O ser humano tem como sua principal característica viver em sociedade,
interagindo com outras pessoas. Essas relações interpessoais são relações de poder ou relações políticas. A partir da obra de Foucault a política tem sido compreendida de maneira mais abrangente, não restringindo-a as relações macropolíticas (relações entre sujeitos e instituições), mas abarcando também as relações micropolítica (relações não-mediadas por instituições). Um termo que normalmente está presente nos debates que envolvem política e poder é o conceito de controle, sendo ele tratado como subjugação. Contudo, nem todas as vertentes filosóficas tem essa mesma concepção. O Comportamentalismo Radical nega que o controle seja sinônimo de dominação, entendendo-o como intrínseco ao próprio comportamento. Skinner, principal representante do Comportamentalismo Radical, entende que a dominação está atrelada a formas específicas de controle: o controle aversivo e “reforçadores positivos incontingentes”, utilizados pelas agências de controle; ao mesmo tempo, Skinner propõe ferramentas contra essa dominação imposta. Como resultado, verificam-se que podem ser traçadas algumas aproximações entre as propostas políticas skinneriana e a proposta micropolítica foucaultiana, surgindo a possibilidade de se pensar uma micropolítica Comportamentalista Radical.
Introdução
As discussões sobre o conceito de política na filosofia atravessaram séculos,
sendo tradicionalmente entendida como um Estado organizado por leis e normas sociais. Nesse contexto, ideias e ideologias, como o liberalismo, o fascismo, o socialismo, são a base dos discursos políticos. Contudo, nem todos os pensadores entendem a política dessa forma. Contrapondo-se à visão tradicional, Foucault (2012a) propõe uma discussão mais abrangente sobre o tema. Partindo do princípio que o ser humano é caracterizado por conviver em sociedade, o filósofo francês entende que todas as relações sociais são relações de poder ou relações políticas, dividindo então as relações políticas em duas categorias: a macropolítica e a micropolítica. As relações macropolíticas estão ligadas ao entendimento tradicional de política, ou seja, identificam-se com relações estabelecidas entre sujeitos e instituições. Esse é o campo político ao qual Foucault (2012a) dirige muitas de suas críticas, pois as relações macropolíticas são enrijecidas e cristalizadas, de forma a manter os sujeitos subjugados às instituições. As diferentes estratégias macropolíticas de manutenção do controle institucional recebem a denominação de poder disciplinar (FOUCAULT, 2012b). Esse poder tem como objetivo docilizar os corpos, o que é fundamental para a desigualdade intrínseca das relações macropolíticas: corpos docilizados obedecem as ordens, respeitam a hierarquia, não impõem resistência. Contudo, Foucault (2012a) distancia-se da visão tradicional defendendo a legitimidade do campo micropolítico, no qual os indivíduos interagem com outros indivíduos, sem o intermédio do Estado ou de outras instituições. A ausência de mediação institucional significa um ponto de fuga do poder disciplinar. Assim, na medida em que exclui o poder disciplinar, a micropolítica aumenta a possibilidade de equidade nas relações interpessoais. Dessa forma, a proposta política foucaultiana envolve o fortalecimento das relações micropolíticas em detrimento de relações macropolíticas, o que fomentaria a liberdade ao mesmo tempo em que diminuiria a exploração. O Comportamentalismo Radical, que tem como principal representante B. F. Skinner, também busca, em sua proposta política, alternativas a dominação dos sujeitos. À semelhança de Foucault, alguns textos políticos skinnerianos defendem o enfraquecimento do poder institucional. Isso aparece na crítica às agências controladoras, entendidas como uma parte organizada do grupo social que opera mantendo as relações de controle o mais estáveis possível (SKINNER, 2003). Em outras palavras, as estratégias de controle empregadas pelas agências visam a manutenção do poder dos controladores sobre os controlados. Partindo dessas semelhanças esta pesquisa teve o objetivo de explorar as aproximações entre a proposta política skinneriana e a proposta micropolítica foucaultiana.
Método
Trata-se de uma pesquisa de natureza conceitual, que buscou explorar as
semelhanças entre os textos de Skinner e Foucault, no que concerne à política. Para tanto, a pesquisa se deu em três etapas: (i) mapeamento e definição do conceito de política na obra de Foucault; (ii) análise da proposta política skinneriana; (iii) construção de um intertexto buscando uma possível aproximação entre o conceito foucaultiano de micropolítica e as ferramentas políticas propostas por Skinner.
Resultados e Discussão
Quando o Comportamentalismo Radical discute as relações humanas, um
dos principais conceitos que surge é o controle (CARRARA, 2005). Embora controle seja tradicionalmente entendido como abuso de poder ou subjugação, o Comportamentalismo Radical entende-o de forma diferente. Para Skinner (2003) todo comportamento é controlado pelas consequências que produz. Dessa forma, o controle do comportamento não deve ser entendido como essencialmente ruim, uma vez que o controle é intrínseco ao próprio comportamento, ocorrendo mesmo em um nível não-social das relações entre o organismo e o mundo físico-natural. Partindo desse concepção ampla de controle, a dominação é considerada como um tipo de controle, geralmente atrelada ao conceito de controle aversivo ou coercitivo. Esse tipo de controle tem como um de seus principais efeitos o fortalecimento de comportamentos de fuga e de esquiva (SKINNER, 2003). Além disso, principalmente quando a fuga e a esquiva não são possíveis, o controle aversivo é responsável pela ocorrência de comportamentos de ataque ou enfrentamento do controlador, o que é denominado contracontrole. No contexto social, o uso do controle aversivo é amplamente empregado por instituições ou agências controladoras, que organizam práticas para a manutenção de seu poder de controle sobre o comportamento individual (SKINNER, 2003). Além disso, as agências controladores fomentam a burocratização das relações sociais, o que diminui as chances de que os controlados identifiquem o controlador, inviabilizando, assim, o contracontrole. Dessa forma, as análises políticas skinnerianas envolvem críticas às agências controladoras e suas estratégias de subjugação. Essas mesmas críticas parecem ser compartilhadas por Foucault (2012b). As duas propostas têm como base o fato das relações macropolíticas serem sempre desvantajosa para os indivíduos controlados. Indo além, Skinner (2003) busca alternativas às relações macropolíticas, como por exemplo, o contracontrole. Entretanto, para que o contracontrole seja uma ferramenta útil contra as agências, é necessário que o controlador seja localizado, o contracontrole deve ser direcionado a um controlador. Além disso, as agências controladoras nem sempre utilizam apenas o controle aversivo como estratégia de dominação. Muitas vezes as agências valem-se de “reforçadores positivos não contingentes” para mascarar a dominação. Nesse caso, fuga, esquiva e contracontrole, são substituídos por sentimentos de felicidade, alegria e gratidão, tornando os sujeitos dóceis à dominação da agência. Sendo assim, o contracontrole só pode ser considerado uma ferramenta contra a subjugação quando as contingências são claramente aversivas. Em contingências de reforçamento positivo, o contracontrole parece perder sua efetividade. Skinner (1978) propõe, ainda, outra ferramenta contra a dominação: controle face-a-face. Segundo o autor, essas relações são necessariamente apartadas das agências controladoras. A relação face-a-face fundamenta-se na aproximação dos indivíduos das consequências do comportamento social, visto que não há mediação de burocracia ou leis. O indivíduo está mais próximo das consequências e, por isso, fica mais sensível às reações que produz nos outros, além de estar mais sensível ao seu próprio comportamento. Sendo assim, Foucault e Skinner parecem acreditar que o campo político mais promissor é o das micro-relações, aquelas inter- relações que excluem as agências controladoras ou instituições em favor do contato face-a-face.
Conclusões
É possível identificar duas propostas políticas skinnerianas: o contracontrole,
com um papel importante em contingências aversivas conspícuas; e o controle face-a-face, com uma maior importância, visto que é a alternativa principal para as relações macropolíticas, e sua efetividade não depende da presença de controle aversivo evidente. Assim, parece plausível defender que o comportamentalismo radical aproxima-se da concepção foucaultiana de micropolítica, opondo-se ao poder disciplinar com a noção de contracontrole e com a defesa das relações face-a-face. Isso abre caminho para investigações futuras sobre outras possibilidades de diálogo entre Skinner e Foucault.
Referências
CARRARA, K. Behaviorismo radical: crítica e metacrítica. São Paulo:
Editora da UNESP, 2005.
FOUCAULT, M. Microfísica do poder. São Paulo, SP: Graal, 2012a.
FOUCAULT, M. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Petrópolis, RJ:
Editora Vozes, 2012b.
SKINNER, B. F. Ciência e comportamento humano. São Paulo, SP:
Martins Fontes, 2003.
SKINNER, B. F. Human behavior and democracy. In: _______. Reflections
on behaviorism and society. Englewood Cliffs: Prentice-Hall, 1978, p. 3-15.
Gomes Joo Salis (2013) Interesse Público Controle Democrático Do Estado e Cidadania. in Madureira C e Asensio M (Eds) (2013) Handbook de Administração Pública - Capítulo 1. INA Editora