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RESUMO: Este trabalho reflete brevemente sobre questões que envolviam os padrões de
comportamento às mulheres no período de transição dos regimes Império-República no
Brasil. Observa a partir dos discursos de homens, em diferentes contextos, a função das
mulheres na sociedade paraense. Nesse contexto, investiga a representação da mulher os
contos nortistas, na intenção de perceber como eram descritas por seus autores.
1
Bezerra Neto compilou cinco trabalhos no livro “Estado, Igreja e Instrução Pública” que investigam a educação
no século XIX. Tais trabalhos destacam em grande medida a educação feminina nesse período.
2
comportamentais. Dom Macedo Costa (fundador do Asylo) definia uma determinada
representação da identidade feminina, através da sujeição das mulheres à família, à instituição
eclesiástica e à figura masculina”(2021, p.117).
O autor expõe ainda um documento publicado por Dom Macedo Costa, no ano de
1875, em que “ditava as regras básicas de comportamento das mulheres cristãs”, entre os
dozes mandamentos estavam estes: “ser muito modesta em todas as suas ações, ser grave e ser
sempre decente nas falas e maneiras, detestar dissipações e profanos divertimentos, evitar
conversações indiscretas com pessoas do sexo diferente”. Esses são apenas quatro dos doze
mandamentos para as moças. Para as esposas havia treze regras, entre eles: “amar o marido,
respeitá-lo como chefe, obedecer-lhe com a afetuosa prontidão, servi-lo com desvelo, calar,
quando o vir irritado, tolerar com paciência seus defeitos”(2021, p.117). Esses são alguns
ideais femininos estabelecidas pelo líder católico às mulheres de sua comunidade.
Além dessa, havia outras instituições, em Belém, que funcionavam para educar
meninas desvalidas e órfãs. Como o Colégio do Amparo/Instituto Gentil Bittencourt, que
nesse processo da transição dos regimes políticos experimentou mudanças que interferiram
diretamente na formação dessas meninas. Essa é uma história que pode ser analisada em
diversos outros trabalhos.3
Vale ressaltar que essas orientações de conduta para as mulheres não era algo
exclusivo do setor eclesiástico, ela ocorria em outros meios intelectuais também. Michelle
Perrot descreve esse momento como “O século XIX levou a divisão das tarefas e a segregação
sexual nos espaços ao seu ponto mais alto. Seu racionalismo procurou definir estritamente o
lugar de cada um. Lugar das mulheres: a Maternidade e a Casa cercam-na por inteiro” (2017,
p.171).
Nessa perspectiva, no mês de novembro de 1886 o jornal “A República” trouxe uma
coluna como título “A NOSSA INSTRUÇÃO” e o assinante desse artigo discorreu entre
outros assuntos sobre a emancipação da mulher. Essa publicação foi lançada dois anos antes
da Proclamação da República no Brasil, percebe-se que era uma campanha de convencimento
de que o regime republicano traria melhorias para a nação por meio da educação, pois há em
seu texto muitas críticas à educação que era oferecida no final do Império.4
É interessante perceber, que embora nesse período as mulheres não tivessem uma
participação política, o artigo do jornal usava o discurso da emancipação feminina para
3
SOUSA, Celita Mª Paes de. Traços de compaixão na história do Pará: instituições para meninos e meninas
desvalidas no século XIX até o início do século XX. Tese de doutorado (Educação: currículo). São Paulo, PUC,
2010.
4
A República, 10/11/1886, pág. 2
convencer seus leitores da supremacia republicana. O autor do texto, Jeferson, exalta a mulher
como “um desses raros assuntos inesgotáveis e que oferecerá constantemente, como tem
oferecido até hoje, em todos os tempos e países os mais variados temas”. Em seguida
justifica que ela era uma “Irmã e companheira do homem, ela o tem seguido de perto em
todas as suas evoluções progressistas”, entretanto ele não deixou de citar sobre a inferioridade
da mulher em relação ao homem.5
Nesse contexto, o historiador William Gaia Farias destaca que a imprensa foi
fundamental para os republicanos do Pará, pois eles a utilizavam para a divulgação do regime
e crítica a Monarquia. O autor ressalta ainda que “Como principal veículo de comunicação, o
jornal era lugar privilegiado de manifestações dos letrados. Os periódicos eram importante
veículos de propaganda dos ideais republicanos através de uma leitura mais acessível a
imensa maioria da sociedade” (2016, p.60).
Outro meio usado para propagar a mentalidade republicana foi a escola, Felipe
Tavares Moraes ressalta que “a educação feminina era considerada uma necessidade para
colocar em xeque a condição da mulher como tutelada do homem”(2011,p.78).
Havia um interesse em deixar a mulher no mesmo nível de intelectualidade do homem.
Tais constatações podem ser comprovadas através do livro de Hygino Amanajás doze anos
depois, em 1898, da publicação do jornal. A obra dele era uma espécie de cartilha que foi
distribuída nas escolas de Ensino primário no Estado do Pará com o título “Noções de
Educação Cívica” e entre as orientações que há na obra, ela ensinava as meninas estudantes
do primário sobre os
DEVERES DA MULHER PARA COM A PATRIA
Também a mulher, apesar de não ser chamada ao exercício dos direitos
políticos, tem deveres sacratíssimo para com sua pátria. [...] Também no
magistério, em que é sem dúvida superior ao homem, quando se trata de
ensinar crianças, tem ela enseja, ou antes tem obrigação imperiosa de
cumprir esse dever, que ainda mais a engrandece [...] Como mãe de família,
como mestra ou educadora, a mulher tem campo vasto para exercitar seus
deveres de patriota. É por isso que ela também precisa conhecer bem seus
deveres para cumpri-los e ensiná-los. (AMANAJÁS, 1898, p. 110 -111)
Infere-se até aqui que homens determinavam o padrão para mulheres no final do
século XIX e no início do XX. Os padrões femininos hegemônicos eram estabelecidos em
grande medida por homens em diferentes setores de poder e autoridade na sociedade. Esse
aspecto é facilmente notado na igreja, na política e nos lares. Padres, jornalistas, professores,
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A República, 10/11/1886, pág. 2
maridos e outros intelectuais determinavam como as mulheres deveriam se organizar naquele
contexto.
Sandra Jatahy Pesavento destaca ainda, que a Literatura se torna uma fonte muito
especial para o trabalho do historiador quando ele usa esse documento para resgatar a
“sensibilidades de uma época, os valores, razões e sentimentos que moviam as sociabilidades
e davam o clima de um momento dado no passado, ou em ver como os homens representavam
a si próprios e ao mundo” (2003, p.39).
Nesse viés, será realizada a análise dos contos de Marque de Carvalho, selecionados
dos livros Contos do Norte e Contos do Pará e ainda dois contos de José Veríssimo de sua
obra Cenas da vida Amazônica. Os contos escolhidos têm o objetivo de destacar as
personagens femininas e observar a partir dos seus autores como eles as identificavam e se
havia um padrão no contexto em que elas estavam inseridas. Os textos literários são
intencionais no sentido de observar como seus autores nortistas representavam as mulheres de
seus textos
Roger Chartier assegura que
Por um lado, o que a escrita literária capta é a poderosa energia das
linguagens, ritos e práticas do mundo social. São múltiplas as formas de
negociação que permitem tal captação estética do mundo social: a
apropriação de linguagens, o uso metafórico ou material no caso do teatro de
objetos cotidianos, a simulação de cerimônias e discursos públicos. Por outro
lado, a energia transferida na obra literária (...) retorna ao mundo social por
meio de apropriações por parte de seus leitores e espectadores. (Tradução
livre) (CHARTIER, 2007, p.1-2)
Contos Amazônicos
As protagonistas sobre o olhar dos autores masculinos ditando o que era ideal, gera
sentimentos diversos. Mas a resistência a todo esse conjunto de regras oportuniza um bom
trabalho, que pode ser realizado em outro momento.
Contos
http://obrasraras.fcp.pa.gov.br/
Marques de Carvalho, Contos Paraenses, Tip. de Pinto Barbosa, Belém, 1889
Marques de Carvalho, Contos do Norte, tip. da Papelaria Silva, Belém, 1907
José Veríssimo, Cenas da vida Amazônica, 1899
Alma: Educação feminina, Rio de Janeiro, Coelho Neto– 1911
Noções de Educação Cívica, Hygino Amanajás, Pará - 1898
REFERÊNCIAS BIBLIGRÁFICAS