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ROTEIRO

DIDÁTICO
PARA O
ENSINO DE
ESTATÍSTICA:
A CIDADANIA
NA/PELA
MATEMÁTICA

Paulo Apolinário Nogueira


Eline das Flores Victer
Cristina Novikoff
Paulo Apolinário Nogueira
Eline das Flores Victer
Cristina Novikoff

ROTEIRO DIDÁTICO PARA O ENSINO DE ESTATÍSTICA:


A CIDADANIA NA/PELA MATEMÁTICA
Paulo Apolinário Nogueira
Eline das Flores Victer
Cristina Novikoff

ROTEIRO DIDÁTICO PARA O ENSINO DE ESTATÍSTICA:


A CIDADANIA NA/PELA MATEMÁTICA
APRESENTAÇÃO

A Estatística é um dos assuntos cobrados no ENEM e outras avaliações, em


razão de sua importância para compreensão da sociedade. Mas os alunos, por não terem
o hábito de ler, mostram grande dificuldade em responder questões que envolvam
textos, gráficos e tabelas. As mídias impressas, tais como jornais diários e revistas
semanais de informação são muito ricas nesses elementos, daí a importância de refletir
sobre o uso dessas “novas” tecnologias, esses “novos” recursos empregados como
ferramentas didáticas.
Partindo de uma visão sócio histórica da educação, é possível caracterizar o
processo de ensino e aprendizagem como um conjunto de ações e estratégias que devem
direcionar o educando, a apropriar-se de conhecimentos que possam ser úteis em sua
prática da cidadania.
Estas ações começam pelo entendimento de didática pragmática nos termos
rortynianos com um planejamento de aulas que contemplem tais estratégias, e a mais
significativa delas é a que tem a pesquisa no centro do plano de ações. A partir destes
pressupostos e tendo como base a nossa prática com a inserção e o uso das mídias
impressas nas aulas de matemática, elaboramos um material de apoio aos professores de
matemática dos Níveis Fundamental e Médio. Tal material configura-se como o produto
final deste estudo, denominamos de Roteiro Didático para o ensino da Estatística: A
Cidadania na/pela Matemática.
O material é uma contribuição para que outros professores possam, também
criar intervenções didáticas pragmáticas, com possibilidades de flexibilizar os conteúdos
de modo a possibilitar a autonomia docente. Um exemplo de seu uso seria a discussão
acerca dos números ou índices educacionais vigentes, seus fundamentos e base
políticas. Assim estaríamos oportunizando que os próprios alunos pensassem sua
condição de sujeito histórico que faz a história, que pode manter ou modificar os
cenários atuais.
Nosso objetivo é proporcionar o ensino de estatística, utilizando mídias
impressas, despertando a pró-atividade dos alunos relativamente aos conceitos, sendo a
didática pragmática o elo para o desenvolvimento dos mais variados tipos de
habilidades. Nossa proposta de inserção das mídias impressas nas aulas nos levou a
optar pelo uso da pesquisa como metodologia de ensino da Estatística e como objeto de
ensino de matemática, devido à constante presença de gráficos e tabelas nos veículos
que iríamos utilizar e ainda a relevância do tema na formação do aluno para o exercício
da cidadania (LOPES, 2005).
Neste Roteiro Didático trataremos da questão do ensino de estatística a partir
da didática pragmática utilizando mídias escritas nas aulas de matemática, na primeira
série do Ensino Médio, na Modalidade Curso Normal. Tal proposta está de acordo com
a Reorientação Curricular da Secretaria de Educação do Estado do Rio de Janeiro em
sua versão 2010, que colocou a Estatística como componente do currículo da primeira
série do Ensino Médio.
A intervenção didática que implementamos nas aulas durante o nosso estudo
nos trouxe subsídios à construção de uma sequência didática com foco nos conteúdos de
estatística, estas sequências forma o corpo do produto que ora apresentamos. Nosso
maior intuito é que este sirva como uma contribuição, um escopo, para que outros
professores possam, também criar intervenções didáticas pragmáticas, com
possibilidades de flexibilizar os conteúdos e modo a possibilitar a autonomia docente.
SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO DOS AUTORES...................................................................... 1


MOMENTOS DA HISTÓRIA DA ESTATÍSTICA............................................... 2
A IMPORTÂNCIA DA INSERÇÃO DE MÍDIAS IMPRESSAS NAS AULAS
DE MATEMÁTICA...................................................................................... 7
O ENSINO DE ESTATÍSTICA..................................................................................... 11
O EXAME NACIONAL DO ENSINO MÉDIO – ENEM................................. 15
O CONCEITO DE DIDÁTICA RECRIADO................................................... 19
A PESQUISA E SEUS RESULTADOS................................................................. 24
PLANOS DE AULA................................................................................................ 36
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS............................................................ 41
Roteiro Didático para o Ensino da Estatística 1

APRESENTAÇÃO DOS AUTORES

Paulo Apolinário Nogueira é professor de matemática, Mestre em Ensino de


Ciências na Educação Básica, atua na Escola de Educação, Ciências, Letras, Artes e
Humanidades da Universidade do Grande Rio – UNIGRANRIO leciona, dentre outras
disciplinas, estatística e probabilidade em turmas de graduação em engenharia e
administração. É Professor Docente I no Colégio Estadual José Veríssimo da Secretaria
de Estado de Educação do Estado do Rio de Janeiro SEEDUC/RJ onde trabalha com
turmas do Ensino Médio no curso de formação de professores onde foram realizadas as
atividades que subsidiaram a construção desse roteiro didático.
Eline das Flores Victer é professora de matemática com doutorado em
Modelagem Computacional pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (2008),
mestrado em Modelagem Computacional pela Universidade do Estado do Rio de
Janeiro (2003). Graduado em Licenciatura em Matemática pela Universidade do Estado
do Rio de Janeiro (1999). Atualmente é Professor Adjunto Doutor da Universidade do
Grande Rio –UNIGRANRIO. Atua no Mestrado Profissional em Ensino das Ciências e
Matemática da Escola de Educação, Ciências, Letras, Artes e Humanidades da
Universidade do Grande Rio – UNIGRANRIO.
Cristina Novikoff possui Doutorado em Educação com ênfase em Psicologia da
Educação pela Pontíficie Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP-2006) Mestrado
em Educação pela Universidade do Rio de Janeiro (UERJ-2002) pós-graduação em
Formação Docentes (UGF/2000), pós-graduação em Psicopedagogia (FERP/1998) pós-
graduação em ginástica escolar (UNIFOA/1993) Graduação em Pedagogia pela
Fundação Educacional Rosemar Pimentel (FERP/1990) Graduação em Educação Física
pelo Centro Universitário de Volta Redonda (UNIFOA/1987) Tem experiência
administrativa, acadêmica e científica. Na administração como Diretora Acadêmica
coordenou o processo de reconhecimento do Centro Universitário de Volta Redonda e
de seus cursos, gestando com ênfase em Avaliação de Sistemas, Avaliação de
Instituições de Ensino Superior, Projetos Pedagógicos, Planos e Programas
Educacionais. Atualmente é professora da Universidade do Grande Rio Prof. José de
Souza Herdy UNIGRANRIO. Quanto a pesquisa, coordena o Laboratório do Grupo de
Estudos e Pesquisas em Representações Sociais na/para Formação de Professores -
LAGERES_Unigranrio, estuda e pesquisa temas que podem ser considerados de
estratégicos para as políticas educacionais: valores, representações sociais, formação de
professores, jovens, avaliação institucional e legislação do ensino superior.
Roteiro Didático para o Ensino da Estatística 2

MOMENTOS DA HISTÓRIA DA ESTATÍSTICA

A Estatística nos dias de hoje é uma ferramenta indispensável para o exercício


da cidadania. Ela permite analisar informações e subsidiar a tomada de decisão, seja na
vida pessoal seja no mundo do trabalho. A sua presença é tão marcante que se pode até
pensar que seus métodos e técnicas são frutos exclusivos do mundo contemporâneo,
porém a história nos informa que a estatística já era utilizada como base para a tomada
de decisões no mundo antigo. Para melhor explicitação da relevância e presença do
raciocínio estatístico no desenvolvimento sócio-histórico, vamos destacar os principais
momentos da história da Estatística. Antes disso, a fim de estabelecer o entendimento
do conceito ao longo dos tempos observemos a análise etimológica do vocábulo feita
por Lopes e Meirelles (2005, p. 2)
Ao verificarmos a etimologia da palavra estatística, defrontamo-nos com o registro da
forma italiana statistica, desde 1633, com o sentido de “ciência do estado”. Do alemão
Statistik, originou-se a palavra francesa Statistique em 1771; a espanhola Stadística
em 1776; a inglesa statistics em 1787; e, finalmente, a portuguesa Estatística no início
do século XIX.

A palavra Estatística derivou-se de “Status” (Estado) e significava um conjunto


de descrições e dados relativos ao Estado, representando assim, uma poderosa
ferramenta para os administradores.
Outro raciocínio em relação ao termo “estatística” relaciona-o a “censo”,
palavra que vem do latim census, e quer dizer "conjunto dos dados estatísticos dos
habitantes de uma cidade, província, estado, nação, etc." (IBGE, 2010). No Dicionário
Aurélio, a palavra censo refere-se a “Conjunto dos dados estatísticos dos habitantes de
uma cidade, província, estado, nação, etc., com todas as suas características; censo
demográfico; recenseamento”.
Isso posto, passamos a considerar o emprego do termo “estatística” adotando
uma perspectiva histórica. Com a invenção dos sistemas de numeração e o aparecimento
das cidades, o homem não só passou a quantificar o mundo da produção e do consumo
como também a contar e recensear, com o objetivo de planejar melhor suas ações
administrativas. Ou seja, o homem estendeu o uso dos números à produção (tornar
abrangente) de dados que favorecia o planejamento de ações da administração pública
ou bélicas. Conforme destaca Memória (2004),
Ainda hoje, no conceito popular a palavra estatística evoca dados numéricos
apresentados em quadros ou gráficos, publicados por agências governamentais,
referentes a fatos demográficos ou econômicos. A etimologia da palavra, do latim
status (estado), usada aqui para designar a coleta e a apresentação de dados
quantitativos de interesse do Estado, bem reflete essa origem. Entretanto, a mera
coleta de dados assim apresentados está longe de ser o que entendemos, hoje, por
Estatística. Na verdade, sua feição essencial é a de ser um conjunto de métodos
(métodos estatísticos), especialmente apropriado, (...) ao tratamento de dados
Roteiro Didático para o Ensino da Estatística 3

numéricos afetados por uma multiplicidade de causas. Esses métodos fazem uso da
Matemática, particularmente do cálculo de probabilidades, na coleta, apresentação,
análise e interpretação de dados quantitativos (p.10).

O interesse político, militar e econômico sobre a expansão territorial e as


questões tributárias, historicamente, foram decisivos para a realização dos censos
(WADA, 1996, p. 13).
Em outra perspectiva, Martin, (2001, p. 3) afirma que
As primeiras tentativas de enumeração de indivíduos ou de bens começam com os
grandes impérios da Antiguidade, cujas estruturas administrativas eram fortes:
preocupados em gerir e administrar seu império do melhor modo, os poderes centrais
procuraram conhecer melhor sua extensão territorial e o número de seus súditos. Foi
assim que as civilizações egípcia, mesopotâmica e chinesa, como antes delas a
civilização dos sumérios (5000 a 2000 a.C.), realizavam pesquisas censitárias das
quais alguns traços chegaram até nós. O objetivo desses recenseamentos era, antes de
tudo, responder à necessidade da administração do império: responder às necessidades
de mão-de-obra em vista da construção das grandes pirâmides; responder às
preocupações fiscais.

Observa-se, nesse caso, o aspecto administrativo do Censo. Sua presença faz


parte da história da Mesopotâmia, do Egito e da China. Os egípcios, por exemplo,
registraram em sua história a falta de mão-de-obra relacionada à construção de
pirâmides e inscrições do terceiro milênio antes de Cristo mostram escribas trabalhando
a favor da administração pública (GARBI, 2006, p.11).

Fonte: Garbi (2006)


Figura 1: Escribas registrando o pagamento de impostos (Egito 3000 a. C.)

Ainda no Egito, descobertas arqueológicas referentes ao terceiro milênio antes


de Cristo, apresentam uma inscrição que relata o espólio de guerra do rei Narmer, que
unificou o Baixo e o Alto Egito por volta de 2900 a.C.. A Figura 2 referente a esse
achado arqueológico enumera a frequência dos dados de acordo com as categorias:
animais e prisioneiros.
Roteiro Didático para o Ensino da Estatística 4

Fonte: Georges Ifrah (2005).


Figura 2: Espólio de guerra do rei Narmer.

Na Figura 2, observa-se o total do resgate em cabeças de gado, cabras e prisioneiros


após sua campanha de guerra, conforme a Figura 3: “400.000 touros, 1.422.000 cabras, 120.000
prisioneiros”.

Fonte: Georges Ifrah (2005).


Figura 3: Transliteração dos dados da Figura 2.

Na China, no século XXIII a.C., o Imperador Yao, decretou que fosse feito um
recenseamento com fins agrícolas e comerciais. Também na região da Mesopotâmia
foram encontrados registros na biblioteca de Assurbanipal, com diversas informações
sobre o Império Assírio. Há ainda informações sobre o Censo hebraico e o Censo de
Israel no tempo de Moisés cerca de 1700 a.C. cuja referência nos remete à Bíblia
Sagrada (1993) no Livro de Números Capítulo 1, Versículo 2, “Tomai a soma de toda a
congregação dos filhos de Israel, segundo as suas famílias, segundo as casas de seus
pais, conforme o número dos nomes de todo homem, cabeça por cabeça;”.
No século XVI a.C., os egípcios realizavam censos periodicamente. Os
romanos e os gregos já realizavam censos por volta dos séculos VIII a IV a.C., sendo
que os romanos fizeram 72 censos entre 555 a.C. e 72 d.C. No período 578-534 a.C.
(IBGE, 2010), o imperador Servo Túlio mandou realizar um censo de população e
riqueza que serviu para estabelecer o recrutamento para o exército, para o exercício dos
direitos políticos (cidadania) e para o pagamento de impostos.
Há outras referências bíblicas aos censos. Por exemplo, no Segundo Livro de
Samuel, relatando o levantamento do número de homens do povo de Israel e de Judá e
Roteiro Didático para o Ensino da Estatística 5

no Evangelho de Lucas, em que há um relato de que por ordem do imperador romano,


César Augusto, deveria ser realizado um recenseamento no qual os habitantes de toda a
terra1 deveriam recensear-se no local em que nasceram. Esse seria o motivo pelo qual
Jesus Cristo nasceu em Belém e não em Nazaré. E com base nessas informações,
inferimos que o surgimento do Natal possui referências estatísticas indiretas.
Na idade Média, no ano de 1086, Guilherme, “O Conquistador”, invasor
normando da Inglaterra, mandou fazer um levantamento detalhado das propriedades
rurais dos conquistados anglo-saxões para se inteirar de suas riquezas (MEMÓRIA
2004, p.11). Desse trabalho resultou o Doomesday Book (livro do dia do juízo), uma
importante fonte de dados sobre Estatística descritiva da Inglaterra Medieval. No século
XVI, foram feitos levantamentos de dados estatísticos para o governo italiano por
Francesco Sansovino e Giovanni Botero em 1583, denominado Del Governo et
Administrazoni de Diversi Regni e Republiche, o que evidencia o uso da Estatística pelo
Estado.
O início dos tempos modernos foi marcado pela autonomia de diversas
disciplinas que faziam parte da Filosofia. A Estatística começa nesse período seu
percurso como disciplina autônoma. John Graunt (1620-1674), um próspero negociante
londrino de tecidos, publicou em 1662, um pequeno livro intitulado Natural and
Political Observations Mentioned in a Following Index and Made upon the Bills of
Mortality. Seu estudo “foi baseado sobre razões e proporções de fatos vitais, nos quais
ele observou uma regularidade estatística num grande número de dados. Por seu
trabalho foi eleito Fellow of the Royal Society (F. R. S.), sociedade científica fundada
em 1660, por Carlos II” (MEMÓRIA 2004, p.13). Graunt fundou, em conjunto com
Willian Petty (1653-1687), uma área chamada “Aritmética Política” à nova arte de
raciocinar por meio de dados sobre fatos relacionados com o governo (BERLINGHOFF
e GOUVÊA, 2010, p. 220). Graunt fez um estudo analítico de batismos, casamentos e
óbitos, descobrindo certas regularidades nos fatos citados.
A partir do século XVI começaram a surgir as primeiras análises sistemáticas
de fatos sociais, como batizados, casamentos e funerais. Por volta do século XVIII, as
tabelas tornaram-se mais completas, surgiram as primeiras representações gráficas e o
cálculo das probabilidades, e a Estatística deixou de ser uma simples catalogação de
dados numéricos para se tornar uma nova ciência.
Mais próximo dos nossos dias a Estatística destacou-se pelo aperfeiçoamento
técnico e científico iniciado em 1853 com o 1º Congresso de Estatística. Desse período
em diante, o método estatístico tem sido aperfeiçoado e cada vez mais aplicado aos
diferentes campos do conhecimento. Tabelas complexas, representações gráficas, o uso
da teoria da probabilidade consolidou a base teórica da inferência estatística. Com isto a
Estatística tornou-se o estudo de como chegar a conclusões sobre o todo (população), a
partir da observação de uma parte do todo (amostra).

1
Toda a terra refere-se aos domínios do Império Romano.
Roteiro Didático para o Ensino da Estatística 6

A breve discussão sobre o surgimento e uso da estatística na história nos


possibilita ressaltar que ao longo do tempo, o termo estatística fazia referência a
“ciência do estado”. Entretanto, o sentido que atualmente atribuímos ao termo foi
registrado pelo alemão Gottfried Achenwall (1719-1772), por meio da palavra
staatenkunde em 1748 (PAMPLONA, 2010, p. 235; LOPES & MEIRELLES, 2005, p.
2). O que hoje conhecemos como Ciências Estatísticas, ou Estatística, é um conjunto de
técnicas e métodos de pesquisa que, envolve o planejamento do experimento, a coleta
dos dados, a inferência, o processamento, a análise e a disseminação das informações
(ENCE, 2010). Atualmente, a Estatística tem por objetivo fornecer métodos e técnicas
para lidarmos, racionalmente, com situações sujeitas a incertezas.
Roteiro Didático para o Ensino da Estatística 7

A IMPORTÂNCIA DA INSERÇÃO DE MÍDIAS IMPRESSAS NAS


AULAS DE MATEMÁTICA

Lev Vygotsky parte da premissa de que o desenvolvimento cognitivo não pode


ser entendido sem referência ao contexto social, histórico e cultural no qual ele ocorre.
Assim, o professor deve entender que o educando está a todo tempo cercado de
informações, na escola, em casa, na internet, em vários lugares, e estas devem ser
levadas para a sala de aula como ferramentas para auxiliar o aprendizado, bem como um
debate a ser feito para iniciar uma aula ou para introduzir os alunos nos temas sobre
atualidades.
Desde o ensino fundamental o educando está acostumado a estudar para as
provas e não necessariamente a pensar, com a finalidade de desenvolver o raciocínio
lógico, a habilidade de argumentação e a utilização do conhecimento com naturalidade e
autonomia. Percebemos ainda que nossos alunos sabem manipular muito bem as
ferramentas tecnológicas disponíveis, e que ainda levando em conta as facilidades
proporcionadas por esses novos meios de comunicação e informação permanece, a
necessidade de ler impressos: como livros, revistas, jornais e outros materiais que
constituem um registro permanente do passado e do presente.
O aluno que tem contato com a leitura desde a educação Infantil tem maior
capacidade de reter, entender e refletir sobre os assuntos estudados em sala de aula e até
mesmo na vida. A matemática torna-se mais compreensível quando sabemos interpretá-
la e entendê-la. O trabalho com informativos ou jornais escolares são exemplos de
produções significativas que vem ganhando campo em muitas escolas, principalmente
por possibilitar um universo de abordagens.
O contexto acima descrito, da onipresença das tecnologias da informação,
comandadas pelo computador, nos desafia a procurar soluções tendo em vista resgatar a
importância da leitura na escola. Na visão de Rocha (2008) o uso do computador não
elimina a importância singular da leitura no contexto atual.
O computador e as diversas práticas a ele relacionadas seriam os grandes responsáveis
pelo enfraquecimento do desempenho de nossos alunos. Partindo de uma visão do
processo de ensino e aprendizado fundamentado na leitura e na escrita, assistimos com
certa dose de preocupação o surgimento dessas tecnologias, que muitas vezes são
responsabilizadas pela falta do hábito de leitura e pelas dificuldades de escrita de
nossos alunos. Nossa preocupação é que o livro a cada dia perde o seu espaço para
produtos de qualidade duvidosa e, como consequência, nossa prática calcada na
valorização do livro, de uma determinada concepção de leitura e da escrita se vê
ameaçada. (p. 1)

Dessa forma, julgamos importante dispor de elementos de mídia impressa que


possibilitem maior envolvimento com a prática da leitura, não desprezando as novas
tecnologias, nem admitindo ser suplantados por elas, mas fazendo-as interagir. A
presença das novas e antigas tecnologias sempre fez parte da história humana. Levy
(1999) nos lembra que “se alguns tempos sociais e estilos de saber peculiares estão
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ligados aos computadores, a impressão, a escrita e os métodos mnemotécnicos das


sociedades orais não foram deixados de lado” (75).
O nosso educando precisa ser direcionado, segundo Freire (1996, p. 31), à
criticidade, ou seja, ao processo de criticizar a curiosidade tornando-a curiosidade
epistemológica. Produzindo uma mudança de qualidade, mas não de essência. Nas suas
leituras não é suficiente a interpretação, é preciso fazer também uma leitura crítica dos
conteúdos e seus significados, essa prática no cotidiano escolar será um estímulo para
transpor esta criticidade para suas ações como cidadão. Villard (2005) afirma que a
prática da leitura nos transforma em leitores críticos. Um caminho possível para
alcançar tal objetivo é a utilização das mídias impressas na sala de aula.
Lopes (1998) faz algumas considerações sobre o potencial que os nossos
alunos trazem para e escola e de que forma as diversas mídias podem contribuir na
prática docente de matemática, colaborando para a formação de atitudes positivas e
significativas em relação ao contexto.
Acreditamos que isso signifique uma atitude de respeito aos saberes que o estudante
traz à escola, que foram adquiridos por sua vida em sociedade. Em nosso modo de
entender, seria necessária a discussão de temas, como a poluição dos rios e mares, os
baixos níveis do bem-estar das populações, o abandono da saúde pública,... ; questões
que estão em jornais de todos os dias, em reportagens de televisão ou em manchetes
de revistas. Trabalhando a análise dessas questões que estão sempre envolvidas em
índices, tabelas, gráficos ..., podemos estar viabilizando a formação de cidadãos
críticos, éticos e reflexivos. (p. 16)

A realidade escolar dos alunos que chegam ao Ensino Médio é preocupante,


pois, observam-se alunos pouco habituados à leitura, pouco participativos, com grande
medo de errar por receio de serem repreendidos pelos colegas ou mesmo por
professores, e ainda mais preocupados em saber se o assunto será cobrado nas
avaliações do que em compreender os conceitos. O professor, na maioria das vezes, é
para o aluno incontestável, tudo que ele apresenta, deve ser retido e reproduzido em
uma prova, como um modelo sem alterações e sem significado, apenas reproduzido para
que no fim do ano eles (alunos) obtenham a nota para passar, mesmo que não haja
aprendizado. Dessa forma configura-se certo imediatismo por parte do aluno, no qual é
mais importante reproduzir procedimentos do que envolver-se com o processo de
construção do conhecimento. Essa condição que se reflete nas perguntas recorrentes:
“quanto vale?” e ainda “irá cair na prova?”
Paralelamente a esse fato observa-se uma mudança no formato das avaliações
externas que cobram dos alunos uma interpretação do mundo a partir do seu
conhecimento escolar, de maneira a provocar uma interação entre a escola e a realidade
e com isso modelando e dando significado ao aprendizado. Entre essas avaliações
destacam-se o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) e o Sistema de Avaliação da
Educação Básica do Estado do Rio de Janeiro (SAERJ). O primeiro com o objetivo de
promover a acessibilidade ao Ensino Superior e este último visa avaliar a qualidade da
Roteiro Didático para o Ensino da Estatística 9

Educação Básica no âmbito estadual. Analisando os itens constantes nesses exames é


notória a presença de questões envolvendo gráficos e tabelas extraídas das mídias
impressas.
No ambiente escolar, existe um universo de textos impressos que predomina
como suporte didático. No dizer de Moreira (1998) “os materiais impressos representam
a tecnologia dominante e hegemônica em grande parte dos processos de ensino e
aprendizagem que ocorrem nas escolas.” (p. 97). Nesse contexto, encontram-se vários
formatos: os livros-texto, os livros de consulta (dicionários, enciclopédias, anuários,
livros de biografias manuais, atlas, índices bibliográficos), cadernos de exercícios e
fichas de trabalho, periódicos (jornais e revistas) e histórias em quadrinhos. Todos esses
materiais formam o universo de textos impressos que fazem parte daquele possível de
ser utilizado na sala de aula como suporte textual impresso.
O jornal impresso, embora não seja especificamente uma mídia produzida para
ser consumida na sala de aula, pode ser utilizado no contexto escolar – assim como o
rádio, a televisão e a internet. Sua utilidade se confirma, de acordo com Moreira (1998)
por
[...] oferecer uma grande quantidade de dados, notícias e opiniões sobre temas e
questões da realidade contemporânea. São [os jornais] também econômicos, fáceis de
conseguir, podem ser produzidos em muitas cópias e constantemente apresentam
informação atualizada (p. 97).

O mesmo autor também argumenta ainda que o jornal poderia ser utilizado
basicamente de duas maneiras: a primeira, como objeto de estudo, e a segunda como
fonte de informações e apropriação de conhecimento.
Nesta pesquisa usaremos as mídias impressas, jornais e revistas, como fonte de
informações e apropriação de conhecimento na perspectiva de proporcionar um
ambiente de criticidade em sala de aula e obter de forma contextualizada os conteúdos
básicos de Estatística Descritiva. Nosso pressuposto é que a estatística lida com dados
(números) em um contexto, e nesse caso, o das notícias e informações, presentes nessas
mídias.
A inserção das mídias impressas na sala de aula de matemática pode ser
justificada pelo vínculo existente entre a Estatística com a sociedade da informação dos
tempos atuais. Segundo Lopes (2004)
A complexa sociedade contemporânea exige a qualificação de uma diversidade de
informações. A estatística, com os seus conceitos e métodos para coletar, organizar,
interpretar e analisar dados, tem-se revelado um poderoso aliado neste desafio que é
transformar a informação tal qual se encontra nos dados analisados que permitem ler e
compreender uma realidade. Talvez por isso, se tenha tornado uma presença constante
no dia-a-dia de qualquer cidadão, fazendo com que haja amplo consenso em torno da
idéia necessária da literacia estatística, a qual pode ser entendida como a capacidade
para interpretar argumentos estatísticos em textos jornalísticos, notícias e informações
de diferentes naturezas (p. 187).
Roteiro Didático para o Ensino da Estatística 10

De acordo com os BRASIL, (2002). , a Matemática para o Ensino Médio “tem


um valor formativo, que ajuda a estruturar o pensamento e o raciocínio dedutivo, porém
também desempenha um papel instrumental, pois é uma ferramenta que servirá para a
vida cotidiana e para muitas tarefas específicas em quase todas as atividades humanas”
(p. 39).
Em síntese, as teorias trabalhadas na didática permitem compreender que há
valor na estatística quando se trabalha a matemática de modo que esta promova o
desenvolvimento de habilidades e competências de: representação e comunicação,
investigação e compreensão e contextualização sócio-cultural. De outro modo,
desempenhe impacto na vida do aluno, possibilitando se ver cidadão que faz escolhas
pessoais e profissionais conscientes.
Roteiro Didático para o Ensino da Estatística 11

O ENSINO DE ESTATÍSTICA

A demanda por conhecimentos de Estatística impulsionou a sua inserção no


currículo de matemática da Educação Básica. Batanero (2001, p.3) informa que foram
desenvolvidos vários projetos curriculares nas últimas décadas, tais como: Schools
Council Project on Statistical Education no Reino Unido (1957-1981) e Quantitative
Literacy Project (1985-1998) e Data Driven Mathematics (1996 - 2000) nos Estados
Unidos. Esses projetos intensificaram a produção acadêmica na área. Por exemplo,
podemos citar o Grupo de Trabalho de Ensino de Estatística e Probabilidades da
Sociedade Brasileira de Educação Matemática (GT-12 da SBEM), que publicou
recentemente o livro Estudos e Reflexões em Educação Estatística (LOPES et al.,
2010).
Batanero, ao prefaciar o livro: Tratamento da Informação Para o Ensino
Fundamental e Médio de Carzola e Santana (2006), pontua as seguintes razões para o
ensino de estatística:
A Estatística é uma parte da cultura geral desejável para futuros cidadãos, aqueles que
precisam adquirir a capacidade de leitura e interpretação de tabelas e gráficos
estatísticos que aparecem com frequência em meios informativos.
Ajuda os alunos a compreenderem outras disciplinas do currículo, nas quais
frequentemente aparecem ideias estatísticas.
Seu estudo ajuda o desenvolvimento pessoal, incentivando um raciocínio crítico, com
base na avaliação de dados objetivos.
É útil para a vida profissional, pois muitas profissões exigem pelo menos um
conhecimento básico sobre o assunto. (p.7)

A partir dessas razões, apontadas por Batanero (in CARZOLA e SANTANA,


2006), construímos o diagrama conforme a Figura 4

Figura 4: Diagrama da Educação Estatística

Nesse diagrama procuramos mostrar as relações da Educação Estatística com a


formação do cidadão (cidadania), a construção do conhecimento disciplinar e
interdisciplinar bem como o futuro exercício de uma profissão.
Roteiro Didático para o Ensino da Estatística 12

O Ensino de Estatística no Brasil

O ensino de estatística no Ensino Médio teve lugar no Brasil, pela primeira vez
na década de 1950, por meio do livro do professor Oswaldo Sangiorgi editado pela
Companhia Editora Nacional, destinado a alunos do então Curso de Magistério. Isso no
período anterior a inserção da Matemática Moderna na Educação Matemática brasileira.
Na década de 1960, o Brasil buscou uma direção para o ensino das ciências,
tidas hoje como ciências exatas. Assim, seguiu uma linha de ação de países centrais do
chamado “bloco ocidental” que patrocinaram alguns projetos de maneira a nortear o
ensino da época que era tradicional e precisava de reformulação para melhorar o
processo de aprendizagem. Para isso, foi promulgada a LDB 4024/61. As propostas para
o ensino de ciências orientavam-se pela necessidade de que o currículo atendesse aos
conhecimentos científicos e seus avanços. As novas concepções educacionais se
voltaram do eixo das questões pedagógicas, dos aspectos lógicos para aspectos
psicológicos, com a participação ativa do aluno no processo de aprendizagem.
De acordo com os PCN:
[...] a formação e expansão de centros de Ciências e de Matemática, em vários
Estados, teve a finalidade de preparar professores para o desenvolvimento de ensino
proposto nos projetos traduzidos e em produções próprias que tiveram grande
influência na década seguinte. (BRASIL, 1998)

Na década de 1970, a proposta foi a democratização do conhecimento


científico, que foi paralelo ao crescimento da parcela da população atendida pela rede
escolar, pois notou-se que aos cidadãos comuns também cabia o acesso à vivência
cientifica, que antes era reservado aos futuros cientistas. Este crescimento se deu de
forma mais marcante no ensino médio. Nesse mesmo período, o modelo de
industrialização acelerada acarretou o processo de urbanização de grande parte da
população.
Ainda nessa época, o modelo de industrialização acelerada impôs, em todo o mundo,
custos sociais e ambientais altos, de forma que, particularmente no Ensino
Fundamental, os problemas relativos ao meio ambiente e à saúde humana começaram
a estar presentes em currículos de ciências. Discutiam-se implicações políticas e
sociais da produção e aplicação dos conhecimentos científicos e tecnológicos, com
algum reflexo nas salas de aula. Foi nesse momento que se inaugurou a ideia de que
tecnologia é integrante efetiva dos conteúdos educacionais, lado a lado com as
ciências. (BRASIL, 2002, p.47)

Às aulas de matemática, permitiu-se uma mudança na visão e nos métodos


impostos pelo movimento de matemática moderna.
Nesse mesmo tempo, ocorria um movimento mundial que admitia “a
importância do desenvolvimento do raciocínio probabilístico para rever a necessidade
de intervir na cultura determinística das aulas de Matemática, a dimensão política e ética
do uso da Estatística” (CARZOLA, KATAOKA e SILVA 2010, p. 19).
Roteiro Didático para o Ensino da Estatística 13

Até a última década do século XX, no Brasil, os conceitos básicos de


Estatística praticamente não faziam parte da estrutura curricular da Educação Básica.
Entretanto, a expansão do movimento pela inserção da Estatística na Escola Básica em
outros países repercutiu em nosso país. Assim sendo, podemos afirmar que a inclusão
de formação para o conhecimento estatístico não surgiu devido a uma decisão
genuinamente nacional, mas é decorrente de uma adesão a ações desenvolvidas em
outras nações.
Com a publicação dos Parâmetros Curriculares Nacionais, na década de 1990,
oficializa-se a inserção dos conceitos básicos de estatística na estrutura curricular do
Ensino Fundamental (BRASIL, 1997, 1998) e do Ensino Médio (BRASIL, 2002, 2006).
No ensino Fundamental tais conteúdos passaram a fazer parte do bloco “Tratamento da
Informação” e no Ensino Médio do eixo “Análise de Dados”.
Os PCN propõem o ensino de Estatística inserido no bloco de conteúdos
denominado “Tratamento da Informação”. Tal proposta levou para a sala de aula temas
antes restritos às discussões acadêmicas com o objetivo de proporcionar o
desenvolvimento, por parte do aluno, de reflexões críticas da realidade à sua volta, por
intermédio de números, tabelas e gráficos. Segundo Lopes e Carvalho (2005, p. 87) o
ensino de Estatística é justificado pela demanda social e por sua constante utilização na
sociedade atual, em razão da necessidade de o indivíduo compreender as informações
veiculadas, tomar decisões e fazer previsões que influenciam sua vida pessoal e em
comunidade.
O ensino de Estatística é de grande importância para a vida do educando e deve
contemplar elementos que contribuam de forma significativa para os indivíduos em
formação. Essas questões não devem passar despercebidas, pois como afirma Lopes
(2010)
Quando se pensa em pessoas e cidadãos competentes em Estatística, Matemática ou
outra qualquer disciplina, não se pode reduzir essa competência aos seus saberes
característicos; é preciso acrescentar outras duas dimensões fundamentais: as atitudes
e os valores; e as capacidades. (p. 53).

Nesse contexto, observa-se que não podemos utilizar apenas modelos a serem
seguidos e reproduzidos sem significado para os alunos. Cabe trabalhar a Estatística
como um cidadão deve compreendê-la, relacioná-la à vida social, às ações, aos valores e
às capacidades dos indivíduos. De acordo com Lopes (1998),
Não basta ao cidadão entender as porcentagens expostas em índices estatísticos como
o crescimento populacional, taxas de inflação, desemprego, [...] é preciso
analisar/relacionar criticamente os dados apresentados, questionando/ponderando até
mesmo sua veracidade. Assim como não é suficiente ao aluno desenvolver a
capacidade de organizar e representar uma coleção de dados, faz-se necessário
interpretar e comparar esses dados para tirar conclusões. (p. 19)
Roteiro Didático para o Ensino da Estatística 14

De fato, os cidadãos em formação, precisam desenvolver competências2, para


extrair as informações a partir de gráficos ou tabelas expostos em textos jornalísticos ou
outro tipo de mídia, de forma a realizar uma avaliação crítica e consciente dos
resultados e conclusões.
A Estatística foi por muito tempo vista como uma ferramenta para a
organização dos estados e das grandes corporações do mundo da produção, o que afirma
Carzola; Kataoka e Silva (2010):
A Estatística nos seus primórdios, estava relacionada à organização e à sistematização
do Estado, visando subsidiar decisões políticas, econômicas e sociais dos países.
Somente no século XX seus métodos foram incorporados à pesquisa cientifica e
empírica, pela capacidade inferencial de suas técnicas, bem como pelo auxilio na
tomada de decisões em condições de incerteza. Consequentemente, seu ensino
começou a fazer parte dos diversos cursos de graduação e pós-graduação, assim como
de cursos técnicos de nível médio.( p. 19)

Na educação, começou-se a pensar em estatística como um conhecimento que


capacita o cidadão oferecendo-lhe suporte para uma tomada de decisões em condições
de incerteza. A sua presença é de fundamental importância para a formação do
educando. De fato a estatística teve sua importância destacada a partir do auxílio ao
Estado, entretanto sua necessidade foi percebida para o currículo, de quase todos os
segmentos do ensino, por considerá-la fundamental para tomada de decisões.

2
Competência de área 6 - Interpretar informações de natureza científica e social obtidas da leitura de
gráficos e tabelas, realizando previsão de tendência, extrapolação, interpolação e interpretação. (Matriz do
novo Exame Nacional do Ensino Médio - ENEM).
Roteiro Didático para o Ensino da Estatística 15

O EXAME NACIONAL DO ENSINO MÉDIO - ENEM

O Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) foi criado pela Portaria


Ministerial nº 438, de 28 de maio de 1998, pelo Ministro da Educação e do Desporto
Paulo Renato Souza, na gestão do Presidente da República, Fernando Henrique
Cardoso, atendendo a necessidade da legislação, visto que a Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional, (LDBEN), Lei nº 9.394/96, estabelece que todos os níveis de
ensino devem ser objeto de avaliação, visando à definição de prioridades e à melhoria
da qualidade de ensino. Niskier (2007) destaca uma série de inovações pedagógicas
incorporadas pela Lei n° 9.394/96, entre as quais citamos:
[...] não há mais a exclusividade do exame vestibular para ingresso no nível superior.
Serve outro processo seletivo, como as notas tiradas durante o 2º grau [Ensino Médio].
O MEC realizará o Exame Nacional de Segundo Grau, aberto a todos os concluintes,
valendo para ingresso no 3º grau.
[...] criou o processo nacional de avaliação das instituições de educação superior – e
também do rendimento escolar dos alunos do ensino fundamental, médio e superior.
(NISKIER, 2007, pp. 27 e 28)

As duas mudanças propostas criaram as condições necessárias e suficientes


para a implementação e consolidação do ENEM.
O ENEM é um exame com adesão voluntária e foi idealizado pelo Instituto
Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), do Ministério da
Educação (MEC), para avaliar competências e habilidades dos alunos, segundo uma
nova perspectiva do papel da escola, em consonância com os PCN. A prova afere a
capacidade do aluno para aplicar o seu potencial de raciocínio crítico, resolver
problemas e avaliar o seu papel na sociedade. “O principal objetivo do ENEM é avaliar
o desempenho do aluno ao término da escolaridade básica, para aferir o
desenvolvimento de competências fundamentais ao exercício pleno da cidadania”.
(INEP, 2002, p. 5).
Como complemento desse objetivo fundamental, há ainda uma série de
objetivos específicos, descritos na Portaria Nº 109, de 27/05/2009, (2009a) do Instituto
Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), que dispõe
sobre o Enem/2009.
[...] oferecer uma referência para que cada cidadão possa proceder à sua auto
avaliação com vistas às suas escolhas futuras, tanto em relação ao mundo do trabalho
quanto em relação à continuidade de estudos; estruturar uma avaliação ao final da
educação básica que sirva como modalidade alternativa ou complementar aos exames
de acesso aos cursos profissionalizantes, pós-médio e à Educação Superior; promover
a certificação de jovens e adultos no nível de conclusão do ensino médio; promover
avaliação do desempenho acadêmico das escolas de ensino médio, de forma que cada
unidade escolar receba o resultado global; promover avaliação do desempenho
acadêmico dos estudantes ingressantes nas Instituições de Educação Superior. (2009a,
p.1)
Roteiro Didático para o Ensino da Estatística 16

Entre as principais mudanças implantadas, destacamos a certificação de jovens


e adultos no nível de conclusão do Ensino Médio para maiores de dezoito anos
(BRASIL, 2009b), possibilitando não só a participação dos concluintes e dos que já
concluíram o Ensino Médio em anos anteriores, mas também das pessoas que estejam
pleiteando certificação nesta etapa de ensino.
A série histórica do ENEM começou em 1998, ano em que contou com
157.221 inscritos. As inscrições vêm crescendo e alcançando números expressivos a
cada ano, consolidando o ENEM como a avaliação em larga escala 3 de maior
abrangência do país. O Gráfico 1 mostra a evolução do número de inscrições ao longo
das edições do ENEM.
Gráfico 1: Evolução do Número de Inscrições por ano.

Número de Inscritos no ENEM de 1998 a 2010


5.000.000
4.000.000
3.000.000
2.000.000
1.000.000
0

FONTE: Dados do INEP.

Em 2001, ocorre a democratização do ENEM, com a gratuidade para alunos


oriundos da escola pública. Nesse ano, o número de participantes atingiu a marca de 1,6
milhão. Na sua 7ª edição, 2004, o Ministério da Educação instituiu o Programa
Universidade para Todos (ProUni), vinculando a concessão de bolsas em Universidades
privadas à nota obtida. Essa trajetória de pouco mais de uma década já merece destaque
na história da educação brasileira sendo discutida para além do ambiente escolar. Por
exemplo, em bancas de jornais e revistas pode-se encontrar diversas publicações sobre
esse exame.
Nas edições 2009 e 2010, além de avaliar e servir como parte do processo de
seleção de ingresso no Ensino Superior, houve a vinculação a outras políticas de
educação: como o acesso ao Fundo de financiamento ao Estudante do Ensino Superior
(FIES) e sua utilização nos processos seletivos das universidades públicas federais, por
meio do Sistema de Seleção Unificada (SiSU). Com isso o MEC intenciona
democratizar o acesso e a permanência dos estudantes nas Instituições Ensino Superior,

3
Programas de avaliação em larga escala são políticas públicas de avaliação dos sistemas de educação.
Para tanto, utiliza-se de testes cognitivos aplicados de forma amostral, ou censitária, aos estudantes da
rede de ensino a ser avaliada para aferir a proficiência em conteúdos como Matemática e Língua
Portuguesa. O resultado dessas avaliações produz escores indicativos do desempenho dos estudantes e,
por conseguinte, do trabalho escolar. (SAERJ, Matrizes de Referência para Avaliação, 2009, p. 14)
Roteiro Didático para o Ensino da Estatística 17

possibilitar a mobilidade acadêmica e induzir a reestruturação dos currículos do ensino


médio.
Inicialmente as provas do ENEM contavam com 63 questões interdisciplinares
e uma redação, segundo as características da Teoria Geral dos Testes. Com as mudanças
ocorridas a partir de 2009, o exame passou a contar com 180 questões divididas em
quatro grupos de 45 itens, separados por áreas do conhecimento: linguagens, códigos e
suas tecnologias (incluindo redação); ciências humanas e suas tecnologias; ciências da
natureza e suas tecnologias e matemáticas e suas tecnologias. Essas modificações
colocaram o ENEM em acordo com a Teoria da Resposta ao Item, permitindo assim,
que os resultados do exame pudessem ser comparáveis no tempo.
De acordo com o Relatório Pedagógico 2007 do Exame Nacional do Ensino
Médio (ENEM), INEP, (2007)
O modelo de avaliação do Enem foi desenvolvido com ênfase na aferição das
estruturas mentais com as quais se constrói continuamente o conhecimento e não
apenas a memória que, importantíssima na constituição dessas estruturas, sozinha não
consegue ser capaz de compreender o mundo em que se vive, tal é a velocidade das
mudanças sociais, econômicas, tecnológicas e do próprio acervo de novos
conhecimentos, com os quais se convive diariamente e que invadem todas as
estruturas da escola. (p. 37).

A prova do ENEM é interdisciplinar e contextualizada, colocando o estudante


diante de situações-problema que muito mais do que apenas saber conceitos, requer que
se saiba aplicá-los. Nesse aspecto, o ENEM apresenta uma estrutura diferente das
provas dos vestibulares tradicionais, que promovem a valorização da memória e dos
conteúdos em si, sem preocupação de inseri-los no mundo real. O ENEM não foca na
capacidade do estudante de assimilar e acumular informações, ele prioriza as
competências mentais importantes para o exercício da cidadania.
Sobre a matriz referência do ENEM, Silva (2007) afirma: “é construída em
estreita articulação com as áreas de conhecimento, define um conjunto de cinco
competências básicas e 21 habilidades que correspondem ao perfil idealizado ao
término da escolaridade básica”.
A Presença de Itens de Estatística na Série Histórica do ENEM

Como o foco do nosso trabalho é o uso das mídias impressas no ensino da


Estatística, procuramos estabelecer o nível de importância que se pode conferir à
presença de itens versando sobre o tratamento da informação e estatística, para tanto
fizemos uma pesquisa nas provas do ENEM aplicadas no período entre 1998 a 2010,
observamos a quantidade de itens com Elementos de Estatística em três categorias: 1ª
Análise Combinatória e Probabilidade, 2ª Tabelas, Gráficos e Conceitos de Estatística e
3ª Tabelas e Gráficos Contextualizados, nessa última categoria incluímos os itens que
envolvem os conceitos estatísticos num contexto interdisciplinar. Na série histórica,
essa categoria predominou sobre as outras em várias edições do ENEM, tal fato pode
Roteiro Didático para o Ensino da Estatística 18

ser explicado pelas características próprias do Exame. A Tabela 1 apresenta série


histórica com os resultados do levantamento feito pelas frequências e porcentagens de
cada categoria.
Tabela 1: Número de Itens com Elementos de Estatística no ENEM, entre os anos de
1998 a 2010.
Tipos de Questões
Análise Tabelas, Gráficos e Tabelas e Gráficos Total
Combinatória e Conceitos de Contextualizados
Probabilidade Estatística
Ano Freq. % Freq. % Freq. % Freq. %
1998 2 3,2 7 11,1 7 11,1 16 25,4
1999 3 4,8 4 6,3 10 15,9 17 27,0
2000 2 3,2 3 4,8 10 15,9 15 23,8
2001 3 4,8 8 12,7 10 15,9 21 33,3
2002 1 1,6 6 9,5 13 20,6 20 31,7
2003 2 3,2 8 12,7 5 7,9 15 23,8
2004 1 1,6 8 12,7 8 12,7 17 27,0
2005 2 3,2 7 11,1 10 15,9 19 30,2
2006 3 4,8 5 7,9 11 17,5 19 30,2
2007 3 4,8 6 9,5 10 15,9 19 30,2
2008 3 4,8 6 9,5 8 12,7 17 27,0
2009 5 2,8 7 3,9 12 6,7 24 13,3
2010 1 0,6 10 5,6 6 3,3 17 9,4
Total 31 - 85 - 120 - 236 -
Fonte: Provas do ENEM disponíveis em: www.inep.gov.br

Nessa série histórica, a presença de itens relacionados à estatística apresentou


média de 25% do total de itens. É também observado que, nos dois últimos anos, após a
reformulação desse exame, as porcentagens relativas da presença da estatística
diminuiu. Algumas considerações podem ser feitas a respeito dessa redução. A primeira
é sobre o número de itens, de 63 passou para 180 itens. O segundo argumento está
relacionado à estrutura do exame, seu novo enfoque aproxima-se mais da forma
compartimentada (em disciplinas) do vestibular.
Ao estudar a série histórica dos participantes do ENEM, constatamos que ele se
popularizou ao longo do tempo. Do quantitativo total dos participantes do ENEM 2010,
cerca de 2,7 milhões já tinham concluído o Ensino Médio em anos anteriores. Outros
1,3 milhão cursaram o último ano do Ensino Médio em 2010 com, aproximadamente
85% egressos da escola pública. Cerca de 500 mil participaram do exame 2010 como
treineiros, ou seja, concluirão o Ensino Médio depois dessa edição do exame.
Em toda a série histórica podemos observar que os itens contendo Elementos
de Estatística tem um grau de importância considerável, principalmente em questões
contextualizadas, uma característica própria do ENEM, defendemos a ideia de que o
trabalho com as mídias impressas tem potencial para facilitar o entendimento de tais
questões.
Roteiro Didático para o Ensino da Estatística 19

O CONCEITO DE DIDÁTICA RECRIADO

Iniciamos com o conceito de pesquisa enquanto estratégia de preparação do


plano de ensino e como metodologia de ensino que leva os alunos a criar perguntas,
levantar problemas e buscar soluções coletivamente.
Esta metodologia se aproxima da didática freireniana (GHIRALDELLI, 2002)
que problematiza os acontecimentos a partir de temas geradores para desenvolver a
conscientização dos alunos e alcançar, assim, a ação política. Mas se diferencia quando
propomos que o problema é apresentado pelo professor, desenvolvem-se narrativas que
são geradoras de possíveis ações cultural, social e política. Portanto, aproxima-se da
pós-narrative turn de Ghiraldelli. Mas, apesar dessa aproximação, não seguiu
literalmente todos os passos desta didática, uma vez que a problematização é
apresentada pelo professor,de modo direto, explicativo com apresentação da
importância dos meios de comunicação, do seu lugar na vida prática dos alunos como o
ENEM, vestibulares, concursos e na necessidade se superar a visão ingênua da
estatística. O tema é apresentado tanto via livro didático quanto mídias impressas.
De um modo geral, a didática adotada neste estudo é uma didática adaptada a
realidade das escolas públicas com tempo curto, prazos para determinados conteúdos,
avaliações e outros problemas como o desinteresse dos alunos. Assim a denominamos
de didática pragmática. Portanto tem um fim social, aqui o de educar para a cidadania.
Consideremos ainda alguns aspectos, tradicionalmente presentes na escola, que
propomos mudar, mesmo em nossa prática, por exemplo, o de transferir conteúdos
impondo ao aluno mais atenção do que colaboração, mais memorização do que reflexão,
exigindo-lhe a aquisição de conceitos que são apresentados pelo professor, em vez de
ser agente da construção dos conhecimentos.
Nossa proposta de inserção das mídias impressas nas aulas nos levou a optar
pelo uso da pesquisa como metodologia de ensino da Estatística e como objeto de
ensino de matemática, devido à constante presença de gráficos e tabelas nos veículos
que iríamos utilizar e ainda a relevância do tema na formação do aluno para o exercício
da cidadania (LOPES, 2005). Com esta pesquisa, procuramos privilegiar as discussões e
as atividades nas quais a essência fosse a participação do aluno. Fez-se necessário,
então, buscar uma maneira diferente de abordar dados estatísticos, procurando torná-los
interessantes para o aluno, fazendo com que compreendessem a sua importância,
abrangência, e instigando-os a ampliar seus conhecimentos, adotando uma postura de
agente de sua própria aprendizagem.
As transformações que ocorrem na escola têm provocado uma mudança de
sentido nas relações de aprender-ensinar-aprender e têm levado professores e
pesquisadores a novos estudos. Buscando aprofundar essas concepções, trazemos alguns
autores cuja pesquisa focaliza a prática pedagógica. Inicialmente, cabe refletir sobre a
relação ensino e pesquisa com base em Freire (1996) que afirma que não “há ensino
sem pesquisa e pesquisa sem ensino” e explica:
Roteiro Didático para o Ensino da Estatística 20

Fala-se hoje, com insistência, no professor pesquisador. No meu entender o que há de


pesquisador no professor não é uma qualidade ou uma forma de ser ou de atuar que se
acrescente à de ensinar. Faz parte da natureza da prática docente a indagação, a busca,
a pesquisa. O de que se precisa é que, em sua formação permanente, o professor se
perceba e se assuma, porque professor, como pesquisador. (p. 14)

A mesma visão é defendida por Gadotti (2003), para quem "a ação
transformadora só pode ser eficiente quando fundada nas relações entre teoria e prática,
isto é, na vinculação de qualquer idéia com suas raízes sociais". O que equivaleria dizer,
na vinculação de qualquer idéia com a cultura na qual ela surge.
Compartilhamos com os autores a ideia de que ensinar não é somente
transmitir conhecimentos de livros didáticos, mas também transmitir uma cultura que
gere a criatividade e, consequentemente leve à ação transformadora para que o
educando forme um consenso em torno de verdades e busque a sua autonomia. É nesse
sentido que procuramos conduzir nossa prática, de maneira participativa, buscando
instruí-la com os conceitos de uma prática colaborativa. Para argumentar essa visão
tomamos as palavras de Freire (1996, p. 12) “Quem ensina aprende ao ensinar e quem
aprende ensina ao aprender” e a elas acrescentamos as orientações de Gadotti (2003),

Para o educador não basta ser reflexivo. É preciso que ele dê sentido à
reflexão. A reflexão é meio, é instrumento para a melhoria do que é
específico de sua profissão que é construir sentido, impregnar de
sentido cada ato da vida cotidiana, como a própria palavra latina
“insignare” (marcar com um sinal), significa. (p. 39)

Em contrapartida ao proposto pelo educador, acima, observa-se que na escola


tradicional, a aprovação de tudo o que será ensinado, em geral, é dada pela sua utilidade
futura e, por isso, a satisfação é postergada, não sendo necessário que a aprendizagem
tenha satisfação em si mesma. Dessa forma, o que será estudado é determinado pelo
currículo, pela escola, pelo livro didático ou pelo professor, não cabendo ao aluno
opinar, apresentar contribuições. Ocorre, assim, uma alienação do aluno em face às
propostas. Levando-o ao não comprometimento com a aprendizagem.
Assim, o professor na perspectiva anteriormente apontada por Freire e
endossada nos estudos de Gadotti e em Facci, nos permite assinalar o árduo trabalho do
professor de se assumir como pesquisador, em que pese o desgaste na luta por
autonomia pedagógica para implantar a postura de busca junto com seus alunos por um
Roteiro Didático para o Ensino da Estatística 21

ensino mais eficiente. De outro modo, em parceria com outros professores e alunos
discutirem o ensino e suas estratégias para superar a visão tecnicista e neoliberal, já
denunciada por Duarte (2001) e Facci (2004) entre outros (SAVIANI, 1996; GATTI,
2008).
Tendo como princípio que não se pode dizer que alunos são educados e
professores são os educadores, buscamos dinamizar o trabalho pedagógico na interação
aluno-professor e aluno-aluno, segundo uma perspectiva colaborativa, proporcionando a
negociação e a construção dos significados entre todos que participam dos momentos da
aula.
Nesse contexto, Freire, (1987), enfatiza a importância do diálogo em sala de
aula.
Desta maneira, o educador já não é o que apenas educa, mas o que,
mas o que, enquanto educa, é educado, em diálogo com o educando
que, ao ser educado, em diálogo com o educando que ao ser educado,
também educa. Ambos, assim, se tornam sujeitos do processo em que
crescem juntos [...] agora ninguém educa ninguém, como tampouco
ninguém se educa a si mesmo: os homens se educam em comunhão,
mediatizados pelo mundo. Mediatizados pelos objetos cognoscíveis
que, na prática “bancária”, são possuídos pelo educador que os
descreve ou os deposita nos educandos passivos. (p.68).

Skovsmose (2001, apud PINHEIRO, 2005) tece considerações sobre a


importância de ensinar para a cidadania, estabelecendo-a como uma das preocupações
da Educação Matemática. Em relação a essa observação, o autor destaca o que deve ser
levado em conta no ensino da Matemática,

[...] preparar os alunos para a cidadania; estabelecer a matemática


como um instrumento para analisar características críticas de
relevância social; considerar os interesses dos alunos; considerar
conflitos culturais nos quais a escolaridade se dá; refletir sobre a
matemática, a qual pode ser instrumento problemático; estimular a
comunicação em sala de aula, uma vez que as interrelações oferecem
uma base à vida democrática. (p. 63)

Este movimento visa proporcionar melhores chances de avanços no campo do


ensino-aprendizagem. Cada um dos agentes, imerso na função de ensinar ou de
aprender, pode saborear melhor o que acontece, sugerindo, adquirindo, produzindo
saberes. Não há responsabilidade exclusiva de cada um em uma única direção, mas uma
Roteiro Didático para o Ensino da Estatística 22

co-responsabilidade de todos nos múltiplos sentidos. Assim, cabe aos professores


criarem condições para que todos se sintam mais livres ao invés de adaptados, com mais
chances de criar e produzir avanços, ao invés de submetidos aos padrões criados sem
que se conheçam as intenções de quem as criou.
Segundo Paulo Freire (1979),

Uma educação que procura desenvolver a tomada de consciência e a


atitude crítica, graças à qual o homem escolhe e decide, liberta-o em
lugar de submetê-lo, de domesticá-lo, de adaptá-lo, como faz com
muita frequência a educação em vigor num grande número de países
do mundo, educação que tende a ajustar o indivíduo à sociedade, em
lugar de promovê-lo em sua própria linha. (p. 19).

É impressionante observar o quanto as considerações de Freire continuam


atuais. Tendo em conta a atuação enquanto professor-que-aprende, interagindo com
alunos/as-que-ensinam, nos parece, fundamental e necessário destacar a importância de
que a Matemática não esteja mais estruturada no pilar das “relações de poder
dominantes na sociedade” (SKOVSMOSE, 2001, p. 31). A escola tem sido cúmplice
com o pensamento de qualificar o aluno para o mercado de trabalho. Fazendo, no
entanto, a diferenciação a respeito de qual aluno qualificar e para quais tarefas.
O trabalho proposto aos alunos/as por meio de nossa pesquisa pretendeu
incentivá-los/as a se comprometerem com todo o processo de ensino-aprendizagem: a
escolha de um tema que considerassem relevante, as atitudes a serem adotadas, as
conclusões que extrairiam da experiência vivida. Desse modo, passo a passo foi-se
conseguindo o engajamento e tomada de posição acerca dos rumos do trabalho,
indicando até mesmo as soluções para os problemas que emergiram da pesquisa.
Porém, Skovsmose (2001) acentua,

[...] para que a educação, tanto prática quanto como pesquisa, seja
crítica, ela deve discutir condições básicas para a obtenção do
conhecimento, deve estar a par dos problemas sociais, das
desigualdades, da supressão etc., e deve tentar fazer da educação uma
força social progressivamente ativa (p. 101).

A aprendizagem, nessa perspectiva de educação crítica, sugere que o


aprendente, (para utilizar um termo de Freire), esteja envolvido no que irá aprender, não
Roteiro Didático para o Ensino da Estatística 23

apenas assumindo seu compromisso no processo ensino/aprendizagem, mas também no


sentido de buscar a compreensão de sua realidade social e de nela intervir. Procuramos,
no trabalho com os alunos, implementar também essa dimensão.
Acordando-se com as diversas propostas e breves considerações desse capítulo,
procuramos formas de lidar com o ensino da Matemática que possam propiciar aos
alunos: a aquisição de competências básicas necessárias enquanto cidadão no interesse
pelo mundo em que vive e não somente voltadas para a preparação do aluno para os
estudos posteriores; a capacidade de desempenho de um papel ativo na construção do
conhecimento; a autonomia na resolução de problemas; a exploração da Matemática a
partir dos acontecimentos vividos no cotidiano e encontrados nas diferentes disciplinas;
a compreensão de fatos que envolvem Estatística e Tratamento da Informação, assim
como, a probabilidade e combinatória, em todos os momentos possíveis e a percepção
da possibilidade de transferência do que é aprendido a outros contextos de forma não
ingênua e com um cunho político.
Os diálogos aqui estabelecidos com os diversos autores apontam para a
necessidade de o ensino/aprendizagem dos conteúdos matemáticos estarem inserido no
cotidiano do aluno. Para tanto, cabe suscitar nele a vontade de opinar, concordar,
divergir, interagir e fazer parte dos movimentos que ocorrem na escola, produzindo os
conhecimentos e avançando em direção a novos desafios. Vale ressaltar que não
podemos deixar de considerar que os conhecimentos são produzidos em um processo
contínuo em que poderão surgir novas organizações que possibilitarão a produção da
aprendizagem.
Roteiro Didático para o Ensino da Estatística 24

A PESQUISA E SEUS RESULTADOS

Para enfrentar os desafios, apontados pelo nosso estudo, a Estatística é de suma


importância, pois oferece ferramentas que auxiliam na interpretação dos dados
apresentados nas formas gráficas e tabulares extraindo informações relevantes. A
habilidade de interpretar tais formas é aqui entendida como capaz de contribuir para a
formação de alunos que possam tornar-se cidadãos críticos e competentes para analisar
as informações passadas a eles a partir da mídia escrita e televisiva. Em outras palavras,
acreditamos que a partir das ferramentas oferecidas por esse ramo da Matemática
Aplicada, o aluno pode ampliar seu conhecimento e, dessa forma, contribuir para o
desenvolvimento da sociedade, bem como, exercer a sua cidadania de forma plena.
O desenvolvimento da pesquisa de campo envolve a aplicação de testes com
questões do ENEM e o uso de revistas e jornais nas aulas de Matemática. As mídias
impressas serão a fonte que proporcionará ao aluno a oportunidade de (re)descobrir,
analisar, discutir, apropriar-se de conceitos e formular suas próprias idéias.
Para melhor desenvolver cada etapa da pesquisa adotamos os referenciais de
Novikoff (2010) propondo um modelo de planejamento, desenvolvimento e
apresentação de pesquisa dialeticamente estruturada. Trata-se de uma abordagem
teórico-metodológica, com todas as dimensões de preparação do projeto, o
desenvolvimento da pesquisa e a apresentação da mesma. A forma utilizada para a
coleta dos dados e os procedimentos adotados durante a execução, o desenvolvimento e
a conclusão da pesquisa, seguem parâmetros que a relaciona com a metodologia mista.
Tal classificação se justifica pelo fato de fazermos uso de dados quantitativos e
qualitativos, recolhidos em três etapas, a saber: Diagnóstico, Intervenção Didática e
Avaliação.
Um total de 118 alunos participaram da primeira etapa, na qual preparamos um
Teste Diagnóstico, (doravante TD), contendo 16 questões objetivas retiradas das
avaliações do ENEM de 1998 a 2010. Todas as questões escolhidas apresentavam
conteúdos relacionados à Estatística e ao Tratamento da Informação e cinco alternativas
de resposta A, B, C, D e E, realizamos a correção, usando um espelho de respostas
perfurado sobre cada cartão, identificando e contando os itens certos e classificando
como Branco/Nulo B/N, os itens deixados em branco, com rasuras ou com erros de
marcação.
Roteiro Didático para o Ensino da Estatística 25

A Tabela 1, a seguir, apresenta os resultados obtidos no TD.

Tabela 1: Resultados do TD.


Teste Diagnóstico
A B C D E B/N
Item Freq. % Freq. % Freq. % Freq. % Freq. % Freq. %
1 11 9,3 22 18,6 34 28,8 18 15,3 29 24,6 4 3,4
2 25 21,2 13 11,0 22 18,6 17 14,4 37 31,4 4 3,4
3 8 6,8 17 14,4 13 11,0 45 38,1 29 24,6 6 5,1
4 2 1,7 9 7,6 72 61,0 11 9,3 19 16,1 5 4,2
5 9 7,6 1 0,8 66 55,9 4 3,4 33 28,0 5 4,2
6 20 16,9 22 18,6 19 16,1 44 37,3 8 6,8 5 4,2
7 20 16,9 27 22,9 13 11,0 9 7,6 45 38,1 4 3,4
8 21 17,8 6 5,1 23 19,5 43 36,4 21 17,8 4 3,4
9 23 19,5 29 24,6 11 9,3 28 23,7 22 18,6 5 4,2
10 16 13,6 34 28,8 16 13,6 39 33,1 8 6,8 5 4,2
11 13 11,0 3 2,5 5 4,2 5 4,2 87 73,7 5 4,2
12 29 24,6 20 16,9 37 31,4 15 12,7 13 11,0 4 3,4
13 23 19,5 51 43,2 15 12,7 2 1,7 22 18,6 5 4,2
14 19 16,1 13 11,0 18 15,3 39 33,1 23 19,5 6 5,1
15 23 19,5 34 28,8 18 15,3 29 24,6 8 6,8 6 5,1
16 12 10,2 13 11,0 58 49,2 18 15,3 11 9,3 6 5,1
Fonte: Dados apurados pelo autor.

As células em negrito representam a opção correta em cada item. A média


percentual de acertos no TD, foi 31,5%, o que significa que o frequência total de acertos
por participante ficou entre 3 a 5 itens.
A segunda etapa, intervenção didática, ocorreu entre os meses de novembro e
dezembro de 2010. Aqui, elaboramos e aplicamos uma série de atividades com as mídias
impressas, tendo como finalidade atender aos objetivos do presente estudo. Houve desde
realização de tarefas em grupos até a apresentação de Seminários por parte dos alunos.
Tal intervenção configurou a implementação de uma abordagem diferenciada de ensino,
para nortear essa etapa do trabalho nos apropriamos da teoria sócio histórica, ancorados
em Vigotski, presentes em Facci, (2004) que preconiza a intervenção docente de modo a
transmitir a cultura e a experiência elaborada, bem como a prática docente intencional e
sistematizada. Aqui o produto não se separa do ato de produção.
Um dos problemas observados nesse estudo é a questão da leitura e da
interpretação de variados tipos de texto, há ainda uma grande heterogeneidade no grupo
com relação à frequência da leitura. Assim as atividades foram planejadas e elaboradas
priorizando o fazer interpretações proposto na definição do raciocínio estatístico que
segundo Garfield e Gal (1999 apud LOPES 2005)

[...] pode ser definido como sendo o modo como as pessoas


raciocinam com as ideias estatísticas, conseguindo assim dar um
significado à informação estatística. O que envolve fazer
interpretações com base em conjuntos de dados, representações de
dados ou resumos de dados. Muitos dos raciocínios estatísticos
combinam dados e acasos, o que leva a ter de ser capaz de fazer
interpretações estatísticas e inferências (p. 80).
Roteiro Didático para o Ensino da Estatística 26

Assim, procuramos conduzir as atividades de maneira a contemplar esta


sequência e procurando interferir o mínimo no desenvolvimento dos procedimentos, de
forma que a apropriação dos elementos em estudo, em cada grupo, ocorresse pela
interação entre os participantes. As intervenções, mediações e os direcionamentos eram
feitos ao término de cada tarefa, e apenas nesse momento indicávamos a tarefa seguinte,
dessa forma, conseguíamos prender a atenção dos grupos em cada atividade e, ao
mesmo tempo, minimizar a ansiedade.
A primeira atividade foi precedida pela distribuição do material: jornais diários
e revistas semanais de notícias. Foi solicitado aos participantes que manuseassem as
publicações recebidas e recortassem todas as notícias que contivessem elementos de
estatística. A figura abaixo ilustra esse momento em uma das turmas.

Figura 2: Alunos recortando jornais.

No decorrer dessa etapa, observamos que alguns grupos apresentaram


dificuldades em:
→ Identificar os elementos de estatística;
→ Diferenciar os gráficos e tabelas, de outros elementos pictóricos (Exemplo:
mapas) presentes nas publicações manuseadas.

Diante de tais dificuldades e na busca pela não interferência direta na


realização da atividade, foi oferecido aos grupos suporte bibliográfico por meio de
livros didáticos de matemática de Ensino Fundamental e Médio, onde o grupo
manuseava os livros e procuravam sanar suas dúvidas com a finalidade de classificar os
elementos de estatística presentes no material recortado. A parceria entre os grupos foi
um fator amplamente observado, a partir da compreensão de que não havia disputa entre
eles. As dúvidas que um grupo tinha, outro grupo procurava ajudar.
Alguns grupos ao procurarem os assuntos sobre estatística, no material
impresso distribuído, encontraram uma diversidade de textos e imagens e os alunos
Roteiro Didático para o Ensino da Estatística 27

ficaram surpresos com o uso sensacionalista desses meios de comunicação. Tal


ocorrência não prejudicou o desenvolvimento da atividade.
Após a classificação por eles elaborada, foi entregue uma folha de papel pardo
a cada grupo para a confecção de um cartaz com o objetivo de organizar uma
apresentação dos elementos coletados e selecionados. O cartaz deveria conter um título
e cada das reportagens utilizadas deveria citar a fonte, isto é, o nome e a data do
periódico da qual foi retirada. Também na composição dos cartazes deveria constar a
análise dos elementos estatísticos, presentes nas reportagens e sua relevância ao
entendimento das notícias veiculadas.

Figura 3: Alunos elaborando os cartazes.

O passo seguinte consistiu numa apresentação oral dos cartazes e do que foi
vivenciado nas etapas anteriores, com a participação de todos os componentes de cada
grupo. Ocorreu certa resistência por parte de alguns grupos, pois esta apresentação não
foi previamente estabelecida pelo professor pesquisador como parte das atividades. Tal
resistência foi facilmente superada, pois os participantes já estavam habituados a
apresentarem seminários em outras disciplinas, particularmente as disciplinas
pedagógicas da formação específica de seu curso. Dessa forma as apresentações
ocorreram de maneira muito natural aos alunos e eles mesmos passaram a chamá-las de
seminário. A Figura 4 traz o momento da apresentação de um dos grupos.
Roteiro Didático para o Ensino da Estatística 28

Figura 4: Alunos apresentando os cartazes.

Algumas falas4 observadas durante as apresentações são mostradas no Quadro


1:

Quadro 1: Falas dos participantes durante as apresentações dos cartazes.


Participante Fala
As vezes quem lê um matéria de jornal não entende, por não
ter uma figura ou um gráfico representando o tema tratado.
Sujeito: 054_T2_F O que chama a atenção de quem lê é mais o visual do que o
texto, só depois que o assunto prende a pessoa para a leitura.
Qual seria a importância dos gráficos para uma matéria ou
uma matéria junto com um gráfico? é por que um completa o
outro, por que se fosse só o gráfico ou só a matéria de revista
Sujeito: 030_T1_F ficaria uma coisa muito vaga, faltaria algo, então além de
você poder visualizar o que esta sendo lido na matéria você
pode ler e aprofundar seus conhecimentos.
Os gráficos são muito importantes para nossa vida cotidiana.
Sujeito: 035_T1_F De fato no mundo em que vivemos a circulação de
informação, ela cresce a cada dia mais
Novamente aqui temos um gráfico de setores e como a
Sujeito: 114_T3_F colega já falou ele é usado para fazer comparações.
Fonte: Dados coletados pelo autor.
As intervenções por parte do professor pesquisador durante as apresentações
tratavam tão somente sobre os termos que foram surgindo nos recortes de notícias e que
não faziam parte do vocabulário dos alunos, não houve interferências no que diz
respeito às ideias apresentadas. Enquanto um grupo falava, os demais alunos
4
As falas foram transcritas a partir de gravações realizadas durante as atividades.
Roteiro Didático para o Ensino da Estatística 29

acompanhavam e participavam no momento oportuno, trazendo questionamentos e


contribuições referentes aos assuntos tratados.
Os grupos que apresentaram, ressaltaram os elementos estatísticos contidos em
cada recorte, falaram da importância dos gráficos e das tabelas para um melhor
entendimento das notícias. As apresentações transcorreram de forma natural e sem
incidentes.
Alguns grupos mostraram grande qualidade técnica em suas exposições, o que
não era esperado para este primeiro momento. O que nos surpreendeu foi a participação
dos alunos que em dias normais de aula mantinham-se passivos, mais nessa atividade
revelaram grande potencial em argumentar e defender os assuntos pesquisados e
expostos nos cartazes. Numa análise geral todos os grupos foram bem nessa atividade.
Num outro momento realizamos uma atividade que se apresentou para os
participantes de uma forma bastante desafiadora. O professor distribuiu os cartazes
novamente aos grupos e cada aluno deveria formular duas questões sobre o conteúdo de
estatística, tendo como base o cartaz que o seu grupo confeccionou. Após a formulação,
houve uma troca das questões entre eles para que outro aluno da turma respondesse e
depois entregasse ao autor para a correção.
Dois fatos que mais nos chamaram a atenção nessa atividade foram: primeiro,
os alunos referirem sobre a dificuldade em formular questões, o que oportunizou
comentários relevantes sobre avaliação; segundo, na hora da troca das questões havia
muito barulho e agitação na sala de aula, pois para que o aluno respondesse cada
questão formulada precisava consultar o cartaz de outro grupo, pois, pelas orientações
dadas inicialmente, um aluno deveria responder as questões referentes aos temas
tratados em um cartaz de outro grupo que não o seu. Tal agitação, que não representou
indisciplina e sim uma forma de interação entre os alunos, nos chamou a atenção, pois
foi uma aula com muito barulho e também muito aprendizado.
A próxima atividade consistiu em uma produção textual com o tema “A
importância das Mídias Impressas nas aulas de Matemática” onde cada grupo elaborou
um texto, descrevendo a importância dos conceitos que compreenderam a partir das
atividades realizadas. Junto a esse texto, cada componente do grupo faz uma auto
avaliação de sua atuação no grupo e das aulas segundo essa abordagem diferenciada.
Boa parte dos textos produzidos nesta atividade revelou maior satisfação nas aulas,
maior interesse nos assuntos dos participantes pela metodologia de trabalho em grupos e
Roteiro Didático para o Ensino da Estatística 30

Em alguns textos podemos perceber que nosso objetivo geral fora alcançado. A seguir
apresentamos alguns exemplos dessas produções:

Figura 10: Produção textual dos sujeitos: 005_T1_F; 013_T1_M e 031_T1_F.

Pode ser observado, já no primeiro parágrafo do texto produzido por esse


grupo de alunos que houve uma percepção da intencionalidade do uso dos produtos
midiáticos. O que revela um posicionamento questionador e uma visão não ingênua do
uso da estatística, que poderá no futuro transformar-se numa postura crítica.
Roteiro Didático para o Ensino da Estatística 31

Figura 11: Produção textual dos sujeitos: 054_T2_F; 070_T2_F; 077_T2_F e


078_T2_F.

O texto da figura 11 destaca a contribuição da intervenção didática para a


compreensão dos gráficos, média, tabelas e porcentagens. É ressaltado também a
importância da configuração das aulas: com os seminários e auxilio do professor. O
grupo conclui com consideração favoráveis a inserção das mídias na construção da
Roteiro Didático para o Ensino da Estatística 32

cidadania quando registra ‘[...] nos ajudam a entender e analisar melhor as reportagens e
os seus anúncios dentro das estatísticas’.

Figura 12: Produção textual dos sujeitos: 091_T3_F; 099_T3_F; 101_T3_F e


111_T3_F.

A figura 12 exibe um texto que inicia pontuando a ‘[...] necessidade de ter um


instrumento de aprendizagem diferente’. Enfatiza os gráficos como um elemento
facilitador da comunicação, citando como exemplo, conteúdos relacionados com o
mundo do trabalho. Nesse contexto ‘[...] o gráfico se torna algo útil para o aprendizado
Roteiro Didático para o Ensino da Estatística 33

dos alunos’. A conclusão do grupo reafirma a importância dessa prática, uso das mídias
em sala de aula, para auxiliar a aprendizagem do aluno. Chama também a atenção que
no cotidiano ele ‘[...] não será limitado quando for ter que ler alguma notícia com
gráfico’(sic).
É oportuno destacar que os participantes desse estudo tiveram contato com os
conceitos de Estatística durante o primeiro semestre de 2010, dentro de uma perspectiva
tecnicista. Mas os resultados apresentados nos levam a inferir que o trabalho baseado
numa abordagem diferenciada trouxe contribuição ao grupo pesquisado no sentido de
despertar o interesse pelas aulas, como podemos observar nas falas dos participantes
transcritas no Quadro 6, denominado “Falas dos participantes durante as apresentações
dos cartazes” e também a partir das produções textuais mostradas nas figuras anteriores.
A adoção dessa abordagem, instrumentalizada pelas mídias impressas, possibilitou o
compartilhamento de ideias permitindo a apropriação do conhecimento e a formação de
um indivíduo crítico e criativo. Dentro dessa perspectiva o conhecimento, em tese,
deixa de ser simplesmente absorvido, consumido, assimilado passivamente e passa ser
produto do processo de elaboração e mediação dos conceitos.
A próxima etapa consistiu na aplicação de um Teste Avaliativo (doravante
TA), nos mesmos moldes do TD, ou seja, montado a partir do ENEM e contendo 16
questões objetivas. A finalidade era produzir um parâmetro de comparação com o Teste
Diagnóstico da primeira etapa, verificando se houve influência da intervenção didática,
realizada na segunda etapa, em relação aos conceitos presentes nos itens deste último
teste. Participaram dessa avaliação 113 alunos.

A Tabela 2, a seguir, apresenta os resultados obtidos no TA.

Tabela 2: Resultados do TA.


Teste Avaliativo
A B C D E B/N
Item Freq. % Freq. % Freq. % Freq. % Freq. % Freq. %
1 8 7,1 8 7,1 17 15,0 71 62,8 7 6,2 2 1,8
2 5 4,4 84 74,3 17 15,0 5 4,4 0 0,0 2 1,8
3 6 5,3 7 6,2 23 20,4 59 52,2 17 15,0 1 0,9
4 46 40,7 11 9,7 13 11,5 14 12,4 29 25,7 0 0,0
5 19 16,8 50 44,2 39 34,5 1 0,9 4 3,5 0 0,0
6 5 4,4 11 9,7 25 22,1 48 42,5 24 21,2 0 0,0
7 24 21,2 4 3,5 7 6,2 7 6,2 69 61,1 2 1,8
8 3 2,7 3 2,7 11 9,7 90 79,6 5 4,4 1 0,9
9 26 23,0 19 16,8 10 8,8 23 20,4 34 30,1 1 0,9
10 106 93,8 0 0,0 1 0,9 0 0,0 4 3,5 2 1,8
11 10 8,8 72 63,7 6 5,3 15 13,3 9 8,0 1 0,9
12 8 7,1 12 10,6 13 11,5 7 6,2 73 64,6 0 0,0
13 17 15,0 28 24,8 40 35,4 8 7,1 17 15,0 3 2,7
14 0 0,0 4 3,5 1 0,9 4 3,5 103 91,2 1 0,9
15 30 26,5 62 54,9 6 5,3 2 1,8 12 10,6 1 0,9
16 2 1,8 10 8,8 70 61,9 6 5,3 25 22,1 0 0,0
Fonte: Dados apurados pelo autor.
Roteiro Didático para o Ensino da Estatística 34

A média percentual de acertos do TA, foi 50,6%. Observamos uma aumento na


frequência total de acertos por participante que ficou entre 8 a 10 itens.
Com os dados gerados nas duas etapas avaliativas, além da análise geral dos
itens propostas, foi possível uma análise estatística dos resultados por aluno. No Gráfico
1, a seguir, temos os resultados do TD, com a frequência de acertos por aluno.

Gráfico 1: Distribuição de acertos por aluno aos itens do TD.

Podemos observar a partir da Gráfico 1, que o aluno que teve o menor


aproveitamento no TD acertou somente um item e o que teve o maior aproveitamento
acertou 12 itens, mas a maior frequência de acertos ficou entre 4 e 5 itens, totalizando
cerca de 51% do total de participantes.
O Gráfico 2, a seguir, temos os resultados do TA, com a frequência de acertos
por aluno.

Gráfico 2: Distribuição de acertos por aluno aos itens do TA.

A análise dos resultados apresentados no Gráfico 2, nos mostra que os alunos


que tiveram o menor aproveitamento no TA acertaram três itens e os que tiveram os
melhores resultados acertaram 13 itens, esses números de acertos, mínimo e máximo,
são maiores que os valores correspondentes observados no TD. Observa-se ainda que o
número de acertos modal é 8, valor bem caracterizado na leitura do gráfico.
A partir dos dados acima calculamos as médias do número de acertos dos
alunos no TD e no TA. A seguir determinamos os coeficientes de variação, medida de
dispersão relativa dos dois instrumentos. Tais resultados estão apresentados no Quadro
2 a seguir:

Quadro 2: Média e Coeficiente de Variação do TD e do TA.


Instrumento Média Coeficiente de Variação
Teste Diagnóstico 5,2 32,1
Teste Avaliativo 8,1 28,2
Fonte: Dados apurados pelo autor.
Roteiro Didático para o Ensino da Estatística 35

Os dados do Quadro 2 mostram que houve um aumento na média, com a


pequena diminuição da variabilidade relativa dos resultados em torno da mesma. O que
nos leva a inferir que a intervenção realizada, conforme os objetivos propostos,
colaborou para esse crescimento.
A leitura e a interpretação de um gráfico, ou de uma tabela, frequentes nas
mídias impressas, requer muito mais do que a capacidade de reconhecer palavras e
símbolos; a habilidade para interpretar dados estatísticos tornou-se necessária ao
exercício pleno da cidadania; o trabalho pedagógico baseado numa abordagem
diferenciada trouxe relevante contribuição aos sujeitos da pesquisa no sentido de
despertar interesse pelas aulas.
Roteiro Didático para o Ensino da Estatística 36

PLANOS DE AULA alunos se apropriem destes textos, pois


MATEMÁTICA E SUAS TECNOLOGIAS darão subsídios para que eles se tornem
MATEMÁTICA
críticos e tenham condições de escolher a
COMPETÊNCIA 6
Interpretar informações de natureza científica e melhor forma para comunicar suas
social obtidas da leitura de gráficos e tabelas,
realizando previsão de tendência, extrapolação, conclusões.
interpolação e intepretação.
HABILIDADES
Para que os alunos saibam
24. Utilizar informações expressas em gráficos
ou tabelas para fazer inferências. analisar os gráficos e tabelas é importante
25. Resolver problemas com dados apresentados
em tabelas ou gráficos. que conheçam diversas as suas formas de
26. Analisar informações expressas em gráficos
ou tabelas como recurso para a construção de apresentação.
argumentos.
OBJETOS DO CONHECIMENTO
Recorde conceitos que podem
Conhecimentos de estatística e probabilidade. ser utilizados na resolução das atividades.
OBJETO ESPECÍFICO
Representação e análise de dados. Dentre os quais: porcentagem, tabelas e
variados tipos de gráficos.
APRESENTAÇÃO DE DADOS

Tabela: Tabela é um quadro que resume


DESENVOLVIMENTO informações, tendo-se em vista que a
Inicie a aula propondo um tabela deverá ser uma forma objetiva de
debate sobre o acesso e a utilização das se apresentar o comportamento de
mídias impressas pelos alunos. Procure variáveis, o que se deve buscar são
verificar com que frequência leem representações simples que possibilitem
publicações como jornais e revistas e ao observador a compreensão do
identificar quais as razões que os fenômeno em estudo . 5

conduzem à leitura. Desperte-os à A produção de tabelas deve seguir


importância de tais leituras como fontes algumas regras sobre os elementos que
de informações e também ao compõem este tipo de texto.
desenvolvimento de diversas habilidades Título - indica o assunto tratado e tem a
que são importantes na resolução de função de chamar a atenção do leitor.
problemas. Subtítulo ou texto explicativo - explicita
Os objetivos principais são a o tema da tabela e contextualiza a
leitura e a interpretação de gráficos e situação.
tabelas como textos de divulgação de
informação presentes nas mídias 5
Para o leitor que desejar se aprofundar no tema,
consulte <http://www.ibge.gov.br>.
impressas. É importante permitir que os
Roteiro Didático para o Ensino da Estatística 37

Cabeçalho e colunas indicadoras - muda em função da informação que


correspondem aos títulos dos conteúdos buscamos. Vejamos no exemplo:
das colunas e linhas, respectivamente. A inclusão digital no Brasil
Corpo – é formado por linhas e colunas e
traz os dados da tabela.
Fonte - indica a entidade responsável
pelo fornecimento ou elaboração dos
dados.

Título

Fonte
Fonte: Censo 2000 e Pnad de 2001,
Colunas indicadoras cujos dados foram agrupados pela F.G.V. Tabela
retirada da Folha de São Paulo de 11/04/2003.

As tabelas podem se apresentar Dependendo da informação


em sala de aula em muitas oportunidades. procurada é preciso uma leitura
Assim como é comum aparecerem específica da tabela:
tabelas nos textos didáticos de quase Em qual faixa etária as pessoas
todas as disciplinas elas podem ser possuem mais computadores no Brasil?
produzidas a partir de dados de pesquisas Esta informação deve ser procurada na
realizadas no contexto dos alunos, bem segunda coluna, comparando-se os
como podem ser encontradas com valores, a resposta é encontrada na
facilidade nas mídias impressas. No primeira coluna: pessoas entre 45 e 50
entanto é preciso ir além das propostas anos. Se nos perguntarmos, jovens ou
dos textos didáticos onde, em geral, idosos têm maior acesso à internet?
aparecem tabelas de dupla entrada com Como a pergunta é vaga precisamos
apenas duas variáveis. tomar algumas decisões para tentar
Na mídia as tabelas assumem respondê-la. Podemos considerar jovens
formas mais complexas e sua leitura as pessoas com menos de 20 anos e
Roteiro Didático para o Ensino da Estatística 38

idosos aquelas acima de 60 anos. Neste Veracidade – o gráfico deve sempre


caso, a leitura da tabela deve ser feita na expressar a verdade sobre o fenômeno em
primeira coluna selecionando-se as linhas estudo.
que interessam, depois os dados são São elementos de um gráfico:
colhidos na terceira coluna, adicionados e Título - em geral na forma de frase curta
comparados. Temos então que: 15,19% e chamativa, para despertar o interesse do
dos computadores com internet leitor.
pertencem a jovens e 17,83% aos idosos, Subtítulo ou texto explicativo -
o que corresponde a uma pequena essencial para a compreensão do gráfico.
vantagem das pessoas acima de 60 anos Nele encontramos o assunto de que trata
em relação aos jovens. o gráfico, onde e quando foi feita a
Ressalte a presença de gráficos e pesquisa e muitas vezes as unidades
tabelas com as mais variadas formas. escolhidas para uma ou para as duas
Oriente os alunos sobre a importância de variáveis envolvidas.
observar essas representações e retirar, Fonte - identificação do órgão ou
através de uma leitura adequada, instituição que fez a pesquisa de dados. A
informações necessárias para a resolução fonte valida a pesquisa e permite que o
de problemas. leitor possa confiar nas informações
descritas pelo gráfico.
Gráficos: um gráfico estatístico é uma
forma de apresentação dos dados
estatísticos, cujo objetivo inicial é o de
produzir uma interpretação mais rápida
do fenômeno em estudo. A representação
gráfica deve obedecer a certos requisitos
fundamentais:
Simplicidade – o gráfico deve ser
destituído de detalhes de importância
secundária, que possam levar o Eixo Horizontal - onde é representada a
observador a uma análise equivocada. variável independente que pode ser do
Clareza – o gráfico deve possibilitar uma tipo qualitativa ou quantitativa. Este eixo
correta interpretação dos valores pode ser visível ou não, no entanto
representativos do fenômeno em estudo. quando tratamos com variável
Roteiro Didático para o Ensino da Estatística 39

quantitativa ela deve ser organizada neste exemplo disso pode ser visto nos
eixo em ordem crescente de valores, seguintes gráficos que retratam o mesmo
enquanto no caso de variáveis conjunto de dados, mas que podem ou
qualitativas elas podem ser dispostas no não dar a impressão de maior ou menor
eixo em qualquer ordem. crescimento do número total de linhas
Dados qualitativos: a ordem não importa: telefônicas no mesmo período de tempo.

Gráfico retirado da revista Aprender de


maio/junho de 2003

Dados quantitativos: ordem crescente


dos dados com espaçamento
proporcional entre eles.

Fonte: Prova do ENEM 1999.


Gráfico retirado da revista Veja de 02/07/2003.
REGISTRE NO QUADRO
Com dados numéricos, o
espaçamento entre eles, ou a escala de
Porcentagem ou taxa porcentual é a
construção do gráfico, deve ser constante
razão entre o numero real 𝑝 e o
de modo que o leitor tenha a exata 𝑝
número 100. Indica-se: 100 ou 𝑝%.
dimensão da distância entre as tomadas
de informações. Caso contrário podemos
ter uma distorção da informação. Um
Roteiro Didático para o Ensino da Estatística 40

PRATICANDO HABILIDADES tempo de amadurecimento da fruta. Logo,


Solicite aos alunos que tragam à quanto mais amadurecida estiver a uva,
sala de aula materiais, como jornais, maior será a quantidade de açúcar e seu
revistas e anúncios publicitários que teor alcoólico.
contenham informações em gráficos de Já a acidez do vinho é uma grandeza
barras, de setor, linhas e tabelas. inversamente proporcional às quantidades
de ácidos málicos e tartárico, que
QUESTÃO diminuem com o tempo de
Convide os alunos a resolver as amadurecimento das uvas. Logo, para
seguintes questões elaboradas a partir da que o vinho seja menos ácido, a uva terá
competência de área 6 e das habilidades que ter um tempo maior de
24, 25 e 26. amadurecimento.
Competência 6, habilidade 24
Competência 6, habilidade 24

Fonte: Prova do ENEM 2006.


Fonte: Prova do ENEM 2005.
Resposta: C
O Teor alcoólico é diretamente Resposta: C
proporcional à quantidade de açúcar
presente nas uvas, que aumenta com o
Roteiro Didático para o Ensino da Estatística 41

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CAVALCANTI, M. R. G.; NATRIELLI, K. R. B. e GUIMARÃES, G. L. - Gráficos na


Mídia Impressa. In Bolema, v. 23, nº 36, p. 733 a 751, Rio Claro: UNESP, agosto 2010.

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