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O Paradigma Platônico

Alberto Alonso Muriaz

] Sócrates novos comportamentos e novos quadros de


valores. Duas ordens morais opostas, uma
O período da Sofistica e' também conservadora, que identificará a Virtude
aquele em que Atenas se torna o centro com a excelência de estirpe ou de caráter,
do mundo grego, capital de um Império. e outra, que a concebera corno sucsso
Centro do mundo grego, ela se tornará o pessoal, passam a competir e entram em
pólo de atração de inúmeros intelectuais, e conflito. Esse é o quadro em que Sócrates
para ela se dirigirâo vários dos pensadores irá traçar seu embate contra a SoHstica,
Pré—Socráticos — “físicos” asiáticos, “lógi« defendendo, em novas bases, o quadro
cos” da Península Itálica, e mesmo varios moral tradicional grego.
solistas, todos eles itinerantes. A cidade Pelo menos conforme a imagem que
travara' com esses pensadores> noentanto, Platão traça de seu mestre, Sócrates foi
uma relação tensa, muitos deles sendo o maior opositor da Sofistica no meio
objeto de desconfiança e perseguição: pri— Elosófico de seu tempo. A tradição air—
meiro Anaxágoras, Protagoras, Enalmente ma que ele não escreveu nenhuma obm,
Sócrates, ele próprio ateniense. decorrendo o impacto de sua Elosoâa dos
Esse é também um período de crise debates em que se envolveu. Sócrates foi
moral, em que os costumes passam por considerado um símbolo, o de pai da E-
reviravoltas valorativas após e durante a losofia ocidental, cuja elaboração se inicia
Guerra do Peloponeso. A guerra contra já com a obra de Platão, mas que ganha
Esparta, a peste que grassará a cidade, o seu colorido definitivo nas aproximações
aparecimento de um novo individualismo que a Patrística mais tarde fará entre sua
e busca do prazer imediato, descritos por vida, condenação e morte, vista como
Tucídides, apontam para o surgimento de preiiguração do drama de Cristo.
92 Curso de filosofia política —
Ronaldo Porto Macedo Jr.

Sócrates 469/470399 a.C.), filósofo ateniense, é


(c.
um marco na filosofia antiga. Seu pensamentorepresenta a
ruptura entre as investigações cosmológicas dos filósofos
anteriores e o início de uma filosofia mais subietivista,
voltada para o próprio homem,

VIDA

Sócrates nasceu na época em que acabavam as Guerr


ras Médicas, com a expulsão dos persas da Grécia. Sua
vida transcorreu no século V a.C., o século de consolida-
ção da democracia ateniense, iniciada com as reformas
de Clístenes. Sua mãe, Fenarete, era parteira e seu pai.
Sofronisco, escultor, Alguns afirmam que Sócrates teria
seguido a profissão do pai por um tempo. É certo que ele tomou parte de três campanhas
militares, como hoplita. De 432 a 429 a.C., no princípio da Guerra do Peloponeso, esteve
no cerco a Potideia e ficou conhecido como herói de guerra, tendo salvado a vida de seu
amigo Alcibíades. Em 424 a.C., participou da Batalha de De'lion, na qual tebanos triunfa-
ram, obrigando os gregos a se retirarem. Nesta ocasião, Sócrates auxiliou outro amigo,
Xenofonte, que, durante a fuga, caiu e ficou preso sob seu cavalo. Em 422 a.C., ele ainda
esteve presente na campanha militar de Anfípolis, sobre a qual não há muitos detalhes. Um
ano antes, o filósofo, já provavelmente em atividade. foi caricaturado nas Nuvem, peça de
Aristófanes em que é retratado comicamentecomo um sofista que cobra por seus ensina-
mentos. Em 399 a.C.. Sócrates sofreu um processo por impiedade, acusado de introduzir
novos deuses, não acreditar nos deuses da cidade e corromper os iovens. Interessante
notar que este processo não foi o primeiro a marcar a filosofia grega. Em 432, o físico

Anaxãgoras (c.a. 500 — ca. 428 aC,) foi, como Sócrates, processado por impiedade, Duas
décadas depois, o Sofista Protágoras (480-410 a.C.) também sofreu um processo dessa
espécie, vindo a morrer no exílio, o mesmo ocorrendo com Diágoras, acusado de “ateísmo”.
Sócrates foi condenado a morte por ingestão de cicuta. Seus amigos tramaram para sua
fuga, com uma certa condescendência dos Magistrados, que realmente esperavam que
essa fosse sua decisão. Ele, entretanto, recusou-se a fugir e, aproximadamentetrinta dias
após sua condenação, tomou o veneno. lá em 399 aC,, ano de sua morte, surgiram os
primeiros diálogos de Platão. Em 393 aC., apareceu um panfleto anti-socráticode Policra—
tes: Acusação de Sócrates, que foi respondido por Xenofonte em duas obras: nas Memorabilia
e em uma Apologia de Sócrates.

OBRA

Não há conhecimento de nenhum escrito que possa ser atribuído a Sócrates, e suas
idéias foram difundidas por meio da obra de seus discípulos, especialmente Platão (c.
428/427-347/348 a.C.).
O paradigma platônico 93

Essa imagem tradicional de Sócrates pôr em risco a própria existência de Atenas,


como filósofo por excelência, que chega já que os deuses, dotados de sentimentos
a dar a vida por um ideal intelectual, por e comportamentos humanos, podiam
oposição aos Sofistas, retóricos mercenários irar-se e revoltar—se contra a cidade. Nisso
à procura de dinheiro, contrasta, porém, consistia o que se costuma chamar o caráter
com algumas outras imagens que temos cívicº da religião grega. Cada cidade-estado
desse personagem fascinante. Se Platão e possuía seus deuses protetores, a exigirem
Xenofonte o descrevem como um filósofo de toda a comunidade a prestação de um
heróico, Aristófanes, 0 maior comediógrafo culto a seu “padroeiro”, sob pena de arris»
grego e seu contemporâneo, caricatura Só— carem—sea sofrerem com sua mágoa. Nada
crates como, surpreendenternente, um So— poderia ser mais atentatório à própria
Esta como outro qualquer, que oferece um existência da comunidadedo que se recusar
ensino conforme as necessidades e desejos a prestar culto aos deuses e pretender in—
do cliente. E se considerarmos a multipli— troduzir novo: deuses. O ataque era frontal
cidade de escolas filosóâcas rivais imediata— à própria existência de Atenas.
mente posteriores que reivindicaram para si
Xenofonte e Platão ofereceram—nos,
a herança genuína do pensamento socrático
cada um, uma Apologia de Sócrates: um
— cínicos,cirenaicos, megaricos e platônicos,
relato do discurso de Sócrates perante o
entre outros —, veremos que a idéia de que
Tribunal de cidadãos que o condenou. A
haja um pemammta socrático minimamente
consistente (e, quem sabe, até mesmo um acusação de introduzir novos deuses e não
Sócrates coerente) talvez seja algo que, na
cultuar os antigos e' das mais obscuras no
realidade, pode nunca haver existido. processo de Sócrates, e a verdade é que
temos poucas informações sobre as razões
Sócrates foi condenado à morte no ano
dessa acusação. As duas principais fontes
de 399 a.C., após um processo em que
— Xenofonte e Platão — emprenham—se em
era acusado, fundamentalmente, de três
crimes: corromper os jovens, inculcando-
mostrar que a acusação era infundada, já
lhes idéias subversivas; não crer nos deuses que Sócrates teria sido visto diversas vezes
da cidade; introduzir novos deuses. Estas prestando culto às divindades cívicas ate-
nienses e seria mesmo um herói de guerra,
duas últimas acusações eram graves, na
tendo lutado contra os Persas. Quanto
medida em que os deuses da cidade eram
a acusação de introduzir nova: deuses, e
os encarregados de protege—la de desastres
ainda mais estranha. Em diversos diálogos
naturais e inimigos externos, e não é de
platônicos vemos Sócrates jurar por divin—
causar surpresa que Sócrates, considerado
dades egipcias, mas também invocar Zeus.
culpado, tenha sido condenado à morte
bebendo uma poção à base de uma erva Por que teria sido considerado culpado de
impiedade— desrespeito à religião grega — e'
venenosa, a cicuta (uma morte, diga—se de
algo obscuro.
passagem, considerada não violenta pelos
gregos). Introduzir novos deuses e deixar Já a objeção de corromper a juventude,
de cultuar os deuses tradicionais significava inculcando—lhe novas idéias, leva—nos a
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“A morte de Sócrates", quadro do pintor francês Iacques—Louis David (1748—1825).

atividade principal de Sócrates como inte« decorre do que afirmou ou não. Limita—se,
lecrual: a atividade filosófica desenvolvida pois, a dizer “sim“ ou “não” às perguntas do
através do diálogº. É aqui que chegamos ao adversário, do tipo “se você admite tal e tal
Sócrates filósofo, opositor da Sofistica. coisa, então também acredita que tal e tal
O diálogo era uma forma de debate outra coisa e' verdadeira, não é?”. O jogo
que obedecia a regras claras de argumen— termina ou com o adversário conduzindo
tação e intervenção dos contendores. A o primeiro contendor à refutação 7 a ter
melhor forma de entendê—lo e' como um de rejeitar a tese que propôs inicialmente
jogo com dois interlocutores, um dos , ou a uma aporia, em que o primeiro con—
tendor admite todas as conclusões que seu
quais ajímm uma tese, uma opinião sobre
determinada questão, e o outro contendor adversário pretende deduzir, sem rejeitar
procura extrair, dessa tese, uma conclusão nenhuma delas e sem que ele seja capaz
absurda, inaceitável, contraditória em si de ser refutado. Esse conjunto de regras,
mesma ou com as demais crenças que e sua prática, recebeu posteriormente o
seu adversário estaria disposto a admitir. nome de dialética.
O contendor que afirma a tese deverá, Algumas características desse tipo de
diante de cada conclusão extraída pelo atividade merecem ser frisadas. A primeira
adversário, apenas pronunciar—se se está delas é que, à diferença do discurso, forma
de acordo com a inferência ou não — se típica da Sofistica e dirigida a uma platéia
concorda que aquilo que está sendo dito de ouvintes (Assembléia, Tribunal), o
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diálogo é uma atividade entre dois interlo— estaria mais próximo a encontrar averdade.
cutores que abre espaço para a intervenção Muitos dos diálogos platônicos da primeira
de ambºs. A platéia é passiva diante do fase são ditos aporétiras porque descrevem
discurso, limitando—se persuadir—se ou te— Sócrates nesse embate intelectual e termi—
jeitar o que o orador pretendeu transmitir. nam numa aporia, isto é, não concluem
Já no diálogo, o interlocutor pode pedir por nenhuma tese, mas apenas reflitªm
esclarecimentos ao adversário, informar— uma crença corriqueira, muito frequen—
lhe que não entendeu o que foi dito e, temente aceita, mostrando que era falsa.
mais fundamentalmente, a medida que seu São, por assim dizer, diálogos negativos,
objetor extrai, encadeadamente, cada uma em que um novo conteúdo cognitivo não
das conclusões de sua tese, passo a passo, é introduzido, mas outros são eliminados,
pode interferir no processo, concordando porque se mostraram inaceitáveis (contra—
ou discordando do que foi dito. Daí por ditórios, paradoxais, incompatíveis com
que o discurso sol-ista tenha um espaço outras crenças).
privilegiado nos grandes auditórios (no—
Essas características da atividade inte—
vamente: Assemble'ia ou Tribunal), o que
lectual desenvolvida por Sócrates mostram
poderíamos chamar de espaço público,
uma incompatibilidade frontal com aquela
enquanto o espaço típico do diálogo é da Sofistica. Enquanto esta procurava
aquele formado por dois interlocutores em
debate, tentando chegarem mutuamente a a persuasão através de um discurso bem
elaborado, procurando fazer com que o ou—
algo que resista a critica. Este espaço podia
cercar—se de outros ouvintes, que assistiam
vinte adotasse o ponto de vista do orador,
a contenda, mas era sempre um espaço o diálogo é uma atividade que procura,

privado, fechado e limitado pelas regras conjuntamente com o orador, atingir a


da argumentação. verdade. Enquanto, pois, o relativismo dos

Essas características do diálogo pontos de vista sera a marca epistemoló—


permi-
gica da Sofistica, a existência de crenças
tem-nos entender por que Sócrates, no
objetivas será o pressuposto fundamental
Hmm, descreve sua atividade como aná—
da atividade socrática. De fato, o diálogo
loga à de uma parteira. As parteiras gregas,
busca, a dois, encontrar uma crença que
geralmente mulheres que já ultrapassaram
resista a qualquer refutação. Não será um
a menopausae não podiam mais dar à luz,
estavam autorizadas a sacrificarem recém- ponto de vista apenas, uma “mera opinião”
nascidos se neles encontrassem algum sem justificação, mas uma tese objetiva—

defeito fisico. Da mesma forma, Sócrates, mente verdadeira.


um homem velho e filho de uma parteira, Essa atividade essencialmente critica era
auxiliava os jovens a “darem a luz” a idéias, denominada Elma/far, “refutação”. O cam-
a teses, testando—as para verificar se resis— po &ndamental de aplicação, por Sócrates,
tiam à crítica. Se não resistissem, era uma era a moral, tanto no domínio de crenças
crença falsa a menos que o interlocutor particulares sobre se determinadaconduta
teria, de modo que, pela via negativa, se era moralmente adequada ou não, quanto.
96 Curso de filosofia poliÚCB - Ronaldo Porto Macedo Jr.

no de teses mais gerais, como a natureza da saber claramente o que é a justiça. O ad—
justiça ou da virtude. A atividade socrática versario pode ter uma noção confusa do
consistia, assim, em interpelar os mais di— que ela seja, ou simplesmente falsa. Mas
versos personagens da Vida ateniense nos o pressuposto da atividade socrática é que
mais diversos contextos morais, perguntar— haja um padrão invariante e objetivo que
lhes se entendiam que tal ação era correta permite qualificar, para além de qualquer
ou incorreta (moralmente falando) ou o perspectiva individual, se determinada
que entendiam ser a justiça, a virtude, a ação foi justa ou injusta. Esse padrão de
coragem etc., e procurar verificar se o que medida que permite aferir o teor de justiça
diziam resistia a critica, conjuntamente numa ação é chamado de Fºrma dajustiça.
com seu interlocutor. Sócrates não praticava Cada um dos predicados morais ——
uma
uma crítica para um auditório, ainda que ação corajosa, uma ação virtuosa, uma
outras pessoas estivessem frequentemente ação justa etc. — terá um correspondente
presentes e muitas vezes interferissem no padrão que permite aplica—los, um modo
debate. Não interferla no que se poderia de ser, uma forma típica de existir. Buscar
chamar de “opinião pública". Seu alvo era a Forma, portanto, é procurar explicitar
o conjunto de crenças individuais portadas uma definiç㺠de um predicado fundamen—
por seu interlocutor, que lhe incumbia de talmente moral que enfeixa um conjunto
modificar, no sentido de alcançar alguma de propriedades que, se presentes numa
dotada de objetividade. ação, a tornarão, conforme o caso, justa,
Sendo teses morais seu campo privile- piedosa, corajosa, virtuosa, e, se ausentes,
giado de atuação, não é de admirar que, na injusta, ímpia, covarde ou viciosa.
medida em que atingia comportamentos, Dai uma tríplice correspondência,
Sócrates tenha sido acusado de “corromper”
que o método dialógico deve fazer surgir.
a juventude, inculcando—lhe novas crenças. Em primeiro lugar, o interlocutor possui
Na medida em que, ao examinar uma ação
crenças. É, em principio, capaz de oferecer
em vias de concretizar—se e considerada alguma definição do predicado moral que
pelo interlocutor como “justa”, Sócrates enxerga na ação que está julgme ou que
lhe perguntava “o que é a justiça?”, vinha está em vias de praticar. No Laqnes, por
a exigir do adversário que explicitasse os exemplo, assistimos a Sócrates buscando,
fundamentos de sua crença. Dai um pres— com seus interlocutores, uma definição
suposto presente já na filosona de Sócrates, da coragem. Lisírnaco e Mele'sias, dois
que se constituiu muito mais como uma personagens desse diálogo, são bons pais
atividade do que um sistema dogmática de familia e estão à procura da melhor
de teses: para cada ação, cada objeto, cada educação para seus filhos. Vão assistir,
fenômeno moral há um padrão objetiva assim, a uma “aula gratis” de preparação
contra o qual se pode medir seu teor de para o combate com dois generais, Nicias e
justiça, coragem, virtude etc. Laques. Sócrates está por ali, como sempre,
Para saber se, por exemplo, uma ação na praça, na rua, interpelando os passantes
e', num caso particular, justa, e' preciso da maneira irritante e sarcástica como cos—
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tuma fazer. Nícias começa aârmando que a reta, então ela é genérica demais. Pois afinal
hoplomaquia (exercício físico com armas) como distingui—la da loucura? A loucura é,
e'uma excelente preparação para o combate também, urna força da alma, uma energia
e, portanto, uma bela trmla de coragem. psicológica que termina por destemperar
Laques e de opinião oposta: bravura não por completo o indivíduo. Mas o corajoso
decorre de exercícios de treinamento fora não éo louco, de modo que a nova definição
de condições reais. A bravura só é alcan- proposta por Laques também vai por terra.
çada em exercícios no campo de batalha. Diante desse quadro, Laques resmunga que
Fora dessas condições, os aprendizes da sabe o que é a coragem, só que esta se atra—
coragem não obtêm o que buscam. palhando com as palavras, e desiste.
Sócrates ira sustentar que 0 que esta Nícias, tentando mostrar—se mais pers-
em jogo não é a hoplomaquia, não é saber picaz que Laques, propõe que a coragem
se essa prática irá levar alguém a tornar-se seja “o saber das coisas a temer ou a esperar
corajoso, mas, sim, antes de tudo, o que tanto na guerra quanto em todas as outras
é a coragem. Portanto, cabe chegar a um circunstâncias”. Mas saber que coisas se
acordo o que e' isto que se procura, para deve temer e portanto Elgin ou esperar e
então depois buscar os melhores meios portanto buscar, e que coisas ocorrem com
para atingi-lo. A isso, Laques responde, frequência, tanto na guerra quanto em
numa tentativa de oferecer uma definição, quaisquer outros contextos, é simplesmen—
que dizemos que um indivíduo e' corajoso te a própria ciência. A definição proposta
“quando “IH Soldªdo PCTmQIICCC em seu por Nícias, ainda que mais rebuscada, à
posto e se mantém firme contra o inimigo primeira vista, que as de Laques, mostra—se
em vez de fugir”. No entanto, opõe Sócra— ainda mais insatisfatória. Ela faz com que
tes, começando o jogo dialético, há vezes a virtude da coragem e o próprio saber em
em que agir assim não demonstra qualquer geral se identifiquem. De tão ampla, faz
coragem, mas temeridade: falta de bom— com que o saber de um sapateiro deva ser
senso, loucura, expondo—se a perigos aos chamado de coragem, pois afinal sabe que
quais não há como resistir. Sócrates quer coisas temer, que coisas buscar, e também
saber o que é a coragem em todos as caras, e a é capaz de prever o que ocorre. Corn isso,
resposta de Laques mostra—se insatisfatória, os interlocutores simplesmente desistem e o
pois prova que não é capaz de separar uma diálogo termina aporético. Há um ganho: os
ação corajosa, por bravura, de uma ação interlocutores passam a saber que aquilo que
temerária, desperdiçada. acreditavam ser a coragem era, na verdade,
Laques, então, reformula sua definição: uma falsa noção dessa virtude. Livraram—se
de uma crença falsa, capaz de interferir nos
coragem é “uma certa força da alma, se
consideramos sua natureza em geral”. Tem juízos e comportamentos, já que é com base
nela que julgariam ou agiriam.
coragem quem tem energia para resistir ao
medo. Sócrates, sem muita dificuldade, Em segundo lugar, o interlocutor, ao
mostra—lhe que, se essa for a definição cor- julgar a ação alheia ou ao planejar suas pró—
98 Curso de filosofia política ' Ronaldo Porto Macedo Jr.

Sócrates responderia que


ela o foi pela ausência de
uma estrutura, que de—

veria nela estar presente,


O filósofo
caracterizada por um feixe
Xenofonte (430-
355 aC.), amigo de predicados e que, se
de Sócrates, foi estivesse presente, traria a
um difusor de ela determinada essência.
suas idéias. Ou, numa palavra, por—
que nela esteve ausente
a Forma da justiça. Daí
por que também qual—
quer falha moral deva ser
atribuída a um desconhea
cimento do que seja a me-
lhor conduta. Se alguém
age mal, se um indivíduo
prias ações, lhes aplica esse critério, iden— age injustamente, é porque tem uma falsa
tiHcando nelas as caracteristicas distintivas crença de que sua ação é justa, ou seja, uma
da propriedade que se está examinando. noção distorcida e que não corresponde ao
Tendo uma noção (correta ou incorreta, padrão objetivo da justiça. É porque ignora
não importa no momento) do que seja a o bem, crendo apenas numa aparência de
justiça, saberá quais são as características bem, que alguém age mal, não porque
necessárias e suHcientes que, se presentes deseje fazer o mal. Basta, pois, limpar o
numa ação, a qualificarâo de justa, e de terreno das falsas crenças através da ativi—
injusta caso contrário. Em terceiro lugar, dade dialógica, fazendo reluzir aquela que
o esforço será o de fazer corresponder corresponde a Forma do bem, para que a
a noção que o interlocutor possui, ao ação fosse automaticamente recolocada em
padrão objetivo, a Forma, alterando suas sua direção. Para tornar os homens virtuo—
crenças no sentido de fazer com que cor- sos era suficiente, portanto, fazer—lhes ver
respondam a este modelo e permitindo, o melhor, fazer com que compreendessem
assim, um julgamento, agora correto, das que, submetendo—se a maus instintos, pre»
características das ações. Crença, Forma e judicam sua própria felicidade. Conhecer
propriedades no mundo devem, ao final o bem e, ainda assim, fazer o mal é algo,
do esforço socrático, corresponderem-se no contexto socrático, impossível.
umas às outras. Essa atividade filosófica que procura
Daí por que mais tarde Aristóteles po— invariantes que permitam julgar as ações
dera dizer que a filosofia socrática enfatizou por um prisma moral é uma das inovações
a forma como explicação dos eventos. A mais importantes na história da filosofia.
pergunta “por que tal ação foi injusta?”, Aquilo que era objeto precípuo da atividade
O paradigma platônico 99

sofistica — a política, os negócios da cidade, Mais do que isso, no entanto, é a primeira


a vida prática, a moral — é absorvido pela filosofia a engendrar uma escola de pen-
Elosoíia, tal como os Pré—Socráticos a ha- samento, Seus discípulos desenvolverão
viam desenhado. As Formas, que Sócrates setores pouco elaborados de sua Elosoiia.
(à diferença de Platão, logo em seguida) Outros irão inspirar—se nela, adotando
identificam como presentes ou ausentes das partes, mas não a totalidade, de seus pres—
próprias coisas, consistem nos elementos supostos, elaborando novos sistemas que
que servirão para a elaboração de explicações ainda podem ser reconhecidos como platô—
no âmbito da moral, de modo análogo ao nicos, e investigando como tais alterações
que a Blosofia pré—socrática havia feito no produziriarn novas consequências. Numa
âmbito da natureza. Ali, o esforço consistia palavra, tal como Sócrates deu origem ao
em encontrar elementos invariantes que socratismo, Platão dará origem a uma série
permitissem oferecer explicações para os de filosofias que assumiram o pressuposto
eventos e processos físicos; aqui, consiste básico de que existem Formas separadas
em trazer à tona os padrões objetivos que de seus objetos. Essa série de filosoâas
permitem aferir o teor de moralidade de constituiu o platonismo.
uma ação, a presença da virtude, ou não,
numa pessoa, e assim por diante. Não seria
incorreto dizer que Sócrates é o “Pré—Socra— 2 O Paradigma Platônico
tico” da moralidade, tendo, pela primeira
vez, elaborado as tarefas que uma ética deve Platão não organiza apenas um pa—
responder a partir do mesmo conjunto de radigma filosófico, desenvolvendo um
pressupostos e objetivos de um pbyri/ea's. conceito — o de Forma até seus limites,

Esse invariante da ação moralmente apro— mas formula um conjunto de problema: e
va'vel é, em Sócrates, & Forma. de doutrina; que acompanharãoa história
0 conceito de Forma, que como vimos da filosofia até nossos dias. Sem muito
é um dos fatores explicativos dos eventos exagero, não é incorreto dizer, com Whi—
e processos, agora não apenas físicos mas tehead, que a tradição filosófica ocidental
também humanos, receberá sua mais alta consiste numa série de notas de rodapé à
elaboração na filosofia do mais conhecido obra de Platão.
discípulo de Sócrates: Platão. Sem qual-
quer exagero, a filosofia de Platão foi um
esforço monumental por levar às últimas 3 Crítica dos Falsos Saberes
consequências esse conceito operatório e e Origens da Preocupação
vasculhar seu campo de potencialidades Epistemológica de Platão
explicativas e seus limites. A obra de Pla—
tão constitui o primeiro grande sistema O interesse de Platão pela teoria do
Elosófico da história da Hlosoâa, ao menos conhecimento provavelmente decorreu
de que temos informações suficientes para de sua necessidade de explicitar a natureza
uma razoável reconstrução argumentativa. das definições e a relação entre as crenças
100 Curso de filosofia política - Ronaldo Porto Macedo Jr.

Platão (c. 428/427847/348 a.C.], dis-


cipulo de Sócrates e mestre de Aristóteles.
foi provavelmente o filósofo antigo que mais
influenciou o pensamento ocidental, tratando
de questões que serão retomadas por toda a
tradição filosófica posterior.

VIDA

Platão nasceu em Atenas, de uma família


aristocrática: seu pai afirmava descender do
último rei de Atenas e sua mãe era a neta de
um certo Critias, parente de Solon. Com 20
anos, Platão íuntou-se ao circulo de amigos
de Sócrates, com quem manteve uma convi-
vência intensa por oito anos, até este ser condenadoà morte. Três diálogos — Apologia, Críton e
Fédori — descrevem os últimos instantesda vida de Sócrates, de sua defesa perante o Tribunal

no momento de sua morte, A sentença de morte recebida por Sócrates conduziu Platão a
certeza de que a maioria das formas de governo eram condenáveis, fossem democráticas
ou oligárquicas. Entre a morte de seu mestre (399 a.C.) e a fundação da Academia (387 aC,]
passaram—se doze anos, um periodo sobre o qual não há muitas informações sobre a vida
do filósofo, Sabe—se que ele viajou à Magna Grécia, onde conheceu o pitagórico Arquitas de
Tarentole travou contato com a filosofia eleata. Aos quarenta anos, em 388 a.C., realizou
sua primeira incursão na política, viajando para a Sicília, onde o tirano Dionísio de Siracusa
pretendia formar um governo “filosófico", Ali conheceu um de seus principais amigos, Dion,
cunhado de Dionisio, Platão, entretanto, fez fortes críticas ao luxo, a licenciosidade e à
própria natureza do regime de Dionísio [Carta Vil]. Retomando à Grécia, fundou a Academia,
para dedicar—se a filosofia e a formação educacional. Platão voltou a Sicília ainda mais duas
vezes, em 367 e 361 a.C., na esperança de ver no poder um "rei-filósofo”, nos moldes da
República, mas ambas as incursões foram fracassadas — em 36I a.C.. Platão viu seu amigo
Dion, que conspirava contra Dionísio ii, fundar uma ditadura em Siracusa e acabar assas-
sinado por Calipos, também ele um frequentador do círculo platônico. A Academia, nome
dado a Escola de Platão. foi a primeira instituição de ensino de filosofia da história. Ficava
num local dedicado ao herói Academos [daí o seu nome], um bosque a noroeste de Atenas.
No centro havia um ginásio e, ao lado, um alojamento para estudantes. O local compreen-
dia salas de aula, uma sala reservada às Musas e uma biblioteca. Havia provavelmente um
sistema no qual os alunos mais adiantados eram encarregados de uma parte do ensino.
Aristóteles frequentou essa instituição por vinte anos, O objetivo da Academia era preparar
uma elite de iovens, mediante uma formação científica e filosófica, para o governo da cidade.
Eram ensinadas Matemática, Astronomia. Medicina, Retórica e Dialética. AAcademia foi um
ambiente altamente fértil, marcado pela discussão e pelo ensino, em franca rivalidade com
a instituição de ensino “oficial" de Atenas, fundada pelo orador lsócrates, que também se
O paradigma platônico 101

propunha como tarefa a educação da juventude ateniense. Vários ex-alunos da Academia


fundaram Estados nos moldes propostos por Platão. O filósofo morreu aos oitenta anos,
por volta de 347 ou 348 a.C. AAcademia sobreviveria até o ano de 529 d.C.

OBRA
Platão é um dos poucos filósofos da Antiguidade cuja obra chegou praticamente inteira
até nós. Há, entretanto, controvérsias sobre a autoria de vários dos diálogos a ele atribuídos
(Segundo Alcebíades, Clatofari, Epinomis, entre outros).

Períºdo de iuventude
— Hipias Menor, Íon, anues, Cármides, Pralúgoms, Emi/rante, Hípías Maior, Apolagía de Sócrates
e Críton.
Caracterizam—se por terem sido escritos pouco antes ou depois da morte de Sócrates.
Procedem segundo o método critico de exame das falsas crenças, sendo aporéticos.

Diálºgos de transição
— Gárgias, Mirian, Eutidemo, Lisias, Menexeno, Crátilo.
São contemporâneos da fundação da Academia. Neles começam a surgir os temas
propriamente platônicos, como o conhecimento por reminiscência e a exemplaridade da
matemática,

DiâIogus de maturidade
— Fédan, República, Banquete e Fedro.

Surge o núcleo duro do pensamento platônico, que contém as teses da imortalidade


da alma e suas características, dos princípios do bom Estado e dos meios de atingir o co—
nhecimento das Formas.

Díáluyos de velhice
— Teeteto, Parmênides, Sofism, Político, Timeu, Crítius,,Fílebo, Leis e Carta Vil.

Aparecem as criticas às concepções de Heráclito e de Protágoras, a ontologia das For»


mas e uma reforma teórica do eleatisrno. Aparece também um esboço de física e uma nova
'
teoria do Estado.

Nos Diâlugos, Sócrates aparece inicialmente como o personagem central que conduz o
diálogo, Há, porém, uma perda progressiva de imponência de sua figura, até chegarmos ao
Sofisma e ao Palítím, em que o “Estrangeiro de Elêia" domina a discussão, e às Leis, em que

o “Ateniense” é o personagem principal, e Sócrates está finalmente ausente. Os Diálogos


chegaram até nós, praticamente intactos, por obra dos copistas platônicos bizantinos, mas
será apenas no século XV, com Marcilio Ficino, que se terá a primeira edição do coniunto da
obra de Platão no Ocidente. A edição padrão, praticamente definitiva, e a de Stephanus, do
século XVI, com a paginação que ainda utilizamos hoie: número da página, número da coluna,
número da linha (por exemplo: 439e designa a quinta coluna da página 439).
102 Curso de filosofia política ' Ronaldo Porto Macedo Jr.

verdadeiras e os objetos que lhes corres— nenhum ato virtuoso, deve dar conta de
pondem. Na Apºlogia, Sócrates descreve todos os atos virtuosos e de todas as pes—
a tarefa que lhe havia sido colocada pelo soas virtuosas, e não deixar nenhuma fora.
Oráculo de Delfos numa consulta. Este o Deve, além disso, justiãcar racionalmente
havia descrito como o mais sábio dos ho- qualquer juízo ou ato emitido ou praticado
mens. Platão relata que Sócrates concluiu conforme esse saber.
que, de fato, era o mais sábio dos homens A tarefa, portanto, é a mesma de Só—
porque sairia que não sabia, ao passo que crates: busca da explicitação das definições.
os demais acreditam saber, quando na
Não bastam, para tanto, nem definições
verdade nada sabiam. A tarefa de Sócrates,
nominais, nem definições por ostensâo.
após essa declaração do Oráculo de Delfos, As primeiras apenas estipulam um nome
passa a ser a de testar o conhecimento dos
para determinado tipo de objeto ou predi—
que pretendem conhecer mas, realmente,
cado, e são inteiramente arbitrárias. Já as
não conhecem.
segundas apenas exibem exemplos daquele
Ora, esse teste do conhecimento dos
tipo de objeto ou propriedade, não dizem
que afirmavam conhecer exigia a prévia a que tal tipo de objeto ou propriedade e'.
enunciação de definições dos objetos O que se busca não são exemplos, mas o
conhecidos. Assim, no diálogo de mesmo
prºprio belo, o Própria justo, isto é, a ca-
nome, Mênon afirma saber com certeza o racterística genérica presente em todas as
que é a virtude, aliás já tendo feito va'rios coisas assim caracterizadas. A palavra “o
discursos sobre ela. No entanto, bastam
próprio”, que aponta para a propriedade
alguns instantes submetido ao elena/ru:
em geral, não para um ou outro exemplo
socrático para revelar—se incapaz de ofe-
particular, e' um conceito operatório pre—
recer uma dehnição adequada sobre ela.
A questão “o que e' X?” conduz Platão sente na obra de Platão e que, em grego,
é designado pela palavra to autón. A essa
paulatinamente àquela mais fundamental,
“como você sabe o que é X?” Responder, propriedade comum que caracteriza “a
de modo geral, a esta última questão justiça”, “a virtude”, “a identidade" etc. de
determinadas coisas Platão chama seu tidas
pressupõe a elaboração de uma teoria do
— sua Forma, ou sua essência. Isso vale
conhecimento, que permita expor quais os para
todas as realidades, matemáticas, praticas
tipos de conhecimento, seus graus e, mais
hindamentalmente, se e como podemos ou morais. A definição deve, portanto,
conhecer adequadamente o que quer que poder ser juszrfaível e descrever realmente
seja. Ora, sendo assim, o verdadeiro saber seu objeto, exibindo a explicação formal
deve ter pelo menos duas características: de suas características.
compreensão unificada dos fenômenos Com esse esforço de rejeitar exemplos
ao qual se aplica e fornecimento de uma concretas e solicitar a definição da caracte—
explicação racional dos atos inspirados por rística comum a eles, Platão introduz uma
ele e dos juízos a ele referentes. Um conhe- distinção que fará fortuna a partir daí: a di—
cimento sobre a virtude não deve excluir ferença entre a realidade e a aparência. Os
O paradigma platônico 103

exemplos, sob as quais as formas


se manifestam, distinguem—se
das próprias formas. São meros
exemplares imperfeitos, meros
simulacros, aparências dos ver—
dadeiros padrões que tentam co—
piar. Trata—se, assim, para Platão, Nesta gravura
de desviar-se do conhecimento medieval do
século XI], são
sensível e focalizar a atenção não
retratados mestre
nos exemplos concretos, mas nas e discípulo,
próprias essências desses objetos, Sócrates e Platão,
as Formas, que constituem um
mundo de padrões imutáveis ao
lado do mundo sensível. Assim,
para além da aparência de cida: e'
preciso encontrar oprópn'a Eidºs.
E para tanto, e' preciso empregar
um procedimento de crítica e de elimina—
ção das falsas aparências e pretensões de
conhecimento que o próprio Sócrates já A dialética, portanto, é o principal
praticara: a dialética. instrumento de análise e de crítica do
conhecimento. Na sua forma de elenrbas,
ela consistirá, então, na tentativa de con—
4 Dialética: Elenchos e Maiêutica frontar (e eventualmente rejeitar) uma tese
adversária que exprime uma crença com
Há duas formas de dialética em Platão: outras crenças que este interlocutor está
elena/mr, um procedimento essencialmente disposto a admitir e não pode abrir mão.
refutativo, e a maíêutim, que consiste em Esse procedimento e' essencialmente refu—
auxiliar o interlocutor a externar uma idéia tativo. Mas e' um procedimentoimpotente
(eventualmente verdadeira, eventualmente para determinar o que é, por exemplo, a
falsa). Tal como em Sócrates, a dialética não virtude ou a justiça 7 serve para determinar
se confunde, de um lado, com a retórica, o que elas n㺠sãº, para aproximar—se delas,
que visa encantar o interlocutor e seduzi-lo para fazer com que venham à tona, mas
na direção de determinada tese, nem com não para atingi-las. É por isso, por exem—
os procedimentos erísticos da sofística, cujo plo, que o Mêmm e' um diálogo aporético,
objetivo e' vencer o interlocutor deixando— pois nada garante que o interlocutor, uma
o embaraçado com pseudoparadoxos. A vez que se tenha liberto das falsas crenças,
dialética visa obter uma concordância, uma venha a conseguir ºlhar para a crença
hamalagm entre os dois debatedores, que verdadeira. Note—se, além disso, que nesse
deverão concordar ao Enel. procedimento, para honestamente pro-
104 Curso de filosofia política º Ronaldo Porto Macedo Jr.

duzir um ganho cognitivo, o interlocutor 5 Conhecimento e Reminiscência


deve estar envolvido, arriscando rua: reais
No Mênan aparece pela primeira vez
crenças no debate dialógico, não crenças
fictícias que Engc serem Suªs. a matemática como modelo exemplar de
conhecimento e, ao seu lado, a tese da
Esse procedimento acompanha o pla- reminiscência. A partir de agora, Platão
tonismo ate' os últimos diálogos, como associa a aquisição de conhecimento ao
o Fileba e o Estero. ]á a maíêutím pode
processo de rememoração. A idéia decor—
ser definida como um auxílio para que o re da solução do chamado “problema da
interlocutor dê a luz às suas crenças, teses pesquisa”: para buscar algo, é preciso saber
ou juízos. Consiste, assim, essencialmente 0 que se está buscando, portanto, ou a
em tamarprecisaras teses adversárias, para pesquisa e' inútil, ou nunca se consegue
poder, então, passar a testa-las. As dores da descobrir o que se quer. Para solucionar a
tentativa de encontrar a verdade são com- dificuldade, Platão introduz a hipótese de
paradas às dores do parto, para chegar a ver que já nos teríamos familiarizado com os
a verdadeira Forma. Há, pois, no interlocu- objetos do nosso conhecimento, que teria—
tor, tanto falsas crenças como crenças ver— mos tido contato com eles no passado (em
dadeiras, que precisam, todas, vir à luz para outras vidas) ou no Hades, o mundo extra—
serem testadas. Dai decorre o inatismo que sensivel em que as Formas seriam vistas
paulatinamente será elaborado ao longo pelo entendimento, mas logo em seguida
do desenvolvimento da Hlosoha de Platão. esquecidas. A aprendizagem seria, assim,
Enquanto para & Sofistica a alma era um rememoração daquilo que foi esquecido, e
O ato de aprender corresponderia ao esfor—
receptáculo que devia receber crenças, por
ço de lembrança necessario para conduzir
ação de um discurso eficaz para produzir a
de novo a consciência o conhecimento que
persuasão do ouvinte, no contexto platôni-
a alma possui e de que esqueceu, A prova
co elajzípamtí crenças verdadeiras, embora
dessa hipótese é dada, no Mênan, pela
misturadas com crenças falsas. O esforço,
demonstração da incomensurabilidade
portanto, do interlocutor não e' persuadir, da diagonal por um escravo. Apesar de
mas auxiliar o parceiro a livrar-se das falsas nunca ter aprendido matemática, o escravo
crenças na esperança de que esse consiga consegue chegar, com a ajuda de Sócrates,
ver a verdade, após um trabalho de limpe— a demonstração desse teorema, provando
za. A dialética, portanto, deve conduzir a que, na verdade, apenas se lembrou do que
uma explicação unificada e a urna apreensão já sabia e tinha esquecido.
direta do objeto que ela pretende obter.
Assim, o conhecimento a que se che—
É, aqui como em Sócrates, uma técnica.
garia através da reminiscência seria inde—
Mas esse modelo do conhecimento ainda é pendente da experiência e dela prescindiria
rudimentar e deve ser complementadopor inteiramente. Essa seria apenas a ocasião
outro descrito tanto na República como, para estimular a memória de algo já sabi—
sobretudo, no Deleta. do. O mundo sensível, portanto, apenas
O paradigma platônico 105

suscitada a rememoração. Por exemplo, a possível do mundo sensível, no sentido


idéia de igualdade (duas coisas iguais uma à forte da palavra conhecimento. Aqui, há
outra) nuncapode surgir do mundo da ex— apenas, na melhor das hipóteses, Proba—
periência, visto que nela nunca duas coisas bilidade, não conhecimento, cujo modelo
são absolutamente iguais. Se ela não pode só pode ser encontrado nas ciências puras,
ser extraída da experiência, deveria ter sido matemática, geometria, moral etc., luga—
obtida de uma maneira não mperimmial. res em que não há espaço para a dúvida
Portanto, é preciso termos conhecido a ou para a modihcação de uma crença. O
Forma do Igual antes de termos nascido, “conhecimento” meramente provável que
e, assim, antes de termos visto uma rela— podemos ter acerca do mundo sensível
ção empírica de igualdade. Para perceber não é, comparado a esses terrenos, conhe—
a igualdade (e a desigualdade) no mundo cimento. O platonismo, desse ponto de
sensível é preciso, pois, ter obtido esse PE- vista, é de certo modo uma matematização
drão de medida ou de cºmparação antes da da politica e da moral, na medida em que
experiência. A sensação, assim, é requisito a exemplaridade da matemática levará a
mínimo para o disparo da lembrança, nada vê—las como ciências ideais.

mais do que isso. No Hetero a questão da natureza do


conhecimento se tornará mais complexa.
Nesse diálogo, são apresentadas e rejeita—
6 Sensação, Opinião Verdadeira e das três definições do conhecimento, que
Conhecimento no Teeteto se mostram insatisfatórias. A primeira
delas é que o conhecimento seja idêntico
Sabemos que podemos ter crenças a sensação, tese defendida pela sofistica
verdadeiras e que, ainda assim, não são e particularmente por Protágoras. Mas a
justificadas. No Mênan (97e-98a) Platão sensação não pode ser conhecimento, pois
parece defender a idéia de que o conhe— este deve durar, permanecer ao longo do
cimento seria uma crença verdadeira tempo, não ser ora verdadeiro, ora falso,
dotada de justihcação. Seria preciso, para característica das meras opiniões, que
terminar com a instabilidade da crença ora vêm, ora vão. Sensações e impressões
(ainda que verdadeira), apoia—la num subjetivas variam, não são fixas, não são
raciocínio explicativo. Assim, com a ela— imutáveis, o que prova que, no máximo,
boração dessa ligação entre a crença e sua podem ser alçadas a opiniões, nunca a co—
justificação, estariamos apenas suscitando nhecimento,Além disso, se conhecimento
a reminiscência daquele conhecimento. A for o que alguém está sentindo ou “tendo
fundamentação de uma crença verdadeira a impressão” de ser verdadeiro, todos os
é, assim, apenas um processo de rememo— que negarem essa tese estarão, ao mesmo
ração daquela crença como conhecimento. tempo, dizendo a verdade, pois não estarão
Mas e' preciso salientar um ponto crucial tendo a impressão de que é verdadeira, 0
aqui. Desde os primeiros diálogos até a que nos conduz ao paradoxo de que a tese
República e o Timm, não há conhecimento é verdadeira mesmo para os que afirmam
106 Curso de filosofia política - Ronaldo Porto Macedo Jr.

que é falsa. E finalmente, propriedades há conhe—


é preciso insistir nisso, que não
comuns aos objetos sensíveis, como exis— cimento (no sentido forte da palavra) dos
tência, semelhança, diferença, igualdade objetos e eventos do mundo sensível, mas
etc., não possuem órgãos próprios para apenas daqueles ideais que “obtemos”
serem percebidas 7 são “percebidas” pela ou adquirimos através da tememoração.
atividade da alma, não pelos sentidos. Assim, só objetos rememºradar são objetos
Conhecimento, portanto, não pode ser do conhecimento. E isso somente quando
sensação, nem sensação, conhecimento. são integrados numa totalidade de relações
A segunda hipótese, de que conheci— com outros objetos (numa synopris, uma
mento seja apenas uma crença verdadeira, “visão de conjunto”). Dai os requisitos
mostratasefa' igualmente insatisfatória. O fundamentais do conhecimento a que esse
que fazer com um júri que chegue a um diálogo chega: ser verdadeiro e, mais do
juízo verdadeiro sobre o autor de um cri- que isso, termos, dele, um acesso imediato
me, mas sem que tenha testemunhada esse (pela via da rememoraçâo), não pela via
crime? Tem ele conhecimenta ou apenas indireta da experiência. A faculdade capaz
de “enxergar”, com os “olhos da alma”,
uma conjectura feliz? Conjecturas felizes,
tais objetos ao final do processo de reme—
desacompanhadas de alguma forma de
fundamentação que as solidifique e im— moração, Platão da o nome de naus, que
peça que se modiâquem, podem ate' ser
podemos traduzir por “intelecto”.
verdadeiras. Mas o conhecimento exige
algo mais que um mero palpite verda—
7 Origem da “Hipótese” das
deiro. Finalmente, a última alternativa
Formas
apresentada e' que seja crença verdadeira
justiEcada. Entretanto, Sócrates, nesse diá—
Tradicionalmente, considera—se que
logo, mostrará que não basta acrescentar
Platão teria sustentado que apenas o
uma justificação a uma crença para que
mundo das Formas seria real, enquanto
se torne conhecimento. Podemos ter uma
que o mundo sensível não teria qualquer
crença verdadeira e mesmo justificada,
estatuto ontológico e seria dependente da
mas ainda assim não ser conhecimento.
realidade das Formas para existir. Ele seria
É preciso, primeiro, que o objeto dessa uma pálida imitação do mundo inteligível,
crença seja determinadanatureza, o que
de
ele sim, verdadeiramente real. Entretanto,
nos leva a uma distinção entre dominios
essa teoria só aparece num determinado
distintos de objetos, para alguns podendo
período da obra de Platão — nos diálogos
haver conhecimento, para outros, não. de maturidade como o Banquete, Fedrº e
Além disso, não é qualquer justificação de
República — e, embora não seja propria-
uma crença que permite dizer que estamos mente abandonada a seguir, deixa de ser
diante de conhecimento.
um tema central dos diálogos posteriores.
O Feitio e ainda um esboço da teoria No Parmênides, em particular, Platão chega
do conhecimentode Platão. Ele considera, a apresentar uma série de objeções à teoria
O paradigma platônico 107

das Formas, parecendo admiti—la apenas as propriedades que identificam os objetos


a titulo de melhor meio para tornar coe— são imutáveis — ainda que sua presença
rentes algumas teses filosóficas a respeito ou ausência nos objetos possa variar ao
da teoria da definição e do procedimento longo do tempo —, não podem pertencer
dialético de ascensão ao conhecimento. ao espaço da mutabilidade por excelência,
A principal propriedade das Formas, ao mundo empírico.
o fato de serem objetos não empíricos, Quais os objetos do mundo sensível
decorre do fato de serem concebidas para que participariam das Formas? Podemos
desempenharem o papel de padrão imu- dizer que todo e qualquer objeto possui ou
tável de medida. Fossem elas empíricas, participa de alguma Forma? A resposta irá
estariam sujeitas à geração e corrupção, variar conforme a obra de Platão examina—
teriam propriedades contrárias ao longo da e conforme a fase de seu pensamento. A
do tempo e, assim, não poderia haver princípio, as propriedades morais — virtu-
nenhuma espécie de conhecimento pro- de, bem, justiça etc. — não variam e podem
priamente dito. Mais uma vez, no máximo ser, sem maior discussão, entendidas como
as aparências sensiveis poderão induzir a Formas. Platão, na República, estende essa
reflexão, ao processo de ascese intelectual lista para as realidades morais negativas (0
na sua direção, através da contradição entre que será objeto das críticas de Aristóteles):
os diversos dados que atingem os nossos mal, injustiça, feiúra etc. também seriam
sentidos. Essas aparências contraditórias Formas. No Fédm, mais uma ampliação:
produziriatn perplexidade e embaraço, e Platão as aplica às propriedades naturais
suscitariam a busca do conhecimento de (neve, fogo) e no Timm chega inclusive
entidades que não seriam sujeitas a mudan— a admitir a existência de uma Forma dos
ça e a contradição (Féa'an 66d). Dai duas elementos (terra, ar, água, fogo), e mesmo,
caracterizações diferentes sobre as Formas. na República, de Formas artificiais. No Parr
A primeira e' que elas servem de unidade mênia'er, porém, Platão parece dar-se conta
inteligível que servem de fundamento para de que a postulação de Formas, dotadas
as múltiplas realidades que partilham um de existência separada, para as substâncias
mesmo denominador comum 7 a Beleza naturais não só não explica o que são essas
das coisas belas, a justiça dos atos justos substâncias, mas sobretudo não permite
etc. Elas corresponderiam àquilo que está dar conta de suas alterações fisicas, nem
presente numa classe de objetos e que per— auxilia a conhece—las.
mite identinca—los por uma característica
comum. A segunda é o fato de que ela
consiste numa realidade isenta de contra— 8 Formas e Mundo Sensível
dições, sempre a mesma, padrao imutável
e consistente de medida. Não fosse assim, Embora formas e mundo sensivel es—
uma propriedade teria certas características tejam separados em Platão, pertencendo
num momento e, no momento seguinte, a dois mundos totalmente opostos, estão
as perderia e passaria a seu oposto. Como relacionados entre si simetricamente. Daí
108 Curso de filosofia política - Ronaldo Porto Macedo Jr,

duas relações possíveis que os dois mundos dificuldades, entre elas o célebre argu—
podem manter entre si: a participação ou mento do terceiro homem em Metafísica
a semelhança. A, de Aristóteles. Pois para dizer que este
A participaç㺠explicaria a existência da homem assemelha—se a Forma do Homem
coisa sensível. Visto que a única realidade é preciso uma relação de semelhança. Por
efetiva são as Formas, as coisas do mundo sua vez, a relação de semelhança deve ser
sensivel só existem porque participam semelhante a Forma da Relação de Seme—
(tomam parte, são parte) das Formas. lhança. Mas então é preciso introduzir
Platão inverte, assim, a visão comum uma nova relação de semelhança entre a
do mundo material como existente e do relação de semelhança e sua Forma, que
mundo inteligível como dependente deste: deve ser a relação de semelhança da relação
o que realmmte existe são as Formas, e o de semelhança e sua Forma etc. Ou seja,
mundo sensível só subsiste por causa de sua é precisointroduzir um terceiro homem a
participação nelas. que o homem sensível e a Forma do ho—
A relação de semelhança explicaria mem se assemelhariam, e um quarto, e um
por que o mundo sensível e como ele e', quinto, e assim ao inhnito, o que demoliria
e como podemos saber que ele possui tais a própria relação de semelhança.
propriedades — a resposta seria: porque Ontologicamente, as Formas e o mun—
assemelha—re as Formas. As coisas deste do sensivel foram articulados através de um
mundo comportam—se, com muita imper— esquema geométrico descrito no livro VI
feição, desta ou daquela maneira porque da Repúàlíaz. Ali, Platão introduz quatro
procuram imitar as Formas, assemelhando— níveis de conhecimento e de realidade no
se a elas. Essa resposta suscitou inúmeras mundo:

Quadro 4.1 Formas de conhecimentoem Platão.

Setor ontológico Mundo Sensível Mundo Inteligível

Oãjetos de Seres naturais e hipoteses Obletos ideais


conhecimento
. Imagens Cientificas e
obletos fabricados
. .

(Formas)
teoremas

Forma de Eikasia (mera Pislis (crença Diánaia (ex


Nºgª” “(Relªçãº
.
conhecimento .
conjectura) ,
provavel) hypothesz)
. entendimento,
,
demonstração)

No Timm, Platão procurará organizar tiria a matematização do mundo material,


o sistema Formas-mundo sensível num Visto que a matéria permanentemente
todo mais coeso, introduzindo a hipótese tenderia a copiar (por ação do demiurgo)
do dfmímga que sistematicamente copia as o mundo das Formas, suas proporções
Formas numa matéria informe. Isso permi- etc. Platão também relativiza, ali, a tese
O paradigma platônico 109

de que não pode haver conhecimento colorido político. A dialética socrática tem
sensível. Conhecimentopropriamente dito por objetivo melhorar a alma, permitindo
seguraJnente não, mas na medida em que aos interlocutores alçar—se a atores morais
o mundo sensivel tenta copiar a estrutura conscientes. Assim, a excelência da alma
ideal das Formas, pode—se dizer que há dependerá do conhecimento. Este, por
um conhecimento sensível caracterizado sua vez, proporciona autonomia moral ao
pela probabilidade e por uma estabilidade, indivíduo, o que traz consigo consequên-
ainda que precária. cias imediatamente políticas. O objeto da
politica passa a ser, então, proporcionar aos
indivíduos meios para ganharem qualidade
9 Platão e a Filosofia Política moral. Donde a necessidade de estabelecer
um governo que procure não enriquecer
Platão foi o primeiro pensador oci- a cidade, mas torna—la melhor, colocando
dental a elaborar uma filosofia política a persuasão racional como fundamento
sistemática.. Dotado de uma teoria política, do consenso político. Ao se fazer isso, ai—
de uma teoria da justiça e de uma análise cança—se um Estado justa. Essa concepção
da justiça nas instituições políticas, o “científica” da política não deve ter dei-
pensamento platônico pôde, com isso, xado de chocar os concidadãos de Platão
formular um padrão de medida para aferir (e Sócrates), numa Atenas democratica,
o valor moral das instituições e propor acostumada não a persuasão racional, mas
uma reforma institucional conforme seu ao preenchimento das magistraturas por
modelo. Sua filosofia política supunha a sorteio e por designação por maioria na
transformação completa do modo de ser Assembléia. Para Platão, rais instituições,
do homem, numa radical reforma da vida em particular o debate público institucio—
social. Ao lado de um uso sistemático nalizado, se não estiverem a serviço do bem
de sua teoria das formas, agora aplicada político — ao qual se pode aceder apenas
ao terreno politico, temos como ponto pela via da dialética —, não terão em vista
de partida da análise de Platão a tese de o bem da cidade, mas apenas perseguir o
que a corrupção das instituições políticas prazer dos cidadãos, inclinados a serem
correspondem e são efeitos dos vícios e seduzidos pela retórica, que constitui o
das paixões dos indivíduos. Assim, a única avesso da boa linguagem política.
saída para uma reforma da vida política é No Crítan, por exemplo, o principal
a reforma dos próprios seres humanos (ou
personagem do diálogo (Críton) tenta
de pelo menos uma parte deles). persuadir Sócrates, às vésperas da execu-
já nas obras marcadas pela morte recen- ção de sua condenação a morte, a fugir.
te Sócrates — notadamente na Apologia e
de Sócrates concorda, sob a condição de que
no Górgias —, Platão se esforça por formular se examine racionalmente o sentido dessa
o contorno de uma âlosofla política. Nes— proposta. A cidade de Atenas o havia
sas obras, a atividade socrática de interpela— condenado à morte. Fugir seria contrariar
ção pública de seus concidadãos ganha um uma decisão judicial e, assim, contrariar a
110 Curso de filosofia política ' Ronaldo Porto Macedo Jt.

própria lei ateniense. Mas respeitar as leis A tese geral subjacente ao Crímn, à
atenienses é manter o engajamento Civico Apolºgia e ao Gárgias consiste em que a
com sua cidade—mãe. Violar os deveres de finalidade da cidade deve consistir na me-
respeito para com as leis da comunidade é lhoria da alma dos cidadãos, proporcionar-
a mesma coisa, diz Sócrates, que um filho lhes autonomia moral. A filosofia política
violar seus deveres para com os país. Assim, posterior de Platão, a começar com a REA
não existe nenhum direito a desobediência pública, irá afastar—se desse pressuposto de
civil diante de uma lei injusta, já que a base. Embora a finalidade das instituições
decisão pela fuga seria, ela própria, ainda políticas continue consistindo na melhoria
mais injusta do que optar por aceitar seu moral dos cidadãos, não se chegará a ela
cumprimento. Após o exame racional da pela autonomia moral, a qual todos os
proposta de Criton — cuja afeição pelo ami— indivíduos podem aceder pela persuasão
go, porém, não permitirá que ele aquiesça racional. Agora, será por meios estrita—
com essa decisão —, Sócrates decide ficar e mente políticor — uma nova configuração
permitir que lhe seja executada a pena. O institucional, a organização da sociedade, a
Críton apresenta, assim, uma concepção do coerção pela força, e até mesmo a “mentira
poder como “consentimento tácito" que em nome dos interesses do Estado” 7 que
marcará a história da filosofia politica. se atingira a justiça na cidade,
Essa posição de Sócrates, porém, não A República é a primeira obra de filoso-
implica uma adesão incondicional aos fia politica da tradição ocidental. Trata—se
comandos do Estado. Na Apologia, Sócra— de uma das obras mais importantes da
tes pede que seus juizes não o condenem filosofia de modo geral, nela estando esbo-
à morte, visto que, já velho, não deveria çadas uma teoria do conhecimento, uma
viver muito tempo. No entanto, Sócrates teoria da justiça, um critério de avaliação
deixa claro, em seguida, que se o preço a das instituições politicas conjuntamente a
pagar por essa comutação da pena for a um projeto de sociedade ideal, uma das
proibição do exercício público e racional sificação dos regimes politicos conforme
da crítica, então terá de desobedecer. Os sua maior proximidade ao regime ideal e
deveres de um indivíduo para com sua ate' mesmo uma filosofia do direito, com
comunidade, diz ele ali, param no exato considerações sobre o papel das normas
momento em que as determinações estatais jurídicas e as raízes de sua eficácia.
correm o risco de comprometer a alma O livro I da Pºlítica apresenta uma
do indivíduo. Essa é a única exceção ao critica às concepções convencionalistas
dever de obediência, mesmo se a decisão da justiça, defendidas fundamentalmente
for injusta — pois recusar-se a cumpri-la pela sofistica (ali representadas por um dos
seria ainda pior. Responder injustiça com
51
interlocutores de Sócrates:Trasímaco). Para
mais injustiçanunca será algo justo e nada essa doutrina, as boas ações que os homens
é mais injusto do que prejudicar os seres praticam considerando«as justas não visam
que nos protegeram até aqui. ao bem—estar de sua alma, mas têm por
O paradigma platônico 111

objetivo exclusivamente garantir a boa os produtores. A cidade “perfeita” diante


fama daqueles que as executam. A justiça, dessas condicionantes será aquela em que
portanto, não seriaútil para quem a executa cada indivíduo se dedica exclusivamente

que sempre sairia em desvantagem, ja que à atividade que lhe é mais apropriada.
poderia haver feito o que lhe beneficiada Mas essa perfeição, diz Platão, não e'
— mas
apenas aqueles que a recebem. ]us— ainda propriamente politica, pois ela não
tiça portanto, a satisfação do mais forte,
é, pressupõe nem educação nem governo e a
define Trasímaco ali, e como o grupo e' justiça que é encontrada nessa comunidade
capaz de impor ao indivíduo uma norma não decorre de uma virtude propriamente
de conduta, justa sera a ação de conformi— política. As cidades reais, diz Sócrates,
dade a ela. Mas se o indivíduo, pelo uso da são, porém, bem mais complexas, e não
retórica, for capaz de conduzir a massa na há continuidade entre a cidade que existe
direção que lhe aprouver, ele se tornará mais para satisfazer às necessidades individuais
forte do que todos, e suas ações serão justas mais imediatas e as cidades que as substi—
— mais justas até tuem. A bem da verdade, as duas formas
que as da massa.
são até mesmo opostas: enquanto numa
O livro IL porém, desloca & questão da
existe apenas troca mercantil, na outra há
justiça, sugerindo que ela seja considerada
acumulação de riquezas; enquanto uma
como qualidade das instituições. É mais fa-
está sempre em paz, a outra esta sempre
cil, diz Sócrates ali, ver justiça ou injustiça
em guerra. Ora, é justamente por conta
numa sociedade do que nas ações de um de uma cidade que compreende uma
indivíduo. Apesar disso, justiça das ações
multiplicidade anarquica de funções que
individuais e justiça social têm a mesma
Platão sugere que se institua uma classe de
natureza: virtudes, vícios, paixões e desejos
“guardiães” encarregados da defesa externa
político: têm a mesma natureza das virtudes da cidade (um “corpo militar”, inexistente
e vícios prímzdor. Ora, sendo assim, e' possí—
na Atenas democrática, onde todos os cida—
vel imaginar uma reforma radical da alma dãos tinham o dever de defende—la).
humana mediante uma educação conduzida
Com isso, Platão considera que é possível
com cuidado pelo Estado. O resultado será, restabelecer o principio da justiça política,
essa é a aposta, a produção social de bons
que consiste fundamentalmente na contri-
cidadãos. Mas para chegar a essa conclusão,
buição que cada um aporta para a cidade na
Platão precisará investigar previamente a
medida em que realiza a tarefa para a qual
gênese racional da cidade, condição prévia foi feito e se contenta com seu devido lugar
de um exame da formação da justiça.
na ordem social. Os guardiães serão sele—
A origem das primeiras comunidades, cionados, portanto, conforme seus talentos
diz Platão, decorre da impotência em que naturais para a defesa da cidade. Casamentos
o indivíduo se encontra de bastar—se a si serão organizados entre eles de modo que
mesmo. As necessidades naturais de ali- os mais aptos se reproduzam, tal como se
mentação, moradia e vestimentas fazem faz, diz Sócrates, com os animais de melhor
com que surja a associação e a troca entre qualidade. Finalmente, eles terão um modo
112 Curso de filosofia política ' Ronaldo Porto Macedo Jr.

de vida destinado a evitar qualquer risco de compõem a cidade


As três classes que
alteração de sua natureza privilegiada— evitar correspondem, segundo os livros IV e
qualquer corrupção de suas almas —, não V da República, a preponderância, nos
devendo ter nenhuma outra propriedade indivíduos, de uma das três partes da
exceto a de seus corpos (não terão bens, alma. Os governantes, que correspondem
casa, famílias, thos). As guardiãs (pois não a uma minoria dentro dos guardiães, são
haverá, para Platão, distinção de sexos na submetidos a uma educação destinada
escolha dos guardiães) deverão desempenhar
a fazer com que se tornem filósofos, em
suas funções de acordo com sua força física. virtude da preponderância neles existente
As crianças que daí nascerem deverão ser da parte racional da alma, que os torna
criadas pela cidade, serão “51h05 públicos”, e
destinados a comandar. O restante dos
as palavras pai e mãe serão utilizadas por elas
guardiães forma uma classe que correspon—
indistintamente para quaisquer guardiães de ao domínio da parte irascivel da alma,
de mesma geração já que, afinal, não lhes
a parte “afetiva”, “emocional”, localizada
será revelado quem teriam sido seus pais
no coração e marcada fundamentalmente
biológicos. É nisso que consiste o chamado
pela virtude da coragem. Essa classe deve ser
“comunismo” platônico, um “comunismo
instruída pela harmonia e pelo ritmo, duas
de elite”, caracterizando () modo de vida
das disciplinas que compõem a música,
dos guardiães. Além da classe dos guardiães
além de exercícios físicos em conjunto. A
haverá aquela dos comerciantes, artesãos e
terceira classe da cidade, o povo, formado
lavradores, sobre as quais a República pouco
de artesãos, trabalhadores, lavradores e
se estende.
demais executores de trabalhos braçais,
A Repúólim apresenta, pois, um pro—
relaciona—se à terceira e última parte da
grama de reforma política que leva ao alma, a alma “apetitiva”, relacionada a
extremo a abolição entre as fronteiras do
satisfação imediata dos desejos.
público e do privado. Aristóteles criticará,
Platão distinguia quatro virtudes car—
na Política, esse programa por sua artincia—
lidade e por desconsiderar inteiramente as deais, fundamentais para a organização da
caracteristicas da natureza humana, que boa alma: sabedoria, coragem, temperança
possui limites para sua plasticidade. Mais e justiça. A sabedoria seria a virtude espe—
ainda, uma vez que se trata de aumentar cífica dos governantes, indivíduos em que
a coesão social, diz Aristóteles, é pouco prepondera a parte racional da alma. A
razoável imaginar que todos os membros coragem, a virtude própria dos guardiães
da coletividade experimentarão da mesma de modo geral, sejam eles governantes
forma esses sentimentos uns em relação aos ou não. A temperança, que corresponde
outros. Com isso, ele crê poder suprimir ao autocontrole do desejo, e' a virtude da
o risco da simis (a guerra civil, a sedição) e classe dos artesãos e camponeses em parti—
eliminar os conflitos entre jovens e velhos, cular, em que prepondera a parte apetitiva
homens e mulheres, guardiães e produtores da alma, mas essa virtude não deve estar
econômicos. ausente das demais classes.
O paradigma platônico 113

Quadro 4.2 As classes da cidade.

Parte da alma Virtude


Classe Função
preponderante
Sabedoria/coragem
Governante Parte racional da alma Governo da cidade
|temperança)
Defesa da Cidªde
Guardião Parte irascível da alma Coragem (temperançal
[classe militar)

Parte apetitiva da
Artesãos e camponeses
alma Produção econômica Temperança

Finalmente, a justiça será não a virtude de autonomia, devendo ser conduzidas,


de uma classe em particular, mas das ins— governadas por aqueles que, embora não
tituições: justa e uma sociedade em que possuindo riquezas materiais, possuem o
cada indivíduo desempenha as funções conhecimento do bem. A idéia por trás é
correspondentes às faculdades com que a que a riqueza perverte o exercício do poder
natureza o dotou. Justa e' a sociedade que e, ao participarem dela, surge o risco de
da a cada classe aquilo que lhe corresponde que os governantes transformem—se em
conforme seu papel natural. Injustiça é tra- bestas selvagens em busca de prazer, não
tar indivíduos desiguais de maneira igual, da realização da virtude.
ou iguais, de modo desigual, conforme No livro VII, Platão expõe sua teoria
esse quadro de critérios de distribuição dos “reis-filósofos”. Os guardiães da Repú-
de poder, honra ou bens. Assim, a justiça blica serão educados para que neles vigore
não corresponderá mais a uma qualidade a temperança, mediante um dirigismo
das ações, mas a uma ordem na cidade que educacional estrito. O objetivo é criar,
corresponde à ordem correta da alma — pre— entre eles, uma moral do comando, de
ponderância da parte racional sobre todas modo a fazer com que os hábitos morais
as demais, de modo que cada parte faça o sejam consistentes com a natureza dos
que ela deve fazer. Mas, para a surpresa do indivíduos que compõem essa classe e com
leitor, a República estabelecerá uma distin- a moção que ela deve desempenhar. Ora,
ção nítida entre aqueles que detêm a pro— os filósofos são destinados particularmente
priedade e os que detêm O poder. A massa ao governo da cidade, na medida em que a
popular composta de artesãos e lavradores contemplação da Forma do bem, fonte de
sera a única possuidora de bens materiais toda verdade e realidade, o conhecimento
e estará isenta de responsabilidade moral, preciso das leis da justiça, da beleza e do
sob o preço de, também, estar isenta de bem, que são as atividades precípuas da
iniciativa política. Por sua vez, somente a filosofia, lhes permitem transformar o
classe dos governantes disporá da ciência mundo real. Platão reconhece aos filósofos,
da virtude e, assim, de autonomia. As de— assim, uma competência que normalmente
mais classes estarão inteiramente privadas lhes (: negada, que ele explica pela formação
114 Curso de filosofia politica ' Ronaldo Porto Macedo Jr.

que receberam. Numa sociedade, porém, a adequação à função natural de cada indi—
em que não há espaço para sua atuação víduo, mas a prevalência da honra. A busca
— como aquela de Atenas —, é natural desenfreada por deter e usufruir riquezas,
que
o filósofo se aparte da vida política, dando por sua vez, levará o regime timocrárico &
origem à imagem de um ser alheio à vida ser substituído pelo regime daqueles que
prática e voltado exclusivamente à busca possuem mais riquezas, o governo dos
de conhecimento. Mas apenas o filósofo,
poucos ricos contra a maioria pobre, ou
consagrado desde sua juventude ao estu- regime oligárquico (de alígar, os “poucos",
do da matemática, formado pelo uso da contra os pallai, os “muitos”). Esse regime,
dialética e familiarizado com a ciência do em que a parte apetitiva da alma coman—
bem, poderá ser o melhor governante. Os da, caracterizasse por distribuir o poder
Elósofos trabalharão na formação da coe—
político e a justiça a partir de um critério
são social, podendo recorrer a persuasão
que leva em consideração exclusivamente
racional, quando for possivel, para justi—
a riqueza individual.
ficar as decisões a tomar, a coação ou até
A crise da oligarquia leva ao regime
mesmo a mentira para o bem geral.
democrático (de demos, o povo), quando
Mas esse governo dos reis-Filósofos
a população se revolta contra os oligarcas
pode entrar em declínio, visto que tudo
e, na medida em que os superam nume»
o que é criado no mundo sensível entra,
ricamente, toma o poder. É o regime
mais cedo ou mais tarde, em corrupção.
que ignora a competência política no seu
A análise desse processo de desagregação
do melhor regime de todos conduz Platão grau mais extremado, tendo como paixão
fundamental a luta pela liberdade e pelo
a apresentar uma teoria da corrupção das
formas de governo, tema que atravessara tratamento igual mesmo daquilo que
não é e não deve ser tratado igualmente.
a filosofia política. A cidade perfeita entra
Mas no momento em que a cidade não
em processo de degeneração no exato
mais suporta a liberdade que escolheu
instante em que os guardiães passam a
desenvolver o gosto pela riqueza. Se os para si e escolhe um protetor, esse indi—
víduo, que agora assume o poder, dará
filósofosgovernantes deixarem de vigiar
origem à última e mais perversa forma
os casamentos, nascerão crianças des«
conformes com a justiça da cidade. Com de regime político: a tirania. Enquanto a
democracia e' a tirania de muitos, a tirania
isso, difunde—se uma falta de igualdade e
correção nas relações sociais, que devem propriamente dita é a tirania de um só.
obedecer ao critério de justiça da cidade No inicio do livro IX da Repúblim, Platão
ideal. No momento em que os guardiães traz à tona as imagens da alma do tirano,
tomam o poder para si, surge o regime escravizada, sempre à mercê do medo e do
timocratico (de tima's, a parte irascivel da apetite, da cobiça e da ira, atormentada
alma, que passa a preponderar naquela por desejos insaciáveis.
sociedade), em que surge uma sociedade Platão, assim, é o primeiro filósofo a
em que o critério de justiça será não mais vincular ética e política, recusando—se,
O paradigma platônico 115

ao mesmo tempo, em ver na politica 7. Explique as duas principais caracte—


0 lugar dos conflitos de interesses e rísticas das Formas.
de opiniões. É o primeiro filósofo, de 8. Qual a relação entre o mundo sensí—
uma tradição que chegará ate' o século vel e as Formas?
XX, a propor uma reforma total das
9. Na obra/1 República de Platão, qual
instituições sociais associada a uma
a tese exposta acerca da reforma polí—
reforma radical da própria natureza
tica?
humana comum. É o primeiro a opor
a política ao saber, conferindo a uma 10. Como se daria a organização inter—
“tecnocracia” o papel de governar, e o na da cidade em termos de classes
primeiro a trazer à tona o problema da com indivíduos designados a partir
da preponderância de uma das três
legitimidade da política, sem temer,
sequer, sugerir que o governante deve partes da alma (racional, emocional
deliberadamente mentir para o bem de e º'apetitiva”)?

seus governados. l 1. Qual o conceito de justiça política de


Platão?
12. No que consiste a teoria platônica
Roteiro de Leitura do Capítulo 4 dos “reis—filósofos”? Como isto seria
possível?
1. Na época de Sócrates, como iimcio-
13. Sol:) quais condições se daria a cor—
navam os “diálogos”?
rupção do melhor governo (o dos
2. Quais as principais diferenças entre “reis—filósofos”) de acordo com a teo-
os “diálogos” e os “discursos" típicos
ria da corrupção das formas de go—
dos sofistas?
verno?
3. Como a atividade dos “diálogos”
pode ter contribuído para a acusação
de “corrupção da juventude” sofrida BibliograHa Básica
por Sócrates?
WOLFE Francis. Sócrates. O Wnim da mzáu.
4. O que significa buscar a “forma” São Paulo: Brasiliense, 1982. Magnífica e sin-
de um predicado moral como, por tética reconstrução do pensamento de Sócra—
exemplo, a forma da coragem? tes.
5. Qual é aidéia que norteia o uso da PLATÃO. &públím. Tradução de Ana Lia A.
dialética e quais são as suas duas A. Prado. São Paulo: Martins Fontes, 2006.
Obra mais extensa e importante de Platão, sor
principais formas? Expliqueas.
bretudo para quem quer entender sua filosofia
6. Segundo Platão, como adquirimos política.
conhecimentos verdadeiros e qual PLATÃO. A República. Tradução de M, H.
o papel da reminiscência nesse pro- R. Pereira, Lisboa: Fundação Calouste Gul—
cesso? benkian, 1993.
116 Curso de filosofia política - Ronaldo Porto Macedo Jr.

—_.
_.
Bibliograíia Complementar Gárgias, Lisboa: Edições 70, 2002.

_.
Mênan. São Paulo: Loyola, 2000.
COLEÇÃO os PENSADORES. Platãº,
São Paulo: Abril Cultural, 1973. Diálogºs. São Paulo: Cultrix, 1984.
Parmênides. Safsta e Palítíca.
GOLDSCHMIDT, Victor. A religi㺠de Pla-
.

tão, Difel, 1970. ROGUE, Christophe. Compreender thtâa.


Porto, 2002.
. Or diálogos de Platão: estrutura e
método dialético. São Paulo: Loyola, 2002. WLLIAMS, Bernard. Platão: a invenção da
Para quem quiser um aprofundamento sobre filosofia, Marília: Unesp, 2000.
as imbricações entre o estilo platônico, seu XENOFONTE. Memorabilia ou memoráveis
método de exposição e argumentação e a es- e os Hellenim. Coleção “Os Pensadores”, Volu—
trutura de seu pensamento. me Sa'mztzs. São Paulo: Abril Cultural, 1973.
HARE, R. M. Platão. São Paulo: Loyola,
2004.
MAFFETTONE, Sebastiana; VEGA, Salva- Filmografia
tore. A idéia dejustiça de platâo :: Rau/Ás. São
Paulo: Martins Fontes, 2005.
Os 300 de Esparta (7772 300 Spartam, EUA,
1962, Direção Rudolph Mate), (300, 300,
PLATÁO. Apolºgia, Brasília: UnB, 1997. EUA) Direção Zack Snyder, 2007).

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