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ISSN: 2525-8761
RESUMO
Articulando ideias de Gilles Deleuze1, Félix Guattari2 e Maurizio Lazzarato3, este ensaio
teórico procura contribuir com os debates acerca dos mecanismos de controle inerentes
ao capitalismo contemporâneo, que ultrapassam o mero confinamento e a disciplina dos
corpos e avançam para a gestão da vida por meio da biopolítica, até, finalmente,
1
Gilles Deleuze, filósofo pós-estruturalista, referência no debate sobre sociedade, política e subjetividade.
Compôs a coletânea “Capitalismo e Esquizofrenia” com duas importantes obras, O anti-Édipo e Mil Platôs.
2
Felix Guattari, filósofo, desenvolveu o campo da esquizoanálise e da ecosofia.
3
Maurizio Lazzarato, sociólogo e filósofo, desenvolve pesquisas sobre ontologia do trabalho e biopolítica,
entre outros.
ABSTRACT
Articulating ideas from Gilles Deleuze, Félix Guattari and Maurizio Lazzarato, this
theoretical essay seeks to contribute to debates about the control mechanisms inherent to
contemporary capitalism, which go beyond mere confinement and the discipline of bodies
and advance towards the management of life through biopolitics, even finally, directing
the production of subjectivities through noopolitics, which operates on the regulation of
memory, interference with thought and creative (im)potency. These transformations in
control mechanisms, associated with the displacement of consumption to the center of
capitalist dynamics, as a mode of production and creation of subjectivities, demand a
deeper analysis of the noopolitics associated with consumption. Thus, by relating both
macro-political formulations, such as Guattari's Integrated World Capitalism and
Deleuze's Rhyzomatic Capitalism, with the dimension of desires and subjectivities, the
theoretical construction proposes the understanding of a notion of consumption
noopolitics through the dialogue between Philosophy and Psychosociology, relating the
conceptions and narratives of these fields of study, estimating the role of consumption in
the constitution of current capitalism, from the formation of the image of contemporary,
individual and collective thought, directed at the ghost of lack, continuous dissatisfaction
and, incessant consumption and the production of subjectivities.
Neste sentido, um novo saber normalizador se alinha ao capitalismo, que faz com
que a vida se torne alvo da política, configurada em um “corpo-máquina-produtivo”, em
que tais corpos são examinados e investigados: é a associação dos aparelhos de
confinamento com a vigilância e o governo das condutas (AGAMBEN apud HUR, 2013).
Deleuze nota a transformação da Sociedade Disciplinar para a Sociedade de
Controle, a partir da observação da criação de modulações ou moldagens
autodeformantes, as quais variam continuamente e capturam o indivíduo e as massas com
apelos aos desejos, que configuram as subjetividades a partir de (des)necessidades de
consumo que acabam por tornar-se ilusoriamente vitais e constituintes do sujeito:
controle da produção de bens e das relações sociais, através de meios de coerção material
externos, e de sugestão de conteúdos de significação. A segunda decorre – talvez de forma
mais intensa – pela instauração da própria produção de subjetividade: uma imensa
máquina que fabrica uma subjetividade mecanizada e industrial, em escala mundial,
tornando-se o alicerce da formação da força de trabalho e do controle social coletivo
(GUATTARI; ROLNIK, 1999).
A Sociedade de Controle, a lógica da biopolítica e da noopolítica - e,
consequentemente, da noopolítica do consumo -, se inserem na dimensão cognitiva,
psíquica, física, biológica e até mesmo genética. É a representação da vida como objeto
de poder, perpassada por uma sociedade que se configura como algo não unificado,
seguro ou bem delimitado. Ela é constantemente deslocada por forças produzidas por si
mesma.
Esse atravessamento é a marca de toda uma diferença que produz uma variedade
de posições de sujeito. Ou seja, passa-se a viver em um mundo de eterno recomeço, de
indefinições, globalizado, imediato e de enfraquecimento das instituições e de referências
sociais. É um eterno período transitório e indefinido. A sociedade contemporânea parece
viver um mundo sem origem ou destino, passado ou futuro, onde se enfatiza a importância
de conquistas de caráter transitório, efêmero e fugaz, e não da procura dos meios para os
fins (HUR, 2013; PONTES; TAVARES, 2017). Neste sentido, essa nova lógica
neoliberal não pretende reduzir ou extinguir desigualdades pelo simples motivo de que
ela opera em cima dessas mesmas diferenças para governar. “Ela procura somente
estabelecer (...) um equilíbrio suportável para a sociedade entre normalidades diferentes;
entre normalidade da pobreza, da precariedade, e a normalidade da riqueza”
(LAZZARATO, 2011, p. 51).
Portanto, este modelo - que produz conexões rizomáticas e que envolve diferentes
atores sociais, como empresas, ONG’s, Governos e consumidores, cerceia as
“capacidades e resistências de indivíduos e grupos em produzirem (ativamente) sua
história, ou seja, buscar mudanças não só no contexto em que se inserem, mas também
neles mesmos” (CASSADORE, 2013, p. 171) e contribui para tornar capitalizável aquilo
que é imaterial e mais valioso: as relações íntimas e sociais e a própria imagem do
pensamento, tanto individual quanto coletiva, à mercê de um senso comum constituído e
regulamentado pelo mercado.
REFERÊNCIAS
CARRARA, Sérgio (1996). Tributo a Vênus: a luta contra a Sífilis no Brasil, da passagem
do século aos anos 40. Rio de Janeiro: Fiocruz.
PELBART, Peter P. (2003) Vida capital: ensaios de biopolítica. São Paulo: Iluminuras.
SILVA, Nilza (1998). Subjetividade. In: STREY, Marlene N. et al. Psicologia Social
Contemporânea. Petrópolis, RJ: Vozes, 1998.