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FACULDADE ESTÁCIO DO PANTANAL - ESTÁCIO FAPAN

BACHARELADO EM PSICOLOGIA

Daniel Pereira Casimiro


Emilly Rafaela da Silva

RELIGIOSIDADE, ESPIRITUALIDADE E PSICOTERAPIA: CONTRIBUIÇÕES DA


PSICOLOGIA DA RELIGIÃO PARA O MANEJO CLÍNICO POR DEMANDAS
RELIGIOSAS

CÁCERES – MT
2021

Avenida São Luís, nº 2522 - Cidade Nova, Cáceres - MT, 78200-


000
portal.estacio.br/fapan
FACULDADE ESTÁCIO DO PANTANAL - ESTÁCIO FAPAN
BACHARELADO EM PSICOLOGIA

Daniel Pereira Casimiro


Emilly Rafaela da Silva

RELIGIOSIDADE, ESPIRITUALIDADE E PSICOTERAPIA: CONTRIBUIÇÕES DA


PSICOLOGIA DA RELIGIÃO PARA O MANEJO CLÍNICO POR DEMANDAS
RELIGIOSAS

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à


Faculdade ESTÁCIO-FAPAN, como requisito parcial
para obtenção do título de Bacharelado em Psicologia,
sob a orientação da Prof.ª Esp. Lilia Monica de Andrade
Gonzaga Pinto.

CÁCERES – MT
2021
RELIGIOSIDADE, ESPIRITUALIDADE E PSICOTERAPIA: CONTRIBUIÇÕES DA
PSICOLOGIA DA RELIGIÃO PARA O MANEJO CLÍNICO POR DEMANDAS
RELIGIOSAS

Daniel Pereira Casimiro


Emilly Rafaela da Silva

BANCA AVALIADORA

Profª Esp. Lilia Monica A. G. Pinto


Orientadora

Profª Dra. Márcia Elizabeti Machado de Lima


Membro

Profª Esp. Ana Carolina Herculano Ermisdorff


Membro

CÁCERES – MT
2021
4

RELIGIOSIDADE, ESPIRITUALIDADE E PSICOTERAPIA: CONTRIBUIÇÕES DA


PSICOLOGIA DA RELIGIÃO PARA O MANEJO CLÍNICO POR DEMANDAS
RELIGIOSAS

Daniel Pereira Casimiro1


Emilly Rafaela da Silva2
Lilia Mônica de A. G. Pinto³
RESUMO: A interface deste artigo está vinculado a necessidade de demonstrar que o tema da
espiritualidade, religiosidade e saúde mental são estudados na Psicologia, e de maneira específica,
ganha destaque a Psicologia da Religião. A Psicologia da Religião existe como uma disciplina
reconhecida e regulamentada pelo Conselho Federal de Psicologia. Portanto, o presente artigo tem por
objetivo elucidar conceitos importantes trabalhados pela Psicologia da Religião e a sua relação com
demandas religiosas em contextos psicoterapêuticos. A metodologia utilizada foi por revisão
integrativa de literatura. Percebe-se que tanto a religiosidade quanto a espiritualidade podem ser
abordadas de maneira ética e profissional no consultório de Psicologia, sem dissolver a abordagem do
profissional, entendendo o sentido pessoal para o cliente da sua experiência religiosa. Conclui-se,
após a análise das literaturas escolhidas, que a religiosidade ou espiritualidade do cliente pode servir
de estratégia para uma nova configuração do sofrimento emocional.
PALAVRAS CHAVE: Religiosidade. Espiritualidade. Processo Psicoterapêutico. Psicologia
da Religião.

INTRODUÇÃO

Partindo do pressuposto de que conceitos bem fundamentados cientificamente são


importantes para uma discussão acadêmica, o presente trabalho elucida conceitos importantes
trabalhados pela Psicologia da Religião e a sua relação com demandas religiosas em
contextos psicoterapêuticos.
Olhares diferentes são lançados sobre o tema e propostas de trabalho frente as
demandas religiosas. Entende-se como demanda religiosa o sofrimento psíquico, conflitos
emocionais que por observação do psicoterapeuta ou relato do cliente se relacionam com sua
vivência religiosa.
Como o profissional psicólogo pode/deve se posicionar de forma ética e
fundamentada da ciência psicológica? De fato é importante estudar a religiosidade. Segundo
CARUNCHIO et al. (2018, p. 9) “a religiosidade enquanto expressão humana é tão

1
Graduando em Psicologia: Estácio Fapan (Faculdade do Pantanal Matogrossense), e-mail:
danielpereira.cac123@gmail.com
2
Graduanda em Psicologia: Estácio Fapan (Faculdade do Pantanal Matogrossense), email:
emillyrafaela260299@gmail.com
5

importante como objeto de estudo da Psicologia quanto a sexualidade e a sociabilidade,


dentre outras.” Conceitos como religiosidade e espiritualidade são discutidos a luz de artigos
científicos importantes, cartilhas, publicações dos conselhos regionais de psicologia e do
Conselho Federal de Psicologia(CFP) sobre ética profissional.
A religiosidade e espiritualidade tem cada vez mais chamado a atenção de Psicólogos
uma vez que, uma pequena parcela (8%) da população brasileira relata não ter uma religião
(IBGE, 2010) e sua maioria esmagadora vivência experiências com suas crenças, ritos, com
aquilo que acredita ser o sagrado/transcendente.
Segundo Brant (2014),
as crenças são um construto multideterminado e transversal, objeto de
estudo em áreas como filosofia, antropologia, sociologia, educação e
psicologia. O termo é utilizado com as mais diferentes definições, de modo
que pode ser compreendido como percepção, fé, expectativa, julgamento e,
por essa razão, encontra-se vasta literatura relacionada a esse tema. Tais
conceitos sugerem agendas de pesquisa e naturezas de investigação
diferenciadas.

A religiosidade e espiritualidade vem constituindo o ser humano de tal forma que


passou a ser aquilo que trás sentido vida de muitos, por um suposta conexão com o
sagrado/transcendente.
Deve o psicólogo discutir temas religiosos/espirituais com seus clientes? O que estuda
a Psicologia da Religião? A integração do estudo das religiões à Psicologia, a torna uma
Psicologia religiosa? Percebe-se que cada vez mais se propõe responder tais perguntas, pela
relevância do tema e sua relação com o a Psicologia especificamente com o processo
psicoterapêutico.

1. DESENVOLVIMENTO

1.1 Referencial teórico

1.1.1 Psicologia como Ciências

A psicologia é a ciência que estuda os processos mentais (sentimentos,


pensamentos, razão) e o comportamento humano. Deriva-se das palavras gregas: psiquê
que significa “alma” e logia que significa “estudo de”.
O comportamento e a experiência do homem observado e descrito pelos filósofos
gregos eram vistos como resultado das manifestações da alma. A psicologia ganhou
espaço na ciência no final do séc. XIX.
6

A psicologia não é hoje apenas a ciência da alma, mas também do comportamento


e da experiência, pois corpo e mente não são separados e um exerce influência sobre o
outro.
Dentro da psicopatologia existem as personalidades desviantes, com
comportamentos inadaptáveis, outro objeto de estudo da psicologia.

1.1.2 Psicologia da Religião ou Psicologia Religiosa?

A Psicologia enquanto ciência que estuda o comportamento humano vem ganhando


cada vez mais o status de ciência na academia. Mas o que dizer quando esse comportamento
estudado é religioso? Um dos mais importantes documentos publicados no Brasil para tratar
do assunto é a CARTILHA da Inter Psi - Laboratório de Psicologia Anomalística e
Processos Psicossociais que contribui para uma boa definição da disciplina.
A Psicologia da Religião

estuda o comportamento religioso (como, por exemplo, orar ou jejuar), as


crenças e os símbolos religiosos, os processos de conversão e de
desconversão a uma religião, o ateísmo, as experiências místico-religiosas,
bem como uma série de processos psicológicos e sociais relacionados à
religiosidade (adesão a uma instituição religiosa específica) e à
espiritualidade (busca por sentido para a vida)... CARUNCHIO et al. (2018,
p.9).

E desde de quando se mistura Psicologia com religião? Talvez essa seja a impressão e
pergunta de muitos estudantes e profissionais de saúde mental e precisa ser respondida com
mais clareza e objetividade baseada na literatura/autores que vem pretendendo responde-la já
a algum tempo.
Muitos questionamentos vem, pois muitas grades de Psicologia não contemplam a
disciplina e muitos profissionais de saúde mental e acadêmicos nunca ouviram falar dessa
área. De acordo com o Conselho Federal de Psicologia (CFP, 2013), “Pautar-se na
obrigatória laicidade não implica negar uma interface que pode ser estabelecida pela
psicologia e a religião, e pela psicologia e a espiritualidade.” A interface é claramente
reconhecida pelo conselho federal atualmente.
Uma importante nota publicada pelo Conselho Regional de Psicologia-Minas Gerais,
em 2018 (CRP-MG) reforçou a atual visão da Psicologia na interface com a religião.
Segundo a nota, “A religião é para a Psicologia, um importante objeto de pesquisa e deve
7

como tal ser tratado.” (CRP-MG, 2018) Portanto, a Psicologia da Religião existe como
campo de estudo regulamentado pela Psicologia no Brasil.
Embora exista uma Psicologia da Religião o que não existe enquanto campo científico
e regulamentado no Brasil é uma psicologia religiosa. Sendo assim o profissional psicólogo
deve tomar um posicionamento coerente com sua profissão regulamentada, especialmente no
que diz respeito a sua identidade profissional. A mesma nota destaca que,

Por isso a identidade profissional da(o) psicóloga(o) não deve estar


vinculada à sua tradição religiosa, sendo inapropriado a utilização de termos
como “Psicologia espírita”, “Psicologia cristã”, “Psicologia umbandista”,
“Psicologia budista” ou similares na divulgação de seu trabalho e, no
exercício de sua profissão é preciso que suas convicções religiosas não
conduzam o processo, que precisa ser orientado pelo conhecimento teórico
produzido pela ciência psicológica. (CRP-MG, 2018).

Alguns autores se destacaram, e se destacam até hoje, para que a


religiosidade/espiritualidade fosse estudada como um dos objetos de estudo da Psicologia
científica. Autores como Whilhlem Wundt (1832-1920), William James (1842-1910),
Sigmund Freud (1856-1939), Carl Jung (1875-1961), Théodore Flournoy (1854-1920),
Stanley Hall (1844-1924), James Leuba (1868-1946) e Edwin Starbuck (1866-1947) são
alguns exemplos. Mesmo com esses autores, outros deram continuidade aos estudos, como
Abraham Maslow(1908-1970), Gordon Allport(1897-1967) e Viktor Frankl(1905-1997).
Vale observar que os autores citados são grandes nomes de sua época e suas obras ecoam até
os dias de hoje nas mais diferentes abordagens psicoterapêuticas.
Podemos observar em suas obras que procurava-se lançar um olhar
psicológico/científico sobre o fenômeno religioso. O diálogo se distanciava muito do teor
teológico.
Portanto, atribuir características religiosas à Psicologia é tentar caracterizá-la com
algo que ela não possui, tornando-a religiosa, inexistente do ponto de vista científico e
regulamentado, que não é o caso da Psicologia da Religião.
Para o exercício de uma prática psicoterapêutica ética e profissional que contemple o
desejo do cliente em discutir temas religiosos, que se relacionam com seu sofrimento
emocional, no consultório exige qualificação, manejo, ética profissional e a capacidade de
8

estabelecer uma boa relação para que haja benefícios na intervenção (PERES; SIMÃO;
NASELLO, 2007, p.138).
Para tal, existe a Psicologia da religião que auxilia profissionais de saúde mental a
compreender a religiosidade e espiritualidade dos clientes a luz da ciência psicológica de
forma a auxiliar no manejo clínico ético e promoção de saúde mental.

1.1.3 Contribuições para o manejo clínico ético por demandas religiosas

Embora o Estado Brasileiro seja laico, sua grande maioria é religiosa. Apenas 8% dos
brasileiros dizem não ter uma religião (IBGE, 2010), portanto é comum receber no
consultório de psicologia clientes com conflitos, sofrimento psíquico que por observação do
psicoterapeuta ou relato do cliente se relaciona com questões religiosas.
Se o cliente trás uma demanda de sofrimento emocional que se relaciona com sua
religião, o terapeuta respeitando as crenças do cliente poderá demonstrar interesse pelo seu
relato.
De acordo com GERONASSO e MORÉ (2015, p.173)

observa-se, atualmente, um consenso na literatura acerca da necessidade de


os terapeutas estarem mais atentos ao papel das crenças e das práticas
religiosas na vida dos seus clientes e na terapia e, também, da importância de
desenvolver um processo de reflexão pessoal/profissional frente a estas
temáticas para a melhor escuta de seus Clientes.

O interesse é pelo relato e não pela validade ou invalidade de tais crenças. Suas ideias
teológicas/religiosas são verdadeiras até o presente momento Jung (1940/1978, p. 18) para o
cliente. Por mais que o diálogo ganhe o teor teológico, o processo continua sendo psicológico.
Tal fato precisa ficar claro tanto para o cliente como para o psicoterapeuta.
Uma vez que a relação terapêutica é fator indispensável para que haja o engajamento
sério no processo, o interesse e familiaridade com o assunto/demanda do cliente contribui
positivamente para esse aspecto.
De acordo com Brusgain (2008, p.714), “Assim, a compreensão da religiosidade e da
espiritualidade dos clientes pode ser um fator facilitador do trabalho do Psicólogo.”
Desta premissa surge indagações como: E se um cliente incorporar um espírito
durante a sessão? E se o cliente quiser fazer uma prece? Ou se um suposto anjo o interromper
durante a sessão? Qual deverá ser a postura ética do psicólogo durante a intervenção? Diante
9

destas circunstâncias antes de encontrar respostas para essas e outras questões deve-se
elucidar o medo ou receio que faz parte das dificuldades de muitos psicoterapeutas.
O medo ou receio de lidar com esse aspecto da vida do cliente por medo que de
alguma forma ele abandone a posição de profissional de saúde mental e sua abordagem, para
entrar em um mundo que não é seu e se caso fosse, não poderia pois o código de ética
regulamenta a profissão e o processo ali estabelecido no que diz respeito a indução a
ideologias.
O código enfatiza no art. 2º que o Psicólogo é vedado de “Induzir a convicções
políticas, filosóficas, morais, ideológicas, religiosas, de orientação sexual ou a qualquer tipo
de preconceito, quando do exercício de suas funções profissionais;”(CONSELHO FEDERAL
DE PSICOLOGIA, 2005, p.10).
Se o setting precisa ser colaborativo e é um espaço especial do cliente, dialogar
questões religiosas trazidas por ele é sinônimo de indução ou proselitismo religioso? Uma
vez que o assunto da religiosidade é tão comum e constituinte da história humana como a
sexualidade, sociabilidade, trabalho, etc impedir tal relato e trata-lo com indiferença pode
significar uma falta de interesse ou inviabilidade do assunto para aquele ambiente.
Entretanto,
“integrar dimensões espirituais e religiosas de vidas dos clientes
durante a psicoterapia requer profissionalismo ético, alta qualidade de
conhecimento e habilidades para alinhar as informações coletadas
sobre as crenças e valores ao benefício do processo terapêutico.”
(PERES; SIMÃO; NASELLO, 2007, p.138).

O psicoterapeuta poderá usar seu discurso, crença para de alguma forma se possível
configurar seu conflito, ressignificar seu sofrimento e se preciso for questionar sua crença. O
problema com o as palavras questionamento e crítica é uma questão de conotação para o
cliente e psicoterapeuta.
Um questionamento que leve a reflexão, outras visões sobre o mesmo assunto poderá
ser auxílio à resolução do conflito e a possibilidade de uma nova configuração. O aspecto
colaborativo da psicoterapia é justamente como um dos fatores que contribui à promoção de
autonomia do cliente.
Portanto, o abandono ou adesão de crenças depende de que o paciente tenha tal
autonomia para fazê-lo, não um proselitismo por parte do profissional de saúde mental.
10

1.2 Metodologia

Trata-se de uma pesquisa de revisão integrativa da literatura, embasada em Souza,


Silva e Carvalho (2010) que consiste em apresentar ampla abordagem metodológica referente
às revisões, permitindo a inclusão de múltiplos estudos com diferentes delineamentos de
pesquisa para a melhor compreensão do fenômeno estudado.
A seleção foi realizada de forma independente, após leitura e análise minuciosa das
publicações, com a aplicação dos filtros: Considerando os aspectos éticos, não houve
necessidade de submissão ao comitê de ética em pesquisa, pois se trata de uma revisão
bibliográfica que inclui dados de domínio público, sem envolvimento de seres humanos e
portanto, não necessita de aprovação por parte do Sistema CEP-CONEP.
Segundo Lakatos (2003, p. 183) a pesquisa bibliográfica

tem a finalidade de colocar o pesquisador em contato direto com tudo o que


foi escrito, dito ou filmado sobre determinado assunto, inclusive
conferencias seguidas de debates que tenham sido transcritos por alguma
forma, quer publicadas, quer gravadas.

Nossa preocupação como pesquisador estará centrada na trajetória de levantamento


dos dados, primando pelo significado da construção das percepções dos sujeitos e não
somente com os resultados e o produto final

1.3 Resultados e Discussões

1.3.1 Religiosidade e espiritualidade

Religiosidade e espiritualidade são temas que acredita-se serem de extrema relevância


e que podem ser abordados em uma perspectiva psicológica e científica. Muitos artigos e
outros materiais tem sido produzidos a fim de responder questionamentos relevantes para o
avanço da ciência e contribuição para os profissionais de saúde mental.
Entende-se que alguns estudos demonstram que os principais domínios discutidos em
psicoterapia foram incluídos ao trabalho, a família, aos amigos e a sexualidade. De acordo
com Miovic (2006, p. 137) a religião e a espiritualidade são temas de igual importância e os
pacientes observaram os terapeutas abertos para discussão desses domínios.
11

Entretanto, integrar dimensões e crenças das vidas dos clientes durante a


psicoterapia requer profissionalismo ético, alta quantidade de conhecimento
e habilidade para alinhar as informações coletadas sobre as crenças e
valores ao beneficio do processo terapêutico. (TJELTVEIT, 1986, p.138)

As primeiras discussões sobre a religião no âmbito da psicologia foram trazidas por


Freud, que a considerou como remédio ilusório contra o desamparo. De acordo com o Freud
(1980, p. 153) a crensça na vida após a morte estaria embasada no medo da morte, análogo ao
medo da castração e a situação à qual o ego estaria reagindo ao ser abandonado.
A discussão do assunto, por mais polêmica que possa se considerar, tem sido objeto
de estudo de muitos estudiosos da área. Uma vez que no contexto brasileiro há uma
diversidade muito grande de religiões, a probabilidade da incidência de demandas religiosas
no contexto psicoterapêutico é muito grande. Portanto, trabalhar o tema psicologicamente se
justifica por esse e outros motivos.
Nesse sentido Peres; Simão; Nasello, (2007, p. 138) destaca que,
“é razoável postular que a religiosidade e a espiritualidade devem ser
consideradas pelos terapeutas em suas abordagens, e mesmo estratégias
psicoterápicas que valorizem tais sistemas de crenças devem ser formuladas
e investigadas quanto à eficácia do tratamento.”

Essa discussão, além de trabalhar intervenção e ética profissional, trabalha a questão


semântica de religiosidade e espiritualidade. Na contemporaneidade existem cartilhas, artigos
e outros trabalhos que se preocupam com o tema da religiosidade e espiritualidade, inclusive
com as questões semânticas. Em 2018 foi publicado uma cartilha pelo Laboratório de
Psicologia Anomalística e Processos Psicossociais(Inter-Psi), elaborada por diversos
profissionais estudiosos da área com o intuito de esclarecer pontos importantes sobre o tema.
De acordo com Carunchio (et al. 2018, p.15) a espiritualidade é conceituada como:
Já a espiritualidade é algo relacionado ao sentido que percebemos ou que
damos à vida. A espiritualidade pode estar relacionada à nossa religiosidade
ou não. Hoje é muito comum encontrar pessoas que dizem que têm
espiritualidade, mas não têm a religião como sua opção fundamental de vida
ou de explicação para a realidade...Nossa espiritualidade tem a ver, portanto,
com aquilo que efetivamente confere um sentido amplo à nossa vida, que
nos faz sentir que somos parte de algo maior, tornando nossa identidade
mais coesa.

Com relação a religiosidade e espiritualidade dentre várias contribuições a cartilha


destaca que “há espiritualidades não religiosas e há a espiritualidades religiosas.”
(CARUNCHIO et al., 2018, p.15)
O sentido da vida pode ser religioso ou não, tal fato vai depender de cada sujeito.
Observou-se que essa espiritualidade, sentido da vida pode ser encontrado fora da vivência
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com o sagrado, mas pode ser encontrado em outras instituições, a título de exemplo podemos
dizer que um ateu pode ser espiritual, mesmo sem ter uma religião.
De acordo com Lambert (2007, p.29), podemos conceituar religião como:

“Uma organização que supõe, no fundamento da realidade empírica, uma realidade


supraempírica (Deus, deuses, espíritos, alma...) com a qual é possível comunicar-se
por meios simbólicos (preces, ritos, meditações, etc.) de modo a procurar um
domínio e uma realização que ultrapassam os limites da realidade objetiva.”

Portanto, a vivência dessas experiências por meio de seu sistema, podemos chamar de
religiosidade, é onde cada indivíduo tem sua experiência com o que acredita ser o
sagrado/transcendente. . Então, a religiosidade está ligada ao comportamento religioso. A
espiritualidade como uma dimensão onde está a busca pelo sentido da vida (CARUNCHIO et
al. 2018, p.9).
Portanto, o debate científico dentro da ciência psicológica é relativamente recente,
mas tem contribuído positivamente à psicologia como um todo, especialmente, no contexto
psicoterapêutico.

1.3.2 Entendendo o manejo clínico por demandas religiosas

Observa-se, das bibliografias analisadas, excelentes contribuições a respeito do


manejo clínico por demandas religiosas, fundamentadas pela Psicologia da Religião enquanto
norte para o desenvolvimento dos resultados e discussões.
A religiosidade e espiritualidade no contexto psicoterapêutico é de extrema relevância,
pois a vivência religiosa constitui parte relevante da cultura, a ponto da religião moldar a
cosmo visão, configurar o mundo e os conflitos de muitos (PERES; SIMÃO; NASOLLO,
2007, p.137).
Por esse e outros motivos podemos concluir que muitos sofrimentos psíquicos podem
estar relacionados a uma religião ou crença religiosa e sua vivência, justificando a incidência
de demandas psicoterápicas.
Uma vez que a visão de mundo é fundamentada ou, pelo menos, influenciada por
questões religiosas na vida de muitos indivíduos, percebe-se que tal aspecto pode constituir o
sentido da vida. Tal constatação se torna evidente no relato direto de clientes e na
observação do psicoterapêuta.
Para exemplificar há o caso de Mariana de 30 anos,
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que chega ao consultório do autor com queixa de humor deprimido que,


segundo seu relato, está vinculado a sua compulsão sexual tensa e recentes
relações homossexuais. A mediunidade era um ponto que à deixava
vulnerável ao sofrimento, pois a colocava em situação de destaque em suas
relações sociais, onde acreditava ter uma missão especial. Há também uma
autocobrança sobre dar um bom exemplo a sua filha e um sentimento de
inferioridade em sua família por sua pele ser mais escura. No sofrimento de
Mariana há uma forte vinculação a sua religião. (NEUBERN, 2010, p. 264
e p. 265)

No mesmo artigo, o autor destaca na fala de Mariana,

Vim até você porque acho que você pode me entender e porque também
preciso muito de ajuda. Minhas outras tentativas de terapia foram
fracassadas. Numa delas, o sujeito ficava me mandando fazer agendas,
tarefinhas e anotar coisas; noutra, ele queria me doutrinar, porque também
era espírita; e numa terceira vez, ele não me entendia, pois dizia que Frei
Giuseppe era uma imagem de meu inconsciente – o arquétipo do sábio. Pra
mim, ele é uma pessoa como eu ou você, só que sem o corpo físico. Então,
como vi sua palestra, acho que você pode realmente entender o que
acontece comigo. Você me pareceu ter sensibilidade com o tema, respeito
com ele. (NEUBERN, 2010, p.265)

Portanto, vemos a clara insatisfação de Mariana com processos psicoterápicos


anteriores. Onde entende-se que a primeira psicoterapia relatada teve, para ela, um sentido
único de processo mecânico, no segundo sentiu o deslocamento do psicoterapêuta de seu
papel de psicólogo para um processo religioso e, por fim, não se sentiu acolhida naquilo que
era importante à ela, sua religião.
Sua espiritualidade e religiosidade fora reduzida a processos psicológicos, não há uma
vivência real como ela acredita ser verdade. No caso de Mariana, sua experiência com o que
ela acredita ser o sagrado pode dar uma nova forma de interpretar seu conflito, bem como
configurá-lo de maneira diferente.
Portanto, essa nova configuração poderá ser possível se o profissional se posicionar
como um agente externo, que questiona e aponta para outros caminhos como proposta que
pode ou não fazer sentido para o cliente, fomenta estudos que podem ser necessários para o
processo e fica atento a seus processos psicológicos que se correlaciona com os outros
aspectos da vida.
Nesse sentido “é importante que o terapeuta esteja imbuído da ideia de que ele não se
torna o especialista daquela cultura particular, mas o provocador externo que não abre mão
de manter sua proposta de psicoterapia.” (NEUBERN, 2012, p.172)
14

A partir do posicionamento técnico e empático do profissional, torna-se possível


concretizar de maneira colaborativa a construção do sentido da experiência religiosa, sua
relação com sua saúde mental e como está poderá servir de auxílio à resolução do problema.
O profissional de saúde mental poderá abrir diálogo à questões religiosas como algo
fundamental da vida do paciente e levantar hipóteses de suas crenças religiosas, dando forma
ao seu sofrimento, com possibilidade de promover a saúde mental, reconfigurando seus
conflitos e cosmovisão.
Estudos demonstraram que dar valor aos sistemas de crenças dos pacientes contribui
positivamente para a aderência à psicoterapia e se relacionam com resultados positivos de
intervenção. (GIGLIO, 1993; RAZALI et al.,1998; SPERY e SHARFRANSKE, 2004; p.137)
O intuito de tal valorização não é validar ou invalidar tal crença, mas estabelecer uma
boa relação terapêutica e entender o sentido da vivência religiosa do paciente e como se
relaciona com sua demanda. Neubern (2010, p. 269) destaca que,
ele não deve pretender converter um sujeito a uma dada religião, mas pode,
se existe alguma demanda nesse sentido, prescrever que busque conhecer
alguma que dê sentido a sua vida; ele não pode propor um ritual de oração
para que cumpra uma obrigação espiritual, mas o pode propor a fim de que
esse desencadeie processos terapêuticos que o sujeito frenquentemente
desconhece, mas que pode ser importantes para sua psicoterapia. Portanto,
ele pode estimular, provocar e colocar o sujeito em contato com a riqueza de
processos subjetivos trazida pela experiência religiosa, que possui seus
próprios aparato técnico.

Acredita-se, que tal postura é ética e que deixa o profissional livre para usufruir da sua
abordagem psicoterapêutica. Cada um dos envolvidos no processo precisa ter clareza do
processo e qual o posicionamento de cada um, bem como seus objetivos.
Segundo Neubern (2010, p. 264) na psicoterapia “se procura compreender como o
sujeito vivência essa experiência em termos simbólicos e emocionais.” Tal sentido pode ser
percebido quando sua religiosidade é relatada. Muitas vezes, diante do que o cliente acredita
ser sagrado, pode faltar expressões que melhor descreva a experiência, pois a experiência
pode ser muito complexa. (NEUBERN, 2010, p.271)
Uma postura de valorização à religiosidade pode trazer desconforto ao profissional de
saúde mental. Neubern (2010, p.268) destaca que “Tal postura não implica em dissolver as
referências teóricas do psicoterapêuta nas crenças do cliente...”
Em vez de abrir mão de sua abordagem psicoterapêutica ele à usa como ferramenta de
articulação entre os diferentes aspectos da vida do cliente. Há uma oportunidade dentro
15

dessas demandas para usufruir das informações religiosas para usá-las a favor do processo
psicoterapêutico.
No decorrer do processo, percebe-se que o profissional se desenvolve no
entendimento do sistema de crenças do cliente e há uma maior percepção e propostas de
intervenção que podem configurar novamente a vida do sujeito e fornecer a ele estratégias de
enfrentamento.
Neste caso o psicoterapêuta não necessariamente se torna um especialista em tal
assunto religioso ou teólogo, mas é um facilitador, mediador que age psicologicamente
tornando-se parte de uma processo importante da vida do sujeito.
Uma postura ética, psicologicamente científica, um olhar humano sobre o cliente pode
facilitar o processo, uma maior leitura sobre o assunto, especificamente um debruçar sobre a
Psicologia da Religião pode servir de aparato técnico e psicológico para que haja um melhor
manejo clínico para promover saúde mental.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Uma das características que a disciplina possui é sua fundamentação em abordagens


psicológicas e não religiosas. Não se pode confundir sua cosmovisão e fundamentação com
seu objeto de estudo.
A integração da Psicologia com a religião, é visto por muitos autores contemporâneos
como um diálogo e não como uma mistura, sendo a disciplina Psicologia da Religião
reconhecida e regulamentada pelo Conselho Federal de Psicologia.
É importante destacar que a escuta de qualidade e manifestação de interesse em
ouvir o discurso religioso, que se faz importante ao cliente, é de extrema relevância para a
relação terapêutica e resultados positivos da intervenção.
Após a análise dos materiais pesquisados ficou claro que, de maneira colaborativa, se
estabelece um processo, visando dentre outras coisas a o entendimento do sentido de tal
vivência religiosa, sua relação com o sofrimento emocional e como tais crenças podem servir
de auxílio para uma nova configuração do conflito emocional.
Dentre as diversas formas de resolução do problema, a religiosidade do cliente pode
ser um caminho para tal resolução. Considera-se de extrema relevância que o cliente saiba
16

quem está ouvindo e falando, no caso o profissional Psicólogo. Embora haja espaço para seu
relato religioso, o processo é psicoterapêutico.
A abordagem teórica em momento algum deverá ser dissolvida, mas aproveitada de
maneira elaborada, científica e intencional no processo. Criando assim a oportunidade de
mergulhar profundamente na subjetividade do cliente. Uma questão séria, mas que se torna
necessária para o processo.
Uma vez que existe a incidência no consultório de sofrimento emocional que se
relaciona com questões religiosas, o profissional pode e deve se posicionar eticamente. Para
tal posicionamento exige técnica e fundamentação teórica no estudo do manejo clínico por
tais demandas.
Como propositura pode-se haver a inserção nas grades dos cursos de bacharelado em
psicologia com a introdução da disciplina de Psicologia da Religião como forma de preparar
melhor futuros profissionais. Por fim, uma estratégia de preparação de profissionais para uma
atuação mais ética.

REFERÊNCIAS

BRANT, Sandra Regina Corrêa; ANDRADE, Jairo Eduardo Borges. Crenças no contexto
do trabalho: características da pesquisa nacional e estrangeira. Rev. Psicol., Organ.
Trab. vol.14 no.3 Florianópolis set. 2014. Disponível em:
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1984-66572014000300005.
Acesso em: 20/11/2021.

CARUNCHIO, Beatriz Ferrara et al. Psicologia e Religião: Histórico, Subjetividade,


Saúde Mental, Manejo, Ética Profissional e Direitos Humanos. Instituto de Psicologia –
USP. 2018.

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