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SÃO PAULO
2023
1
Monografia apresentada ao
IJEP como requisito parcial
para obtenção do título de
especialista em Psicologia
Junguiana.
SÃO PAULO
2023
2
RESUMO
SUMÁRIO
Introdução ………………………………………………………………………….. 04
Conclusão ……………………………………………………………………………. 30
Referências …………………………………………………………………………… 31
4
INTRODUÇÃO
ainda na década de 50 do século passado, mas este campo ficou durante décadas no limbo
científico e acadêmico por conta das proibições políticas que foram impostas às substâncias
alteradoras de consciência usadas nas pesquisas. A partir do começo deste século, portanto,
elas voltaram a fazer parte do meio acadêmico e foram recolocadas no campo das pesquisas e
das terapias. Este trabalho visa conectar estes relatos das experiências vividas sob efeito
dessas substâncias às questões de transcendência e religiosidade que Jung estudou e
formulou, já que a própria teoria junguiana serviu de referência para esse novo campo
terapêutico, apesar de registros de uma relutância do próprio Jung em relação à utilização de
substâncias psicoativas como ferramenta de acesso ao inconsciente.
Este trabalho busca adentrar nos diversos e profundos trabalhos de Jung sobre religião,
arquétipos e transcendência, e de como seus conceitos serviram como base para o campo da
psicologia psicodélica e transpessoal. Pretende-se investigar suas similaridades e apontar as
diferenças para se entender, no mapa da psique, em que ponto a ideia de transcendência e o
conceito de religião e de seus arquétipos pode ou não legitimar o uso de alteradores de
consciência em pessoas relativamente saudáveis em seus processos de individuação.
Reconhecendo o imenso banco de dados das pesquisas que afirmam que essas
experiências místicas e religiosas induzidas trazem uma boa contribuição a pacientes com
transtornos psicológicos graves, onde tratamentos convencionais já não agem de forma
eficaz, a pergunta que pretendemos responder é se a experiência mística e religiosa induzida
por psicodélicos na terapia assistida pode realmente trazer um ganho psíquico ao um
indivíduo relativamente saudável em processo de individuação, considerando o valor que
Jung atribui à religião para este processo.
A hipótese para esta questão é de que, para um trabalho psicológico profundo, tais
experiências podem não ser tão efetivas o quanto se espera, pois no que se refere ao trabalho
de integrar os conteúdos da psique, abrir a caixa do inconsciente pode ser deslumbrante ou
desafiador, certamente cheio de numinosidade, mas também pode vir a ser uma caixa de
pandora de arquétipos que certas estruturas psíquicas ainda não estão prontas para integrar.
O trabalho terá uma abordagem teórica abrangendo o entendimento de Jung quanto ao
conceito de religião e o relacionando às pesquisas científicas sobre psicodélicos que existem
atualmente, além de interpretando as experiências à luz da teoria da psicologia analítica. Para
tal abordagem, me atenho a conceitos como a função transcendente e de numinosidade, que
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encontrar a sustentação simbólica dessas experiências e de como elas podem ser devidamente
integradas para se somarem ao complexo processo de individuação. Conclui-se que a entrega
unilateral a uma viagem ao inconsciente abissal não deve ser vista como o objetivo final da
experiência religiosa - no caminho da individuação, o que conta é a jornada, não o fim, pois o
processo de integração dos aspectos conscientes e inconscientes da psique é uma constante
da vida humana.
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CAPÍTULO 1
Jung e a Religião
cumprir a Sua vontade, sem o que seria uma presa da loucura” (JUNG, 1975). Era um
prenúncio de que os materiais sombrios que emergem da psique são informações que, quando
devidamente encaradas e aceitas ou ressignificadas, o aproximavam de uma totalidade divina.
Sua infância religiosa deixou marcas profundas em sua psique e se tornou uma base
para seu desenvolvimento posterior. Essas influências iniciais moldaram sua visão de mundo
e tiveram um papel significativo em sua abordagem em relação à religião ao longo de sua
vida. No entanto, antes mesmo de se desenvolver como psiquiatra e psicólogo, Jung mantinha
uma perspectiva crítica em relação às religiões, questionando o dogmatismo e a rigidez das
instituições, crítica que era muitas vezes direcionada ao seu pai, que ele dizia pregar uma
religião sem alma e sem conexão com o divino, dizendo a respeito dele que “suas palavras
eram ins pidas e vazias, tal como as de uma hist ria contada por algu m que nela n o cr , ou
que s a conhece por ouvir dizer” (JUNG, 1975 p.42).
Na adolescência, uma fase de estudos e mais interação social, Jung se sentia deslocado
socialmente, vindo a se reconhecer como um ser dividido em dois. Um que poderíamos
chamar de uma persona, aproveitando aqui do conceito que ele viria a elaborar em sua
psicologia analítica, ou seja, uma máscara para se projetar nas relações sociais, como forma
de defesa e adaptação. Esta persona era decente, aplicada, aparentava ser um bom filho e um
bom estudante. Já a outra metade do seu ser se sentia “distante do mundo dos homens”, mais
conectado à natureza, à vida, aos astros, aos sonhos, a Deus. Mas o que soa poético em sua
biografia, Jung descreve como um sentimento intenso e perturbador naquela época (JUNG,
1975). No decorrer da vida, Jung nunca romantizou este contato com o divino, por vezes
abençoado, outras vezes aterrorizador.
Nesta fase, também a religião institucional se tornara cada vez mais indigesta para
Jung, sendo a igreja um local onde os feitos e as vontades de Deus eram profanados e soavam
para ele como uma ofensa ao próprio mistério divino, pois, este se manifestava na “mais
ntima e profunda certeza” [...] “que nenhuma palavra poderia testemunhar”. Nesta época,
Jung rompeu de vez com a igreja, ficando apenas com seu segredo divino individual.
Paralelamente, ele se distanciou também do pai pois, o que antes eram discussões sobre
religião, depois só restou um sentimento de piedade pelo caminho trágico que ele seguiu em
sua profissão e em sua vida. (JUNG, 1975). Mas se afastar da igreja não o fez se afastar da
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experiência religiosa. O que era tido como inefável nessa experiência direta abriria caminho
para a incorporação do termo “numinoso” em seu vocabulário. Esses elementos se tornaram
fundamentais em sua abordagem à psicologia analítica, influenciando sua visão de mundo e
sua compreensão dos processos mentais.
individuação e Self, que descrevem processos psicológicos e estados de consciência que são
fundamentais para o desenvolvimento pessoal e espiritual de um indivíduo. O processo de
individuação seria a busca de um centro ordenador que envolve a reconciliação dos opostos e
a integração dos aspectos conscientes e inconscientes, num processo de tornar-se um ser
humano completo e integrado. À medida que a individuação ocorre, a pessoa se torna mais
consciente de sua natureza única e encontra um sentido mais profundo de si mesma,
alcançando um equilíbrio e uma harmonia interna. Este equilíbrio psíquico está representado
no arquétipo do Self, ou Si-mesmo, associado a um sentimento de totalidade, sabedoria,
criatividade e espiritualidade, afirmando que “a meta do desenvolvimento psíquico é o Si
Mesmo” (JUNG, 1975).
Carl Jung, a partir de então, se mostrou um grande estudioso dos estudos da religião
oriental, geralmente em comparação com a religião ocidental. Jung entendeu que há uma
atitude de oposição entre o oriental e o ocidental em relação à religião. Enquanto o primeiro
mantém uma relação de introspecção, o segundo se relaciona de forma extrovertida. Jung
destaca que, nas religiões ocidentais, os rituais religiosos são frequentemente direcionados
para alcançar um futuro de glória e a salvação é um tema central. O eu ocidental (consciência
reflexa) tem uma atitude religiosa objetiva. Já as religiões orientais são caracterizadas por
uma abordagem de transcendência e imanência. A noção de tempo e espaço é vista como
circular, refletindo um eterno retorno. O sentido de pertencimento está ligado a tudo, numa
atitude religiosa que tende a fundir-se ao inconsciente. Essas diferenças fundamentais na
abordagem ocidental e oriental da religião têm implicações significativas. Jung argumenta que
o ocidente pode se beneficiar ao reconhecer e explorar a tendência introvertida que se
assemelha aos princípios espirituais do oriente. Mas ao invés de tentar imitar forçadamente as
técnicas espirituais orientais, seria mais autêntico buscar esses princípios dentro de si mesmo,
dentro de sua própria história e tradições (JUNG, 1978, Psicologia e Religião).
Já outro influenciador para o entendimento de religião para Jung foi Rudolf Otto,
criador do termo "numinoso", algo que se pode explicar como uma experiência religiosa
imediata, a essência do sagrado que está presente em todas as religiões e culturas,
independentemente de suas formas específicas de expressão. Este termo serviu de base para a
definição de algo tão complexo que é a “Religião”.
Nos dias de hoje, uma forma de terapia com substâncias psicoativas tem ganhado
espaço em institutos de pesquisa pelo mundo com substâncias psicoativas que causam uma
experiência mística e religiosa nos pacientes, visando oferecer ganhos psicológicos e
tratamento para males para sintomas que a psicologia e psiquiatria não conseguem amenizar.
Pacientes que passam pelo tratamento costumam relatar uma conexão com uma dimensão
sagrada, seja chamada de Deus, Si-mesmo ou outro termo que possa dar significado a
experiência vivenciada durante as sessões assistidas com psicodélicos, trazendo um sentido
mais amplo para a própria existência. A princípio, não há como negar que a clínica junguiana
pode fornecer uma possível complementaridade aos tratamentos assistidos por psicodélicos,
ou que a psicologia analítica possa tentar se utilizar de uma nova ferramenta para o trabalho
com o inconsciente, utilizando essas substâncias para que o paciente entre em contato com os
aspectos mais profundos da psique e, potencialmente, viva uma experiência mística e religiosa
que possa promover uma transformação pessoal significativa.
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CAPÍTULO 2
Psicodélicos
Este capítulo visa descrever a história recente do uso de substâncias psicoativas como
ferramenta terapêutica, incluindo um breve estudo do uso dessas substâncias na psicoterapia
profunda e o desenvolvimento dos protocolos atuais que visam oferecer, através da
experiência psicodélica, uma forma de tratamento para psicopatologias consideradas graves
ou incuráveis. Falar de protocolos e riscos não nos afasta do tema, pois se há uma relação de
vontade ou resistência por parte do paciente em relação ao processo terapêutico, como na
psicoterapia padrão, no caso com psicodélicos, a problemática se estende a questões
existenciais, de crença e da relação subjetiva de cada indivíduo com a religião.
grego a partir da composição das palavras "entheos" (dentro de Deus) e "genesthai" (gerar,
criar), o que pode ser traduzido como "gerador do divino interior" ou "manifestante do divino
interior”. Este termo está associado a substâncias psicoativas naturais utilizadas em rituais
xamânicos e que foi adotado por historiadores e antropólogos. Por fim, na década de 50, foi
criado o termo “psicodélico” (Psico e Delus: Manifestar a mente, ou aspectos da mente). O
idealizador deste nome foi Humpry Osmond, um psiquiatra que oferecia mescalina, molécula
sintetizada a partir de um cacto alucinógeno do México, a artistas e intelectuais, a fim de
escrever relatórios e estudar se a aplicação dessa substância em pacientes era
terapeuticamente viável e segura.
O campo da psicologia também acompanhou a popularidade das pesquisas
acadêmicas, fazendo surgir na década de 60 uma área da psicologia que foi denominada
transpessoal e que teve Abraham Maslow e Stanislav Grof como pioneiros. Maslow cunhou o
termo “experiência de pico” para descrever estados onde o indivíduo vivencia um sentimento
de êxtase, de reverência à vida e de sentimento de unidade existencial que transcende o
próprio ego (MASLOW, 1964 p.11). Já Grof, atuante até hoje, defende o uso de ferramentas
alteradoras da consciência em tratamentos terapêuticos, independente se for pela ingestão de
alucinógenos ou por ferramentas como a hipnose, trabalhos corporais ou de respiração, com a
intenção de se acessar dimensões espirituais dentro da psique.
Em outro espectro do experimentalismo com psicodélicos da época, temos as figuras
de Timothy Leary e Richard Alpert, psicólogos doutores de Harvard e que acabaram sendo
expulsos do meio acadêmico por promover o uso da substância fora de um ambiente
terapêutico controlado. Já cientes da popularidade fora de controle que a substância estava
adquirindo na época, eles escreveram a polêmica obra A Experiência Psicodélica, escrito em
1964, como um passo a passo sobre como lidar com a experiência, dos percalços possíveis à
preparação do ambiente, passando pelos cuidados a serem realizados por pessoas que
auxiliam na experiência e outros conselhos práticos sobre como se preparar e conduzir uma
sessão psicodélica, além de explorar os diferentes estágios da experiência e seus possíveis
significados. Este trabalho serviu de base para os protocolos da atualidade na terapia com
psicodélicos.
Conforme a popularidade do LSD ganhou amplitude na cena cultural durante a década
de 60, a substância passou a ser encarada como questão de saúde pública por governos,
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fazendo com o que o estudo com psicodélicos ficasse há décadas no limbo científico e
acadêmico por causa das proibições impostas às substâncias alteradoras de consciência usadas
nas pesquisas. Só a partir do início deste século é que as substâncias voltaram a fazer parte de
círculos acadêmico e as pesquisas científicas e terapêuticas foram retomadas, com grande
presença nas áreas da psiquiatria e da neurociência, porém distante do campo da psicologia
analítica, o que é surpreendente se considerado o fato de que todas essas áreas de
conhecimento lidam com psicopatologias em comum, ou mesmo que a experiência
psicodélica está intimamente ligada a manifestações do inconsciente.
1The toll that psycholytic therapy has had to pay for its theoretical rooting in Freudian psychoanalysis has been
confusion and conflict about the spiritual and mystical dimensions of LSD therapy. Those psycholytic therapists
who firmly adhere to the Freudian conceptual framework tend to discourage their patients from entering the
realms of transcendental experiences, either by interpreting them as an escape from relevant psychodynamic
material or by referring to them as schizophrenic. Others have identified the psychoanalytic framework as i
complete and restricting and become more open to an extended model of the human mind.
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Outra obra que foi determinante para o desenvolvimento da terapia psicodélica foi o
livro “A Experiência Psicodélica”, escrito em meados da década de 60. Antes mesmo do
movimento New Age que moldou parte da cultura dos países ocidentais na década seguinte,
com a valorização de filosofias e religiões orientais, o livro se inspirou no Bardo Tobol,
também conhecido como O Livro Tibetano dos Mortos, para elaborar uma estrutura conceitual
e prática para a experiência com psicodélicos. Na introdução do livro há um tributo a Carl G.
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Jung, que escreveu um dos prefácios das primeiras traduções da obra tibetana, por sua
contribuição ao expandir a ideia de inconsciente a partir da complexa relação do homem com
seus arquétipos e por conseguir integrar conhecimentos milenares da filosofia oriental aos
estudos da psique humana na ciência ocidental. Segundo o livro, a psicologia contemporânea,
graças a Jung, estaria apta a desbravar novos campos de consciência. Este manual veio a ser
uma referência para a criação dos protocolos atuais da terapia assistida com psicodélicos, pois
Leary e seus colegas já exploravam há anos este campo de pesquisas. Mas, segundo o livro,
enquanto o prefácio escrito por Jung na tradução antiga do Bardo Tobol faz uma leitura mais
literal dos arquétipos de morte e renascimento, entendendo que a obra tibetana se propõe a ser
um manual para travessia do moribundo e do morto para o “além” da vida material e de
preparo para sua reencarnação, os autores fazem uma releitura do Bardo tibetano através dos
mesmos arquétipos, porém associados a ideia de morte e ressurreição do ego, este que
transcende para uma consciência ampliada a partir do uso de psicodélicos (ALPERT; LEARY;
METZNER, 1964, p. 15).
Destas duas vertentes no tratamento com psicodélicos, a terapia com alta dosagem e
pouca interferência de um terapeuta apresentou os melhores resultados a longo prazo. Mesmo
com a retomada da terapia com psicodélicos no início deste século, o tipo de tratamento
aliado com uma temporada de longa de sessões de psicoterapia, fosse pela psicanálise ou
psicologia analítica, não recebeu a mesma atenção nas pesquisas, diferente do tratamento com
psicodélicos em altas doses, poucas sessões e com a mínima intervenção do terapeuta.
Tratamentos para psicopatologias comuns e pouco agressivas dos tempos atuais não
encontraram espaço na chamada “nova onda psicodélica”.
que é considerado uma falácia pelos defensores das terapias com psicodélico. O professor Dr.
David Nutt, da Imperial College of London, defende que os psicodélicos possuem um
potencial de vício menor em comparação com outras drogas, como álcool e tabaco,
argumentando que o vício em drogas está relacionado não apenas à química da substância,
mas também ao comportamento de busca e compulsão associado ao uso. Nutt enfatiza que os
psicodélicos, em particular, não parecem ter propriedades viciantes no mesmo sentido que
drogas como a cocaína, a heroína ou o álcool. Ele propõe que os psicodélicos atuam em
diferentes sistemas neurotransmissores e possuem um tempo de ação prolongado, ao invés de
gerar compulsão pelo uso contínuo, pois substâncias viciantes geralmente têm um início
repentino, o que leva a um comportamento e reforço comportamental (NUTT, 2021). O tema
ainda é polêmico, pois pode sim haver o abuso de psicodélicos por usuários, como é
comumente observado entre aqueles que fazem uso recreativo das substâncias. Mas há
também testes comprovados com certos psicotrópicos que possuem um potencial de
tratamento contra vícios, como estudos realizados pelo próprio professor Nutt com a
psilocibina para o alcoolismo, ou com o uso da ibogaína, uma substância alucinógena advinda
da raiz de um arbusto da África, que se comprovou eficaz para dependências químicas mais
severas. A eficiência desta última substância, considerada o melhor psicodélico para a cura de
vícios, traz, porém, o fator de risco do desenvolvimento de arritmia cardíaca em certos
indivíduos (BROWN & ALPER, 2018).
Os protocolos mais comuns hoje em dia, usados em grandes instituições acadêmicas e
científicas como King’s College London e Johns Hopkins University School of Medicine,
dentre tantas outras, estão em constante fase de desenvolvimento e adaptação, mas seguem
uma estrutura em comum que envolve três fases: preparação, experiência e integração. Em
rituais religiosos antigos, este processo está inserido na cultura dos povos. Portanto só mesmo
no uso recreativo é que não se pode afirmar que os usuários demonstram o devido cuidado
com o antes e depois (preparação e integração) da experiência, o que claramente se reflete em
um risco maior.
2.3.1 Preparação
A fase de preparação, que antecede a experiência em si, começa na seleção do paciente
que demonstra a vontade de realizar o tratamento, geralmente advindo de tratamentos
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frustrados e que estão com sintomas de depressão crônica, vícios, ou então que estejam
passando por uma doença terminal e buscam uma ressignificação do entendimento de vida e
morte.
Depois da triagem, acontecem pelo menos três sessões de análise com foco no tema ou
sintoma específico a ser tratado, além da explicação de como se dará a experiência. Porém os
psicodélicos são diferentes da hipnose e da associação livre de palavras porque não exigem o
controle do terapeuta sobre o paciente. Até mesmo o protocolo da Yale University demonstra
um cuidado com a figura do terapeuta:
O médico não é referido como um "terapeuta", mas é chamado de
"acompanhante", "guia" ou "monitor". Esses modelos não específicos
às vezes evocam a ideia de um "curador interno" que existe dentro da
psique da pessoa e é liberado ou trazido à tona pela medicina
psicodélica. O papel do guia, então, é "manter o espaço" para que esse
processo de cura natural do indivíduo se desdobre. (KRAUSE, 2020
p.102).
2 the clinician is not referred to as a “therapist” but instead is named a “sitter,” “guide,” or “monitor.” Such
nonspecific models sometimes evoke the notion of an “inner healer” that abides within the psyche of the
individual person and is unleashed or brought forward by the psychedelic medicine. The job of the guide, then, is
to “hold space” for this natural healing process of the individual to unfold..
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2.3.2. Experiência
A fase da experiência em si é uma situação única e difícil de ser expressa em palavras,
por vezes descrita como inefável. Palavras nunca são suficientes para aqueles que nunca
experimentaram e não são necessárias para aqueles que já experimentaram. A experiência
pode ser comparada a grandes fatos da vida, como a morte e o nascimento, pois são
profundamente transformadoras e podem gerar mudanças significativas na vida da pessoa.
Aldous Huxley descreveu essas experiências com psicodélicos no texto Céu e Inferno,
referindo-se às experiências positivas (good trip) e negativas (bad trip).
As experiências desafiadoras vivenciadas na terapia com psicodélicos podem abordar
uma série de aspectos significativos. Embora não sejam frequentes, as chamadas "bad trips"
podem se tornar extremamente traumáticas em casos raros. No entanto, é importante destacar
que a experiência em si não é desprovida de significado, podendo, na verdade, ser utilizada
como parte integrante da psicoterapia. Essas experiências desafiadoras podem trazer à tona
conteúdos imagéticos, somáticos e afetivos de forma avassaladora, deixando a pessoa
desorientada e com sensação de desespero, mas pode trazer avanços positivos em relação ao
processo terapêutico no geral se esta experiência for bem integrada (BARRETT, JOHNSON,
GRIFFITHS, 2017).
Baseado no padrão e similaridades das experiências, outros questionários foram
criados, não só para medir experiências desafiadoras, mas para tentar abarcar a sacralidade do
inefável e do deslumbramento das experiências de pico. Entre eles, temos o Mystical
Experience Questionnaire (MEQ), desenvolvido para avaliar experiências místicas induzidas
por substâncias psicodélicas e que explora componentes como unidade transcendente,
inefabilidade, sacralidade e sentido do sagrado (SCHENBERG et al., 2017). O Ego
Dissolution Inventory (EDI), que mede a dissolução do ego, ou seja, a perda temporária da
identidade e do senso de si mesmo, muitas vezes relatada como um aspecto importante das
experiências psicodélicas (NOUR et al., 2016). O Five-Dimensional Altered States of
Consciousness Rating Scale (5D-ASC), que avalia as alterações no estado de consciência
induzidas por substâncias psicodélicas em cinco dimensões: experiência mística, experiência
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2.3.3. Integração
Por fim, a fase de integração da experiência é considerada de extrema importância no
processo do tratamento. A fase de integração consiste basicamente em transformar a
experiência e os insights em mudança de comportamento. Apesar da questão da inefabilidade
da experiência, uma parte importante do protocolo é o falar, compartilhar e elaborar. Os
protocolos das grandes instituições neste tipo de tratamento, como o da Universidade de Yale,
envolvem sessões de psicoterapia depois das sessões, alguns ainda oferecem sessões de
arteterapia para desenho de mandala logo após as experiências. Considera-se que o relato do
paciente sempre será empobrecido, portanto, deve haver sensibilidade para se tentar analisar e
compreender as experiências vividas. Conforme afirma Stanislav Groff, é fundamental
reconhecer a capacidade do próprio indivíduo de compreender suas questões e formular suas
próprias soluções. As próprias experiências têm um potencial heurístico que pode ser
explorado nesse processo. (GROF, 1980 p. 123). Ele ressalta também que nem tudo precisa
ser compreendido nos mínimos detalhes de imediato; pois há o que os terapeutas chamam de
“afterglow” ao longo dos dias, com novas conexões e insights que surgirão. Não se deve
forçar uma mudança imediata dessas emoções, mas sim estar disponível para ouvir os insights
e incentivar a aplicação prática das mudanças de hábito que surgirem ao longo dos dias
(BATHJE et al, 2022).
O processo de integração é onde a psicologia analítica melhor contribui para todo o
processo da experiência psicodélica. A análise do material trazido à tona pelos pacientes se
torna enriquecida com a lente junguiana, auxiliando na compreensão dos conflitos
inconscientes subjacentes. Além disso, as experiências com altas doses de psicodélicos trazem
tamanha manifestação de conteúdos do inconsciente que os psiquiatras geralmente recorrem à
teoria junguiana como arcabouço conceitual para o entendimento e integração dessas
vivências na vida cotidiana dos pacientes. Conceitos como arquétipos, inconsciente coletivo,
função transcendente e simbologia, além da interpretação dos símbolos e das mandalas após a
experiência, norteiam o tratamento dado aos pacientes após a intensa experiência a que se
submetem.
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CAPÍTULO 3
Este capítulo busca trazer uma luz do conceito de Jung sobre religião para as
experiências religiosas induzidas por substâncias num contexto terapêutico assistido e avaliar
esta terapêutica no contexto de um processo de individuação.
Se o próprio Jung definiu uma diferença nas religiões orientais e ocidentais a partir da
relação de introversão ou extroversão, como o entendimento do conceito dos tipos
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Jung ressaltou que essa imersão no inconsciente não deve ser vista como um objetivo
final da experiência religiosa. Para ele, é importante equilibrar essa introversão com a
valorização do eu consciente e da individuação. No ocidente, a religião tem uma orientação
mais direcionada para a transcendência e a busca de um relacionamento com o divino que está
além do eu consciente. As tradições ocidentais enfatizam a fé, a crença em dogmas e rituais
religiosos como meios de se aproximar de Deus. Embora também haja espaço para a
introspecção e o mergulho no inconsciente, essas abordagens estão frequentemente associadas
a práticas como a confissão e a oração. A única situação compensatória aqui seria uma
invasão do inconsciente, e não a sua integração no plano da consciência. A individuação é um
processo de tornar-se um indivíduo completo e integrado, reconhecendo e incorporando tanto
os aspectos conscientes quanto os inconscientes da psique.
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CONCLUSÃO
Para isso há diversas formas, mas a experiência de se chegar no topo não fica registrada na
psique da mesma forma em pessoas que sobem por teleférico ou naquelas que chegam ao
cume caminhando ou escalando. A experiência religiosa pode não se sustentar se, no
indivíduo, o trabalho não estiver devidamente fundamentado em bases sólidas que só podem
ser estabelecidas com um tempo de decantação orgânica que há em cada ser que busca
trafegar pelas vias que conectam a consciência ao inconsciente.
Entende-se que o trabalho terapêutico junguiano que se faz em um paciente em
processo de individuação, mesmo com os percalços, regressões e defesas que venham a
ocorrer no decorrer do processo, se dá sob um tempo e condições complexas. Partindo desse
princípio, acelerar experiências, transpor certas fases ou fragilizar a delicada sizígia que
conecta o ambiente do consciente com o do inconsciente pode vir a ser mais danoso do que
benéfico em indivíduos relativamente saudáveis, pois um trabalho de autoconhecimento está
fundamentado em variáveis diversas, muitas delas que extrapolam o indivíduo, como o caso
de seu ambiente sócio-econômico, sua base cultural e seu tempo histórico. Por fim, no que se
refere ao trabalho de integrar os conteúdos da psiquê, abrir a caixa do inconsciente pode ser
revelador, mas também pode vir mas também pode vir a ser uma caixa de pandora de
arquétipos que certas estruturas psíquicas ainda não estão prontas para integrar.
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