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RACIONALISMO?
Kenny Ogg1
Dr. Gerson L. Linden2
Resumo
O tópico de estudo do presente trabalho é a investigação do exorcismo em sua etimologia,
visão bíblica, ao longo da história da igreja, nos seus mais diferentes aspectos e
características, bem como a sua percepção na atualidade. A pergunta que pretende ser
respondida é sobre quais os fatores que levaram o exorcismo a deixar de ser uma prática
das igrejas. Sabe-se que era comum a prática do exorcismo nos tempos bíblicos, na igreja
primitiva e na idade média, o que aconteceu do iluminismo para frente? Também é
investigado a necessidade de se manter a prática do exorcismo na atualidade como parte
do cuidado pastoral e não ser simplesmente descartado como antiguidade. A metodologia
utilizada no presente artigo é a do tipo qualitativa. O procedimento técnico de
investigação utilizado foi a pesquisa bibliográfica. A pesquisa tem por fim uma
introdução geral ao assunto do exorcismo, abordando a temática de diversos ângulos,
etimológico, bíblico, histórico e trazendo as suas características gerais para a atualidade.
Abstract
The topic of study of this work is the investigation of exorcism in its etymology, biblical
view, throughout the history of the church, in its most diferente aspects and
characteristics, as well as its perception in the presente. The question to be answeered is
what factors led exorcism to cease of being a chuch practice. It is known that the practice
of exorcism was common in biblical times, in the early church and in the middle ages,
what happened from the enlightenment onwards? Also investigated is the need to
maintain the practice of exorcism today as part of pastoral care and not simply be
dismissed as antiquity. The methodology used in this article is the qualitative one. The
technical investigation procedure used was bibliographic research. The reserach aims at
a general introduction to the subject of exorcism, addressing the theme from various
angles, etymological, biblical, historical and bringing its general characteristics to the
present.
1
Bacharel em Teologia, ULBRA, Canoas (2017). Pós-graduando em Teologia, Seminário Concórdia, São
Leopoldo (2019).
2
Bacharel em Teologia, Seminário Concórdia, São Leopoldo (1984). Mestrado em Novo Testamento,
Concordia Seminary, St. Louis, EUA (1993). Doutorado em Teologia Sistemática, Concordia Seminary, St.
Louis, EUA (2017). Professor de Teologia na ULBRA. Professor do Seminário Concórdia (1996-).
Introdução
Exorcismo
3
“O Exorcista”, “O Exorcismo de Emily Rose”, etc...
4
Pe. Gabriele Amorth afirma que embora sejam formas falsas provindas de crenças populares, elas
possuem um grande poder simbólico de representar uma figura quase humana decaída até o estado
animal, com traços animalescos, que mostram de maneira facilmente compreensível a corrupção e a
degradação produzidas pelo pecado (AMORTH, 2013, p. 19).
Essa mentalidade priva as pessoas de procurarem se defender contra os ataques
do diabo, que é o inimigo da humanidade e de Deus. Afinal de contas, se as pessoas devem
resistir às tentações, combater o inimigo, persistir na fé em Cristo, é de fundamental
importância que saibam o poder desse inimigo, que saibam que ele é o inimigo da fé cristã
e que ele quer a todo custo que as pessoas não creiam em Deus. Esta é tida como uma das
estratégias mais utilizadas pelo diabo nos dias de hoje, de fazer com que as pessoas
duvidem de sua existência, assim ele pode agir livremente sem ser incomodado
(AMORTH, 2013, p. 8).
A Escritura aponta diversas vezes para os poderes do diabo, a começar pela
tentação em Gênesis 3 que levou à queda do ser humano, de um estado de perfeição para
um estado de imperfeição, de morte e inimizade com Deus. Uma leitura do livro de Jó
também pode levar a uma melhor compreensão do poder do diabo para a destruição, basta
ver o que ele fez com Jó e a sua família. O próprio Jesus chama o diabo de “príncipe deste
mundo”5 duas vezes no Evangelho de João. Primeira delas em 12.31: “Chegou o momento
de este mundo ser julgado, e agora o seu príncipe será expulso”. E, posteriormente em
João 16, 8.11: “Quando ele vier, convencerá o mundo do pecado, da justiça e do juízo...
do juízo, porque o príncipe deste mundo já está julgado”. Também em 1 João 5.18-19:
“Sabemos que todo aquele que é nascido de Deus não vive em pecado, porque quem é
nascido de Deus guarda a si mesmo, e o Maligno não pode tocar nele. Sabemos que somos
de Deus e que o mundo inteiro jaz no Maligno. ”6
Precisa-se estar consciente do poder do inimigo7. Porém, acima de tudo, é preciso
estar consciente e convicto da verdade fundamental da Escritura, a vitória de Cristo na
cruz por todos nós, a sua vitória redimiu a humanidade com Deus, perdoou os pecados e
também venceu absolutamente as forças malignas. A Escritura é clara sobre a vitória de
Cristo como está escrito em Colossenses 2.15: “E, despojando os principados e as
potestades, publicamente os expôs ao desprezo, triunfando sobre eles na cruz. ” Também
em 1 Pedro 2.24: “...carregando ele mesmo, em seu coro, sobre o madeiro, os nossos
pecados, para que nós, mortos para os pecados, vivamos para a justiça. Pelas feridas dele
vocês foram sarados. ” E em 1 Jo 3.8: “Aquele que pratica o pecado procede do diabo,
5
Algumas traduções o colocam como “chefe deste mundo”.
6
Outros versículos: 1 Pe 5.8-9, 2 Co 11.14, Jo 8.44, Ap 2.10.
7
Pe. Gabriele Amorth define a atividade do demônio como dupla, uma que se define como extraordinária
e outra como ordinária. A extraordinária que é mais rara de acontecer seria os males maléficos, até
mesmo a possessão. E a atividade ordinária, que nenhum cristão jamais negou ou colocou em discussão
é a de tentador, aquele que tenta o homem ao mal (AMORTH, 2013, p. 20).
porque o diabo vive pecando desde o princípio. Para isto se manifestou o Filho de Deus:
para destruir as obras do diabo. ” Por isso, quando o assunto tratado é exorcismo, deve-
se ter a noção fundamental de que a batalha já foi vencida na cruz. Não existe uma batalha
espiritual na forma como as pessoas imaginam ou como é mostrado na mídia fictícia,
como se os demônios pudessem vencer os anjos e todo o Reino Celestial, como se Jesus
fosse inferior ao diabo ou como se eles lutassem de igual para igual, nada disto é verdade,
a batalha já está vencida (KOCH, 1978, p.70).
Exorcismo e a Escritura
8
Os cristãos nos primeiros séculos alegavam que a identidade religiosa do exorcista, e não a sua
habilidade, era o fato determinante no sucesso do exorcismo, mas isto também é aplicável a muito dos
rituais mágicos, muitos grimórios medievais e modernos exigem que o oficiante seja um sacerdote, ou
pelo menos, um cristão batizado (YOUNG, 2016, p. 19).
prescrito e mais como uma oração, um pedido de socorro a Deus (GINGRICH, 2012, p.
77).
O termo em si aparece somente duas vezes no Novo Testamento, em Mateus 26.63
e em Atos 19.13, coincidentemente, neste texto de Atos é onde também aparece pela única
vez a palavra “exorcista” no Novo Testamento9. Mesmo com poucos aparecimentos da
palavra em si, existem diversas passagens que relatam exorcismos com bastante precisão,
principalmente da parte de Jesus. Em Marcos 1.27-28 encontramos o relato da cura de
um endemoniado em Cafarnaum, correspondente também ao texto de Lucas 4.31-37.
Também após a cura da sogra de Pedro, Jesus expulsa demônios e cura pessoas como
mostra o relato em Marcos 1.32-34, correspondente ao texto de Mateus 8.16-17 e Lucas
4.40-41. Em Marcos 3.20-30 Jesus é acusado pelos escribas de expulsar demônios pelo
poder de Belzebu, também encontrado em Mateus 12.22-32 e Lucas 11.14-23. No relato
de Marcos 5.1-20 Jesus expulsa o demônio do endemoninhado geraseno, talvez um dos
textos mais conhecidos referente a expulsão de demônios, também relatado em Mateus
8.28-34 e Lucas 8.26-39.
No relato de Marcos 7.24 Jesus expulsa o demônio da filha da mulher fenícia,
também relatado em Mateus 15.21-28. Em Marcos 9.14-29 Jesus expulsa um espírito
surdo e mudo de um menino, também relatado em Mateus 17.14-21 e Lucas 9.37-43. E
ainda, um relato em Mateus 9.32-34, onde Jesus também expulsa um espírito mudo de
um homem. Dos discípulos, temos a autoridade que o próprio Cristo deu a eles para
expulsar demônios quando os chamou em Marcos 3.13-19, correspondente ao texto de
Mateus 10.1-4 e Lucas 6.12-16. Também em Lucas 10.17-20, o texto bíblico nos mostra
que os setenta enviados expulsaram muitos demônios em nome de Cristo. Mais tarde na
história bíblica, em Atos 16.16-18, Paulo expulsa um espírito adivinhador de uma jovem.
E, em Atos 19.11-16 temos um relato de um exorcismo que não deu certo feito pelos
filhos de Ceva, que inclusive teve o efeito contrário e os sete filhos de Ceva acabaram
apanhando do demônio e fugiram humilhados como mostra o relato.
Sobre a importância destes relatos bíblicos, Amorth comenta:
9
Atos 19.13: “E alguns judeus, exorcistas ambulantes, tentaram invocar o nome do Senhor Jesus sobre
pessoas possuídas de espíritos malignos, dizendo: Ordeno que saiam pelo poder de Jesus, a quem Paulo
prega. ”
aspectos que quero destacar primeiro, a importância desta luta, e,
segundo, a sua originalidade. O poder de Cristo sobre os demônios é
fortemente sublinhado pelos Evangelhos e reconhecido pelos próprios
demônios. Por quê? Porque, como afirma São João, Cristo veio “para
destruir as obras de Satanás” (1Jo 3,8); veio, como afirma o próprio
Jesus, “para destruir o reino do demônio e instaurar o Reino de Deus”
(cf. Lc 11,20), veio, como dirá São Pedro a Cornélio, “para nos libertar
da escravidão de Satanás” (At 10,38). O diabo, “príncipe deste mundo”
(Jo 14,30), como Jesus o chama, ou “deus deste mundo” (2Cor 4,4),
como é chamado por Paulo, era o forte que se sentia seguro do seu
domínio; Jesus é o mais forte, que o desarma e tira dele tudo o que tinha
usurpado dos Seus. A importância desta luta direta, desta vitória total,
é fundamental para compreender a obra da redenção. Falei também da
originalidade desta luta porque Jesus fez determinadas escolhas e
propôs determinados ensinamentos a respeito do demônio. Não
demonstrou que estava vinculado às ideias do seu tempo, em que a
própria existência do demônio era tida como motivo: os fariseus
acreditavam na sua existência, mas os saduceus, não. Jesus falou
claramente da ação de Satanás contra Deus (pense, por exemplo, nas
explicações que ele próprio dá às parábolas do trigo e do joio e à do
semeador); libertou os endemoninhados, fazendo clara distinção entre
a libertação do demônio e a cura de uma doença (foram certos teólogos
e biblistas modernos, verdadeiros trapalhões e traidores do Evangelho,
quem confundiram e fundiram num só os dois aspectos); concedeu este
importantíssimo poder aos Apóstolos, depois aos discípulos e, por fim,
a todos aqueles que viriam a acreditar nEle, numa crescente doação que
apenas a estupidez de uma determinada fatia da cultura contemporânea
não soube identificar, procurando mesmo negá-la (AMORTH, 2008, p.
15-16).
O quadro de histórias bíblicas é vasto sobre o assunto10. Mas um texto chama mais
a atenção do que os outros pela sua variante textual, e este, será estudado com maior
detalhe a seguir.
10
Algumas passagens bíblicas que mostram a proibição e o desprezo por todo o tipo de feitiçaria: Ex 7.11-
12, Ex 22.18, Lv 19.26,31, Lv 20.6,7, Dt 18.9-14, 1 Sm 28, 2 Rs 21.5-6, 2 Cr 10.13-14, Is 2.6,8,19, Jr 27.9,10,
Zc 10.2, Ml 3.5, At 8.9, 16.16, 19.19, Gl 5.19-21, 2 Tm 3.8 e Ap 21.8, 22.15.
daqui para lá”, e ele se mudará. Nada lhes será impossível. [Mas esse
tipo de demônio só pode ser expulso por meio da oração e jejum.]
Este texto é intrigante pois mostra um exorcismo que os discípulos tentaram fazer
e falharam, eles simplesmente não puderam expulsar o demônio. Em particular, eles
perguntaram a Jesus o motivo de não poderem expulsar o demônio e a resposta foi “Por
causa da pequenez da fé que vocês têm”. Robert Bennett afirma que: “Os discípulos
estavam começando a formar um entendimento mecânico da Palavra” (BENNETT, 2013,
p.117-118).
Era como se eles estivessem se esquecendo de que só estavam falando em nome
e por autoridade de Jesus, e não por eles mesmos, como se fosse algum tipo de magia,
uma conjuração. Bennett ainda afirma que isto deveria ser uma espécie de precaução para
quem é chamado para falar as palavras de exorcismo de Jesus. O poder é de Jesus e ele é
único exorcista (BENNETT, 2013, p.118).
Após Jesus denunciar a fé de seus discípulos e alertá-los acerca da pequena fé
deles ou da falta de fé, ele realiza o exorcismo e cura o menino. Com uma simples palavra,
Cristo expulsou o demônio e curou o menino. A questão que fica em aberto é porque os
seus discípulos não puderam expulsar o demônio, qual foi o real motivo ligado a falta de
fé deles?
No texto, e no seu paralelo em Marcos (9.14-29), temos a seguinte frase final:
“Mas esse tipo de demônios só pode ser expulso por meio da oração e jejum”. O relato
em Marcos apenas fala da oração, e traz somente o [e jejum] como variante textual e não
a frase inteira, do contrário de Mateus, em que a frase toda é uma variante textual. Por
isso alguns autores afirmam que se deve omitir este versículo de Mateus.
Estas últimas palavras, que constituem o v. 21, com quase toda a certeza
devem ser omitidas do texto de Mateus, com base na autoridade do
Codex Sinaiticus, do Codex Vaticanus e das antigas versões Siríaca e
Egípcia. Devem ter sido importadas de Marcos 9.29 no interesse da
harmonização (TASKER, 1988, p. 133).
E, também, Omanson:
Não existe razão suficiente que poderia ter levado copistas a omitir esse
versículo numa variedade tão grande de manuscritos, caso fosse,
originalmente, parte do texto de Mateus. Com frequência, copistas
inseriam num Evangelho material que se encontra em outro. Neste caso,
parece que o acréscimo de “Mas esse tipo não senão por meio de oração
e jejum”, que aparece na maioria dos manuscritos, foi tirado do paralelo
em Mc 9.19 (OMANSON, 2010, p. 27).
Mas o jejum não foi algo que Jesus institui, embora o ensinou como fazer da forma
correta. A oração por outro lado é algo ensinado e instituído por Cristo (Mt 6.5-13; Jo
14.13-14). Dentro dessa leitura em cima da variante, a soma dos dois, jejum e oração,
neste texto em específico, dá a entender que é o “remédio conjunto” contra certos tipos
de demônios. Evidente que este artigo não tem a pretensão de entrar nos méritos dos tipos
de demônios, pois abriria um leque de estudos em demonologia, que não cabe por agora.
Mesmo se a variante textual for desconsiderada (o “e jejum”), o texto de Marcos
ainda fala da oração. E este é o ponto, a dedicação de orar era algo que os discípulos
pareciam não ter entendido, e isso se refletia na sua falta de fé, pois para orar e pedir ajuda
a Deus é necessário a fé e este parece ser o ponto que fica em evidência no exorcismo
deste texto. A falta de confiança em Jesus, Robert Bennett afirma:
Pode-se reafirmar novamente o mesmo alerta que Bennett dá aos seus leitores, o
poder é de Jesus Cristo, ele é o exorcista, e isto deve ficar como uma precaução para os
que são chamados a exorcizar em nome de Jesus Cristo (BENNETT, 2013, p.118). Um
contraponto interessante é relembrar aqui a história dos filhos de Ceva em Atos 19, que
justamente por não terem tido a fé em Jesus e apenas tendo tentado usar o seu nome,
acabaram por apanhar do demônio e ainda sofrer uma humilhação pública (At 19.11-17).
Justino relata:
“Cristo nasceu por vontade do Pai para salvação dos que creem e ruína
dos demônios. Podeis convencer-vos mediante o que vedes com os
vossos olhos. Em todo o universo e na vossa cidade [Roma] existem
numerosos endemoninhados que os outros exorcistas, encantadores e
magos, não conseguiram curar. Muitos de nós cristãos, pelo contrário,
ordenando-lhes em nome de Jesus Cristo, crucificado sob Pôncio
Pilatos, curamo-los reduzindo à impotência dos demônios que os
possuíam” (Apologia, VI, 5-6). (Justino apud AMORTH, 2008, p. 18).
Cipriano relata:
“Vem ouvir com os teus próprios ouvidos os demônios, vem ve-los com
os teus olhos nos momentos em que, cedendo às nossas esconjuras, aos
11
Amorth cita Justino, Irineu, Testuliano e Orígenes, pais da igreja que mencionam em seus escritos estes
fatos. Amorth também diz que insiste neste caráter apologético do exorcismo buscando os pais da igreja,
porque nos tempos atuais, parece que nos encontramos exatamente na posição oposta, onde os cristãos
já não buscam nenhum auxílio e compreensão na Igreja, mas sim com magos, outras religiões e seitas.
nossos flagelos espirituais e à tortura das nossas palavras, abandonam
os corpos daqueles de quem se tinham apoderado” (Contra Demétrio,
c. 15). (Cipriano apud AMORTH, 2008, p. 18).
12
A partir do século IV, autores cristãos latinos (mais notavelmente Agostinho) começaram a minimizar
ou reinterpretar em termos não exorcistas, rituais dramáticos do exorcismo pré-batismal estabelecido
como parte da liturgia no terceiro século. Enquanto isso, o exorcismo de endemoninhados fora dos ritos
do batismo foi gradualmente se transformando de um carisma leigo e uma forma de cura espiritual em
um milagre que era a preservação de indivíduos santos (YOUNG, 2016, p.31).
aplicados aos catecúmenos. A controvérsia donatista estava preocupada
com os cristãos que haviam sucumbido à apostasia durante os períodos
de perseguição, se poderiam ser readmitidos na igreja ou não, mas
também incluiu discussão de se os bens da igreja marcados pelos pagãos
exigiam exorcismo, como uma forma de purificação. E Elizabeth
Leeper argumentou que o exorcismo pré-batismal, cujo original
propósito foi uma renúncia dos poderes do mal, foi importado de
Alexandria a Roma pelo herege Valentinus em meados do segundo
século. Qualquer que seja a verdade, o exorcismo foi estabelecido como
parte do rito de batismo em Roma por cerca de 250 (YOUNG, 2016,
p.30).
13
A referência mais antiga a um ritual escrito de exorcismo extra-batismal ocorre no Sacramentário
Gregoriano, onde durante o serviço de ordenação de um exorcista, um libellus (livrinho) é colocado nas
mãos do exorcista com as palavras: “Receba isto, guarde na memória, e tenha o poder de colocar as mãos
sobre um energúmeno, seja batizado ou catecúmeno”. Essa forma de palavras implica que, além dos ritos
pré-batismais, o libellus também continha um ritual para exorcizar batizados. A fórmula do Sacramentário
Gregoriano deriva do sétimo cânone do quarto Concílio de Cartago (398) e o Statuta ecclesiae antiqua faz
referência a ordenação de exorcistas, mas não menciona o libellus (YOUNG, 2016, p.44).
14
Essa liturgia de exorcismo pré-batismal está presente em algumas igrejas até hoje na liturgia de Batismo,
como vemos na Igreja Luterana (IELB): “Queridos pais e padrinhos, peço que respondam em nome e em
lugar desta criança as perguntas a seguir, que ressaltam o que Deus opera nela através do Batismo: Você
renúncia ao diabo, a todas as suas obras e a todo o seu procedimento? Então responda: ‘Sim, eu
renuncio’” (Culto Luterano, 2015, p. 131).
15
Uma carta do Papa Inocêncio I (378-417) ao Bispo de Gubbio pode ser interpretada como uma evidência
de que qualquer sacerdote ou diácono poderia ser designado um exorcista estabelecendo o precedente
para a jurisdição episcopal sobre exorcismos (YOUNG, 2016, p.44).
oriental, o exorcismo sempre foi visto como um carisma, uma capacidade pessoal que
todos os crentes podem ter, no oriente seguiu-se com essa prática de liberdade carismática
sem ter alguma disciplina específica (AMORTH, 2008, p. 22; AMORTH, 2013, p. 48).
No século XVIII, após o período da Idade Média, a caça às bruxas parou de “um
dia para o outro”, mas não aconteceu algo que se esperava, de que a igreja voltaria à
prática comum de exorcismos. Amorth diz: “a perseguição substituiu os exorcismos; onde
continuaram a realizar os exorcismos, não houve perseguição; portanto, era necessário
recuperar os exorcismos” (AMORTH, 2008, p. 27).
Mas não aconteceu dessa forma. O excesso do passado, a demonização de tudo,
levou o assunto para uma nova etapa na história onde houve um completo desinteresse
pelo demônio e assuntos referentes, como o exorcismo.
16
Mayes ainda afirma que aprender com a teologia pastoral luterana clássica antes do Iluminismo é de
grande valor para todos os crentes que acreditam que o que é descrito em Marcos 1.34 pode acontecer
ainda hoje. Ele também afirma que nos últimos vinte anos se descobriram diversas notas em escritos
pastorais da Ortodoxia Luterana (MAYES, 2017, p.1).
Houve exageros quando se demonizaram todas as coisas; a reação
conduziu a este exagero, conduziu à queda da doutrina sobre o demônio.
O demônio passou a ser um símbolo, um boneco; quando muito passou
a ser visto como a ideia abstrata do mal. Mas deixou de ser considerado
como ser pessoal que atua em profundidade... Esta brusca passagem,
que se manteve viva por mais três séculos, foi depois influenciada pela
cultura popular, que teve grande influência nos ambientes eclesiásticos,
especialmente nas universidades, com fortes repercussões nos bispos e
sacerdotes; a religiosidade do povo ressentiu-se com um
enfraquecimento generalizado e, como sempre acontece quando a fé
sofre um abalo, com tendências para aderir à superstição que, no nosso
tempo, encontrou a sua raiz nas várias expressões do ocultismo.
(AMORTH, 2008, p. 27-28).
Esses assuntos foram ainda mais deixados de lado por conta dos racionalistas, dos
iluministas, de diversos cientistas do século passado que viviam contestando o
cristianismo e qualquer coisa espiritual. Ainda temos durante o século XX, o
materialismo, o ateísmo ensinado às massas pelo comunismo e também o consumismo
absurdo do mundo ocidental. Todas essas influências também entraram dentro das
universidades e seminários onde quase não se fala mais do demônio, menos ainda sobre
o exorcismo. As linhas teológicas são tantas, que muitos teólogos e biblistas modernos
sequer aceitam a existência de demônios e as ações demoníacas. Veem até os exorcismos
de Jesus como linguagem cultural da época e não como uma prova de sua divindade e de
sua vitória sobre o mal17 (AMORTH, 2008, p. 28).
Exorcismo e Lutero
Não é novidade que Lutero18 fala do demônio diversas vezes. Temos referências
nos Artigos de Esmalcalde, no Catecismo Maior, e nas mais variadas cartas que Lutero
escreve descrevendo ataques do demônio e possíveis causas como influências
17
Para saber mais sobre toda a história do exorcismo ao longo dos anos, será deveras útil a leitura
completa do livro de Francis Young, “A History of Exorcism in Catholic Christianity” onde ele mostra toda
a história, bem como as liturgias utilizadas. Ele parte da perspectiva católica, mas comenta algumas coisas
da perspectiva protestante também.
18
Kurt Koch descreve um sonho que Lutero teve em seu livro. Lutero foi atormentado pelo diabo. O diabo
abriu um grande rolo e lançou-lhe em rosto os pecados que cometera. No final, Lutero perguntou:
“Acabou?”, “não”, gritou o diabo, e trouxe um segundo rolo, mais um longo registro de pecados. E mais
um terceiro rolo. Depois disso, o diabo não apresentou mais nada. “Você esqueceu algo”, disse Lutero
com ar de triunfo, “escreva em cada rolo, bem depressa: “O sangue de Jesus Cristo, o Filho de Deus,
purifica-nos de todo o pecado.” O diabo vociferou uma terrível maldição e sumiu. (KOCH, 1978, p. 90-91).
demoníacas19. Mas um ponto interessante e que poucas pessoas sabem, é que temos o
relato de um exorcismo que Lutero fez sobre uma moça possessa. Estará relatado neste
presente artigo, para se observar a forma litúrgica do Reformador ao lidar com esta
situação. Será transcrito o exorcismo relatado no artigo do Mayes “Demon Possession
and Exorcism in Lutheran Orthodoxy. Concordia Theological Quarterly Volume 81:3-4
– julho/outubro de 2017.
Tradução própria:
19
Outra leitura importante é o livro de Robert H. Bennett, “I am Not Afraid, Demon Possession and
Spiritual Warfare”, das páginas 129-135, onde ele descreve e comenta um pouco dos diversos escritos de
Lutero sobre o demônio, bem como de outros teólogos luteranos modernos.
tempo, até que Deus ouça a nossa oração, como Ele mesmo diz: ‘pedi e dar-se-
vos-á, buscai e achareis, batei e abrir-se-vos-á’ (Mt.7).
4. O Dr. Lutero impôs as mãos sobre a virgem, ele comandou aos servos para que
fizessem o mesmo, e comandou que dissessem depois dele: a) O Credo dos
Apóstolos; b) O Pai Nosso; c) Depois o Dr. Lutero disse estas palavras: Jo 14,
“’Em verdade, em verdade vos digo, tudo aquilo que pedires ao meu Pai em meu
Nome, isto Ele vos dará. Até agora não pedistes nada em meu nome. Pedi e
recebereis, e vossa alegria será completa’”. Depois disso, Lutero pediu para que
Deus, em seu poder, resgatasse e salvasse aquela jovem dama do espírito
maligno, em nome de Cristo, a fim de que fosse louvado, honrado e glorificado.
Depois disso, ele empurrou a moça com o pé e espancou o diabo, dizendo: “diabo
orgulhoso, querias que eu fizesse uma cerimônia para ti, mas não
experimentarás isso. Faça o que quiseres, eu não desistirei”.
Opressões e possessões
O Padre Amorth também faz quatro divisões neste tópico da opressão. A primeira
delas é a possessão diabólica, que seria a possessão, quando o demônio possui de fato a
pessoa. O segundo gênero é a vexação diabólica, que seria uma agressão espiritual do
Diabo, Amorth (AMORTH, 2016, p. 64) diz que é de longe o que mais tem casos por
culpa de imprudências pessoais em consultar bruxos, médiuns, feiticeiros. Ocorrem
consequências por causa dessas consultas, ferimentos, queimaduras, pesadelos, sinais de
um mal que se apega a pessoa. A terceira seria a obsessão diabólica¸ que seria uma forma
de agressão espiritual onde o demônio comunica pensamentos e alucinações muito fortes
contra a mente da pessoa. Por vezes, a pessoa perde o domínio e fica sujeito a
pensamentos repetitivos, obsessivos com coisas terríveis. E a quarta e última, seria a
infestação diabólica, que seriam os distúrbios que acontecem sobre a casa, sobre os
animais, objetos, o que está na volta da pessoa, é nesta seção que entra, por exemplo,
portas e janelas abrindo e fechando, sons, passos, vozes, batidas na parede e diversas
outras anormalidades (AMORTH, 2016, p. 61-69).
Características malignas
20
Como exemplo disto, pode-se observar o filme “O diabo e o padre Amorth”, um documentário sobre o
assunto disponível no Netflix que retrata um exorcismo assistido e autorizado pelo Vaticano. E a
característica que nenhum psiquiatra consegue explicar, é justamente a mudança de voz.
mental é clarividente, fala com outras vozes, fala em outras línguas, e desconhecem
totalmente o fenômeno da transferência (KOCH, 1978, p. 49).
Alguns fenômenos podem ser observados para a identificação como mostra Kurt
Koch23. O primeiro deles é a resistência. Quando alguém ora com uma pessoa que tem
doença mental, ela tem a tendência a ficar mais calma, recebe a oração de forma mansa.
Em um caso de possessão, a resistência se manifesta, a pessoa pode acabar blasfemando,
ameaçar a pessoa que está orando, até mesmo cuspir na Bíblia ou jogá-la para longe.
21
Sobre isto, Kurt Koch em toda a sua segunda parte de seu livro trabalha comparando sintomas de
doenças comparando com sintomas de operações demoníacas. Ele trabalha esquizofrenia, epilepsia,
depressão, neurose, doença psíquica, demência senil, e outras precauções para casos questionáveis de
operação demoníaca. O interessante é que o autor mostra sintomas típicos e atípicos e faz a comparação
com casos de possessão. E, geralmente, a principal diferença, é a blasfêmia, a pessoa possessa não
suporta ouvir a Palavra de Deus, o nome de Cristo, não consegue ouvir orações e tudo o que tem a ver
com a igreja. Diversos sintomas de doenças mentais são muito semelhantes a possessões, mas essa parece
ser o ponto principal (KOCH, 1978, p. 108 – 165).
22
Kurt Koch também dá testemunho de seu cuidado pastoral ao cuidar das pessoas: “Em toda a minha
vida eu nunca disse a qualquer pessoa que ela estava possessa, mesmo que, depois de algum tempo, eu
tivesse esta impressão. Não temos o direito de levar alguém a enfrentar uma diagnose de tamanho peso….
Se algumas coisas vão mal em nossa vida, não devemos por logo a culpa na feitiçaria e nos demônios. E
sejamos também cautelosos em não dizer que a outra pessoa está possessa, sem que o fato esteja
comprovado. Existem muitos fenômenos naturais que nada têm a ver com o domínio satânico” (KOCH,
1978, p. 53-54).
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O conselho principal dele é: “Entregue a sua vida a Jesus. Peça a iluminação do Espírito Santo. Se
possível, procure adquirir conhecimentos de medicina. Devemos recorrer a todos os meios de ajuda que
Deus nos dá, nossa inteligência, nossa experiência e, sobretudo, um coração renascido e cheio do Espírito
Santo” (KOCH, 1978, p. 52).
O segundo é o transe, os possessos podem entrar em transe durante a oração, pois
o diabo não quer permitir que suas vítimas ouçam a oração e a Palavra de Deus, ou seja,
tenta deixar inconsciente a pessoa possessa para que não escute a oração. Um doente
mental jamais agiria assim (KOCH, 1978, p. 54). Koch também afirma que os possessos
têm muitas vezes aptidões para a clarividência, o que pode vir a ser embaraçoso para os
que estão orando por ele, pois os possessos podem revelar pecados secretos das pessoas
que estão orando por ele. E por último, às vezes, quando os possessos entram em transe,
eles falam em línguas que não aprenderam, novamente um ponto forte que mostra a
diferença entre a doença mental, uma pessoa com doença mental jamais falará em línguas
que nunca aprendera antes24 (KOCH, 1978, p. 55).
24
Koch cita o exemplo de um médium brasileiro, Mirabelli, que consegue falar vinte e cinco línguas
quando está em transe (KOCH, 1978, p. 55).
25
Os autores quando abordam este assunto, relatam diversas experiências onde cristãos impenitentes
sofreram de opressões, e, também, cristãos que foram consultar cartomantes e espíritas, essas pessoas
correm o risco de sofrerem algo (AMORTH, 2013; KOCH, 1978).
prejudicial para o cristão, se pode ser perigoso ou não. Não há nenhuma referência bíblica
sobre a transferência de forças malignas para cristãos. E as Escrituras também não
registram qualquer caso de agressão demoníaca a seguidores autênticos de Cristo (KOCH,
1978, p. 166).
Muito pelo contrário, sabemos que Cristo prometeu que ninguém será capaz de
arrebatar os seus discípulos de suas mãos, como está escrito em João 10.28: “Eu lhes dou
a vida eterna; jamais perecerão, e ninguém as arrebatará da minha mão”. O Apóstolo
Paulo afirma em 2 Ts 3.3: “Mas o Senhor é fiel. Ele os fortalecerá e os guardará do
Maligno”. Também em Rm 8.38: “Porque eu estou bem certo de que nem a morte, nem
a vida, nem os anjos, nem os principados, nem as coisas do presente, nem do porvir, nem
os poderes, nem a altura, nem a profundidade, nem qualquer outra criatura poderá nos
separar do amor de Deus, que está em Cristo Jesus, nosso Senhor. ” A Escritura ainda
exorta para que os cristãos orem uns pelos outros, como está escrito em 1 Tm 2.1: “Antes
de tudo, pelo que se façam súplicas, orações, intercessões e ações de graças em favor de
todas as pessoas”.
Conclusão
Muito mais poderia ser dito sobre o tema, e muitas questões a mais poderiam ser
abordadas. Por isso é recomendado a leitura dos livros citados neste artigo para um maior
aprofundamento temático.
“Porque eu estou bem certo de quem nem a morte, nem a vida, nem os anjos, nem
os principados, nem as coisas do presente, nem do porvir, nem os poderes, nem a altura,
nem a profundidade, nem qualquer outra criatura poderá nos separar do amor de Deus,
que está em Cristo Jesus, nosso Senhor (Romanos 8.38-39) ”.
Referências bibliográficas.
AMORTH, Gabriele. Vade Retro, Satanás!. Trad. Alda da Anunciação Machado; São
Paulo: Editora Canção Nova, 2013.
AMORTH, Gabriele. Exorcistas e Psiquiatras. Trad. Ana Paula Bertolini; São Paulo:
Editora Palavra & Prece, 2008.
AMORTH, Gabriele. O Exorcista explica o mal e suas armadilhas. Rio de Janeiro:
Editora Petra, 2016.
BENNETT, Robert H. I am Not Afraid, Demon Possession and Spiritual Warfare. Saint
Louis: Concordia Publishing House, 2013.
Bíblia Sagrada. Trad. João Ferreira de Almeida. Revista e Atualizada no Brasil. Edição
Revista e Atualizada no Brasil, 3° ed. São Paulo: Sociedade Bíblica do Brasil, 2017.
FORTEA, José Antonio. Interview with an Exorcist – Na insider’s look at the Devil,
Demonic Possession, and the Path to Deliverance. West Chester: Ascension Press, 2006.
LEVACK, Brian P. The Devil Within – Possession and Exorcism in the Christian West.
New Haven and London: Yale University Press, 2013.
MIDELFORT, Erik H. C. Exorcism and Enlightenment, Johann Joseph Gassner and the
Demons of Eighteenth-Century Germany. New Haven and London: Yale University
Press, 2003.