Você está na página 1de 27

Mapas de um "Portugal Imperial": Cultura e

propaganda coloniais entre guerras.


Nuno Silva Costa, 2011

URB00076 - Cidade, Território, Paisagem | Seminário | Aula 9


UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL | PROPUR/UFRGS
DISCENTES: BRUNO EDER E CLAUDIO PAIVA | DOCENTE: DANIELA MARZOLA FIALHO | 2021/1
O Autor

Nuno Silva Costa

Formado em Geografia - Universidade do Porto - Portugal (2002)

Mestrado em História Cultural e Política -Universidade Nova de


Lisboa - Portugal (2007)

Professor na Universidade de Évora - Portugal


O Livro
O estudo apresenta a cartografia de divulgação colonial em
Portugal difundida após o final da I Guerra Mundial e o final da II
Guerra Mundial (1918-1945)

- Cartografia Temática = Mapas com dimensões sociais,


culturais, ideológicos e políticos.
- Mapas de divulgação e propaganda colonial= produzido
num contexto de transformações internas externas de Portugal
- término do período de ocupação efetiva dos mais importantes
territórios coloniais africanos ( O fim do imperialismo português
começou 1954 e culminou em 1975)
O Livro

- Perspectiva Ideológica em que os conceitos e concepções


de “Nação Una” e de “unidade do Império” serviam para
estreitar as relações logísticas e de mentalidades entre as
colônias e Portugal continental. (Império até 1920 -República
Parlamentar 1921-1926- Estado Novo 1926-1974)
- Contexto internacional = Sociedade das Nações (1919-1946)
+ direito internacional
- Examinar o papel das imagens cartográficas na criação
de uma consciência colonial no público e na opinião
nacional contribuindo para a formação de uma identidade
e unidade territorial.
O cartaz “Portugal Não É um País
Pequeno”, de 1934, é uma das
imagens marcantes do período da
propaganda mais ideológica e mais
combativa do salazarismo. Surgiu nos
anos de vitória de Salazar, da
Constituição referendada, do Acto
Colonial, da Exposição Colonial no
Porto.

A enorme dimensão de
Angola serviu para um
autor nosso
contemporâneo inventar
um mapa irônico, que
inverte as posições de
Portugal e da ex-colónia.

Fonte: http://malomil.blogspot.com/2015/02/portugal-nao-e-um-pais-pequeno.html
Capítulo 1
Representação e interpretação em cartografia
A problemática da representação
“Crise de representação” – marcou uma ruptura epistemológica com o pensamento moderno

Textos (noção de representação) na verdade são criações próprias de quem os constrói e ganham um sentido
próprio quando reinterpretados ( subjetivações e criações individuais / produção de novos olhares)

Três consequências da denominada crise (ligadas ao contexto em que os textos são inseridos):

1. “[...]que a suposta correlação entre linguagem e realidade é insustentável já que deixa de existir uma
realidade anterior a interpretação que os textos refletem” (p.24)

2. “[...]os textos revelarem muito mais do próprio autor do que da realidade se que queria representar” (p.24)

- O autor reflete as contingências do local e o contexto específico em que se realiza a obra de acordo
com a sua representação do mundo (seus interesses, suas perspectiva se seus preconceitos)

- O autor constrói o seu ponto de vista;

- Para uma interpretação crítica das fontes de estudo > determinar os fatores que podem influenciar a
própria construção de determinado texto > extratextual (oposição a ideia estruturalista/ nada se encontra
fora do texto)
3. Última implicação referente a Retórica dos textos (metáforas eram dispensáveis na objetividade)

- Crítica ao objetivismo reconheceu que estes elementos da retórica são partes fundamentais da
linguagem e produção de sentido no discurso ( possuem poder de convencer a audiência para qual o texto é
destinado)

- Está também em causa a questão de se saber se é ou não possível aceder a um conhecimento objetivo da
realidade em si;

“Quer dizer, para um antifundacionalista a verdade apenas existe nas

coisas pronunciadas e não nos factos em si. Por outras palavras, o

conhecimento só existe porque o criámos. Por isso temos que ser

convencidos de que aquilo que é pronunciado é verdadeiro” *


Fonte: https://edtl.fcsh.unl.pt/
- “Corroendo, assim, o tradicional “dogma” em ciência de que o discurso científico constitui a verdade e única
representação da realidade e. como consequência, tem uma superioridade relativamente a outro tipo de
discursos ou formas de representação. Agora visto como uma representação entre outras” (p.25) *

Historiografia Duplo problema de representação

Textos dos historiadores


e como estes O problema dessa
representam representação incidir sobre
determinada cultura sociedades passadas e
portanto não presenciais,
sendo elaboradas,
sobretudo, a partir de
testemunhos da época

- “Este trabalho é sobretudo a crítica de fontes documentais, que o historiador correlaciona e que lhe permite
conhecer e dar a conhecer a realidade que quer objetivar” (p.26)
- Na historiografia pós moderna o discurso elaborado pelo historiador é uma construção pessoal de um
passado sempre contingente em relação com a realidade e concepções do presente. O discurso histórico
torna-se assim uma representação da representação que são os documentos utilizados para a
interpretação desse passado ou melhor, que é uma narrativa assente em outras narrativas” (p.26)

Como nossa compreensão histórica muda com o


tempo. Sobreposição de camadas

- Os textos em vez de refletirem a realidade onde se inserem (perspectiva moderna) eles constroem esta
realidade, da mesma forma que a narrativa do historiador é uma REconstrução do passado no momento
presente; - Subjetivismo

- Concepção do tempo para o filósofo Sto. Agostinho: Não existem três tempos – passado, presente e futuro
–, mas somente três presentes: o presente do passado (memória), o presente do presente
(atenção/intuição) e o presente do futuro (espera)
- Em seguida o autor faz a relação com as ficções “esperando apenas que ela [a ciência] nos forneça apenas
ficções, sem nunca nos assegurar nada sobre a real estrutura ou as leis que de fato regulam o
funcionamento do mundo?” (p.26)

- Não há um texto que fale sobre a realidade , sendo TÃO real quanto o real, como se este fosse concreto,
existente e apreensível;

- Existe um distanciamento das situações vividas com o facto. Tanto o acontecimento como o texto
(enquanto representação do acontecimento) é uma construção ficcional daquele vivido sendo assim,
sempre narração e ficção;

- Dentro deste quadro todos os textos científicos são considerados subjetivos.

Possibilita ao objeto a dimensão simbólica (um valor


Ficcionalidade/subjetividade social e histórico específico;

Garante identidade as relações sociais;


- Não há sociedade sem que haja uma crença numa determinada estrutura cultural e ficcional que a mantém.
Daí que o real e o imaginário (aquilo que se constrói) não sejam coisas opostas, mas complementos
indispensáveis para a forma de existência da vida social” (p.27); Fonte oral/não presencial

- Ficção como uma produção de outros olhares. Ficção como um regime de verdades;

- relação> Abordagem da geografia cultural e da história da cartografia > dada a natureza do objeto de
estudo;

- A mesma crise da representação levou a crítica da forma como os geógrafos representam o mundo nas
suas descrições e interpretações do espaço e da atividade humana no território > problemática do caráter
mimético positivista> visto que a geografia sempre encarada como ciência da descrição de
fenômenos espaciais;

- geógrafos > o fato de orientarem os dados das pesquisas com base na observação direta minimizava os
riscos de uma descrição não objetiva;
Modos de representação geográfica

1. Campo da Geografia Cultural


representação mimética
(modo dominante)
2. Dividido em duas
correntes de pensamento
que tem por base a crítica
ao primeiro

Baseia-se na observação e
distanciamento por parte do
investigador face ao objeto -
preocupação essência de descrição
Hermenêutica
e classificação Pós moderna - crítica
(ideia de disciplinas
radical a representação
interpretativas por
mimética
excelência)
- Impulsionado pela obra de Edward W. Said - crítica pós colonial - Realização de estudos na área das
relações culturais. que põem em destaque a forma como representam os espaços do “outro”, dando-se
relevo às deturpações e distorções dos discurso embebidos em preconceitos culturais derivados do
racionalismo ocidental e mais genericamente do etnocentrismo.” (p.29)

- Critica a forma de representação dos espaços e aos imaginários construídos sobre essas representações,
relativamente à questão de gênero e superioridade masculina, às representações europeias de
superioridade e inferioridade relativas a espaços e comunidades de ex-colônias, dos países ditos em
desenvolvimento e de outros territórios ou sociedade culturalmente diferentes. (p.29)
Capítulo 1
Representação e interpretação em cartografia
Mapas textos e representação
O texto como modelo para interpretação das
paisagens da Geografia Cultural e na História da
Cartografia
O modelo de interpretação do texto das Ciências Sociais a partir de 04 razões :

Primeira Segunda Terceira Quarta

Principal característica Textos escritos muitas Os textos estão sujeitos a O sentido do texto é
do texto é descrever a vezes escapam às reinterpretações de instável e depende das
vida social, fixando-a e intenções dos autores. acordo com os diferentes diferentes interpretações
inscrevendo-a. contextos em que são a que está sujeito por
lidos- considerando que diferentes leitores.
A sociedade como no campo social,
criadora de padrões de instituições e evento estão
comportamento. sujeitos a reavaliação
contínua.
“Os mapas , como os textos , são

Acesso: https://www.scielo.br/j/anaismp/a/yqDLJyFkyhhRWGyVTwrVG4J/abstract/?lang=pt
tentativas de fixar determinadas
concepções de vida social e,
particularmente, de normalizar o
conhecimento sobre um espaço ou
território, estão também sujeitos a
serem reinterpretados fora da
intencionalidade dos seus autores.”

Nuno Silva Costa

Capitanias Hereditárias, Mapa de 1574, cartógrafo Luiz Teixeira.


Cartografia Tradicional Moderna x Pós Moderna

Cartografia Tradicional= Cartesiana=moderna ligada a correntes positivistas e neopositivistas


- o mapa é visto como uma representação objetiva dos espaços e da realidade que representa-fonte de
reconstituição dos espaços e fatos do passado - instrumento a serviço do poder - administração e controle
do território - documento diplomático;

Cartografia pós-moderna = crítica à representação mimética- abordagem à textualidade nos mapas-


análise do espelho da realidade e também sobre os criadores desta realidade - incide o valor social e
cultural do mapa - o mapa como veículo do poder ; temas de estudo da pós modernidade: visão
eurocêntrica, ocidentalizada e etnocêntrica do mundo / noções e concepções ideológicas dos grupos
sociais condicionando a sua visão do mundo

“Os mapas são produtos não só das regras de geométricas, matemática e topografia mas
sobretudo, das normas e valores da ordem social”.
História da Cartografia
Volume I

Brian Harley e David Woodward (1977) - Publicam os


volumes da História da Cartografia

- projeto de história crítica

- analisam a objetividade na cartografia e a definição


ocidental de mapas: anexam textos e imagens de mapas de
todo o mundo - contrapondo a cartografia ocidental a mapas
de outras regiões
Brian Harley (1932-1991)

Embora Brian Harley publicasse alguns resultados de suas pesquisas desde


1958, foi até 1980 que começou a publicar ensaios sobre o que se

Fonte: https://www.dimensionantropologica.inah.gob.mx/?p=454
convencionou chamar de "filosofia cartográfica", onde buscou estabelecer
princípios teóricos para a história da cartografia.

Ou seja, após 22 anos de trabalho prático como "cartógrafo positivista", seu


propósito intelectual teve uma abordagem filosófica, cada vez mais próxima
da virada linguística ou do pensamento pós-moderno, cujo resultado são
mais de 20 ensaios escritos entre 1980 e 1991.

Ao longo de 33 anos de vida acadêmica, a obra deste autor passa por sete
temas que constituem o suporte empírico de sua proposta teórica:

1) Geografia histórica da Inglaterra; 2) Mapas de condados ingleses; 3)


Mapas e atlas mais gerais em inglês; 4) Mapeando a América; 5) Mapas do
US State Mapping Service; 6) Filosofia da história dos mapas; 7) História da
Cartografia [projeto junto com David Woodward].
Livro: The New nature of Maps: Essays in the History of
Cartography (2001)
O primeiro texto, intitulado "Textos e contextos na interpretação dos primeiros mapas", guia de passos
metodológicos para fazer uma hermenêutica do mapa. Nele, Harley apresenta e responde à questão
fundamental: o que é um mapa? Dando-lhe uma dupla identidade: é texto e imagem.

O segundo texto, "Mapas, Conhecimento e Poder", publicado em 1988, é o trabalho mais citado e,
portanto, mais conhecido de Harley. Nele, ele explora a ação do poder político por meio da cartografia e a
forma como os mapas são uma forma manipulada de conhecimento.

No terceiro texto, Harley propõe uma exploração teórica para a história da cartografia a partir de ideias
construídas a partir de outras disciplinas, principalmente da sociologia. Intitulado “Silêncios e segredos.

O quarto texto: “Poder e legitimação nos atlas geográficos ingleses do século XVIII”; Harley investiga uma
história particular do imperialismo inglês e distingue entre os atlas regionais ingleses e os atlas universais,
publicados antes da independência das 13 colônias.

"Rumo a uma desconstrução do mapa" é o quinto texto. Neste ensaio, Harley falou com geógrafos e
cartógrafos que vêem a cartografia como uma ciência positiva, que assumem que a cartografia é objetiva,
independente, neutra e exata, e , portanto, pode progredir e ser cada vez mais preciso e confiável. Ao
contrário da ideia evolucionista, sua proposta foi promover uma mudança epistemológica na interpretação
de natureza cartográfica, adotando como estratégia a técnica de desconstrução do mapa. Fonte:https://
www.dimensionantropologica.inah.gob.mx/?p=454
O sexto texto tem o título "O mapeamento da Nova Inglaterra e dos nativos americanos".

O sétimo texto “Pode haver uma ética cartográfica?”, mostra a falta de discussão ética na produção
cartográfica.
As novas abordagens Metodológicas da História da
Cartografia

Rejeitam a epistemologia positivista


SEMIÓTICA HERMENÊUTICA

Relacionada com a linguística e as teorias pós- - com base nas propostas de Harley
estruturalista* do símbolo
- compreensão dos mapas na sua textualidade
- o mapa como o signo de um sistema linguístico
- além da análise dos elementos iconográficos e
- análise dos símbolos e da iconografia existentes simbólicos , tenta interpretar os documentos na sua
nos mapas e como eles refletem os códigos origem, inscrição e criação de sentidos.
linguísticos de determinada cultura.

* pós-estruturalismo instaura uma teoria da desconstrução na análise literária, liberando o texto para uma pluralidade de sentidos.
Texto, Extratexto e Intertexto

A Hermenêutica relaciona a parcialidade dos textos com a


realidade extratextual e da sua intertextualidade :

- busca conhecer quem constrói determinado texto -


Na apropriação das ideias pela
autoria x autoridade.
hermenêutica teremos dois
- o leitor reordena essas relações entre texto, níveis de interpretação na
extratextualidade e intertextualidade, permitindo diferentes
análise do mapa como um texto
interpretações e reinterpretações dos documentos.
No nível metodológico...

A interpretação dos textos conforme as condições de interpretação hermenêutica:

1- Integridade do sentido do texto deve ser mantida e derivar dele e não lhe ser projetado;

2- Ler o texto nas suas condições de inscrição considerando a temporalidade e historicidade

3- O todo do texto deve ser entendido pelas suas partes e suas partes pelo todo na relação:

Linguagem x texto - linguagem x contexto cultural - texto x contexto cultural e na relação do autor com
suas restantes produções e as da época.
Nível de Análise Externa - Extratexto e Intertexto
Contexto da Autoria:

1. quem fez o mapa, que material utilizou, o tipo de gravação, o


gravador;
2. outros mapas realizados pelo autor, mesma época, mesma região
geográfica,tipo de mapa;
Situa o mapa na sua 3. como se relaciona com outras representações da época.
temporalidade
Contexto Imediato = Relações com intertextos
entre o mapa e os textos que o acompanham: em livros, pinturas, filmes,
Contexto de exposições ou a relação com outras representações feitas a partir dele;
produção e inscrição
Contexto Social: relações políticas, sociais e institucionais em que o mapa
é composto ou utilizado, assim como o seu custo e os meios que envolve.
Nível de Análise Interna
- As hierarquias de representação - símbolos cartográficos a partir da sua
estrutura e importância visual;
Aborda o
conteúdo - Os silêncios ou espaços em branco que podem estar de acordo com o
do mapa. conhecimento científico da época ou por omissões deliberadas ligadas a
questões políticas e ideológicas;

- as propriedades geométricas e matemáticas do mapa, sua orientação ,


As formas e projeção e escala;
técnicas utilizadas
na sua confecção - As escalas relativas aos espaços - ex,. a grande escala pode indicar a
que possibilitam a importância econômica que se dá a determinado território;
representação de
determinado - análise do simbolismo e aspectos decorativos do documento dimensão
fenômeno: ligada a interpretação dos simbolismo e as ideologias ex. tipo, tamanho de
letra,dedicatórias, títulos e textos , publicidade
Referências:

Acessos:

https://www.dimensionantropologica.inah.gob.mx/?p=454

https://pt.linkedin.com/in/nuno-silva-costa-a61b0478

https://www.scielo.br/j/anaismp/a/yqDLJyFkyhhRWGyVTwrVG4J/abstract/?lang=pt

bibliografia:

Mapas de um "Portugal imperial" : cultura e propaganda coloniais entre guerras / Nuno Silva Costa. - Porto : Figueirinhas,
cop. 2011. - 182 p.

Você também pode gostar