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PRISCILLA ALMALEH
Ser Mulher:
Cotidianos, Representações e Interseccionalidades da Mulher Popular (Porto
Alegre 1889 – 1900)
São Leopoldo
2018
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1 COMEÇANDO UM QUEBRA-CABEÇAS
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Ao longo da dissertação o leitor observará a utilização da escrita na primeira pessoa do plural. Isso
se deve ao fato de que há muitas contribuições que ocasionaram a finalização desse texto, seja pelas
leituras de meu orientador, das disciplinas feitas ao longo do mestrado, como também auxílios
diversos de amigos e familiares. A utilização dessa narrativa não deixa de ser uma forma de
agradecimento a todos que me auxiliaram de alguma forma.
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Ser mulher e estudar outras mulheres faz com que essa pesquisa se torne
pessoal e especial. Vivenciamos hoje diversos retrocessos sobre direitos
conquistados na nossa sociedade, especialmente sobre avanços que nós feministas
conseguimos sobre o direito de se falar sobre as diferenças e desigualdades de
gênero no espaço escolar, buscando entender o ser humano nas suas diferentes
sexualidades e a entender a construção cultural que se fez/faz presente sobre ser
mulher e ser homem. Esse fato e tantas outras facetas políticas que remetem a
retrocessos, além da atuação das mídias e religiões que estabelecem padrões sobre
o “ser feminina“, o “ser mulher“ e a estereótipos de conduta, fazem com que
olhemos a um passado, não tão distante, diga-se de passagem, onde as diferenças
de gênero eram justificadas cientificamente e naturalizadas. Isso se assemelha e
muito, com o nosso dia-a-dia. Muitas mulheres ainda são vítimas de um sistema
machista, seja em casa ou no espaço público, onde as desigualdades de gênero
recaem sobre o feminino de uma forma que mata, oprime e subjuga. Mas ainda há
esperanças, e a história tem um papel fundamental para a compreensão do passado
e na aquisição de expectativas para o futuro, pois vemos diversas mulheres
conquistando espaços que não eram originalmente seus e que hoje podemos
usufruir sem que haja tanta repressão. O estudo da história das mulheres é
fundamental para uma sociedade mais justa e igualitária.
Como pesquisadora, iniciei minha trajetória no ano de 2013, quando entrei no
programa de iniciação científica do curso de Licenciatura em História/Unisinos, como
bolsista CNPq, sob a orientação do Professor Doutor Paulo Roberto Staudt Moreira,
meu orientador desde então. A partir do início da pesquisa, transcrevemos e
problematizamos os dados registrados nos Livros de Matricula Geral de Enfermos
da (LMGE) da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre (SCMPA) até o ano de
1895, o que adiante explicaremos mais detalhadamente, com a minha colega de
vida e curso Giane Flores.
Estudar as mulheres começou a ser arquitetado como possibilidade de
pesquisa no período em que me inscrevi na disciplina de introdução ao trabalho de
conclusão de curso (TCC) e, a partir de então, comecei a formular um pré-projeto
que se tornou minha monografia, intitulado “Pobres Mulheres ou Mulheres Pobres?
Uma análise da condição de vida feminina no século XIX (1889 – 1895)”. Com o
levantamento dos dados dos LMGE consegui obter informações sobre as mulheres
que frequentavam a instituição nos anos de 1889 a 1895, mapeando o perfil das
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Quando falamos sobre mentalidades nos referimos de maneira coloquial. Não é nossa intenção falar
sobre a história das mentalidades.
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Importante lembrar que os relatos que chegaram à esfera judicial são aqueles que não tiveram
solução no âmbito doméstico. Sobre a justiça e o uso dos processos judiciais como fontes históricas,
ver: CAMPOS, Adriana Pereira. Nas barras dos tribunais: direito e escravidão no Espírito Santo do
século XIX. 2003. (Tese de Doutorado) Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2003.
; ROSEMBERG, André. Ordem e burla: processos sociais, escravidão e justiça, Santos, década de
1880. São Paulo: Alameda, 2006; SANCHES, Nanci Patrícia Lima. O crime e a história na jurisdição
do Império do Brasil. Cadernos de Pesquisa do CDHIS. Nº 38, ano 21, p. 29-44; FLORES, Mariana
Flores da Cunha Thompson. Crimes de Fronteira: a criminalidade na fronteira meridional do Brasil
(1845-1889). 2012. (Tese de Doutorado) Pontifícia Universidade Catolíca, Porto Alegre, 2012;
CANCELLI, Elizabeth. A cultura do crime e da lei: 1889-1930. Brasília: Editora Universidade de
Brasília, 2001; CORRÊA, Mariza. Morte em Família: representações jurídicas de papéis sexuais. Rio
de Janeiro: Graal, 1983; FAUSTO, Boris. Crime e cotidiano: a criminalidade em São Paulo (1880-
1924). 2. ed. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2001; GRINBERG, Keila. A história
nos porões dos arquivos judiciários. In: PINSKY, Carla B.; LUCA, Tania R. de. (orgs.) O historiador e
suas fontes. São Paulo: Contexto, 2009; ZENHA, Celeste. As práticas da Justiça no cotidiano da
pobreza. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 5, n. 10, março/agosto de 1985, pp. 123-146;
GINZBURG, Carlo. O inquisidor como antropólogo. In. ______. O fio e os rastros: verdadeiro, falso e
fictício. São Paulo: Companhia das Letras, 2007, p. 280-292.
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Gonçalves (2006) explica que o século XIX estimulou a criação de mecanismos de controle sobre
sensações, sentimentos e de privacidade, fruto do individualismo burguês e suas noções de
intimidade.
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De acordo com Pesavento (2008, p.11): “Tais rastros são, pois, representações do ocorrido, tanto
na sua feitura original, a trazer a marca da temporalidade que os construiu no passado, como fato ou
personagem, em um momento dado, quanto na sua construção desde o presente, a participar de uma
rede de possíveis e plausíveis para a elucidação de um problema. Se tais fontes são portadoras de
razões, intenções, estratégias e sensibilidades de uma outra época, tais elementos presidem também
o olhar do historiador que, desde o presente, os vai manipular e analisar”.
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Educação aqui não é compreendida como apenas a escolar, mas uma troca de conhecimento entre
pessoas e que pode ser transmitidas em diversos locais.
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De acordo com Levi (1992) a micro-história, foi uma proposta nova na verificação de materiais, uma
reordenação de dimensões, de personagens, de perspectivas. E também da valorização da história
dos pequenos e excluídos, ou seja, dos momentos, das situações, das pessoas que indagadas com
um olhar analítico, em âmbito circunscrito, recuperam peso e cor.
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Ver mais em: SERNA, Justo; PONS, Anaclet. O buraco da agulha. Do que falamos quando falamos
de micro-história? In: MARTINS, Maria Cristina Bohn; MOREIRA, Paulo Roberto Staudt (Orgs.). Uma
história em escalas: A microanálise e a historiografia latino-americana. Editora Oikos: São Leopoldo,
2012.
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Ver mais em: GINZBURG. Sinais, raízes de um paradigma indiciário. In: ______, Carlo. Mitos,
emblemas e sinais. Morfologia e história. São Paulo: Companhia das letras, 1989. (p.143 – 179).
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O Retorno de Martin Guerre aborda a história de Martin Guerre, um camponês francês do século
XVI que abandona a família e fica sem dar notícias durante anos. Contudo, após algum tempo um
falsário que se auto denomina Martin Guerre se estabelece na família. Após algum tempo e por
desconfiança de alguns, o falsário é levado a julgamento, onde divide as opiniões dos camponeses e
da própria família. Por fim, o verdadeiro Martin retorna e o falsário é julgado a pena de morte. Ver
mais em: DAVIS, Natalie Zemon. O retorno de Martin Guerre. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
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Pensando que a verdade é subjetiva e que esta é baseada em diversas perspectivas, a rejeito da
minha narrativa.
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Mary Gergen (1993, p.112 – 113), ao estudar sobre as metodologias feministas e citando os
psicólogos como exemplo, explica que esses profissionais tradicionalmente defenderam a
necessidade de manter a objetividade em suas pesquisas. “Para atingir esse objetivo, idealmente, o
cientista é um observador independente, que minimiza qualquer relacionamento entre si e o objeto do
estudo. Pensa-se que na medida em que o cientista está distante, não envolvido e neutro, os
objetivos não serão influenciados pelo cientista e dados confiáveis serão recolhidos. Se existe alguma
forma de relacionamento pessoal entre o cientista e o sujeito, essa interação irá, como se diz,
‘contaminar as descobertas’. Muitos escritores feministas criticaram essa perspectiva (Chodorow
1978; Gilligan 1982; Harding 1986; Keller 1982). Eles sugeriram que, por diversas razões, essa visão
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é limitada e androcêntrica. Por exemplo, Nancy Chodorow (1978) argumentou que os homens
desenvolveram uma identidade pessoal através da separação e diferenciação em relação a seus
agentes maternais. Esse padrão de separação estimula o desenvolvimento de uma preferência mais
geral pela separação ao invés da interdependência. Muitas feministas acreditam que aquilo que boa
parte dos cientistas considera o método adequado para organizar a realidade social é simplesmente
uma extensão do desenvolvimento masculino. É claro, a ironia está em que no argumento tradicional
qualquer forma de relacionamento, próximo ou distante, entre cientista e o objeto de estudo constitui
uma mensagem de relação, independentemente do contexto, com o objeto. [...] A possibilidade
alternativa, talvez mais harmoniosa em relação desenvolvimento feminino, é a que admite a conexão
entre as pessoas. Desse ponto de vista, a abordagem mais viável para a pesquisa científica é
reconhecer esse laço entre as pessoas nos contextos sociais e construir métodos científicos nessas
bases”.
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Obviamente, quando se fala em agência nos estudos históricos, não se pode escapar de destacar
a influência do (neo)marxista inglês E. P. Thompson. Sobre isso, ver: MÜLLER, Ricardo Gaspar.
Razão e utopia: Thompson e a história. Tese de Doutorado. São Paulo, PPGH/Universidade de São
Paulo, 2002.
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De acordo com Guimarães (2008) a categoria predominante em termos de classificação social
passou a ser cor e não raça, possivelmente pela pressão e pelo avanço social dos ex-libertos e
descendentes.
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16
Como no caso de Manoel, personagem estudado pelo autor, que teve muitas cores ao longo da
vida. Em um momento foi considerado pardo, mas não por sua epiderme, mas pelo lugar em que ele
ocupava socialmente e por suas condições financeiras.
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Os novos estudos de pós-abolição mostram o ex-escravizado ativo, em busca de seus próprios
interesses, cheios de experiências culturais e sociais que não se resumiam a vitimização do cativeiro.
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Essa democratização não é no sentindo pleno da palavra, de tornar acessível algo, mas carregada
de um silenciamento, ou seja, silenciar o racismo e a sociedade hierarquizada das fontes oficiais.
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Michelle Perrot (2007, p.16) observa que na sociedade oitocentista, a invisibilidade e o silencio das
mulheres faziam parte da ordem natural das coisas, garantindo uma cidade tranquila, pois de certa
forma, a mulher causava medo, visto que era comparada a desordem. Essa indecência da mulher
aparecer em público sozinha, ou a justificativa para não deixar uma mulher no controle da situação,
vem sendo argumentada há muitos anos pela bíblia, o apóstolo Paulo já dizia “que a mulher conserve
o silencio”. A justificativa era porque primeiro foi formado Adão, depois Eva “e não foi Adão que foi
seduzido, mas a mulher que, seduzida, caiu em transgressão” (primeira epístola a Timóteo 2, 12-14).
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Ou seja, a mulher sempre foi causadora da desordem humana e ela deveria ser confinada a exclusão
de certos âmbitos da sociedade, pois não teria capacidade para tais cargos e papéis.
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Quando falo em nova historiografia quero remeter as pesquisas feitas desde o ano de 1980,
quando a abordagem feminina começa a desenvolver um papel decisivo na história. Maria Odila Leite
da Silva Dias tornou-se base e uma das precursoras para os estudos femininos no Brasil e para uma
nova historiografia em seu livro “Quotidiano e Poder em São Paulo no século XIX”, se propondo
buscar as minúcias e de ler nas entrelinhas das fontes .
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Marc Bloch no seu livro-testamento “o ofício do historiador”, permite-nos pensar no passado não só
pelas questões do presente, como, também, observar outras fontes, além das unicamente oficiais e
narrativas. Ver mais: BLOCH, Marc Leopold Benjamin. Apologia da história ou O ofício de historiador.
Rio de Janeiro: Zahar, 2001.
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O feminismo, de acordo com Pedro (2005), é dividido em duas “ondas”. A primeira se desenvolveu
em fins do século XIX, para reivindicar direitos como o voto, trabalho remunerado, estudo,
propriedade e herança, já a “segunda onda” surgiu após a Segunda Guerra Mundial, reivindicando
direitos associados ao corpo e ao prazer e lutando contra o patriarcado (entendido como o poder dos
homens na subordinação das mulheres). O presente trabalho dialoga bastante com o que ficou
convencionado chamar-se de feminismo negro: “um campo epistemológico e político que não apenas
pode ser vinculado à negritude, mas faz parte da sua matriz de experiência. Movimento surgido nos
Estados Unidos (Black Feminist Moviment) nos anos 1970 e desenvolvido no Brasil a partir da
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passou a ser usada no interior dos debates que se travaram dentro do próprio
movimento, que buscava uma explicação para a subordinação das mulheres.
Gênero só foi introduzido nos debates acadêmicos a partir da Segunda
Guerra Mundial23, mais precisamente nos anos 1960 nos Estados Unidos,24 para
reivindicar o que se fazia em nome da “mulher”, e não do “homem”, pois elas
acreditavam que a linguagem e consequentemente as ações sociais mostravam
apenas uma abordagem, a do “homem universal”, não representando questões e
ações que eram específicas das mulheres. Joana Pedro (2005, p.79) complementa:
“era como ‘Mulher’ que elas reafirmavam uma identidade, separada da de ‘homem’”.
A grande questão que as feministas queriam responder e que buscavam nas várias
ciências era o porquê de as mulheres, em diferentes sociedades, serem submetidas
à autoridade masculina e porque essas atividades destinadas às mulheres eram
sempre desqualificadas em relação àquilo que os homens desta mesma cultura
faziam. Joan Scott (1990) argumenta dizendo que as feministas também queriam
enfatizar o caráter fundamentalmente social das distinções baseadas no sexo,
indicando uma rejeição do determinismo biológico e características sociais implícitas
em termos como a própria palavra “sexo”. Joan Scott (1988) ao explicar a diferença
entre os sexos observa que o significado é construído através do contraste e que
uma definição positiva se apoia na negação ou na representação do oposto, de
acordo com a autora:
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No final do século XIX temos o início da República e a então recente abolição, além de fatores
ligados ao caráter positivista da época, discurso relacionado a uma nova ordem moral e civilizatória
voltada ao progresso. Havia, também, uma ação higienista que visava à limpeza da sociedade, tanto
no âmbito físico, mas principalmente no moral. Esta política era gerida e pensada pelos médicos,
governantes e intelectuais do período que acreditavam serem os pobres, por exemplo, o problema
central da sociedade, dificultando o almejado progresso.
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Acredito que seja importante para o entendimento deste texto o que considero como ciência. De
acordo com Novaes (2015, p.50): “Descartes no berço das descobertas científicas do século XVII,
colocou em dúvida o conhecimento, propondo um método que fosse científico, destruindo as certezas
para reconstruí-las inteiramente por meio de um processo metódico e único. A partir disto, a busca da
verdade passou a se fundamentar numa separação entre sujeito e objeto, considerando que o polo
que irradia a certeza é o sujeito que pensa e que produz o conhecimento. Portanto, podemos pensar
que a ciência foi uma criação humana e quem irradiava a ciência era um seleto grupo formado por
homens de elite e brancos”. Se pensarmos por este ângulo, as perspectivas femininas não eram/são
vistas. Este método coloca/va as suas perspectivas como uma verdade já que seria “comprovado”.
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O positivismo é baseado nas ideias de Augusto Comte. O Rio Grande do Sul com a República
estava embebido nos ideais de ordem e progresso e para tanto o governo, como os intelectuais,
promulgavam a organização da sociedade a partir de novos hábitos disciplinadores pautados na
razão e na ciência, os quais levariam o Estado e o país ao rumo da modernidade e da civilização. Céli
Pinto (1986) ao estudar o Partido Republicano Rio-grandense diz que o positivismo adotado pelo
Estado eram caracterizados como ideológicos das leis de evolução natural, garantindo o sucesso do
grupo mais desenvolvido, deixando, portanto, os populares distantes das ações do Estado.
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Ver mais em: ROHDEN, Uma ciência da diferença: sexo e gênero na medicina da mulher. Rio de
Janeiro: Editora Fiocruz, 2001.
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Não podemos esquecer de que havia um discurso de comportamentos ideais e que isso de alguma
forma interferia em suas vidas.
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Sandra Pesavento (2008, p.81) explica que o autor Michelet foi um dos precursores no resgate
desta dimensão do imaginário social sobre a mulher: “Na sua conhecida obra La sorcière, Michelet
indica que foi a Natureza que fez da mulher feiticeira. Sem querer cair na questão levantada pelo
autor – os mistérios do corpo feminino e suas funções – que acaba por opor a mulher-natureza ao
homem-cultura, entendemos que o que se poderia chamar de natureza feminina, ou o feminino é uma
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construção simbólica. E esta, no caso, é dada pelo olhar e pelo julgamento dos homens sobre
mulheres. Com propriedade, Jacques Le Goff afirma que Michelet enfoca bem a questão quando
centraliza sua análise num aparente paradoxo: é justamente no momento em que a mulher emerge
como uma personagem de maior presença na história que é preciso diabolizá-la. É neste momento,
na passagem do século XIV para o século XV, em que se acentua a sua faceta de bruxa, de
sexualidade desregrada, dotada de malícia, capaz de realizar sortilégios e malefícios. Mais do que
isso, esta representação feminina trabalha com a ideia de que a mulher é perigosa, por ser capaz de
trair e seduzir”.
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Não estamos com isso defendendo que tais representações sobre o feminino não circulassem e
influenciassem também as áreas rurais. Ou que nessas zonas a racialização e o controle sobre as
mulheres fossem mais amenos e imperceptíveis. Apenas estamos considerando que os centros onde
a urbanização era mais acentuada essas ideias circulavam com mais facilidade, seja pelos jornais ou
pelas sociedades literárias. Assim, parte dos letrados que saiam dos centros universitários
encontravam maiores possibilidades de inserção profissional nesses centros urbanos, seja nas
instituições hospitalares, seja nos serviços públicos, que estavam em franco crescimento.
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32
Dóris Bittencourt (2013, p. 189) explica que no ano de 1890 a cidade de Porto Alegre possuía:
“9 fabricas de cerveja, 7 de sabão e velas, 18 de charutos e cigarros, 6 de chapéus, 6 de banha, 51
de calçados, 62 de olarias, 6 armadores, 6 refinarias de banha e 51 curtumes”. Ver mais:
BITTENCOURT, Dóris Maria Machado de. Casa, alcova e mulher. Santa Cruz do Sul: EDUNISC,
2013. SINGER, Paul. Desenvolvimento e evolução urbana: análise da evolução econômica de São
Paulo, Blumenau, Porto Alegre, Belo Horizonte e Recife. 2ed. São Paulo: nacional, 1977.
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O serviço de limpeza das ruas passou a ser feito por máquinas varredoras Sohy, precedido por
uma irrigação feita com irrigadores a tração animal. “No Império existiam leis e posturas que
regulamentavam a vida das cidades. Entretanto, pode-se afirmar que a emergência
do regulamentarismo no sentido do saneamento da cidade surgiu no final do século XIX,
intensificando-se nas duas primeiras décadas do século XX. Na gestão do espaço público e na
arquitetura houve progressos que atestaram o avanço do projeto de desodorização” (BITTENCOURT,
2013, p. 146)
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José Geraldo Moraes (1994, p.21) explica que: “[...] as ideias de progresso, civilização, moderno e
bom-gosto eram representadas pela Europa, sobretudo por Paris e Londres, ‘berços da
modernidade’. Essas ideias, criadas e assumidas principalmente pelo imaginário da elite brasileira,
iriam marcar definitivamente as características, a vida e as construções das principais cidades de
nosso país. O desejo incontido de se parecer com a Europa, na forma e no conteúdo, se revelaria de
maneira espantosa no Brasil, influenciando profundamente o modo de vida de muitos brasileiros do
início deste século”.
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José Geraldo Moraes (1994) explica que a política pública e privada procurou disciplinar e ‘educar’
essa população, através do controle de natalidade, discursos médicos que operavam como propulsor
da família ‘limpa’ e honesta, do trabalho como moralizador, das entidades assistenciais, casas do
trabalhador e de correção, reformatórios, e outros. Ou, ainda, por uso da repressão e políticas contra
‘vadiagem’, uso da violência e reformas nas cidades. Nos meios urbanos em crescimento o principal
veículo de controle social passou a ser a polícia. Ver: MAUCH, Cláudia. Dizendo-se autoridade:
polícia e policiais em Porto Alegre, 1896-1929. Porto Alegre, PPGH/Universidade Federal do Rio
Grande do Sul, 2011; MAUCH, Cláudia. Ordem Pública e moralidade: imprensa e policiamento
urbano em Porto Alegre na década de 1890. Santa Cruz do Sul: EDUNISC/ANPUH-RS, 2004.
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Dóris Bittencourt (2013) define o cortiço como local de moradia daqueles que não possuíam
condições financeiras, sendo o terror dos arquitetos e médicos, devido a grande aglomeração de
pessoas era considerado um local de total promiscuidade e falta de higiene.
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Ver mais em: PESAVENTO, Sandra. Os sete pecados da capital. São Paulo: Hucitec, 2008;
ELMIR, Cláudio Pereira. A história devorada: no rastro dos crimes da Rua do Arvoredo. Porto Alegre,
Escritos, 2004; MOREIRA, Paulo Roberto Staudt; ELMIR, Cláudio. Odiosos Homicídios: O Processo
5616 e os crimes da Rua do Arvoredo. São Leopoldo : Oikos Editora / Editora UNISINOS, 2010.
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38
A partir da segunda metade do século XIX, segundo Silvia Arend (2001), o espaço urbano no Rio
Grande do Sul adquiriu maior relevância devido, principalmente, a transformações comerciais. Nos
anos de 1870 e 1900, as primeiras fábricas foram instaladas em Porto Alegre, transformando o
núcleo urbano em um grande espaço de atuação econômica capitalista. Sobre os serviços urbanos
em Porto Alegre, por exemplo, a expansão ocorreu na passagem da década de 1860-70, iniciando-se
com a rede de água encanada (1861), as linhas de bondes puxadas por animais (1872) e a
implantação da iluminação pública a gás (1874). Do início da década de 1880 até os últimos anos do
século, começaram a despontar nas cidades alguns símbolos da modernidade, como o sistema
telefônico e escolas de engenharia (1896) e Medicina (1899). Pesavento (2008, p.26) mostra que na
segunda metade do século XIX, Porto Alegre já tinha, pois, um certo ar cultural: “Um belo teatro, um
Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul, criado por intelectuais da província em 1860 e
que estendeu suas atividades até o ano de 1864, o Liceu D. Afonso, prestigiosa escola secundária da
capital da província, que desde 1846 funcionava na esquina da Rua da Ladeira (atual Rua General
Câmara) com a rua do Cotovelo, no local que é hoje a Biblioteca Pública do Estado”.
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39
Segundo a historiadora Martha Abreu (1999, p. 28 - 29): “cultura popular não é um conjunto fixo de
práticas ou textos, nem um conceito definido aplicável a qualquer período histórico. Neste sentido,
cultura popular não se conceitua, enfrenta-se. [...] O conceito emerge na própria busca de como as
pessoas comuns, as camadas pobres ou os populares (ou pelo menos o que se considerou como tal)
criavam e viviam seus valores [...] considerando sempre a relação complexa, dinâmica, criativa e
política mantida com os diferentes segmentos da sociedade: seus próprios pares, representantes do
poder, setores eruditos e reformadores”.
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Essas autoras enfatizam que dentro das discussões de gênero da época (final
do século XIX e início do XX), esses estereótipos aparecem diretamente atrelados
com os discursos acerca da moralidade, mas também da sexualidade,
principalmente quando se trata de mulheres negras, lembrando que o corpo é tido
como portador de características definidoras de caráter e comportamento.40
Nossos capítulos não apresentam uma rígida separação no que diz respeito à
utilização das fontes. A abordagem é construída de plurais maneiras, a critério da
pesquisa e da fluidez do texto. Após a leitura detalhada das fontes por nós
investigadas, selecionamos alguns eixos temáticos que consideramos (com grau
consciente de arbitrariedade) com a finalidade de adensar nosso entendimento das
agências femininas do período e das suas cotidianidades, e das representações
sobre o Ser Mulher.
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40
Silvana Santiago (2006) explica que esses critérios raciais de identificação também funcionariam
como uma forma de distinguir as brasileiras negras das brasileiras de cor branca, sendo as primeiras
consideradas sexualmente disponíveis, enquanto que as outras eram consideradas merecedoras de
respeito.
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Antes de ser uma potência médica, como é hoje, a SCMPA era instituição de origem portuguesa,
oriunda do período colonial, tendo como finalidade funções de caridade e assistência, recolhendo os
alienados, menores abandonados, doentes e necessitados que não tivessem para onde ir e enterrar
os mortos indigentes, ou seja, todos aqueles que eram considerados incapazes de cuidar de si ou
não tivesse quem os amparasse. Começaremos nossa dissertação abordando sobre a criação e o
protagonismo feminismo na instituição de Porto Alegre, como as mulheres se fizeram presentes em
meio a um campo masculinizado.
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Ao longo dessa dissertação procuro fazer uma escrita que envolva não somente historiadores, mas
interessados nos estudos sobre as mulheres, de uma forma não tão formal e que busque dar
visibilidade ao nome dos autores.