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Apresentação
Educação de Mulheres e
Formação
Para escrever a história, são necessárias fontes, que foram suscetíveis à educação das mulheres
documentos, vestígios. E isso é uma dificulda- para a dimensão de sua formação humana e
de quando se trata da história das mulheres. profissional.
Sua presença é frequentemente apagada, seus
Composto por 18 artigos originais e inédi-
vestígios, desfeitos, seus arquivos, destruídos.
Há um déficit, uma falta de vestígio. (PERROT, tos, o dossiê traz uma rica compilação de estu-
2017, p. 21). dos sobre educação de mulheres, circunscritos
em dois enfoques principais: os que centram
O dossiê intitulado Educação de Mulheres e
ênfase em contextos micro-históricos nos quais
Formação traz para o primeiro plano questões
a mulher foi paulatinamente galgando visibili-
teóricas pertinentes ao campo da história da
dade; e os que priorizam o estudo da história
educação, com ênfase na história de mulheres,
da educação a partir do enredo da trajetória de
ao lançar lume aos vestígios e às narrativas que
vida de uma mulher protagonista na interface
possibilitam dar a ver a presença do feminino
com o contexto de seu tempo.
na sociedade patriarcal. Afinal, como a epígrafe Destacam-se oito artigos que analisaram
permite refletir, as mulheres foram histori- fontes históricas que permitiram compreender
camente apagadas, silenciadas, relegadas a a educação feminina em cenários circunscritos.
segundo plano de importância; logo, resgatar a A mulher na legislação educacional paraense
memória de mulheres de Lethe – rio do esque- na transição do Império para a República, de
cimento na mitologia grega –, por intermédio autoria de Monika Reschke, João Lúcio Mazzini
de pesquisas científicas, possibilita contribuir e Alberto Damasceno, trata da legislação educa-
tanto para questionar sua invisibilidade social, cional paraense a partir do último regulamento
quanto para fomentar resistência e superação da instrução pública no Império, Portaria de 29
de preconceitos que ainda causam assimetria de abril de 1871, fazendo um paralelo com o
de gênero, ao impor de forma generalizada Decreto nº 149, de 7 de maio de 1890, primeiro
epistemologias dominantes que produzem do período republicano, com o mote de iden-
hierarquias que subalternizam as mulheres. tificar as principais semelhanças e diferenças
Problematiza-se como se constituiu a histó- nessas legislações mencionadas e verificar o
ria das mulheres ao considerar as formações processo de inserção da mulher, tanto como
educativas e as suas identidades, com maior discente quanto docente, no sistema público
visibilidade à participação social e política de de instrução para caracterizar a educação
mulheres que durante muito tempo ocuparam feminina. Educação e formação de mulheres: a
espaços mínimos e, até certo ponto, marginais, revista Bem-te-vi na primeira metade do século
embora tenham atuado ativamente como XX, escrito por Cristiane Pereira Peres e Ales-
sujeitos históricos. Elaboram-se narrativas sandra Cristina Furtado, busca compreender
referenciadas por abordagens da História das como os conteúdos editados nas páginas da
Mulheres, da História da Educação, da História revista Bem-te-vi na primeira metade do século
Cultural, da História Social e do enfoque de XX, direcionados à educação e à formação das
Gênero, e em conformidade com um corpus mulheres, eram usados na Escola da Missão na
documental diverso e extenso, permitindo re- Reserva Indígena de Doura com o propósito de
fletir sobre as linguagens e os procedimentos incutir padrões do universo feminino ocidental
12 Rev. FAEEBA – Ed. e Contemp., Salvador, v. 30, n. 63, p. 12-15, jul./set. 2021
Lia Machado Fiuza Fialho; Liége Maria Queiroz Sitja
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Apresentação
individual do ser mulher se associou ao habitus memórias e histórias formativas em cinco peles
professoral, à militância política e às redes de existenciais, produzido por Liége Maria Quei-
relacionamentos nos enfrentamentos às estru- roz Sitja e Márcia Gerailde Almeida Macêdo de
turas política e de gênero da década de 1960. Oliveira, constitui um mosaico de pigmentos
Hilda Agnes Hübner Flores: história da educação simbólicos, uma espécie de grafismo, a partir
de uma interiorana descendente de boêmios das narrativas de cinco mulheres professoras
(1939-1955), assinado por Lia Machado Fiuza sobre a constituição da identidade docente.
Fialho, Cristine Brandesburg e José Hernandez Os artigos, bem descritos metodologicamen-
Diaz, objetivou reconstituir historicamente te e com um rico e variado referencial teórico,
a biografia dessa educadora com ênfase na são relevantes, pois tratam de dar visibilidade
análise do seu percurso formativo nas escolas à vida individual e coletiva, de maneira indisso-
riograndenses, destacando o seu rompimento ciada, de inúmeras mulheres que colaboraram
com paradigmas socioculturais que relegavam para tensionar o lugar instituído ao feminino
a mulher ao semianalfabetismo e à vida do- em tempos e espaços distintos. Proporcionam
méstica. A vida activa estudantil e educativa de novas narrativas, a partir da história e da
Maria Salonilde Ferreira (1951-2014), redigido memória de mulheres, ampliando-se os co-
por Marta Maria de Araújo e Cristina C. Vieira, nhecimentos sobre a configuração identitária,
reconstitui as experiências formativas e forma- educacional, política, ideológica e cultural do
doras da vida estudantil e da aluna, professora feminino.
e pesquisadora Maria Salonilde Ferreira. Aias, O Dossiê traz implícitas as singularidades,
governantas e preceptoras: mulheres com a as permanências e as alteridades, além das
atribuição de educar, escrito por Maria Celi transversalidades da educação das mulheres
Chaves Vasconcelos e Ana Cristina B. López M. nos ambientes familiares, escolares e não esco-
Francisco, tem o mote de analisar as atribuições lares, pelo entrelaçamento com a dimensão da
destinadas às mulheres que se encarregavam formação como parâmetro analítico-histórico.
da educação de crianças da aristocracia, no Dar a ver os diferentes sentidos dos movimen-
século XIX, um dos únicos ofícios permitidos às tos formativos que transcendem as instituições
mulheres naquele tempo e contexto. O mundo formais de aprendizagens e repercutem na vida
do trabalho como espaço formativo feminino cotidiana e nas esferas políticas e culturais
nas primeiras décadas do século XX, de autoria foram desafios importantes que consideramos
de Karina Regalio Campagnoli, reflete sobre qualitativamente atingidos pelo conjunto dos
algumas possibilidades de formação feminina textos que compõe este dossiê.
por meio da gradativa inserção das mulheres Esses trabalhos científicos, com narrativas
no universo do trabalho remunerado fora do envolventes que consideram as subjetividades
lar, durante as três primeiras décadas do sé- do feminino, possibilitam o registro, a preser-
culo XX. O programa Mulheres Mil no Campus vação e a produção de conhecimentos acerca
Canguaretama do IFRN: análise socioeconômica da História das Mulheres, ao tempo em que
e educativa, elaborado por Gisele Dias Quirino amparam discussões contemporâneas sobre os
e Avelino Aldo de Lima Neto, retrata uma polí- paradigmas que subjugam o feminino, repercu-
tica pública nacional cujo objetivo era formar tindo em desigualdade de gênero, e dificultan-
profissionalmente mulheres em situação de do a equiparação da participação feminina nos
vulnerabilidade social, principalmente aque- espaços profissionais e socioculturais, ainda
las advindas de áreas rurais, marcadas pelas no século XXI, especialmente em tempos de
consequências da divisão sexual do trabalho conservadorismo político.
e de uma política ineficaz para a Educação Para finalizar, contamos com três artigos que
de Jovens e Adultos. Experiências docentes: compõem a sessão Estudos e uma entrevista,
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Lia Machado Fiuza Fialho; Liége Maria Queiroz Sitja
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