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13/04/2023, 15:39 Revista Educação Pública - O documento histórico e geográfico como instrumento de aprendizagem

ISSN: 1984-6290
Qualis B1 - avaliação CAPES 2020-2024
DOI: 10-18264/REP

O documento histórico e geográfico como instrumento de aprendizagem

Vanderson de Sousa Silva


Pós-graduando em Educação (PPGEdu/UniRio), mediador presencial e orientador de TCC na graduação em Pedagogia (UniRio/Cederj), professor conteudista de
Filosofia (Unesa), coordenador do grupo de estudos e pesquisa Filosofia e Educação: Temáticas Prementes - GPFEduc, docente na Seeduc/RJ, mestre em Teologia
(PUC-Rio), pós-graduado em Psicopedagogia Clínica e Institucional , em Metodologia do Ensino de Filosofia e Sociologia, em Metodologia do Ensino de História e
Geografia, em Gestão, Inspeção e Orientação Escolar, graduado em Filosofia, Teologia, Letras - literatura, História e Pedagogia, graduando em Psicologia

É conhecida a metáfora utilizada pelo filósofo alemão Friedrich Nietzsche (1844-1900) em sua obra Assim falava Zaratustra, sobre o camelo, o
leão e a criança:

Três metamorfoses do espírito vos menciono: de como o espírito se muda em camelo, e em leão o camelo, e em criança, finalmente, o leão [...]. O
camelo é o símbolo do espírito paciente que suporta a carga do conhecimento e tem prazer em gozar a sua força. O leão é símbolo dionisíaco do
poder, da majestade, da independência, do querer dionisíaco que leva à vitória. A criança representa o jogo livre da atividade criadora. O espírito
torna-se criança quando atinge o valor de ser autotélico, criador livre e inocente, sem porquês nem para quês, isto é desinteressado (Nietzsche,
2009, p. 39).

As três fases: camelo, leão e criança são emblemáticas como sínteses possíveis do pensamento nietzschiano; a fase do camelo representa o
momento em que o homem já suportou com força o fardo do conhecimento; na fase de leão o homem se liberta, liberando as forças dionisíacas
vitais; por fim, na fase de criança realmente se potencializa a criatividade. Em síntese, essas fases representam o núcleo do pensamento de
Nietzsche.

O pensamento de Nietzsche provoca no leitor um estado de estupefação, pois aborda questões que estão no âmago da própria estrutura do
pensamento ocidental, como a moral judaico-cristã, o conceito de história, a compreensão de cultura; destaca-se a erudição na educação formal
como finalidade do processo de ensino-aprendizagem.

O ensino hodierno enfrenta dificuldades que sobrepõem aos docentes um desgaste enorme, pois as aulas são, na maioria dos casos,
desinteressantes e pouco significativas para os alunos. Diante de tal fato, não há como escapar: as aulas de História e Geografia estão
desvinculadas de uma proposta pedagógica que possibilite interfaces e interdisciplinaridade. Mas, o que os docentes podem fazer?

A imagem dos docentes do Ensino Médio carrega essa indefinição: ser um bom profissional que bem prepara para o outro nível. Não ser docente-
educador de jovens, do tempo da juventude na especificidade formadora desse tempo humano. Nem profissional que garante sua formação
intelectual, ética, cultural, identitária. A própria identidade de aluno do Ensino Médio exige não se pensar o jovem com direitos à sua formação
como jovem. Esse aluno é pensado em treinamento como aspirante ao ensino superior (Arroyo, 2014, p. 69).

Obviamente não tenho soluções miraculosas para resolver os desafios postos às disciplinas de História e Geografia, apenas busco pistas na
tentativa de encaminhar uma proposta pedagógica que trabalhe com os dois campos do conhecimento.

O documento histórico e geográfico como instrumento de aprendizagem


A destruição do passado – ou melhor, dos mecanismos sociais que vinculam nossa experiência pessoal às gerações passadas – é um dos
fenômenos mais característicos e lúgubres do final do século XX. Quase todos os jovens de hoje crescem numa espécie de presente contínuo, sem
qualquer relação orgânica com o passado público da época que vivem (Hobsbawm, 1998, p. 13).

A questão da educação ocupa lugar privilegiado na pauta da reflexão hodierna, visto que a sociedade necessita da educação para a formação de
seus cidadãos. A educação hodierna enfrenta enormes desafios, dentre os quais destaca-se a necessidade de forjar um homem ético. Para Platão,
como descrito em sua obra A República, a virtude constrói a polis; assim, a areté seria o núcleo da Paideia grega, ou seja, a formação do homem
grego perpassava a sua formação cidadã, que, no fundo, era uma educação para que o cidadão fosse virtuoso – ético. Conforme asseverava
Platão, na formação do cidadão grego o imperativo ético era irrenunciável; contudo, podemos nos questionar se na educação hodierna tal
princípio encontra ainda espaço.

Considero que a formação do homem-cidadão requer sua educação ética; assim é atual o princípio da Paideia grega. À luz das pesquisas,
compreendi que a educação ética não era importante somente para a formação do homem grego, mas que, no fundo, acompanha qualquer
projeto educacional, mesmo o hodierno. Não há espaço para uma educação que não apregoe os valores fundamentais, tais como justiça,
solidariedade, respeito e senso político-social, dentre outros.

A utilização de fontes em sala de aula propiciam momentos didáticos de extrema riqueza, com vistas a favorecer o ensino. Documentos como
fontes históricas e geográficas podem ser integrados à rotina escolar desde as séries do Ensino Fundamental, o que se faz necessário é adequar
às necessidades de cada turma.

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Os historiadores, no século XIX, tinham perspectiva restrita de classificação das fontes históricas, ou seja, para eles, elas se restringiam quase
exclusivamente aos documentos escritos. Assim, a historiografia clássica percebia a História como algo do passado, o que revelava a tarefa do
historiador de verificar a autenticidade do documento, pois o documento autêntico guiaria até a verdade do fato histórico. Percebe-se que, para
a historiografia tradicional, os conceitos de fonte escrita, autenticidade e verdade se misturavam. Acerca de tal temática pondera Cano:

De acordo com a visão tradicional ou positivista, o papel do historiador era o de selecionar documentos autênticos, de forma objetiva e isenta de
juízos de valor, por meio de um método que primasse pela observação, em detrimento da análise ou da interpretação. Para além dessa visão da
historiografia tradicional, de que o conhecimento histórico é dado a partir da análise de fontes escritas autênticas, do passado, e de que o papel do
historiador é o de selecionador de documentos de forma objetiva e isenta, surge na primeira metade do século XX, na França, uma nova
concepção sobre a História. Essa nova concepção foi difundida pelas pesquisas, pelos estudos e pelos debates da Escola dos Annales (Cano, 2012,
p. 20).

À luz das assertivas de Cano, podemos considerar que o movimento intelectual de renovação da historiografia – a Escola dos Annales – forjou,
no fundo, uma nova história, pois as fontes históricas foram ampliadas e o conceito de “verdade histórica” é constantemente questionado. O que
se evidencia é a ampliação do conceito de documento, não mais restrito às fontes escritas, mas a materiais iconográficos, objetos materiais,
materiais fonográficos etc.

O documento histórico é, antes de tudo, uma produção humana; Le Goff assim pondera:

O resultado de uma montagem, consciente ou inconsciente, da historia, da época, da sociedade que o produziram, mas também das épocas
sucessivas durante as quais continuou a viver talvez esquecida, durante as quais continuou a ser manipulado, ainda pelo silêncio (Le Goff, 2003, p.
538).

Le Goff não propõe o fazer do historiador algo neutro, visto que a neutralidade de um documento histórico está sempre comprometida. Os
documentos refletem o comprometimento a que estão sujeitos: a produção do documento por um agente histórico e mesmo a sua conservação
já revelam intencionalidade; assim, ao historiador da Nova História cabe ponderar a intencionalidade das fontes e qual história ela quer revelar.

Não há agentes sociais neutros; as nossas ações estão eivadas de opções políticas, ideológicas e sociais que configuram os documentos e
fabricam uma determinada perspectiva de reconstituição da história. No trabalho com documentos históricos, é imprescindível que se
desconstrua na sala de aula o mito da história neutra e do historiador sem comprometimento ideológico.

Os mais variados documentos históricos expressam um ponto de vista – e não a verdade sobre os fatos retratados; tal perspectiva favorece uma
concepção de história afeita à crítica e de cunho mais problematizador. Não há mais como insistir em uma aula de História que reproduza as
“pseudoverdades” construídas socialmente e propaladas nos livros didáticos.

Os alunos do século XXI não suportam estudar História como um fato acabado e que necessita ser decorado em seus aspectos triunfalistas com
datas e nomes de pessoas. Há, sem dúvida, insistência numa história de personagens triunfalistas com ênfase em aspectos bélicos, em
detrimento da História como construção social e privada.

A crise da história não foi uma doença específica que atingisse unicamente a história. Foi e é um dos aspectos, o aspecto propriamente histórico,
de uma grande crise do espírito humana (Febvre, 1985, p. 35).

E para aprofundar a questão vale a pena conhecer A história em migalhas: dos Annales à nova história, deDosse.

Para a Escola dos Annales, a Nova História produzida na academia deve permear a metodologia de ensino da História nas salas de aula; não
pode um professor estar imune às recentes mudanças na própria historiografia. A práxis docente deve estar alinhada às modernas concepções
de ensino de História: trabalho com variadas fontes documentais e leitura critica da História longe da neutralidade positivista.

As fontes documentais geográficas também sofreram mutações sob o influxo das questões historiográficas: o ensino de Geografia não pode
estar atrelado a apresentar e decorar relevos, mapas e climas de forma descontextualizada e sem reflexões críticas.

O ensino de Geografia deve levar em conta a discussão acerca dos conceitos fundamentais geográficos como: lugar, território, região e espaço.

A Geografia passou então a ser reconhecida como ciência que possui alguns conceitos fundamentais ou estruturantes, ou seja, um escopo a partir
do qual se desenvolvem seus estudos, seja como ciência ou como disciplina escolar. Esses conceitos, que passaram a se constituir como parte do
que convém chamar de uma ‘expressão geográfica’, dando-lhe significados, podem ser definidos como sendo os seguintes: lugar, paisagem,
território. Região e espaço. É importante lembrar que, para além dos seus conceitos fundamentais, a Geografia e outras disciplinas do Ensino
Fundamental abarcam um conjunto de saberes vistos como essenciais à educação escolar, mas que estão relacionados a outras ciências que não
fazem parte do currículo da escola (Pereira, 2012, p. 27).

Os PCN de Geografia ponderam:

É fundamental que o espaço vivido pelos alunos continue sendo o ponto de partida dos estudos [...]. A compreensão de como a realidade local
relaciona-se com o contexto global é um trabalho a ser desenvolvido durante toda a escolaridade, de modo cada vez mais abrangente, desde os
ciclos iniciais (Brasil, 1998, p. 30).

Sendo a Geografia uma ciência social, estuda o espaço construído pelos homens; assim, o ensino de Geografia deve estar eivado de uma
concepção de espaço que vislumbra o que o geógrafo Milton Santos afirma: “um espaço socialmente configurado de forma a excluir os pobres e
confirmar os ricos e seus pretensos poderes” (1998, p. 136). Ou seja, a Geografia Crítica da realidade e cônscia das relações de poder inerentes à
sociedade capitalista e excludente.

A metodologia do ensino de Geografia deve estar impregnada de crítica ao modelo capitalista de configuração dos espaços ideologizados pela
luta de classes. Os espaços geográficos são produzidos não somente pela natureza, mas construídos ideologicamente pelos homens em seu afã
de transformar o espaço.

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De acordo com os PCN, a Geografia “é uma área do conhecimento comprometida em tornar o mundo compreensível aos alunos, explicável e
passível de transformações” (Brasil, 1998, p. 26).

Por que utilizar o documento histórico e geográfico em sala de aula?


À luz da moderna historiografia, o professor de História e o de Geografia são impelidos a repensar a sua prática docente, com vistas a
ressignificar o ensino em sala de aula. O discente do século XXI vive em um mundo eivado de novos paradigmas sociais, comportamentais,
tecnológicos, religiosos, sexuais e educacionais. Assim, não basta à escola persistir em práxis de ensino-aprendizagem que fomentem apatia e
desinteresse nos alunos; deve antes perscrutar o tempo hodierno e remodelar a sua didática, bem como os materiais utilizados nas aulas.

O sociólogo polonês Zygmunt Bauman afirma que a marca de nosso tempo é que

nossa cultura apresenta-nos o mundo como uma coleção de fragmentos e episódios. Cada imagem afugenta e substitui a anterior, só para ser
substituída no momento seguinte. Celebridades surgem hoje para desaparecer amanhã, sem deixar rastro na memória. Problemas brotam todos os
dias, mas escapam no mesmo instante. Nesse universo fragmentado, a atenção tornou-se o mais escasso dos bens, sobretudo a atenção para o
outro, para as questões da humanidade (Bauman, 2011, p. 14).

Tendo a assertiva de Bauman como horizonte hermenêutico de interpretação do tempo presente, percebemos que o aluno no século XXI vive
uma cultura do transitório e do fragmentado, na qual há enormes desafios para o professor de História e Geografia: como propor um estudo do
passado histórico e do espaço geográfico a um jovem fruto de um tempo líquido e fluido?

A resposta a tal questão não pode ser simplista, visto que o cenário é complexo; para tanto, não terei respostas definitivas, mas pistas para a
ulterior reflexão docente. Faz-se necessário ponderar inicialmente que a História mudou seu modo de operacionalizar, bem como a Geografia;
assim não adianta insistir em um ensino ultrapassado com datas, heróis e ênfase bélica. Afirma Peter Burke:

A necessidade de uma História mais abrangente e totalizante nascia do fato de que o homem se sentia como um ser cuja complexidade em sua
maneira de sentir, pensar e agir não podia reduzir-se a um pálido reflexo de jogos de poder ou de maneira de sentir-se, pensar e agir dos
poderosos do momento. Fazer uma nova história, na expressão de Febvre, era, portanto, menos redescobrir o homem do que, enfim, descobri-lo
na plenitude de suas virtualidades, que se inscrevem concretamente em suas realizações históricas. Abre-se, em consequência, o leque de
possibilidades do fazer historiográfico, da mesma maneira que se impõe a esse fazer a necessidade de ir buscar junto a outras ciências do homem
os conceitos e os instrumentos que permitiriam ao historiador ampliar sua visão do homem (Burke, 2010, p. 8).

Burke considera uma profunda mudança paradigmática no fazer historiográfico; a utilização do documento histórico e geográfico no trabalho
em sala de aula proporciona uma espécie de aproximação de alunos e docentes do ofício do geógrafo e do historiador.

Os PCN afirmam:

Os documentos são fundamentais como fonte de informações a serem interpretadas, analisadas e comparadas. Nesse sentido, eles não contam
simplesmente como aconteceu a vida no passado. A grande maioria não foi produzida com a intenção de registrar para a posteridade com era a
vida em determinada época; e os que foram produzidos com esse objetivo geralmente tendem a contar uma visão da História comprometida por
visões de mundo de indivíduos ou grupos sociais. Assim, os documentos são entendidos como obras humanas que registram, de modo
fragmentado, pequenas parcelas das complexas relações coletivas. São interpretadas, então, como exemplos de modo de viver, de visões de
mundo, de possibilidades construtivas, específicas de contextos e épocas, estudados tanto na sua dimensão material (elementos recriados da
natureza, formas, tamanhos, técnicas empregadas), como na sua dimensão abstrata e simbólica (linguagem, usos, sentidos, mensagens, discursos).
São cartas, livros, relatórios, diários, pinturas, esculturas, fotografias, filmes, músicas, mitos, lendas, falas, espaços, construções arquitetônicas ou
paisagismos, instrumentos e ferramentas de trabalho, utensílios, vestimentas, restos de alimentos, habitações, meios de locomoção, meios de
comunicação. São, ainda, os sentidos culturais, estéticos, técnicos e históricos que os objetivos expressam, organizados por meio de linguagens
(escrita, oralidade, números, gráficos, cartografia, fotografia, arte). (Brasil, 1997, p. 55).

A utilização de documentos geográficos e históricos em sala de aula proporciona aos educandos a experiência de imersão na historicidade, ou
seja, fazem parte da história ao selecionar documentos e interpretá-los com vista a tornarem-se sujeitos ativos da produção do conhecimento, e
não meros receptores passivos.

Cano afirma acerca da utilização dos documentos em sala de aula:

A partir das sugestões seguintes, queremos mostrar que não só há formas diferentes de usar os documentos como também formas de resgatar as
discussões anteriores sobre a abrangência do conceito de documento histórico e geográfico. Lembremos de que, ao apresentar o documento ao
aluno, o objetivo principal não é torná-lo um historiador-geógrafo, mas abrir a possibilidade de ele ter contato com um dos materiais de trabalho
do historiador, além do contato com documentos que são representativos de determinada sociedade ou período histórico. Existem observações
que devem ser feitas de antemão ao aluno, chamando sua atenção para certos cuidados a serem adotados na leitura do documento, por exemplo,
escrito. É preciso que o aluno identifique, além das informações básicas do texto (data de produção, autor, local), o tipo de texto produzido – se
descrição, narração, dissertação – e a intencionalidade do autor ao produzir esse documento – a forma como ele apresenta o seu texto
(problematizou, questionou, narrou, descreveu, argumentou). Essas informações são importantes, pois familiarizam o leitor, nosso aluno, com o
próprio documento, muitas vezes o tipo de linguagem presente pode gerar uma dificuldade instransponível ao seu entendimento (Cano, 2012, p.
24-25).

Na perspectiva de Cano, há que ter em mente premissas importantes ao trabalhar com documentos em sala de aula:

as aulas devem ser organizadas de forma a promover a facilitação do acesso à linguagem própria que pode dificultar ao aluno;
o ensino com documentos deve favorecer a pesquisa;
o ofício do historiador pode ser vivenciado pelos alunos como forma de propiciar a experiência do fazer historiográfico;
ao trabalhar com documentos, os alunos devem classificar informações básicas como: tipo de texto e a intencionalidade.

Assim, as atividades de ensino-aprendizagem com a utilização de documentos promovem uma aula atrativa e que desperta nos alunos
competências e habilidades significativas. Desse modo, a análise e o estudo com fontes históricas e geográficas pode ser um importante ponto
de partida do que entendemos como “o fazer histórico” na sala de aula, auxiliando os alunos a desenvolver o espírito crítico e a capacidade de

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interpretação de dados.

O trabalho com imagens históricas


Há diversas fontes documentais, como textos (cartas, livro tombo, diários etc.), pictóricas (imagens, quadros, pinturas etc.), fonográficas
(gravações, discos etc.). No que tange às gravuras, não podem ser consideradas fontes documentais com menor prestígio, pois ressaltam
aspectos importantes como a estética. Afirma Brodbeck (2012, p. 36):

Além de compor um acervo extenso de retratos e cenas históricas diversas, as obras artísticas são recursos que podem tornar mais concretos os
conteúdos abordados em sala de aula. As gravuras podem ilustrar os textos, ampliar as informações como também trazer informações no lugar do
texto. Assim como se procede com outras fontes históricas, sejam textos, documentos ou obras de arte de modo geral, é importante que se
conheça o autor, como se deu a produção da obra e em que época foi produzida.

Peter Burke, em seu livro Testemunha ocular: História e imagem, analisa o lugar que as imagens e outros tipos de registros históricos ocupam.
Burke defende que as imagens devem ser consideradas extensões dos contextos sociais que circundam a sua produção. Assevera Burke (2004, p.
99):

Imagens são especialmente valiosas na reconstrução da cultura cotidiana de pessoas comuns [...]. Num ângulo positivo, imagens frequentemente
revelam a cultura material que as pessoas na época haviam considerado como dados e deixado de mencionar no texto [...]. O testemunho de
imagens é ainda mais valioso porque eles revelam não apenas artefatos do passado (que em alguns casos foram preservados e podem ser
diretamente examinados), mas também a sua organização.

Não podemos olvidar que estamos na era da cultura visual, exacerbada pelo intenso uso das mais variadas tecnologias. Assim, num contexto
visual marcadamente preponderante, as ações pedagógicas não devem estar alheias a tais fenômenos, mas antes abrir-se para as atividades com
recursos visuais. Acerca da leitura da arte na escola, Maria Helena W. Rossi (2003, p. 9) afirma:

Na publicidade (por exemplo), as imagens sugerem o que devemos fazer, o que necessitar, o que devemos valorizar ou desejar. Moldam
pensamentos e comportamentos. Portanto, a leitura da imagem feita por uma pedagogia crítica pode ajudar a construir uma consciência sobre o
fato de que somos destinatários de mensagens que pretendem impor valores, ideias e comportamentos que não escolhemos.

Há na perspectiva de Rossi a necessidade de ponderar que a utilização de imagens como documentos históricos e geográficos devem levar em
conta a própria compreensão estética dos alunos, visto que a escola deve ampliar o acervo estético. À luz do que foi exposto, podemos balizar
que a utilização dos documentos visuais, como as imagens, no fundo vislumbra uma educação do olhar estético dos alunos. A ênfase na leitura
de imagens favorece a articulação interdisciplinar na escola.

A arte na cultura utilitarista moderna não encontra espaço relevante; quando muito, é percebida pelo seu valor monetário ou como peça de
colecionador. Mas a arte transcende o utilitarismo moderno e forja uma paixão pela criatividade e pelo prazer dionisíaco da fruição. Mesmo no
currículo escolar atual não se valoriza a arte; muitas instituições de ensino a colocam com uma aula semanal ou mesmo a retiram da grade.

Almeida Júnior (2000, p. 20) propõe

desenvolver metodologias de aprendizagem e leitura na direção de uma lógica da simulação congelando uma ou mais imagens para um
mergulho, ao mesmo tempo apreciativo e analítico, emocional e lógico, separando uma sequência ou contrapondo imagens diferentes para
descobrir respectivamente uma lógica de conexão ou contradição; recortando imagens, colando-as, manualmente ou remontando-as.

Em suma, podemos afirmar que a utilização das imagens como recurso didático, além de recomendada, está certamente atrelada às
necessidades de inovação requeridas pelo tempo hodierno.

O trabalho com mapas geográficos


Uma ciência digna desse nome deve preocupar-se com o futuro. Uma ciência do homem deve cuidar do futuro não como um mero exercício
acadêmico, mas para dominá-lo. Ela deve tentar dominar o futuro para o Homem, isto é, para todos os homens e não só para um pequeno número
deles; se o homem não for, também, um projeto, retorna ao homem animal que ele quando, para assegurar a reprodução de sua própria
existência, não comandava as forças naturais (Santos, 2002, p. 261).

Um dos maiores desafios postos à utilização dos mapas refere-se ao pouco uso de se faz em sala de aula; tal fato dificulta a aquisição da
competência de leitura de mapas. Obviamente os mapas são utilizados no ensino de Geografia, contudo tal recurso pode – e deve – ser
promovido em qualquer disciplina, para além da Geografia. Afirma Brodbeck (2012, p. 40):

Os mapas visam traduzir na linguagem cartográfica alguns conteúdos, desde a divisão política do Brasil na atualidade e o planisfério para localizar
tipos de casas no mundo, como aqueles com informações históricas, representativas de um determinado período e local. Para o historiador, além
de um instrumento de localização, o mapa é também um documento de uma época, uma fonte histórica. Quando trabalhamos com mapas
antigos, por exemplo, reforçamos o contato do aluno com diferentes visões e interpretações de regiões do planeta, possibilitando que o professor
faça comparações e relações com outras informações históricas do passado mais adiante, do passado mais recente e da atualidade.

As aulas com o recurso didático dos mapas ganham também em possibilidade de ações interdisciplinares, visto que os mapas podem expressar
as mais variadas informações; por exemplo, os mapas geográficos podem servir para atividades nas áreas de História e Matemática.

Os PCN de Geografia afirmam que

é fundamental que o espaço vivido pelos alunos continue sendo o ponto de partida dos estudos [...]. A compreensão de como a realidade local
relaciona-se com o contexto global é um trabalho a ser desenvolvido durante toda a escolaridade, de modo cada vez mais abrangente, desde os
ciclos iniciais (Brasil, 1998, p. 30).

Muitos professores utilizam mapas para localizar o assunto no espaço, delimitando-se as características físico-espaciais; contudo, os mapas
podem informar outros aspectos, como densidade populacional, escala, aspectos políticos, religiosos, demográficos etc.
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Assim, o ensino de Geografia – mas, não só – ganha um novo sentido ao ressignificar a utilização dos mapas, no sentido de proporcionar aos
alunos a conquista das competências de leitura cartográfica. Os mapas geográficos não são de fácil leitura, pois demandam a capacidade de
interpretação das informações consignadas. No caso dos mapas não há uma forma específica de realizar a leitura, o que determina são as
informações que se busca no mapa.

A Geografia, dependendo da maneira com é ensinada, se fará presente na realidade de nossos alunos, pois, como ciência social, estuda o espaço
construído pelo homem. Os alunos poderão, por meio da compreensão dos fenômenos geográficos, ampliar os conhecimentos advindos de sua
experiência com o espaço vivido, do lugar em que se reconhecem, de sua existência, enfim. Um grande desafio às aulas de geografia é o que os
levará a estabelecer relações com distantes espaços, outros conjuntos sociais e novas perspectivas de leitura do mundo (Pereira, 2012, p. 27).

Considerações finais
Nossa cultura apresenta o mundo como uma coleção de fragmentos, de episódios e momentos efêmeros. A cada imagem – cada fato e
pensamento – afugenta e substituir a anterior, só para ser substituída no momento seguinte. Vivemos num tempo líquido, para Zygmunt
Bauman; a fluidez, a fragmentação e o transitório são as marcas da pós-modernidade (modernidade líquida). A cultura influencia a formação de
concepções educacionais que forjam práticas de convivência e, por conseguinte, valores ético-sociais.

A educação deve preocupar-se com as ações que refletem, no fundo, os valores éticos ou não, pois a sociedade, como afirma Edgar Morin,
necessita saber conviver, não apenas aprender fórmulas e conceitos, mas saber conviver socialmente. Por fim, podemos corroborar que a
educação, com sua perspectiva de formar um cidadão para a polis, busca forjar um homem virtuoso – ético por excelência. Tal perspectiva é atual
e mais que necessária ao homem contemporâneo, que é desafiado a repensar seu projeto de humanidade à luz dos princípios imperativos
éticos.

Os documentos históricos e geográficos são utilizados pelos docentes em sua práxis pedagógica contudo, há uma premente necessidade de
ressignificar tais recursos com vistas a promover uma verdadeira leitura do mundo. Os mapas e as imagens habilitam uma nova faceta do ensino
de História e Geografia, com vistas a proporcionar um conhecimento interdisciplinar e que potencialize uma análise crítica da realidade.

O ensino de História – e não menos o de Geografia – enfrenta um enorme desafio: conseguir despertar interesse nos alunos. Não nos
esqueçamos de que os alunos vivenciam um mundo tecnológico; assim, ao concorrer com as novas tecnologias, a escola – tradicional em seu
ensino – sairá perdendo. Mas o que fazer para reverter tal cenário de apatia discente em relação à aprendizagem dos componentes curriculares
Geografia e História? Como afirma Weller (2014, p. 149),

o ensino é uma etapa de formação não apenas intelectual-cognitiva, mas também um momento de construção de identidades e de
pertencimentos a grupos distintos, de elaboração de projetos de vida, ainda que as condições e os percursos dos jovens sejam bastante distintos. É
uma fase de ruptura e de construção.

Na busca por responder à questão, conseguimos perceber que, de fato, há muitas dificuldades postas à educação; contudo, podemos
transformar as aulas em espaços de construção efetiva e afetiva do conhecimento. Para tanto, faz-se indispensável que as aulas sejam
preparadas de forma que os alunos sejam atores ativos. Não basta ensinar conteúdos descontextualizados. Há, sem dúvida, a imperiosa
necessidade de fazer aulas interativas em que seja possível:

explorar os conhecimentos preexistentes dos alunos;


perceber os assuntos que demandam interesse dos alunos;
apresentar os documentos como fontes de conhecimento;
balizar as fontes históricas e geográficas que propiciam interdisciplinaridade;
assegurar aos alunos a mediação afetiva e efetiva em sala de aula;
organizar as aulas de forma interativa e colaborativa.

O ensino de Geografia e História pode ser organizado por meio de fontes documentais, como as imagens e os mapas, como instrumentos
eficazes de ensino-aprendizagem.

Referências
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______. A escrita da história:novas perspectivas. São Paulo: Ed. Unesp, 1992.

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DOSSE, F. A história em migalhas:dos Annales à nova história. São Paulo: Edusc, 2003.

FEBVRE, L. Combates pela história. Lisboa: Presença, 1985, p. 35.

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Médio. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2014.
Publicado em 23 de julho de 2019

Como citar este artigo (ABNT)


SILVA, Vanderson de Sousa. O documento histórico e geográfico como instrumento de aprendizagem. Revista Educação Pública, v. 19, nº 14, 23 de julho de
2019. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/19/14/o-documento-historico-e-geografico-como-instrumento-de-aprendizagem

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