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A CONSTRUÇÃO SOCIAL DA REALIDADE:

UM RECORTE DA PSICOLOGIA FAVELADA

Lilian da Silva Cardoso1


Makey de Menezes Pinto2
Mariana Costa Ferreira3
Camila Vasconcelos Carnaúba Lima4

Psicologia

ciências humanas e sociais

ISSN IMPRESSO 1980-1785


ISSN ELETRÔNICO 2316-3143

RESUMO

Este texto apresenta debates no campo da Psicologia comunitária, com recorte para
a Psicologia Favelada, campo recente no desenvolvimento de práticas e estudos te-
óricos. Diante disso, propõe-se realizar uma revisão da literatura sobre a construção
social da realidade nas favelas brasileiras, da mesma forma, discutir a inserção de
políticas públicas e os desafios enfrentados, tanto por profissionais, como por mo-
radores desses locais, e refletir acerca da deselitização da Psicologia. Como proce-
dimento metodológico, os dados foram levantados por meio de artigos indexados
nas bases de dados: SciELO, Pepsic e Google Acadêmico. Por fim, diante do que
foi discorrido e discutido, compreende-se que o desenvolvimento da subjetividade
nas favelas sofre influências diretas das ideias implementadas pelo individualismo,
impulsionado na era capitalista, o que propaga ainda mais as desigualdades e a in-
visibilidade de tais indivíduos.

PALAVRAS-CHAVE

Favela. Comunidade. Subjetividades.

Ciências Humanas e Sociais | Aracaju | v. 7 | n.2 | p. 11-20 | Abril 2022 | periodicos.set.edu.br


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ABSTRACT

This text presents debates in the field of community psychology, with a focus on
Favelada Psychology, a recent field in the development of practices and theoretical
studies. Therefore, it is proposed to carry out a literature review on the social cons-
truction of reality in Brazilian favelas, in the same way, discuss the insertion of public
policies and the challenges faced by both professionals and local residents, and reflect
on the de-lithization of Psychology. As a methodological procedure, the data were
collected through articles indexed in the databases: SciELO, Pepsic and Academic
Google. Finally, given what has been discussed and discussed, it is understood that
the development of subjectivity in the favelas is directly influenced by the ideas im-
plemented by individualism, driven by the capitalist era, which spreads even more as
inequalities and the invisibility of such subjects.

KEYWORDS

Favela. Community. Subjectivities.

1 INTRODUÇÃO

A Psicologia, pouco a pouco, abrange os seus estudos e ocupa lugares nas so-
ciedades contemporâneas, subdividindo-se para chegar aos microespaços e diferen-
tes povos. Com o surgimento da Psicologia Comunitária, subárea da Psicologia Social,
foi possível se levantar demandas e pensar estrategicamente em Políticas Públicas. A
favela, desde a sua criação, perpassa pela ideia de exclusão, não sendo, por muitos
anos, objeto de estudo ou, quando foi, as suas reais demandas não eram levadas em
conta, já que não se ouvia os indivíduos que nela habitavam. Dessa forma, as ideias
aplicadas eram advindas de teorias estrangeiras, que, quando colocadas em prática,
não alcançavam o real objetivo, frustrando-se.
Um país com tanta ênfase na elitização das profissões e na manutenção des-
se pensamento nutre a escassez de estudos sobre a Psicologia Favelada, em que se
torna necessária a reflexão e a ressignificação de tais práticas para além dos muros e
consultórios, chegando ao máximo de lugares possíveis, como as favelas. Objetiva-
-se, por meio deste estudo, discutir acerca da deselitização da profissão e entornos
que devem ser pensados e alcançados, tal como o processo de desenvolvimento da
realidade socialmente construída.

2 MÉTODO

O presente estudo faz-se em decorrência de uma revisão bibliográfica sobre a


construção social da realidade por meio de um recorte da Psicologia Favelada. As pes-

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quisas datam de agosto e novembro de 2020, com busca nas bases de dados Scientific
Electronic Library Online (SciELO), Pepsic e Google Acadêmico. Utilizou-se os descri-
tores “psicologia favelada”, “comunidade”, “favelas” e “psicologia comunitária”. Dentre os
materiais encontrados, foi estabelecido como critério de inclusão artigos publicados
nos últimos 6 anos e/ou materiais considerados clássicos que respondessem aos obje-
tivos da pesquisa. 10 estudos foram selecionados por atenderem a esses critérios.

3 RESULTADOS E DISCUSSÃO

3.1 SUJEITO, LUGAR, SUBJETIVIDADE

Ao se construir bases teóricas para entender os conceitos de sujeito, lugar e


subjetividade no Brasil, assim como a interrelação entre eles, é importante ter em
mente que essa construção perpassa por diferentes contextos sociais e históricos.
Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), para se pensar em moradia, lugar,
é imprescindível destacar a relação entre o morar adequadamente, tendo condições
dignas de habitação, e os demais direitos humanos. Para isso, as cidades surgem
como espaços que visam o desenvolvimento de uma sociedade, todavia, o acesso a
ela, que deveria ser inclusivo, no mundo capitalista acaba sendo norteado pela ideia
de exclusão dos indivíduos que habitam as periferias (SANTOS, 2020).
Ainda para Santos (2020), o direito à moradia e a Política Nacional de Habitação
acabam, simultaneamente, fragmentados e garantidos, uma vez que não dialogam
com outros direitos previstos pela ONU, o que leva a sua fragmentação, mas, parcial-
mente, garantidos pelo Estado por meio das lutas e mobilizações sociais. O direito
que, em tese, é garantido, torna-se uma mercadoria.

A possibilidade de igualdade surge do Estado e de suas leis,


que por sua vez, são parte da relação ideológica da vida social
movimentada pelo capital, que, ao forjar o sujeito como um
sujeito de direitos, garante a propriedade, mas, em absoluto,
não estabelece condições de colocá-lo como proprietário.
(CATINI, 2017 apud SANTOS, 2020, p. 26).

Ewald, Gonçalves e Bravo (2008), em seus estudos sobre o espaço enquanto um


lugar de subjetividade por meio das reflexões desenvolvidas por Milton Santos, Jean-Paul
Sartre e Merleau-Ponty, apontam que o espaço é um local que resiste às mudanças, res-
guardando as heranças culturais e materiais, e, ao mesmo tempo, acolhe o novo. Espaço,
tempo e mundo mudam a todo instante e em conjunto, não sendo possível alterar ape-
nas um desses elementos. Ao longo dos anos, espaço e tempo se fundiram de tal forma
que é quase impossível separá-los, e, por conta desse fenômeno, surgiram as cidades.
As cidades não surgiram por acaso, mas sim por conta das transformações so-
ciais ao longo dos anos, com o desenvolvimento de pensamentos mais individualis-

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tas e com a busca de certo “controle”, previsibilidade, de pensamentos e comporta-


mentos calculáveis, o que causa consequências na subjetividade dos que ali habitam
(EWALD; GONÇALVES; BRAVO, 2008).
Assim sendo, as relações estabelecidas pelos indivíduos entre si, com o
outro e com as coisas do mundo têm sido atravessadas por essa técnica da previsi-
bilidade, o que significa dizer que a sua funcionalidade é pensada e definida previa-
mente e que vai se manifestar de acordo com a disposição da realidade. O mundo é
oferecido com potenciais de sentido pré-estabelecidos pela enorme valorização da
sua funcionalidade e utilidade, visando a um resultado final já previsto, como é o caso
da organização do espaço urbano (EWALD; GONÇALVES; BRAVO, 2008).
A relação com o espaço perpassa, ainda, pelo significado atribuído ao dinheiro
no ocidente capitalista, caminhando, cada vez mais, para uma diminuição do caráter
público, visando excluir as imprevisibilidades advindas com as subjetividades dos in-
divíduos (EWALD; GONÇALVES; BRAVO, 2008).
Ao se pensar em espaço e subjetividade, o primeiro pode ser físico ou social.
Quanto ao físico, é aquilo passível de objetivação, possível de mensurar, todavia, o
segundo é formado pela subjetividade, por meio das relações estabelecidas. É ne-
cessário vincular esses dois espaços para que eles existam, pois um precisa do outro
na criação de sentidos, já que, nas teorizações de Heidegger (2001 apud EWALD;
GONÇALVES; BRAVO, 2008), o espaço, por si só, não produz efeito algum, tendo
relevância apenas quando as interações sociais acontecem e lhe é atribuído sentido.
Quanto às subjetividades diante desses espaços, a sua estrutura é inacabada, já
que ela é passível, a todo instante, de mudanças. A percepção vai ultrapassar o sujeito e
a si mesma, configurando-se sempre como síntese inacabada, aberta ao possível. “É em
virtude da percepção, e, portanto, do corpo, que o pensamento se ultrapassa, podendo
acolher a alteridade localizada no espaço” (EWALD; GONÇALVES; BRAVO, 2008, p. 764).

3.2 COMUNIDADE

De acordo com Oberg (2018), não há um consenso para se explicar ou concei-


tuar o que é comunidade. Para se entender de fato o que é viver em comunidade, é
necessário levar em conta as implicações acerca da cultura em que estamos inseri-
dos, problematizando as inúmeras formas de se vincular construídas pelos indivíduos.
Diferentes autores vão discorrer sobre o que é comunidade a partir do seu contex-
to de inserção e fazer um apanhado histórico desde a sociedade feudal aos dias atuais.
Apenas na década de 1970 é que esse termo passa a ser estudado e usado pela Psicologia
Social, principalmente por o Brasil vivenciar um momento de expressivo fortalecimento
dos movimentos sociais, e pela própria profissão enfrentar problemas relacionados à im-
plantação de modelos americanos, não condizentes com a realidade brasileira.
A década de 1970 foi marcada por mudanças de paradigmas e participação po-
lítica da psicologia, saindo do viés elitizante e assistencialista. Só em1985 a psicologia
passou a existir também como “psicologia da comunidade” ligada às questões de saú-

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de pública, sendo o psicólogo um trabalhador social, no entanto, com o tempo, o ter-


mo “da” e “na” comunidade foram se confundindo e hoje nós temos noções diferentes
de cada uma, acentuando o distanciamento de práticas objetivas e subjetivas na vida
dos moradores, problematizando a dicotomia “centro-periferia” (OBERG, 2018).
Ao fazer um breve apanhado histórico do conceito e de suas teorizações, o en-
tendimento de comunidade perpassa, para autores como Tonnies, Weber e Simmel,
para além de uma simples permanência em ambientes semelhantes, pois ela está
apoiada em fundamentos afetivos, emocionais e tradicionais (OBERG, 2008; 2018).
Todavia, nem todos pensam dessa forma, acreditando que há uma visão romantiza-
da desse lugar, que reforça a ideia de que há sempre uma harmonia e que todos os
indivíduos são, naturalmente, bons (OBERG, 2018 apud SOARES, 2001). O que se per-
cebe hoje é que, com o avanço dos ideais do capitalismo, a comunidade é entendida
e vista, muitas vezes, como contrária à sociedade industrial, se posicionando como
inimiga do desenvolvimento econômico (OBERG, 2018).

3.3 FAVELA

De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2019),


um aglomerado subnormal, popularmente conhecido no Brasil como favela,
grotas, loteamentos, comunidades etc, é uma forma de ocupação irregular de um ter-
reno/propriedade olheia, seja ela privada ou pública, com a finalidade de habitação.
Em geral, são caracterizados pela escassez de serviços públicos essenciais, padrão
urbanístico irregular e localização em áreas com restrição à ocupação.
Um levantamento feito também pelo IBGE em 2010 (último censo) estimou
que 11,4 milhões de pessoas vivem em favelas no Brasil, com 3.224.529 domicílios,em
6.329 aglomerados subnormais, localizados em 323 cidades. Dessas, cerca de 12,2%
estão localizadas no Rio de Janeiro. Todavia, se considerarmos os dados de 2019, es-
ses números são ainda mais elevados, com 5.127.747 milhões de domicílios, em 13.151
mil aglomerados, em 734 municípios, nos 26 estados do país, mais o Distrito Federal
(AGÊNCIA BRASIL, 2020).

3.4 PSICOLOGIA SOCIAL E COMUNITÁRIA

Por volta da década de 1970 a Psicologia Social surge, elaborando novas pro-
postas para si mesma e para a própria Psicologia, pelo menos em território brasileiro.
A criação da Associação Brasileira de Psicologia Social (ABRAPSO), na década de 1980
configura-se como importante, por seguir um caminho diferente dos traçados pelos
estudos cognitivos e experimentais (GONÇALVES; PORTUGAL, 2016).
Novos temas começaram a se fazer importantes e a se destacar nas discus-
sões, envolvendo a Psicologia Social, com o intuito de desvincular-se de pensa-
mentos individualistas e passar a focar em temas de maior expressão social não
só no Brasil, mas em toda a América-Latina. Agora, o interesse estava focado em

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protagonizar aquilo que fazia parte da realidade e do cotidiano da maioria popular


(GONÇALVES; PORTUGAL, 2016).
A Psicologia Social Comunitária (PSC) surge como uma saída para a crise viven-
ciada pela Psicologia Social. Diferente do contexto norte-americano, em que a PSC
surge por problematizações advindas da Psiquiatria, na América-Latina, a PSC como já
explícito, ganha destaque por conta das discussões no campo da Psicologia Social. Até
mesmo quando esses questionamentos estão voltados à Saúde Mental, é preciso re-
conhecer que há diferenças, já que aqui esse movimento ganhou caracterizações pró-
prias. Dessa forma, a PSC representa uma das saídas para a crise da Psicologia Social ao
propor redirecionamentos para as intervenções “psi” (GONÇALVES; PORTUGAL, 2016).

No Brasil, o surgimento da PSC foi atrelado aos movimentos


sociais e às reformulações na área de saúde mental. O
processo de pauperização da população, as Reformas Sanitária
e Psiquiátrica e as políticas sociais pós-Constituição de 1988
compõem o cenário em que aconteceram as primeiras
experiências de atuação da Psicologia em comunidades.
(YAMAMOTO; OLIVEIRA, 2010 apud GONÇALVES; PORTUGAL,
2016, p. 564).

Lane (1996), ao citar a PSC no Brasil, sinaliza que há 2 pontos de destaque, em


que 1 deles é a criação dos Centros Comunitários de Saúde Mental, cujo objetivo, na
década de 1970 foi o de transformar o modelo de atenção Psiquiátrica adotado, e os
trabalhos inspirados na Educação Popular de Paulo Freire, a fim de alfabetizar
Soares (2001 apud GONÇALVES; PORTUGAL, 2016) destaca que, no final da dé-
cada de 1970, estudantes e profissionais da Psicologia inseriram-se nas favelas do Rio
de Janeiro, entretanto, as suas práticas não eram pautadas por referenciais teóricos
e metodológicos, demonstrando relutância em concordar q u e teóricos e metodo-
lógicos, demonstrando relutância em concordar q u e essas atuações estariam vin-
culadas à ciência Psicológica. Esse movimento deu-sepor desconfortos provenientes
do modelo liberal e das produções acadêmicas

3.5 PSICOLOGIA FAVELADA – PRÁXIS E CONCEITOS

Psicologia Favelada. Sinônimos: Psicologia do beco; Psicologia da viela; Psico-


logia popular; Psicologia periférica. 1. Que ou aquela que se rebela, tem caráter insur-
gente e popular (GONÇALVES, 2020).
Quando a psicologia remete-se a pensar na favela, pensa-se na Psicologiada
Favela ou na Psicologia Favelada? Na verdade, falar sobre a favela requer ouví-la e fa-
lar com ela, dialogando, mas quem costuma falar por ela é o Estado, carregando seus
estereótipos. Por isso, precisa-se, primeiramente, entender que falar de comunidade
e favela é falar de conceitos distintos. A comunidade tornou-se um termo amplo para
as práticas psicológicas nos espaços periféricos e populares. Já a Psicologia Favelada
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não é um especialismo, é uma referência a um campo de pesquisa, lugar de subjetivi-


dades e perspectiva popular. São as problemáticas reais da favela (racismo, machismo,
exploração) que fornecem subsídios para a transformação da psicologia, de atuação
mais popular e libertária, que este trabalho fala (GONÇALVES, 2020).
A Psicologia Favelada busca ter uma visão geral da psicologia, com a reivindica-
ção da popularização dela. Pode ser chamada de psicologia popular, uma vez que faz
parte da sua sugestão: a libertação da psicologia e sua reconstrução com base na teoria
e na epistemologia estabelecidas a partir do povo. A resposta típica que nos deparamos
em psicologia de favelada é que, dadas suas características históricas e geográficas,
seus agenciamentos, é de poder produzir com as massas populares. As favelas são, sem
dúvida, o território em que a psicologia brasileira é majoritária (GONÇALVES, 2020).
Ao se pensar no trabalho desenvolvido pelo Psicólogo comunitário que atua
nas favelas brasileiras, é notório que as suas práticas estão distanciadas das atuações
encontradas na Psicologia tradicional, em consultórios, com a Psicologia Clínica ou
com àquelas que se limitam ao consultório, com atendimentos individuais. Todavia,
na tentativa de não continuar, reproduzindo as práticas já citadas, o psicólogo que
atua nas comunidades pode embaraçar-se sem saber exatamente o que deve ser fei-
to, mas isso não é visto exatamente como um problema, já que é interessante pensar
que as propostas de novos “modos” de se fazer a ciência psicológica seja construída
pela negação de uma prática. “É preciso não fazer clínica para que alguma coisa dife-
rente possa acontecer” (GONÇALVES; PORTUGAL, 2016, p. 566).

O debate a respeito dos problemas sociais não adentra a


formação básica da graduação do psicólogo. Não se trata,
então, de criticar o atendimento individual, mas sim a pura
e simples transposição de um modelo clínico para um
trabalho que requer dimensões sociais e políticas muito mais
abrangentes. [...] a formação maciça em clínica prepara para
uma relação dual, importante, mas com aplicação pouco
eficaz para a inserção na comunidade. (PAIVA; YAMAMOTO,
2010, p. 155).

No que concerne à atuação do Psicólogo, percebe-se uma crítica relacionada


à formação em psicologia. Essa, denuncia a deficiência de formação nas academias,
já que as práticas, na grande maioria das vezes, estão pautadas na clínica. Isso acar-
reta diretamente na falta de preparo dos profissionais para atuarem com Políticas
Públicas ou em contextos comunitários, o que justifica os desconfortos ao se de-
pararem com atividades comunitárias, alegando falta de preparo teórico e prático
(GONÇALVES; PORTUGAL, 2016).
Assim, “o psicólogo vai à comunidade” quer dizer “o psicólogo vai à periferia”, re-
alizando o movimento de contato com as classes populares e não em qualquer parte
da cidade. Projetos de psicologia que entram na comunidade representam uma varie-
dade de projetos deslocados em Psicologia, principalmente sua popularidade. Tornar-

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-se popular significa deixar seu status político teórico e ético. Esse ajuste significa que
a busca por espaços sociais marginalizados deve significar uma mudança na psico-
logia, ao invés de estender seus serviços às maiorias populares (GONÇALVES, 2020).

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A Psicologia, no Brasil, passou e ainda passa por um processo de elitização e ten-


ta, aos poucos, desenvolver as suas próprias práticas, cada vez mais condizentes com
a realidade do país. Ainda a passos lentos, busca se firmar como uma ciência engajada
com ideais comunitários e sociais, entretanto, por ser recente em nosso país, enfrenta
problemas como a enorme escassez de materiais práticos e teóricos, em consonância
às práticas estrangeiras que se distanciam da realidade socialmente construída.
Com o fortalecimento do individualismo e o surgimento do capitalismo há uma
busca pela previsibilidade e uma redução das subjetividades, com a valorização do que
é dito por aqueles que possuem o capital como “bom”, “adequado”, e a exclusão dos
seus opostos, o “ruim”, “inadequado”. Dessa forma, surgiram as favelas, com indivíduos
que lutam diariamente para serem vistos e pensados no âmbito das Políticas Públicas.
Para se desenvolver a Psicologia Favelada é necessário se ouvir a favela, ou seja,
quem ali habita, e resgatar as subjetividades presentes em cada local, uma vez que só
assim as vulnerabilidades sociais poderão ser diminuídas e a visibilidade se fará presen-
te, levantando demandas reais e se pensando estrategicamente em como resolvê-las,
resgatando as individualidades de cada indivíduo e do conjunto que é formado por eles.

REFERÊNCIAS

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Data do recebimento: 10 de setembro de 2021


Data da avaliação: 23 de novembro de 2021
Data de aceite: 12 de dezembro de 2021

1 Graduada em Psicologia pela Universidade Tiradentes – UNIT. E-mail: lilian.silva@souunit.com.br


2 Graduação em Psicologia pela Universidade Tiradentes – UNIT. E-mail: makey.menezes@souunit.com.br
3 Graduação em Psicologia pela Universidade Tiradentes – UNIT. E-mail: mariana.cferreira@souunit.com.br
4 Mestrado em Psicologia, Processos Cognitivos e Avaliação Psicológica, Universidade Federal de Alagoas –
UFAL. E-mail: camila.carnauba@souunit.com.br

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