Você está na página 1de 3

http://www.tvebrasil.com.

br/links/homo/

Dor Física, Emocional e Moral – Luiz Lobo – 10/10/2003

Psicólogos da Universidade da Califórnia, explorando as imagens do cérebro de 13


pacientes voluntários, descobriram que a dor física, emocional ou mental tem a
mesma intensidade e compartilham a mesma região do córtex. Em outras palavras,
ser excluído de um grupo pode doer tanto quando uma cefaléia e a dor da perda de
um parente próximo provoca as mesmas reações cerebrais.

Tudo acontece no córtex cingulado anterior, região normalmente associada ao


incômodo das dores de natureza física, como uma torção ou uma pancada.

Isso não quer dizer, no entanto, que as dores físicas, mentais e emocionais sejam
iguais. Todas são igualmente dolorosas, mas de modo diferente e, é claro, exigem
cuidados diferentes.

A importância da descoberta, segundo a psicóloga Naomi Eisenberger (que liderou a


pesquisa) é que ela vai influir no tratamento de pacientes psicológicos e
psiquiátricos, pelo entendimento de que a dor psicológica e a dor moral são tão
vivenciadas pela pessoa quanto a dor física. "ter consciência disso pode ajudar a
entender melhor e a tratar todos os tipos de dor."

A dor

A dor é um mecanismo de proteção do corpo e ocorre sempre que os tecidos estão


sendo lesados. Ela tem a função de dar o alerta e de fazer com que a pessoa
procure remover ou peça ajuda para remover o estímulo doloroso.

Os especialistas reconhecem dois diferentes tipos principais de dor: a rápida e a


lenta. A rápida é sentida em 0,1 segundo, como resposta a um estímulo doloroso. A
lenta só começa depois de um segundo ou mais de provocação e aumenta, segundo
a segundo, às vezes por minutos.

A dor rápida é descrita como cortante, pontada, aguda, elétrica. É a dor que
sentimos com uma agulhada, um corte, uma queimadura, um choque elétrico, e não é
sentida na maior parte dos tecidos profundos do corpo. Já a dor lenta é descrita
como contínua, latejante, queimação, crônica, associada à destruição de tecidos,
podendo levar a sofrimento prolongado, insuportável, e tanto ocorre na pele como
em quase todos os tecidos e órgãos profundos.

Todos os receptores da dor são terminais nervosas livres e estão amplamente


dispersos. A ciência ainda não sabe como é que a dor moral ou emocional é
percebida, mas como aciona a mesma região do cérebro, admite-se (em princípio)
que ela também seja comunicada por terminações nervosas

Até agora, os especialistas só reconheciam três tipos diferentes de estímulos que


excitavam os receptores da dor: mecânicos, térmicos e químicos. Alguns
especialistas acreditam que as dores mentais podem ativar mecanismos do corpo,
fazendo-os produzir substâncias químicas que acabam provocando dor.

Em contraste com a maioria dos outros receptores sensoriais do corpo, os receptores


da dor adapta-se muito pouco e às vezes nem se adaptam. Em algumas situações a
excitação das fibras da dor torna-se progressivamente maior, especialmente para a
dor lenta nauseante e prolongada, enquanto o estímulo permanecer.

carlos goldenberg goldweb@sel.eesc.usp.br


Esse aumento da sensibilidade dos receptores da dor é chamado de hiperalgia.

Apesar de todos os receptores da dor serem terminações nervosas livres, elas


utilizam duas vias separadas para transmitir os sinais de dor para o sistema nervoso
central e elas correspondem aos dois tipos de dor: a via rápida para a dor rápida e a
via lenta para a dor lenta.

Os sinais da dor rápida são transmitidos dos nervos periféricos para a medula
espinhal por fibras pequenas, com velocidade entre 6 e 30 metros por segundo. A dor
lenta é transmitida por fibras muito menores e com velocidade de 0,5 a 2 metros por
segundo.

Quando entram na medula espinhal (a partir das raízes dorsais), as fibras de dor
terminam sobre neurônios nas pontas dorsais. Aqui, novamente, há dois sistemas
para o processamento dos sinais de dor no seu caminho para o cérebro: pelo feixe
neoespinotalômico (para a dor rápida) e pelo feixe paleoespinotalâmico (para a dor
lenta).

Mas toda dor é processada nas áreas sensórias somáticas, nas regiões inferiores do
encéfalo, tálamo e córtex.

Analgesia

Cada pessoa reage à dor de modo pessoal e extremamente variável, como parte da
capacidade do próprio cérebro suprimir a entrada de sinais de dor no sistema
nervoso, ativando um sistema de controle da dor chamado de sistema de analgesia.
O sistema tem neurônios secretores de encefalina, que são capazes de suprimir os
sinais da dor tanto na medula quanto no tronco cerebral.

A dor é muito mais do que um inofensivo sinal de que algo não vai bem no corpo. Ela
é capaz de agravar uma doença, prolongar o processo de cura, e até de
transformar-se em uma doença. A dor provoca males físicos, mentais e emocionais e
ninguém deve tolerar o sofrimento que a dor provoca: é sempre preciso combatê-la.

"A dor tem sido negligenciada, maltratada, mal diagnosticada", diz o doutor João
Augusto Figueiró, coordenador do Programa Nacional de Educação Continuada em
Dor, da Associação Médica Brasileira. "Ela desencadeia no homem o maior estresse
que ele pode suportar e as conseqüências são sérias, principalmente quando falamos
de dores crônicas

Por isso mesmo a Organização Mundial de Saúde decretou a primeira década do


século XXI como a década da pesquisa e do controle da dor.

No Brasil, estima-se que 36% da população sofra de dor crônica e existem 70


centros de estudos e tratamentos da dor. O Ministério da Saúde baixou, em 2003,
uma portaria criando os Centros de Referência em Tratamento da Dor Crônica no
Sistema Único de Saúde.

Ao contrário do que a maioria imagina, o repouso é contra-indicado nas grande


maioria dos casos de dor, segundo o doutor Manoel Jacobsen, neurocirurgião e chefe
do Centro da Dor do Hospital das Clínicas (São Paulo). "A imobilização do paciente
causa depressão e reforma a condição de mal-estar, aumentando a sensação
dolorosa."

carlos goldenberg goldweb@sel.eesc.usp.br


A dor também pode viciar, quando ela é aguda e não tratada, ensina a anestesista
Rioko Kimiko Sakata, chefe do Departamento da Dor da Uniesp. Diz ela que a maioria
das pessoas que sofrem de cefaléia crônica tiveram dores de cabeça aguda mal
tratadas.

Há uma relação, direta, entre o estado mental de uma pessoa e o estado doloroso:
várias pesquisas determinaram, cientificamente, que pessoas preocupadas, tristes ou
deprimidas, liberam menos noradrenalina e serotonina (bloqueadores do estímulo
doloroso), ficando mais sujeitas à dor.

Mas há pior: há a miséria de uma vida sem dor, a analgesia. A dor ensina a evitar
situações danosas para o corpo. Ela desencadeia reflexos de retirada do corpo ou de
parte dele, para longe dos estímulos danosos. E nos induz a evitar movimentos com
uma parte lesionada do corpo. O que quer dizer que a dor é educativa e tem
importância vital, isto é para a vida.

Algumas raras pessoas, no entanto, nascem ou ficam sem a capacidade de sentir dor
e passam a vida em constante perigo de autodestruição porque não se dão conta
dos danos que suas ações estão provocando ao próprio corpo. Mesmo treinadas,
intensamente, para evitar situações lesivas, essas pessoas sofrem degeneração
progressiva das articulações, das vértebras, sofrem deformações do esqueleto e, na
linguagem dos médicos, "vão a óbito" antes dos 30 anos.

Na literatura médica não há registro de pacientes de analgesia que tenham vivido


mais do que 30 anos. Mesmo para as pessoas com baixo nível de atividade
nociceptiva (isto é, de percepção da dor) sofrem com situações lesivas para seu
corpo, por não perceberem ou perceberem mal que o estão maltratando. Por
exemplo, pessoas normais, mesmo durante o sono, são informadas de que devem
mudar a posição do corpo para impedir a formação de escaras ou excesso de tensão
sobre uma parte do esqueleto.

Pessoas com ausência congênita ou adquirida (o que é raríssimo) de dor ou com


baixa atividade nociceptiva sabem que viver sem dor, ao contrário do que pode
imaginar a maioria, não são felizes. A dor é uma bênção, embora seja preciso fazer
de tudo para resolver o problema que nos causa qualquer tipo de dor.

carlos goldenberg goldweb@sel.eesc.usp.br

Você também pode gostar