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BREVE HISTÓRIA DO RIO GRANDE DO SUL

da Pré-História aos dias atuais

Mário Maestri

2010
Copyright © Editora Universitária

Maria Emilse Lucatelli


Editoria de Texto

Sabino Gallon
Revisão de Emendas

Sirlete Regina da Silva


Projeto gráfico, diagramação e produção da capa

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19 Rio Grande do Sul: a industrialização na
República Velha
O processo de industrialização rio-grandense assentou-se, sobretudo,
na acumulação de capitais originária propiciada pela produção pastoril e
charqueadora, com centro no meridião no Rio Grande do Sul, por um lado,
e na economia colonial-camponesa, sobretudo teuto-italiana, localizada nas
encostas inferior e superior do Planalto, por outro. Desde inícios do século
19, oficinas e ateliês voltados à produção de alimentos, vestuário, materiais
de construção, etc. eram comuns no Sul, sobretudo em Porto Alegre, Rio
Grande e Pelotas. Essas pequenas unidades produtivas abasteciam o limi-
tado mercado local e, secundariamente, regional com produtos rústicos.
No Rio Grande, sobretudo no século 18 e grande parte do 19, era muito
forte a produção doméstica e de subsistência nas grandes e pequenas uni-
dades produtivas. As formas de produção escravista e pré-capitalista man-
tinham muito reduzido o consumo. A circulação de mercadorias importadas
e produzidas localmente realizava-se com relativa facilidade apenas nas
regiões servidas por meios aquáticos de transporte. Carretas e mulas brua-
queiras distribuíam, com dificuldade e a alto preço de transporte, as merca-
dorias no resto do território. A distância das diversas regiões dos centros co-
merciais dependia da maior ou menor facilidade dos meios de transportes.
Em 1857, a capital sulina teve seu primeiro estaleiro. Em 1865, pos-
suía umas quarenta pequenas manufaturas de caldeiras, chapéus, charutos,
latas, selas, tamancos, velas, etc. Comumente, essas empresas trabalhavam
também com a mão de obra escravizada. Em 1866, o mineiro inglês James
Johnson, associado a João Ferreira de Moura, obteve o direito de explorar a
mina de carvão de Arroio dos Ratos.

Artesanato colonial alemão


Foi precoce a gênese da produção artesanal nas regiões coloniais alemã
e italiana. Em 1824, colonos de língua alemã estabeleceram-se no vale do
rio dos Sinos, a uns trinta quilômetros de Porto Alegre, em colônias de se-
tenta hectares, obtidas inicialmente de forma gratuita. Desde os primeiros
tempos, mas sobretudo a partir de 1840, eles se dedicaram à policultura de
subsistência e venderam, sobretudo na capital, o excedente da produção,
para comprar açúcar, pólvora, tecidos, ferramentas, etc.
De 1860 a 1890, essa economia colonial-camponesa reforçou a esfera
mercantil, especializando sua produção agrícola para o mercado, sobretudo
com a ligação ferroviária com a capital, em 1874. Então, até 1930, a queda
tendencial da fertilidade da terra e a divisão dos lotes rurais em minúsculas

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parcelas, em virtude da divisão entre os herdeiros, levaram à especialização
no engorde de suínos para a produção e venda da banha, atividade que al-
cançou grande desenvolvimento.
Na Europa, muitos emigrantes dependiam para viver mais ou menos
do artesanato, em razão do pequeno tamanho do lotes explorados. No Bra-
sil, procuravam produzir tudo o que pudessem, gerando ativa e variada
produção artesanal doméstica – conservação de alimentos, produção de ins-
trumentos de trabalho e vestuário, etc. A importância desse artesanato au-
mentava em relação direta à autonomia econômica das unidades colonial-
camponesas.
Com a consolidação das parcelas agrícolas coloniais, ao longo das pi-
cadas e nos pequenos centros urbanos surgiram minúsculas unidades arte-
sanais, que produziam ferramentas, objetos domésticos, vestuário, arreios,
carroças, etc. No contexto dessa importante divisão do trabalho, a produção
artesanal colonial teria conhecido quatro grandes fases: instalação, expan-
são, especialização, estagnação/crise/metamorfose.
De 1830 a 1845, surgiram e consolidaram-se as primeiras unidades
artesanais especializadas de São Leopoldo, utilizando intensamente a
madeira, abundante na região, e o couro, que chegava, a baixo preço, das
charqueadas e das fazendas do sul e do norte da província. Inicialmente, os
artesãos trocavam o couro cru da Campanha e do Planalto “por encomendas
de selas, lombilhos, arreios, botas, retalhos, barrigueiras, cintos”, etc., como
assinala Sérgio Schneider em Agricultura familiar e industrialização: plu-
riatividade e descentralização industrial no RS, de 1999.

Selas e arreios
De 1845 a 1874, com o enriquecimento da economia colonial-campone-
sa, multiplicaram-se as vendas e as unidades artesanais especializadas nas
picadas e aglomerações da região. Nos núcleos urbanos, as pequenas ofi-
cinas coureiras prosseguiram fornecendo grande diversidade de produtos,
com destaque para as selas, arreios e atrelagens para carretas e carroças.
Essa diversificação, determinada pela estreiteza do mercado, dificultava
fortemente a especialização.
As pequenas unidades artesanais operavam com a força de trabalho do
núcleo familiar e exploravam o excedente de mão de obra local. O artesão
dominava toda a produção, ajudado por poucos aprendizes, que trabalha-
vam pela comida por uns 12 meses até dominarem a arte e se estabelecerem
independentemente. As mercadorias eram vendidas no local de produção e
escoadas por casas comerciais. O proprietário podia interromper o trabalho
e partir com mulas bruaqueiras para distribuir a produção.
Em 1874, a ligação ferroviária inseriu crescentemente São Leopoldo-
Novo Hamburgo na divisão regional, nacional e internacional do trabalho,
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destruindo importantes esferas da sua produção artesanal e agrícola, em
razão da nova facilidade de importação de mercadorias melhores e mais
baratas. Com a internacionalização do mercado, o artesanato coureiro foi
obrigado a se especializar, racionalizar a produção, aumentar a escassa di-
visão técnica do trabalho.
A produção calçadista tornou-se importante atividade específica, rea-
lizada em múltiplas pequenas unidades familiares, apoiada na superexplo-
ração da mão de obra familiar e semirrural assalariada. As raízes que esse
operariado mantinha com o campo permitiam a depreciação dos salários, já
que suas famílias ou eles próprios produziam, como pequenos agricultores,
nos lotes agrícolas, parte dos gêneros necessários a sua subsistência. Es-
ses meios de subsistência não eram remunerados pelos empregadores. Em
1912, 662 fabriquetas de calçados na região superexploravam, cada uma,
alguns poucos operários de origem rural.
Em 1913, com a introdução da energia hidroelétrica em São Leopoldo,
as unidades coureiro-calçadistas conheceram um primeiro movimento de
crescimento e concentração. Em 1920, registraram-se apenas 96 unidades
calçadistas no Rio Grande do Sul, com uma média de treze operários por
estabelecimento. Por décadas, o caráter reduzido do mercado consumidor
sulino, principal escoamento dessa atividade, limitou o crescimento da pro-
dução a uma expansão devida, sobretudo, à multiplicação de unidades de
pequeno porte.

Fumo e trabalho
Processo algo diverso ocorreu na colônia de Santa Cruz do Sul, fundada
em 1849, a quarenta quilômetros de Rio Pardo. A distância dos mercados con-
sumidores e a inexistência de rios navegáveis na região que escoassem a pro-
dução agrícola colonial-camponesa, de alto volume e peso, levaram os colonos
a se dedicarem à agricultura de subsistência e a orientar a esfera de produção
mercantil das colônias à produção do fumo. Esse produto possuía uma alta
relação peso/valor, o que permitia sua exportação terrestre, mais custosa.
Inicialmente, produziu-se, semi-intensivamente, o “fumo de galpão”,
de folhas escuras, destinadas à produção de charutos. A monopolização da
comercialização do fumo pelos comerciantes ensejou ininterrupta expro-
priação do sobretrabalho da economia colonial-camponesa pelo capital co-
mercial, por meio da compra do fumo por preços depreciados e da venda de
mercadorias por preços valorizados.
A acumulação do capital comercial pela expropriação do sobretraba-
lho dos colonos-camponeses facilitou o estabelecimento de manufaturas de
capitais regionais e nacionais. Essas unidades produtivas se dedicaram ao
beneficiamento, à comercialização e à exportação do fumo ou à produção de

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charutos, cigarros e cigarrilhas, em substituição a boa parte dos produtos
similares tradicionalmente importados.
Em 1916, em Santa Cruz, além de outras manufaturas menores, a Al-
fredo Schütz ocupava 150 operários, a A. E. Henning, 135, a Irmãos Scütz,
120, e a J. N. Kliemann, 120. Essa mão de obra manufatureira mantinha
estreitos vínculos com a produção rural camponesa e ocupava-se sazonal-
mente na produção fumageira, o que permitia a mesma superexploração
efetuada pela indústria coureiro-calçadista, através de salários inferiores
ao necessário para financiar a totalidade dos meios de subsistência dos tra-
balhadores.
Em 1917 esse cenário se transformou com a instalação da The Brazi-
lian Tobacco Corporation (BAT), de capital inglês, que se metamorfoseou,
em 1920, na Companhia Brasileira de Fumos em Folha e, finalmente, em
1955, na Companhia Souza Cruz. A BAT produzia cigarros para o mercado
nacional, em parte com fumos importados. Ela regularizou, padronizou e
qualificou a produção de tabaco para cigarros, introduzindo fumos claros,
financiando fornos de secagem, promovendo o uso de adubos químicos, etc.

O grande e o pequeno
Em dezembro de 1918, em resposta à penetração do grande capital
internacional no beneficiamento da matéria-prima local, fundava-se a Com-
panhia de Fumos Santa Cruz, originada da fusão de seis estabelecimentos
do ramo de capitais nacionais. Em 1931, a firma, que ocupava o segundo
lugar no ramo, após a Souza Cruz, empregava permanentemente 120 ope-
rários e produzia cigarros, fumo desfiado, cigarrilhas e charutos.
A crescente integração da produção colonial-camponesa ao grande ca-
pital industrial, nacional e internacional intensificou a produção do fumo
pela intervenção do produtor diretamente no processo de crescimento e se-
cagem da planta, levando à decadência a produção do fumo escuro de galpão
tradicional. Desde 1917, aprofundou-se a integração crescente da produção
colonial-camponesa tabaqueira à agroindústria, em geral, e à Companhia
Souza Cruz, em especial.
Na troca do capital comercial local pelo internacional, o pequeno agri-
cultor obteve apenas um amo ainda mais despótico. A remuneração ape-
nas parcial do trabalho empregado pelo colono-camponês na produção do
fumo explica a rusticidade estrutural da produção. Incapaz de pôr fim à sua
permanente descapitalização, ele explorou, crescentemente, a si mesmo e a
própria família, trabalhando como verdadeiro escravo livre para financiar
sua sobrevivência biológica e manter a propriedade do lote, lócus de sua
ilusão de autonomia.
A integração da produção agrícola colonial-camponesa minifundiária
ao grande capital agroindustrial não modernizou as relações sociais e os im-
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plementos produtivos da agricultura fumageira, como lembra o historiador
rio-grandense Olgário Vogt em A produção do fumo em Santa Cruz do Sul
- RS: 1849-1993. Por meio do financiamento dos fornos, das sementes, dos
adubos e do controle técnico, a agroindústria determinava o tipo, a qualida-
de, a quantidade e a época de produção do fumo, sem arcar com a compra/ar-
rendamento de terras e com os riscos agrícolas – granizo, pragas, seca, etc.
Monopolizando as compras, o grande capital organizava, como em uma
fábrica descomunal, a produção de milhares de produtores, sem a necessi-
dade de pesados investimentos e de assumir contratos e encargos traba-
lhistas – aposentadoria, férias, etc. Em razão da posse da terra pelo colono-
camponês e do controle monopolista dos preços, a agroindústria obrigava
– e ainda obriga – o grupo familiar da unidade minifundiária a trabalhar
intensivamente, longas jornadas, mesmo nos dias de repouso, inclusive
crianças a partir dos cinco anos, fato proibido pela legislação. Os custos e
consequências dos acidentes de trabalho na produção eram e são assumidos
totalmente pelos pequenos produtores rurais.
A propriedade do lote pelo colono-camponês permitia que a agroindús-
tria não remunerasse os investimentos do núcleo familiar, em trabalho e
insumos, na produção dos gêneros subsistência que sustentava o grupo fa-
miliar fumageiro – roça, galinhas, porcos, etc. A agroindústria incentivava
cuidadosamente a manutenção da produção pela agricultura colonial-cam-
ponesa dos seus gêneros de subsistência, baseada no trabalho intensivo fa-
miliar, pois permitia-lhe remunerar o trabalho investido no fumo por preços
abaixo dos necessários para financiar totalmente a subsistência familiar.
A partir de 1875, a Região Colonial Italiana do Rio Grande do Sul, na En-
costa Superior do Planalto, conheceu idêntico processo de metamorfose e cres-
cimento da economia artesanal, apoiado na acumulação originária de capitais
realizada sobretudo pelo circuito mercantil, através da apropriação do sobre-
trabalho do produtor colonial-camponês, produzido nas milhares de unidades
agrícolas da região. Esse processo transformou a região – mais tarde, com
destaque para Caxias do Sul – em importante polo manufatureiro e industrial.

A crise do meridião
As duas últimas décadas do século 19 foram muito difíceis, sobretudo
para os interesses charqueadores, que tiveram a produção e seus mercados
desorganizados com a abolição da escravatura, com significativa queda nas
exportações e crise do mercado de mão de obra. A situação do setor não foi
ainda pior apenas em razão das dificuldades conhecidas pelos concorrentes
do Prata. Nesse contexto geral complexo, surgiram as primeiras indústrias
propriamente ditas do Rio Grande do Sul.
Desde meados do século 19, a produção agrícola e artesanal colonial-
camponesa, no nordeste, e a economia pastorial-charqueadora, no sul, en-
sejaram significativa acumulação de capitais, apropriada sobretudo pela
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esfera comercial e exportadora. Por longas décadas, o balanço comercial
sul-rio-grandense foi superavitário, permitindo que parte dos capitais re-
gionais fosse empregada em novas atividades fabris, destinadas a abastecer
um mercado consumidor regional em expansão, pela produção local de bens
antes importados.
Em meados do oitocentos, os tecidos eram responsáveis por 60% do
valor dos produtos importados pelo Rio Grande. A existência de mercado
consumidor regional e de uma importante produção de lã local orientou a
aplicação de capitais excedentes nessa atividade, geralmente por parte de
comerciantes envolvidos na venda-distribuição de tecidos. Eles dominavam
a distribuição e possuíam capitais suficientes para abocanhar a produção.
A seguir, fundaram-se, igualmente, outras fábricas de grande porte, dedica-
das à produção de mercadorias que, por sua baixa relação peso/preço, difi-
cultavam a importação.
Em 1875, Guilherme Rheingantz, seu sogro e Herman Vater funda-
ram, na cidade de Rio Grande, a firma Rheingantz e Valter – futura União
Fabril. A atividade empregava mão de obra livre, em época em que vigia
ainda na província e no Brasil a escravidão. A produção de tecidos de lã,
facilitada pela abundante matéria-prima regional, não tinha mercado no
resto do Brasil, de clima temperado. Desde 1884, a empresa especializou-se
na produção de tecidos de algodão, destinados a serem também vendidos
no resto do país. Procurava-se, assim, aproveitar a vantagem diferencial da
unidade produtiva, sediada na cidade portuária.
O primeiro surto industrial sulino propriamente dito ocorreu após a
proclamação da República, em 1889, quando das iniciativas de Rui Bar-
bosa – Encilhamento –, que resultaram, ao menos momentaneamente, na
abundância de créditos baratos, segundo parece, também aproveitados no
Rio Grande. A seguir, as reformas fiscais e monetárias e o programa de
austeridade do presidente Campos Salles (1899-1902) facilitaram também
a primeira consolidação da indústria rio-grandense, em razão das maiores
dificuldades em importar mercadorias da Europa e dos Estados Unidos.

Rio Grande industrial


Em 1891 o comerciante de tecidos Manoel Py fundou na capital sulina
a Cia. Fiação e Tecidos Porto-Alegrense, especializada em cobertores de lã,
vendidos sobretudo no mercado regional. Além da indústria têxtil, Manoel Py
investiu em diversas outras iniciativas, como o abastecimento de luz, a tele-
fonia, a colonização, etc. Na atividade colonizadora, teve como sócio, em 1886,
o comerciante alemão João Gerdau, que compraria, em 1901, com seu filho
Hugo, em Porto Alegre, a fábrica de pregos Santa Rocha, de capital aberto.
Também em 1891, em Porto Alegre, imigrantes alemães fundaram, no
prédio de uma antiga escola, a pequena fábrica Neugebauer irmãos & Gerhar-
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dt, produtora de confeitaria e chocolate. Em 1903, a Neugebauer mudou-se
para prédio próprio de dois andares no bairro Navegantes, centro industrial
da cidade. Igualmente em 1891, surgiu a Fabril Porto-Alegrense, com cem
operários, dedicada à produção de camisas e meias de algodão. Em 1905, a
Fabril funcionava no bairro dos Navegantes, com escritório e depósito na rua
Voluntários da Pátria. Então, 320 operários – homens, mulheres, adultos e
crianças – produziam, em média, seis mil dúzias de camisetas e meias.
Ainda em 1891, em Porto Alegre, a metalúrgica Berta assumiu caráter
industrial, com o ingresso na sociedade de Alberto Bins. No ano seguinte,
fundaram-se a fábrica de calçados Cia. Progresso Industrial e uma grande
indústria de móveis. Em 1893, surgiu a Fábrica de Pregos Pontas de Paris.
Em 1894, organizou-se a Fábrica de Vidros Sul-brasileira, que produziu em
1895 setecentas mil garrafas. Em 1895, foi fundado o Banco Nacional do
Comércio, com importante atuação nas atividades do porto de Rio Grande e
em toda a região meridional rio-grandense, que constituiu a segunda casa
bancária rio-grandense, após o Banco da Província.
Em 1904 fundava-se em Porto Alegre a fábrica de fogões Wallig, que
conheceria um enorme sucesso nas décadas seguintes. Em 1906, em Rio
Grande, com capitais externos, organizou-se a Tecelagem Ítalo-Brasileira,
especializada em tecidos de algodão, brins, camisas e tecidos de algodão,
etc., destinados aos mercados brasileiros. Dois anos mais tarde, surgia a
Fiação e Tecidos Pelotenses, com 346 operários, produzindo igualmente te-
cidos de algodão, brins, morins, riscado, exportados para São Paulo, Rio de
Janeiro e Curitiba.
Por esses anos, na atual Galópolis, nas proximidades de Caxias do Sul,
nascia a Cia. de Tecidos de Lã. A empresa fora fundada por operários ita-
lianos imigrados no Rio Grande do Sul com prática na produção têxtil, que,
após fracassarem na iniciativa, alugaram as instalações, em 1906 ou 1907,
ao químico-tintureiro Herculles Gallo, o qual se associou, a seguir, a Pedro
Chaves Barcelos, que terminaria incorporando totalmente a empresa. Sob o
nome de Lanifício São Pedro a indústria desenvolveu-se rapidamente.

Expansão e crise
Finalmente, em 1911, em São Sebastião do Caí, na Região Colonial
Alemã, surgia a indústria de tecidos de lã A.J.Renner & Cia, voltada para o
mercado colonial. O principal proprietário da empresa e seus sócios eram co-
merciantes locais que investiram na indústria, conscientes da irremediável
decadência do porto de São Sebastião do Caí como escoadouro da produção
da Região Colonial Italiana após a ligação Montenegro–Caxias por trem.
Em 1916, na chefia da indústria, A.J. Renner transferiu a fábrica para
o bairro Navegantes, em Porto Alegre, para melhor explorar os mercados da
Campanha abertos pela ligação ferroviária Porto Alegre–Uruguaiana, de
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1883. Desde 1888 Uruguaiana encontrava-se em contato ferroviário com o
porto de Montevidéu. Com a expansão do mercado sulino, a fábrica passou
a funcionar 24 horas por dia, obtendo grandes lucros.
As grandes empresas têxteis estabelecidas em Rio Grande e em Pelo-
tas, nas proximidades do porto marítimo sulino, importavam sua principal
matéria-prima e especializaram-se na produção de tecidos de algodão, des-
tinados sobretudo aos mercados do Centro-Sul. Empresas de menor porte,
instaladas em Porto Alegre e nas regiões coloniais alemã e italiana, produ-
ziam tecidos e vestimentas de lã com matéria-prima regional para os consu-
midores rio-grandenses.
Em 1907 o Rio Grande do Sul consolidava-se como a terceira região in-
dustrial do país, após o Distrito Federal e São Paulo. Nessa época, o estado
possuía pouco mais de quinze mil operários, empregados em 314 indústrias,
ao passo que o Distrito Federal, com uma população mais significativa e
próxima a importantes mercados consumidores, aproximava-se dos 25 mil
trabalhadores fabris. À exceção das indústrias têxteis, as empresas sulinas
eram pequenas ou médias.
Em 1909, o Banco da Província, com sede em Porto Alegre, recebeu au-
torização para criar Caixa de Depósito, podendo, portanto, captar recursos e
conceder préstimos populares. O banco tivera permissão para emitir moeda-
papel, privilégio que passou a ser exercido de forma monopólica pelo Banco do
Brasil nos anos 1890. Em 1910, o Banco da Província abriu carteira hipote-
cária para financiar a longo prazo o setor rural, que, contudo, não prosperou.

Lambaris e tubarões
O porte diferenciado das indústrias sulinas devia-se também à diversa
origem dos ramos industriais. Como vimos, a grande indústria fabril nas-
ceu do investimento de grandes capitais, obtidos, sobretudo, na esfera da
circulação das mercadorias, em geral por comerciantes que já controlavam
parte da distribuição, pela compra de maquinaria moderna ou já supera-
da no exterior para substituir as importações de tecidos preexistentes. Sua
produção era vendida no mercado regional e no Brasil.
Ao contrário, as pequenas e médias empresas desenvolveram-se a par-
tir do crescimento de atividades artesanais e familiares, pela acumulação
de capitais próprios ou de pequenos empréstimos. Essa produção possuía
maior versatilidade, adaptando-se às variações do mercado, e cresceu no
contexto de forte exploração da mão de obra masculina, feminina e infantil,
em geral de origem rural.
A partir de 1909 sentiram-se as consequências conjunturais positivas
para a industrialização resultantes da política de defesa do café. A valoriza-
ção internacional do produto permitiu que importantes capitais nacionais
excedentes fossem aplicados na atividade industrial nascente, sobretudo
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paulista, determinando, entre outros fenômenos, a liderança industrial de
São Paulo e o recuo relativo da importância fabril sulina. A produção char-
queadora jamais conseguiu desempenhar no Sul o papel que coube em São
Paulo ao café.
Nos anos 1908-10, ainda que se importassem lãs finas, possivelmente
metade da produção da matéria-prima sulina era trabalhada pelas indús-
trias locais. Em 1910, as vendas de tecidos já tinham importância na pauta
de exportações do estado, mesmo que a produção fabril sulina se destinas-
se, sobretudo, ao abastecimento do consumo regional. O Rio Grande do Sul
jamais conseguiu se especializar na produção de lãs de alta qualidade, ao
igual que o Uruguai.
O grande mercado consumidor da produção fabril sulina eram as po-
pulações dos centros urbanos e das regiões coloniais. Centro da produção
pastoril, com baixa densidade demográfica e baixa renda das classes tra-
balhadoras e médias, a Campanha e a fronteira pouco contribuíam como
escoadouros das mercadorias regionais. Os peões e capatazes, principais
trabalhadores setoriais, recebiam pequeno salário monetário, já que eram
retribuídos parcialmente com alimentação e alojamento.
Nesse período, a política tributária estadual do Partido Republicano
Riograndense favoreceu relativamente a indústria têxtil. Desde 1904, a lã
sulina exportada era taxada em 10%, o que privilegiava o beneficiamento
regional. Em 1927, quando grande parte dos produtos rio-grandenses esta-
va isenta de impostos de exportação, pagava ainda 9%. De 1904 a 1923, a
indústria têxtil pagou 3% sobre a exportação de seus produtos. Desde então,
foi isenta de impostos sobre a exportação.

Industrialização e República
O castilhismo-borgismo apoiou a economia colonial-camponesa, a agri-
cultura capitalista e a produção artesanal, manufatureira e industrial. O
novo poder regional sustentava a modernização conservadora do estado a
partir, em boa parte, da tributação da propriedade, em geral, e da proprieda-
de fundiária, em especial. Em 1893 a arrecadação do imposto de transmissão
da propriedade alcançava já uns 897 contos de réis.
Em 1903, o governo republicano sul-rio-grandense implementou, fi-
nalmente, a proposta programática castilhista, velha de duas décadas, de
tributar a propriedade fundiária. Naquele ano, o imposto territorial rendeu
quase mil contos de réis e, nove anos mais tarde, ultrapassou os dois mil
contos. A incidência desse imposto gravava a grande propriedade e desone-
rava relativamente a pequena gleba colonial – “imposto territorial” – a fim
de diminuir as taxas sobre as exportações.
A incidência de impostos sobre a propriedade rural latifundiária pro-
piciava, tendencialmente, o arrendamento e a venda dos campos impro-
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dutivos, sobretudo em prol das companhias colonizadoras e da produção
agropastoril capitalizada – rizicultura, triticultura, etc. Porém, o castilhis-
mo jamais questionou as raízes do latifúndio, que permaneceu intocado em
imensas regiões do estado, deprimindo a produção de riquezas e o poder de
consumo, com consequências históricas para a indústria regional, fortemen-
te limitada pela estreiteza do mercado sulino e dificuldade de acesso aos
mercados do centro do Brasil. A negativa de permitir o acesso do brasileiro
pobre – peão, posseiro, caboclo, intruso, etc. – à posse da terra facilitou a
consolidação do arcaísmo agropastoril latifundiário.

Maus ventos
Desde 1913 reverteu-se a situação econômica nacional e internacional
positiva. No mercado mundial, caíram as cotações do café e de outras ex-
portações brasileiras tradicionais, cessando o ingresso de capitais interna-
cionais no país. Em 1914, com o início da Primeira Guerra Mundial, a con-
juntura negativa agravou-se fortemente. Nas mãos dos interesses cafeicul-
tores, o governo federal interveio protegendo os plantadores e exportadores
de café, pela desvalorização da moeda, ensejada por forte emissão, o que re-
sultou em encarecimento das importações e do custo de vida da população.
Nesse contexto geral, decaíram as importações, incentivando relativamente
a produção interna.
Portanto, paradoxalmente, a conjuntura econômica difícil foi positiva
para a industrialização no Brasil. A seguir, durante a Grande Guerra, a que-
da das importações e o desenvolvimento da venda para os Aliados de produtos
primários brasileiros, como o açúcar, o couro, o charque, a carne congelada,
etc., produziram importantes superávits comerciais. Como a militarização
da indústria capitalista ocidental impedia que os recursos brasileiros fossem
gastos com a importação de produtos de consumo corrente, parte dos capitais
disponíveis foi investida na produção de manufaturados, matérias-primas e
alimentos para o mercado interno com demanda insatisfeita.
Inicialmente, o crescimento da produção industrial deu-se por meio de
um melhor aproveitamento da capacidade instalada das indústrias existen-
tes. O Rio Grande do Sul aproveitou essa conjuntura econômica positiva. A
seguir, houve real expansão do parque industrial nas diversas regiões, ape-
sar da dificuldade posta pela impossibilidade de importar máquinas do ex-
terior, em virtude da militarização da indústria europeia e estadunidense.

Distanciamento maior
Em 1919 o Rio Grande possuía treze mil estabelecimentos artesanais,
fabris e manufatureiros, com 65 mil operários. A média dessas empresas –
bebidas, calçados, chapéus, conservas, fósforos, fumo, louças, tecidos, velas,
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vidros, etc. – era de cinco operários por unidade. Em 1920, a União Fabril
tinha 907 operários e 102 costureiras; a Cia de Fiação e Tecidos Porto-Ale-
grense, 263 operários; a Cia Fabril Porto-alegrense, cem operários.
Em 1920, o Rio Grande do Sul era ainda o terceiro estado em produção
industrial. Porém, no período anterior consolidara-se o avanço relativo de
São Paulo como primeira região industrial. Nesse momento, o Rio Grande
tinha 1.773 unidades fabris, com 24.661 operários – em média, 14 operários
por empresa. São Paulo possuía mais de quatro mil empresas, com mais de
oitenta mil trabalhadores – em média, vinte trabalhadores por empresa.
Tinha, portanto, maior produção e maior produtividade.
O mesmo fenômeno ocorrera no relativo à indústria têxtil, principal
atividade fabril do Brasil. O Rio Grande, que tivera oito fábricas têxteis em
1907, possuía 51 em 1920. Nesse espaço de tempo, São Paulo subira de 27
para 112 empresas nesse ramo. No distanciamento relativo, desempenhou
importante papel a abundância de capitais paulistas, determinada pela ex-
portação cafeicultora, protegida pelo governo federal, mesmo em detrimen-
to das demais regiões do país. Favoreciam, igualmente, a produção paulista
o maior mercado regional e a maior proximidade de outras importantes re-
giões consumidoras – Rio de Janeiro e Minas Gerais, sobretudo.
Em 1918, tecidos e vinho eram as duas principais atividades industriais
sulinas, com aproximadamente três mil operários cada. Nesse ano, a produ-
ção da indústria têxtil pesava significativamente na produção regional, sem,
entretanto, ter a mesma importância na pauta das exportações. A produção
de tecidos de lã era consumida quase exclusivamente no mercado regional e
estagnara fortemente a produção de tecidos de algodão, destinados em boa
parte à exportação, sobretudo em virtude da competição paulista.
Nos anos imediatos após a Grande Guerra, os países beligerantes dimi-
nuíram as importações e expandiram suas exportações, após desmilitariza-
rem suas indústrias. Havendo reservas disponíveis, em razão das exporta-
ções durante o conflito, aumentaram-se significativamente as importações
do Brasil, numa época em que caíam as exportações do café. O governo
central reagiu desvalorizando a moeda e instituiu a política de defesa per-
manente do café.

Crise industrial
Existindo capitais disponíveis e possibilidade compra no exterior da
maquinaria necessária, as indústrias nacionais e as regionais moderniza-
ram seu aparato produtivo, concentrando-se a produção. As medidas fede-
rais monetaristas e de contenção de gastos (1924-6) restringiam o consumo
interno, grande escoadouro da produção fabril dos estados em processo de
industrialização. As indústrias estagnaram-se, sobretudo as que importa-
vam matérias-primas, golpeadas pela desvalorização monetária. Nos três
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principais polos industriais do país – São Paulo, Rio de Janeiro e Rio Gran-
de do Sul – houve forte centralização e concentração do capital industrial.
Todo o interesse do poder federal voltava-se para a defesa do setor
primário, sobretudo da cafeicultura paulista. Em 1926, em São Paulo, os
industrialistas paulistas formaram o Partido Democrático, descontentes
com a política governamental, que não criava barreiras alfandegárias e não
investia em obras infraestruturais exigidas pelo setor. Toda defesa da in-
dústria brasileira, por meio de barreiras alfandegárias que dificultassem
as importações, prejudicava os grandes fazendeiros ao elevar o valor dos
produtos consumidos por seus trabalhadores e, portanto, pressionar pelo
aumento de salários.
Nos anos 1925, mesmo alcançando a autonomia no relativo ao consumo
de tecidos, a produção têxtil no Brasil estagnava. Na época, o país vivia sua
primeira crise capitalista de superprodução. O desenvolvimento tecnológi-
co garantia elevada produção, que não encontrava mercado em razão dos
salários miseráveis dos operários urbanos e rurais e das multidões de bra-
sileiros que viviam em condições de existência seminatural e natural. Por
causa da forte exploração do mundo do trabalho essa realidade permanece
tendencialmente até hoje.
Também no Rio Grande foi importante o processo de concentração da
indústria têxtil. As empresas modernizaram-se, aumentaram de porte, di-
minuíram de número, desempregaram trabalhadores. Nesse período, mes-
mo permanecendo a especialização das empresas de Rio Grande, Pelotas,
Porto Alegre e da RCI, cresceu a produção regional de produtos de lã, sobre-
tudo os produzidos pelas indústrias A. J. Renner. Além de produzir tecidos,
A. J. Renner passou a fabricar peças de vestuário de algodão, casimira, lã
e linho e inovou tecnologicamente, especializando-se na feitura de roupas
masculinas de qualidade, vendidas em todo o Brasil.
No contexto de desvalorização cambial, a indústria têxtil regional de
tecidos de lã conheceu estagnação das vendas; por sua vez, a produção de
tecidos de algodão mergulhou em crise profunda, em razão do encarecimen-
to crescente da matéria-prima importada. Em 7 de novembro de 1920, tam-
bém como consequência da crise vivida, realizou-se reunião preliminar para
a fundação do Centro de Indústria Fabril do Estado do Rio Grande do Sul.
Organizando-se de forma independente aos interesses comerciais e pasto-
ris, os empresários industriais assinalavam a conclusão da metamorfose
vivida pelo Rio Grande do Sul desde a República.
Em 1927, em sinal da estagnação produtiva vivida no contexto da cri-
se geral do capitalismo mundial, a produção industrial sulina mantinha-se
inalterada em relação ao início da década. Nesse período, a produção têxtil
decaiu relativamente em relação à de bebidas. Em 1927, fundou-se em Por-
to Alegre a Viação Aérea Rio-grandense (Varig), com o apoio do governo do
estado, iniciativa que alcançaria, nas décadas seguintes, amplo sucesso.

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