Você está na página 1de 8

Reforma Administrativa e o Terceiro 

Setor

A reforma administrativa introduzida pelas Emendas


Constitucionais 19 e 20 na década de 90 foi surgiu como reflexo
das propostas de desestatização, desregulação, privatização e
enxugamento da máquina administrativa.

Com o fundamento na necessidade de modernização e de aumentar a


eficiência da administração pública, a descentralização das atividades
administrativas tornou- se uma alternativa defendida com veemência.
Nesse contexto surgem as agências autônomas e organizações sociais,
controladas por contratos de gestão, fortalecendo as organizações sociais
e consequentemente o Terceiro Setor.

O Estado passa então a papel de regulador, reduzindo suas atribuições


como executor direto ou prestador de serviços. Por conseguinte,
pretendeu-se reduzir os custos e obter melhores resultados, sob o
argumento de que a iniciativa privada pode ser mais eficaz, além da ideia
de ampliação da participação da comunidade na resolução dos seus
problemas.

A profa. Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2006), ao discorrer sobre o tema,


nos pontua:

Com o crescimento dos chamados direitos sociais e econômicos, postos


perante o Estado, este ampliou desmesuradamente o rol de suas
atribuições, adotando diferentes atitudes:

a) Algumas atribuições foram assumidas pelo Estado como serviços
públicos, entrando na categoria de serviços públicos comerciais,
industriais e sociais; para desempenhar esses serviços, o Estado
passou a criar número de empresas estatais e fundações;

b) Outras atividades, também de natureza econômica, o Estado


deixou na iniciativa privada, mas passou a exercê-las a título de
intervenção no domínio econômico, por meio de sociedades de
economia mista, empresas públicas e outras empresas sob controle
acionário do Estado;

c) Finalmente, outras atividades, o Estado nem definiu como serviço


público nem passou a exercer a título de intervenção no domínio
econômico; ele as deixou na iniciativa privada e limitou-se a fomentá-las,
por considerá-las de interesse para a coletividade. Desenvolveu-se,
então, o fomento como uma atividade administrativa de incentivo à
iniciativa privada de interesse público. O Estado fomenta a iniciativa
privada de interesse público. O Estado fomenta a iniciativa privada por
diferentes meios, como, os honoríficos (prêmios, recompensas, títulos e
menções honrosas), os jurídicos (outorga de privilégios próprios do
poder público, que outras entidades não têm) e os econômicos (auxílios,
subvenções, financiamentos, isenções fiscais, desapropriações por
[1]
interesse social etc).

A Reforma trouxe uma classificação encampada por Luiz Carlos Bresser


Pereira, acerca de um “espaço público não estatal”, no qual as relações
entre Estado e organizações privadas sem fins lucrativos passariam a ser
desenvolvidas com maior amplitude e extensão. Nesse cenário,
considerou-se tais entidades como públicas, porque prestam atividade de
interesse público, porém, não integram a Administração Pública nem
direta e nem indiretamente.

Importante rememorar que a Organização da Administração é a
estruturação das pessoas, entidades e órgãos que irão desempenhar as
funções administrativas; é definir o modelo do aparelho administrativo do
Estado. Essa organização se dá normalmente por leis e,
excepcionalmente, por decreto e normas inferiores.

Para estruturar a Administração Pública Federal e sistematizar as pessoas


jurídicas que a integram, foi introduzido o Decreto-Lei n. 200/67, que,
apesar de inúmeras alterações legislativas posteriores, continua em vigor.
Todavia, esse diploma tem várias impropriedades que geram alguns
equívocos, não podendo ser considerado a palavra final para a estrutura
administrativa. Admite-se que inúmeras de suas disposições foram
acolhidas pelo texto constitucional de 1988, mas isso não representa sua
totalidade, restando para o ordenamento infraconstitucional parte de suas
regras, a exemplo, a definição integral do regime jurídico aplicável às
[2]
pessoas da Administração Indireta .

O referido Decreto foi o responsável pela divisão da Administração Pública


em Direta e Indireta, estabelecendo em seu art. 4º que a Administração
Direta se constitui dos serviços integrados na estrutura administrativa da
Presidência da República e dos Ministérios e que a Administração Indireta
compreende as seguintes entidades, dotadas de personalidade jurídica
própria: autarquias, empresas públicas, sociedades de economia mista e
fundações públicas. Essa mesma organização prevista expressamente
para a ordem federal é observada para os demais âmbitos políticos, logo,
as esferas estaduais, municipais e distritais guardam com a estrutura
federal certo grau de simetria. Esse modelo, essa organização
administrativa dividida em Administração Direta e Indireta. No entanto,
conforme afirmado alhures, a atividade administrativa hoje também pode
ser prestada por pessoas que estão fora dessa estrutura da Administração
Pública. São pessoas jurídicas sujeitas a regime privado, que prestam

serviços públicos (ex.: concessionárias ou permissionárias de serviços
públicos) ou que cooperam com o Estado na realização de seus fins (ex.:
entes de cooperação). Nesse cenário de novos vínculos e ajustes
firmados é que se inserem as instituições pertencentes ao Terceiro Setor,
representado pelas entidades privadas que atuam em atividades de
interesse público, sem finalidade lucrativa.

Assim, nos dias de hoje, quando da análise da estrutura nacional, a


doutrina aponta quatro setores distintos.

No primeiro setor, encontra-se o Estado, entendido como um todo em que


se incluem a Administração Direta e a Indireta. Ao Estado cabe a missão
de dar oportunidades isonômicas para que a população tenha acesso a
serviços públicos de excelente qualidade, como uma das formas de
reduzir a perversa distância entre a ilha de ricos e o oceano de pobres. A
política de desenvolvimento deve prestigiar a geração de empregos e a
melhoria da distribuição de renda como pré-requisitos para um país
melhor.

No segundo setor, tem-se o mercado no qual vigora a livre-iniciativa e que


tem no lucro a sua singular motivação. Em regra, é reservado à iniciativa
privada. Entretanto, o Estado poderá intervir diretamente nesse mercado
em hipóteses excepcionais, tais como: nos casos das empresas públicas
e sociedades de economia mista quando exploradoras da atividade
econômica, o que será possível por imperativos da segurança nacional ou
[3]
por relevante interesse coletivo, sem fins lucrativos (art. 173, CF) ; de
forma indireta, quando fiscaliza ou planeja as diversas atividades, sendo
este planejamento determinante para o setor público e indicativo para o
privado (art. 174, CF); por monopólios elencados no art. 177, também da
Constituição Federal.

Identifica-se, ainda, o terceiro setor, que é marcado pela presença de
entidades de natureza privada, sem fins lucrativos, que exercem
atividades de interesse social e coletivo e que, por esse motivo, recebem
incentivos do Estado dentro de uma atividade de fomento. São
conhecidas como instituições de benemerência ou, tecnicamente, entes
de cooperação, que atualmente tiveram suas hipóteses ampliadas em
[4]
razão da introdução das novas “parcerias ”, cujo marco regulatório foi
instituído pela Lei n. 13.019/2014 e será estudado em aula própria.

Por fim, atualmente já se reconhece um quarto setor, sinônimo da


economia informal, o qual sobrevive por intermédio de criativos artifícios
para fugir das garras do leão do imposto de renda. Com passaporte
multinacional, o setor não tem preconceito, não discrimina e não provoca
exclusão social, profissional, racial, eleitoral, empresarial ou digital. Além
da “informalidade oficial”, se é que se pode assim denominá-la,
acrescente-se a ela o famoso “caixa dois”.

Esse setor ganhou relevância em virtude da larga faixa que representa no


PIB brasileiro. As estimativas sinalizam para um valor superior a uma
dezena de trilhões de dólares, ou seja, o mais poderoso império
econômico-financeiro.

Com isso, é visível o grande prejuízo causado à arrecadação tributária e


os danos causados à população mais pobre. Entre as causas da
economia paralela, destacam-se o elevado número de desempregados, a
elevada carga tributária, a legislação trabalhista ultrapassada, burocracia
excessiva, custos elevados para abertura de empresas, ineficiência do
Estado, além da ambição desenfreada e de atividades incompatíveis com
a transparência contábil, como é o caso do crime organizado, da pirataria
de CDs etc.

Esse quarto setor está infiltrado em todos os outros. No primeiro setor,
encontra-se o ladrão que não sobreviveria sem a proteção da polícia e
dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, lembrando-se que, hoje,
existem representantes dos bandidos. No segundo setor, há as
mercadorias roubadas, os combustíveis misturados com solvente. Por fim,
o terceiro setor também está batizado com ilegalidade, em decorrência
das inúmeras instituições que têm apenas a fachada de benemerência.

Com o advento da Constituição Federal de 1988, que reconheceu a


organização e a participação social como direitos e valores a serem
garantidos e fomentados, o povo brasileiro decidiu se organizar mais,
constituindo assim organizações não governamentais, o que hoje
representa aproximadamente trezentas mil entidades, que empregam
juntas mais de dois milhões de trabalhadores formais e assalariados,
formando um contingente bastante expressivo no cenário do emprego
nacional. Interessante ainda observar que os recursos governamentais
podem ser mobilizados por essas organizações, pois elas não dependem
do Estado, e sua maior parte se organiza, historicamente, com base em
recursos próprios e doações privadas.

Assim, a gestão pública democrática, a participação social, a autonomia


das organizações e o fortalecimento da sociedade civil irão somar-se aos
princípios da Administração Pública. Tais princípios tornam a gestão
pública mais conectada com a realidade da sociedade civil organizada no
Brasil e garantem às organizações a autonomia necessária para se
relacionar com o Poder Público.

[1]
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na Administração Pública: concessão,

permissão, franquia, terceirização e outras formas.5. ed. São Paulo: Atlas, 2006.
[2]
MARINELA, Fernanda. Manual de Direito Administrativo.Volume único. 16 ed. Editora

Juspodivm. São Paulo, 2022.

[3]
Importante alertar que não ter fins lucrativos não significa não obter lucro. A afirmação “não ter

fins lucrativos”, significa que a entidade não foi criada para o lucro; esta não é sua finalidade,

mas o lucro poderá acontecer.

[4]
A Lei n. 13.019/2014 havia introduzido conceitualmente, a terminologia “parcerias

voluntárias”, e essa expressão foi utilizada por nós na edição anterior, inclusive como título do

nosso tópico. Ocorre que em 14-12-2015 foi aprovada a Lei n. 13.204, que inicialmente tinha

como propósito apenas alterar o prazo de início da vigência do novo marco regulatório. No

entanto, introduziu inúmeras alterações ao texto original da Lei n. 13.019 e, dentre as

relevantes alterações, está a modificação no texto da ementa da lei, excluindo a expressão

“voluntária”.

Atividade Extra

O Direito Administrativo do Terceiro Setor: a aplicação do direito público às


entidades privadas sem fins lucrativos - Paulo Modesto.

Link: https://pge.rj.gov.br/comum/code/MostrarArquivo.php?
C=MzU4NA%2C%2C>

A reforma do marco legal do Terceiro Setor no Brasil: a criação da Lei das


OSCIP – Elisabete Roseli Ferrarezi .

Link:
https://repositorio.unb.br/bitstream/10482/1265/1/Tese_2007_ElisabeteFerrarezi

Referência Bibliográfica

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na Administração Pública:


concessão, permissão, franquia, terceirização e outras formas. 5. ed.
São Paulo: Atlas, 2006.

MARINELA, Fernanda. Manual de Direito Administrativo. Volume único.


16 ed. Editora Juspodivm. São Paulo, 2022.

MODESTO. Paulo. Reforma administrativa e marco legal das


organizações sociais no Brasil. Brasília a. 34 n. 136 out/dez. 1997.
Disponível em: <
https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/314/reformaadministrativa.p
sequence=6&isAllowed=y >.

Você também pode gostar