro
que de Fróes, no Paraíso; e Jeronymo Corrêa Peixoro,
na Guia.
Sahio de Lisboa a 5" de Abril; e arribou a Náo
Paraiso com o mastro grande rendido. A Náo Guia
invernou em Moçambique, e em Maio do anno seguin
te entrou em Goa ; as outras duas Náos chegarão nos
princípios de Outubro.
Como os Inglezcs, e Hollandezes infestavão o Es
treito Pérsico com os seus navios, e embaraçavão toda
a navegação dos Portuguezes , determinou EIRei man
dar huma Esquadra a Ormuz, para proteger o Com-
mercio, e construir huma Fortaleza na Ilha de Quei-
xome; e encarregou desta importante commissão a Ruy
Freire de Andrade. Constava a Esquadra dos Galeões
S. Pedro, de 64 peças, e 600 homens, em que levava a
sua bandeira o General; e S. Martinho, de 48 peças,
em que hia servindo de Almirante D. João de Almeida;
e três Urcas de 22 peças, que er.lo a Conceição, Com-
mandante Pedro de Mesquita Guedes; a Senhora ào
Populo, Commandante Francisco de Mello; e Santo
António, Commandante Balthaznr de Chaves. Estes rin-
co navios levavão dois mil soldados de guarnição.
Partio de Lisboa Ruy Freire no 1. de Abri/, ooa-
tro dias antes da Esquadra da índia , conduzindo debai
xo da sua bandeira a Frota destinada para o Brasil. Ao*
oito dias da sahida teve hum temporal, que espalhou os
navios , ficando e!le só com as Urcas Conceição , e San
to António, e seguindo sua viagem, avistou huma ma
nhã tantas embarcações, que cobrião o horizonte ; posto
logo em armas, dircinuio de panno, e esperou por ellas
com insignias , e bandeiras largas. A's duas horas dt
tarde aproximou-se a elle hum Patacho de dez peças,
com bandeira encarnada na popa, e disparou huma pe»
191
r
ça sem bala, a que Ruy Freire respondeo com huma*
bala de vinte e quatro, que atravessou de parte a parte
o Patacho, e lhe matou cinco homens. Amainou logo
o Patacho, e vindo á falia disse, que aquella Frota era
Hespanhola , e hia para as índias Occidentaes ; e ao
mesmo tempo queixou-se do damno , qne recebera. Ao
que Ruy Freire respondeo, increpando-o da insolência
que praticara, e declarando-lhe quem elle era. O Pata
cho foi dar o recado ao seu General , e ambas as Es
quadras se salvarão com as ceremonias naquelle tempo
usadas. ; depois cada huma seguio a sua derrota.
Passada a Linha , e estando em 40 de latitude Sul,
pedirão as duas Urcas licença a Ruy Freire para se adian
tarem, por fazerem ambas muita agua: concedeo-lha
elle, com ordem de o esperarem em Moçambique até
16 de Setembro, e não chegando até esse tempo, irem
para Mombaça , onde determinava invernar.
Seguindo Ruy Freire só a sua viagem, encontrou a
Não Boa Nova, em que vinha D. Francisco de Lima,
ao qual representou , que levava a bordo muita gente
doente, e receava encontrar-se com alguns navios Ingle-
zes. D. Francisco lhe deo sessenta homens, e se encar
regou de cartas suas para o Conde de Redondo. Vice-
Rei da índia.
Despedidos hum do outro, continuou Ruy Freire a
roa derrota , e estando á vista da Costa do Cabo de Boa
Esperança , encontrou huma Náo Hollandeza de 44 pe
ças; e travando-se hum combate de artilheria , que du
rou muitas horas; sendo já noite, as balas do Galeão
cortarão a verga da mesma , e o mastro do traquete ao
navio Hollandez. O escuro fez cessar a peleja, e Ruy
Freire, diminuindo de panno, se conservou com elle,
esperando a manhã para o tomar, porém das duas horas
por diante não o vio, e amanhecendo, apparecêiao pela
mar muitas taboas, caixas, e alguns cadáveres, de que
152
se inferio haver ido a pique. Continuando á sàa nave
gação, na altura das Ilhas de Angoxa soffreo hum tem.
poral; e por ultimo chegou a Moçambique a 18 de Se
tembro. ...
Aqui chegou o Galeão S. Martinho, cujo Almi
rante linha fallecido, e soube de D. Gonsalo da Silvei
ra (que a guarnição elegera por seu Commandante), que
chegara áquelle Porto quasi perdido, sem leme, e com
doze palmos de agua no porão; e que as Urcas Populo
e Conceição havião ido para Mombaça , a pezar dos
seus requerimentos para que não desamparassem o Ga
leão. Nomeou Ruy Freire a D. Gonsalo por Almiran
te; e conferindo com o Governador de Moçambique
Diogo de Castilho, e as principaes pessoas, pareceo a
todos, que fosse invernar a Mombaça, onde já estavão
as três Urcas; e que ficasse alli o Galeão S. Martinho
para se reparar. Mas estando Ruy Freire para sahir
chegou a Urca Conceição, cujo Commandante lhe dis
se , que a Urca Populo se perdera avante das Ilhas de
Quiriraba em hum baixo, mais de doze léguas ao mar
da terra firme, sem elle lhe poder acudir, era razão dos
grandes mares, com que também estivera em perigo.
Com esta noticia resolveo Ruy Freire invernar em
Moçambique, para mandar recolher o que podesse da
Urca perdida ; e foi a esta commissão Filippe dj Fon-
ceca em hum Pangaio; e houve-se tão bem, auxiliado
do Governador de Quiriraba Francisco Vieira , que reco-
Iheo toda a gente, e munições, e parte da aruineria,
com que voltou a Moçambique.
Aqui recebeo Ruy Freire cartas de Balthazar de
Chaves, Commandante da Urca Santo António, em cue
lhe participava haver estado encalhado quinze dias na
ponta da Ilha de S. Lourenço, d'onde felizmente satu
ra.
Mcçambigne estava em tal necessidade de todas as
193
cousas, que morrerão quatrocentos homens da Esquadra,
huns de doenças, e a maior parte de fome; e morrerião
todos, se Ruy Freire, vendendo a sua prata , e a fazerr-
da que levava, e pedindo dinheiro emprestado, não man
dasse hum navio á Ilha de S. Lourenço, onde carregou
de mantimentos; e assim preparados os seus navios, sahio
de Moçambique a 3 de Março de 1620, e chegando a
Mombaça , se demorou três dias; e partindo dalli , che
gou ao Estreito do Mar Roxo a 3 de Abril, onde sur-
gio dentro do Cabo de Guardafui. Mandou logo entrar
as duas Urcas pelo Estreito, para ver se encontravão al
gumas embarcações de Mouros inimigos, o que não suc-
cedeo ; e depois entrou a Esquadra roda , e foi fazer
agua á ribeira de Teve, por ter tanta falta delia, que
quando alli chegou , havia três dias que se não dava
ração de agua á gente, e no caminho tomou huma Ga-
leota de vinte é cinco bancos, com oitenta Malabares,
armada com três peças na proa , e quatro pedreiros por
banda. Feita a aguada, em que se deteve dez dias, par-
tio a Esquadra para Mascate, d'onde seguio- para Ormuz,
em cujo Porto ancorou a 20 de Junho.
1620. — A 2 de Fevereiro (1) sahírão de Lisboa dois
Patachos de aviso : a Nazareth, de que era Commandan-
te Diogo Barradas, para Moçambique, Ormuz, e Goa:
e a Conceição, Commandante Filippe da Cruz Silveira,
para Malaca, onde se perdeo em huma Ilha junto daquel-
la Cidade.
A 20 de Março partirão para a índia duas Urcas:
o S. João Evangelista , commandada por José Pinto Pe
reira , que se perdeo no Rio de Luabo : e o S.João
Baptista , Commandante Jacomo de Moraes Sarmento,
que entrou em Goa a salvamento.
A Esquadra ordinária foi de quatro Náos, com-

(1) Epilogo de Pedro Barreto. — Faria, Ásia Portugueu.


Tomo II. 25
19é
ns!Kbia por Nuno Alvares Botelho, embarcado na Náo
Pariíso; os outros Comma.ndantes erao. Diogo de Mello
e Casiro, na Penha de França; Pedro de Moraes Sar
mento, no Santo Amaro; e D. Francisco Lobo, em ou
tra Xio.
Sahio a Esquadra de Lisboa a 21 de Março, e ar
ribou D. Francisco Lobo. A Náo Santo Amaro per-
deo-se em Mombaça , sal.vando.-se a gente : na mesma
Ilha invernou Nuno Alvares ; e só Diogo de Mello che
gou a Goa a 1^ de Dezembro..
1621. — Neste anno.(i) sahio de Lisboa D. Affbnso
de Noronha , nomeado Vice-Rei da índia , com huma
Esquadra de quatro Náos , e seis Galeões. Erão Gora-
mandanres das Náos D. Francisco Lobo , na Conceição,
onde embarcou o Vice-Rei ; D. Francisco Henriques,
servindo de Almirante , no S. Thomé ; D. Rodrigo Lo
bo , no S. Carlos; e Nuno Pereira Freire, no S.José.
Commandavao os Galeões António Telles, na Trinda
de; Gonçalo de Siqueira, no S. Salvador; Francisco So-
dré Pereira , no S. Pedro ; Francisco Cardoso de Almei
da, no Rosário; LuizHe Moura Rolim, no S. João; e
Gonsilo Rodrigues , em outro.
Partio a Esquadra nos princípios de Abril, e íogo
que sahio a barra, teve hum temporal, que a forçou a
entrar. Desembarcou o Vice-Rei , e ficarão em Lisboa
ouitro dos seis Galeões da Esquadra; os outros navios
sahirão outra vez a 29 de Abril ; e mettendo-se na Cos
ta da Malagueta, acharão tantas calmarias, que depois
de rerderem muito tempo, sem poderem avançar cami
nho, arribarão a Lisboa. O único Galeão de Gonsalo
Rodrigues, que quando os outros navios sahirão, ficou
w Trafaria com os mastros cortados , e sahio depois

K deites, foi o que passou á índia.

O) Spfego * fc&° Barreto,

-
195
iózi. — A Náo Conceição (i), acabada de fazer na
índia, partio de Goa no primeiro de Março de 1621;
era seu Commandante Jeronymo Corrêa Peixoto, que ti
nha ido de Portugal commandando a Náo Guia; e por
esta ser mui velha , passou com toda a guarnição para a
Conceição, que ainda estava no estaleiro.
Sahio também com ella a Náo Penha de França ,
em que vinha por Chefe daquella Esquadra Gaspar de
Mello; e com vento prospero forao de conserva ver a
terra ao Norte do Cabo de Boa Esperança, com cincoen-
ta e três dias de viagem. Chegando com vento em po
pa á vista do Cabo , saltou-llies o vento á proa tão ri
jo, e com tanto mar, que huma vaga arrebatou hum pas
sageiro; e andarão quarenta e quatro dias ao pairo, sem
poderem dobrar o Cabo. Neste tempo separou-se a Con
ceição, por culpa dos seus Officiaes , que vinhão cora.
iúézs de chegar primeiro a Lisboa.
. \ No fim destes dias de pairo, as correntes levarão a
Náo para fora do Cabo, e então quiz saber o Comman
dante, se tinha agua bastante para chegar a Portugal; e
parecendo pouca a que se achou, resolveo-se, por voto
dos Ofticiaes, ir a Santa Helena, porque o Regimento
assim lho mandava em caso de necessidade, prohibindo
expressamente arribar ao Brasil, ou a Angoli. Sobre
isto houverao muitas dissensões entre elle e D. Luiz de
Sousa, que vinha por passageiro com sua mulher, c fa
mília, e não lhe parecia bem a arribada a Santa Hele
na , com receio de achar alli alguns navios Hollandezes.
Chegada a Náo a Santa Helena, não encontrou em
barcação alguma; e sendo necessário dar-se huma espia,

(1) Vede a Memorável Relação da perda da Ndo Conceição, escrita


por João Carvalho Mascarenhas, Lisboa 1627. Este Portuguez foi hum
do? que mais viajarão na-^uelle século; e vinha nesta Náo, donde o le
varão cativo a Argel; e no anno de 1624 sahio do cativeiro. Vede Fa
lia na Ásia, Tomo j. Parte 3. Cap. 19.
25 ii
196
quando foi a metter-se dentro, estando o Conimandan-
te ao pé do cabrestante, que virava , rebentou a espia, e
desandando o cabrestante, huma barra dclle nutou o
Commandante, que na véspera se havia confessado, e fei
to testamento.
Por sua morte foi eleito D. Luiz de Sousa. Gas-
tarão-se oito dias em fazer aguada ; e sahindo com ven
to feito, navegarão até aos Açores, onde lhe deo hum
temporal , com que estiverão quasi perdidos na Ilha do
Faial. Acalmando o tempo , forão á Terceira , c pai
rando em papafigos, escreveo D. Luiz ao Governador,
pedindo-lhe mantimentos, Soldados, e Artilheiros, que
de tudo vinha falto. Os mantimentos, e refrescos vierão
em abundância, mas em lugar de Soldados, mandarão
homens inúteis, huns por muito moços, e outros por
muito velhos; e nenhum trazia armas. Chegarão nesta
occasião duas Caravelas de aviso, com Cartas d'ElRei,
que dizião : <« Viesse a Náo em estado de guerra buscar
» a altura de 39 90', pela qual acharia a Esquadra de
»> D. António de Ataíde, que a estava aguardando; e
» que navegasse com cautela, porque se tinha noticia de
» andar fora huma Esquadra de Turcos. >*
Partio D. Luiz -da Terceira , e em sete dias rio as
Berlengas pela meia noite, e quasi rendido o quarto d'al-
>a , estava perto da Ericeira , quando se ouwo bum ro-
mor de gente, que fallava; e cuidando todos achar-se
no meio da Esquadra de D. António, xe estando-se talin-
gando as amarras para irem dar fundo em Cascaes , íò-
rão descobrindo com a luz da manhã dezesete navios
grandes, que logo perceberão não ser a Esquadra Porra-
gueza , mas cuidarão que serião navios carregados de
tal , q»e vinhão de Setúbal.
Estes navios erão Turcos, que havia quarorze dias
tinhao saindo de Argel, todos de 34 a 40 peças, os quaes,
labendo que aquella Náo era da Índia, peia informação
^
197

de marinheiros Portuguezes , que trazião a bordo , poze-


rao escaleres no mar para se avisarem huns aos outros;
e mettendo-se logo em ordem, com bandeiras içadas, em-
pavezados, e entrincheirados, dispararão huma peça sem
bala. D. Luiz, ainda que não enxergava bem que na
vios erão aquelles , nem esperava achar Turcos tão perto
da barra, entendendo com tudo, que serião inimigos,
largou a sua bandeira , acompanhando esta acção com
hum tiro de bala á Capitanea. Esta , vendo que a Náo
se não rendia, carregou os papafigos, prolongou a ceva-
deira , e veio em gavias, e mezena para a abordar.
A Náo Conceição estava pouco disposta para hum
combate; os sete dias de viagem da Ilha Terceira até
alli, forão empregados em trazer da coberta para cima
todos os fardos, e baús que vinhão nos baileos, o que
se costuma praticar nas Náos da índia á chegada a
Lisboa , para salvar os grandes direitos , que paga tu
do quanto se acha de escotilhas abaixo na entrada do
Porto; assim achava-se a Náo por cima emp.ixada com
estes volumes, e no convéz com as amarras, que se pre-
paravão para dar fundo. Porém á vista de tantos inimi
gos, mostrou a guarnição tal animo, e actividade, que
em menos de hum quarto de hora foi o convéz desem
baraçado , e a gente repartida nos postos : as armas erão
muito más, porque como estiverão dois invernos na In--
dia. achavão-se os mosquetes enferrujados, e podres as
hastes dos piques. A Náo montava vinte e duas peças,
trazia de guarnição quatorze Artilheiros pouco hábeis,
seis soldados de Infanteria , que vinhão requerer despa
chos de serviços, oito passageiros, e noventa homens de
marinhagem , fora os Officiaes. Foi necessário pôr hum
Artilheiro a cada duas peças. D. Luiz de Sousa tomou
posto no meio do convéz.
Como o vento era pouco, a Náo fazia fogo aos na
vios, que podia descobrir, sem mudar de posição. Os
190
Turcos abordarão a hum tempo por todas as p3rtes,
disparando primeiro as suas peças com assaz damno dos
Portugueses , porque matarão o Condestavel , que dirigia
habilmente a artilheria , e D. Luiz recebeo duas feridas
em huma perna , na qual mio. podendo sustenrar-se, dei
tou se sobre hum a caixa , e dalli dava as suas ordens.
Os Turto6 receberão tanto estrago da artilhem, so
bre tudo das balas encadeadas, e de alguns pés de ca
bra, com que os Portugueses lhes atiravão , que se afas
tarão da Não j porem A çan-Arraes. renegado Grego,
que commandava hum dos maiores navios, e era conhe
cido pelo homem mais valente de Argel , vendo o seu
navio desarvorado , e em termos de ir a pique , pelos
muitos rombos que tinha, saltou dentro da Náo cem a
sua gente, que erão quatrocentos Turcos, e Mouros es
colhidos, levando na mão a bandeira encarnada, qae
trazia na popa-, e ganhando o Castello, póz nellc a íiu
bandeira, e começou a deitar huma chuva de bahs, e
de frechas sobre os Portnguezes, que defendião o con-
véz, e a tolda; e outro renegado, natural de Setúbal,
subindo pela "enxárcia do traquete, cortou com huma
machadinha todos os cabos da verga, a qual cahindo de
súbito, esmagou quantos Turcos apanhou debaixo. En
tretanto os mosqueteiros Portuguezcs , que atiravão ao
castello, não perdiáo tiro, por estarem os Turcos api-
nhoados , sem poderem dalli sahir ;• e dois que o inten
tarão , forão logo mortos.
OsTurcos vendo diminuir a cada instante o seu nu
mero, e que o seu navio já tinha ido a pique, e os ou
tros combatião de largo, começarão a capear-lhes que os
soccorressem , o que fízerão , mandando escaleres para os
recolher. Mas 3ntes que chegassem, os Portugue/es ata
carão o Castello com grande vigor; e ainda que deses
peradamente rechaçados por duas vezes, A terceira osrrc-
cipitárão no mar , ficando dentro hum só, que se reodeo.
Vv ;

\.
199

Gòm esta ultima acção finalizou a batalha, durando des-:


de as sete horas da manhã até ás seis- da tarde.
Morrerão, ou ficarão feridos mais de trinta Portu--
guezes; e dos quatorze Artilheiros apenas hum ficou il-
leso. Dos Turcos morrerão muitos, porque alôm dos que
perderão os outros navios , só oito escaparão a nado dos
que entrarão na Náo, entre elles Açan , que se recolheo;
na Capitanca de Tábaco-Arraes, General daquella Es
quadra , em que vinhão cinco mil homens de guerra, por
ser o seu objecto fazer hum desembarque na Galliza.
Os Turcos, dando por acabado o combate, forão-se
afastando para o mar , oceupados em reparar as avarias
da mastreação, e aparelho, e em tapar os rombos das
balas; de modo, que sevião huns navios deitados á ban
da , outros cora pranchas armadas nas portinholas.
A Conceição estava oom todo o panno roto,.e as
enxárcias, ecabos -de laborar cortados: as obras mortas
da popa desfeitas, e os costados cobertos de balas de ar-
tilheria , que ficarão enterradas na madeira , sendo mui
poucas as que passarão dentro. Deitados ao mar os. mor
nos, c curados os feridos, trabalhou-se toda a noite em
aparelhar a Náo, e envergar novas velas, e ao amanhe
cer se achava aparelhada , e entrincheirada , de manei
ra que se houvessem algumas horas de bom vento, po
deria entrar aquvlie dia em Lisboa.
Passou-se em calmaria até ao dia seguinte pela ma
nhã, sem appsrecerem os inimigos; e levantando-se al
gum vento, mas contrario para buscar, a barra , desco-
brio-se huma pequena praia junto da Ericeira , e assen-
tou-se em ir dar alli fundo, parecendo que teria bom an
coradouro , c fundando-se também em que não ti n hão
gente bastante para sustentar outro combate; e assim es
tando perto da terra, poderião receber soecorro, com que
se defendessem. .. <
Achava-se a Náo a tiro de canhão da Ericeira, e
200
e com as ancoras promptas para dar fundo, quando veio
de terra hum barco á vela, com três homens do mar, e
chegando á falia, disse hum delles, que trazia ordem
verbal ( não se sabe rie quem), para que se fizessem lo
go na volta do mar; porque a Costa naqu-lle tempo era
perigosa , e ao largo acharião a Esquadra de D. Antó
nio de Ataíde, que os andava esperando. D. Luiz cha
mou o barco, para lhe deitar a bordo as mulheres, e me
ninos, e alguma pedraria, visto que no bordo do mar
hia encontrar os inimigos ; mas os do barco responde
rão, que trazido ordem para não chegar a bordo, sob
pena de morre; e logo metteo de lo, e se foi embora.
Em consequência desta intimação, virarão no mar,
e pelas oito horas da manha do dia n de Outubro avis
tarão os inimigos, de que D. Luiz não julgou acenado
fugir, tanto por obedecer á ordem, e na esperança de
iapparecer a Esquadra Portugueza , como por não dar
maior animo aos Turcos, cujos navios, sendo mais ve
leiros , os alcançarião em breve.
Posta novamente a Náo Conceição em som de com
bate, porem com visivcl falta de gente, sobre tudo de
Artilheiros, D. Luiz, sem causa alguma, mandou por
hum Polaco cortar a cabeça ao Turco , que ficara pri
sioneiro, dizendo-lhe, que havia pagar o mal, que os
seus lhe vinhão fazer. Os Turcos, sabendo depois esra
acção, não se vingarão delle, nem do Polaco.
A Esquadra Turca , composta de dezeseis navios,
com a sua Capitanea em testa de columna , e formada
em linha, veio com força de vela buscar a Náo por bar
lavento; e a Capitanea, que trazia huma bandeira brin
ca, chegando a tiro de canhão, disparou hum tiro sem
bala , ao qual a Conceição respondeo com outro de ba
la ; e logo começou a fazer fogo. Os Turcos seguirão
o mesmo bordo, e virando depois sobre ella, arriou a
sua Capitanea a bandeira branca , e carregou papafigos,
201
e cevadeira (imitando os outros navios a manobra), e-
veio buscando a Náo hum pouco de largo, no seu mésv\
mo bordo, e a barlavento; e ao passar pelo seu trávézyr
disparou toda a sua artilheria, e mosqueteria , aque oso
Portuguezes lhe responderão de maneira, que os navios-
Turcos, que vinhão na esteira do seu General, puxarão •
á orça para barlavento; mas o Almirante Cara-Mustaiáj-
que vinha cm hum grande navio, os metteo de novo em ■
linha.
Os Turcos fizerão então conselho (como depois,
constou), no qual o General disse, que queria abando
nar aquella Náo, e ir-se para Argel com dezenove na
vios Inglezes, que lia via tomado juntos em huma ma
nhã , sem lhe custarem mais que hum tiro de pólvora ,
cujas equipagens trazia quasi todas comsigo , havendo
mandado os navios adiante dois dias antes. A este vo
to se oppoz Açan, representando a injuria de deixar es
capar huma tão rica presa , e instando que se investisse
a Náo segunda vez, e se não se podesse tomar, elle lhe
deitaria fogo, dando-lhe o commando de outro navio.
Da mesma opinião foi outro renegado Grego , chama
do Abibi-Arraes , Commandante de huma embarcação,
e hum dos bravos homens que alli vinhão; offerecendo-
se também a pôr fogo á Nao , ou a perder o seu navio,
e a própria vida, que ambas as cousas lhe suecedêrão.
O General Turco, formada a sua linha de batalha,
e repetindo os mesmos signaes, que já tinha feito á Náo
Conceição para se render, foi passando por ella a tiro
de canhão, tocando as trombetas, sem atirar hum só ti
ro, nem algum dos seus navios; e virando depois, veio
arribando na mesma ordem sobre a Náo, seguindo os
outros navios a sua esteira, mas chegando-se tanto, que
quasi se tocavão os laizes das vergas ; e deste modo hia
cada hum delles descarregando a sua artilheria, e mos
queteria , a que os Portuguezes, respondião do mesmo
Tomo II. 26
204

fico, que por mui' gordo, e ferido não podia andar. Des
te modo forão caminhando com mil incommodos, e mi
sérias, sempre ao longo da Costa. ~ — «» -
Nos fins de Novembro hião já todos tão cançados,
que ao passar de hum rio, lanharão nelle todo o âmbar,
e almíscar; e os que transporta vão as Senhoras, se escu
sarão de continuar a marcha com siroilhante pezo. Por
esta causa deixarão atraz huma donzelta , com a oua(
queria ficar hum irmão seu de poucos annos; e não o
consentindo os companheiros, a I li morreo de dor- á vis
ta da irmã. Já fallecião alguns de pura fraqueza, e os
mais fortes , não querendo aguardar pelos mais débeis ,
conspirarão se para se apoderarem de todos os diaman
tes, e abandonarem os companheiros. Soube disto Pedro
ae Moraes, e matou o cabeça da conjuração.
.. Era meado de Dezembro , quando os que ainda Ie»
vavão quatro Senhoras, não quizerão continuar acueiJe
serviço; offerecerão-se dez mil cruzados a quem as levas
se, e ninguém quiz. Ficarão abandonadas dez pessoas,
entre eltas Lopo de Sousa, e. Beatriz Alvares com hum
.filho de dezescis annos, que por nenhum caso quiz aban
donar sua mni. Deixarao-se-lhes os seus escravos para os
ajudarem a buscar modo de sustentar-se; mas estes bár
baros os assassinarão , e reunirão-se ao corpo principal
da gente; porém descoberto o seu delicro, forro enfor
cados. A fome obrigou alguns indivíduos a comer a car
ne dos justiçados, e dos outros que hião morrendo. Fal-
feceo o Commandante Pedro de Moraes; succedeo-lne
Francisco Vaz de Almada ; e havendo pouco mais de
cento e cincoenta homens, metade incapazes de pelejar,
os assaltou o Regulo Mocaranga com mil Cafre?, e ma
tando alguns Portuguezes , despojou os outros do que le-
yavão. Os que escaparão a este ultimo desastre em nu
mero dç trinta e hum indivíduos, chegarão finalmente a
Sofala, havendo caminhado perto de quinhentas legas.
20»

Reinado d'ElRbi Filjppe IV.


>r- ■.! c- 1 * I tv. ?,;;„ f yu^q ^S'"11 ''■' r>i'n:>birp Jza

A, .s desgraças de Portugal continuarão nò Reinado


deste Monarcha , como se devia esperar da existência
das duas principaes causas, que as produzião. A primei
ra-, por se achar Portugal envolvido em guerras com as
maiores Potencias Marítimas da Europa , inimigas da
Hespanha, e sem forças proporcionadas para sua defen
sa. A segunda , pela errada politica do Ministério Hes-
panhol , que julgava assegurar: ..melhor a união de Portu
gal, deixando invadir as suas riquíssimas Possessões .Ul
tramarinas, e destruir o seu Commercio ; e tirando-lhe
ao mesmo tempo os recursos pecuniários, e militares,
que a Nação Portugueza ainda conservava. Mas como
«tnilhantes projectos não .podem executar-se sem grandes
violências, e injustiças, vierao estas a produzir o mes
mo, resultado, que os Ministros querião evitar; porque
diffiindírão pela Nação opprimida hum forre desejo de
recobrar a sua independência, restituindo á Casa dç Bra
gança o Throno , que lhe usurpara o suborno , e a per
fídia (i). Assim confunde a Providencia os projectos in-
sensatos da ambição! ..'■ '• -•• { •-. —
Eu sd referirei, bum facto curioso, que demonstra
o estado de abandono em que esta vã o as cousas de Por
tugal naquella época desastrosa; facto publicado pela
imprensa no mesmo Reinado. .ip.v
Nomeado Governador de Mazagão D. Gonsalo Cou-
(i) Vede- o Conde da Ericeira (Portugal Restaurado, Livro» í.e ».),
que relata as violências, e oppressóes do Governo Hespanhol ; e cem ellst
coiicord.ío todoj os Escritores.
208
de três Nãos, e cinco Galeões, commandadá por' D. An
tónio Tello , embarcado era a Náo S. Francisco Xavier,
que Á vinda se perdeo na barra de Lisboa ; e das ourras
duas Náos erão Commandantes D. Diogo de Casreilo
Branco, que servia de Almirante, da Santa Isabel; e
Francisco Corrêa da Costa , de outra Náo. Os Commao-
danres dos Galeões erão D. Filippe Mascarenhas, do
Santo André ; Francisco Borges de Castello Branco, da
Misericórdia ; Cosrne Cassão de Brito, do S. Braz; An
tónio de Freitas Mascarenhas , do S. Simão ; e Manoel
Pessoa de Carvalho, da Guia.
Sahio a Esquadra de Lisboa a z de Março, e revê
desgraçada viagem. Manoel P?ssoa perdeo-se na Costa
da Arábia. D. António Tello, e Francisco Borges in-
vernáráo em Moçambique •, e no anno seguinte foráo a
Goa. D. Diogo de Ca.stello Branco, Cosme Cassão, e
António de Freitas perderao-se em Moçambique; e só
passarão este anno á índia D. Filippe Mascarenhas, e
Francisco Corrêa.
1613. — Neste anno se constituio na HolJanda a
Companhia Occidental, cujo objecto era fazer conquistas
no Brasil, sobre tudo na3 Províncias de Pernambuco, e
Bahia; porque se julgava que estabelecendo nelias fcoas
Colónias, e ganhando a affeiçio dos habitantes, se po-
derião dal J i fazer expedições ao Mar do Sul, e ás índias
Occidenraes.
Concorrerão para o estabelecimento desta celebre
Companhia, e os planos de invasão que cila meditou, as
informações que obtiverão os Coramandantes dos navios
BoUandexes nos doze ânuos da trégua, que em ióio
concluirão os Estados Geraes com EIRei Filippe III.,
em cuja época frequentarão elles muito as Costas do
Brasil , como já observei nestas Memorias; e também as
insinuações dos Judeos, que a imprudência do Governo ri
nha deixado estabelecer nas Cidades marítimas daqueile
209
vasto Continente, sobté tudo nà Bahia, incita vão os seus '
Compatriotas de Hollanda a commetter a empresa. Acha-.;
se na Obra manuscrita, adiante citada, Capitulo 3.°, hum
facto singular, que corrobora o que deixo dito. Duran- /
do a trégua, entrarão na Bahia dez navios Hollandezes,
e o Commandante de hum delles, chamado Francisco de
Lorena, desembarcou escondidamente acompanhado de
seis homens, para descobrir o terreno; porém o Gover--i
rador D. Luiz de Sousa lhes armou huma emboscada, .
em que todos ficarão prisioneiros. O Commandante foi
mettido na Cadêa, e os seis enforcados por piratas. Pas
sados muitos mezes, hum rico Judeo por nome Manoel
Rodrigues Sanches , e hum Flamengo chamado Rodrigo
Pedro, ambos moradores na Bahia, com quem o Capi
tão Hollandcz tinha grande trato , o tirarão da prisão, e
esconderão em sua casa áté acharem huma embarcação,
erh que o mandarão para Hespanha , onde desembarcou
a salvo; e valendo-se da trégua, voltou para Hollanda.
AHi expoz as grandes vantagens da situação da Cidade
da Bahia, o descuido em que vivião os Portuguezes, os
seus poucos meios de defensa, a riqueza do Paiz, e os
desejos que tinhão os Judeos de viver livres na sua anti
ga Lei , o que os tornaria favoráveis aos Hollandezes ;
com outras muitas razões capazes de os mover áquella fá
cil Conquista. , .... ... .[ ,.;.' .', t. . „, -,,
Em consequência destas disposições, preparou-se era
Hollanda huma forte Esquadra, de que logo direi o suc-
cesso.
1624. — A Esquadra da índia (1) foi este anno com-
mandada por Nuno Alvares Botelho , e constava da.
Náo Chagas, em que elle hia , e da Não Quietação i
Commandante João de Siqueira Varejão; e mais seis Ga- '
leóes, coramandados, o S. Francisco por João Pereira

(1) Faria, Ásia Portugueza. — Epitome de Pedro Barreto.


Tomo II. 27
2*0>r

Corte Reai; o S;J»ãd>cfloi;.Sebaf*iáo da Co«a V«i*n*e;


o Santo António, p«F D. Sebastiãp dej Menezes; o São
Tiago 3 por Simão, do Quental i a, Gonceiçãoj por Fran
cisco de T.a.vorà da Cunhai e, o .S* Pedro,, por Fernan
do da Costa de Lemos. Cinco destes Galeões devião fi
car servindo na índia. , , .
Sahio de Lisboa a Esquadra a 18 de Março, e che-
gou reunida a Goa, nos principip^de Setembro.
Na rorna-viagem o Galeãç Conceição ancorou na
ifoa de. Santa Helena tão aberto, e arruinado, que ar
mando a lancha em Patacho, a enviou com aviso á Ci
dade da. Bahia, d'o»de se mandou buscar a gente, e a
carga , como adiante direi. •
1Ó24. — Determinada a Companhia Occidental de
Hollanda (1) a invadir o Brasil , começando, pela Cida
de da Bahia, ou S. Salvador, que ^era então a Capital
daquelles riquíssimos Paizes^ aprestou huma Esquadra
de vinte e cinco navios, dos quaes treze erão de guerra,
edoze afretados, todos bem armados, e guarnecidos com
três mil homens escolhidos, entre marinheiros , e solda
dos, e abundantes munições de "guerra. Era General eaa
Chefe da Expedição Jacob Wjjlekens , Officiaí de muita
experiência nas guerras de Flandos-, Almirante o famoso
(1) Para o que respeita á conquista, e restauração da Bahia, vede 1
Historia cia Guerra do Brasil , escrita em Italiano pelo Padre Fr. Joio
José de Sinta Theresa (Portuguez) , impressa em Roma em 160*, Par
te- 1. Liy.! 1. ' -*— Portugal Restaurado ,• Tomo k Li.v. a, — Historia
da Guerra Brasílica, por Francisco de Brito Freire, Livros 2, , e j. —
Historia do Brasil, por Roberto Southey v Inglez, Tom. u Cav». 14. —
Compendio Histórico de la Jornada d"el Brasil, manuscrito, frito em
1636 por D. João de Valência e Gusmão, que sérvio como Voluntário
na Restauração da Ea|iia. — Faria e Sousa , Europa Portuguera , Parte s.
Cap. ). — Jornada dos Vassallos da Coroa de Portugal para recuperar a
Cidade de S. Salvador , pelo Padre Bartholomeu Guerreiro, Lisrv>a, ifiaç.
—- Relação verdadeira de tudo o suecedido na Restauração da b&m%
mandada pelos Officiaes de Sua Magestade a este Reino, Lisboa, iía\}.
—- Cvstrioto Lusitano, Patte 1. Liv.il.

r
211
Pedro Heyne, intrépido cíhabil mflrmlieft-o ínglez; Gèb
neral das tropas oCorooeí Hans Vandorr, soldado .tio
reputação; Cominandance da Artilheria Guilherme- ,Ston
pe ; e CotHirnssnrio Geral Hugo António. ■;:/. odift
Sahio a Esquadra de Hollàndjl a n de Dezembríi
de 1623 , levando o seu General «Ordens íelladas,nqu«
devia abrir em Cabo Verde (outros' dtaeai , que passidà
st linha); mas não obstante o segredo, aures da sua ^jar-
tida soube-se em Lisboa por cartas de Arnsterdam;i que
o seu destino era para o Brasil^ e avisadar logo a Corte
de Madrid, nenhum caso fez da advertência ; ou por dar
mais credito ás vozes espalhadas na Hollanda, de que o
projecto era atacar as índias de Castella , ou por se em
baraçar pouco com a perda das Conquista» de Portugal;
e talvez essa mesma perda entrava nos cálculos da falsa
Politica daquelle Gabinete. : ...... . ■ <. <,. ■«,.
Em Janeiro deste anno de 1614 chegou a Esquadra
á Ilha de S. Vicente, buma das de Cabo Verde, onde
6e deteve seis semanas, armando oito Patachos peque
nos , de que hião todos os aparelhos , e peças lavradas
nos porões dos navios, armado cada hum com quatro
canhões. Abertas aqui as InstrucçÕes particulares, cau
sou nas guarnições grande alvoroço ser a expedição á
Bahia , esperando cada hum; fazer a sua fortuna com os
despojos de tão rico Paiz.
Partio a Esquadra da Ilha, e navegando desunida,
achou-se a 16 de Abril o General Willekens com ò seu
único navio á vista do Morro de S. Paulo, dez léguas
ao Sul da Bahia, e resolveo esperar bordejando a Esqua
dra naquella paragem , como fez , accendendo de noite
faróes, e dando tiros de peça, para que não passasse sem
elle a ver, e neste cruzeiro se dilatou vinte e três dias.
Era Governador dos Estados da B^hia Diogo de
Mendonça Furtado , que sendo avisado de andar naquel-
les mares hum grande navio de guerra estrangeiro , que
11 ii
212
não buscava o Porto, e fazia de noite signaes, infcrio que
esperava por outros, de que se separara ; e fez armar dois
navios com a roelhor gtwerqinrtiiíhari mandando a sen
filho António de Mendonça Furtado , que o fosse atacar.
Sahio este a 24 de Abril, e no dia seguinte entrou arri
bado, com os mastros do seu próprio navio rendias.
O Governador , mudando de parecer, enviou dois Pata
chos mui veleiros com instrucções , que fossem reconhe
cer o navio estrangeiro, e se elle mandasse algum escaler
a seu bordo, o apresassem, e fugissem para se saber dos
prisioneiros quem era , e o que por ai li fazia. Os Pata
chos partirão a 7 de Maio, e no outro dia avistarão de
longe a Esquadra Hollandeza, a qual conhecerão logo,
e por isso se recolherão a dar a noticia.
■-■ Acl>ava-se o Governador falto de tudo quanto era
necessário para resistir a huma invasão Toda a sua tro
pa de linha consistia em oitenta soldados , e alguns Au
xiliares : as fortificações, além de defeituosas, estavão
quasi destruídas; e faltavão as armas, artilheria , e mu
nições. Ao primeiro aviso, que teve da apparição daqaeí-
le navio estrangeiro, convocou elle das Aldeãs, e Enge
nhos do Recôncavo toda a gente capaz de combater.
Reparou alguns entrincheiramentos , e construio outros
de novo, assim como hum Forte na Marinha da Gda-
de, em que montou algumas peças; e cortou as bocas
das ruas. Estavão surtos no Porto dezoito navios deCom-
mercio, dos quaes escolheo os melhores para fazer huma
tal qual linha de defensa na frente daGdade; e no For
te de Santo António, situado na entrada da Bahia, es-
tabeleceo huma pequena guarnição, sendo este ponto da
maior importância , por estar no flanco esquerdo da Ci
dade. O mesmo fez em hum Reducto na praia de Ta-
pagipe, que ficava no flanco direito. Os moradores acu
dirão ao chamado do Governador; mas costumados a
huma vida molie, em breves dias se enfastiarão dosexcx*
213
cicios de armas, rondas, e guardSs que os obrigavão a
fazer; e com pretexto da falta de mantimentos, rom
perão em queixas clamorosas, abrigados pelo Bispo D.
Marcos Teixeira , que estava persuadido de que os Hol
landezes só vinhão a fazer presas marítimas, e não con
quistas. Assim foi o Governador obrigado a despedir al
guma gente no fim de vinte e três dias ; e outra muita
se retirou sem licença.
A entrada dos dois Patachos, que annunciavão a
vinda dos Hollandezes, pôz a Cidade de S. Salvador em
consternação : mais de três mil homens fugirão para os
bosques, levando o que tinhão de mais precioso; e mui
tos Officiaes não forao dos últimos a dar o exemplo, a
pesar dos rogos, e ameaças do Governador, e das exhor-
taçôes do Bispo, que já conhecia o seu erro; porém tu
do foi de balde.
A 9 de Maio amanheceo a Esquadra Hollandeza na
boca da Bahia, em numero de trinta e três velas. Cin-
-co dos maiores navios derão fundo na ponta de Santo
António, e o resto foi surgir na fronteira da Cidade, e
começou a bater as fortificações. Tinha o Governador
mandado na véspera os Capitães Gonsalo Bezerra, e Ro
drigo de Carvalho Pinheiro com as suas Companhias,
que consistião em 180 Portuguezes, e huma Companhia
de índios frecheiros commandada pelo Capitão AfFonso
Rodrigues, para tomarem posição na praia de Santo An
tónio, e obstarem a qualquer desembarque: e os Offi
ciaes, que commandavão alguns pequenos postos naquel-
las visinbanças , receberão ordem, de acudir á mesma
praia, em caso de ataque. Era porem tal o terror pâ
nico dos defensores, quasi todos Ordenanças, e paizanos
irai armados, e peior disciplinados, que quasi sem op-
posição deixarão desembarcar os Hollandezes em nume
ro de mil homens, os quaes marcharão até ao Mosteiro
de S* Bento, sendo o Paiz tão coberto, e difficil, que
214
podião ser alli anniquilados. Era isto já ao anoitecer, e
os soldados Hollandezes, cançados, e abatidos do calor,
e quasi todos bêbados, ou se deiravão a dormir, ouse
espalhavão a buscar agua ; de maneira , que se aquelta
noite os atacassem duzentos homens resolutos, nem hum
só escaparia.
Os navios Hollandezes, que batião a Cidade, o fize-
rao com grande fúria ; e ainda que os Portuguezes respon-
dião ao seu fogo, este era tão superior, que todas as for
tificações ficarão desmanteladas , e algumas embarcações
tomadas, e outras queimadas. Restava o Forte novo,
que os Hollandezes assaltarão nessa noite, e ganharão fa
cilmente, morrendo vinte dos defensores: depois encra
varão as peças, e recolherão-se a bordo. Os Portugue
ses , vendo-os retirados, tornarão a oceupar o Forte, que
o Governador mandou abandonar , vendo impossível a
sua conservação.
No dia seguinte 10 occnpárão os Hollandezes todos
os Fortes da marinha, e os de Santo António, e Tapagi-
*pe. Os moradores, dando tudo por perdido, tinbão des
amparado de noite a Cidade, com o Bispo. Ficou somen
te no Palácio o Governador, seu filho, o Capitão Louren
ço de Brito Corrêa , o Sargento Mor Francisco de Al
meida de Brito, o Ouvidor Geral Pedro Casqueiro da
Rocha, o Alferes Manoel Gomes, e seis criados. O avi
so desta deserção foi levado naquella manhã aos Hollan
dezes por hum Judeo chamado Diogo Lopes de Abran
tes; e entrando logo na Cidade as tropas, que oceu pavão
S. Bento, chegarão ao Palácio , d'onde sahio o Capitão
Lourenço de Brito a dizer-lhes, que o Governador esta
va alli com muita gente, e se renderia se lhe concedes*
sem sahir com todos os seus livremente, aliás se defen
■N deria , e na ultima extremidade poria fogo á pólvora.
Concederão os Hollandezes tudo, centrando a oceupar
a parte inferior do Palácio, o Governador imprudente»
215
mente desembainhou a espada; acção de que elles toma—
rio pretexto, percebendo a pouca gente que havia na.
casa, para annullarem a capitulação, e o remettcrem pre-,
so para bordo do Almirante, e depois para Hollanda.
Seguio-se a isto saquearem a Cidade, em que acha
rão, além de muito ouro, e prata, grandes armazéns atu
lhados de géneros do Paiz, e da Europa, de que manda
rão quatro navios carregados para Holíanda.
O General Vandort entrou no dia n na Bahia, e
sentio muito os excessos commettidos pelas suas tropas.
Tratou immediatamente de fortificar a Cidade, sobre tu
do da banda do mar, em que concirno o Forte novo, e
levantou mais dois, e diversas baterias bem guarnecidas
de-arul-heria. Favoreceo a fortuna os Hollandezes, tra
zendo áquelle Porto muitos navios Portuguezes, huns da
Europa, outros de Angola carregados de escravos, que
elles empregarão nas fortificações, as quaes por isso me
drarão muito em pouco tempo. Entre os navios assim
tomados foi hum Hespanhol, em que vinha D. Francis
co Sarmento Soutomaior, que acabava o lugar de Cor-,
regedor do Potozi , com sua mulher , e filhos , e outras
familias, a bordo do qual se acharão setecentas mil pa
tacas em pinhas, e moeda. ,-
Os moradores da Bahia, recolhidos nos bosques, e
mattos, rcsolverão-se a fazer os maiores esforços para re-
ganharem o que com tanta ligeireza largarão, já desen
ganados de que os Hollandezes querião conservar a Ci
dade, para dalli estenderem as sua-s conquistas. Por com-
ruum consentimento tomou o Bispo o commando geral ,
auxiliado por alguns Orriciaes práticos na guerra do ser
tão. Toda a gente Portugueza capaz de combater ex
cedia pouco a mil e quatrocentos homens , e duzentos e
cincoenta índios, com poucas munições, e nove peças de
artilheria ; mas a natureza do Paiz tornava formidável
este pequeno numero de homensj animados do maior fur;
216

ror contra os seus inimigos; e com effeiro em breve ie


virão estes reduzidos a estado de não poderem disfru-
ctar a campanha. O General Vandorr, querendo a 15 de
Julho fazer hum reconhecimento com duzentos homens,
foi morto pelo Capitão Francisco Padilha. SuccefJeo-lhe
no commando o Coronel Alberto Schouten, e pouco de
pois a este seu irmão Guilherme Schouton, que jião pos
suía talentos para similhante emprego. Assim íorão os
Hollandezes rechaçados em todas as tentativas, que 6ze-
rão para penetrar nó Paiz , seja por terra , ou por mar,
com grande perda de gente, e de reputação, achando-se
por fim circunscritos no recinto das muralhas.
Neste estado de cousas, o General Jacob Willeker»
sahio para Hollanda a 27 de Julho com onze navios, le
vando só a marinhagem; e 'a 6 de Agosto partio o Al
mirante Heyne com seis navios, e dois Patachos, guar
necidos de 120 canhões , e cento e vinte soldados, para
invadir a Cidade de Loandai, por ser o principal merca
do da escravatura naquelle tempo. Antes de relatar o
êxito desta expedição, cumpre dizer o que se passava na
Hespanha.
Logo que Mathias de Albuquerque, Governador de
Pernambuco (em quem agora recahia o Governo genl
do Brasil) soube da tomada da Bahia, e da prisão de
Diogo de Mendonça Furtado, expedio huma Carsveh,
que chegou a Lisboa a 26 de Julho; e enviou Francbco
Nunes Marinho, soldado de experiência, e valor, para
commandar o bloqueio na Bahia.
A tomada de huma Cidade tão importante desper
tou os Ministros de Hespanha do lethargo verdadeiro,
ou affectado , em que jazião. Passou EIRei as Ordens
mais terminantes aos Governadores de Portugal, que eráo
o Conde de Portalegre D. Diogo da Silva, e o Conde
de Basto D. Diogo de Castro, para armarem cm Lis
boa huma Esquadra, á qual devia ajuntar-se outra mais
217

poderosa , que se hia reunir em Cadix. Entretanto par


tirão de Lisboa duas Caravelas a 8 de Agosto para Per-
nambuc. cora cento e vinte soldados; e apôs ellas D.
Francisco de Moura, nomeado por EIRei para governar
as tropas, que sitiavao a Bahia, com três Caravelas, e
cento e cincoenta soldados, com as quaes chego» feliz
mente a Pernambuco, e em fins de Novembro entrou no
campo dos sitiantes. Para o Rio de Janeiro sahio Sal
vador Corrêa de Sá e Benevides no dia 19 em hum na
vio com oitenta soldados, muitas armas, e munições de
guerra ; e para Angola o Capitão Bento Banha Cardoso
cora cento e trinta soldados, e muitas munições, o qual
chegou a tempo de salvar aquella interessante Colónia,
como abaixo direi.
Os Governadores de Portugal expedirão aviso á Es
quadra Portugueza, que cruzava sobre as Ilhas dos Aço
res , para se recolher a Lisboa, onde entrou a 27 de Se
tembro; e mandarão outro ás Províncias do Norte para
se afretarem embarcações , que vierao em numero de
dez, conduzidas por Tristão de Mendonça Furtado, em
barcado em hum navio de 350 toneladas, com vinte pe
ças, e duzentos homens, com víveres, e munições, tudo
á sua custa. As cartas, que EIRei escreveo ao Governo,
e Grandes de Portugal, exaltarão o brio da Nação; e
a pezar do máo estado das rendas, e falta de numerário,
concorrerão todos de boa vontade com os cabedaes, e as
pessoas para se apromptar a Expedição; metade de cuja
despeza sahio dos donativos. Mais de duzentos Aven
tureiros, ou Voluntários das melhores familias do Rei
no se embarcarão para servir sem soldo, e muitos delles
pagarão soldados á sua custa.
D. Manoel de Menezes , como General da Armada
de Portugal , tomou o commando desta Esquadra , que
se compunha de dezesete embarcações de guerra, ou ar
madas em guerra, das quaes erão da Coroa dois Galeões,
Tomo 11. 28
218
duas Nãos, três Urcas, e dois navios. Levava mais qua
tro Caravelas carregadas de provisões, e outras quairo
embarcações com víveres , e bagagens. Era Ahúnnre
D. Francisco de Almeida; e Mestre de Campo -tios dois
Terços da Marinha, que se embarcarão, o Mesmo Al
mirante do primeiro, e António Moniz Barreto do se
gundo, que se creou por esta occasião. Eis-aqui os no
mes dos navios (i):
Náo Santo António, em que hia o Capitão General
D. Manoel de Menezes, de 900 toneladas, 460 Solda
dos de Infanteria, 160 Artilheiros, e marinheiros, e^i
peças.
Náo Santa Anna Maior , em que embarcou o Almi
rante D. Francisco de Almeida , de 5-00 toneladas, 300
Soldados, no Artilheiros, e marinheiros, e 24 peças.
Galeão Conceição , em que hia o Mestre de Campo
António Moniz Barreto, de 430 toneladas, 200 Solda
dos, ico Artilheiros, e marinheiros, e 24 peças.
Galeão S. José , Commandante D. Rodrigo Lobo, de
400 toneladas, 200 Soldados, 100 Artilheiros, e mari
nheiros, e 24 peças. -■ ■
Urca Caridade, Commnndante Lançarote da Franca,
de 300 toneladas, 100 Soldados, 80 Artilheiros, e ma
rinheiros, e 20 peças.
Naveta Santa Cruz, Commandante Constantino de
Mello , de 280 toneladas , 100 Soldados , 80 Artilhei
ros , e marinheiros, e 18 peças.
Urca S. João Baptista , Commandante Manoel Dias
de Andrade, de 300 toneladas, 100 Soldados, 60 Ar
tilheiros, e marinheiros, e 20 peças.
Urca S. Bartholomeu , Commandante Domingos da

(j) Esta Relação he tirada do Manuscrito , que mais vezes w»


citado nestas Memorias , o qual em substancia concorda com o ç«
acin os melhores Escritores.
219

Caraarn, de 230 toneladas, no Soldados, too Artilhei-!


ros, e marinheiros, e 13 peças.
Navio Rosário Maior, Commandante Tristão de Men
donça Furtado, de 35-0 toneladas, iyo Soldados, 50 Ar
tilheiros, e marinheiros, e 20 peças.
Navio Rosário Menor, Commandante Ruy Barreto
de Moura, de 300 toneladas, 90 Soldados, 50 Artilhei
ros , e marinheiros, e 14 peças.
Navio Rosário, Commandante Christovao Cabral, de
130 toneladas, 85" Soldados, 4J Artilheiros, e marinhei
ros, e 11 peças.
Navio Mercês, Commandante Domingos Gil da Fon-
ceca , de 220 toneladas, 30 Soldados, 40 Artilheiros, e
marinheiros, e 10 peças.
Navio S. João Evangelista , Commandante Diogo
Furtado, de 220 toneladas, 8^ Soldados, 45 Artilhei
ros, e marinheiros, e 14 peças.
Navio Senhora da Ajuda , Commandante Gregório
Soares Pereira , de 200 toneladas , 60 Soldados , 50 Ar
tilheiros, e marinheiros, e 14 peças.
Navio Penha de França , Commandante Diogo Vare-
jão, de 200 toneladas, 60 Soldados, jo Artilheiros, e
marinheiros, e 18 peças.
Navio Boa Viagem, Commandante Bento do Rego^
de ifo toneladas, 5-0 Soldados, 40 Artilheiros, e ma
rinheiros, e 8 peças.
Navio Senhora das Neves Maior, Commandante Gon
çalo Lobo Barbosa, de ijo toneladas, 50 Soldados, 40
Artilheiros, e marinheiros, e 90 peças.
Caravela Conceição , Commandante Sebastião Mar
ques, de 139 toneladas, 10 Soldados, e 22 marinhei
ros.
Caravela Rosário , Commandante Manoel Palhares
Lobato, de 93 toneladas, 10 Soldados, 22 marinhei-:
ros.
28 ii
220
» ■ -
Caravela Remédios, Commandante Roque de Mon-
tearroio, de 120 toneladas, 10 Soldados, 22 marinhei
ros.
Caravela S. João, Commandante Cosme do Couto,
de 00 toneladas, 10 Soldados, 22 marinheiros.
Embarcarão nesta Esquadra dois Médicos, e todos
Os navios armados leva vão Cirurgião, e Botica. Era o
total das tropas 2260 Soldados de Infanteria , além dos
Officiaes , e Aventureiros , que não recebião soldo : Arti
lheiros, e marinheiros 1298, não contando os Officiaes;
assim a guarnição da Esquadra devia ser de perto de qua
tro mil homens. O numero de canhões chegava a 505,
levando munições para mais de oitenta tiros por çc-
§a (1).
Em quanto em Lisboa se trabalhava com a maior
actividade, reunia-se em Cadix a Armada Hespanhola,
dividida (segundo o costume daquelle tempo) em cinco
Esquadras. Nomeou EIRei para commandar em Che
fe as forças navaes, e terrestres da Expedição da Bahia,
a D. Fradique de Toledo Osório, Marquez de Villa
Nova de Valduesa Capitão General da Armada do Mar
Oceano; o qual, quando desembarcassem as tropas, de
via tomar o governo supremo destas; assim coroo toma
ria neste caso o da Marinha D. João Fajardo de Gue-

(1) Importou a despeza desta Esquadra em 472 j) cruzados; e tuèo


quanto para ella se comprou foi paga á vista. Levavão os navios a»ua
para 120 dias, a canada por praça. Biscou to para »jS dias, a libra e
meia por praça. Arroz para j2 dias, ameia libra. Bacalhío para Jo
dias, a meia libra. Carne salgada para 25 dias, a libra. Queijo f*a
26 dias, a meia libra. Cosinhava-se huma vez ao dia. Custou o rri»»
V a 99 reis o alqueire: o biscouto a 27$ reis a arroba d*Hespanha: oisv-
te a 996 réis o almude: a carne j 8 9 réis a arroba: o bacalhao a j66 a
arroba: a pipa de vinho a 5557 reis; e a de vinagre 4454 réis. Apc*.
vora a 10.; i réis a libra. O breu a 1 77 réis a arroba. He o que coar»
do citado Manuscrito, que he hum documento authentico, poria o.-
trahido dos Livros dos Armazéns da Marinha.

-
221
vara , Conselheiro de Guerra , Capitão General da Ar
mada do Estreito, e Almirante do Mar Oceano. Era
Mestre de Campo General das tropas Portuguezas, e
Hcspanholas, Pedro Rodrigo de Santo Estevão, Mar
quez de Cropani ; e Tenente General Diogo Rodrigues,
que servia de Quartel Mestre General. Mestres de Cam
po D. João de Orelhana , Carlos Caraciolo , Marquez de
Torrecuço (do Terço Italiano), e D. Pedro Osório.
Embarcarão de Aventureiros muitos Fidalgos, e pessoas
distinctas por nascimento, ou empregos.
Como o Armamento de Lisboa se achou prompto
no mez de Novembro, quando o de Cadix estava ain
da muito atrazado, resolveo-se que a Esquadra Portu-
gueza fosse esperar a de Hespanha nas Ilhas de Cabo
verde, sendo-lhe indispensavelmente mais vantajoso ir
a Cadix, para sahir dalli a Armada toda junta. Partio
D. Manoel de Menezes a 22 de Novembro de 1624
com a sua Esquadra : a 29 avistou a Ilha da Madeira ;
a 6 de Dezembro passou entre Tenerife e a Palma ; e a
19 tomou as Ilhas de Cabo Verde. O Galeão Concei
ção, em que hia António Moniz Barreto , separou-se da
Esquadra no dia 14 de Dezembro , e no mesmo dia 19
foi dar fundo sobre o baixo de Santa Anna, junto á Ilha
do Maio (1), errando o seu Porto, no qual estavão sur
tos sete navios da Esquadra ; e falrando-lhe as amarras ,
naufragou na noite de 21, salvando se a maior parte da
gente, toda a artilheria , o aparelho, e quasi toda a car
ga ; e por ultimo deitou-se fogo ao casco.
Em quanto isto se passava na Hespanha , navegava
da Bahia para Angola o Almirante Heyn , onde chegou
a 30 de Outubro ; mas vio taes disposições de defensa
(havendo chegado primeiro o soccorro de Portugal), que
(1) Chamado Recife do Norte na bella Carta Ingleza de iSjs,
quasi duas milhas afastado da Ponta do Norte da Ilha. Os sete navios
cstaváo no Porto situado na parte, do SuL .,
222
não ousou desembarcar; e contentando-se com algumas
fáceis presas nas embarcações de trafico, voltou dulli á
Capitania do Espirito Santo. A ia de Março do anno
seguinte desembarcou aili, com o intento de ganhar a
Villa da Victoria , Capital da Província ; porém foi re
chaçado com perda pelo Donatário Francisco de Aguiar
Coutinho, auxiliado de Salvador Corrêa de Sá, que seu
pai Martim Corrca de Sá mandava do Rio de Jane/ro
era soccorro da Bahia cora duzentos homens, e por hum
feliz acaso entrara no Porto do Espirito Santo. Não foi
Heyne mais venturoso em huma segunda tentativa em
que perdeo huma lancha com perro de quarenta homens.
E fazendo-se á vela para a Bahia , chegou á ponta de
Santo António, d'onde descobrio a Armada de Hespa-
nha surta no Porto; o que o obrigou a seguir derreta
para a Europa.
1625-. — A Esquadra da índia Ci) reduzio-se este
anno a duas Náos : S. Bartholomeu , em que embarcou
o Chefe Vicente de Brito c Menezes: e Santa Helena
de que era Commandante João Henriques.
Sahírão de Lisboa a 2 de Abril; chegarão a Goa
nos princípios de Setembro ; e na torna-viagem se per
derão na Costa de França , como adiante direi.
1626. — A 14 de Janeiro deste anno (2) sahio de
Cadix a Armada Hespanhola , que constava de vinte e
hum navios de guerra, sete navios afretados, e armados,
e sete transportes; pela maneira seguinte:

Esquadra do Mar Oceano.

Galeão Pilar, em que hia o Capi.ão General D. Fra*

(1) Faria, Ásia Portuguesa. — Epilogo de Pedro Barreto.


(2) Vede os Escritores já citados sobre a Conquista, e restauração
da Bahia; e Castrioto , Parte 1. Liv. 1.
223

dique de Toledo, de 1040 toneladas, 330 Soldados de


Infantcria, 209 Artilheiros, e marinheiros, e 52 peças.
Galeão Santíssima Trindade, de 500 toneladas, 233
Soldados, 80 Artilheiros, e marinheiros, e 24 peças.
Galeão S. Nicohío Tolentino , de £00 toneladas, 265:
Soldados, 78 Artilheiros, e marinheiros, e 24 peças.
Galeão Victoria , de 45*0 toneladas, 127 Soldados, 70
Artilheiros, e marinheiros, e 20 peças.

Navios afretados , e armados.


Urca S. Miguel Turquillo, de 294 toneladas, 61 Sol
dados , 41 Artilheiros, e marinheiros, e 17 peças.
Urca D. Henrique, de 292 toneladas, 67 Soldados,
49 Artilheiros, e marinheiros, e 16 peças.
Urca Salvador, de 5-30 toneladas, 83 Soldados , 84
Artilheiros, e marinheiros, c 25" peças.
Urca S. Paulo, de 318 toneladas, 61 Soldados, 44
Artilheiros, e marinheiros, e 18 peças.
Urca Rei David, de 231 toneladas, £0 Soldados, 33
Artilheiros, e marinheiros, e 12 peças.
Urca Porro Christovao, de 292 toneladas, 31 Solda
dos, 27 Artilheiros, e marinheiros, e 14 peças.
Urca Esperança, de 319 toneladas, 61 Soldados, 30
Artilheiros, e marinheiros, e 12 peças.

ESQUADKA DO ESTREITO.

Galeão S. Tiago , em que embarcou D. João Fajardo


de Guevára, de 900 toneladas, 244 Soldados, 225" Ar
tilheiros, e marinheiros, e 44 peças.
Galeão Rosário, em que hia o Almirante Roque Cen
teno, de 65" 2 toneladas, 225 Soldados, 157 Artilheiros ,.
e marinheiros, e 32 peças.
224
Galeão S.João Baptista, de 400 toneladas, 176" Sok
dados, 80 Artilheiros, e marinheiros, e 18 peças.
Galeão S. Paulo, de 360 toneladas, 142 Soldados, 77
Artilheiros, e marinheiros, e 16 peças.
Galeão S. Miguel, de 450 toneladas, 190 Soldados,
91 Artilheiros, e marinheiros, e 16 peças.

Esquadra da Biscaia.
Galeão S. João Baptista, onde hia o Capitão Generat
Martim de Valecilla , de 600 toneladas, 248 Soldados,
114 Artilheiros, e marinheiros, e 28 peças.
Galeão S. José, de 400 toneladas, 136 Soldados, 48
Artilheiros, e marinheiros, e 16 peças.
Galeão Santa Thcresa , de 446 toneladas, 172 Solda
dos, 77 Artilheiros, e marinheiros, e 20 peças.
Galeão Senhora da Atalaia, de 446 toneladas, 184
Soldados, 66 Artilheiros, e marinheiros, e 16 peças.

Esquadra das Quatro Villas.


Galeão Bom Successo , em que hia o Capitão General
D. Francisco de Azevedo, de 700 toneladas, 245" Sol
dados, 124 Artilheiros, e marinheiros, e 28 peças.
Galeão Santa Anna, de ^04 toneladas, 189 Soldados,
88 Artilheiros, e marinheiros, e 24 peças.
Galeão S. Francisco, de 379 toneladas, 173 Solda
dos, 63 Artilheiros, e marinheiros, e 18 peças.
Galeão S. João da Vera Cruz , de 402 toneladas, ifp
Soldados, 72 Artilheiros, e marinheiros, e 16 peças.
' Galeão Santa Catharina , de 411 toneladas, 149 Sol
dados , 69 Artilheiros, e marinheiros, e 20 peças.
Galeão S. Pedro, de 45-0 toneladas, 133 Soldados, 8i
Artilheiros, e marinheiros, e 24 peças.
225

ESQOADBA. DE Na POLÉS.'

Galeão Conceição, em que hia o Capitão General Bi


Francisco de Rivera, de 1200 toneladas, 308 Soldados j
203 Artilheiros , e marinheiros, e 46 peças.
Galeão Annunciada, de 800 toneladas, 344 Soldados^
I38 Artilheiros, e marinheiros, e 26 peças.

Transpories.
Patacho S. Jorge, de 200 toneladas, 150 Soldados j
113 Artilheiros, e marinheiros.
Patacho Senhora do Carmo, de 200 toneladas, ijTCj
Soldados, e 113 Artilheiros, e marinheiros.
Caravela S.João Baptista, 17 Soldados, e 30 Arti
lheiros, e marinheiros.
Caravela Remédios, 17 Soldados, e 30 Artilheiros,'
e marinheiros.
Tartana S. João, 27 Soldados, e 21 Artilheiros, e ma»
dinheiros.
Tartana S. Pedro Maior, 27 Soldados, e 21 Artilhei
ros, e marinheiros.
Tartana S. Pedro Menor, 27 Soldados, e 21 Artilhei
ros, e marinheiros.
Os navios de guerra levavão munições para quareiH
ta tiros por peça.
Total das guarnições , excluindo Officiaes, Aventu
reiros, e creados; Soldados delnfanteria 5*232 ; Artilhei
ros, e marinheiros 1878; Peças de artilheria 642.
A 6 de Fevereiro cbegou D. Fradique de Toledo
á IHia de S. Tiago de Cabo Verde : arriou D. Manoel
de Menezes a bandeira do tope grande, e salvouo com
cinco tiros de canhão, a que D. Fradique respondeo com
três tiros, arriando igualmente a sua bandeira, que logo
TomolL 2V
.226
ambos tornarão a içar, e ao mesmo tempo sahírão nos
seus escaleres a visiwr-se.- Chegou primeiro D. FraJi-
que á Capitanea Portugueza , e ahi esperou que D. Ma-
-uoel voltasse de bardo da sua , havendo-se desencontra
do no caminho. Passados os primeiros cumprimento?,
'voltarão ambos para a Capitanea de Hespanha , onde
conferirão sobre as futuras operações.
Publicou-se a bordo de todos os navios a ordem de
suecessão no Commando geral da Expedição, que EIRei
determinava se praticasse em caso de faltar o General
em Chefe, a qual era a seguinte: Primeiro suecessor D.
João Fajardo ; segundo D. Manoel de Menezes; tercei
ro o Marquez de Cropani ; quarto Martim de Valeciíla;
,€ ultimo D. Francisco de Azevedo.
A li de Fevereiro sahio toda a Armada da ílb*
.de S. Tiago; passou a Linha a $■ de Março; e soffitrn-
do algumas calmarias, adoecerão muitas pessoas a bordo
dos navios Hespanhoes , porém fallecêrão poucas.
A 29 avistarão terra da Bahia , e tomarão língua
lia Torre de Garcia de Ávila, onde souberlo o estado
das cousas, e que os Hollandezes já sabião da sua via-
.da, por haverem tomado hum Patacho expedido de Lis
boa com avisos a D. Francisco de Moura. No mesmo
cdia derao fundo defronte da Ponta de Santo António, e
alli veio D. Francisco de Moura a bordo de D. Fradi-
oue, e lhe contou que os Hollandezes tinhao na Cidade
dois mil e quatrocentos homens, e cento e oitenta ca
nhões nas baterias, e haviao feito muitas presas, tanto
no mar, como em navios entrados no Porto, sem sabe
rem que estava oceupado por elles. Que agora tinhao
abandonado os arrabaldes do Carmo, e S. Bento; e que
á sombra de três Red uc tos construídos na Marinha , es-
tavão ancorados os seus navios em numero de vinre e
seis, sendo seis de guerra de 30 a 40 peças, e os ourros»
dos que ach4rão np Porto, ou apresarão depois j e tinha©,
227

méttido a pique três navios, por fóra daqiieTles, para ertí-


baraçar que os fossem abordar: e por ultimo, que ,a
Cidade estava fortificada no melhor modo possivel, en
trincheiradas as bocas 'das ruas, reparado o Forte No
vo, onde havia hum fornilho de balas vermelhas, e con
struídos mais dois Fortes , hum na ponta de Monserra^
te, e outro em Agua de Meninos.
No dia 30 entrou a Armada na Bahia, com bandei
ras largas, tocando todos os instrumentos de guerra, e
do mesmo modo estavao os Fortes, e os navios Hollan-
dezes , que atirarão alguns tiros do Forte de Agua de
Meninos. Deo fundo a Armada em huma linha curva,
tendo a esquerda além do extremo Norte da Cidade-, e
a direita formada pela Esquadra de Portugal , quasi nà
ponta de Santo António. Ficarão no centro da linha os
navios dos Generaes. Fez-se logo hum Conselho de Guer
ra a bordo de D. Fradique, a que concorrerão todos os
Oíficiaes Generaes, e ahi se resolveo formar cinco ata
ques contra a Cidade: O primeiro da banda do Conven
to do Carmo , já arruinado pelos Hollandezes; o segun
do no sitio das Palmeiras , hum pouco ao Nascente des
te ; o terceiro em Rio Verraerho, encarregado a D. Fran
cisco de Moura com todas as tropas que empregara até
alli no bloqueio, e as que lhe trouxera de Pernambuco
t)uarte de Albuquerque Coelho , que veio servir de Vo
luntário-, o quarto da parte de S. Bento; e o quinto na
Marinha, hum tanto ao Sul da Cidade. D. Fradique fez
pessoalmente o reconhecimento da Praça , acompanhado
dos Engenheiros. Conveio-se em desembarcar quatro mil
homens de todas as Nações, que com os Portuguezes do
Paiz pareceo seria força suficiente.
A 31 vierão muitos barcos grandes dos Engenhos
para auxiliarem o desembarque das tropas, o que veri
ficou nesse dia na praia de Santo António (cujo Forte
os Hollandeze* largarão ) o Mestre de Campo General
29 ii
228

Marquez de Cropani cora dois mil homens, favorecida


dos Portuguezes sitiados, que alli acudirão logo; e adian
ta ndo-se elle cora quatro Companhias de Infanteria, pas
sou além da Ermida de S. Pedro, e depois de reconhe
cer o terreno , sem ver inimigos , voltou á sua primeira
posição.
No i.° de Abril desembarcou D. Fradique, e unio-
do-se-lhe algumas tropas escolhidas da Divisão de D.
Francisco de Moura , começou a marchar para a Cida
de, não tendo ainda desembarcado artilheria alguma, e
fez alto na Ermida de S. Pedro, a tiro de canhão da
Cidade.
A 2 tomou porto o Marquez de Cropani com qua--
trocentos homens na Igreja de S. Bento , cujo Mosteiro
estava desmantelado •> e alli formou hum alojamento a
tiro de mosquete das muralhas, começando logo a levan
tar terra para se cobrir do seu fogo de artilheria, e
mosqueteria , que não cessava de noite, e dia.
A 3 desembarcarão outros dois. mil homens, com
artilheria, e deixando D. Fradique no Quartel de S^Ben-
to ao Marquez de Cropani , com os Mestres de Campo
D- Pedro Osório, D. Francisco de Almeida, e o Mar
quez de Torrecuço , e dois mil e trezentos soldados,
marchou a estabelecer o seu Quartel General na Igreja.
do Carmo, a tiro de mosquete das obras do iatmigo,
tendo ás suas ordens os Mestres de Campo D. Joio de
Grellana, e António Moniz Barreto, com a maior par
te dos Aventureiros Portuguezes, e Hespanhoes. Aqni
o reforçarão com dez Companhias de Infanteria Porro-
gueza da Divisão de D. Francisco de Moura, que teruo
3uinhentos homens ; com cujo reforço perfez o numero
e dois roiV e quinhentos soldados, e fez oceupar o Quar
tel das Palmeiras.. Os Hollandezes desampararão os For
tes de Monserrate, e Agua de Meninos, por estaresi
ipui próximos dos postos avançados dos Portuguezes, que.

K
229
Os descobriSo do alto da praia, e ndles deixarão der pe- <
ças desmontadas. Mandou D. Fradique occupar logo;'
ambos os Forres, o que lhe facilitou o desembarque da
arrilhcria grossa, e munições de guerra pata fortificar ;os ,
seus Quartéis. -, .!•.:. .:j . < ,'■
A 4, pelo meio dia, fizerão os Hollandezcs huma •
sortida da parte de S. Bento, com dois destacamentos
de trezentos homens cada hum, commandados pelo Co
ronel JoãoQuif, soldado intrépido, e intelligente, o qual
cahindo de súbito sobre o Terço Hespanhol de D. Pe
dro Osório, cujas guardas estavão com pouca vigi», pôz
todo aquelle Quartel em confusão ; e se tivesse maiores
forças, poderia causar grandes perdas. Acudio ao reba
te D. Pedro Osório com a Companhia de D. Henrique
de Alagon, .sustentada pelas de D. Pedro de Santo Es
tevão, e de D. Ramires de Haro : coinbateo-se. cora gran
de, valor de ambas as partes; mas chegando suecessivos
reforços conduzidos pelo Marquez de Cropani, retira- .
rao-se os Hollandezes com tanta cautela, que attrahírao
os seus contrários dentro do alcance das muralhas, d'on-
de lançarão sobre elles huma saraiva de balas de canhão,
e de mosquete. Morrerão nesta acção o Mestre de Cam
po D. Pedro Osório, os Capitães D. Pedro de Aguilar,
D. Alonço de Espinosa , e D. Pedro de Santo Estevão,
sobrinho do Marquez, de Cropani; c os Alferes D.João
de Torre Blanca, e D. Diogo Manrrque, com sessenta
c cinco soldados. Ficárãd feridos os Capitães D. Henri- •-
que de Alagon, sobrinho de D. Fradique, D. Diogo
Ramires de Haro ,- e D. Diogo de Gusmão;, e o AJferes
D, Pedro de Medrano; e noventa soldados.
A 5* rapntarão-se quatro canhões nas baterias de
S. Bento , e continuarão a desembarcar as munições de
guerra , e mais petrechos necessários naquelle Quartel.
A! noite fizerão os Hollandezes outra sortida, em que
230

forSo rechaçados córH-peftty pelo Terço do Marquez de


Torrecuço, que estava de guarda.
A~ôaproxifnarãò-sè ós' riáviosdé* guerra a tiro de
canhão da Cidírde. Conserva vlão-se a bordo os Generaes
de Marinha , excepto D. Francisco de Almeida, por ser
Commahdánte' de tiurrl Tér^o. - Começou a Esquadra a
bárér as ForFificaçoes^^ os' navios Hollandezes , fazen-
do bàsrarite 3aniriórfà htms ,- é outros; e ainda que elles
responderão:' a'o'; fogo ^ tão causou' este aVarias de conse
quência! -" ■■iififcnív*] y. .1 o
Os Hóllándekéé,1 observando que os- navios com fn-
signias de Generaes,- esta vão no centro da lrnha (nSo se
sabe por que),'prepararão três Brulotes j que nessa noi
te, sendo a 'maré de vasio, mandarão contra elles pelas
dez horas: hum encalhou á sabida j e fico'u inútil. O se
gundo áproximou-se do GareaO Rosário ,-<kH Almirante
Roque Centeno; e sendo visto das sentirtellds, imagina
rão os Hespanho^s , que op;havios Holláudezes fogião, e
começarão a fazer-se á vélá para- lhes cortar o passo.'
Eritre tanto o Galeão deO-lhe' hurna descarga de palan-
queta.s. de que tinha a sua" "a-rtilberia carregada, com que
logo o desarvorou, e abrio; e os marinheiros, que nerle
vmhãò, deráo fogo aó Brulote ,* estando já ^>erto , que o
calor derretèo o breu das costuras do Galeão. A lancha
deste colheo no mar hurri' Hòllándèz , qué confessou ha
verem sahido aquelles tfes Brulotes , destinados para as
Capitaneas de D. Fradique, D. João Fajardo, e D. Ma
noel de Menezes.
O clarão do incêndio deste Brulote fez distinguir o
terceiro, que vinha cotri a proa ao Galeão de D. Fradi
que; e tanto este, como o de D. Manoel de Mene7es,
que. estava junto delle, cortarão as amarras, e fizerão-se
á vela. Os do Brulote pegarãò-sè fogo, e rebentou del
le lui ma grande quantidade- de bombas,-* foguetes incea-

■•
diários, que nenhum damrtofizferío, por estarem já lon
ge os dois Galeóes, e toda a Armada d vela , na. falsa
hypothese da fugida da Esquadra Hollandeza; de ma
neira, que este erro feliz salvou naquella noite, a Mari
nha Hespanhola.
A 7 o Marquez de Cropani tinha desmontado a
artilheria dos sitiados da banda de S. Bento , e arruina
do parte da muralha; o que elles reparavão com trin
cheiras, e cortaduras que faziâo por dentro.
A 8 huma bateria de quatro canhões construída no
Quartel de D. Fradiquc começou a atirar aos navios
• Hollandezes, e os maltratou muito. No mesmo dia hu
ma bala disparada da Praça levou huma perna ao Mor
gado de Oliveira Martim Aífonso de Oliveira e Miran
da, Fidalgo de grande reputação, que falleceo com ge
ral sentimento.
A IO, recebendo o Marquez de Cropani hum re
forço de quatro canhões, formou huma bateria de oito
♦.peças a menos de tiro de mosquete. das muralhas, junto
á porra de S. Bento.
A 12 desembarcarão dos navios oitocentos soldados
• para o Quartel do Carmo.
A 14 mandou D. Fradique estabelecer hum aloja
mento no sitio das Palmeiras , a meio tiro de mosquete
àa muralha , com huma bateria de seis canhõeí. No
.mesmo dia chegou Salvador Corrêa de Si com, o-soc-
corro do Riò de Janeiro, que constava de duzentos e cin-
-coenta homens , entre Porruguezes de espada , e rpdela y
e índios frecheiros , todos embarcados em duas Carave
las, e duas grandes canoas. Pelas dez horas da noite en
trou no Porto hum Patacho Hollandez, cuiie. fallou a hum
dos navios da Esquadra ; e reconhecendo que esrava entre
inimigos, virou de bordo, e escapou. Este Patacho. trazia
noticia aos sitindos da vinda de huma formidável Esquí-
.<ira em seu auxilio» .......... T; ; ,
232
A 16 mandou D. Fradique construir huma bateria
de seis canhões defronte da casa dos Jesuítas, onde os
Hollandezes tinháo vinte e quatro peças montadas, que
fazião muito damnoaos sitiantes; e déo o cominando
delia ao Tenente General da Artilhem Sebastião Gra-
nero. ' ' '
A 17 a bateria de S. Bento tinha arrasado numa
trincheira , que os sitiados havião construído de novo; e
lhes desmontou três peças nella assestadas. Na manha
deste dia chamou D. Fradique para o Quartel General
do Carmo ao Marquez de Cropani , havendo destacado
para o das Palmeiras os Mestres de Campo D.João de
Oreliana , e António Moniz Barreto.
A 19 começarão a jogar vigorosamente as baterias
do Carmo, e assim continuarão nos dias seguintes, der
ribando metade da muralha, e descavalgando mais de
vinte peças. Veio hum desertor Inglez da Cidade, que
disse, que os Francezes, e Inglezes querião capitular, mas
os Hollandezes não. Outro desertor confirmou o mes
mo.
A 20 construio D. Manoel de Menezes com a gen
te da sua Esquadra huma bateria na praia , contra os
navios Hollandezes, com a qual metteo alguns no ruo-
do.
- A 23 levantou o General Valevilla outra bateria
junto á de D. Manoel, da qual bateo os Fortes da Ma
rinha.
A 26 augmentarão-se as baterias do Carmo cora
quatro peças, de modo, que a Praça era agora batida
por trinta e quatro canhóes de calibres 35, e 22, e o fo
go continuava de noite , e de dia : os aproxes estaváo
por todas as partes na borda do fosso.
A 27 chegou hum desertor Francez , que relatou a
D. Fradique como tinha havido huma insurreição con
tra o Governador Guilherme Schoutons , em que esis foi

1
233
deporto, e escolhido em seu lugar o Coronel Quif; e
que tratavão de capitular. Com effeito Schoutens não ti
nha o animo, e talentos necessários para o commando,
que nelle recahio pelo acaso da sua antiguidade. Augmen-
tava mais a sua frouxidão a falsa idéa em que estava de
ser impossível á Hespanha mandar huma expedição á
Bahia , antes que a sua Republica lhe enviasse hum po
deroso soccorro; e tão emperrado se conservava nesta opi
nião, que quando entrou a Armada Hespanhola, ainda
cria que era a Hollandeza. A guarnição era composta em
grande parte de mercenários Francezes, e Inglezes; que
não tinhão interesses nacionaes que os movessem a pro
longar a resistência até á ultima extremidade; e por ou
tro lado escandalizados das más disposições, e conheci
da pusillanimidade de Schoutens, moverão huma subleva
ção, cujo resultado fica referido. Porém o brilhante va
lor de Quif não pôde restabelecer a disciplina em tropas
tão mal organizadas : além disso , estava já a todos pa
tente, que ao menos de chegar promptamentc de Hollan-
da huma Esquadra capaz de destruir os Hespanhoes, a
Cidade seria forçada a capitular; e sendo incerta a épo
ca da vinda do soccorro , poderia ser entretanto ganha
da por assalto ; projecto que D. Fradique muitos dias an
tes tinha proposto emprehender , e não foi approvado.
Resolutos a final os Hollandczes a capitular, salií-
rao no dia 30 da Cidade o Commandante da Artilheria
Guilherme Stope, o Comraissario Geral Hugo António,
e o Capitão Francisco Duchs, todos três do Conselho,
e vierao ao Quartel de D. Fradique , com quem se acha-
vão o Marquez de Cropani, os Mestres de Campo D.
João de Orellana , António Moniz Barreto , e D. Fran
cisco de Almeida, o Doutor D. Jeronymo Qyijada de
Solorrano , Auditor Geral do Exercito , o Tenente de
Mestre de Campo General Diogo Rodrigues, e o Sargen
to Mor João Venâncio de S. Felice, todos do Conselho,
Tomo II. 30
234

de Guerra do Exercito, ajustarão-se as seguintes condi


ções :
I.* Que o Coronel Governador, e o Conselho cntre-
gariao a Cidade no mesmo estado, em que se achava
naquelle momento, com toda a artilheria , armas, mu
nições, bandeiras, petrechos, víveres, navios, Negros
escravos , cava lios, e tudo o mais que na Cidade , e nos
navios se achasse.
2." Que entregarião todos os prisioneiros Vassallos de
Sua MagestadeCatholica, de qualquer qualidade que fos
sem ;"e não tomarião armas contra Sua Magestade, e os
seus Vassallos até chegarem a Hollanda.
3." Que o Coronel Governador, e todos osOfficiaes,
Soldados , e creados , e toda a gente do mar HoUanàe-
zes, Flamengos, Inglezes, Allemães, e Francezes, que
em sua companhia vierão, sahirião livremente com toda
a sua roupa de vestir , e dormir , os Officiaes levando a
sua em caixas, e os Soldados nas moxilas.
4.* Que se lhesdarião embarcações, em que commo-
damente podessem passar a Hollanda.
5".* Que se lhes fornecerião os víveres necessários pa
ra três mezes e meio.
6.1 Que os Hollandezes sahirião juntos da Cidade.
7.1 Que se lhes restituirião todos os prisioneiros fei
tos durante o cerco.
8." Que se não faria aggravo a nenhum dos rendidos.
o.a Que se lhes darião os instrumentos de Navega^
çao, que tinhão nos seus navios.
10.* Que se lhes darião as armas necessárias para sisj
jdefensa na viagem.
IX.* Que sahirião da Cidade para se embarcar sem
«rmas, excepto os Capitães , que conservariáo as suas es
padas.
12/ Que as tropas Hespanholas occupariao ruqoelhl
tioite huma das portas da Cidade.
235
13.* Que de parte a parte se darião reféns até sÇ
cumprirem as Capitulações.
Assignárão esta Capitulação no mesmo dia 30 de
Abril, D. Fradique de Toledo, o Coronel Governador t
e o Conselho Hollandez.
A's oito horas da tarde entrou dentro das portas da
Cidade o Marquez de Cropani com setecentos soldados
Portuguezes , e Hespanhoes, deixando da parte de fora
outros trezentos; ena manha do dia seguinte 1.° de Maio
entrarão estes últimos, e de tarde outros mil homens com
D. Fradique , o qual publicou hum bando com pena de
morte contra quem roubasse auguma cousa •, e era bem
necessária esta providencia, porque já os vencedores com-
mettião muitos roubos.
Sahírão rendidos mil e novecentos e doze homens^
entre soldados, e marinheiros; e tinhão morrido trezentos
no cerco. Acharão-se seiscentos Negros (que se pozerão
em arrecadação), huns tomados nos navios Portuguezes
apresados, outros fugidos, dos quaes estava organizada
huma Companhia bem armada : restavão também al
guns moradores Portuguezes do baixo Povo. Tomarão-
se dezeseis bandeiras das tropas, os Estandartes dos Es
tados Geracs, e da Náo Capiranea, duzentas e dezenove
peças de artilheria de vários calibres, mil e quinhentos
quintaes de pólvora, dez mil balas de canhão, muitas
bombas, e granadas, dois mil e cem mosquetes, 'quinhen
tos capacetes, muitos peitos de aço, e outras munições1.
Existiao na Casa da Moeda seis mil cento e setenta e
seis marcos de prata em pinhas, mil e seiscentos e vinte
e cinco marcos em peças de prata lavrada ; alguns arma
zéns cheios de fazendas, e outros de mantimentos, de que
se fez inventario, e se entregou a D. João de Andosilla ,
nomeado Depositário geral por D. Fradique. Do pro-
dueto destes géneros, que valerião trezentos mil cruza-
dos , pagou-se mez e meio de soldo ao Exercito. Dos
30 li
236
Sfinte c seis navios, e quatro Patachos, que os Hollande
zes tinhão no principio do cerco; existião em bom esta
do só dois Patachos, e seis navios : mandarão-se aprestar
estes últimos para o transporte da guarnição.
A perda dos sitiantes deitou a duzentos e sessenta
mortos, e feridos (outros a fazem maior), em que en
trarão muitos Officiaes distinctos, Portuguezes , e He*pa-
nhoes.
Ficou por Governador da Cidade D. Francisco da
Moura , com mil soldados Portuguezes de guarnição.
No dia 10 embarcarão os Hollandezes para borde
dos navios, que os devião transportar; e a 12 começaria
a embarcar as tropas Hespanholas , que não erão ja ne
cessárias em terra. A 14 expedio D. Fradique para Hes-
panha o Patacho Monte do Carmo, com cartas para
EIRei, e nelle embarcarão os Capitães D. Henrique de
A lagoa , e D. Pedro de Torres e Toledo , ambos seus
sobrinhos.
No dia 19, apparecendo na Costa hum Patacho
Hollandcz, que fez presa em huma Caravela Portugue-
za , que vinha de Lisboa , sahio Tristão de Mendonça
no navio Sol Dourado , e represando a Caravela com al
guns Hollandezes a bordo, soube-se por elles, qwe de
Hollanda havia sabido huma Esquadra de trinta e três
navios, com muitas tropas, e destino á Bahia. Esre mes
mo aviso tinha já chegado por duas embarcações, huma
expedida de Cabo Verde a D. Manoel de Menezes, e
outra de Canárias a D. Fradique. A Esquadra sahio de
Hollanda antes que a Hespanhola de Cadix, mas os tem
pos ruins , que encontrou no Canal de Inglaterra , a de
morarão até aos princípios de Março. Deteve-se pairan
do sobre a Ilha do Maio, onde recebeo alguns refrescos
por meio de dois Patachos; e dalli mandou hum á Bania,
que foi o que tomou a Caravela ; e na Costa de Guiné
teve muitos enfermos, e lhe morreo alguma gente. Era
237

seu Almirante Balduíno Henrik, embarcado em hum na


vio de cincoenra peças, e quasi todos os outros erao de
quarenta para cima : trazia três mil homens de tropas.
Mandou D. Fradique immediatamente metter as em
barcações dos prisioneiros debaixo da artilheria dos For
tes, e tratou de apromptar os seus navios, á maior par
te dos quaes falta váo mantimentos, e aguada.
A 25 ao amanhecer appareceo a Esquadra Hollan-
deza quatro legoas ao mar. D. Fradique erabarcou-se
logo, e mandou recolher a bordo toda a gente, em que
Jiouve grande confusão. A Esquadra Hollandeza vinha
formada em duas columnas ; e como trazia vento escas
so , virou no mar até á tarde, que tornou a virar na ter
ra, e foi dar fundo para a banda da Ilha de Itaparica,
onde passou a noite. No dia seguinte 26 se fizerão os
Hollandezes á vela, e bordejarão até chegarem pelo meio
dia a tiro de mosquete do Forte de Santo António, cu
jo Commandante Alonso Rodrigues deCisneros tinha or
dem para não atirar. Virou então a Esquadra, e foi en
trando pela Bahia com bandeiras largas. Neste momen
to fez D. Fradique signal aos seus navios para se faze
rem á vela, começando pelos que estavão mais fora; o
que elles fizerão em numero de trinta e oito.
Os Hollandezes, tendo agora reconhecido as forças
da Armada Hespanhola, cuja apparencia era formidável;
e ignorando as circunstancias particulares em que ella se
achava, as quaes lhe facilitavão huma victoria decisiva,
se a atacasse; e vendo o Estandarte Real da Hespanha
arvorado na Cathedral, confirmarão-se em que a Cidade
estava tomada , e dando a expedição por perdida , vira
rão no mar com intenção de se retirarem ; mas o vento
contrario não lho permittio, ainda que bordejarão o res
to do dia, e parte da noite, antes a final se acharão quasi
sobre os baixos de Itaparica , e foráo obrigados a dar
fundo j e a sua Capitanea tocou. Parte da Esquadra Hesb
238
panhola seguia os Hollandezes, atirando-lhes tiros de ca
ça, a que elles não respondiao; e o Galeão Santa Anna,
pertencente á Esquadra de Biscaia, encalhou em hum
daquelles baixos, d'onde sahio cortando o mastro gran
de, e com o auxilio das lanchas, e escaleres. Os outros
navios seguirão no bordo de Leste, com o fim de virem
no outro bordo a barlavento dos Hollandezes; porém D,
Fradique, estando sotaventeado, fez signal de reuaiío,
temendo que os Hollandezes se mettessem entre os seus
navios mais avançados e os que esta vão a ré delle; e de
noite continuou a bordejar para melhorar de posição , o
que não pôde conseguir ; porque carregando o venro com
mais força, cahio para sotavento.
O Almirante Hollandez, aproveita ndo-se de noite
da vasante da maré , que o deitava para fora , fez-se de
vela , e sahio da Bahia , havendo antes intentado quei
mar o Galeão Sanra Anna, enviando a isso algumas lan
chas munidas de matérias incendiarias, as quaes rbrao re-
pellidas , e duas tomadas.
D. Fradique pôz em conselho, se seria conveniente
seguir os Hollandezes ; e decidio-se que não, por se acha
rem todos os navios faltos de víveres, e aguada, e ne
cessitados de reparos; e porque naquella estação, hunoa
vez que sahissem do Porto, talvez não o podessem ou
tra vez tomar. Em consequência desta resolução, foi a
Esquadra buscar o seu ancoradouro.
A 29 fez-se novo conselho, e concordou-se em com
boiar até aos Açores os navios dos prisioneiros , para
que não acontecesse, no caso de partirem sós, irem-se
ajuntar com a sua Esquadra, e invadirem algum Porto
do Brasil.
A Esquadra Hollandeza navegou para o Norte, e
appareceo á vista de Pernambuco com vinte e oiro na
vios, mas não pôde ferrar o Porto, porque o escorre© de
coite com tormenta de vento, e foi ancorar na Bahia,
239
da Traição , seis léguas ao Norte da Parahiba, onde se
reunirão rrinta e quatro navios, e derão fundo. Tratarão
com os índios de liuma única Aldeã, que alli havia, e
desembarcarão seiscentos soldados, com que guarnecerão
algumas trincheiras, para protegerem mais de duzentos
enfermos, que pozerão em terra. Logo começarão a alim
par os navios, e a fazer agua , é lenha , e dirigidos pelos
índios, fizerão algumas entradas pelo Rio Mamangape,
e colherão muito gado vaccum, de que abundarão aquel-
las planícies.
O Governador da Parahiba AíFonso da França, sa<-
bendo da visinhança dos Hollandezes, reunio ít da a gen
te que pôde ajuntar para lhes defender a campanha ; e
avisado Mathias de Albuquerque em Pernambuco , fez
partir Francisco Coelho de Carvalho, que chegava de
Lisboa nomeado Governador do Maranhão, com quatro
Caravelas, e dezoito peças de artilheria ,. nas quaes met-
teo todos os soldados que podia dispensar em Pernam
buco. Chegado Francisco Coelho á Parahiba , marchou-
com sete Companhias de Infanteria , que trazia de Per
nambuco, e a gente da terra, e mais trezentos índios
frecheiros conduzidos por dois Jesuítas, e tomou posição
a duas léguas dos Hollandezes, onde se fortificou. Se-
guírao-se alguns pequenos combates, em hum dos quaes
morrerão quarenta soldados Hollandezes ,. e trinta, dos
■seus índios.
Nesta situação o General Henrik julgou acertado
largar o ancoradouro, e no dia 4 de Agosto se fez i vê-
la; e expedindo depois para Hollanda os navios afreta
dos, dividio os de guerra em duas Esquadras, huma das
quaes foi atacar a Ilha de Porto Rico, e com a outra se
dirigio á Costa de Africa , da qual tratarei logo.
No i.° de Agosto sahio da Bahia D. Fradique de
Toledo com todos os seus navios, menos os Galeões
Mespanhoes Atalaia, e S. Miguel, que por fazerem mui
240

ta agua , necessitavão carenar. O máo tempo fez arri


bar a Esquadra ao Porto da sahida, excepto quatro na
vios dos que leva vão tropas Hollandezas, que continui-
rão a sua viagem.
Tornou a sahir D. Fradique a 4 de Agosto, com o
projecto de recolher em Pernambuco os navios de Com.
mercio , para os comboiar a Portugal. Os ventos con
trários , e violentos espalharão a Esquadra : algumas em
barcações Hespanholas acompanharão D. Manoel de Me-
nezes, que não podendo tomar Pernambuco, seguio pa
ra a Europa. D. Fradique ancorou em Pernambuco com
o resto da Esquadra a 21 de Agosto, e soube que já ri-
nhão passado para o Norte alguns navios, entre elíes o
de D. Manoel, e alguns dos que IevavSo os HoWanàe-
zes; e que se havia ali i perdido huma Urca, de que se
salvou a gente, e a carregação.
Estavao neste Porto quatro Urcas, que vinhao 3e
Cadix carregadas de provisões para a sua Esquadra, con>
mandadas pelo Capitão João Luiz Camarina , o qual lhe
entregou duas Cartas d'ElRei, huma em que lhe orde
nava, que não viesse avistar os Açores, por haver su
speitas de que o esperava naquella altura huma Armada
de cento e trinta navios Inglezes, e Hollandezes; e na
outra lhe mandava , que enviasse á Ilha de Santa Hele
na dois navios da sua Esquadra, acompanhados de três
Caravelas que se apresentavao em Pernambuco, para re
colherem a carga, e gente da Não Conceição, que se per
dera naquella Ilha. D. Fradique enviou logo ordem aos
dois Galeáes, que deixara na Bahia, para que, concluí
dos os seus reparos, viessem a Pernambuco, e dalli fos
sem a Santa Helena com as três Caravelas, o que elles
cumprirão (.1).

Çi) Esta expedição foi commandada pelo Capitío João Martins de


Arteaga, o mais antigo dos dois Comtnandautes dos Galeões. Qxgai
241
A 25: de Agosto partio D. Fradique de Pernambu
co, deixando alli huma das Urcas vindas de Cadix. Pas
sou a Linha a 2 de Setembro com bom tempo. No dia
seguinte, estando o mar mui sereno, mandou repartir
os mantimentos das Urcas pelos navios de guerra. A 6
amanheceo o Galeão S. Nicoláo Tolcntino desarvorado
de hum aguaceiro, que houvera de noite, em cujo desas
tre quebrou huma perna o seu Commandante André Dias
da França , de que fallcceo ; e como este navio fazia
muita agua, ordenou D. Fradique, que se lhe tirasse a
artilheria, gente, munições, e aparelho, e se repartisse
pelas outras embarcações. Esta faina durou quatro dias,
que houverão de calmaria ; e no dia 10 se lhe deitou fo
go. Assentou-se em Conselho, que se navegasse por me
nos altura , para evitar o encontro da Armada inimiga j
e D. Fradique deo ordens selladas a todos os Comman-
dantes, prescrevendo-lhes o que^deveriao praticar em caso
de separação.
O resto do mez de Setembro foi de trovoadas, cer
rações, e ás vezes calmarias; e D. Fradique procurava
sempre encostar-se á Costa de Barbaria. Os mantimen
tos erão tão escassos, que se davao de ração diária a ca
da homem quatro onças de biscouto podre , outras tan
tas de farinha de páo , e meio quartilho de agua, sem
haver vinho, nem outra alguma cousa. De 5" de Outu
bro por diante tiverão bom vento, e a 15 virão oEstrei-
elle a Santa Helena a 10 de Dezembro, e poucos dias depois ancorou
também na Ilha huma Náo Hollandeza de setenta peqas, que parecia vir
da índia. Começarão-se a bater nuns , e outros, mas o Hollandez fez-se
Jogo á vela , e os Galeões o foráo seguindo , e por ultimo o abordarão ,
hum pela alheta, e outro pela amura. Os Hollandezes defenderão-se bra
vamente, e depois de morto Arteaga, e muitos Officiaes , e soldados,
se desatracárão os Galeões, e voltarão para a Ilha; a Náo continuou a
sua derrota. Os Galeões entrarão em Lisboa com a carga da Conceição
a 14 de Maio de 1626. Vede Brito Freire, Liv. j., e o Compendio
Histórico de la Jornada dei Brasil , Cap. 1 6.
Tomo II. 31
242
to de Gibraltar, porem o vento Ponente era tão violen
to, e o tempo tão escuro, que se espalharão os navios.
D. Fradicjue entrou no mesmo dia o Estreito com alguns
delles, e amanheceo á vista de Málaga: a fome era taí
a bordo do seu navio, que já se comião ratos, e se be
bia vinagre em lugar de agua. Deteve-se aqui D. Fra-
dique quatro dias para receber algumas provisóes; e so
prando Levante, se fez á vela com intento de tomar Gi~
Draltar, ou Cadix; mas saltando logo o vento ao Ponen
te, tornou para Málaga, onde desembarcou a artilheria,
metteo os navios no Molhe, e tratou de se fortificar,
por saber que estava sobre Cadix a Armada Ingleza, e
se temia que viesse a Málaga queimar a Esquadra (i).
Os Galeões Senhora do Rosário, e S. João Vera
Cruz, e os dois de Nápoles entrarão em Cadix seis dias
antes de chegarem os Inglezes , e servirão de muito pa
ra a defensa daquella Praça.
O Galeão Santa Anua do commando do Almiran
te D. Francisco de Almeida, achou máos tempos em 30a
de latitude Norte, e logo hum temporal do Sul tão fu
rioso, e com tao grosso mar, que forao a pique nove na-
(1) Este Armamento compunha-se de oitenta navios (outros dizem
Cjue mais), e era commandado pelo Visconde de Wimbleton. As tro
pas consuvão de dez Regimentos, sommando dez mil homens, com-
mandados pelos Condes de Essex , e Efcnbigh. Sahírão de Plymouth a 7
de Outubro de 1625 j e tendo soffrido huma tempestade , se reunirão a.
39 em Cabo de S. Vicente, seu ponto de reunião. O projecto era. in
terceptar a Frota Hespinliola , que se esperava da America -era Novem-:
bro. Os Generaes Inglezes resolverão entretanto assaltar Cadix , onde sa-
biáo que estavão muitos navios. O ataque, feito a 22, não produz» o
eífeito, que esperavão; ainda que ganharão com facilidade o Forte do
Pontal; porque os soldados Inglezes, havendo arrombado muitos arma-
aons de vinhos, embebedarão-se , e foi necessário fazellos embarcar a to
da a pressa. Pouco depois espalhou-se a bordo dos navios huma molesta
contagiosa , em consequência da qual voltou a Armada para Inglaterra,
ssm fazer cousa alguma , tendo custado enormes despezaj. Vede o Tti-
deoie £ri^aanico, Tomo 6. Cap. }0.
24.1

vios, que o acompanhavao , em que entrou o Patacho


S. Jorge, Hcspanhol, e o navio Portuguez Senhora da
Ajuda , armado em guerra , de que era Commandante
Gregório Soares Pereira ; os outros erão Transportes.
O Galeão abrio doze palmos de agua , e o mar levou-
Ihe as obras mortas da popa, ea lancha que vinha no con-
véz: hum rodomoinho arrebatou pelos ares sete homens,
dois dos quaes metteo huma vaga a salvo dentro do na
vio. Alijarão ao mar a artilheria, e cortarão o mastro
grande, que estando já rendido, ameaçava ruina com
a sua queda. Todo o mantimento , e aguada se ava
riou. Como não existião velas , pelas ter levado o ven
to , fizerão huma de varias colchas, com que forão go
vernando a demandar os Açores, quasi morros de fo
me , de sede , e de trabalho , havendo fallecido por
esras difFerentes causas oitenta e seis pessoas, em que
entrarão D. António de Castello Branco , Senhor de
Pombeiro , o Sargento Mor Jorge Mexia Fouto, e o
Padre António de Sousa , Jesuíta. Finalmente avistarão
a Ilha de S. Jorge, e apenas tiverão tempo de saltar
em terra, foi-se o Galeão a pique. Dalli regressarão de
pois todos a Portugal.
D. Manoel de Menezes, não podendo tomar Per
nambuco, seguio a sua derrota, e a 24 de Setembro,
na altura da Ilha de S. Miguel, trazendo em sua con
serva o Galeão Hespanhol Santa Anna , em que vinha
o Mestre de Campo D. João de Orellana , descobrio
três navios Hollandezes, que lhe parecerão de guerra,
porque hum largou bandeira no tope grande, como Ca-
pitanea, e o outro no tope de proa, figurando de Al
mirante. Anoitecendo logo, D. Manoel os foi seguin
do; e ao amanhecer, estando mui próximos, arribou
para elles, que o esperavao cora os papafigos estinga-
ilos. Travado o combate j o navio Capitanea começou-
se a afastar do fogo; e o seu Almirante ficou tão mal
31 ii
tratado , que se deitou á banda nara tapar os rombos.
D. Manoel suppondo este navio rendido, o deixou ao
Galeão Santa Anna , e deo cassa á Capitanea (havendo
o outro tomado dhTerente rumo); mas vendo que eila
lhe levava grande vantagem na marcha , abandonou a
cassa, e virou de bordo para o Almirante. Chegou po-
ièm a cila primeiro D. João de Orellana , e a pezar dos
Hollandezes estarem rendidos, e terem içada huma ban
deira branca, o abordou desatinada mente de longo a lon
go, entrando nelle com a maior parte da sua guarnição,
a- tempo que já se percebia fumo a bordo. Os Hollan
dezes pas$3rão-se logo para o Galeão, e declararão virem
da Costa da Mina, e trazerem ouro, marfim, almíscar,
e alguns escravos: esta confissão augmentou a desordem
dos Hespanhoes, porque todos querião ter quinhão no
saque, de maneira que ficarão unicamente dez homens a
bordo do Galeão.
D. Manoel , chegando perto dos dois navios abor
dados, vio que o Galeão se afastava do Hollandez, que
começava a arder, e que também daquelle sahia muiro
Sumo, e logo depois labaredas pela popa. Virou súbito
de bordo, tanto para obviar que se communicasse o in
cêndio, por estar mui próximo, e a sotavento, como por
evitar os effeitos da arrilheria , e da explosão quando
chegasse o fogo á pólvora; e atravessou em distancia
pela sua popa , pondo no mar a lancha , e os escaleres ,
com algumas pequenas jangadas, que á pressa se fizerão»
Com estas diligencias conseguio salvar cento e cincoen-
ta homens, incluindo o Capitão Hollandez cora dezeno-
ve dos seus, e dezesete escravos. Morrerão afogados o
Mestre de Campo Orellana, o Capitão D. António de
JLuna , e alguns outros Officiaes , que com os soldados, e
marinheiros fizerão o numero de cento e oitenta e oiro
pessoas. Entre os que escaparão foi o Capitão Domin
gos Diogo, c outras pessoas distincias. Este navio HoI«
245
landez vinha armado com 14 peças pequenas, e cincoen-
ta homens: os primeiros disserão, que trazião quatrocen
tas hbras de ouro, e outras tantas cada hum dos outros
dois, que escaparão. Seguio D. Manoel a sua viagem,
e entrou em Lisboa a 14 de Outubro.
Resta fallar da Expedição do Almirante Balduíno
Henrik á Costa de Africa (1).
A Esquadra Hollandeza appareceo diante do Castel
lo de S. Jorge da Mina a 2> de Outubro de 1625- , com
dezenove embarcações grandes, e pequenas. Era Gover
nador desta Praça D. Francisco Soutomaior, tendo de
guarnição cincoenta e sete Portuguezes , inclusos alguns
doentes; e novecentos Negros (tal era o abandono em
ejue estavão as mais importantes Colónias!) divididos em
três Companhias, com seus Capitães. O Governador re-
partio por ellcs algunj ouro em pó, e mandou o resto
do que tinha aos Reis de Acumana , e Afuto, seus visi-
nhos ; com o que conseguio a neutralidade do primeiro ,
e obteve do segundo os mantimentos de que carecia.
Desembarcarão os Hollandezes obra de dois mil ho
mens, entre soldados, e marnheiros, dos quaes mil e
quinhentos trazião mosquetes. Pelas duas horas da tar
de começarão os navios a bater o Castello, e a Povoa
ção a que se dava o nome de Cidade; e entretanto mar-
chavao as tropas pelo campo da Pelicada a tiro de mos
quete do Castello, com tanta segurança, que parecia não
recearem perigo algum. Os três Capitães, que estavão
com os seus Negros armados de escudos, lanças, parta-
zanas, e pistolas, escondidos em covas, e montes de mat-
tOy sahírão tão repentinamente a hum signal que se lhes
fez do Castello com três tiros de peça , que os Hollan
dezes apenas tiverão tempo de fazer frente, e dar huma

(1) Vede a Relação deste acontecimento, mandada pelo Goverua»


úoí a EIRei, impressa em Lisboa em 16a 8.
246
descarga cm desordem, a qrnl os Negros receberão dei
tados no chão, cobertos com os seus escudos; e levan-
tando-se logo, os earregirão com ranta fúria, que em
hum momento os romperão, e derrotarão, segui ndo-I/ies
o alcance até á noite, sem d.irem quartel a ninguém; de
modo que apenas esc.'. pardo quarenta e cinco homens.
Tomano se quinze bandeiras, mais de mil mrsquetes, e
outras muitaí armas, e despojos. Dos Negros morrerão
treze , e ficarão feridos trinta e quatro.
No dia seguinte de madrugada se fez a Esquadra à
vela, e foi ancorar a huma légua do Castello: dereve-se
aqui onze dias, procurando fazer alliança com os Reis
de Acumana , e Apeto, o que não conseguio.
A ç de Novembro tornarão os Hollandezes a bater
o Castello, e a Povoação com os seus navios, o que con
tinuarão nos dois dias seguintes, disparando mais de duas
mil balas, a cujo fogo respondeo o Castello, fazendo-
Jhes muito danino. No dia 7 á noite cessarão o fogo,
c afastando-se fora de alcance de canhão, ficarão surtos
até ao dia 14, que forão ancorar em Eonirem , d'onde
finalmente partirão a 29 para não apparecerem mais. No
Castello não houverão outros mortos , que hum Porru-
guez, e hum Negro.
1616. — A Esquadra da índia (1) constou este anno
de rres Nãos, commandada por D. Manoel Pereira Cou
tinho , em a Náo S. Gonçalo ; e os outros Commandan-
tes Lourenço Peixoto Sirnc, na Batalha; e Francisco
Ribeiro Alcoforado, na Quietação.
Sahio de Lisboa a Esquadra a 15 de Abril , e en
trou em Goa no mez de Setembro.
1626. — Tinha voltado da Bahia D.Manoel de Me
nezes (2) com a sua Esquadra destroçada , a qual se não
(O Faria, Ásia Portugueza. — Epilogo de Pedfo Barreto.
(2) Para a narração (to naufrágio de D. Manoel de Menezes, vtd* »S
Epanapboras de D. Ftancuco Manoel, pag. 150; e sobre tudo a Reúcioa
217

tratou logo de reparar. E neste anno mandou EIRei as


sistir em Lisboa o General Thomaz de Raspur, Biscai
nho, para defender as Costas de Portugal, a cujo fim
reunio alguns navios Hespanhoes, e os Galeões Portu-
guezes S. Filippe, e S. Tiago, que se acabavão de con
struir. Veio também o Marquez de Inojosa nomeado
Capitão General dos Presídios Hespanhoes, com ordem
de auxiliar o General Raspur na defensa das Costas do
Reino.
Aproximava-se o tempo de sahir huma Esquadra a
esperar as Náos da carreira da índia, e a Frota do Bra
sil , que ordinariamente chegavão á altura de Lisboa
nos fins de Setembro, o que era difficultosa empreza ,
porque os navios de guerra ^ortuguezes er.lo poucos , e
arruinados, á excepção dos dois Galeões novos, e fal
tava tropa experimentada no mar, por se acharem re
duzidos a algumas Companhias desorganizadas os dois
Terços da Marinha , que servirão na Expedição da
Bahia.
Por ordem da Corte de Madrid entrou D. Manoel
de Menezes a servir o seu Posto de General da Mari
nha Portugueza , que se lhe deo agora de propriedade ,
assim como a António Moniz Barreto o Posto de Al
mirante, e Mestre de Campo de Infanteria , como fora
D. Francisco de Almeida. Embarcou D. Manoel no
mesmo Galeão Santo António, em que viera; e o Almi
rante António Moniz Barreto no Galeão S. João, de mil
toneladas, e quarenta peças; os outros Commandantes
erão D. António de Menezes , do Galeão S. José, de 30
peças; Gonçalo de Sousa, do Galeão S. Tiago; Manoel
Dias de Andrade, do Galeão S. Filippe, de 28 peças;
; Christovão Cabral, da Urca Santa Isabel, de vinte e

e Ia PerdiJa de la Armada de Portugal dei ano de 1627, escrita pelo


»opiio D. Manoel , e impressa em Lisboa no mesmo aimo de íóaj..
248
seis peças. Embarcarão na Esquadra como Aventurei
ros cento e cincoenta e oito Fidalgos (entre elles D.
Franci:co Manoel de Mello, que escreveo a historia
desta desstros.1 campanha), quasi todos das principaeí
famílias, e até herdeiros de grandes Casas.
As InstrucçÕ:s de D. Manoel de Menezes ordena-
vão-lhe: Que procurasse conservar-se na latitude de
38° 20', cincoenta legoas apartado da Costa, eabi bor
dejasse até 20 de Outubro ; porque não encontrando
nesfe lapso de tempo os Navios da índia , o Governo
teria o cuidado de Ibe mandar novas Ordens, segur.da
os incidentes mostrassem ser necessárias.
Sahio a Esquadra de Lisboa na manhã de 24 de
Setembro, e chegando á paragem determinada no seu
Regimento , ahi se conservou com bom tempo. Nâ
madrugada do dia 30 encontrou dezeseis embarcações ;
era a Esquadra de Hespanha commandada pelo GeneraJ
Francisco Rivera, a qual fazia parte da do General Ras-
pur, que estava em Lisboa; e servia de seu Almirante
D. Nicoláo Júdice Fiesco, Genovez; vinhão de guarni
ção nesta Esquadra algumas Companhias de Infanreria
Portugueza. Salvou o General Rivera a D. Manoel com
sete tiros de peça para sotavento, e três gritos de Boa
viagem, a que D. Manoel respondeo com cinco tiros,
e dois gritos. O Almirante Fiesco, e o Commandance
mais graduado depois delle , salvarão com cinco tiros, e
três gritos, que forao respondidos com hum tiro, e hum á
grito , e toque de clarim. Os outros navios Hespanhoes
salvarão com três tiros, e três gritos; e D. Manoel re
spondeo com toques de clarim. O General Rivera não
abateo o Estandarte, mas obrigou-se a seguir os movi
mentos de D. Manoel , a quem communicou por huma
mensagem , que vinha de Cadix com ordens de lhe obe
decer na commissao de recolher as Náos da índia; po
rém que passado o dia ij de Outubro, e não apparecenda
as Náos, devia separar-se delle , e ir cruzar com a sua
Esquadra sobre Cabo de S. Vicente', a fim de esperar-
os Galeões da prata. ■ • ... ■ Isor.-.!.' C\ h !i»m
Gonservarão-se unidas as duas Esquadras cruzando
naquella altura, sem que os dois Generaes se visitassem;
e fiando o prazo dos quinze dias, se dcspedio Rlverâ com
as mesmas ceremonias praticadas na sua chegada , e na
vegou para o seu destino. y , :•;.; i>
Vendo D. Manoel de Menezes, que não appareciãó
as Náos da índia, buscou a barra de Lisboa; e a 17, c -
tando pouco distante do Cabo de Espichel , recebeo Of»
ficios dos Governadores de Portugal , por hum barco de
Cascaes, em que lhe xliziaV: Como per justas causas
havia E/Rei despachado Ordens, depois da sabida
daquelia Esquadra, para que as Ndos da índia arrh
■bassem ao Porto' da Gorunba>; mas- que- sendo logo me
lhor informado, Ibes havia remeltido vários avisos for
iHar,è por Urra para queprofcguissetn a sua' viagem
para Lisboa, desviando-st quarenta ieguas da Costa,
onde- acharião a Esquadra ; <e por tanto devia elle ir
logo buscar aquella paragem. .'••/:■ r : ■
Respondeo D. Manoel: Que efíe esperava que o
Correio acharia as Ndos na Corunha , ou no Ferrolt
em cujo caso não esperasse Sua Magestade , que po
dessem sabir daquelies Tortos antes de meado de Ja
neiro..-. . ' Ir.ijj)
.« . Na manha do mesmo dia 17 apparecêrao dois na
vios de Mouros , e como o vento era calmoso , e a Ur-
-ca Santa Isabel estava mais próxima delles, mandou-lhe
D. Manoel dar cassa, rebocada pelos escaleres da Esqua
dra. Durou esta cassa até tão tarde, que quando Chri-
stovao Cabral se desenganou de que náo alcançava os
Mouros, apenas houve tempo sufficiente para os escale
res chegarem a bordo dos seus respectivos navios, e sal
tar a gente para dentro , ficando elles abandonados , por
Tomo II. 32
2#fe
«f já s*wtc> e o Vento -pelo Sni-nwi -frvsao , cwo o
oual ,a Esquadra fui np bojido do Norte., '«cm -ser fw-
sivel a D. Manoel mandar instruções aos Comaws-
dantes dos teus navios , segMioio -w ukiuats -ocdeos que
«oeebéra, • u rji.rjr- D iioh *o sur mr- -j r -.'a-f'
A i8 passou o vento a O. S.O. de temporal : espa-
Jiurãorsc M-)(ítfvrÍQS, * achando-se ,D. Manoel em .40'
de latitude, c não longe da Costa, virou no bordo xio
Sttlvcom pouca vete , e «o dia segainte reunio todos os
navios., rmenos a ALmiranti. A -variedade do* tempos
fez com que fosse avistar SiafiJ .iÀa -28 veio á barri de
Lisboa para saber se as Nãos. d a Índia havião lentrado ;
e no caso .contrario, -.receber Práticos dos Portos da Cos-
ta do Norte, por nao -haver «a- Esquadra ■quero os co
nhecesse. Álli acuou ia, U*ca Sai» ta Isabel, que se ha
via separado no dia 21 , e fecebeo ordem para se diri
gir logo á Corunha , onde as Nios íiavíio entrado no- dia
04 (estas Náos-cráo oSvCItristovao, do. Chefe Viaewe
de -Brito e Menezes; e- a -Santa Helena , Coronas ncaaae
•Fcdrode Ana ia) , «\saw> -compelias para Lisboa <oo pri
meiro tempo favorável. Navegou D. Manoel pari o
Norte, levandt) nnis em sua conserva huxna Caravela,
qtre h ia para -a Coronha com ancoras , amarras , e lonas
^para-As Náos da índia», '., w.a «\. , * .» vm\ • *\ 1 ■
Com vento Sul .passou pela Ria de Baiona , dtoide
sahio huina Caravela, pela qual o Almirante António
Moniz Barreto llie participou nchar-se alii fundeado.
Por e lia mesma lhe mandou D. Manoel «ordem paratese
se fosse ajuntar com elle-na Corunha. A Caravela, qae
■levava as munições navaes, entrou na -Ria' de .Baiona
. (era 42:0 7' de latitude) . D. Manoel seguio -para o Nor
te a basear o Cabo de Finis Terra: f( em 42° ç6' jo^iàe
latitude, e 8 5$' de longitude); -e ainda que se rio a
Costa , nenhum dos Pilotos a conheceo , e por isso virou
no mar, e .pela manha do <dia 2 de Novembro tornou .a
vira* rh t&fif* e comtvnão a vio; foi - ídrrèhd-rJ co*ht ven
to laTgb'na direcçlo da Cos-ta , governa ndo-se pelos Ro
teiros pouco exactos dacjuelíe tempoç; era demandada t

Torna de. Aereulei (na .latitude: de 4$*" 13' 48 'y e lon


gitude. 9" 54ÓH que marca o Porto da Corunha- (1).
i'; 'tXomovft^oo.rdfr de D. Manoel não lia via Pratico,
dfed fundo já de noite entre os baixos chamados Jàzen*
tei , cple tíot huma milha de comprido, com fundo de:
pedra desers á deienove braças; e pela sua pÔpai anco
rarão o S-. José,-:eo Si- Tiago, porque o S. Filippe, e
» Urca desviârlçrse mais da Costa, e eotrárãodors dias.
depois na Corunha» Nesta occasiáo- os baixos não rcben-
tavãev, por- ser o vento bonança1 por* cima da terra , e a?
maré cheia de agua 3 vivas. Como D. Manoel fiai» ú$
gnaes de. ncoossidade com tiros de peça., c as Vigias da
Costa ftaviao avisado o Marquez de Espinar; Capitão Ge»
neral da Gallizá, do lugar cm que as Náeesufgírííoy.man-f
dou esto a- grande pressa- três bâtcos com orilotof Mor
António dei Castro, e outras Práticos; para k repartirem
pelos navios; a que assim se fez» Declarou o Piloto Mor,»
que os navios se perderiao, se os colhesse a agua áa
vasio naqiuella srtiiaçáo; e D. Manoel dtStercirinou , que
se governasse tudo pelo que dissesse. Mandou o Htspa»
hhol picar logo a a marra ^ e imitando os outros naVios a
c«m manobra^ se fiaerao todos á vela , e. com vento S.S.-E&
se ferrão affastando da terra; mas sobrevindo" depottgran?»
de cerração, cOm pezados aguaceiros; do Sul, e do.&fi.',
assuscarão-se os Pilotos Portugueses;, ainda que o-rPiloto
Mor promettia tomar Porto com todo o tempo ; e com
cffeiroy depois de fazer alguns bordos; achatido^easo-
taveato- da abra da Corunha, commetteo a en:rad:t do
Ferrol (ná latitude de 43o a8y,e longitude ov^ rou. )\
-.-.... -.» ■••■•« ..»
(1) A Twte dí tíétrufe*' he quatWa , c nrohto alta, e teta 'Hoje
i&cbl y dise».- lwn» naiito da Cidadr. da- Gorunlia.
ÒL U
252
oonsentináo-ò D. Manoel ; e a pezarda escuridão da noi
te, e do tempo tenebroso que corria, metteo a Náo a
salvo naquelle Portot,^' ' - \'\*i> »■ ,-:" ■
No dia 7 fèz-se huma conferencia na Coronha na
Palácio do Capitão General D.João Fajardo de Gue»a-
ra, Marquez de Espinar, a que assistio este, o Chefe
das Náos da índia Vicente de Brito e Menezes, Fidal
go de setenta annos, os Commandantes dosGaleÓes Sío
José, e S. Filippe, Capitão Domingos Gil da Fonceca,
que D. Manoel mandou como seu delegado, e Custodio
Fernandes Freire, Commissario encarregado das despe-
zas da Esquadra. Assentou-se, que as Náos passassem
para o Ferrol , a fim de sahirem dalli com os reatas
Kortes; o que não podião fazer da Corunha.
No dia seguinte recebeo o Marquez de Espinar hu
ma Ordem d*ElRei (que communicou a D. Manoel)
para que a Esquadra esperasse pela do General Ri vera,
que devia reunir- se a ella , por haver noticia de andar
naquelles mares huma grande Esquadra Ingleza. Com
esta novidade arrearão os navios rnastareos, e vergas y <
se amarrarão, melhor.
ff. No dia r8 entrou na Corunha o Almirante Antó
nio Moniz Barreto. "- ■•'•':'• ■• •
A 15* de Dezembro ehegeu hum expresso de Madrid
á D. Manoel, para ir á Corunha , e ter huma conferen
cia com o Marquez de Espinar, o Almirante Moniz
Barreto , e os Pilotos , para executar o que se vencesse.
Cumpre advertir, que o Marquez era interessado em que
as duas Náos da índia descarregassem na Corunha; o
Chefe destas Náos tinha o mesmo interesse, esperando
despachar as fazendas com maior vantagem ; e o Almi
rante queria de todos os modos sahir para Portugal, a
fim de se attribuir a brevidade da volta á sua activida
de ; o que D. Manoel conhecia perfeitamente.
Chegou este á Corunha, e hospedou-se no Palácio.
253
do Marqnez. Assentou-se na conferencia, que não se
esperasse pela Esquadra de Rivera , e que todos os na
vios sahissem da Corunha, e ancorassem a Leste do For
te de Santo António em franquia , e esperassem que o
vento rondasse para o Norte, ou Nordeste, com o qual
D. Manoel sahiria do Ferrol, c assim juntos navegarião
para Lisboa; mas que no caso de terem ventos marei-
tos, entrassem no Ferrol.
Recolhco-se D. Manoel de Menezes ao Ferrol na
tarde de 19, mandando apromptar os navios para a sahi-
da. Os ventos erao variáveis, e bonançosos, e o tempo
muito claro , o que aúgmentava em todos o desejo de
sahir. Como das montanhas , que cercão o Ferrol , se
descobre a Corunha, que fica distante duas léguas, es-
tabeleceo D. Manoel huma vigia para saber os movi*
mentos dos navios naquelle Porto.
A 21 de tarde, havendo hum pouco de vento S.E. ,
que era bom p.ira sahir da Corunha , porém não pa
ra navegar, se fizerão os navios á vela. A Náo de Pe
dro de Anaia, chegando ao lugar que estava ordenado,
carregou o panno, e deo fundo. Vicente de Brito, e o
-Almirante, querendo aproveitar-se da variedade do ven
to , que ao pôr do Sol se fez E. S. E. , forão costeando
a Torre de Hercules, e sahírão ao mar, contra o que
se tinha assentado; isto com tal precipitação, cpje não
levavão arrumados os mantimentos, e aguada, e até dei
xarão em terra algumas cousas essenciaes.
Na manhã do dia seguinte não se descobrio navio
algum, e D. Manoel, determinado a sahir a todo o ris
co, fez ajuntar vinte e dois barcos, e levado por elles
a reboque, chegou a bocca do canal do Ferrol, para sahir
com a maré; e ainda vio surta a Não de Pedro de Anaia,
a qual dava tiros, c depois se fez á vela. D. Manoel
tinha enviado hum barco com Práticos para trazerem os
navios ao Ferrol, o que não teve effeito pelo escuro da
25»
noite, e omaçrro que sobreveio. Nesre tempo passou o
vento ao Sul , e S. S. O. bonançoso, e rebentou o rebo*
qoe , por cuja causa a Náo deo fundo a- hum ferro. De
tarde erfrrárão arribadas muitas embarcações, que rinhlo
«aludo d* Corunha dois dias antesu D. Manoel. conser
vou se fundeado, coar -o mesmo vento, resoluto a sahir
na' primeira mudança favorável.
A 24, ac.ilmando o vento, veio huma aragem do
Norte-, que promeuia pouca duração ; e nesse dia rece-
beo D. Manoel huma carta do Marquez de Efpinar, em
que llie participava, que na hora da par ida dos navio?,
aununciando o vento alguma vantagem , se resolvera pe
lo maior numero de votos Cem que entrara o seu), que
«e não. perdesse tempo: em sahir, a pezai- do que estava
assestado .
No dia 2e quasi se amotinou a gente- a- bordo da
Capitanea (entrando na- murmuração até pessoas, nobre?' ,
por não subirem cia 11 i , e D. Manoel sefes á: vé4a ajo»
«lado do-.reboque de alguns barcos, escrevendo a EiRei
xodaa as- circunstancias: daqucllc aconteci mento -j e con»
sloia » soa -.Carta: com estas paJa-vras : Com tudoy Senhor,
fvr> seguir azsUs- cegos, me vou /ferder com elles\ jtel-
gaodm ser' assim -mjr.or servifo de V. Magesíade , e
haura minha, do. qus<-escafar para ouvir a sum triste
<sorte, e dar a, V. Magaíane (ainda que sem culpa.)
•tiò ruim conta. das. Armas que me encarregeu.
• Gastou D. Manoel a maior parte do dia em saàir
do canal , e quasi ao Sol posto se achou no meio da
caseada , com algumas bafagens do N. E. , vendo--.'
para o S. O. hum. paredão, qn* subio com a ausência
do Sol. Aesim navegou, até i.- meia noite, com- a proa
a. O; S-. O., que. acalmou a aragem do jS.E. , e come
çou a* ventar. Sút, e S.lO. tão rrj©,. que algumas embar
cações mercantes sahidas. com cllcr, axribárão na rmartna
seguinte, para a mesmo. Roriau O vento,.eoaiarrcrcsiiào
-fi-fró

ctéa^wr-mais, e »D. Manoel virou ao bordo do S.E.-,


por mo cahir -para o Norte. .
Na manhã de *g vio Gabo jRcior (na latuude 42,"
a^', e longitude 16o 17S), e achou-se }á a sotavento do
Ferrol , por se fazer o vcmp Sul toauentoso,, e náo ter
aturo bordo, -que o do.SrQ. , .
No dia 29, acliando->se em 45-" de latitude, a sota-
irento de todos os Portos de Hcspanba , e crescendo p
rente, e-o war a cada momento de maneira,. que os ho-
rteni mais experimentados na Navegação, dizião que
jtinea tinhao visto mais terrível rempo, resólveo D. Ma-
jod ir buscar a)gum abrigo pelo Canal de .S.Jorge: em
ronsequeocia eorreo para o Notte, e algumas horas de-
5ois abrandou ro vento.-, JJeterminou-se então a -capear-,
fsperando melhor teaipo»^ pôz-ae áacapa em traqueje
irreado no bordo do N. O-, com -vcwo S. O. , e gnaodie
nar. Na noite de 2 de Janeiro de 1027 .cahio hum raio
ta .toida.,- que. maltratou. ,tpeze houtena. No dia -seguia-
e ■encontrou a Náo de Pedro de Anaia em txaquete ao
>ordo do S. E.; e fazendo-ihe sigual de reunião, mo
ibedeeao.
. No dia 4, <e»tando era 46o 30' de latitude, sem
speranças de resistir, ao temporal , por -se achar a Náo
fo aberta , que vinha já arrochada com viradores , sen
ianno , nem fio de rela para concertar o que-esitava co-
3 . »ssentoa-fse lein eBCrar no Canal da Mancha , para
uscar olgum abrigo em qualquer Enleada ; mas -passa»-
o -.o .reato ao' Sul com mui tis? ima força , íe^uio-se 10
ordo do SjO. , - paca iugir; .da tenra , e ganhar distancia
aira Oeste. ... • •». -. . ...,•#■ _„ \ ■ - .-■>
Na tarde de 5 amainou o vento, e vio-se otGa-
áo.S. José, ecn<qbe vihfia a maior parte vò»s -Fidalgos
a íEsqinwira. Pôirse D«; Manoel ,á «apa- a esperar vo
a leão ; ie por isso.abrio mais agua. Chegado á falia ,
uiíuiiaou D. .António .de Menezes , de que a Náojdo
256
Vicente de Brito se apartara delle naqtiella madrugada ,
indo mui destroçada no bordo do S.E. De noite augraen-
ròu o vento, e scparou-seo' S.José.
No dia o achava-se:D. Manoel em tfc. jo' de la
titude , e -no estado mais miserável. Os mantimentos
estavão perdidos, e só restava algum biscouto. c vinho.
Os Soldados andava© riiís , e descalços, porque se em
barcarão sem saber que havião passar o inverno no mar.
A 3gua , que fazia o navio, não podia venecr'se>, por se
adiar só -huma bomba em termos de trabalhar-, todas
as curvas, e trincanizes estavão aluídos; o mastro gran
de cahta nos balanços para hum, 6 outro lado, por se
não poder atezar a enxárcia; e o mastareo de gavia par-
tio-se pelo meio , e na queda espedaçou a véía grande.
As vagas erao tão altas ; que is vezes rebentavto no
corivez, e arrebaravão os homens pelos «res; e os ba
lanços tão grandes, e amiudados, que os marinheiros
não se podião segurar nas gávias , e alguns cahíráo »o
mar, ou dentro do navio. Os- fogões, desde o terceiro
dia d» sahid* do Ferrol , nllhca mais se poderão accen-
der. Toda a gente andava desfallecida , e desfigurada
de1 fome, de frio ^ e de vigílias^ e todos desesperados
da vida ; de maneira, que sendo huma noite necessá
rio ferrar a mezena , sobírão á verga o Mestre, velho
de setenta a nnos , e seis, ou sete Fidalgos moços, que
•acudirão áquella faina, sem que violências, nem ad
moestações pudessem incitar os homens a trabalhar. D.
Manoel, que poucas vezes ouvia os Ofticiaes de Náu
tica (os"prírnejros em subtrahir-se ao trabalho), estava
constantemente de vigia , e algumas vezes governava ao
leme. ' , ' i'i''7 '-> »'r',"n!" ? ">b *■
No dia ri estava D. Manoel em 44o de latitude
estimada , porqee desde ò princípio da tempestade ao
hum dia se pode observar o Sol com o Astrolábio, e
nunca com a Balcstilha : todos os pontos se fazião pouco
257
a Oeste de Cabo Prior (i). Navcgou-se ao Su! , e áe
Mrde não se vio terra. Nesta época já tinha naufragado
toda a Esquadra na Costa de França, de S. João da Luz •
para o Norte, á excepção do navio S. Tiago, que cor
rendo a buscar a terra cora vento Oeste ao rumo de
E.S.E. , teve a fortuna de tomar o pequeno Porto de
Guetaria, na Biscaia (em latitude de 43o 19', e 16° 3'
de longitude), onde surgio, e sendo prompramente soe-
corrido dos moradores, alli ficou seguro; e voltando de
pois para Lisboa, combateo na barra com quatro navios
Hollandezes, de que escapou, e entrou no Tejo a salvo.
O navio S. Christovao encalhou era a noite de dez de
Janeiro em hum banco de arêa longe da Costa, escapan
do sò três Portuguezes, hum Negro, e hum índio. No>
dia antecedente naufragou o S. João. Havia o Alfereg
António Raposo, Ofiicial intelligente nas cousas domar,
prevenido huma jangada, na qual se metteo com alguns
marinheiros escolhidos, pondo no raeio o Almirante, que
levava hum filho nos braços; e indo já no rolo da praia,
onde o mar andava coalhado de madeira, veio huma la
ta cheia de pregos, e encapellando sobre a jangada , se
revolveo de maneira, que hum dos pregos atravessou a
garganta ao Almirante, eo matou, e a seu filho, sem
que mais alguém fosse ferido; e todos desembarcarão a
salvo. Os seus ossos forao depois trazidos a Portugal, é
depositados no Convento da Madre de Deos de Xabre
gas* ' . .■
- No mesmo dia 9, e a pouca distancia do 5. João,
naufragou o S. Filippe, mas cora a fortuna de r achar
huma abertura, que o mar tinha cavado na arêa; edan-
3o huma pancada , deitou o leme for.1, e encalhou direi-
• ,-• ... • .• ■ ;>■..« •• ,--,j
.;■;••■ . . -. • •• ■•;■ i -■' *■! ■■-!'
fi) D. Manoel de Menezes tinha bum erro pata Leste na sua Ipngi-
utíe i de 6o 2%', que liàquelle parallelo 'são perto de cemlegiup, que
»ntas je> julgava apartado d» Certa. •'■'■'] ■ '• '-•'• : -•''.
Tomo II. 33 '
268

to, e o leme foi cravar-se na praia a alguma distancia.


Dcitarão-se ao mar alguns bons nadadores para irem
amarrar hum cabo no leme, empreza que cuscou a vida
a alguns deiles, por ser preciso atravessar a floreação do
raar; porém Félix Teixeira, natural da Madeira, con-
seguio amarrar o cabo, e por elle desembarcarão rodos,
morrendo vinte e três pessoas, que antes de tempo se ha-
vião lançado ás ondas. Dos navios S. José, e Santa He
lena morreo quasi toda a gente; e da Urca escapou a
Commandante com alguns homens.
Na noite de 13 passou o vento a Oeste com tanta
força , que D. Manoel correo com elle em popa com a
vela grande, por não ter já outra inteira; e ao amanhe
cer de 14 appareceo pela proa huma terra alta, e tão
Eerto, que apenas houve tempo de deitar o leme a esre-
ordo; e vindo o navio de ló, escapou de fazer-se em
pedaços em hum grosso penhasco, que mal se distinguia
com a escuridão, e alguns cuidarão ser o Cabo de Finis
Terrae. Tão alheios estavão de suspeitar a verdadeira
posição da Náo! Continuarão a correr ao Nordeste, e
Lcsnordestc, e depois a Les-sueste. A cerração era tal,
que da popa não se via bem o que estava na proa. A fi
nal enxergou-sc huma Enseada , que pareceo a todos a
da Corunha , e pozerão-lhe a proa. Amotinou-se a ma
rinhagem contra o Piloto , gritando que era melhor va
rar no areal, do que commetter aquella abra, que se via
cercada de penhascos: seguirão por tanto o rumo de Les
te, e ao meio dia virão hum Patacho pequeno, ou Za-
bra, a que de h.ildc rizerao signaes para esperar. D. Ma
noel mandou, que o seguissem, quando se descobrio ou
tra ponta de terra para o Norte, que já não podia mon
tar , e vio que o Patacho , estando hum pouco soraven-
teado do Porto , que buscava , investio com hum areal
que estava fronteiro, e como era embarcação pequena,
encalhou no rolo da praia ,. onde te fez em pedaço*,
259
saVando-se porém toda a gente (í) , graças aos soccoN
tos que lhe derao os habitantes, que cobrião as praias,;
e por acenos mosrravão onde o Galeão devia dar fun- ;
do, o que D. Manoel fez a dois ferros, no que houve :
alguma demora, de maneira que sondando primeiro era
quinze braças, surgio em nove, e de terra lhe acenarão,
que cortasse os mastros. Erão duas horas, e cortarão-se '
com effeito os mastros, que pela confusão própria de se
melhantes acontecimentos, ficarão presos pelas enxárcias-
de sotavento, e com a resaca davão terríveis pancadas
em a Náo , custando muito trabalho, e algumas vidas o
ssparallos. O mar era tão cavado, que estando o navio'
na baixa-mar em seis braças, tocou quatro vezes , e dei
tou o leme fora, fazendo muita agua. Tratou-se logo de
desfazer as obras mortas, com bombas, e gamotes, a fim
de evitar que fosse a pique sobre as amarras.
- Ainda ninguém sabia que terra era aquella , só pelo
trajo se via que era gente estrangeira a que andava pelas
praias. A noite foi bonançosa, e passouse a bordo huns
em fazer confissões, e testamentos, outros em construir
jangadas, e todos cheios de terror, menos D. Manoel,
de que deo huma admirável prova; porque estandorrm»
dando de vestidos , tirou d'entre alguns papeis hum So
neto, que Lope da Vega lhe dera ultimamente em Ma
drid, e se pôz a fazer delle huma analyse critica na pre
sença de D. Francisco Manoel, explicando-lhe a diflè-
rença entre o Pleonasmo e a Acyrologia, com huma
presença de espirito sem igual.
Pela manha vierão a bordo muitas embarcações, e
então soube D. Manoel que estava em S. João da Luz.
Embarcou elle em huma lancha, em que o veio buscar
(i) Esta Zabra era a Santa Arma , commandada pelo Capitão de
Infanteria João .Marim, e pertencia a huma Esquadra Hespanhola de vjn»
tfe'Zabras, em que- D. Alonso de Idiaquez passava a Flandres com tropas,
« dJnlie iro ; e toda naufragou naquella Costa. ' '
33 ii
260

Mr. de Aranader, hum dos Regedores da Cidade, Ie-


vaHdo corasigo o Estandarte Real (i). Forão desem
barcando outras pessoas, e D. Manoel, chegando a ter
ra, expedio mais embarcações, mas virando a maré, se
levantou de novo muito mar, e vento, e o Galeão co
meçou a dar grandes pancadas , tendo já o porão cheio
de agua: os barcos não se podião conservar atracados a
elle , e apenas hum recebia duas, ou três pessoas, lar
gava para fora , o que induzio alguns homens a deitar-se
ás ondas, que os sorverão logo. Dando então hum gros
so mar no Galeão , lhe faltarão as amarras ; hum secun
do mar o encostou sobre hum banco do recife, e num
terceiro o sumio de todo, morrendo perto de trezentas
pessoas aífogadas.
Todos os habitantes, sem exceptuar as Senhoras mais
recatadas, acudirão á praia a recolher os vivos, e os mor
tos, levando aquelles para suas casas, e conduzindo es
tes em noventa e seis carros para o lugar da sepultura,
que se lhes deo com piedosa , e honrada decência. Será
mais difficil igualar, e impossível exceder a caridade,
que os Francezes praticarão com os naufragados, não só
em S. João da Luz , mas por toda a Costa em que a
Esquadra se perdeo. Em agradecimento de tão generoso
comportamento, consultou a EIRei o Conselho de Por
tugal, para que ordenasse, que os navios, e Commercian-
tes daquellcs Portos não pagassem mais direitos dos gé
neros, em que traficavão com Portugal j ou se lhes con
cedesse ao menos essa franqueza por alguns annos, o
que EIRei não approvou.
Empregou-se D. Manoel com grande desvelo 'em
reunir a gente naufragada da sua Esquadra, e tudo quan
to se podesse delia aproveitar j e salvou-se muita aro-

(1) D. Manoel de Menezes, e D. Francisco Manoel difúrem nos mb


Itlatorios} eu segui pela maior paite ao primeiro.
261
lheria , que toda ficou em França , por se não mandar
buscar a tempo, e sobrevir depois a guerra entre as duas
Nações. Elle regressou a Portugal, já enfermo de me-i
lancolia, e falleceo em 28 de Julho do anno seguinte. Jaz
sepultado no Convento da Madre de Deos.
Esta foi a maior perda, que Portugal soffreo depois
da jornada d'ElRei D. Sebastião ; porque além das duas
Náos da índia, que vinhão importando em três milhões,
perecerão outros cinco navios de guerra, e mais de dois
mil homens, a flor da Marinha Portugueza, entre elles
grande numero de Fidalgos das primeiras Casas.
1627. — A 5: de Abril (1) partio de Lisboa para a
índia a Não Calvário , Corumandante João de Siqueira
Varejão; e o Patacho Guia commandado por Lourenço
Mózinho Barba , o qual na torna-viagem pelejou com
três navios Hollandezes, aos quacs se rendeo estando já
incendiado; ficou prisioneiro o Commandante, e os que
escaparão do fogo , e do combate. Estas duas embarca
ções entrarão em Goa a 7 de Outubro.
A iy de Novembro sahirão de Lisboa quatro Ur-
cas de soccorro para Malaca, commandadas por Domin
gos da Camará, embarcado na Urca Nazareth ; e os ou
tros Commandantes Julião Paes, no Santo António; D.
Gil Annes de Noronha, na Conceição; e Duarte Paça-
nha de Abranches, em outra Urca chamada também Na
zareth. A' excepção de D. Gil, que foi ás Ilhas de Que-
" rimba , e destas a Cochim : as outras forão em direitura.
a Malaca. - <
1627. — Neste anno tornarão os Hollandezes á Bahia,
de que era Governador o Capitão General do Brasil Dio
go Rodrigues de Oliveira , mui conhecido nas guerras
de Flandres (2).

CO Faria, Ásia Portugueza. — Epilogo de Pedro Barreto.


(2) Brito Freire, Liv. 4. — Southey , Historia do IrasiJ, Tomo i«
261
A 1 de Março haviao dal li- saíiido para Portuga!
dois navios, que avistando huroa Esquadra Hollandeza,
tornarão a entrar ; com . esta noticia tomou o Governa
dor as medidas necessárias para se defender, segundo
os meios disponíveis que tiniia. Achavão se ancorados
defronte da Cidade dezesete navios mercantes, quatro dos
quaes erão Hamburguezes : ordenou o Governador, que
se abicassem na praia á sombra, dos Fortes da marinha,
para que os inimigos os não tomassem; o que mui pou
cos poderão fazer, pela brevidade do tempo; e alguns,
que crão maiores, receberão guarnição de Soldados, e
pozerão-se em estado de resistir. Lcvantou-se também
huma nova bateria na praia, que protegia o ancoradou
ro; e montarao-se outras peças nos pontos mais vanta
josos ; as tropas tomarão as armas para atacar os inimi
gos . se intentassem desembarcar.
No dia 4 entrou na Bahia a Esquadra Hollandeza,
commandada pelo Almirante Meyne, com treze navios,
formada em linha de batalha , amuras a estebordo, sen
do testa de columna o navio do Almirante. Seguio a
Esquadra o bordo até á ponta de Tapagipe, onde virou
por davante por com rama rch a, c veio fechada á orça ,
cingindo a terra de táo perto, que se metteo entre os
navios ancorados; cobrindo-se assim com elles do fogo
das baterias da Cidade, que até aili soffreo na passa
gem , as quaes agora deixarão de atirar com receio de
maltratarem os seus próprios navios. Estes fizerao pou
ca resistência, como era de presumir em taes circunstan
cias , e foi a pique hum dos Hamburguezes. Cortarão
os Hollandezes as amarras a todos, e a reboque das suas
lanchas, e escaleres os levarão para o largo, não sem
perda de gente.

Cap. 14. — Minoria da Guerra do Brasil, etc. de Fr. João ds Sunz


Thetcs», Parte 1. Liv. j.
263
Porém o Almirante pouco satisfeito desta brilhan
te acção, devida á sua magistral manobra, quiz bater
a Cidade , e no meio da estrondosa canhonada , que de
parte a parte se seguio, aproximou-se tanto á terra, que
o seu próprio navio varou era huma restinga. Aqui foi
a maior fúria do combate , porque todas ás baterias da
marinha, que ficavão a alcance, atiraváo ao navio enca
lhado, tanto para o destruir, como para evitar que fos
se soccorido, e posto em nado; e a Esquadra Hollande-
za , por huma razão inversa, dirigia o seu fogo a fazer
calíar as baterias, para salvar o navio do seu General.
Durou esta porfia o resto da tarde, e toda a noite até
pela manhã , que os Hollandezes tiverão a barbarida
de de atar por fora das enxárcias os prisioneiros Portu-
guezes , cuidando que a Cidade cessaria por isso o fogo.
Desenganados disso a final, abandonarão o navio, e O
Almirante içou a sua bandeira em outro. Pouco depois
voou pelos ares o navio do segundo Commandantc da
■Esquadra, perecendo em ambos elles mais de trezentos
homens, alem dos que morrerão nas lanchas, que rebo
carão as presas , e nas que acudirão ao naufrágio. Na
Cidade foi insignificante a perda de gente.
Surta a Esquadra Hollandeza fora de alcance das
baterias, mandou Heyne queimar os navios apresados,
exceptuando quatro , que remetteo para Hollanda carre
gados de assucar (tomarão-se a bordo das presas três mil
caixis), e outros quatro armados, que aggregou á sua
Esquadra. Por ultimo, tendo enviado Parlamentai ios
por duas vezes á Cidade, onde o Governador os não
deixou chegar, sahio da Bahia no i°. de Abril, largan
do quarenta e cinco prisioneiros em huma embarcação
àe Angola, que tomou carregada de escravatura, Suspei-
tou-se, que a sua demora procedera de aguardar algum
reforço de Hollanda , com que tentar alguma empreza
de outra espécie t porque nos porões dos dois navios
26«
perdidos se adioli mtítâ artilheria , e grande quantidade
de armas., e ferramentas de campanha.
Conservou-se elte ainda cruzando na Costa, em que
■fez algumas presas j« no dia io de Junho veio segunda
yez Hirgir 'tta Bahia; e observando que alguns navio?,
que -estavão no Porto', se rnattiao por hum rios Rios ào
Recôncavo, os segiiio comdoÍ9 Patachos, e muitas ísn-
cluis' armadas por espaço de seis léguas, onde tomoa
lium delk-Sj depois de hum combate com a gente do
Paiz, no qual acabou. o Capitão Francisco de Padilha,
celebre por haver mõrtO ao General Hollandez Vandort.
' Dilafou-se- Heyne ancorado na Bahia até 74 de Ju
lho , sem fazer Outro damno, e rlalli partio para as ín
dias Occidenraei: sobre o Porto de Matanças atacou, e
tomou a Frota Hespanhola commandada por D. João de
•Benevides* com dez milhões a bordo (outros dizem quin
ze); cora cuja presa se recolheo a Hollânda.
1Ó28C —- A Esquadra da índia (1) constou este ann©
de três Náos; nella foi D. Francisco Mascarenhas, no
meado Vice-Rei, embarcado em a Náo Bom Despacho,
»da qual elegeo Commandantea Lançarote da Franca de
Mendonça : os outros dois Commandantes erão António
Pinheiro de S. Paio, no S. Gonçalo; e o Alferes Mór
,D, João; de Menezes, que hia por Chefe de Esquadra,
no RosaPio;' H ."•*■ ^i:'-'fu- ;
»:•■! 'Sâhío o Vice-Rei a 10 de Abril , e arribou para.
Lisboa , onde desembarcou- preso , por mandar justiçar
nesta volta a- hum homem de qualidade, que achou cul
pado de peccadonefândOi Com elle arribou a Náo Sso
(Gonçalo; de modo que só passou á índia D. João de
■Menezes", que" entrou- em Goa a 2c de Novembro.
1628. — Continuavao os Hollandezes a infestar as
Costas'. do Brasil, sobretudo da Bahia, e Pernambuco.

,.(j-): Faria", Ásia Portugueza; —• EpiJogo.de Pedro Carreto.


266

Hum dos seus hábeis marinheiros chamado Corneliojol,


a quem os Portuguezes davão o nome de Pé de Páo, ap-
pareceo naquellcs mares com huma Esquadra ; e tendo
noticia, que acabava de sahir da Bahia para Portugal a.
Náo Batalha, Commandante José Pereira Pinto, que alli
aportara vindo da índia ricamente carregada, a seguio,
e alcançou, porém ou achou grande resistencia, ou as
circunstancias do tempo a favorecerão, a Náo continuou,
a sua viagem ; e elle no anno seguinte foi fazer hum
estabelecimento na Ilha de Fernando de Noronha ; o
que sabido em Pernambuco, partio a 19 de Dezembro
o Capitão Ruy Calaça Borges com sete Caravelas, e qua
trocentos homens, entre soldados, e marinheiros, para o
desalojar. Chegado de noite á Ilha, achou surto hum
ròvio Hollandez, que fugio, deixando a lancha com on
ze Hollandezes, e alguns Negros, que tudo foi tomado,
e destruídas as plantações de tabaco, e mantimentos que
esta vão começadas. ..;-'!
1629. — Em lugar de D. Francisco Mascarenhas (1),
nomeou EIRei para Vice-Rei da índia ao Conde de Li
nhares D. Miguel de Noronha , que sahio de Lisboa a
3 de Abril com huma Esquadra de tresNáos, e seis Ga
leões (que deviao ficar naquelles Estados ) , embarcado
em a Náo Sacramento, da qual deo o commando a San
cho de Faria da Silva. Os Commandantes das outras
duas Náos erão Francisco de Mello e Castro, que hia
por Chefe da Esquadra, servindo de Almirante, em a Náo
Bom Despacho; e António Pinheiro de S. Paio (que fal-
Jeceo na viagem), no S. Gonçalo, cuja Náo se perdeo
á vinda, junto ao Cabo de Boa Esperança, salvando-se
xnuita gente, e parte da riqueza que trazia. Comman-
(O Faria, Ásia Portugueza. — Epilogo de Pedro Earreto. — Vede
na Collecção dos Naufrágios das Náos da índia, a Viagem da Náo Born
>J>spacho , escrita pelo Padre Fr. Nuno da Conceição, que hia nella em»
.baleado. Lisboa 1651.
' Tomo II 34
366

darão os Galeões André Verbo ;~ no S. Bartholomeu;


Francisco de Sousa de Castro , rio S. Tiago ; Vicente
Leitão de Quadros, tio "Santo Estevão; André de Vas-
concellos de -Menezes , na Conceição; Pedro Rodrigaes
Botelho, no S.Francisco-, ie Luiz Martins de Sousa Chi-
chorro , no Santo António.
No dia 6 notificou-«e aos Commandantes , Piloro*,
e Mestres o Regimento d'ElRei, que mandava se não
separassem até á barra de Goa. A 16 entrarão nas tro
voadas de "Guiné. A 9 de Maio começarão os ventos
geraes; é a 12 passarão a Linha. A 17 montarão os
Abrolhos, levando já na Esquadra muitos doentes, e ten
do morrido alguns, cuja 'mortandade augmentou depois,
excepto na Náo Bom Despa«ho , em que só fallecêráo
dois PoPtuguezes , e alguns Negros; o que se artriburb
ao grande asseio, e limpeza da Náo, e a levar o Almi
rante muitos carneiros , que repartia pelos enfermos.
>• No r." de Junho virão a Ilha da Trindade (na la
titude Sul de 10o 19' 30", e longitude 347' 40' 40").
A 17 o Galeão Santo Estevão, que desde a sahida de
Lisboa fazia agua, começou â fazer muita , e assim con
tinuou até á altura de 35o, quea gente já não podia <om
«trabalho das bombas; por quanto, ainda que trazia
quatrocentos homens , havião muitos doentes , e foi ne
cessário que dos outros navios lhe mandassem gente pa
ra bordo. A final ordenou o Vice-Rei a Vicente Leitão,
que arribasse pára Angola, ou outro qualquer Porto, que
melhor podesse ; o que elle fez no dia 6 de Julho, levan
do muitos marinheiros dos outros navios, e muito dinhei
ro d'ElRei, e nunca mais appareceo. O Galeão São
Francisco rendeo nesta viagem o gorupéz, e o S. Bar-
tholomeu o mastro do traquete; avarias que se remedia
rão do modo possivel , com os auxilios que lhes deo o
Almirante.
A ^ de Julho ao amanhecer, achando-se setenta ie>
2*<Y:
goas" nõ mar da Aguada de Sarldanha , virão-se peTá po
pa quatro navios, que parecerão Hollandezes. O Vice-
Rei fez signal á Esquadra ; C virou sobre elles, e -depois
de muitas horas de cassa, ganhou-lhes barlavento, e en-;
trava-lhes muito. O Almirante adumtoú-se mais, incter
com grande força de vélà ; e prometfia já' boas »1 viçaras
30 seu Piloto, e ao seu Mestre, se podéspc abordar a
Gapitanea. Porém estando perto delia , de© d- Vice^Ret
hum tiro , e virou de bordo , o1 que executarão os outros»
navios; porque o Piloro Mor lhe representou, que se
perdia aquella occasiao de montar o Cabo de Boa Es
perança, se arriscava a perder a viagem. O Almiran
te, em vez de imitar a manobra, fez signal de que hia
abordara Capitanea inimiga; mas o V4ce->Rei' lhe re-
spondeo com hum signal de reuniio; e o Almirante virou
Ioga Este acontecimento produzia entre elles eerto odk) j
sendo antes muito amigos. Os quatro navios erão In-
glezes, e hião para Surrate, segundo depois se averi
guou.
Aid dobrarão o Cabo, e a í de' Agosto, na Cos
ta do Natal, sobreveio hum tufão, que partio os mas-
tareos de gavia ao Bom Despacho^ e ao Santo António;
e o S. Bartholomeu esteve quasi soçobrado: aos outros
navios não chegou. A rj virão a Ilha de S. Lourenço,
c navegando dalli para Moçambique, por má derrota do
Piloto do Vice-Rci, a sua Náo, e a do Almirante, que
hia na sua esteira , estiverao quasi perdidas na noite de
3.2 sobre o baixo de Mongicale, e forão obrigados a dar
fundo mui próximo delle; e nesta occasiao separou-se o
S. Tiago , que se foi perder nos baixos de João da No
va , salvando-se nelles toda a gente, e dinheiro; e dalli
cassarão a Moçambique.
Sahidos deste perigo , chegarão a Moçambique em
dois dias, e se detiverão dez dias. O Vice-Rei fez as-
6ignar hum Termo a todos os Commandantes de se não
34 ii
268
apartarem delle. Saliio a 3 de Setembro, e vio as Ilhas
do Cômoro a iç , indo a Esquadra reunida, menos os
Galeões Santo Estevão, € S. Tiago. Na noite de 20,
estanJo o Almirante três, ou quatro léguas a sotavento
do Vice-Rei à mudou este de rumo sem fazer signal , e
ao amanhecer não appareceo. O Almirante, julgando
que o levava pela proa , segundo lhe disserão os outros
navios , fez toda a força de vela , e chegou a Goa oiro
dias primeiro que elle. O Vice-Rei, entrando em Goa,
o mandou prender, e ao Piloto, e Mestre; e forao ab
solvidos por sentença. Mas por causa desta prisão, que
foi dilatada, não poderão assistir ao fabrico, e carrega
ção da sua Náo para a torna-viagem.
Levava o Almirante huma Provisão Regia para po
der escolher navio, em que regressasse ao Reino, a quaí
o Vice-Rei não quiz cumprir, e assim lhe foi forçoso
tornar no Bom Despacho. Adiante direi o que lhe suc-
cedeo.
1629. — A Companhia Hollandeza das índias Occi-
dentaes , resoluta a eraprehender a conquista de Pernam
buco, pela julgar mais fácil que a da Bahia, armou es
te anno huma poderosa Esquadra (1) de cincoenta e qua
tro navios , e algumas Pinaças , de que nomeou General
em Chefe a Henrique Loneq, por seu Almirante a Pe
dro Adrian , e General das tropas o Coronel Theodoro
Wardenburg , excellente Engenheiro. Esta Esquadra le
vava perto de sete mil homens , entre soldados , e mari
nheiros.
Sahio a Esquadra por Divisões de differentes Portos
da Hollaoda , com ordem de se reunir na Ilha de S. VI-
(1) Brito Freire, Liv. 4. — Sothey, Historia do Erisil, Tomo i.
Cap. 14. — Memorias Diárias de Ja Guerra dei Brasil, por Duarte de
Albuquerque Coelho , Madrid 1654. — Fr. João José de Saota Tbe-
resa, na. sua Historia já citada, Parte 1. Liv. j. — Castrioto, Parte t.
Liv. 4.
2G9
cente de Cabo Verde. A Companhia lisongeava-se de
conservar assim o segredo da Expedição; porém a Cor
te de Madrid recebeo avisos de Flandres, de que o seu
objecto erão Pernambuco; o que logo participou ao Ca
pitão General da Bahia, para que se acautelasse, na du
vida de que também o poderia ser aquella Cidade. Dio
go Luiz de Oliveira fez preparativos para defender-se,
e enviou o Sargento Mor Pedro Corrêa da Gama a Per
nambuco, a fim de reparar, e augmentar as fortificações
de Olinda , Capital da Província , que ou estavão na ul
tima decadência, ou não existião.
Quando chegou a Madrid a noticia da força, e des
tino da Expedição Hollandeza , achava-se alli Mathias
de Albuquerque, que havia pouco chegara do Brasil, de
que fora Governador, e Capitão General; e como era ir
mão de Duarte de Albuquerque Coelho, Donatário de
Pernambuco, o nomeou EIRei com titulo de General
para acudir áquella Província , levando instrucções para
fortificar Pernambuco, e as Praças do Rio Grande do
Norte, Parahiba, e Tamaracá; sobre cujos vastos Pai-
zes se estendia a sua jurisdicção no pertencente á guer
ra.
Passou a Lisboa Mathias de Albuquerque; e a pezar
dos seus protestos, e representações, apenas obteve numa
Caravela com vinte e sete Soldados, e poucas munições,
na qual partio a 12 de Agosto, em conserva de outras
duas, que levavao munições a outros Portos do Brasil.
Chegou a Pernambuco a 8 de Outubro, d*onde ex-
pedio logo para Portugal dezoito navios, que estavão car
regados. Achou o Recife quasi sem fortificações, e até
destruídas as que elle construirá 110 seu Governo. A tro
pa consistia em huma Companhia de moradores de cem
homens. A Villa de Olinda, de quasi três mil visinhos,
tinha de guarnição três Companhias de Soldados, som-
maodo cento e trinta homens, das quaes erão Capitães
270

António Pereira Themudo, Martim Ferreira da Ca mar»,


e Francisco Tavares j e quatro Companhias de morado
res com quinhentos e cinco homens , huns e outros sem
disciplina, e quasi sem armas; a artilheria pouca, e as
carretas pela maior parte inúteis, e nem hum só Artilhei
ro.
Aqui soube da oceupaçao da Ilha de Fernão de
Noronha peles Hollandezes, e fez a expedição que arraa
mencionei. Tratou com todo o desvelo de reparar as
fortificações antigas de Oliuda, e do Recife, e de ac-
crescentar algumas novas trincheiras nos pontos mais ex
postos ao desembarque dos inimigos.
1630. — A Esquadra da índia (j) foi este anno de
duas Náos, o 'Santo Ignacio de Loyola (que á vinc\a sâ
perdeo na barra de Lisboa), na qual hia o Chefe D.
Jorge de Almeida; e o Calvário, de que era Commaa-
dante Christovao Borges Corte Real.
Sahírao de Lisboa a 18 de Abril, e entrarão juntas
em Goa a 30 de Setembro.
1630. — A 4 de Março deste anno partio de Goa
para Lisboa o Chefe Francisco de Mello e Castro, em
a Náo Bom Despacho. Vinha a Náo mui sobrecarre
gada , e inclinada para bombordo, porque dizia o Con-
tra-Mestre (que dirigio a carregação) que isto era bom
para aguentar melhor a vela , em razão de dever ir na
viagem quasi sempre amurada por bombordo (z~),
O Vice-Rei veio naquelle dia a bordo, onde entre
gou as Vias ao Chefe, e mandou largar a Náo, não
obstante representar o Mestre, que ella não se achara
em estado disso. Sahio a Náo, levando debaixo da sua
bandeira as Náos S. Gonçalo, e Sacramento. A 21 pas
sarão a Linha. A 18 de Abril, estando em 17o de la-

(1) Faria, Ásia Portugueza. — Epilogo de Pedro Barreto,


(O Vtedff a Caltecçáo dos Naufrágios acima citad*.
271
titude Snl , lhes deo o primeiro tempo , achando-se na
paragem do baixo dos Garajáos. Era isto de noite; vi
rou Francisco de Mello no bordo de Leste em papafi-
gos; e nesta singradura abrio cinco palmos d'agua.
A 8 de Maio, na altura de 28°, rendeo o gorupés,
que se remediou do modo possivel. A 23 , estando em
31" com vento S. O. tormentoso, e muito mar de proa,
abrio nove palmos de agua. Alijou-se ao mar muita fa
zenda. Arrombarâo-se os paioes, e entupirão-se as bom
bas, e por mais carga que se deitava ao mar da banda
de bombordo, nunca se endireitou o navio. Os Officiaes
aconselharão ao Chefe , que arribasse a Moçambique, o
que elle não quiz fazer.
A 12 de Junho, em 35"°, correndo a Costa do Ca
bo de Boa Esperança, sobreveio de noite hum temporal
de N.O. , com que a Náo abrio vinte e dois palmos de
agua ; e no dia seguinte, ainda que as outras duas Náos
estavão á vista, não pôde Francisco de Mello fallar com
elles; e julgando-se já sem remédio, correo em traquete
a meio masrro a buscar a terra para encalhar, indo ali
jando carga por ambos os bordos, e trabalhando de con
tinuo com bombas, e gamotes, com que deitavao fora
cada vinte e quatro horas mais de quatro mil pipas de
agua. No dia 14 não se virão as outras Náos. Fran
cisco de Mello não socegava de dia, e de noite, presi
dindo a todos os trabalhos, e trabalhando pessoalmente
como o ultimo grumete; c posto que até alli vinha mui
doente, recobrou inteira saúde.
A i£ virão terra, e não achando Bahia «lguma em
que entrar, continuarão a correr a Costa para o Cabo,
havendo-se assentado antes, que se a Náo abrisse mais
agua, alli encalhassem, e por terra passariao á Aguada
de Saldanha (hoje Cidade do Cabo), onde todos os an-
nos hião navios Hollandezes , aos quaes se entregarião.
A 24 , estando a 10 léguas do Cabo , sobreveio de
272

noite hum tempo; virarão no bordo da terra, tendo no


porão dezoito palmos d'agua , e forão entrar em huma
Bahia cinco léguas a Leste do Cabo (a Bahia Falsa),
em que estiverao sobre vela dois dias, calafetando, e to
mando as aguas que poderão, sem dar fundo.
Sahírão desta Bahia a 26, dirigindo-se ao Cabo; e
a 29, estando perro delle, sobreveio huma tormenta, com
que a Náo abrio vinte e dois palmos de agua, por estar
roda aberta pelos trincanizes , e desconjuntada. Arriba
rão para a terra , e á sombra delia abonançou o vento.
Andarão por aqui huns poucos de dias com \entos incer
tos, e calmas, chegando a estar a duas léguas do Ca
bo, onde outra tempesrade os fez desandar o caminho;
e a agua cresceo tanto, que todos esperayão ir a pique
naquelle bordo. Vierão na outra amura, 9. pezar de ro
do o risco que nisso havia ; perderão-se todas as velas, e
inutilizarao-se as bombas de modo, que se servírSo só
dos ga motes. Com a luz da manhã descobrirão huma
Bahia junto ao Cabo das Agulhas, da parte de Leste
delle, com três loguas de boca, e dentro com cinco, 00
seis de raco, e fundo de 19 a 30 braças. Aqui esrive-
rão em calma sem surgir, porque Francisco de Mello,
considerando os muitos requerimentos que lhe tinhão fei
to para que encalhasse, temia que o fizessem , se chegas
sem a dar fundo ; e assim entretinha a todos com boas
palavras, e os animava com ser o primeiro nos traba
lhos. A aguada do porão estava perdida, e só havia al
guma agua nos camarotes dos particulares, a qual se re
partia po» todos em pequena quantidade. Nesta Bahia
trabalharão por tomar as aguas por dentro, e por fura,
calafetando as costuras o melhor que era possível.
A 6 de Julho sahírão desta Bahia, e a 10 dobrarão
o Cabo; e assentou-se em conselho, que fossem a An
gola. A 12, estando em 32", lhes deo hum tempo do
Sul, que a pezar de ser em popa, fez a Náo dezenove
273
palmos d'agua , e esteve em grande perigo , porque ar-
rombando-se muitas vasilhas, ajuntou-se a madeira nas
escotilhas, c embaraçou os gamotes, e era forçoso an
darem os homens pendurados.em balsos fisgando os páos,
e passando-os de mao em mão , até que a final se conse-
guio laborarem os gamotes ; e deste modo forão até Ca
bo Negro, na Costa Occidental de Africa, onde, pela
bonança do mar, começarão, a vencer a agua. A 17, fal
tando de repente as ostages-da verga grande (parece que
nnquelle- tempo assim andavão as vergas dos papafigos),
cahio esta, e fez-se em três pedaços, sem ferir pessoa
alguma; c do pedaço maior, acerescentado nos laizes,
fizerão outra verga. A 6 de Agosto derao fundo em An
gola.
Neste Porto carenou a Náo-, e tornando a carregar,
partio para Lisboa a 5 de Abril do anno seguinte de
1631,, fazendo logo tanta agua, que até Lisboa nunca
as bombas cessarão de trabalhar. A 26 virão a Ilha da
Ascensão, a 7 de Maio passarão a Linha , e a 3 de Ju
lho ancorarão em Çascaes. No dia seguinte entrarão em
Lisboa , onde tratarão logo de descarregar a Náo; e fa-
zendo-Ihe vistoria , acharão no porão da banda de bom-.
bordo todos os braços quebrados , e trinta e quatro do
outro lado; quasi todas as curvas, dormentes, e váos
partidos , ou fora do seu lugar , bem como a maior par
te das cavilhas; e a Náo tão alquebrada, e deslacerada,
cuie nunca havia entrado no Tejo hum navio era simi-
lnante estado. ,
1630. — A Esquadra Hollandeza tinha sahido no an
no antecedente, como acima disse. O General Loòcq ,
com oiro navios, encontrou-se a 23 de Agosto á vista.de
Tenerife com huma Esquadra Hespanhola de trinta e
oito navios, commandada por D. Fradique de Toledo,
que passava ás índias Occidentaes. Os Hollandezes po-
zerão-se em retirada ; D. Fradique , e dois dos seus ria-
Tomo 11 35
274

vios que anda vão mais, chegarão a travar combate, mas


ao favor da noite escaparão os Hollandezes , e chegarão
á Ilha de S. Vicente a 14 de Setembro. Aqui se forão
reunindo as outras Divisões, e depois de fazerem agua
da, sahio toda a Esquadra a 26 de Dezembro (1).
A 9 de Fevereiro deste anno de 1630 chegou a Per
nambuco hum Patacho expedido pelo Governador das
Ilhas de Cabo Verde João Pereira Corte Real, partici
pando a força , e o destino da Esquadra Hollandeza , o
q.ue soubera por alguns prisioneiros Portuguezes, que elle
largara. Mathias de Albuquerque convocou logo rodos
os homens capazes de pegar em armas, assignando-lnes
os postos que devião occupar; e tendo feito sahir dezoi
to navios, que estavao carregados, como já mencionei >
ficarão ainda trinta e oito. Destes escolheo dezeseis, que
fez amarrar no Poço para defenderem aquelle ancora
douro, e preparou em geral todos para se queimarem,
sendo necessário. Na Barreta dos AfFogados, por onde
poderiao penetrar os Hollandezes com as suas lanchas ,
estacionou hum navio armado com dez peças, e cento e
sessenta homens ás ordens do Capitão Nuno de Mello
de Albuquerque.
A 14 pelo meio dia appareceo a E. N. E. de Olin
da a Esquadra Hollandeza, e até á noite se aproximou
pouco da terra. No dia seguinte estava defronte do Re
cife , e dividio-se em três Esquadras : a primeira de
dezeseis navios, e muitas Pinaças, e lanchas, em que em
barcou o General Wardenburg com a melhor pane das
suas tropas, difigio-se ao Rio Amarello, quatro léguas
ao Norte , verdadeiro ponto escolhido para o desembar
que. A segunda , de dois navios pequenos , e algumas
(l) Vede as Memorias de Duarte de Albuquerque já citadas, anão
de i6}0. — Brito Freire, Liv. 4. — Southe/, Tomo 1. Cap. 14. —
Fr, João José de Santa Theresa, Parte 1. Liv. j. — Cutrioto, hrac 1»
Ur. a,
275
embarcações miúdas , buscou a praia fronteira a Olin
da, na qual havião alguns intrincheira mentos. A tercei
ra , composta do resto da Esquadra , encarainhou-se ao
Poço, para atacar -as embarcações alli fundeadas; e dois
dos seus maiores navios ancorarão próximos á Barreta, e
começarão a bater o navio , -que defendia aqueJla passa
gem, o qual por ultimo mettêrao no fundo, assim como
•queimarão hum dos que estavão no Foço , -a cuja vista
•os marinheiros Portuguezes desampararão os outros.
Em quanto acontecia isto no Recife , achava-se
Marliias de Albuquerque no Rio Tapado, junto ao Pio
Amarelk), onde já havia .huma trincheira com alguma
gente , para se oppor ao desembarque dos Hollandezes ,
•que alli chegarão pelo meio dia ; e depois de reconhece
rem a posição dos Portuguezes, afastarao-se para fora,
como Te desistissem da empreza , levando os escaleres a
reboque as lanchas em que vinhlo as tropas.
Ou fosse enganado por este estrategema, ou porque a
grande canhonada, que se ouvia no Recife, persuadisse a
;Mathias de Albuquerque, que alli era o pont» principal
do ataque, elre largou o posto em que estava, deixando
nelle toda a gente, e partio a galope com quinze de ca-
^rallo para o Recife. Ao anoitecer desembarcou sem per
da o General Wardenburg da banda do Norte do Rio
.Doce; e formando das suas tropas três coluranas, com
quatro peças de campanha, fez partir as 'embarcaçôeB
em que viera , a fim de tirar aos seus soldados toda a
esperança de retirada, deixando só três Pinaças com qua
tro canhões cada huma , que hião costeando a terra pa
ra favorecerem a sua marcha; disposição summamente
judiciosa. Chegado á margem do Rio -Doce-, guiado
por hum Judeo, de alcunha o Papa-Roballos, que havia
-fugido de Pernambuco para Hollanda, ahi passou a noi-
te debaixo de armas.
Avisado Mathias de Albuquerque do que acontecia
■:■■> ii
276

no Páo Amarello, sahlo do Recife com a gente que alli


havia; e ás sete horas da manhã do dia 16 chegou i
margem do Sul do Rio Doce , que os Hollandezes não
podião ainda passar, por estar a maré cheia. Achava-se
elle com cem lanceiros de cavallo, quinhentos e cincoen-
ta homens de Infanteria , e duzentos índios frecheiros ;
mas quasi todos os Portuguezes erão moradores, e não
soldados. A pezar desta desigualdade de forças, as loca
lidades erao tão vantajosas á defensiva , que os Hollan
dezes seriao perdidos, se os Portuguezes mostrassem ago
ra a coragem , que mostrarão nas guerras posteriores ,
que sustentarão no Brasil contra aquella Nação. Mas
nesta occasião tudo os espantava, e confundia. Pelas dez
horas começarão os Hollandezes a passar o Rio, flan
queados pelo fogo das três Pinaças, que nelle entrarão;
fogo, que nenhum damno causava aos defensores, pdi
configuração do terreno. Bastou porem o estrondo des
ta artilheria , e huma descarga da Infanteria Hollande-
za , que matou quatro homens , para os Portuguezes se
recolherem aos bosques, ficando apenas cem homens cora
Mathias de Albuquerque, que foi com elles oceupar hum
entrincheiramento , que cortava hum dos principaes ca
minhos para Olinda , e nella rechaçou três vezes os
Hollandezes , que o assaltarão ; os quaes tomarão então
outro caminho, que os conduzio áquella Villa; e clley
reduzido a vinte homens, retirou-se ao Recife, onde fèa
pôr fogo á Povoação, aos armazéns do Commercio abar
rotados de géneros do Paiz, e aos navios que tinhão
alguma carga , cuja perda total se avaliou em mais de
quatro milhões. - Era o golpe mais sensível que neste
estado de cousas se podia dar aos cubiçosos invaso
res.
Occupada a Villa de Olinda , em que os Hollan
dezes commettêrão horrores, marcharão para o Recife,
Ç Úverão que ganhar, com bastante perda sua, o» dois

.
277
pequenos Fortes de S. Francisco, e S. Jorge, em que
consumirão até ao dia 4 de Março.
Mathias de Albuquerque retirou-se para os bosques
com todos os moradores de Olinda , e do Recife , e foi
tomar posição a huma legoa dos inimigos , onde con-
struio hum campo entrincheirado, a que chamou Arraial
do Bom Jesus, e dalli evitava aos inimigos tirarem van
tagens da campanha.
Chegada a Madrid a primeira noticia da perda de
Pernambuco, mandou EIRei ordem a Lisboa, para se
lhe enviarem successiva mente alguns soccorros, em quan
to se não preparava hum armamento maior. Partirão
primeiro duas Caravelas commandadas por António de
Araújo, e Gomes da Costa, levando cada huma trinta
soldados, e algumas munições; e após ellas mais outras
sete, cujos Commandantes erao Francisco de Freitas,
Paulo de Parada (que occupou grandes Postos, e morreo
Conselheiro de Guerra em Hespanha), António de Ma
dureira Trigo, Francisco Duarte, Manoel Quaresma Car
neiro, João de Magalhães Barreto, e Bento Maciel Pa
rente, conduzindo cada huma de trinta a quarenta sol
dados, e algumas muniçóesr
Estas , e outras embarcações , que hião de Portugal
com soccorros, aportavão onde podião, porque os Hol-
landezes cruza vão de continuo sobre a Costa de Pernam
buco: humas arribavão ao Rio Grande, e á Parahiba,
outras tomavão Portos quarenta, e cincoenta léguas ao
Sul do Recife, de modo que a conducção dos soldados,
e munições ao Campo do Bom Jesus custava infinitos
trabalhos, e grandes perdas, e ás vezes muitos mezes de
demora.
Huma destas Caravelas achou-se junto á Bahia da
Traição cercada de dois navios Hollandezes, de hum
dos quaes se destacou huma lancha com trinta homens
para a abordar : os Portuguezes , não podendo escapar^
278

encalharão na Costa , onde pouco depois o rblo tkj ma/


arrojou a lancha, na qual se vingarão, matando nove
Hoííandezes., e aprisionando seis, em que entrou o Com-
mandante do navio; os outros salvarâo-sc a nado a bor
do das SU3S embarcações.
.1631. — A i'8 >de Abril (t) sahio para a índia An
tónio de Saldanha com duas Náos : a Senhora da Sao-
de, em que elle hia; e Belém, de que era Gommandan-
te José Cabreira.
Estas Náos voltarão arribadas a 14 de Setembro ,
havendo-lhes morrido muita gente de enfermidades.
A- 29 de Novembro partirão para a índia dois Pa
tachos: húm commandado por Cosme Luiz, e outro por
Francisco Vaz de Almeida : levavao avisos de não po
derem naquelle arnio ir Náos da carreira, pdo aconteci
do ás duas de António de Saldanha. Cosme Luiz entrou
em Goa a 12 de Maio do anno seguinte; e Francisco
Vaz foi tomar Mascate, onde invernou, e dalli passou
•a Goa a 4 de Setembro.
1631. — A Corte de Madrid (2), depois de ouvir
vários pareceres, resolveo-se a mandar hum soccorro a
Pernambuco, surKciente (no seu entender) para Marhias
de Albuquerque sustentar o género de guerra, que fazia
-aos Holíandezes; parecendo-lhe que a Companhia, ren
do- se defraudada nos interesses com que calculara pata
emprehender aquella conquista, sem mais esforço a aban
donaria. Discurso inteiramente errado !
Preparou-se para este efteito em Lisboa huma Es
quadra de quinze navios Hespànhoes, e cinco Porrugue-
zes, com alguns transportes, commandada pelo Ala»-

(1) Faria, Ásia Portuguera. — Epilogo de Pedro Barreto.


(2) Brito Freire, Liv. 5. — As Memorias já citadas ck Duarte •*
Albuquerque, de pag. 45 at-ó pag. 72. — Southey , 110 lugar ac una ci
tado. — Fr. João José de Santa Theresa , Liv. 3. — Castrioto, Fartei.
2 79

rante do Mar Oceano D. António de Oqueitdo, è por


seu Almirante Francisco de Valecilla. Embarcarão nel-
U Duarte de Albuquerque Coelho, e o Conde de Ba-
nholo João Vicencio Sanfelice , nomeado Commandatt«
te das tropas destinadas para Pernambuco.

Navios Hespanboes.
; , ■>. >b
Galeão S. Tiago de Leste, em que hia o General
Oquendo, de 900 toneladas, 280 Soldados de Infanta
ria, 180 Artilheiros, e marinheiros, e 44 peças.
Galeão Santo António, em que hia o Almirante, de
700 toneladas, 218 Soldados, 126 Artilheiros, e mari
nheiros, e 28 peças.
Galeão Capitanea das Quatro Villas, de 700 tonela
das, 210 Soldados, lio Artilheiros, e marinheiros, e 28
peças. -
Galeão S. Boa Ventura, de 5-00 toneladas, 160 Sol
dados, 83 Artilheiros, e marinheiros, e 22 peças.
Galeão S. Martinho de Guipuscoa, de 45-0 toneladas,
166 Soldados, 75" Artilheiros, e marinheiros, e 18 pe
ças.
Galeão S. Pedro das Quatro Villas, de 45:0 toneladas,
170 Soldados, 74 Artilheiros, e marinheiros, e 20 pe
ças.
Galeão S. Bartholomeu, de 444 toneladas, 185" Sol
dados, ioy Artilheiros, e marinheiros, e 18 peças.
Galeão Capitanea de Mazabrady, de 601 toneladas,
18c Soldados, 105" Artilheiros, e marinheiros, e 30 pe
ças.
Galeão Almirante de Mazabrady, de 622 toneladas,
172 Soldados, 112 Artilheiros, e marinheiros, e 26 pe
ças.
Galeão S. Carlos, de ^eo toneladas, 173 Soldados, 87
Artilheiros, e marinheiros, e 24 peças.
230

Galeão S. Braz, de 400 toneladas, 147 Soldados, 70


Artilheiros, e marinheiros, e 2D peças.
Galeão S. Francisco, de 400 toneladas, 172 Soldados;
68 Artilheiros, e marinheiros, e 20 peças.
Urca Anjo Gabriel, de 428 toneladas, 160 Soldados,
60 Artilheiros, c marinheiros, e 20 peças.
Patacho Leão Dourado, de 184 toneladas, 38 Solda
dos, 38 Artilheiros, e marinheiros, e 10 peças.
Patacho S. Pedro, de 1 34 toneladas , 42 Soldados, ij"
Artilheiros, e marinheiros, e 8 peças.

Transporte.

Tartana Santa Anna, 18 Soldados, e 13 marinheiro».


Total das forças 25*09 Soldados de Infanteria, 1331
Artilheiros, e marinheiros, e 336 peças. De todos estes
navios só o S. Tiago era da Coroa , os outros erão ar
mados por conta da Companhia Mazabrady , era oa
quencia de Contractos que fizera com EIRei , como \â
havia praticado em outras Expedições. O Governo de
Portugal só em dinheiro forneceo para o armamento
desta Esquadra 305^) cruzados , alem de munições, e
petrechos.
, v .
Navios Portugueses.

Navio S. Jorge, Commandante António da Cruz, de


433 toneladas, 143 Soldados de Infanteria, 81 Artilhei
ros , e marinheiros , e 28 peças.
Navio S. João Baptista, Commandante Lourenço Mó-
zinho Barba, de 44^ toneladas, 110 Soldados, ic6 Ar
tilheiros, e marinheiros, e 19 peças.
Navio S. Tiago, Commandante Duarte de Éça , de
45"o toneladas, 1 10 Soldados, 97 Artilheiros, e marinhei»
ros , e 20 peças.
281
Navio Senhora dôs Prazeres Maior, Commandante
Diogo de Freitas Mascarenhas, de 381 toneladas, 99-
Soldados, 78 Artilheiros^ e marinheiros , e 18 peças.
Navio Senhora dos Prazes Menor, Commandante Cos--
me do Couto, de 305' toneladas, 68 Soldados, 90 Ar-.
tilheiros, c marinheiros, e 18 peças.

Transportes. .

Caravela Senhora da Guia, Commandante Ruy da


Costa, de 150 toneladas, 29 Soldados, e marinheiros.
Caravela Rosário, Coimmandante Domingos da Mo
ta., de 120 toneladas, 28. Soldados, e 22 marinherfos.
CaraVela Santa Crwv, Commandante Francisco Vaz
Berancor, de 120 toneladas, 13 Soldados, e 22 mari
nheiros, r F > «..'-, -i.
Caravela Senhora da Ajuda , Commandante Manoel
Ferreira Alvares, -de i.ço toneladas, 14 Soldados, e 20
marinheiros.
• Caravela S. Jeronymo, Commandante António Tei
xeira, de 8olopeladas, 11 Soldados, e 20 marinheiros.
Total .d) 5 Soldados de Infanteria , çóo Artilhei
ros , e marinheiros, e 103 peças. Pertenciao á Coroa os
três primeiros navios, por se haver comprado o S. Jor
ge por lOt^) cruzados.' Despcnderao-se com o armamen
to dos cinco navios ( incluindo a compra do S. Jorge),
?$of)4J<) cruzados. Com o preparo das cinco Carave-
as de Transporte, e algumas outras enviadas por esse
tempo ao Brasil cora víveres, e munições, gastarâo-se
74^)745" cruzados. As roupas de varias qualidades, que
se reraettèrão na Esquadra, para alli se pagar com o seu
produeto ás tropas, custarão 42^)279 cruzados; assim a
despeza total desta Expedição foi de 773<£)443 cruza
dos. . '
Sahio a Esquadra de Lisboa a 8 de Maio de 1631,
Tomo II. 3 ti
282

e entrou na Bahia a 19 de Julho. Huma Tarrana sepa


rada da Esquadra chegou ao Cabo de Santo Agostinho
■a io de Junho, cujo Com mandante Alberto Peres deo a
primeira noticia da sua vinda , e de que havia de con
duzir o soccorro destinado para Pernambuco, quando vol
tasse da Bahia; o que Mathias de Albuquerque commu-
jiicou logo a Diogo Luiz de Oliveira , expondo-lhe ao
mesmo tempo o estado daquella Província, onde os Hoí-
landezes haviao já construído hum bom Forte na Ilha
de Tamarucá, e só lhes faltava ganhar a Villa da Concei
ção, para serem senhores delia ; e que o General Loncq
havia sahido para Hollanda com trinta navios.
Em hum Conselho de Guerra , que se convocou na
Bahia, a que assistirão o Governador Diogo Luiz de
Oliveira , o General D. António de Oquendo, o Almi
rante Valecilla , o Conde de Banholo, e Duarte de Al
buquerque Coelho, se assentou, que as tropas destinadas
pant Pernambuco se embarcassem em dez Caravelas:
constavão ellas de quatrocentos soldados Portuguezes ,
commandados pelo Sargento Mor Francisco' Serrano,
divididos em cinco Companhias, de que erão Capitães
D. António Ortiz de Mendonça, D. Francisco Coutinho,
Braz Soares de Sousa , D. Aleixo de Aza , t João Vra»-
ques : trezentos Hespanhoes em quatro Companhias ,
com os Capitães D. Fernando de Riba-Aguero, D. Joio
de Orellana , Sebastião de Palácios, e D. João de Xere-
da , que por mais antigo commandava o destaca mento \
c trezentos Napolitanos, de que se formava o Terço
do Conde de Banholo (era cuja Caravela embarcou Duar
te de Albuquerque), de que era Sargento Mor Muck>
Orilia. A artilheria reduzia-se a doze peças , de que era
Capitão André Marim , com os Artilheiros necessários.
Para a Parahiba hião destinadas outras duas Caravelas,
com cem soldados Portuguezes , e outros tantos Hespa
nhoes,. cm duas Companhias, cujos Capitães erão Anto»
283

nio de Figueiredo e Vasconcel Tos , e Manoel 'Godinho,


levando doze peças de campanha, com munições, e Ar
tilheiros , dos quaes era Condestavel Pedro de Menezes :
hiao também alguns canhões para o Forte do Caberíei-
lo. Concordou se mais, que estas doze Caravelas navc-
garião de conserva com a Esquadra , assim como a Fro--
ta dos navios mercantes carregados de géneros do Paiz,
que se achavão na Bahia , a qual o General deixaria na
altura, que julgasse conveniente i sua derrota para Por
tugal; seguindo elle viagem com a Esquadra para as ín
dias Occidentaes, a fim de comboiar dalli a Hespanha
os Galeões da prata.
Durante a demora da Esquadra na Bahia , chegou
ao Recife o primeiro reformo de Hollanda, composto de
doze navios com dois mil homens de tropas, comman-
dadas pelo Coronel Henrique Siton; e logo nos fins de
Julho o Almirante Adriano Patry com oito navios, e
mil e quinhentos soldados, de que Mathias de Albuquer
que avisou á Bahia.
Sabendo Patry pelos seus cruzadores a força da
Esquadra Hespanhola, que estava na Bahia , e provavel
mente os seus projectos ; aprestou dezeseis navios dos
melhores, sendo o seir de cincoenta e seis peças, guar
necidos deexceJlentes marinheiros, e mil e quinhentos sol
dados, e sahio a esperar ot Hespanhoes, destacando seis
embarcações veleiras para cruzarem sobre a Costa da
Bahia, a taes distancias humas das outras, que com ra
pidez o avisassem da vinda da Esquadra.
A 3 de Setembro se fez á vela D. António deOquen-
do com a Esquadra, que trouxera de Portugal, vinto e
quatro navios mercantes da Bahia , e as doze Caravela*
destinadas para Pernambuco, e Parahiba; deixando na
Bahia o Terço do Mestre de Compo D. Christovão Mc»
xia Boca Negra, composto de seiscentos Portuguezes, e
duzentos Hespanhoes.
36 ii
284
Oito Iégoas ao mar da Bahia virao-se dois navios
Hollandezes, a que de balde se deo cassa. Gamo os ven
tos erão contrários, e as aguas corrião ao Sul , no dia
II achava-se a Esquadra em 17" de Latitude, e ao pôr
do Sol foi vista da Esquadra Hollandeza , sem* que esta
fosse percebida dos Hespanhoes ; o que muitas vezes suc-
cede no mar. No dia seguinte ao amanhecer apparecê-
rao os Hollandezes duas léguas a barlavento. O Conde
de Banholo passou á falia da Capitanea, e disse ao Ge
neral, que lhe parecia conveniente tirar a Infanreria das
Caravelas, para reforçar as guarnições dos navios; a que
elle respondeo : Que os dezeseis navios inimigos crão
pouca roupa. Talvez receava elle, que recolhendo a tro
pa das Caravelas , poderião depois occorrer circunstan
cias , que não lhe permittissem restituilla, e ficaria in
utilizado o soccorro de Pernambuco. Em fim , mandou
as Caravelas, e navios mercantes para Sotavento da Es
quadra ; e formando a sua linha de baralha , seguio o
mesmo bordo.
J O Almirante Patry fez signai de chamar á ordem,
estando atravessado ; e vindo a bordo os escaleres dos
navios, enviou ordem aos Commandantes de abordarem
os Hespanhoes, para cujo fim vinhão todos promptor, e
com as gavias entrincheiradas, guarnecida^ de soldados,
e munidas de artifícios de fogo. Expedidas estas ultimas
instrucçoes , arribou em popa sobre os Hespanhoes, diri
gindo o seu próprio navio contra a Capitanea de Oqucn-
do; e o seu Viçe-Almirante contra a de Valecilla.
A's nove horas da manhã estava o navio de Patry
a menos de tiro de mosquete nas aguas da Capitanea,
quando D. António, que estava ao pé do leme, mette»
subitamente de ló , e obedecendo logo a Náo, como Pa
try não fez a mesma manobra , antes seguio avante , D.
António, dando huma arribada, abordou por barlarea-
ÍOk Tr4Y0U-se huma acção matado.ra , era que de parto
285
a parte nenhum tiro se perdia ; e ainda que os Hespa-
nhoes soífri :1o grande damno, sobre tudo das granadas,
e mosqucteria das gavias , não causavão menos p#da
aos seus contrários. Patry, receando as consequências de
similhante género de peleja , quiz desabordar-se, e indo
já çafb da proa, mareou a gavia, e o velaxo para arri
bar, dando mais seguimento ao seu navio, que estava
com a popa encostada á Capitanea Hespanhola. D. An
tónio mandou neste momento ,10 Capitão João de Casti
lho, Official da maior intrepidez, que saltasse pela pô«
pa do navio Hollandez, levando na mão o chicote de
hum cabo grosso , e o passasse á roda do mastro da me-
zena, o que elle executou á custa de huma ferida, e na
volta para a Capitanea foi morto de huma bala , mas já
os Hespanhoes tinhão cobrado, e dado volta ao chicote
do cabo , com que os dois navios ficarão por então, ain
da atracados.
Neste tempo vinha hum navio Hollandez prolon-
gando-se com o de Oquendo pelo lado opposto, quando
Cosme do Couto , Commandante do navio Portuguez
Prazeres Menor, o abalroou pela amura, a fim de o em
baraçar, deitando-lhe logo dentro o Capitão Domingos
da Motta com a maior parte da sua gente; mas o navio
Hollandez, que era mui grande , arrastrando comsigo o
Portuguez, não deixou de abordar a D. António; e fican
do o navio Prazeres á matroca , atravessou-se nas proas
dos três atracados, que arfando sobre elle, o mettêrao a
pique. Cosme do Couto, e o Sargento Mor João de
Araújo salvarão-se a nado com algumas pessoas a bordo
dos navios Hollandezes , onde ficarão prisioneiros; Do
mingos da Mota morreo na abordagem.
Como as Náos dos dois Generaes inimigos, ainda
que atracados, não deixavao de servir-se das peças altas,
hum taco acceso da Hespanhola pegou fogo na Hollaa-
deza. D. António fez logo dirigir áquelle lugar todas as
286
suas bocas de fogo, o que obstou a poder7sc apagar ô
incendia. Começou a Náo a arder em labaredas , e o
mesmo sticcederia á de D. António, se não lhe acudWse
João de Prado, Commandante de hum Galeão, que pon-
do-se na sua proa , lhe deo hum virador, e a tirou a re
boque , esrando tão destroçada , que não podia velejar.
O Almirante Patrv, desdenhando salvar-se nas Caravelas
Porttiguezas, que vierao prompta mente recolher a gente
naufragada, ou mesmo em algum dos seus navios que
lhe ficasse mais próximo, envolveo se no Estandarte de
Hollanda , e árrojou-se ás ondas (i).
Esre terrível combate das duas Capitaneas durou
das nove da manhã até ás quatro da tarde. Morrerão a
bordo de D. António mais de duzentos e cincoenta ho
mens , em que entrarão muitos Officiaes distinctos, e a
maior pane dos marinheiros. O numero dos feridos foi
quasi igual ao numero dos que ficarão vivos.
Em (quanto durou a acção das duas Capitaneas, o
Vice-Almirante Hollandez, seguido de outro grande na
vio, accommetteo, e abordou o Galeão Santo António
do Almirante Valecille, ao qual acompanhara o Galeão
S. Boa Ventura. Depois de hum combate furioso, ouei-
mou-se o navio Hollandez, que auxiliava ao seu Vice-
Almirante, e o Santo António foi a pique, estando }i
Valecilla mortalmente ferido. Ficou o S. Boa Ventura pe
lejando com o Vice-Almirante-, mas acudindo a este ou
tro dos seus navios, foi tomado o S. Boa Ventura. Mor
rerão nestes dois Galctíes, alem ào Almirante, o Tenen
te General da Artilhem D.Francisco Lupereio, D. Alon-
so de Alarcão, Commandante do Boa Ventura, o Audi
0) O motivo desta acção desesperada foi provavelmente o oor-he-
cimento tardio do erro de náo se aproveitar das vantagens <ia sua arti-
lheria, muito melhor seivida que a dos Hespanboes , para tom*', oa
destruir a Esquadra, e c Cumboi , e dividir talvez naquelle <fu o desi-
DO de Pernambuco.
287

tor Gemi, o Provedor da Armada, e muitos Officiaes,


e pessoas notáveis.
Dos outros navios das duas Esquadras nenhum ou
sou abordar, e todos combaterão de longe, em que o
navio Portuguez Prazeres Maior ficou tão derrotado, que
o mandou o General para a Bahia. De ambas as Nações
houverao Commandantes , que fizerão muito mal o seu
dever, e se contentarão cora ser expectadores da bata
lha.
' A perda total da Esquadra de Oquendo chegou a
mil e quinhentos homens, e a dosHoilandezes seria pou
co menor: em quanto á dos navios, perderão dois, que
se queimarão; e os Hespanhoes tiverão hum queimado,
dois mettidos a pique, e hum tomado.
Até ao dia 15" gastou a Esquadra Hespanhola em
se reparar das suas avarias, que erão grandes, sobre tu
do as da Capitanea , que fazia muita agua pelos rombos
das balas , e estava completamente desaparelhada ; para
cujo reparo concorrerão muito os marinheiros Hollande-
zes prisioneiros. Tirarão-se trezentos soldados dos que
hião para Pernambuco, a fim de supprir de algum modo
a falta de gente com que se achava a Esquadra.
A 17 , navegando com vento largo a buscar a Cos
ta de Pernambuco, vio-se ao pôr do Sol a Esquadra
Hollandeza. O Conde de Banholo pedio licença ao Ge
neral (que a concedeo) para se apartar de noite com as
Caravelas do soccorro, e ir buscar algum Porto, onde
desembarcar; e a 22 ancorou na Barra Grande, trinta
léguas ao Sul do Arraial do Bom Jesus ; menos a Cara
vela de António de Figueiredo, que continuando a sua
derrota para a Parahiba , encontrou hum dos muitos na
vios Hollandezcs, que cçuzavão naquellas Costas, e fu
gindo delle, salvou-se no Rio Grande do Norte.
Ao amanhecer do dia 18 não se vio a Esquadra
Hollandeza, e o General Oquendo proseguio a sua via-'
288
gem para as índias Occidenraes. Na altura da Parahi-
ba combareo com dois navios HoIIandezes o Galeão Ca-
pitanca das quatro Villas, era que hia o Sargenro Mor
Lazaro de Iguigurem, que servia de Almirante desde a
morte de Va|ecilla; e ainda que escapou das mãos dos
inimigos, ficou tão maltratado, que foi depois a pique
em luim máo tempo, desgraça que igualmente succcdeo
no navio Portuguez S. Tiago, Commandante Duarte de
Eça. Assim se concluio esta infeliz campanha. •
A 2 de Dezembro sahio do Recife o novo Almi
rante João Lichthart com vinte e seis navios f e muitas
embarcações miúdas , em que transportava três mil ho
mens de tropas, commandadas pelo Coronel Caivi, en
carregado da expedição. O seu destino era a conquista
da Parahiba , que governava António de Albuquerque.
Felizmente havia alli chegado a Caravela de António de
Figueiredo, que trazia a bordo oito canhões grossos,
bons Artilheiros , e muitas munições. Este inesperado
soccorro, e outro que Matinas de Albuquerque mandou
de Pernambuco, malograrão o projecto dos HoIIande
zes, que havendo desembarcado, e posto sitio ao Forte
do Cabedcllo , em sete dias de trincheira aberta , nao o
poderão tomar; e enfastiados da immensa perda de gen
te que soffrêrão, tanto no cerco, como em hum assalto
que derão ao Forte, se retirarão ao Recife.
Picado desta desgraça o General Wardenberg, par-
tio do Recife a 21 de Dezembro com vinre e dois na
vios, e algumas embarcações pequenas, com dois mil
homens a bordo, e a 26 ancorou na Enseada da Ponta
Negra, três legoas ao Sul do Forte do Rio Grande, úni
ca defensa então daquella Província. Desembarcarão os
HoIIandezes na Enseada de Diogo Martins, mas o For
te havia já recebido hum soccorro da Parahiba de tre
zentos Portuguezes, e outros tantos índios, onde hum Pa
tacho vindo de Portugal , que avistou a Esquadra Hol
289
landeza ," levara aviso da derrota , que el!a seguia. Wár-
denberg, sabendo da chegada do soccorro, quiz ao me
nos colher algum gado vaccum , em que abundava o
Paiz; e nem esse obreve. Cumpre advertir, que era tão .
apertado o bloqueio, que Mathias de Albuquerque tinha
posto ao Recife, que estando os bosques a menos de ti
ro de canhão desta Praça , gastava-se nclla a própria le
nha, que lhe vinha de Hoílanda; e o mesmo suecedia
com todas as mais provisões.
1632. — A Esquadra (1), que estava destinada para
a índia, commandada por António de Saldanha, não pô-
de sahir de Lisboa pelos máos tempos, que occorrêrao. .
Em consequência deste embaraço, partio a 4 de Ju
nho José Pinto por Chefe de três navios: a Naveta São
FiJippe, em que elle hia ; o Galeão S. Francisco de Bor-
j;a , Commandante Manoel Mascarenhas. Homem; e a*
Urca Senhora da Guia , commandada por António da -
Cruz. Os dois primeiros navios entrarão em Goa a 2J
de Outubro, e o ultimo a 2 de Novembro.
1632. — A 24 de Fevereiro deste arino (2) sahio do
Recife o General Wardenberg com vinte e quatro na
vios, e algumas embarcações pequenas, em que levava^
mil e quinhentos homens de tropas, e foi ancorar na bar-,
ra da Ilha de Tamaracá, junto ao Forte, que os HoL-í
randezes havião alli construído, fingindo querer concluir:
1 conquista daquella Ilha; de que avisado logo Mathias,
de Albuquerque, lhe enviou soccorro, mas o General Hol-
landez levou-se na mesma noite, e ao favor de hum bom
isento, appareceo pela manhã sobre o Cabo de Santo
Agostinho, verdadeiro objecto da sua expedição.. A Bahia
áeste Cabo, e huma pequena Calheta , que fez a Natu-.
(1) Faria, Ásia Portugueza. — Epilogo de Pedro Barreto.
(a) Vede Brito Freire, Liv. 6. — Memorias de Duarte de Albtf
|uerque, de pag. 7) até pag. 89. — Castrioto Lusitano, Parte I.
jv. $. . : . 1 .. , ." 1 • j
Tomo II. 37
290

reza , deixando huma abertura rio longo recife , que


cerca roda aquella Costa, erão os pontos mais favoráveis
para aportarem as embarcações, que trazião de Portugal
alguns soccorros, ou vinhão carregar dos productos do
Paiz. Tinhão os Portuguezes construido alli para rua
defensa dois pequenos Reductos com quatro peças, e
sessenta homens , tudo commandado por Bento Maciel
Parente ; e no momento do perigo lhe trouxe Francisco
Gomes de Mello mais cento e vinte homens. Desem
barcarão os Hollandezes, e rechaçados três vezes nos seus
ataques , receando que chegassem maiores soccorros do
Arraial do Bom Jesus, se retirarão com perda.
-. Neste anno mandou a Companhia Occidental dois
Commissarios Matinas Vancol , e João Gissilin pari
residirem no Recife, com amplos poderes no Militar,
e -Politico , levando comsigo três mil homens de tropas;
de que sentido o General Wardenberg, se embarcou pa
ra Hollanda , e em seu lugar tomou posse do cominan
do das Armas Lourenço Rimbach, Official de longa ex
periência.
i Mathias de Albuquerque, antevendo que os proje
ctos dos Hollandezes hião agora receber maior desenvol
vimento , escreveo a EIRci, expondo-lhe que todas as
tropas debaixo do seu commando não excedião a mil e
trezentos Soldados , e trezentos índios , de que duzenros
erão frecheiros, por falta de armas de fogo; e tinha que
defender o Arraial do Bom Jesus, e os Porros da Costa
desde o Cabo de Santo Agostinho até ao Rio Grande;
achaodo-se os Hollandezes com sete mil homens de In-
fanteria , e quarenta navios de guerra. Esta representa
ção produzio o pouco, ou nenhum effeito de outras mui
tas, que em differentes tempos fizera.
. 1633. = A 6 de Março (1) sahio de Lisboa para a

(j) Faria , Ásia Portugueza. — Epilogo de Pedro Evreto.


índia António de Saldanha, embarcado em a Náo Se
nhora da Saúde; e qs Commandantes das outras da sua
Esquadra eriío Jo5é Cabreira , em a Náo Senhora dç
Belém i e Jgnaeio Rodrigues , em a Náo .SacramejitQ^ x
Chegou a Esquadra unida a Moçambique no mez
de Julho i:e entrou em Goa a 10 de Agosto.
1633. — Copiarei aqui por; eupiosidade o calculo.,
que em data de 13 dç Janeiro, de 103 3 fez Ruy Corrêa
Luaaa-da^despeza de hum Galeão uojvo de jjfç» torvçla-
das, para ir de Náo dfs ;V»4gem á índia, provido, t &&
go p4fa.dez->mezes de jornada. ■ ■: ■/ ' i
-. 1 .-r-i r ■ ■ ;,,{.., : ;n
Custou «m Lisboa o Galeão novo, $
apparelhados . • .,-, «■■• . ..
Os 6eiís^9obrecellentes , , , , . |«r; ! 300^<DOOÍ
Preparoí/da Missa )t'i ;20<&âOO'
Botica .... *!TV- irl. . c.m 'ti .!. yoiooo
Banjl<íf*í4 e flâmulas * . , m..* «. . XQçfcoOO
Pavxzes .__.- « loákooo
Despensas, barris, e outros gastos miúdos 66i>ooo
MU

'. ■;• 13:^74^85»


Soldo de hum Mestre . . éoèeoaiCl
Dito dç.hum Piloto .. . 60&0Q0
Dito de hum Contra-Mestre 30^000 )
Dito de hum SotflrPiloto . 30jfcooo
Dito de hum Guardião noèooo
Dito de hum Escrivão . . ;:8èoOO
Dito -de hum Despenseiro . « 8èSofl
Dito de hum Barbeiro . . 8(booo i
Dito^de hum Capellão Í8&30Ò
Dito de dois Carpinteiros . 34&000
■ '<s -/\r^b. .-. . . 1

37 ii .'
292
r»-. !. • ^
'■iJ^JTtèoVo rs."
Soldo de dois Calafates 34èooo
Ditei de hum Tanoeiro ijèooo
Dito de hum Cirurgião 18&000

Hum Condestavel , vencendo i&68ors.


por mez, e 24 Artilheiros, vencendo
a i&ooo rs. por mez -V-' .■'••»■' . .
Soldo de 35 Marinheiros, cada hum a
141&800 rs. por viagem . . . . 5ri8<fccoo
Dito de 35- Grumetes , a 9&730 rs. ca
da hum por viagem . . . '." »; 340*550
Dito de 4 Pagens, a 4^45* 6 rs. cada
hum por viagem * . » »&•»■■"» 17&814
Dito de 1 Capitão .<.-.«««. IOO^OOO
Dito de 150 Soldados -de Infanteria , a
4&000 rs. cada hum > » , '■;:■- . 6bo<fcooo
I —

I5":4f 1^014
Mantimento para 114 praças de Mari
nha para dez mezes, custando cada
ração por mez a 2&200 rs. ... 2:5-08^000
Dito para 151 praças de Infanteria pa
ra seis mezes •• -. •.-.-.... 1:003^000
Custo de 24 peças , doze de bronze , e
doze de ferro, pezando huma por outra
a 15 quintaes, sendo o custo do quin
tal de bronze a 15&000 r«. ,. e o de
ferro á 3A640 rs# . •» ••'". ." .
Para munições de guerra ,. e trem noto
de artilheria . . -. .. •. / '► . 1:381^:06
1 . .

Despeza total 26:025^510 rs.


■^Iftfc CifctoU t>! quintal de enxárcia nova a 3 $8 00 n. peio HopachaL
Í93
iójj. — ContmunvVa guerra nó Brasil (1). Em Ja
neiro deste anno chegarão duas Caravelas da Ilha da Ma
deira com alguma gente alli recrutada , de cujos Capi
tães, naturaes da mesma Ilha, o primeiro chamado João
de Freitas da Silva, trazendo huma Companhia de no
venta homens, entrou na Parahiba no i.° do mez; e o
segundo por nome Francisco de Berancur e Sá, com ou
tra de setenta Soldados , chegou no dia 1 2 ao Porto dos
Francezes , três léguas ao Sul da barra das Alagoas.
Dois dias antes de tomar aquelle Porto, encontrou hum
navio Hollandez , com o qual pelejou, c no principio
da acção hum filho seu de nove annos, chamado Gas
par, foi ferido de alguns estilhaços, e pouco depois hu
ma bala lhe quebrou o braço esquerdo; e vendo ello o
pai afflicto, e consternado, lhe disse: «t Senhor, isto nío
»'» me embaraça para ajudar a v. mercê na defensa desta
»» Caravela, porque ainda me fica o braço direito. » Este
valor extraordinário em hum menino, animou de manei
ra- a gente todar, que combatendo desesperadamente, se
retirou o Hollandez , e a Caravela achava-se tão arrom
bada das balas , e fazia tanta agua, que se perdeo já no
Porto, salvando-se a guarnição , e algumas munições.
Morrerão no combate oito Portuguezes, e ficarão dezese-
te feridos.
A 20 de Junho sahio do Recife com dois mil ho
mens, e muitos navios, o General Sigismundo Van Schop-
pe, a quem os Commissârios do Governo havião dado o
coramando em Chefe das rropas, e com elle se embar
cou Mathias Vancol, levando por director daquella em-
preza ao famoso Mulato Domingos Fernandes Calabar ,
natural de Pernambuco , que se havia passado para os

(1) Memorias de Duarte de Albuquerque, pag. 90 até pag. 12S. —


Brito Freire , Liv. 6. — Southey , Tomo 1. Cap. 17. — Castrioto, Par-
;o 1. Liv. j. . - , .•• : .: . :. :::■:■:■ :■■.':, -.' • •;!•:
$34
Hbllandezes , e sendo o melhor Pratico de toda aquelía
Costa, e dotado de subtil engenho, era o instigador do«
novos planos ^ que tanto datnno fizerão a Pernambuco.
Surgio a Esquadra na Ilha de Tamaracá , e desembar
cadas logo as-tropis, accommettêrão, e ganharão por
•Capitulação a Villa da 'Conceição,, sua Capital, defen
dida unicamente por sessenta Soldados, e 120 morado
res, commandados pelo CapUáo Mor Salvador Pinhei
ro; ficafndo agora senhores -de- toda a liba , que era para
elles da maior importância.-: .
Em Setembro chegou» Parahiba o Capitão Fraa-
-cisao de Soutomaior coro. huhu Caravela de Portuga^,
em que conduzia setenta Soldados-, e algumas munições,
escapando a três navios Hollandezcs , que o perseguí-
•t3o. :< .*ll - •_ ■" •'. i

Havendo -ElRei ordenado, que se mandassem de


■Lisboa seiscentos Soldados para Pernambuco, foi nomea-
-do Chefe desta expedição Francisco de Vasconcelios da
-Cupbn , OfEciàl que servira na Marinha de PorrugaJ, e
-da índia. Compunha-se este armamento de hum navio
<de vinte peças, cm que embarcou Francisco de Vascon-
eeílos, outro de dezeseis peças commandado por F«n-
osco da Silva e Miranda, e cinco Caravelas; levando
munições de guerra, e algumas fazendas, que devião ?ea-
der-se no Brasil, e empregar o seu producto-*asdespe-
•wrsda guerra. .Tanta era a penúria do Erário !
r, (,'r SaJiio de Lisboa Francisco de Vasconcellos a 22 de
Agosto , e a 26 de Outubro vio. terra junto ao Rio de
MamamguápeyTres léguas ao Norte da Parahiba., Por
.ordem de António de Albuquerque*,' Governador desta
-Província, a«istia naquelie Rio .a.Capitão Pedro Ma
rinho Lobeira , com bons Práticos da Costa , hum dos
.qua^s veio. abordo do Chefe,, e o informou dp estado
..das,,çpusjas^lr)eo fundo o Çomboi .defronte do Utio , teo-
do-se já descoberto hum Patacho , que virou no Sul ,
295

disparando tiros de espaço cm espaço. Com effeito ,


desde alguns dias cruzavão cinco navios Hollandezes soi
bre a barra da Parahiba, e quatro na Bahia .da Trai
ção, ao Norre do Mamanguape; o que o Pnrico par
ticipou a Francisco de Vasconcellos , offerecendo-se a
ruetter as suas embarcações no Rio. v Mas elle, em vez
de abraçar este expediente , o único que o podia salvar
de huma eminente ruina , chamou a conselho os seus
Officiaes, e pessoas distinctas, que sendo pela maior par
te ignorantes da Nnutica , resolverão loucamente, que
fossem desembarcar ao Rio Grande, trinta léguas para
o Norte; c nessa mesma noite se rtzerao todas á vela.
Ao amanhecer do dia 27, achando-se entre a Bahia da
Traição e a Formosa, virão três navios. Hollandezes,
que os buscavao. Das cinco Caravelas conseguirão duas
ganhar o Rio Grande.; e três, cozendo-se com a terra,
encalharão em diferentes lugares. Travou-se .entretan
to o combate dos dois navios Portuguezes contra os três
Hollandezes. Fernando da Silva, vendo o seu navio
aberto, e fazendo muita agua pelos rombos das balas,
foi encalhar na Bahia Formosa , onde salvou a gente ,
dez peças de artilheria, e parte das munições. Francisco
de Vasconcellos, desembaraçando-se como pôde dosHolr
landezes , que o abandonarão, surgio na mesma Bahia,
e desembarcou tudo quanto levava ; mas passados dois
dias, chegarão alli os três navios Hollandezes, e lhemet-
têrão no fundo o navio. Succedeo , para maior desgra
ça , que transporta ndo-se depois em barcos para a Pa
rahiba o que havia escapado das mãos dos Hollande
zes , todos os barcos forão tomados, ou perdidos, ex
cepto hum; e Francisco de Vasconcellos. deixando du
zentos homens na Parahiba , chegou por ultimo ao Ar
raial do Bom Jesus com cento e oitenta Soldados dos
seiscentos que conduzira de Lisboa ; o resto pereceo, ou
desertou na marcha.
29G
f •" À 5* de Dezembro sahio do Recife huma Esqua
dra de dezoito navios, em que embarcarão o General
Schoppè,o Commi^ario Vancol , e o terrivel Calabar,
còm mil e quinhentos homens. A 8 entrarão no Rb
Grande, a pezar do fogo do Forte da Barra, e forão
Éurgir na ponta de Gaspar Rebello, a coberto dos seus
firós , onde tomarão as duas Caravelas do Comboi de
Francisco de Vasconcellos , havendo chegado dias antes
outras duas de Lisboa, commandadas por Cos me do Cou
to Barbosa, que sahindo dalli, metteo huma no Portd
do Cabo de Santo Agostinho, e outra em Rio For
moso. Desembarcarão logo os Hollandezes, e por con
selho de Calabar oceupárão hum morro de arêa sobran
ceiro ao FoTte. Commandava este o Capitão Pedro Men
des de Gouvea , tendo treze canhões, e oitenta e cinco
JlOfnens , quasi todos paizar.os, de que fez logo aviso á
•Parahíba. Levantarão nessa noite os Hollandezes huma
bateria de três Canhões naquelle morro de aréa , da qual
começarão no dia seguinte a bater o Forte. Soube Pe
dro Mendes, por hum emissário, que lhe estnvão da Pa.
rahiba a chegar soccorros suficientes para fazerem le
vantar o cerco, porém sendo ferido gravemente no dia
IO, se aproveitou deste incidente o Sargento Pinoeiro,
desertor da Bahia; e conloiando-se com Simão Pita Or-
tigueira, que aili estava preso, e com alguns outros trai»
dores, desanimarão a guarnição, cartearao-se com os ini
migos, e na manhã de 12 levantarão bandeira branca;
-e ainda que esta foi arriada , como Pedro Mendes se
achava incapaz de combater, poucos Portuguezes quize*
i"ão prolongar a resistência , e os Hollandezes entrarão no
Forte quando as tropas da Parahiba, em numero dequi*
nhentos homens, estavão quasi á vista.
Depois desta fácil conquista , aproveitando-se es
Hollandezes de algumas intelligencias, que já havião or«
dido com os Tapuias, que habitavão a oitenta légua»
297
pelo sertão, os convocarão, e attrahírão a' sua alliança,
e começarão a fazer assaltos, e invasões nos districtos
em que os Portuguezes tinhão Aldeãs, e plantações, as
solando todo o Paiz.
• 1634. — A Esquadra da índia foi este anno das se
guintes embarcações: A Náo Oliveira, em que hia o
Chefe Jeronymo de Saldanha; a Naveta S. Filippe,
Commandante Thoraaz Barachi ; e o Galeão S.Francis
co de Borja , commandado por Jeronymo de Castanheda
e Vasconcellos (r).
-' Sahio de Lisboa a Esquadra a 20 de Março: os
dois primeiros navios chegarão juntos a Goa a 7 de Ou
tubro, e o. terceiro hum dia antes.
1634. — Ay de Fevereiro (2) chegou ao Cabo de
Santo Agostinho Pedro de Almeida Cabral em huma
Caravela de Lisboa ; e outras duas da sua conserva , de
que erão Commandantes Domingos Paulo da Silva, e
Manoel Coelho de Figueiroa, entrarão na Parahiba : to
do o soccorro , que cilas trazião , não passava de cento e
vinte soldados, e algumas munições de guerra. Por es
tas embarcações se recebeo aviso, que apromptavao ena.
Hollanda três mil homens para Pernambuco.
A 23 do mesmo mez sahio do Recife o General
Schoppe com vinte c quatro navios, dezoito Pinaças, e
muitas lanchas com três mil Soldados. A 26 surgio esta
Esquadra defronte da barra da Parahiba , e desembar
cando nessa noite parte-das tropas, marcharão os Hol-
landezes para o Forte de Santo António , como para o
surprehendcr. Mas encontrando primeiro huma trinchei- •
ra, que o cobria , a assaltarão; e forão três vezes recha- ,
çados pelos reforços , que o Governador António de Al-
(1) Faria, Ásia Portugueza, — Epilogo de Pedro Barreto.
(a) Memorias de Duarte de Albuquerque , pag. 139 até 170. — Fr.
João José de Santa Theresa , Liv. 5. — Francisco de Brito Freire, Liv. 7,
— Southe/, Tomo 1. Cap. 15.. —. Castrioto, Parte 1. Liv. j.
Tomo II. 38
buquerque alli conduzio. Este ataque era hum estrare-
gerua, que Schoppe imaginou para divertir a attençío
dos Portugueses; assim , retirando-se de súbito aos seus
navios, se fez á vela, e a 4 de Março amanheceo sobre
o Cabo de Santo Agostinho, único objecto da expedi
ção.
As fortificações do Cabo , poucas , e defeituosas,
tinhao de guarnição trezentos e cincoenta Soldado», com-
marçdados pelo Sargento Mor Pedro Corrêa da Gama^
■vierão-lhe mais cem homens do Arraial do Bom Jesus,
e o General Matinas de Albuquerque, a pezar de achar-
se com huma sezão, partio no dia 6 de madrugada com
trezentos Soldados, acompanhado de seu irmão Duarte
de Albuquerque Coelho, do Conde de Banholo, e de
Francisco de Vasconcellos. da. Cunha , deixando no Ar
raial pouco mais de duzentos homens.
Entretanto os Hollandezes separarão a sua Esqua
dra era duas Divisões: huma de. treze navios, e outras
tantas lanchas com tropas, sustentadas por três Patachos,
tentou em vão desembarcar da banda do Norte do Ca
bo , por lhe ser animosamente defendida a praia pelas
tropas, que alli acudirão; e com perda de cem homens,.
se retirarão os Patachos com as lanchas para os seus na
vios , que pairavao a huma légua de distancia.
A segunda Divisão , comprehendendo o resto da
Esquadra, accommetteo a barra do Porto do Cabo; e
a pezar de ser muito estreita, e defendida por huma ba
teria antiga, e outra construída de novo na pequena Ilha
d'.- S. Jorge, situada mais .dentro do Canal , forçarão a
passagem quatro navios mais pequenos , hum dos quaes
encalhou, por lhe haver huma bala quebrado o leme, e
a equipagem o abandonou logo. Os três navios restan
tes rorão surgir junto da Povoação do Pontal, toda de
casas palhaças, em que vivião os homens do mar, que a
desampararão depois de deitar-lhe fogo, em que se quei
299
márão muitos géneros doPaiz, que está vão nelle reco*
lhidosj de modo que os Hollandezés só se aproveitarão
de algumas embarcações já carregadas. Estes navios
estavao perdidos, não podendo torna* a sahir do canal,
nem receber soccorro da sua Esquadra, tanto por se acha
rem as baterias da barra em poder dos Portuguezes, e me
lhor guarnecidas, como por falta de fundo para: os naf-
vtos grandes penetrarem no Porto. O génio astuto de
Galabar, e o seu exacto conhecimento das- localidades os
tirou desta situação desesperada. Pondo-se á testa de hu-
raa flotilha composta de todas as lanchas, e escaleres,
que levavão mil homens de tropa , aventurou-se a intrò-
duzilla , e o conseguio, por huma abertura que havia en
tre os recifes quasi meia légua âo Sul dá barra, pela qual
não ousa vão passar as canoas do Paiz; e sem perder hurrí
sò escaler , foi desembarcar na tarde do dia ? na Povoa
ção já queimada , onde logo os Hollandezés se fortifica
rão. Depois desta operação, toda a Esquadra veio dar
fundo em frente da barra , meia légua ao mar, e estabe-
leceo com elles huma communicação por aquella abertu
ra dos recifes.
No dia seguinte de tarde chegou Matinas de Al
buquerque, e depois de reconhecer a prisão dos Hollan
dezés, resolveo o ataque para o dia 7, o que fez cora
oitocentos homens (o resto guarnecia os Fortes), entre
Soldados , e moradores armados. A vantagem , que os
Portuguezes ganharão no principio da acção, parecia de
cisiva : já os Hollandezés começavão a perder ás suas
posições, e alguma artilheria, e muitos a lançar-se ao
mar , quando algum traidor gritou : Estamos cartados.
Espalhou-se de súbito hum terror pânico, que não pôde
ser dissipado por todo o valor de Matinas de Albuquer
que, expondo*se com menos prudência, que temeridade,
sendo o ultimo que cobrio a retaguarda, com perda de
oitenta mortos, e feridos, entre os primeiros dós qúatís,
38 ii
300
se contarão os Capitães Domingos Dias Bezerra, Miguel
de Abreu, António Velho, e Jorge da Costa, e o Alfe
res Francisco de Matos da Gaia. Stippôz-se que os Hol-
landezcs não tiverão menor numero de mortos, e feri
dos.
Deste modo ficarão os Hollandezes senhores do Pon
tal , e dx Povoação , que logo pozerão em estado de de
fenda , continuando os Portuguezes a oceupar o Forre da
Nazareth , e as baterias da barra. Tratarão immedia-
tamente os Hollandezes de fazer huma obra própria de
Nação tão industriosa : a pouco e pouco alargarão a
abertura dos recifes, e a reduzirão a hum canal não só
sufficiente para lanchas , mas passarão por elle os ires
navios que tinhao dentro, tirando os deitados sobre o
costado; e deixando dois mil homens de guarnição nas
fortificações conquistadas, recolherão se ao Recife, d'on-
de partirão para Hollanda os dois Commissarios a pedir
novos reforços.
A 20 de Agosto chegarão de Lisboa duas Carave
las com trinta Soldados cada huma , commandadas por
Balthasar da Rocha Pita: huma entrou na Parahiba, e
outra no Rio do Cunhaú.
.... A 28 de Outubro entrou no Recife o soccorro, que
haviáo ido sollicitar os dois Commissarios: constava de
dezoito navios, com três mil Soldados, muitos víveres,
e munições ; commandava as tropas o Coronel Polaco
Artujoski , Official hábil, com cuja vinda resolveo o Go
verno pôr era execução a conquista já premeditada da
Parahiba. ,
• A 29 de Novembro sahio do Recife hum formidá
vel armamento de quarenta navios , que levavão seis mil
homens, entre Soldados, e marinheiros (alguns Escrito
res dizem menos), commandando as tropas, e a Expe
dição o General Schoppe ; e a Esquadra o Almirante
Lichthart.
3ÔÍ
António de Albuquerque tinhá^pára defenderia Pa
rahiba oitocentos homens, entre Soldados , e paizanos
armados ; e Mathias de Albuquerque, no mesmo dia em
que vio partir a Esquadra do Recife, lhe inandóu de re
forço três Companhias de lnfanferia , que chegarão pri
meiro do que elle ; e da Goiana lhe veio também algu
ma gente.
A 4 de Dezembro de madrugada apphreceo em Ca
bo Branco a Esquadra Hollandeza, tendo mandado dois
dias antes huma embarcarão pequena- "â" reconhecer "a
Costa desde aquelle Cabo até á Enseada de Lucena, duas
léguas ao Norte do Rio da Parahiba. Cincoenta lan
chas, e Pinaças com tropas a bordo, dirigidas por hum
Patacho, em que provavelmente hia o General, vierao
logo demandar a terra. ' •'
António de Albuquerque tinha espalhadas as suas
tropas em quatro pontos, cm que era praticável o des
embarquei o primeiro qnatro léguas ao Sul da barra:
o segundo, que elle escolheo para si, légua e meia ao
Norte da Enseada de Jnguaripe, nome de hum Rió, que
alli ha Cabedello,
; e os outrossituado
dois entre o segundo
do Sulponto e o For
te do na ponta da barra dar
Parahiba. • « '"" '. ' '"•
As lanchas Hollandezas pozerão as proas no sino'
?m que estava António de Albuquerque, mas o Patacho'
adiantou-se, e ancorando em Jaguaripe, lhes fez signal
anra as chamar, a que ellas obedecerão, e forão desem
barcar naquella Enseada, onde com a ressaca do mar de-
■ão á costa três lanchas, e huma PinàÇa. Acudio áquél-
a parre António de Albuquerque, e quando chegou, vio
>s Hollandezes já desembarcados, e formados em três
rolumnas: huma cortando o caminho que elle seguia,
nitra ao longo do mar, em que tinha as costas , e a ter
ceira guarnecendo os bosques que ficavão da banda da
erra, nos quacs havia gente embarcada : cada huma das
toa
cohimnas 4mha na sua frente huma peça de campanha.
A Esquadra Hellandeza veio surgir defronte da Ensea-

António de Albuquerque, que apenas trazia quinhen


tos homens, em vez de retirar-se promptamente, fez al
to, e esperou a determinação dos Hollandezes. Então
Schoppe o atacou pela frente, e flanco esquerdo; e ain
da que os Portugueses resistirão algum tempo', forfo ro
tos,, e fprçadps a retirar-se eont perda de dezoito ma
tos, muitos feridos, e dez prisioneiros. -
Antevendo o Albuquerque que os Hollandezes in
vestiria*» primeiro o Forte do Cabedello, que cominas-
dava João de Matos Cardoso, lhe augmentou a guarni
ção até trezentos homens, e se recolheo ao Forte de
Santo António, situado da banda do Norte da barra, pa
ra; enviar dali; reforços onde fossem necessários , achan-
do^se já ' Ç049; ;rAuita falta de gente, tanto pela que per-
deo na ultima acção, como por se haverem retirado 1
suas casas alguns dos moradores ,. que o acompanharão.
E avisou de tudo a Matinas de Albuquerque, que lhe
enviou trezentos homens commandados pelo Conde de
Banholo. (,: .
No outro dia 5- tomarão os HoIIandezes posipoa
tiro de peça do Cabedello, e se fortificarão, havendo
recebido algum damno.
Dentro do Rio da Parahiba, a tiro de canhão do
Cabedello, ha huma pequena Ilha chamada dos Padres
Bentos , e sobre huma restinga desta havia huma bateria
aberta, com quarenta homens, e sete peças, cujos tiros
incommodavão os trabalhos dos HoIIandezes, e seria de
grande vantagem para elles estabelecerem-se raqueUe
Eonto, não só por esse motivo, mas porque dalli podia8
ater o Forte, e evitar os soccorros que descião da Ci
dade da Parahiba pelo Rio abaixo. Em consequência
destas considerações no dia o de madrugada , tendo bom
303

vento, e maró, e ao favor de hurflâ grossa névoa , entra


rão peta barra sete navios Hollandezes dos mais peguei
nos, e sete Finadas, levando oitocentos -homens- ás or
dens do Sargento Mor de Batalha Andrezon ; e a pezaf
do fogo do Forte do Cabedello, e Santo António, e da
bateria da restinga, forçarão a passagem; e desembar
cando nas costas da mesma restinga, assaltarão a bateria
pela gola , e a ganharão com morte de vinte e seis dos
seus defensores, ficando prisioneiro o Capitão Pedra Fer-í
reira de Barros, que a governava: o resto da guarnição
salvou-se nadando para bordo de algumas lanchas, que
vinhão em seu soccorro.
-.-No dia 12 achava-sê o Forte completamente in
vestido, e batido de -moitas partes com canhòes, e mor
teiros, e só pelo Rio he que recebia alguns soccorrns
em lanchas, ipaese aventur.iváo a atravessar o canal,
por baixo' do fogo da artilheria , e mosqueteria dos ini*
migos, oque custava sempre algumas vidas.
Na manhft.de 14 sahírão para o mesmo effèiro
quatro lanchas do Forte de Santo António, carrega
das de víveres , e munições', huma das quaes era diri
gida por António Peres Calháo, com quem vinha se»»
rmão Francisco Peres Calháo, nâturaes ambos <'a Ilhar
Terceira. Choviao sobre as lanchas as balas de mos*
|uete, e huma delias quebrou o braço direito a António
'eres , que governava o leme; e acudindo o irmão a
ornar o seu lugar, lhe disse elle: Em quanto eu tiver
stoutro irmão mais visinbo (o braço esquerdo), nem
uero auxilio^ nem largo o meu lugar. Tomando en-
ío a cana do leme com a mão esquerda , foi governan-r
o; mas de outra bala, que recebeo no peito ^ cahio
uasl morto. GorreO o irmão a tomar o leme, e lhe
conteceo o mesmo desastre , recebendo huma bala no
raço direito; por cuja causa pegou nelle com a mão
.querda. Ambos estes intrépidos Micos se restabele
304
cérao felizmente das suas feridas; ê a9 lanchas chega'rSo
ao Cabedello com perda de duzentos mortos, e feridos.
.-.. Açhayarse a final o Forte incapaz de mais resis
tência: tinha perdido ceiito e oitenta e cinco homens;
OS, parapeitos,, e cavalleiros estavão arrazados, e a mu
ralha com brecha aberta cap3z de as«alto, quando capi
tulou a 19 de Dezembro. Houve huraa circunstancia
parti cu hmrteníe honrosa nesta Capitulação, e foi, que
havendo sido jo constante systema dos Holhndezes em
todas, as Capitulações das Praças do Brasil, transporta
rem as guarnições ás índias Occidentaes, nesta do Ca-.
bedello concederão, que o Governador Gregório Guedes
Soutomaior (era o terceiro que commandava o Fone)
escolhesse cento e vinte Soldados, que ficavâo tzemos
daquella condição geral. .., ... .
. '.;, A perda do Cabedello produzk) grande consternação
nas tropas, e tal mudança nas opiniões dos habitantes
da Parahiba, que começarão a manifestar desejos de vi
verem debaixo do jugo dos Hollandezes, o que arrastroa
a entrega do Forte de Santo António no dia 23 , quasi
sem resistência. Porem o Conde de Banolo, antes de
abandonnr a Cidade da Parahiba , que era, aberta, man
dou queimar os armazéns do Commercio, e os navios
que .estavão no Porto carregados; e levando a artilheria,
e munições que lhe foi possível, se retirou a Pernambu
co com o destacamento que d*alli conduzira; o que An
tónio de Albuquerque imitou depois. Schoppe, deixan
do boa guarnição na Praça, e reparados os Fortes, sahio
para o Recife , havendo-lhe custado aquella conquista
perro de seiscentos homens.
163c. — A Esquadra da índia (1) constou das N30S
Senhora da Saúde, e Santa Catharina, e hum Patacho:

O) Faria e Sousa , Ásia Portugueia. — Epilogo de Pedro Ene»


de Rezende, que acabou neste anno a sua Historia.
305
embarcou na primeira o Vice-Rei Pedro da Silva, corft
o Chefe da Esquadra Anronio Telles da Silva ; cora-
mandava a segunda Náo Luiz de Castanheda e Vascon-
cellos, e João da Costa o Patacho.
Sahio a Esquadra de Lisboa a 13 de Abril: sepa-
rarao-se na viagem as duas Náos, e tornarao-se a reunir
depois de dobrarem o Cabo de Boa Esperança. Desta
paragem expedio o Vice-Rci o Patacho com soccerro a
Moçambique, o qual, havendo alli desembarcado, foi
tomar Goa em Novembro. As duas Náos passarão por
fora da Ilha de S. Lourenço, e soífrêrão grandes calma
rias nos mares da índia; por fim chegarão ambas a Co-
chim a 23 de Novembro, havendo-lhe morrido muita
gente, e trazendo ainda a bordo muitos doentes. Na
torna-viagem, perdeo-se na barra de Lisboa a Náo San
ta Catharina.
1635". — A 24 de Fevereiro de 1635" (1) partio de
Goa a Náo Belém, commandada por José Cabreira, em
conserva de outra, que era a Capitanea. Esta Náo Be
lém , que era mui grande, tinha encalhado duas vezes na
índia, e tinha sido duas vezes carenada; e por lhe ha
verem cortado os mastros, lhe mettèrao outros mui pe-
zados , e de maior guinda que os antigos. Trazia de
guarnição cento e quarenta c cinco pessoas de marinha
gem (tendo á ida levado duzentos), inclusos osOfficiaes,
e alguns escravos: muitos destes homens vinhao doentes,.
e outros enfraquecidos das enfermidades, que padecerão
em Goa. A Náo fazia agua, e de noite trabalhavao os
escravos com a bomba de roda ( he a primeira vez que
acho menção destas bombas), e de dia com outra. Fa-
zia-se pouca força de vela para acompanhar a Capitanea,
que andava menos.

(O Veja-se a Relação deste naufrágio , escrita pelo ComraandantÇ/


José Cabreira, impressa em Lisboa em i6}6.
Tomo II. 39
80<J

Da latitude $° 'Siil por diante tiverão aguaceiros,


que Hie levár.io o panno por falta de gente para a ma
nobra; e no x.° de Maio amanhecerão com a Ilha de
Rodrigo. Os ventos erão então favoráveis para buscir
directamente o Cabo de Boa Esperança , mas a Capira-
nea foi sempre com a proa ao Sul até chegar a mais de
34o, onde os ventos passarão a O. N. O. e N. O. , e co
meçarão a haver temporaes; o que vendo José Cabreira,
fallou á Capitanea , e representou-lhe , que era melhor
nao se amarar tanto, e procurar ver a terra do Cabo por
3a0, por ter mais abrigo, e cursarem alli aquelle mez os
ventos Levantes, o que lhe pareceo bem; e assim romá-
râo as duas Náos o bordo da terra , e passados mais de
oito dias, a descobrirão quasi em 33o; porem encontra
rão terriveis tempos, e a Náo Belém achava-se reduzida
á bomba de roda, e esta quasi desmantelada, e as outras
bombas ordinárias vierão de Goa em tão mão estado,
que só huma podia trabalhar, e mal.
Nestas circunstancias pedio José Cabreira ao Chefe
António de Saldanha, hum Carpinteiro, e hum Calafa
te , e algumas cousas necessárias para a bomba ; porqui
os dois Carpinteiros, e os dois Calafates que trazia, es-
tavao incapazes de serviço. O máo tempo, e circunstan
cias particulares lhe embaraçarão receber este auxilio.
Neste tempo hia crescendo a agua, porque a Náo,
com os grandes balanços que dava, cuspia a estopa; e
a 13 de Junho ihe deo hum rijo temporal, a que se se-
guio outro, que obrigou a correr com elle em papafigos,
para fugir ao mnr, levando o farol acceso por lhe ficar
a Capitanea na popa, a qual nunca mais se vio.
Os Pilotos fazião-se com a Bahia de S. Bra2; e co
mo o tempo continuava tormentoso, e as bombas nao
vencião a agua , se estabelecerão gamotes, trabalhando
todas as pessoas , sem exceptuar as mulheres , em acudir
ao que era necessária. Decidio-se em hum conselho ge
307

ral , que a Náo estava incapaz dé soffrer por maia tem»


po os mares , e que se devia correr ao Jargo da Costa
para tomarem o lugar, que podessem.-
Os paióes da pimenta nirombarao-se, c deslizando
esta no porão, entupio a$ bombas, e aré embaraçava osr
.gamotes ; descobrio-se também , que a maior parte da
agua estava pelo coral da proa , e havia já dez pal
mos delia no porão, e ainda crescia' a cada momento.
Tentavão passar por baixo cia- proa huma véía bem es
topada (meio de que se sérvio com vantagem o Cdpitão
Cook), para vedar por este modo a entrada da agua;
porém o tempo não permittiô pôr em execução este pro
jecto.
Tinha se alijado ao mar todo quanto era possível,
posto que o n.ivio não vinha mui cfrregado; porque se
viesse como costumavão rir quasi todos , depressa teria
ido a pique. Determinou-se a final , por parecer una
nime, que se buscasse a terra para encalhar quanto an
tes, visto que a Náo estava com a proa quasi mettida
debaixo d*agua, e nem os gamotes podião já trabalhar,
por causa da pimenta amassada no porão.
A 28 de Junho virão terra em 32o, que he quasi o
principio da Terra do Natal ; e chegando a ella sobre a
tarde, derao fundo a hum ferro. Posta a lancha fora,
sahio nella José Cabreira com trinta e oito homens ar
mados, e sem mantimento algum pela brevidade com
que partio; mas a escuridão da noite, e a braveza do
rnar, que rebentava em flor na Costa, não permittiô que
desembarcassem; e voltando no dia seguinte para bordo,
não poderão tomar a Náo, de que os afastava o mar, o
a corrente. Nesta extremidade pozerao a todo o risco a
proa em terra , onde milagrosamente saltarão todos , ar-
ruinando-se a lancha.
Os da Náo quando virão voltar a lancha para ter
ra, a derão por perdida; e picando a amarra, e largan*
39 ii
308

do o traquete, sendo o vento Levante , forfío encalhar


em huma praia próxima de hum Rio, que sahia ao mar,
epelo qual entrava a maré; porém não o enxergarão Bes
sa occasiao , por ser baixamar, e rebentar muito o mar
nas arêas , que cercão a sua foz. Abonançou depois o
tempo, e passarão a noite a bordo. Os Cafres tinhao
descido á praia em numero de mais de oitocentos ; mas
as armas de fogo, que oCommandanre teve o bom acor
do de levar, os comi verão. Desembarcada a salvo toda
a gente, se alojarão todos os Portuguezes em terra com
boa ordem, e grandes cautelas, por serem os Cafres mui
ladrões, que só os continha o receio das armas, como
suecedeo em hum assalto que na primeira noite derão
ao campo, no qual forão rechaçadps com perda sua,e
ficarão espantados do effèito das balas de mosquete.
Esta terra era de tão bons ares, que todos os doen
tes convalecerão em breve, á excepção de quatro, ou cin
co, e nunca adoeceo pessoa alguma» Os Cafres eráo
grandes, robustos, e de bom aspecto, e tão ligeiros,
que corrião poF cima das serras mais fragosas, como ga
mos : cobrião-se com capas curtas de couro de bor, cur
tidas por tal modo, que fieavão macias como panno:
as suas armas erão zagaias com seus ferros bem fenos;
e rodelas de couro de elefante ; acompanhavão-se de
muitos cães, que lhes servião para a caça dos animae»
silvestres; porque havião no Paiz elefantes, búfalos, ti
gres, leões, e porcos montezes; assim como caça volá
til, e do matto de toda a espécie. Criavão estes Cafres
mui formoso gado vaccum, e lavravão grandes semen
teiras de milho.
Achou José Cabreira acertado mudar o seu campo
á outra margem do Rio, e alli formou huma povoação
de cabanas com boa policia , e estabeleceo commercio
com os Cafres, que lhe vendião mantimento a troco de
pedaços de cobre, mercadoria a mais estimada daquet
309

lei bárbaros. Como a Náo durou dezesete dias encalha


da, até que se queimou por desastre, e tinha escapado
intacto o escaler, por meio deste se tirarão muitos ví
veres, massame, e outros artigos, incluindo as malas
das cartas, toda a pedraria, aljôfar, âmbar, e almíscar,
que tudo se registou, e póz em boa arrecadação; e o
Commandante concebeo a feliz idéa de construir duas
embarcações, em que coubesse toda a gente. Esta obra
parecia impossível, mas o talento, a actividade, e o zelo
com que todos nella se empregarão, a tornou fácil, não
havendo mais do que dois Carpinteiros com três macha
dos , huma serra , e quatro marrões.
A 20 de Julho começourse a cortar a madeira: erão
as embarcações duas , a huma derão o nome de Senho
ra da Natividade, e á outra de Senhora da Boa Via
gem, cada huma com sessenta palmos de quilha, vinte
de boca , e nove de pontal , as quaes ficarão promptas
no Rio a 10 de Janeiro de 1636. Embarcou José Ca
breira na primeira com todos os Officiaes da Náo,- e to
da a. riqueza , levando cento e trinta e cinco pessoas, in
cluindo dez escravos. Na segunda foi por Commandan
te Estado de Azevedo Coutinho, com o Piloto Manoel
Neto, conduzindo ao todo cento e trinta e sete pessoas,
inclusos nove escravos; e a 28 de Janeiro sahírão do Rio
com bom vento Levante em busca do Cabo de Boa Es
perança , cujo vento se mudou logo ao N. O. tormen
toso, separando-se a Boa Viagem, de que o Author da
Relação não falia mais.
Ainda que a distancia do Rio d'onde vinhão (a que
pozerao o nome de Rio da Praia ) ao Cabo de Boa Es
perança seria de cento e setenta léguas ^ andarão vinte e
dois dias á vista da terra, sem poderem dobrar o Cabo;
e por não perderem o caminho, que havião ganhado, sur
girão na Bahia da Alagoa , d'onde sahírão com muito
perigo i e finalmente em Fevereiro montarão o Cabo,c
310
e navegando ao longo da' Costa da Africa Occidental;
chegarão a Angola a 10 de Março. Dalli partio José
Cabreira para a Bahia a y de Maio-, e sahindo desta
ultima Cidade a n de Julho, entrou era Lisboa a 28 de
Agosto.
N.B. Faria diz, que ambas as embarcações se salva
rão. Vede Ásia Portugueza, Tomo 3. Parte 4. Cap. 74.
163c. — Os Hollandezes, animados com a conquista
da Parahiba (1), e considerando' as grandes forças mili
tares, de que dispuniião, comparativamente ás dos Por*
tuguezcs, projectarão fazer huma campanha decisiva, pa
ra os expulsar de toda a Provinda de Pernambuco. Afa-
fhias de Albuquerque, penetrando os seus intentos, guar-
neceo o Forte da Nazareth cOnv seiscentos homens ,
commartdados pelo Sargento Mor do Estado Pedro Cor
rêa da Gama , e por Luiz Barbalho, Sargento Mor do
Terço de Portugal : deixou no Arraial do Bom Jesus o
Tenente General de Artilheria André Marin, com qua
trocentos e cincoenta Soldados-, e a 2 de Março tomou
posição em Villa Formosa , a seis léguas do Cabo, com
trezentos Portuguezcs , alguns índios, e pouco mais de
cem moradores armados, ficando assim próximo dos Rios
de Serinhaem, e Formoso, pelos quaes poderia recefVer
os soccorros que viessem de Portugal ; sendo tanta a fal
ta de munições de guerra, que houve occasiao de achar-
se com meia arroba de pólvora. E sendo-Ihe necessário
oceupar quanto antes Porto Calvo, situado ao Sul do
Cabo, destacou a isso o Conde de Banholo com duzen
tos homens. Cumpre notar, que todas as forças de que
dispunha nesta época Mathias de Albuquerque, não pas-
savão de mil c trezentos e cincoenta soldados. Recolheo

(1) Memorias de Duarte de Albuquerque, pag. 171 ate ai 1. —


Fr. Joáo José de Santa Theresa, Liv. 5. — Brito Freire, Liv. 8. —
Southey, Cap. 17.
8H
elle comsigo em Villa Formosa a Duarte de Albuquer
que, áo Governador, que foi da Parahiba, António de
Albuquerque, e outros Officiaes Superiores.
No dia 3 appareceo o General Scloppe com huma
grossa columna de Infanteria á vista do Forte da Na-
zareth, e se fortificou a huma légua de distancia , para
interceptar os soccorros que viessem por terra : ao mes
mo tempo a Esquadra Hollandeza evitava as communi-
cações por mar; posto que, a despeito da sua vigilân
cia , entrarão no Porto alguns barcos com avisos, e soc
corros.
No mesmo dia o Coronel Artisjoski, com outra co
lumna de três mil homens, e muita artilheria, sitiou em
forma o Arraial do Bom Jesus. Este cerco foi huma
serie de assaltos, de sortidas, e de emboscadas, cora
grande perda de ambas as Nações , ainda que menor da
parte dos Portuguezes, que tinhão a vantagem de hum
perfeito conhecimento das localidades. Matinas de Al
buquerque conservava-se descançado em Villa Formosa ,
d'onde o quiz expulsar no dia 18 de Março o Sargento
Mor de Batalha Andreson , destacado para efFeito por
Artisjoski com mil homens ; mas foi rechaçado antes de
chegar aos entrincheiramentos , que cobriao a Villa ; e
voltando a ri de Abril com oitocentos Soldados esco
lhidos, teve alguma vantagem no começo da acção, que
durou das dez da manhã até ao pôr do Sol, mas por ul
timo se vio forçado a retirar-se , deixando cento e vinte
mortos no campo.
Não estavão entretanto as armas ociosas no Cabo
de Santo Agostinho, fazendo a guarnição do Forte da
Nazareth varias sortidas, e dando os Hollandezes repe
tidos assaltos ás obras exteriores, de que se retirarão sem
pre com perda.
O Conde de Banholo achou também inimigos em
Porto Calvo, onde chegou a 12 de Março. Tinhão os
312
Hollandezes levantado já hum Forte na Barra Grande ,
cinco léguas distante, e o Almirante Lichthart, que alli
se achava com huma Esquadra, querendo obstar ao esta
belecimento do Conde em Porto Cairo, marchou contra
elle com seiscentos homens tirados das guarnições dos
navios, e do novo Forte. A 15 foi atacado o Conde,
que tinha duzentos Soldados, e alguns paizanos, em hu-
ma posição que havia escolhido fora da Povoação, a
qual não podendo sustentar contra forças tão superiores,
se retirou vagarosamente, com pouca perda, e sem ser
perseguido, para a Alagoa do Norte* dezenove léguas
mais ao Sul, a que chegou no dia 21. O Almirante
em vez de seguir o Conde , contentou-se com saquear
Porto Calvo , e deixando alli o Major Alexandre Picará
com hum destacamento, se retirou.
O Arraial do Bom Jesus rinha chegado ao ultimo
termo da sua vigorosa resistência, estando arruinadas as
obras, mortos cento e cincoenta homens, outros tantos
feridos, e acabados os víveres, e munições de guerra.
Mathias de Albuquerque, antevendo o resultado dos cer
cos do Arraial, e Forte da Nazareth, havia expedido
ordens no dia 4 de Maio aos seus Governadores para
que, antes de consumirem os mantimentos, rebentassem
a artilheria , e sahissem de noite com as suas guarnições
a reunir-se a elle em Villa Formosa: porém estas ordens
erão inexecutaveis nas circunstancias actuaes.
A 6 de Junho capitulou o Arraial , sahindo a guar
nição com todas as honras militares, para ser transpor
tada ás índias Occidentaes. Custou esta conquista mil
e quinhentos mortos e feridos aos Hollandezes, que de
pois de arrazarem as fortificações, marcharão a unir-se
ao General Schoppe , o qual apertou agora o cerco do
Forte da Nazareth, em que havia grande fome, e por
isso capitulou a 2 de Julho com as mesmas condições
do Arraial. . ..
313

Havia Matinas de Albuquerque recebido a 25* de.


Junho hum expresso do Conde de Banholo, cm que
lhe partecipava torem entrado nas Alagoas duas Cara
velas de Lisboa , commandadas pelos Capitães Pairkrr
de Parada , e Sebastião de Lucena , trazendo Cartas d'j
EIRei, e algumas munições; e davão noticia de que a.
Armada Hespanhola não. podéra sahir de Lisboa em>
Março, como se lhe tinha communicado; e que de cer
to partiria no mez de Maio. Accrescentava o Conde,
que lhe parecia bem r que elle abandonasse: Villa For
mosa , e se recolhesse ás Alagoas. Concordou o Gene
ral nesta opinião, bem como todos aqucllcs, aquém
:onsultou. Esta retirada , ou emigração dos Povos de
Pernambuco, que o acompanharão, offerece hum dos'
quadros mais lastimosos da Historia Portugueza; eu
me dispenso de o desenhar, por ser alheio destas Me-
"norlas. '• .; -• r,-; . . ,.-./ .j 1. ,■ .."1 .,;>
A fortuna quiz dar por despedida a Mathias do
Albuquerque huma occasião de se vingar dos Hollanr
iezes. Estavão estes em numero de trezentos, e cin
zenta homens em Porro Calvo, por onde passava a li
ma de retirada dos Portuguezes ; e no dia que estes
ivisrarão aquella Villa, entrou rrella com outros duzen
tos soldados o famoso Calabar, c ue alli havia nasci
do. A 12 de Julho assaltou o Albuquerque a Porto
Calvo, depois de derrotar hum destacamento de du
zentos homens , com que o Major Picard , enganado
3or Sebastião de Souto, sahio a reconhece-lo. Ganha»
ao logo os Portuguezes alguns pequenos Reductos, t
itiárno duas casas, e huma Igreja era que elles esta
rão fortificados. Djrou o. cerco até ao dia 10, em que
1 card se rendeo com a condi ao de sahir com as hon-
as militares, e ser transportado ái Bahia com os seus
oldados, para serem todos conduzidos a Hespanha , e
i'alli i Hollanda ; exceptuou-se porém Calabar, que Ma-
lomo II. 40
114

thiasr de Albuquerque maodóà enforcar. Sábio Ficard


coro trezentos, e sessenta homens sãos, e tinte e sete
doentes, ou feridos: os Portuguezes não excedi ao nesre
momento a cento e quarenta soldadas, e alguns índios.
Oftereceo Matinas de Albuquerque ao General Schopoe
trocar estes prisineiros pelos do Forte da Nazareth , o
que elle recusou cohv frívolos pretextos.
Arrasadas as fortificações de Porto Calvo, e reco
lhidas seis peças de artilhem (que se enterrarão por
falta de transportes) , e as armas, e munições que alli
se acharão, proseguioo General no dia zj a sua reti
rada para as Alagoas, e chegou i do Norte a 20, on
de o esperava o Conde de Banholo. Concordarão am
bos em que se oceupasse a Alagoa do Sul , tanto por
ser mais defensável , como por se achar situada entre os
Porcos dejaraguá, Alagoas, e dos Francezes, proje
cto que logo começou a executar-se; e a 2 de Agosto
entrou ò General nà Alagoa do Sul, d'onde partecipou
a El Rei quanto havia sucoedido: o Conde foi alojar-
se seis léguas mais ao Norte , no sitio chamado o Po-
ço. ' i •.''.; .-'c •'" "•;
A 15" de Agosto oceupou . o Coronel Artisjoslri
com dois mil homens a Peripueira , eito léguas distante
das Alagoas, e duas ao Norte do Poço , na qual cor>
struio algumas obras.
Ma th ias de Albuquerque, esperando cada dia pe
la grande Armada annunciada de Hespanha , tinha es
tabelecido inteUigencias por toda a Costa de Pernam
buco , para que Jogo que ella apparecesse , lhe levas
sem a bordo algumas cartas , que depositou em mãos
seguras, nas qtiacs informava o General d'aquelía Ar»
tríada do estado daa cousas , e do que se devia eropre-
liender para de hum go^pe expulsar os Hollandezes, que
tfesarínadaniente tinbão espalhado as tropas em- pósros
situados a gcànies. distancias huns dos outros x deixanr
318
do o Recife, chave de todas "a? suas possessões, coni
duzentos homens* ' ■> - <> " \'> / •
Esta Armada , por queni «aspirava o BrasiJ , sá
bio finalmente de Lisboa , composta de trinta navios
(não achei relação d'eljes) Pêrroguezes , e Besparihots.'
Commandava em Chefe D. Lopo de Hozes e Córdo
va, e pof seu Almirante D. José de Meneses., Fidalgo
Portuguez. Da Esquadra de Portugal' era Ganerâl D,
Rodrigo Lobo, e Almirante João dé Sequeira Varejão*»
A bordo de l). Lopo embarcou -D. Luiz de Roxas c
Be rja , com Pa teme de Mestre de Campo General y p«*(
r» suceeder a Matinas de Albuquerque ; o a bordo de>
D.. Rodrigo Lobo hia Pedro da Siiva , nomeado Capi->
tSo General do Brasil, qué devi* fender na Bahia a DÍ04»
go Luiz di» Oliveira. As tropas destinada* para Perm
ito mbpeoreduziã^se fl s&tccenfOs Portaguezes , quí-?
nhentos Hc-spanhocs , e quatrocentos Naptji-kartk»,: ai*:
g4msA/til hei ft>s, e Mineiros, e doze peças de <ta rios
calibres. Deteve-se á Armada quinze dias em Gabo
Verde (mania inseparável das expedições ao Brasil), o»-..
de lhe adoeceo, e morreo alguma gente. Âlli fizerãoes?
Generaes- hum Conselho, que seria mais prudente ter;
feito em Lisboa, para se decidir se iriSo primeiro áV
Bahia , ou Pernambuco; e assetítouse que fossem atris-»
rar o Recife, a fim de tomar informação do estado das*
còkréaSy e por ella se resolverem *s futuras operaçoe** '■*
Ao amanhecer do dia 26 cie Novembro vífuo C*^-;
linda, e logo o Recife, onde acharão surtos em frart*
cfois, aove tiavjos Hollandezes carregados de genetós da
Paiz , promptos a fazer-se á vela para a Europa ; e pa
la^ segurança com que esta Vão , tinhao em terra huma
parte' dos marinheiros. D. Lopo de Hozes <, passando á>
fblln do Almirante Varejão, pérguMOU-lhe o seu pa^
recer , e respondendo ésre , que não perdesse a boa oc-
cisiao de tomar aquclles navios, ambas «9 Náos arri*
40 ii
316
barão para elles ; mas D. Lopo mudou logo de opi
nião, com o fundamento de que estas Naus demandaváo
mais agua, que o$ navios Hollandezes, havendo nas duas
Esquadras muitos navios pequenos; e assim os deixou
em paz, c continuou a calar para o Sul, aonde as
aguas então corrião..
< O General Scboppe, quando vio a Armada de
Hespanha , de© o negocio por concluído, e lançando
em terra o chipeo , e o bastão, exclamou: Estàu per-
did*\ Maior seria a sua desesperação se soubesse, que
por intelligencias secretas de Matinas de Albuqueraue,
os moradores de Pernambuco , e mesmo os do Recife
estavão avisados, e resolutos a pegar em armas logo
<}ue a Armada deitasse gente en terra; e se D. Lopo
ancorasse por algumas horas diante desra ultima Pra
ça , receberia as Cartas de Mj th ias de Albuquerque, e
seria cabalmente instruído de tudo.
No Cabo de Santo Agostinho he que D. Lopo
soube por hum homem , que veio a bordo em homa
jangada, as novidades que devesa ter diligenciado ad
quirir de Olinda , ou do Recife-, e agora já era dixScil
ganhar para barlavento contra as correntes, e ventos da
monção. Communicou elle aos outros Generaes as noti
cias , que acabava de receber , e pareceo a estes, que ao
menos se desembarcassem as tropas em Serinhem , e se
destacasse huma embarcação a avisarr.Mathias de Al
buquerque, para que se dirigisse promptaraente a este
Vorto. Porém D. Lopo nao annuio a este voto, e se
guindo derrota para as Alagoas, ancorou defronte da
sua barra ao anoitecer de 28.
« - Na madrugada seguinte soube Mathias de Albu
querque da sua chegada , e lhe esereveo logo por Mar»
Um Soares Moreno, Offi ciai- mui pratico, e capaz de o
poder bem informar de tudo, e na carta lhe dizia, qae
o- desembarque das tropas de soccorro devia sec em Se?
3J7

rlflhem, ou Rio Formoso, poucas léguas ao Sul do Ca


bo de Santo Agostinho, ou deste Cabo para o Norte,
pois assim ficava dominando a parte mais fértil da cam
panha, sem receio de adiar opposição nos Hollande»
zes, que estavão dispersos desde a Perípueira até ao Rio
Grande, e só com duzentos homens no Recife; e que
elle, ao primeiro aviso sen, marcharia por caminhos
oceultos, que ji tinha feito abrir, a unir-se ao soccor-
ro; com que se ganharia o Recife. E que não convi
nha desembarcar nas Alagoas y por não haver farinha
de páo nem para a pouca gente, que alli estava; e a-
char-se Artisjoski na Peripueira com doze navios, e dois
mil homens. A substancia desta carta era a mesma das
outras, que lhe escrevera antes, as quaes D. Lopo não
recebeo pela sua precipitação em largar o ancoradouro
do Recite. ■ >
A esta carta responde© D. Lopo, desculpa ndo-se
que não podia demorar- se , por trazer ordens d'E!Rei
Eara bir á Cidade da Bahia , e receber a bordo Diogo
.uiz de Oliveira, para o conduzir naquella Armada
a expulsar os Hollandezes da Ilha de Curaçau , haven-
vendo-o El Rei nomeado General desta particular expe
dição.
A 30 desembarcou D. Luiz de Roxas, e e Tenen
te Genenl de Artilfleria Miguel Gíbçrton com as tro
pas do soccorro no Porto de Tarag.ua , fcuma légua ao
Norte án barra das Alagoas , e três ao Sul da Peri
pueira. A Armada fez-se á vela para a Bahia 97 de
Dezembro, e a, 16 partio por terra para aquella Cidade
Mathtas de Albuquerque y deixando alli Duarte de Al1-
buquerque Coelho por ordem expressa d'ElRei. Ficoo
agora exercendo o supremo Cominando D. Luiz de Ro
xas, Oinciat valoroso, pratico eras guerras da Europa,
mas ignorante das do Brasil; e este erro da Corte de
Madrid foi mui prejudicial a Portugal.
7)1*
-•■"léNftf'*- SahírSo de Lisboa este a ti rio para a Iatíá
(l) duas Náos , a primeira commartdada por Got>?aJõ
ore Barroí, Chefe da expedição; e a segunda pot Amo;
nio de Araújo, que arribou. O Chefe entrou em Goa a
salvamento.
1636 — D. Luiz de Roxas (2) , querendo enrrar em
campanha , rcmetfco para a Alagoa do norte a arriííw-»
ria , munições, e doentes (que não eraO poucos), e dei
xando aili de guarnição ao Conde de Banhóio com se
le centos homens, se poz em marcha a 6 de Janeiro
tein mil * * quatro centos Portugueses , alêrrí dos índio*
de D- António Filippe Camarão, seguindo hurca rere-'
da que mandara abrir pelo meio dos bosques, a cmai
*e achou péssima. Tendo aqui noticia, que o General
Schoppe estava descuidado cm Porto Calvo com se»
centos soldados , destacou o Capitão Francisco Rebel-
Io com ires Companhias para o entreter até á sua che
gada, devendo antes marchar rapidamente a surprehen-
delo. Chegado a cinco léguas de Porro Calvo, recebeo
aviso dò Capitão Rebello, de que já se tinha apodera
do dos orincipaes caminhos, e aprisionando o Secre
tario de Schoppe ; e se levasse maior força , accontece-
ria o mesmo a este, que na noite de 14 escapou, sem
ser sei* ido, com toda a sua columna, guiado por bum
moço natural do Paiz, que o conduzio por atalhos des
usados , e o poz a salvo na Barra Grande sem outra
perda , que a de vinte e oito homens mais atrazados ,
que os Portuguezes matarão no alcance.
'j Entrou D. Luiz de Roxas em Põfto Cairo, onde
achou viveres , e munições , e sebre hom aviso falso de
u ■ ■ ■ '
- (1) Faria * Sousa, Ásia Poitugueia.
(a) Memorias de Duarte de Albuquerque, pag. iia, tt\é piar.
ajó — Efito Freire, Livros 8.°, e 9." — Southey , tomo ].°, C»\\'
íTS'— Ff. JoJoJosc de Santa Therew , Part. 1. Liv. 6. — CisukíO
Lusitano, Parte 1.", Liv. j.^
819
que se coftserfravao os inimigos na Barra Grande, mar
chou a tiles; mas conhecido o engano, retrocedeo 49
caminho, e soube com «rtesa, que Artisjoski tinha,
sahido da Peripueira com mil, e quinhentos homejas
em soccorro do seu General , que suppunha cercado ena
Porto Calvo. Tornou. D. Luiz a sahir desta ViUa na
tarde de 17, a pezar do grande cançasso das suas tro
pas , para atacar Artisjoeki , que se achava d'a!Ji quar
tro léguas , e tinha incendiado alguns Engenhos: leva-
ya elle oito centos soldados , e os índios de Camarão,
deixando inutilmente em Horto Calvo ao Tenente Ggr
neral Manoel Dias de Andrade com o resto das tro
pas ; e seguio a direcção que julgou melhor para cortar
os Hollandezes do caminho da Peripueira, oude criai
intenta vão retirar-se. . ,
Nessa noite, por conselho de alguns Officiaes-,
destacou D. Luiz o Capitão índio João de Almeida-,
bom pratico do Paiz, para reconhecer os caminhos;
mas estava tão perto dos Hollandezes, sem o saber,
que o Almeida os encontrou a tiro de mosquete, e pe»-
cebeo que lhe vinhão cortando a retaguarda. No mes
mo instante foi esta assaltada dos inimigos , a quem os
Jortuguezes rechaçarão , colhendo sete prisioneiros.
Com isto fizerao alto buns , e outro? , aguardando o
dia para se reconhecerem.
Ao amanhecer de 18 oravou-se hurna acção furio-
«a , havendo alguma desordem na vanguarda de D-
Luiz, a carregarão os Hollandezes com tanto vigor,
^nea romperão, e aceudíndo elle a pé á testa de num
pelotão de piqueiros para a sustentar, fei ferido de hu-
jiia bala de mosquete em huma perna : querendo enrão-
rH30Btar a cavallo, recebeo outra no peito, que lhe ti-
rou a vida, A morte do Genital , influindo sobre o iro-
-ral das suas tropas, deo a victoria a Artisjoski, o qual
Tfi)do-se fÒra da, má posição, em que se achava , não
320
perdeo hum momento em retirar-se & Peripueira , le
vando prisioneiro o Sargento Mor Heitor de la Cai
ena , e deixando duzentos mortos no campo. A perda
dos Portuguezes não excedeo a noventa homens entre
«lies alguns Offidaes de merecimento.
Succedeo no Commando a D. Luiz de Roxas, o
Conde de Banholo em consequência de huma 7ria de
Successílo , que o primeiro levara de Hespanha. Conti
nuou o Conde pelo resto do anno na mesma guerra de
postos , e assaltos que anteriormente se fazia com grave
dam no dos HoIIândezes, que não podião por essa cau
sa tirar frueto algum da Campanha ,»por onde de con
tinuo andavao partidas soltas , que incendiavão os cana-
veaes, e destruião as plantações de tabaco, e mandio
ca ; o que incommodou de tal sorte os HoIIândezes,
•que largarão a final os Fortes da Peripueira , e Barra
Grande.
Chegarão á Bahia Cartas do Conde de Banholo
dirigidas ao Capitão General Pedro da Silva , c aos
Generaes das duas Esquadras, que ainda ai li se conser-
vavão, era que lhes partecipava a morte de D. Luiz
de Roxas, e ped a que na sua volta avistassem a Costa
de Pernambuco; porque segundo as poucas tropas, e
navios com que os HoIIândezes se achavão, quiçá ha
veria occasiao opportuna de tentar alguma facção útil.
Chamou Pedro da Silva a Conselho, a que também as-
sistio Mathias de Albuquerque , o qual era da opinião
do Conde de Banholo, e se ofFereceo a servir de Vo
luntário; mas tudo foi inútil, porque D. Lopo se escu
sou com as ordens positivas, que tinha para hir á ex
pedição de Curaçau com Diogo Luiz de Oliveira , o
que não teve effeito, pois que sahio depois sem elle,
levando somente a sua Náo Capitanea , a Almirante,
e hum Patacho, e quatorze léguas ao mar da Bahia en
controu huma Esquadra Hollandcza de oito navios,
3-21

com que pelejou, recebendo delles tanto damno, que


se reeolbeo á Bahia. E da segunda vez, que sahio, tam
bém não levou a Diogo Luiz, que partio para Lisboa
com D. Rodrigo Lobo, eo resto da Armada, dando
comboi a huma Frota de navios mercantes.
1637 — Neste anno (1) foi porChcíe de duas Nãos
da Carreira João de Mello, sendo Gommandante da
outra Aires de Sousa. Ambas chegarão a Goa. :
1637 — A 23 de Janeiro (2) chegou ao Recife João
Maurício, Conde de Nopau, primo do Príncipe de O-
range, para Governador Geral de todas as Praças Hol-
landezas conquistadas no Brasil : trazia por Assistentes
três Commissarios da Companhia Occidental, e dois
mil , e sete centos soldados. Logo que o Conde se in
formou do estado das coisa* , resolveo atacar com to
das as forças reunidas ao Conde de Bauholo, e perse-
guillo até o forçar a passar o Rio de S. Francisco. Ti
nha para executar este plano cinco mil , c quinhentos,
e cincoenta Hollandezes, e quinhentos índios, e Ne
gros bem armados ; e quarenta navios de guerra. No
dia 30 embarcou Arteijoski com dois mil homens, e a
12 de Fevereiro ancorou na Parra Grande, onde scj
conservou embarcado esperando a chegada do Conde
de Nassau, que marchava por terra com o resto das
tropas. ,- -t , t
Achava-se o Conde de Banholo cm Porto Calvo,
base das suas operações , o sabendo da vinda de Nas
sau , convocou hum Conselho de Guerra , em que Duar
te de Albuquerque propoz hum plano de guerra oífen-
siva, combinada com a defensiva , calculado sobre Q

(O Faria , Ásia Portugueza. ...»


(2) Memorias de Duarte úe Albuquerque, pag. *J7, ate «jo —'•,
Fr. João José de Santa Thereza , Parte 1. , Livros 6., e 7. — Castrioto
Lusitano, Parte 1., Liv. 3, — frito Freire, Liv. 9. - Southey , tonío
J., Capitules 16, e 17. —
Tomo II. 41-,
322
sistema de aggressío que suppunha aos inimigos. O
remeo justihcou o acerto das suas ideas : mas o Conde
de Banholo seguio outro plano: mandou recolher as tro
pas oue guarda vão a margem do Rio de Una , que os
Hc.;andezes forçosamente havião passar; e deixando no
Forre mal acabado, e mal armado de Porto Calvo ao
Tenente General da Artilheria Miguel Gibertou com
trezentos soldados (muitos delles doentes), e os Arti
lheiros, e Mineiros com as munições, e artilheria que
Tierao de Portugal , foi tomar posição a pouca distan
cia no sitio chamado o Outeiro de Amador Alvares
etn que começou a construir dois Reductos, hum dos'
qoaes guarneceo com tres canhões; e alli esperou os
inimigos.
O Conde de Nassau, proseguindo a marcha, veio
passar o Rio de Una sem opposição no dia 1 6 (de que
devia ficar bem admirado!;, e se ajuntou com Artis-
joski, oue desembarcou apenas soube desta passagem;
c reunidas todas as forças, marcharão na madrúf^í
de 17 para Porto Calvo , cinco léguas distante.
Avançou o Conde de Banholo hum reconhecimen
to, que encontrou os Hollandezes a duas léguas de Por
to Calvo; e com esta noticia ordenou ao Tenente de
Mestre de Campo General Almiron , que os fosse ata
car com quinhentos .soldados, trezentos índios do com
inando de Camarão, e oitenta Negros de Henrique
Dias. Era quasi noite quando Almiron se achou na pre
sença dos Hollandezes a tiro de mosquete ; e cada qual
fez alto onde estava, esperando a manhã. Occupavão os
Hollandezes hum terreno elevado, e no cume construi
rão huma bateria entrinxeirada com quatro peças de
campanha , que toda a noite jogarão contra o campo
dos Portuguezes : esta vão estes em huma baixa, junto a
lum riacho, em que levantarão hum entrinxeiramenro,
com sua palissada, e nos flancos emboscarão alguma*
323
gente. Nessa noite enviou Banholo hum reforço de tre*
lentos homens , conservando-se na mesma posição que
havia escolhido, com o resto das tropas, que de nada
alli lhe servião, pela grande distancia, e poderião ser
vir de muito na batalha decisiva , que Almiron hia dar
com menos de mil homens , sem artilheria , a seis mil
inimigos, que traziao alguns canhões.
A's oito horas da manhã do dia 18 atacarão os
Hollandezes em três columnas a linha dos Porruguezes,
que depois de os rechaçar duas vezes , foi rota ao ter-r
ceiro ataque; mas a perda não excedeo a quarenta e
dois mortos, inclusos três Officiaes, e vinte e oito fe
ridos e quatro Officiaes prisioneiros; porque em hum
terreno tao coberto de bosques, e de matos, he fácil, e
segura a retirada aos que são práticos no Paiz. Huma
parte dos Soldados tomou logo o caminho das Alagoas;
e o maior numero retirou-se ao campo do Conde de
Banholo. Este, em sabendo da derrota, partio immedia-
tamente para as Alagoas, levando comsigo a Duarte
de Albuquerque, e ao Tenente General Andrade; e
deixou coisa de oito centos homens a Almiron para
comboiar áquelle districto os moradores, que se qui-
zessem retirar, como fizerão muitos, sem que os Hol
landezes os seguissem.
O Conde de Nassau, satisfeito da sua victoria,'
poz cerco a Porto Calvo, que se rendeo a 6 de Mar
ço, sahindo a guarnição com as honras militares, para
ser transportada ás índias Occidentaes.
Entrou o Conde de Banholo na Alagoa do Sul a
25 de Fevereiro, e no dia seguinte chegou Almiron com
a sua columna, eo comboi dos moradores, os quaes
soffrêrão as mesmas inclemências, e desgraças da ante
cedente emigração; mas não se dando o Conde ai li por
seguro, continuou a 10 de Março a retirada para a
Viila de S. Francisco, vinte léguas distante, edificada,
41 íi
324

•obre o Rio do mesmo nome, que desagua no mar oi


to léguas mais abaixo, na qual entrou no dia 17. Este
Rio tem hum quarto de légua de largura, e em partes
menos, com huma barra capaz de embarcações de du
zentas toneladas: a sua corrente he grande, e as cheiss
são na estação .do Verão. As margens são abundantíssi
mas de pastos, era que vaguêa immenso gado vaceum.
Kelle acaba a Provinçia de Pernambuco pela banda éo
Sul, e começa o districto de Sergipe d'ElRei, que faz
parte da Provinçia da Bahia.
Não se dilatou muitas horas o Conde de Banho/o,
e no dia seguinte começou a passar o Rio, cuja opera
ção concluio a 26 com precipitação , e alguma perda ,
já quasi com os Hollandezes á vista, os quaes entrarão*
ao outro dia na Villa; eo Conde de Nassa*, deixando
nella ao General Schoppe com mil e seiscentos dos me
lhores Soldados , voltou com o resto das tropas para o
Recife.
A 31 de Março chegou Banhofo á Cidade de Ser
gipe, vinte e cinco léguas distante da Vilia de S. Fran
cisco, e mais de sessenta da Bahia, d^onde escTereo ao
Capitão General Pedro da- Silva , ofFerecendo-se a hir
soccorrela, por julgar que Nassau, era concluindo a*
fortificaçóei do Rio de S. Francisco, pastaria a atacar
aquella CapitaL Não acceitou Pedro da Silva aofferra,
duvidando que o General Hollandez tivesse similhsnte
projecto. Em consequência desta negativa, ficou o Con
de de Banholo em Sergipe , mandando dalli partidas
além do RiodeS,. Francisco para devastarem a campa
nha , na qual causarão grandíssimos damnos \ e aviso»
a EIReipek) Tenente General Andrade de tudo. quan
to havia occorrido.
A 27 de Junho chegou o Almirante Lichtharr com
dezoito navios á Villa dos Ilheos, trinta léguas ao Sul
ja. Bahia ,, e queimando numa embarcação mercinxc,.
32 S
cjae alli achou, quiz saquear áVHla , 'd*bndè: for ex
pulso pelos seus moradores, e se retirou com humà ba
la de mosquete em huma perna ,. de que .ficou aleijado.
A 8 de Junho partio do Recife João Koin-) mem
bro do Governo Supremo , com mil , e quinhentos Sol
dados em dez navios, para atacar o Castello de S.
Jorge da Mina. Havia Nicolio Van Yperen, Com man
dante do Forte Hollarídez da Morea , situado naquel-
la mesma costa, dado aviso ao Conde de Nassau ;, de
ter agora huma occasiáo opportuna de ganhar áquella
importaríte Colónia, por haver elle conseguido ligar
jntelligencias com alguns Officiaes, e Soldados da guar
nição ; e talvez com o próprio Governador, Chegado
Koin á Costa de Africa-, communicou-se com Van Y*
peren , e fez Tractados com alguns dos Régulos ddt
Paiz , que se obrigarão a ficar neutros. Dividio Koin as
suas tropas era três Batalhões.; o. primeiro commanda-
do por Guilherme Latau; o segundo por João Godlaar,-
e- o terceiro por elle-, e nesta formatura marchou para
o Castello. Os Negros alliados dos Portuguezes sahirão
subitamente dos bosques, e matarão logo'0 Commandante,
e muitos Officiaes , e oitenta Soldados do primeiro Ba
talhão;, mas 'em vez de .atacarem- os outros , lançárão-se
sobre os mortos, para lhes cortarem as cabeças,,.segun
do o seu costume. 0'*segundo Batalhão os carregou no
meio desta desordem , e os poz em fuga de maneira ,
que não a ppa tecerão mais durante o cerco. .
Abria Koin hum caminho por meio dos bosques
até ao cume de hum monte', que dominava o Castello,
e nelle estabeleceo huma. bateria, de que começou a
Fançar bombas, que nenhum da-mno causarão ao Castel-
Jo. Alguns Negros, que elle tinha attralvido ao seu par-
rido , assahárão a Cidade-, e fórao rechaçados. A pesar
disto, o Governador capitulou fracamente quatro dias
depois da chegada dos Hollândezes , achando-se a Pra
326
ç* munida de boa aftllheria , muitas- munições degwr»
ra. As .condições fôrão, que a guarnição seria transpor*
tada á Ilha de S. Thomé, levando cada individuo so
mente o que tivesse vestido. Koin , deixando boa guat-
nição no Castelio, voltou para o Recife.
A 16 de Agosto chegou de Lisboa á Bahia Luii
Barbai ho com quatro Caravelas, e duzentos e cincoen-
ta Soldados , fazendo parte de hum Terço de oitoceu»
tos homens, que se organizava em Portugal, de que
elle vinha por Mestre de Campo.
Avisado o Conde de Banholo de que Schoppe ha
via passado o Rio de S. Francisco com três mil, e
quinhentos homens, se pôz em retirada para a Bahia,
sanindo de Sergipe a 14 de Novembro , e a 29 chegou
á Torre de Garcvj de Ávila , quatorze léguas ao Nor
te da Bahia , onde" se alojou. O General Schoppe en
trou cm Sergipe três dias depois da sua partida, e
queimando a Cidade (menos as Igrejas), e oito Enge
nhos , voltou nos fins de Dezembro para o Rio de S.
Francisco.
Outra conquista fizerao os Hollandezes a 20 deste
mez de Dezembro, porque mandando-se offèrecer os
índios do Seara ao Conde de Nassau para o ajudarem
a tomar hum Reducto , que os Portuguezes alli tinháo
guarnecido com vinte homens , e duas peças de artilhe-
ria, destacou quatro navios, e duzentos Soldados, a*
unidos aos índios, facilmente o ganharão.
1638 — A Esquadra da índia (1) foi este anno de
duas Nãos; era seu Chefe João Soares Vivas, eCom-
mandante da outra João Cardoso de Almeida.

(i) Manoel de Faria e Sousa, na lista das Armadas que pot »


fim do tomo j. da Sua Ásia Portugueia , não concorda coro o •*
diz no corpo da sua Historia, relativamente a este anno, e ao*
1640.
3£7
1638 •'-Ai de- 'Abril (i> sowbe-se com certeza na
Bahia, que o Conde de Nassau- a vinha atacar, e não
poderia tardar muito. Acha va-se esta Cidade quasi a-
berta por todas as partes, falta de viveres,, e muni-
çóes , e unicamente com mil quinhentos homens de
guarnição, divididos em dois Terços, e algumas Com
panhias de Milicias pouco disciplinadas. O desalento
dos habitantes foi tanto com esta inesperada noticia,
que se a Providencia não tivesse alli conduzido o Con
de de Banholo com as tropas de Pernambuco,; em nu
mero de pouco mais de mil homens, infallivelmente a-
bandonarião a Cidade, como fizerão em 1624.
O temor do perigo reunio as vontades para todos
se empregarem nos trabalhos das fortificações mais in
dispensáveis , a que desde Jogo se acudio, não se isen
tando d'elles o Bispo, o seu Clero, e os Religiosos. Le*
vantou-se hum novo Baluarte junto ao Convento de
S. Francisco, defronte do sitio das Palmeiras, posição
de que D. Fradique de Toledo bateo a Cidade quan
do a restaurou. <
A 14 de Abril appareceo a Esquadra Hollandeza
próxima á Tapoã , na qual vinha o Conde de Nassau
com cinco mil Soldados , c oitocentos Índios. Naquel-
le dia , e no seguinte fingio querer desembarcar naquel-
ias praias, levando tropas nas lanchas, mas a 16 pelas
duas horas da tarde entrou pela Bahia com quarenta
navios, de que era Almirante João Mastio, e foi sur
gir junto da ponta de Tapagipe, a huma légua da Ci
dade. Pelas cinco da tarde, debaixo da protecção dos
seus navios, desembarcarão três mil homens na praia,-
que ficava entre as Ermidas da Senhora da Escada, e
(O Rito Freire (que acaba aqui a sua Historia'), Liv. jo. — Me.
morias He Duarte lie Albuquerque (acabão nette anno) , pag. aôo,
até. 287— i'r. João José, Pane 1. , Liv. 7.— Castrioto Lusitano,
Parte 1., L'v. j.— Soutlrey , tomo 1., Cap. 171 —
3ÍB.

S. Braz, c alli passarão a hoité. í?a madrugada seguin-


te marclrárao
marcharão a occrjpar
occnpár hífm -monte
inònte superior ao Enge-
Enge
nho de Diogo Moniz Telles, no qual fizerão alto; po
rém o Engenho foi logo guarnecido por algumas tro
pas Portuguesas , que seguirão por terra o movimento
dos navios; e após estas tropas chegou o Capitão Ge
neral Pedro da Silva , o Conde de Banholo, e Duarte
de Albuquerque com todas as forças disponíveis ; e to-
snreo posição em outro monte a tiro de canhão do ini-
ikíço. Por espaço" de 'duas horas se observarão hun*
afcs outros, e por conselho de Banholo se recoJhêrão
os Pormguezês , parecendo ao Conde imprudência arris
car huma acção , de cujo máò suecesso seria a perda da
Cidade a necessária consequência. Mas os da Camará,
convocando o Povo a toque de sino, o amotinarão con
tra- os Generaes querendo por força que se déíse bata
lha aos Hollandezes. Tanto receavão os trabalhos ào
cerco! Custou muito ao Bispo, e a Duarte de Albu
querque socegar Os ânimos da multidão cóm a promes
sa, de que se atacariao os Hollandezes.
Sahio com effeito no dia ao o Conde de Banholo
com as tropas de Pernambuco, e Os dois terços da Ba
hia a buscar os Hollandezes j que já não encontrou , por
fuverem mudado de posição; e retirando-se para a Ci
dade, nao o quiz fazer o Mestre de Campo D. Fer
nando de Lodonlia , Comrriandante de hum d'aqueíles
fiois Terços; ainda que pouco depois o obrigarão oi
Hollandezes a obedecer, expulsando o d'aquelle posto.
Como as tropas da guarnição da Cidade recu-avSo
obedecer ao Conde de Banholo, e as de Pernambuco
ao Capitão General , o que embaraçava a boa ordem do
serviço, tinha este transferido ao Conde toda a sua au-
thoridade militar; e desse momento em diante desen-
velvco a Banholo tanto zelo, actividade, e talentos, que
fa eramudecer a inveja, c concorrerem todos para a
329
defensa. Em consequência , levantárão-se em breve no
vos Reductos , e entrincheiramcntos nos pontos mais ac-
cessiycis; fizerão-se plataformas, e cartuxame de arti-
Iheria , que não havia , e dispoz-se tudo para huma vi
gorosa resistência. Estas acertadas medidas devião fa
zer arrepender o Conde de Nassau de não assaltar a
Cidade com todas âs suas forças de mar , e terra logo
que desembarcou ; porque segundo 6 estado em que el-
k ainda se achava ,. e a divisão que reinava entre os
Portuguezes , era provável que a ganhasse. -■■ •
No dia 21 tomarão os Hollandezes sem resistên
cia o Forte de Monserrare , situado em huma praia a
meia légua da Cidade. Era seu Commandante o Capi
tão Pedro Alvares de Aguirre , velho decrépito, que
tinha alguns Soldados da guarnição , e seis peças de
pequeno calibre. Ao anoitecer deste mesmo dia assal
tarão os Hollandezes com mil e quinhentos homensf
hum entrincheiramento, que se andava construindo na
Ermida de Santo António, pouco adiante da porta do
Carmo , posto o mais importante para a defensa da Ci
dade por aquella parte; porém sendo sentidos , fôrão
rechaçados com perda de duzentos homens, por se a-
charem então alli 6 Capitão General , e o Conde de
Banholo com as melhores tropas : a perda dos sitia
dos não excedeo a vinte e seis homens , inclusos quatro
Officiaes. Se os Hollandezes atacassem com todas as
suas forças, talvez ganhassem o entrincheiramento, que
nan estava concluido, c nesse caso a Cidade corria im-
minente risco, porque a porta do Carmo ainda não se
podia fechar, nem estava em termos de resistir: do
mesmo modo se achavão outros pontos do recinto , que
cm tão pouco tempo não havia sido possivel pôr a abri
go de hum golpe de mão. Acabado a final o entrinchei
ramento , e guarnecido com o seu fofso , e quatro pet
ças grossas, ficou sempre alli hum Terço de guardai
Tomo. II 42
33©
No dia seguinte zz ' ganharão os Hollajidezes ,
3uasi sem perda , o Forte de S. Bartholomeu, que lhes
iffiçultava o desembarque : coinmandava o o Capirao
Luiz de Vedoy, tendo setenta Soldados de guarnição,
e dez canhões , com que poderia defeuder-se alguns
dias. - •• 1
Hum caso acconteçido neste:tempo deo motivo a
súspeitar-se , que os inimigos tinhão intelligencias na
Praça : indo-se buscar pólvora hum dia antes de ama
nhecer , achou-se atravessado debaixo da porta do ar
mazém hum murrao meio acceso ; nunca se pode des
cobrir o author deste atrentado.
O Almirante HoJlandez distribuio tão mal os se«s
navios, que entravão, e sahião a salvo as embarcações
com mantimentos; e por terra não faltavão os soccor-
lús. No dia 28 chegarão do Sertão duzentos e cincoen-
ta bois; e pouco depois outros duzentos. As sortidas
dos cercados fazião grande damno aos sitiantes, e de
continuo conduzião prisioneiros , que davão noticias de
todos os seus projectos.
. " As tropas de Pernambuco tinhão já passado dois
aonos sem soldos , e cm attenção aos seus bons servi
ços a Cam.ira da Bahia lhes mandou dar depois i6\$>
cruzados como gratificação.
No i.° de Maio começarão os HoNandezes a ba
ter a Cidade com seis canhões da parte da Ermida de
Santo António , e como descobriao a rua , que condu
zia áquelía bateria, mata vão alguns homens, e damni-
fica vão as casas.
A 5" entrarão dois barcos com farinha , e por ter
ia oitenta bois , e a 3 entrarão mais 200 , e hum reba
nho de ovelhas. A 9 formarão os HoMandezes outra
bateria de duas peças de 24, com que causavãc damno,
por descobrirem d'aquel!e ponto a Cidade. A 10 che
gou de noite o Capitão Manoel Mendes Flores t Com
331
mandante do Morro de S. Paulo, por ordem" q\je par*
isso recebeo, com cento e cincoenta homens, dos do>
zentos que alli tinha de guarnição. As Piníçás, e lan
chas dos Hollandczcs fazião neste meio tempo incur.
soes pelo Recôncavo, buscando mantimentos, e/obje
ctos de saque; e assassinavão barbaramente, 'os habitan
tes , e as suas faniilias que podião surprehender.
A" 18 pelas sete da tarde assaltou o Conde de
Nassau com três mil homens, juramentados a„veflcer,
ou morrer, o cntrinxeiraménto de Santo António; e no
primeiro impeto ganharão os Hollandezes o fosso,, e
começarão a escalaras trinxeiras. Como senão Pez ne
nhum ataque falso, que divertisse as forças dos sitia-,
dos, aceudirão alli todas as tropas da Cidade, e fazen-.
do huma sortida de outro ponto tomarão em flanco, e
de "revez aos que estavão no fosso. Puchoú o Conde de
Nassau pelo resto das suas forças,' para ^sustentar o as
salto, ou 'favorecer a retirada dos seus, p que não era
fácil. Deò-se aqui huma verdadeira baralha , em que a
final os Hollandezes fora o derrotados, e expulsos de
pois de três horas de conflicrO, deixando nh mãos dos
Portuguczes cincoenta c dois prisioneiros, muitas ar-^
mas, e instrumentos de expugnação. Pcdio Nassau, e'
obteve huma suspensão de armas de seis horas, para
retirar os seus mortos de que levarão trezentos e vinte
sete. Dos sitiados morrerão trinta , inclusos oito Offi-
ciaes , e ficarão feridos oitenta.
A 20 entrarão na Cidade mil bois. A 26 amanhe- '
ceo deserto o campo dos Hollandezes, que abandona-'
rão quatro peças de 24, muiras armas , e ferramentas,
mil barricas de farinha , outras muitas de arroz, e le- '
gumes , e os fornos com o pão a coser. Os Fortes, que J
havião tomado, ficarão com toda a sua artilheria. Em
barcarão . no mesmo lugar era que tinhão desembarca
do ; e detiverão-se dois dias na entrada do Porto. Du>
42 U ,
tjUtófi' o ^erxij» dispararão; contra a cidade 1446 balas, e.
perderão quasi mil homens mortos , e feridos.
• A 28 entrou a salvo hum navio Portuguez vindo
da Cidade, do Porto r e nessa mesma noite sahirão os
Hollanáezes, rpara Perna mbuco.
A. 17 -de Noyembro entrou na Bahia huma Esqua*
dra Hollarçdeza de "dez navios, e dois Patachos: sur-
gio defronte de Tapagipe, e desembarcando alguma
gente , saqueou hum Engenho , e a 3 de Dezembro sa-
Kiò dó Porto."'
, 1^38 — Rcsolveo-se finalmente no Gabinete de Ma
drid fazer hum grande esforço para expulsar os Hollan-
dezes de Pernambuco ; ao menos foi este o motivo os-
tensivel das duas Esquadras , que se armarão em Lis»
lípa , e Cadix (de que não achei a relação) (1), som-
rriando mais de oitenta navios. Nomeou ÊlRei para Ge
neral em CheÇe , e Governador do Brasil , ao Conde
da Torre D. Fernando Mascarenhas. Sahio de Lisboa
nos fins de Outubro de 1638, e foi esperar cas Ilhas
de Cabo Verde pela Esquadra de Cadix, demora opç
lhe custou mais de mil homens fallecidos de doenças,
em que entrou o seu Almirante Francisco de Mello e
Castro.
Reunidas as Esquadras, seguirão a sua derrota, e
a 10 de Janeiro do anno seguinte virão o Recife. O
Conde da Torre, ou porque levasse para isso ordens
particulares, ou pela multidão de doentes de que hiao
empachados os seus navios, não se deteve diante d*a-
quella Praça, e proseguio a sua navegação para o Sul.
Enviou o Conde de Nassau duas embarcações ligeiras
em seu seguimento, para observarem o Porto que to
mava , crendo que surgiria em algum d'aquella Costa ,
(O Portugal Restaurado , tomo 1. , Liv. *. — Southey, too»
J., dp. 17 — Castrioto Lusitano, Parte i. Lie. j. — Ff. João José
de Santa Therew , Patte 1., Liv. 7.—
333

para desembarcar as tropas; porém recebendo a agra-1'


davel noticia de que ficava ancorado na Cidade da Ba
hia, prevenio a sua Esquadra para o esperar na volta.
Deteve-se o Conde da Torre hum anno naquella
Capital, onde os Hollandezes tinhão boas intelligencias,
por cujo meio sabião no Recife quanto aJli se fazia , e
premeditava ; e os seus navios cruzadores intercepta-
vãp os Despachos, que o Conde expedia para Madrid.
Enviou este por terra a Pernambuco a André Vi
dal de Negreiros , e os Officiaes mais práticos dos ca
minhos, e veredas d'aquella Provincia , com algumas
tropas , dando-lhes instrucçóes para assolarem todo o
Ifaiz (como fizerão), e em certo tempo se aproximarem
da Costa, e descobrindo a sua Armada, a seguirem
até ao Porto em que ancorasse, a fim de se encorpora-
rem logo com as tropas, que elle desembarcasse, e cer
carem o Recife da banda da terra , em quanto elle o
sitiava por mar.
. Nos princípios de Janeiro de 1640 sahio da Ba
hia o Conde da Torre com toda a sua Armada , e a
fJor das tropas da Bahia, além das que levara de Hes-
panha : de numas, e outras escolheo dois mil homens
para o desembarque projectado. Navegou com vento
cm popa até á Barra Grande; e acconselliado, que des
embarcasse aqui as tropas, não o quiz fazer por ser
longe. Avistou depois Tamandará, dezesete léguas ao
Sul do Recife, e dando-se-lhe o mesmo conselho, ò
rejeitou. Começando agora a experimentar ventos vio
lentos, e grandes correntes para o Norte, encontrou a
Esquadra Hollandeza sabida do Recife com vinte na
vios, e alguns Patachos. No dia li, entre Tamaracá
e Goiana , combaterão ambas em desordem : os Hollan-
dezes perderão o seu Almirante, e riverão hum navio
a pique. Succedendo huma bonança de tempo de algu
mas horas, e mettida em ordem a Esquadra Hespanho
334
Ia para huma acção gorai , avistarão os Hollandezes ,
que conscrvavão o barlavento. Tornou a crescer o recn-
So furioso, e as Esquadras fôrão arrastadas para o
Jorte. No dia seguinte, achando-se entre Goiana e
Cabo Branco, tiverão outro combate parcial. A 14 a-
tacárão-se de novo defronte da Parahiba ; e a 17, na
altura do Rio Grande, travão a ultima acção, em que
os Hollandezes se retirarão de- todo; e as correntes le-
vav-ão cada vez mais para o Norte os Hespanhoes. Nes
tes quatro combates não foi grande a perda das duas
Nações ; e posto que a victoria ficasse ao Conde da
Torre, com tudo as consequências fôrão favoráveis aos
Hollandezes, por se mallograr o cerco do Recife, que
não podia resistir naquella conjunctura. O Conde de
Nassau ficou tão escandalizado da condueta de muitos
Commandantes dos seus navios , que alguns fôrão pu
nidos com pena de morte.
Perdidas finalmente as esperanças do desembarque
na Costa de Pernambuco , rogarão os Chefes das tro
pas da Bahia ao Conde da Torre, que os desembar
casse em qualquer parte, porque se atrevião a hir d*al-
]i i Bahia , atravessando o sertão , o que elle fez no
Porto do Touro, quatorze léguas ao Norre do Rio
Grande, pondo em terra ao Mestre de Campo Luit
Barbalho com mil, e trezentos homens, cos Terços
de índios, e Negros de Camarão, e Dias Luiz Bar-
balho fez huma marcha de trezentas léguas das mais
trabalhosas, e difficeis; reunio-se no caminho com os
Oflkiaes destacados antes da Bahia: entrarão todos nes
ta Cidade com pouca perda , deixando arruinadas as
possessões dos Hollandezes, e destruídos muitos dos
seus destacamentos.
O Conde da Torre seguio viagem para as índias
Occidentaes , onde tinha ordens d'ElRei para hir de
pois de concluído o negocio de Pernambuco, a fim de
335

comboiar os Galeões da Prata á Europa. Na sua volta


a Lisboa , foi preso na Torre de S. Julião, da qual sa-
hio depois da gloriosa Acclamação d'ElRei D. João
IV.
1639 — Neste anno não achei memoria dos navios,
que fôrao á índia.
1639 — ^s desastres das Armas Hespanholas (1)
nos Paizes Baixos, que governava o Cardeal Infante
D. Fernando de Áustria, induzirão EIRei a aprestar hu-
ma Armada para levar tropas, e dinheiro âquellas Pro
víncias. Nomeárão-se duas Cidades marítimas para cen
tros de reunião das tropas , e navios ; a Corunha nas
Costas do Oceano, e Carthagena no Mediterrâneo; a-
juntando-se nesta ultima Praça as forças navaes com-
mandadas por D. António de Oquendo , Almirante
Real do Mar Oceano; e na outra as que obedecião a
D. Lopo de Hoses e Córdova , em numero de perto de
cincoenta navios, em que entravão os três Galeões Por-
tuguezes (alem de outros de que não achei os nomes),
Santa Arrna , S. Balthazar, e Santa Thereza, em que
D. Lopo tinha a sua insígnia, o qual levava sessenta gros
sas peças de bronze , e seiscentos mosqueteiros, e fôra
construído em Lisboa por Bento Francisco, para Ca
pitania de Portugal.
Para servirem nesta guerra da Flandes se organi
zarão em Portugal quatro Terços de Infanteria; de hum
destes foi nomeado Mestre de Campo Belchior Corrêa
da França, e de outro D. Francisco Manoel de Mello:
este ultimo constava de quinhentos Portuguezes, e seis
centos Hespanhoes, e se lhe aggregárao depois outros
muitos Soldados Portuguezes. Os Terços Hespanhoes,
que se completa vão nas duas Praças de reunião , erao

(O Epanaphora 4. de D. Francisco Manoel, testemunha ocular do


tuceesso.
336

rirtco, commandados pelos Mestres de Campo D. Je-


ronymo de Aragão, D. Martim Affonso de Sárria , D.
António dçUJhôa (composto de Napolitanos bisonhos)
e D. Gaspar de Carvalhal, Conselheiro de Guerra, eo
Sargento Mor D. Francisco Palominas.
Para conseguir a gente de que necessitava , tratou
a Corte de Madrid com alguns particulares, para apre
sentarem as recrutas em Carthagena , e Corunha , me
diante huma gratificação de vinte e três cruzados por
homem. Seguio-se deste systema , que os Contractado-
res fazião prender por todas as Cidades de H espanta
os Lavradores , Artistas , e pais de familias sem exce
pção alguma , assim ajuntarão mais de dez mil homens,
escondendo-se entre tanto os que podião servir para a
guerra ■ , de maneira , que querendo o Duque do Infan
tado, e outros Grandes, apromptar certo numero de
Soldados a que erão obrigados , e promertertdo dezeãcis
reales (640 reis) de soldo diário, ninguém concorreo
a assentar praça.
Como a França tinha preparado hum grande ar
mamento marítimo em auxilio dos Estados Geraes,
commandado por Henrique de Escorbeau Sordis, Ar
cebispo de Bordeaux (1), e se reaçava viesse atacar al-
guma das Praças de Galliza , recebeo ordem o Marquez
de Val-Paraiso , Governador d'aquelle Reino, para se
premunir contra qualquer invasão. Em consequência cha
mou á Corunha todas as tropas , e ajuntou dezoito mil
homens , quasi todos bisonhos , porem faltavao viveres ,
e até munições para tanta gente amontoada em huma
?equena Cidade, e começarão logo a grassar as doenças,
ara obstar a que os Francezes penetrassem no Porto,
(1) Este Prelado guerseiro tinha commandado outra Esquadra Fno»
ceza no anno antecedente, e sobre a Costa de Biscaia ataecu oito r*-
vios de guerra Hespanhoes, dos quats tomou, ou queimou sete,'
pando hum só.
337
formou se hum encadeamento de cento e setenta gran
des antennas, ligadas topo a topo com bocas de ferro,
que começava no Forte de Santo António , e acabava
no de Santa Luzia , conservando-se sempre na mesma
situação por meio de cincoenta ancoras talingadas em
boas amarras. No meio desta espécie de trinxeira flu-
etuante deixou-se huma abertura suficiente para caber
por ella hum navio, a fim de poderem entrar,, e sahir
as embarcações Hespanholas. Este methodo de cerrar o
Porto da Corunha , que deo grande brado na Hespanha,
.era na realidade pouco seguro; e os cincoenta navios de
Lopo de Hozes , sendo apoiados por boas baterias em
terra , podiao com segurança esperar o ataque de toda
a Marinha Franceza , se tivesse a temeridade de o em-
prehendcr..
A 14 de Junho, não estando ainda concluída a
mencionada linha de defensa, enrrou hum Patacho de
Londres carregado de pannos para fardamento das tro
pas Hespanholas, cujo Mestre entregou huma carta do
Arcebispo de Bordeaux , dirigida ao General Hespa-
jihol, em que lhe dizia: Que havendo apresado aquel-
h\ navio , e sendo informado da necessidade dos Sol
dados Hespanhoes , o mandava de presente , na intel-
ligeneia de que Sua Magestade Christianissima nao
desejava fazer guerra aos seus contrários com os au
xílios do tempo, mas só com a força das Armas.
. . Dois dias depois ofFereceo a Armada Franceza de
mais de setenta navios, forçando de vela para dobrar
Cabo Prior. O Marquez de Vai Paraíso, e o Mestre de
Campo Fernando Sanches de Baamonte, Commandan-
te da Infanteria da guarnição , não tinhão ainda no
meado as tropas para os postos que devião oceupar era
caso de rebate, o que se fez por tanto com grande
confusão. Encarregárão-sc a D. Francisco Manoel, cpm
o seu Terço, os entrincheirarnentos da Marinha, ,e Fprte^
Tomo ÍL 43.
338
de Santo António, em que consistia a principal defen
sa do Porto; e os outros postos a vários Officiae?. A
Cavallaria , pouca , e mal armada , patrulhava pe/a
campanha. Era tanta a escassez de munições de guerra y
que se deo ordem expressa de as reservar para o ulti-
timo aperto.
O Arcebispo, depois de reconhecer a cadea de an-
tennas , que julgou impenetrável , conrentou-se com
disparar de longe algumas balas inúteis. D. Lopo de
Hozes mandou então sahir oito navios da Esquadra de
Dunquerque, os (,uaes, sem se alargarem muito do am
paro dos Fortes, e dos Galeões, e favorecidos do ven
to, bordejarão no espaço que mediava entre as duas
Armadas, dando, e recebendo descargas, que poucas
avarias causarão. Esta manobra insignificante repetio-se
por três dias suecessivos.
A 23 os navios Francezes mais pequenos foráo an
corar encostados á terra do Ferrol , a que obrigou
o Marquez de Val-Paraiso a fazer partir dois 11 it
homens escolhidos, ás ordens de D. Pedro Bygorrr,
o qual marchou com tanta diligencia , que a pesar do>
grande rodeio que foi obrigado a fazer, chegou pela
manha juntamente no momento em que os Francezes,
havendo já desembarcado , marchavao descuidados par*
o Ferrol, que não tinha defensa. D. Pedro os carregou
logo com o maior impeto, e depois de hurna acção de
quatro horas, os for ou a retirar-se para o ponto em
que desembarcarão.
O Arcebispo intentava soccorrer os seus, mas sal
tando o vento ao S. E. com máo aspecto, recoFheo no
dia seguinte as suas tropas com assís trabalho , e ris
co , e fazendo-se á vela , buscou abrigo nos Portos da
França.
Nos principios de Agosto entrou na Corunha D.
António de Oquendo com vinte e dois hons navios de
539
guerra, embarcado no Galeno S. Tiago de sessenta e-
seis peças de bronze. Coru a sua vinda constava a Ar
mada de setenta navios, em que, alètn d'elie , e de D.
Lopo de Hoses, haviao estes OíHciaes Generaes : D«
Pedro Velez de Mcdrano, General da Esquadra de
Nápoles, no Galeão Orfeo ; e o seu Almirante D.
Estevão de Oliste, Ra'guez , no Galeão Santo Agos
tinho , formoso, e riquíssimo navio: D. André de
Castro, Conselheiro de Guerra , General da Esqua»
dra de Galliza; e seu Almirante Francisco Feijó: Mi
guel de Orna, valoroso Biscainho, General da bella
Esquadra de Dunquerque, no navio Salvador; coseu-
Almirante Mathias Rombau no navio Senhora dtf
Monte Agudo: Francisco Sanches Guadalupe, Gene
ral da Esquadra chamada de S. José , embarcado no
grande Galeão Santo Christo de Burgos: esta Esqua
dra, composta dos doze melhores navios, era prepara
da por Affonso Cardoso, Negociante Portuguez, era
virtude de Contracto com a Coroa : Jcronymo Mazibra-
di , Raguzcz, General de huma Esquadra de nove na
vios, que elle próprio armou por Contracto; e seu al
mirante Matheus Esfrondati , também Raguzez : da
Esquadra de D. Lopo era Almirante D. Thomaz
de Chamburú , Biscainho, velho, e hábil marinhei
ro. . .
Dos Mestres de Campo, D. Francisco Manoel em
barcou no navio S. Francisco, da Esquadra de Dun
querque, commandado por Salvador Rodrigues 4 Por
tuguez, que de grumete, e marinheiro dos navjos da
índia, chegou a Almirante: D. Martim Affonso de
Sarria na Almiranta de Dunquerque: Bechior Corrêa da
França no navio S. Vicente Ferrer, da Esquadra de
Dunquerque , commandada por Francisco Ferreira Por
tuguez : D. Gaspar de Carvalhal no Galeão S.José:
D. António de Ulhôa no Galeão S. Pedro o Grande,
43 U
340

da Esquadra de Nápoles ; e D. João Ascenso no Galeão


S. João. •
'"' Distribuião-se cada dia a bordo desta Armada vin
te e cinco mil rações, elevava abundância de muni
cies de toda a espécie , e dinheiro para pagar os sol
dos.
Antes de sahir a Armada da Corunha , suscitou-
se a duvida se a devia commandar D. António de O-
quendo, que tinha o Titulo de Almirante Real do
Mar Oceano , ou D. Lopo de Hoses , que governava
muito maior numero de navios; principalmente porque
as InstrucçÕes de Oquendo erao em termos geraes, e
não comprehendião o caso presente. Para decidir esta
questão, chamou o Marquez de Vai- Paraíso a conse
lho os Officiaes Generaes , e o Duque de Villa Formo
sa , e seu irmão, que tinháo vindo em soccorro da Co
runha. A proposta do Marquez continha dois artigos:
l.° Que forma sedaria áquella Armada, para que ti
vesse hum Chefe unico? z.° Como se preencherião me
lhor os dois fins para que El Rei a destinava ? Cumpre
ad*fertir , que as Ordens Regias determinavão , que a
Armada Hespanhola buscasse a Franceza, e a destruis»
se ; e que rendo-se esta já retirado das Co>tas de Hes-
panha, para se iiir ajuntar com a de Hollanda (como
se receava) , a perseguisse , e procurasse destruir mesmo
dentro dos Portos de Inglaterra , sem embargo de ser
huma Nação amiga , e de se quebrantar a neutralida
de; porque a razão d'Estada assim o pedia, por ser
mais fácil satisfazer depois as queixas d'aquelle Monar-
çha , do que organizar ©utra força tal , que podesse ar
rostar as forças das duas Nações.
Sobre o primeiro artigo, todo o Conselho pro-
rndia para dar o commando a D. Lopo, que tinha af-
muitos amigos, pelos saber grangear com prudência,
e. cultivar com benefícios; ao contrario de Oquendo» ho~
841

mem de engenho curto., e génio desagradável. Porêirr


D. Lopo atalhou a decisão, declarando , e instando,
a pesar do voto do Conselho, que elle' desistia do com-;
mando, e queria fazer a campanha sem Insígnia algu
ma a bordo do seu Galeão Santa Thereza ; o que se
lhe concedeo, e embarcou com elle o Almirante D.
Thomaz de.Chaburú. Nomeou também o Conselho pa
ra Almirante General da Armada a D. André de Cas
tro.
Em quanto ao segundo artigo, concordou-se: Que
se a Armada sahisse antes de 15 de Setembro , corresse
a Costa de Biscaia em busca da Armada Franceza ;;
mas sahindo depois cTaquelle dia, navegasse para o Ca
nal de Inglaterra, por ser mais certo encontrar nelle os.
inimigos juntos, ou divididos ,- para lhes dar batalha.
Remetteo»se . este voto por Consulta a EIRei para. a-
sua approvação; porém o Conselho d'Estado, sendo ou-'
vido, resolveo: Que a Artnsda navegasse direita-'
mente a Flanães ; e se na passagem encontrasse al
guma Esquadra inimiga , se aventurasse tudo, a tro
co de conseguir a sua ruina.
Recebida esta resolução, tratou-sc de apromptar
a Armada, a que faltava muita gente para completar
o numero de tropas destinadas a servir na Flandes,
porque as doenças causadas pelos máos quartéis , e pes-.
sitna qualidade dos mantimentos, tinhão diminuído de
mais de dois mil homens os oito mil , que o Marquez
de Val-Paraiso promettera fornecer. Nesta urgência-
mandou elle prender pelas Povoações circumvisinhas
todos os homens de qualquer: qualidade , que fossem ,
sem excepção; e em poucas horas ajunto» tão grande'
numero, que fez embarcar em dois dias mais de nove
mil homens, a pesar dos clamores dos presos, e do suas
mulheres ^e filhos que ficavão ao desamparo.
A 2jn de Agosto sahio da Corunha toda a Arma
842
4a : D. António de Oqnendo chamou para Comman-
dant.e do seu Galeão ao General Miguel de Orna, e ceo
o corrimando do navio deste a D. Jeronymo de Aragno.
Doze navios Inglezts afretados accompanhavão esta ex
pedição, carregados de tropas para Flandres. Navegou
a Armada com bom vento até ao dia n de Sererrbro ,
que achando-se por 48" 40' de Latitude, conheceo pe-
l.is sondas estar na bocca do Canal de Inglaterra >, rcio
qual entrou com vento largo, e á vista de Cabo Lizart
fc achou toda reunida , excepto os doze navios Ingle-
zos, que na noite da sahida se amararão tanto, qire
nunca mais apparecéilo , e fórão cahir nas mãos dos
Hollandezesj o que muitas pessoas já de antemão sus-
peitavão. :■ - >. .
Todos os navios de guerra, que naquelles tempos
navegavao no Canal, erão obrigados a abater a ban
deira á Capitanea Real de Inglaterra. Encontrou-se a-
qui huma pequena Fragata , a qual vindo á falia de
Oquendo, pedio o devido acatamento á Coroa de In
glaterra , na falta da sua Capitanea. O General
Hespanhol respondeo : Que quando se encontrasse com
a Capitanea Real da Grão Bretanha , usaria com
ella das cortezias que EIRei seu Senhor lhe manda
va i e assim o podia certificar ao General Inglez /#-
go que o visse.
Fallou-se 110 dia 1^ a hum mercante Inglez, que
disse haver encontrado no dia antecedente a Esquadra.
Hollandeza no estreito de Cale. Com cffeito, os Esta
dos Geraes , sabendo da expedição preparada na Coru
nha , tinhão armado quarenta e quatro navios para a
combater , dos quaes dêrão o commando ao famo
so Almirante Tromp, sendo seu Vice-Almirante D.
Witt , e Contra-Almirante Van Kart. Espalhada a-
quella noticia , fórão a bordo de D. António de O-
quendo os principaes Officiaes Generaes, para recebe
843
réra algumas instruções de que carecrao; por ser pouco
explicito, e claro o Regimento que trazião; porém O-
quendo não lhes- deo outra resposta , senão dizer-Jhes:
Ea , Senhores , el inimigo es poça ropa , cada uno ba
ga su mejor, que yo lindo caballo tengo; la Real da
rá buenos exemplos.
Gastou-se aquella tarde, e noite em preparativos
para huma batalh.i , descobrindo-se já os inimigos. A-
manheceo o dia 16, e achárão-se os navios Hespanhoes
separados huns dos outros, e em" grande confusão, re
desordem. Pelas sete horas da manha , sendo o vento
N. O., distinguirao-se onze navios Hollandezcs, que vi-
nhão buscar a Armada ; e outros seis mais afíastados
em differente bordo.
D. António , oceupado unicamente no pensamento
de combater, sem esperar pelos seus navios atrasados*,
fez toda a força de vela , e se foi prolongando com a
Almirante Hoílandeza, seguido dos navios de Dunquer
que mais veleiros, que fazião a vanguarda, e do Galeão
S. João. Tinha elle dado a todos os Commandantes
hum mappa, em que estava marcado a cada hum o seu
lugar na ordem de batalha ; e como no momento ar-
ctual não fez signal nenhum, cada Commandante tratou
de hir buscar o lugar, que segundo o mappa lhe per-
rencia , sem attender ás circunstancias (i) ; de maneira ,
que alguns, que esta vão a barlavento dos inimigos,
vendo sotaventeados os Chefes das Divisões a que per-
tencião , arribarão para elles , o que augmentou a des
ordem. ■ ••:'
(i) Oqueiicfo, na situação em que se achava, não tinha mais, que
fajer sisjnal para rrcítter promptamente em linha de batalha , sem at
tender a lugares; e formada a linha, cercar os Hollandezes, mandando
passar para sotavento deites huma parte dos seus navios. Mas parece,
que perdeo a c.iboça , e quiz antes ser Commajidante de hnm navio
particular, que General. A Esquadra Hollaadeza seria anniçuileda en»
breves horas.
344
• • O Almirante Tromp, talvez por ignorar a verda
deira força, e navegação dos Hcspanhocs, havia divi
dido a sua Armada em três Esquadras-: com a primei
ra, composta dos onze navios melhores, que tomou pa
ra si, ficou, cruzando sobre as Cosras da Flandes; man
dou a segunda , commandada por Van Kart para o
Norte, a fim de interceptar os Hespanhoes se quizesssm
rodear por aquellcs mares, como na realidade projeers-
vão primeiro; e enviou a terceira, ás ordens de De
Witt, a correr os Porros de Inglaterra , e estes erão os
seis navios que se avistarão em outro bordo. Achando-
se agora diante de hum inimigo três vezes mais forre
do que cllc , niio recusou a batalha, e formou habil
mente a sua Esquadra em huma linha tão cerrada, que
o gorufcs de cada navio tocava quasi na grinalda do
que o precedia.
Como o projecto de Oquendo era abordar o Almi
rante Hollandez, sem disparar hum tiro, fòi<se prolon
gando com ellc por barlavento, mas quando arribou,
foi fora de tempo , e ficou a ré d'elle : tornou enrão a
hir de lo, seguindo enrre tanto os Hollandezes a bordo;
e querendo elle abordar outro navio , este igualmente o
evitou. A Esquadra Hollandeza , que tinha agora des-
passado a linha dos Hespanhoes , virou por davante ao
mesmo tempo , e a Capitanea Hespanhola recebeo na
passagem o fogo de toda ella , de que teve grandes a-
varias, e mais de cento e cincoenta mortos, e feridos.
Desenganado Oquendo de que lhe convinha servir-se da
sua artilheria, respondeo ao fogo, causando nuito da-
mno aos Hollandezes, por tomarem parte na acção os ou
tros navios Hespanhoes , que ficavão na popa do Gene
ral , e a distancia em que se achavão ser tão pouca, que
a mosquetaria laborava de huma, e outra parte, em
que os Hespanhoes tinhão grande vantagem , pelas mui
tas tropas , que trazião. No meio desta batalha se rcu-
3145
nio com Tromp o Vice-Almiranre DeWitr com os seis!
navios do seu commando ; porém os Hcspanhoes tinhão
já em linha numero sobejo de naVios para dilatarem a
acção até chegar o resto da sua Armada ; e os Hollan-
dezes havião perdido hum dos seus maiores navios cha
mado o Grão Christovao, que se queimou por acciden-
te, em que morrerão cento e vinte homens, salvando-
se os restantes a bordo dos amigos, e inimigos.
Achava-se por ultimo- Tromp nas circunstancias
mais criticas, não só quasi cercado por forças mui su
periores , mas tão abarbado com a Costa de França ,
■que com o vento existente não podia montar naquellc
bordo a ponta , que forma o arco da Enseada de Bolo
nha , por lhe demorar a ONO. ; e sem isso não podia
escapar de naufragar, ou ser tomado ; para o que bas
tava só , que os Hespanhoes continuassem o combate no
m€6mo bordo.
Tal era a posição das duas Esquadras, quando ao
meio dia D. António de Oquendo, deixando a peleja,
virou de bordo; o que causou tanto espanto nos Com-
mandanres das Divisões, que só á força designaes, e
tiros de canhão se resolverão a seguilo. Aproveitou-se
Tromp desta falsa manobra, e da mudança que de tar
de houve no vento , para sahir da perigosa situação em
que se via; e ao amanhecer estava fora da Enseada, e
a barlavento dos Hespanhoes, e reforçado pelo Contra-
Almirante Van Kart com quinze navios; o que o fez
resolver a arriscar outra batalha.
Este dia 17 gastou-se de ambas as partes em dis
posições para o combate, e Tromp, que não queria
perder as vantagens da sua nova posição , da qual pó-
dião expulsallo as correntes, que são alli furiosas, anco
rou com a sua Esquadra ; o mesmo fizerão os Hespa
nhoes, menos o Galeão Santa Thereza, e alguns ou
tros navios mais pesados, que continuarão o borda, e
Tomo 11, 44
846
fundearão mais avante. Serião onze horas da noite
quando Tromp se fez á vela, e veio acccmetter os
Hespanhocs, havendo ordenado aos seus Commancan-
tes , que se . conservassem fora de tiro de mosquete,
confiado na sua artilheria , que era melhor servida. O
combate foi horroroso, por será noite, ainda que bo
nançosa , muito escura ; mas a perda não correspondeo
de parte a parte ao dispêndio das munições.
Com a luz da manhã se continuou a pelejar sobre
vela, e com nuis fúria, porém não com mais união
dos Hespanhocs , porque Oquendo nenhumas ordens
deo : huma parte da sua Armada achava-se em forma
tura combatendo com o inimigo, mas o resto espalhado
em filas de quatro , c cinco navios a traz da linha.
Tromp, organizando a sua Esquadra em duas colum-
nas , penetrou á testa de huma por entre a linha de ba
talha dos Hespanhoes, e os navios desordenados , qae
estavão amparados com cila; em quanto De Wm com
a outra columna se batia contra a linha Hespanhola,
?;ue se achou assim atacada de fronte e de revez. O
ògo da columna de Tromp , era terrível por ambos os
bordos, e os Hespanhoes não podião responder-lhe cora
outro igual na sua posição, porque se offendião huns
aos outros. O Galeão Santa Thereza foi o que mais se
illusirou nesta acção, rechaçando todos os navios Hol-
landezes que ousavão aproximar-se d'elle; e era tão rá
pido o seu fogo, que da banda de estebordo disparou
1520 tiros de canhão. Oquendo igualmente se distin-
guio mais comoCommandante particular, que como Ge
neral , porque nenhum signal fez, nem menos o Almi
rante General D. André de Castro. Muitos Comman-
dantes de navios, e alguns Officiaes Gtneraes se com
portarão mal; e mesmo hum delles tentou por duas ve
zes fugir. O Almirante Francisco Sanches Guadalupe
foi partido cm duas metades por huma bala de artilhc-

-
347
ria; e ao Almirante Martheus Esfrondati levou humâ
palanqueta a cabeça: ficou logo o seu Galeão em des
ordem , e em quanto os Officiaes disputa vão entre si
o Commando. foi cercado, e tomado por cinco navios
Hollandezes, como já havia sido o navio Engueven ,
.Dinamarquez afretado. ■
A tomada do Galeão de Esfrondati accendeo em
ira a Oquendo, e a todos os Officiaes Hespanhoes, que
com hum novo vigor atacarão os Hollandezes; mas
Tromp evitou a acção , e pelas quatro, horas da tarde
navegou para Cajé, levando a reboque o Galeão, que
a pouco espaço largou, por não se empenhar em ou
tro combate. A falta de pólvora foi o motivo desta in
tempestiva retirada, segundo elle próprio confessou de
pois a D. Francisco Manoel. •
D. António de Oquendo , achafldo-se mais perto
•das Dunas, que os Hollandezes de Cale, foi dar fundo
naquelle Porto.
Não estavão naquella época em boa intelligcncia
as Cortes de Londres, e de Madrid, e por isso a en
trada de tão grande Armada nas Dunas despertou sus
peitas, e ideas differentes em Carlos I. , e nos seus Mi
nistros, e mesmo nos Chefes dos partidos em que se
dividia aquella Nação, tendo huns os seus interesses
identificados com' os da Hollanda , e outros com os da
França. Augmentou-se esta inquietação com a chegada
do Almirante Tromp, que no dia seguinte veio dar
fundo com vinte e quatro navios hum pouco mais ao
mar das Dunas, como para embaraçar aos Hespanhoes
& communicação com a Flandes, e até a sahida d'aquel-
le Porto.
Tromp havia recebido em Cale quatrocentos quin-
taes de pólvora, e outras munições de guerra, de que
tinha grande necessidade; e remettendo para Hollanda
os navios maltratados, com o Vice-Alrairante De Witt,
44 ii,
"348
pedio . novos reforços , que os Estados Geraes prepara
rão com tão extraordinária actividade, que cm breves
dias chegarão ás Dunas cento e dez navios , entre em
barcações de guerra, e de transporte, incluindo dezese-
te Brulotes ; além dè huma Esquadra , que ficou cruzan
do no Canal para interceptar os soccorros, que viesseai
da Flandes.
; O Cardeal Infante estabeleceo a sua residência era
Dunquerque, e d'alli mandou o Mestre de Campo D.
.Simão Mascarenhas a tratar com Oquendo sobre o mo
do de transportar a gente, e dinheiro, e as munições
-que vinhão na Armada destinadas para aquelíes Esta
dos. Assentou-se em hum Conselho secretíssimo-, Om
■o Infante mandasse de Dunquerque o maior numero
de embarcações ligeiras de pesca , ou trafico , que Ibe
fosse possível, as quaes amanhecendo nas Dunas en
tre a Armada , e encostando-se cada huma a seu na
vio , voltariao de noite cari egadas , sem serem vistas
do inimigo. Para melhor assegurar o bom resultado
deste projecto, ordenou D. António de Oquendo, que
treze navios estivessem promptos a fazer-se á vela, sem
lhes dizer quando, nem para que.
Na manhã de 27 de Setembro se acharão junras
no Porto das Dunas cincoenta e seis embarcações de
Flandes , que os Hollandezes julgarão virem com refres
cos para a Armada Hespanhola , e para levarem os
seus feridos; e nesta hypothese não fizerao opposiçao al
guma. A*s nove horas da noite salmão os treze navios,
que estavão promptos, com todos os barcos carrega
dos, favorecidos de huma espessa névoa, e pelas nore
da manhã entrarão a salvamento era Dunquerque, que
distava quinze léguas , á excepção de sete , ou oito com
trezentos soldados, que as Fragatas Hollandezas toma
rão. O Almirante Tromp avisado deste suecesso , nua
34 9

dou cruzar doze navios sobre aquellas Costas, para eri4


tar segunda passagem.
Seguia-se entretanto em Londres da parte da Hes-
panha huma negociação com o Governo Inglez, a qual
se reduzia ; Primo, a que se guardassem as leis de neu
tralidade naquelle Porto ; e em consequência , como a
Armada Hespanhola havia entrado quatro marés pri
meiro, que a Hollandeza, sahisse também quatro ma
rés primeiro que ella. Secundo, que no caso de os Hol-
landezes se recusarem a este arranjamento, a Esquadra
Ingleza accompanhasse a de Hespanha até a pôr fora
dos mares de Inglaterra. Tertio , que não acceitando
nenhum destes expedientes , se permittisse aos Hespa-
nhoes comprarem as munições de guerra, de que ne-
cessitavão. Os Ministros Inglczes tinhão promettido
tudo, mas depois a tudo faltarão; e mesmo a entrega
da pólvora, que os Hespanhoes havião pago duas ve
zes, e por exorbitante preço, se dilatava de hum para
outro dia.
EIRei Garlos ordenou ao seu Almirante Penin-
gton , estacionado em Plymouth , que viesse ancorar nas
Dunas, o que elle fez, c no dia 30 surgio ao mar das
duas Esquadras com trinta e hum navios Inglezes. Na
sua abaterão os Estandartes as duas Capitaneas inimi
gas , que estavão no Porto ; e ficou elle dando os tiros
de alvorada, e de recolher , tocando oe seus clarins, a
que respondião com os mesmos toques as duas Capita
neas : houverão na sua chegada reciprocas salvas, e cor»
tezias militares: porem Oquendo não o visitou, como
devia, desculpando-se com razões mais de disciplina, que
de urbanidade; não assim Tromp , que com elle con-
viveo em alternadas visitas, e convites.
D. António de Oquendo , para reforçar do modo
I30ssivel as equipagens dos navios mais capazes de pe-
ejar despedio geande parte dos que trazia afretados >
350
repnrrndo pelos que ficarão a gente , e munições que
tirou d'cllesj e como necessitava muiro de antennas pa
ra vergas, e mastareos, comprou cm Dower com gran
de segredo algumas arvores grossas, e enviou escaler»
para as trazerem de noite a reboque, sendo a distan
cia três léguas. Sabendo disto o Almirante Tromp,
destacou huma Fragata a comboiar os escaleres Hespa-
nhoes , o Commandante da qu.il, depois de os accom-
panhar até ás Dunas, foi a bordo de Oquendo , e Uie
disse : Que era tanto o desejo que tinha o seu Almi
rante de se ver em batalha com tão grande General,
que ordenava d sua Esquadra ajudasse em tudo at
apresto da Hespanbola , e que como bom amigo se p9-
dia servir d'ellc , em quanto concorresse para o c/fei
to, que ambos pertendião. Respondeo Oquendo a esre
recado com igual civilidade, enviando hum presente de
excellentes vinhos para a guarnição da Fragata Hoiba-
deza , em lugar do diniieiro que primeiro lhe mandafi
dar, e o seu Commandante não acceitára.
Parece, que nesta occanão souberão os Hollande-
zes, que o Governo Inglez determinava não dar protec
ção alguma aos Hcspanhoes; porque começarão a fazer
todos os dias três, e quatro Conselhos a bordo da sua
Capita nea ; e de noite passávão em armas, dando tiros
de artilheria, e descargas de mosquetaria. O Almirante
Penington escreveo a Oquendo, dizendo; Que o seu
inimigo crescia já tanto em poder , couto em soberba \
e de tal modo, que elie receava, que no mesmo Porto
não estivesse segura a Esquadra Hespanbola ; por
quanto , ainda que a Jngleza faria quanto lhe cum
pria pela observância da neutralidade, com tudo sen
do ella tão inferior em forças aos Hollandezes , en
trava em duvida se estes lhe guardarião o respeito
devido; o que elle tanto mais temia, quanto estava
certo em que Eiliei Carlos lhe não ordenava , que ar
351

riscasse as suas forças para fazer ceder o partido ,


aggressor de qualquer novidade. Por cuja causa Ibe
parecia ser necessário , que os Hespanhoes estives
sem com dobrada vigilância para o que podesse ac-
con tecer,
A esta carta rcspondco Oquendo : Que se elle nao
tinha ordens d^ElRei Carlos para obrigar por todos
os modos os Hollandezes a que tivessem respeito ao
seu Porto , e ds suas Armas , e Bandeira, elle ti
nha ordens do seu Soberano para arriscar , e perder
toda aquella Armada, a fim de que os Hollandezes
guardassem melhor o respeito, e obediência que de
vido ao Rei da Grão Bretanha.
Como o Almirante Inglez estava inteiramente de
intclligcncia com os Hollandezes , deo-lhes licença pa
ra que os dezesete Brulotes , que tinhão dissimulados
entre a sua Esquadra, mudassem de amarração, e se
avisinhassem , como fizerão , da Capitanea de Hespa-
nha , e dos maiores navios.
A' vista destas disposições hostis, determinou o
General Oquendo sahir das Dunas, achando menos pe
rigoso dar huma batalha desigual no mar alto, do que
encurralado em hum Porto. D. André de Castro, segui
do por outros muitos Officiaes, dizia: Que mal podião
elles pedir, ou alcançar d'E!Rei de Inglaterra o bene
ficio da observância da neutralidade, quando elles pró
prios fossem os primeiros 3quebrantalla ; o que se tor
naria mais funesto, por ser certo, que a Esquadra Hes-
panhola não podia combater só por só com a de Hol-
landa , e teria contra si a de Inglaterra , que se uniria
a esta, logo que se fizesse algum movimento contrario
á neutralidade. Oquendo, apoiado do resto dos Offi
ciaes respondia : Que já não era tempo de contempori
zar com Inglaterra , pois que a paciência dos Hespa
nhoes fora a sua ruína. Que elle só com a sua Capita
352
nea salrirra do Porto," quando os seus subalternos nfo
quizessem seguilo. E que tinha por certo, que poderia
combatendo atravessar o breve espaço de mar inter
posto entre Inglaterra , e a Flandcs, até se abrigar em
alguma Praça do seu Rei, onde pelo menes acharia
testemunhas (quando não achasse seccorros) do muito
que havia obrado pela salvação do Estandarte, que
lhe entregara.
Determinada em fim a sahida da Esquadra, fez o
seu General aviso a Londres, para que lhe remettesse
a pólvora já comprada; mas apenas lhe veio huma em
barcação, trazendo huma pequena porção da que espe
rava, e ainda essa de má qualidade: e chegando a seu
bordo ao anoitecer , e duvidando Oquendo recebela à-
quella hora , represento» o Capitão Inglez , que não a
recebendo logo , voltaria para í.ondres, segundo as or
dens que trazia do Conde de Northumberland. Trarou-
se então de receber a pólvora, porém via-se neste ten?-
po a Almiranta Hollandeza fazer-se á vela, para ac»
commetter os Hespanhoes , e á sua imitação os outros
navios Hollandezes.
Era o vento favorável para sahir do Porro, e D.
António foi o primeiro a fazer-se á vela , nias como
não tinha dado antecipadamente ; nem deo neste mo
mento ordens algumas aos seus Commandantcs sobre o
que devião fazer, e o caso foi 6ubito, achárão-ss ot
Hespanhoes na maior confusão, e desordem ao fazer-se
á vela, abalroando huns com outros; e alguns enca
lharão , por se afFastarem dos inimigos. Entretanto os
Hollandezes fazião hum fogo terrível, porque a inten
ção de Tromp era justificar o rompimento da neutrali
dade , com pretexto de que 06 Hespanhoes esravão re
cebendo pólvora para o combaterem.
D. Lopo de Hozes , não obstante o máo goyemo
do seu Galeão Santa Thereza , foi o segundo que se
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fn i veta. apôs a Capitanea , <S logo m sua popa foi
sahindo D.João Ascendo, o Almirante Feijó, e outro?
navios mais bem commandados. Os Hollandezes envia
rão três Brulotes incendiados contra a Capitanea, dç
que se livrou por meio de escaleres armados , que os
desviarão, estando já quasi atracados com ella.Qjtros
dois Brulotes vierão contra a Santa Thereza, que o«
evitou por igual modo, porém como navegava nas a-
guas da Capitanea, embaraçou-se com os três Brulo--
tes, de que havia escapado. D. Lopo, a quem duas .tyi-
las de artilheria havião levado huma perna, e hum bra
ço, deo assim mesmo as'ordens necessárias para des
viar os Brulotes; mas ainda que os seus escaleres con
seguirão com temerário valor arredar dois delles , não
Í)odêrão evitar o terceiro , que cahindo na proa do Ga-
eao , cm hum instante lhe communicou o fogo em que
vinha ardendo em altas labaredas. Desta maneira foi
queimado o Galeão Santa Thereza, sendo já morto D.
Lopo, e nelle acabarão mais de seiscentos Portugue-
zes, eHcspanhoes. Com a perda deste grande navio, des
animarão de todo os Commandantes Hcspanhoes , e
Jiuns tratarão de render-se, outros de salvar-se como
podessem , e também alguns de vender caras as vidas.
D. António conseguio recolher-se a Mardick , com ou
tro navio, que< poucos dias depois naufragou , salvan-
do-se a gente. Tudo quanto fizerao os Inglezes em de
fensa da sua neutralidade, se reduzio á alguns tiros inú
teis dos Castellos de Dower , e das Dunas.
Perderão os Hespanhoes nesta batalha seis mil ho
mens , e quarenta e três navios , com seiscentas peças
de artilheria de bronze, e grande numero de Officiaes :
dos Portuguezes morrerão novecentos.
Quasi metade dos navios naufragarão pelas Cos
tas deHollanda, França, e Inglaterra; e alguns alli
Tomo. U 45
acharão refugio. Os Hol la ndezes perderão alguns na
vios, e mais de mil homens.
J640 — Partio dâ índia (r) o Vice-ka joão da
Silva Tello com duas Náos, e dois Patachos, de cuja
Enquadra foi por Chefe Joáo de Sequeira Varejáo , com
quem hia em barca cl o' 'd "Viceifld.* Chega ri!o todcs a
Goa a salvamento.
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