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1
Antonio Roazzi <roazzi@gmail.com>
2
Alexsandro Medeiros do Nascimento <alexmeden@hotmail.com>
3
Rosario Carvalho <rofacarvalho@gmail.com>
4
Doravante ‘RS’ até o final do texto.
5
O conceito de ‘representação social’ apesar de ser recente, está radicado em conceitos e fontes teóricas mais
antigas: o conceito de ‘Representações Coletivas’ de Durkheim (1898), (criticamente re-elaborado por
Moscovici), algumas formulações da Sociologia do Conhecimento, do Interacionismo Simbólico e da Teoria
da Atribuição.
Roazzi, et al. (2003). Epistemologia e Representações Sociais 2
6
Como afirmado por Jodelet, Viet e Besnard (1970) "...interrogar-se sobre a penetração das teorias
cientificas em uma determinada sociedade significa de fato perguntar-se: por uma lado como uma concepção
elaborada no quadro de uma ciência particular intervém nos processos de compreensão do real, nas condutas
sociais e na linguagem; por outro lado quais são as modalidades de conversão de uma teoria cientifica em um
sistema de opiniões de um grupo específico e quais são os efeitos da estrutura, o conteúdo e a linguagem
desta teoria" (p.188).
Roazzi, et al. (2003). Epistemologia e Representações Sociais 3
7
Considere-se o que diz Doise (1982) sobre o prevalecer dos níveis de análise intra-individual e interpessoal
da psicologia norte-americana.
Roazzi, et al. (2003). Epistemologia e Representações Sociais 4
8
Existe uma grande diferença entre representações emergentes a partir de uma relação diádica - aquelas
emergentes da inter-relação entre um indivíduo e o grupo - e aquelas ativadas pela consciência comum. Para
Moscovici, estes fenômenos são diferenciados entre si, apesar de estarem inter-relacionados.
9
Considere-se as perspectivas mais tradicionais sobre as representações sociais, de cunho mais
psicológico (e.g., Abric & Kahan, 1971; Apfelbaum, 1967; Doise, 1982) e as perspectivas, de autores como
Boltanski (1971) sobre a difusão do saber médico e a difusão dos medicamentos, Bourdieu (1980) sobre a
noção de senso prático, Robert e Fogeron (1978) sobre a noção social de sistema penal etc., de cunho
claramente mais sociológico, que nos fazem pensar a RS como algo inserido no interior do sistema cultural e
ideológico dominante.
Roazzi, et al. (2003). Epistemologia e Representações Sociais 5
Historia, etc., fato este que tem tornado as RS mais um patrimônio das ciências
sociais do que único e exclusivo da Psicologia Social.
Esta riqueza que o paradigma das RS nos oferece e este processo de
diferenciação que facilmente pode ser observado na literatura nesta área, não se
refletem necessariamente na diversificação dos múltiplos objetos de investigação,
(em relação aos quais está centrada a produção de pesquisa), mas, ao contrário,
nas escolhas metodológicas, nos tipos de análises utilizadas e na
operacionalização dos construtos teóricos. Os objetos de investigação, por quanto
sejam inúmeros e diferentes entre si10 (como por exemplo, a popularização de
modelos e teorias científicas, o vandalismo, o público e o privado, a economia, as
emoções, o corpo, a saúde/doença, a criança, a mulher, o trabalho, o sistema
educacional, a mobilidade profissional, a teoria psicanalítica e sua prática social, a
cidade, etc.), não modifica, per se, a perspectiva de análise. Conseqüentemente,
tanto ao estudar as representações sociais da educação, como da doença mental,
por exemplo, dado que, em ambos os casos, o corte epistemológico das
representações sociais (sua estrutura, sua natureza, as funções que desempenha
e os processos que a regulam) não sofre modificações.
Todavia, a diferente operacionalização dos construtos teóricos, no caso de
se planejarem métodos de pesquisas que privilegiam a coleta de dados em um
contexto natural ou em uma situação de laboratório, como também as técnicas de
coleta de dados e suas diversas modalidades de análise, modificam
profundamente a ótica de investigação. Tratar a RS como uma variável
dependente ou como uma variável interveniente a ser colhida em situações sociais
reais, ou que, pelo contrário, seja tratada como uma variável independente em
planejamentos experimentais de laboratório; como também optar por técnicas de
coleta de dados mais abertas e menos estruturadas, como a entrevista ou o
questionário com resposta livre, ou técnicas de coleta mais estruturadas e
preocupadas com aspectos quantitativos e de controle das variáveis e,
conseqüentemente, com a escolha de diferentes modalidades de análise dos
10
Esta diversidade, apesar de tudo, continua sendo um fator a ser considerado para uma apropriada escolha
metodológica.
Roazzi, et al. (2003). Epistemologia e Representações Sociais 6
dados, não significa somente fazer uma simples escolha metodológica. Do ponto
de vista teórico, esta escolha possui implicações que não podem ser sub-
avaliadas. Uma investigação preocupada com a artificialidade de uma situação de
exame e que opta por procedimentos mais sensíveis às variáveis contextuais,
adota uma ótica de investigação cujo foco está centrado na relevância social do
objeto investigado e sobre suas dinâmicas de transformação - nas tramas das
relações sociais historicamente determinadas e dos processos de re-construção
simbólica que concorrem à criação e veiculação das formas de pensamento social.
Ao contrário, uma investigação preocupada com o controle das variáveis e os
efeitos de distúrbios que poderiam invalidar as inferências, a partir dos resultados
obtidos, centra-se mais nas determinantes cognitivas do comportamento e sobre a
intervenção dos processos de interação social, ativadas experimentalmente, na
elaboração das representações.
Isto posto, o presente trabalho insere-se numa ampla tentativa de reflexão
do mainstream da Psicologia Social sociológica contemporânea11 (ver Farr, 2001,
p. 151-165) sobre os impasses especificamente epistemológicos que a teoria das
RS vem tentando enfrentar em sua marcha na cultura acadêmica desde 1961 (ano
de publicação da obra seminal de Moscovici sobre a Psicanálise e sua difusão na
sociedade francesa), e que diz dos traços genéticos de seu conceito basilar, suas
filiações teóricas, a base sociológica que lhe subjaz, mas sobretudo, do corte
epistemológico12 que lhe traz à existência.
11
Autores externos ao campo da Psicologia como Holland (1979) já pontuaram a artificialidade e
esquematismo ideológico que funda a divisão de trabalho entre as disciplinas da Sociologia e Psicologia,
gerando uma incomunicabilidade prejudicial a ambas, em suas teorizações respectivas. Se em alguns
momentos, a ênfase no trabalho com conceitos de fronteira como o de ‘papel’ (ver Jackson, 1972) desponta
como uma tentativa de solução do impasse de trabalho gerado por uma circunscrição rígida demais das
disciplinas envolvidas, os magros resultados desse esforço de trabalho deixam em aberto o vazio teórico que
prevalece sobre as relações indivíduo-sociedade na contemporaneidade, gerando trabalhos de tendência
marcadamente unilateral como as versões da Psicologia Social americanas (com seu forte acento
individualista) ou as sociologias européias e mesmo americanas, com seu apagamento típico do sujeito
concreto. No bojo dessa discussão desponta o esforço intelectual de Moscovici, de uma recusa radical ao
fechamento intra-campos, de escolha pelo trabalho nos fenômenos de fronteira entre as disciplinas. Para uma
reflexão mais aprofundada das diferentes versões co-existentes da Psicologia Social atual – as formas
sociológica e psicológica – ver o trabalho indispensável de Robert M. Farr (Farr, 2001).
12
Usamos aqui a mesma noção de corte epistemológico cunhada por Althusser e Balibar (1970) em seu
estudo magistral sobre “O Capital” de Marx. Nesse trabalho em específico, os autores localizam um momento
do pensamento de Marx em que o mesmo se libera gradualmente dos conceitos e modos de pensar e de
construir conhecimento dos filósofos, ponto de virada em sua trajetória intelectual na direção de um estudo
Roazzi, et al. (2003). Epistemologia e Representações Sociais 7
propriamente científico do ‘Continente da História’, segundo expressão de Holland (1979). Moscovici, tendo
atrás de si uma herança intelectual das mais robustas, das Humanidades européias, que remontam no mínimo
às Luzes, e uma história da disciplina da Psicologia Social já venerável e madura tanto no continente europeu
mas sobretudo na América do Norte (ver análises de Farr, 2001), por um processo de extração conceitual
operado sobre o conceito de representação coletiva de Durkheim (1898) gera, nos domínios científicos,uma
nova possibilidade de pensar, atravessada por questões intrínsecas aos modos de vida, pensamento e
sensibilidade emergentes a partir da Modernidade Tardia, com ênfase em problemas dantes impensáveis,
tendo-se as epistemologias tradicionais como quadros de referência. É dessa exigência em relação à Teoria do
Conhecimento ortodoxa - ou vice-versa desse modo canônico de se conceitualizar as relações entre sujeito e
objeto, que trata o presente trabalho.
Roazzi, et al. (2003). Epistemologia e Representações Sociais 8
explanação acordes com sua dinâmica cognitiva peculiar. Nascem assim as Artes,
o Senso Comum, o Pensamento Mágico-religioso, a Filosofia, a Teologia, e mais
recentemente, o discurso científico, com sua necessidade premente de
circunscrição de seus limites e contra-posição/negação dos modos históricos de
conhecer construídos pela espécie.
O Método Científico não nasce pronto nos domínios do conhecimento humano,
mas foi fruto de uma longa e penosa gestação na cultura ocidental, a partir do
trabalho intelectual de muitos mentores, que foram paulatinamente plasmando
suas formas de operação e modos de organização de material empírico e de
observação, até chegarmos à conformação atual do método, em larga escala, sob
os auspícios da síntese newtoniana operada em meados do século XVII.
Nessa lenta elaboração, conforme apontado por Nascimento (1997), alguns
pensadores tiveram uma participação capital na forja de uma nova inteligibilidade
do real, típica da Modernidade, e profundamente descrente nos modos de
conhecimento herdados da Idade Média e da Escolástica. Bacon em sua obra
“Novum Organum” afasta o discurso científico nascente, definitivamente, dos
dogmas especulativos da Teologia e Filosofia do Medievo, ao propor o ‘método
indutivo’ como a forma correta de trabalho na qual deveriam se basear as
Ciências, para o correto conhecimento dos fenômenos naturais, onde se parte dos
fatos concretos da experiência para formulações de caráter geral, na forma de leis
e causas; nesse sentido, o discurso científico seria inequivocamente dotado de um
traço pragmatista, ao não visar o conhecimento ‘em si’ e sim ao controle da
Natureza (Bacon, citado em Crema, 1989, p. 31). Galileu Galilei, contra toda a
doutrina aristotélica das causas finais, assume expressamente uma metáfora
mecânica para o Universo, sendo o último nada mais que um conjunto extenso e
heterogêneo de fenômenos mecânicos. Segundo sua visão, a Natureza sendo
perfeita demandaria uma linguagem também perfeita para expressá-la
cientificamente, sendo a Matemática a linguagem por excelência para tal
empreendimento; ao adotar tais premissas teórico-métodológicas, Galileu opera
pela primeira vez e de forma original, a síntese do raciocínio teórico, observação
Roazzi, et al. (2003). Epistemologia e Representações Sociais 9
Para uma reflexão mais aprofundada sobre o conceito de ‘globalização’ indicamos o excelente trabalho de
13
14
Ver Connor (2000, p. 181-187) para uma reflexão sobre os discursos dos oprimidos enquanto compondo
espaços de resistência ao controle hegemônico dos discursos totalitários e homogeneizadores dos detentores
do poder.
Roazzi, et al. (2003). Epistemologia e Representações Sociais 13
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Argumentamos portanto que a emergência, na pós-modernidade, de formas
holísticas de pensamento, sistêmicas em princípio e forma, nas Hard Sciences
como também na Psicologia Social em sua vertente das RS, ecoa a emergência
de novas e profundas formas de intercâmbio sócio-político e tecnológico, típicas
desse recorte histórico e de forma alguma pensáveis em outro momento no
tempo. A superação de formas desgastadas de socialidade herdadas da
Modernidade e das Luzes, põe à nu a aparição de importantes fenômenos de
disjunção de sujeito, tempo e espaço (ver Oliveira, Nascimento & Roazzi, 2003), e
transformação das identidades (Hall, 2003), que clamam por releituras de nossas
certezas quanto ao método científico e de nossas formas canônicas de construção
de conhecimento no campo psicológico, especialmente em sua vertente dedicada
à elucidação da relação indivíduo-sociedade, tarefa à que o novel paradigma das
RS tem tentado enfrentar corajosamente há algumas décadas, embora sobre o
mesmo recaiam críticas severas e que não devem ser desconsideradas muito
rapidamente, sem um exame acurado e uma crítica interna.
Conforme análises de historiadores do campo social, especialmente as de
Holland (1979) e de Farr (2001), nem sempre as disciplinas da Psicologia e da
Sociologia estiveram separadas, havendo mesmo um tempo em que
pesquisadores ocupavam-se de ambos os objetos, não os considerando
mutuamente excludentes. A implacável defesa da separatividade das disciplinas
efetuada por Durkheim (1898), impactou indelevelmente o pensamento social
posterior, gerando um ônus e uma tarefa ingrata a ser equacionada, qual seja, a
de elucidar os processos que estariam no âmago das relações entre individuo e
processos coletivos, agora radicalmente separados epistemicamente, o que
Roazzi, et al. (2003). Epistemologia e Representações Sociais 16
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Roazzi, et al. (2003). Epistemologia e Representações Sociais 18
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