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A HISTÓRIA DAS MULHERES.

CULTURA E
PODER DAS MULHERES: ENSAIO DE
HISTORIOGRAFIA*

Resumo: Este artigo, uma crítica à produção


da história das mulheres sob fundamentações
feministas nos anos 1970 e 1980, faz um ba-
lanço dos conceitos daí advindos e de suas
repercussões sobre o conhecimento históri-
co. A partir das questões e dos objetos postos
pelas pesquisas sobre o masculino e o femini-
no e das revisões conceituais surgidas nas
novas tendências da historiografia, avalia sua
mudanças e reconhece sua efetiva contribui-
ção para os estudos sobre relações de domi-
nação, poder e contrapoder, o público e o
privado, dentre outros, de interesse da histó-
ria social.

Palavras-chave: História das mulheres;


Historiografia; Feminismo.

O longo período de invisibilidade história, como informam sobre a manei-


feminina e as formas mais atuais assumi- ra particular de tratá-los. Decorridos dez
das pela história das mulheres informam anos, houve mudanças importantes na
muito sobre o seu lugar na disciplina his- forma de identificar e analisar os objetos
tórica. Tanto trazem esclarecimentos so- históricos. No interior deste amplo movi-
bre a escolha dos objetos tais como se mento sobre o qual poucas reflexões fo-
apresentam num dado momento para a ram desenvolvidas, a história das mulhe-
res oscilou entre sistemas muito variados
*
Publicado originalmente em ANNALES, ESC, Paris, de exclusão, de tolerância e de banaliza-
n. 2, p. 271-293, mars-avril, 1986. Este artigo, resul- ção, esse último, tema da maior impor-
tado de uma pesquisa interdisciplinar desenvolvida, tância no momento. Colocá-los em evi-
por vários anos, sobre os problemas do masculino/
feminino, trazido a um seminário realizado no Cen-
dência responde a um duplo objetivo: o
tro de Pesquisas Históricas, teve a colaboração de: de permanecer crítico com respeito às for-
Cécile Dauphin (CRH-CNRS); Arlette Farge (CRH- mulações próprias à história das mulhe-
CNRS); Geneviève Fraisse (Philo-CNRS); Christiane res; o de questionar, por outro lado, a ne-
Klapisch-Zuber(CRS-EHESS) Rose-Marie Lagrave
(Sociologie-EHESS); Michelle Perrot (Histoire-
cessária relação entre este campo de es-
ParisVII); Pierrette Pézerat (CRH-EHESS); Yannick tudos e o conjunto da pesquisa histórica.
Ripa(Histoire-INRP); Pauline Schmitt-Pontel (Histoire- Trata-se de um projeto ambicioso e sabe-
Paris VII); Danièle Voldman (IHTP-CNRS). Traduzido mos da dificuldade de colocá-lo em prá-
por Rachel Soihet, Rosana.M. Alves Soares, Suely Go-
mes Costa.
tica: sempre é mais fácil formular ques-

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tões do que resolvê-las. Mas a história não tra a opressão, a exploração e a domina-
é somente produção de saber, é também ção. Nesse contexto particular, onde a
formulação de perguntas. As questões ideologia e a identidade são constitutivos
que suscita e que lhe são propostas são do objeto estudado, a história das mu-
também um campo específico de pesqui- lheres é, antes, um acréscimo à história
sa, espaço de reflexão sempre aberto a geral. Nas suas teses, os homens escrevi-
uma impreterível discussão. Escolher para am sobre este capítulo suplementar,
isto a revista, Annales, não decorre do óbolo simbólico deixado a um feminis-
acaso, nem mesmo do desejo de demar- mo que os invade. Feminismo, mas não
car um território numa publicação que, história do feminismo: eis a confusão sa-
sem ignorar a história das mulheres, não biamente mantida, quando é necessário
lhe tem concedido um grande espaço. destacar uma coisa da outra. São dois
Trata-se, sobretudo, de colocar aberta- objetos distintos: a história das mulheres
mente questões concernentes aos modos e a história do feminismo. Seria uma a
de análise dos papéis sexuais – matéria sub-parte da outra, parte de uma parte
da qual a revista tem freqüentemente se já difícil de ser reconhecida pela discipli-
ocupado –, e de suscitar indagações na histórica? Ou, a articulação entre
quanto às formas pelas quais uma certa ambas não seria algo mais complexo, uma
historiografia recente pode apropriar-se vez que o feminismo histórico excede, por
do campo de estudo do masculino e do suas questões singulares, a história das
feminino. mulheres? De qualquer modo, a história
das mulheres permanece, na verdade e
Em poucas palavras, vale lembrar na maior parte, trabalho das mulheres,
um percurso que ninguém seguiu nessas tolerado ou marginalizado, mas sem qual-
circunvoluções. A partir da constatação quer controle do rumo da disciplina.
de negação e de esquecimento, a histó-
ria das mulheres toma seu impulso em Na medida em que se desenvolve
1970, apoiada na explosão do feminis- um novo campo de pesquisas, mais or-
mo e articulada ao crescimento da an- ganizado ou mesmo mais sólido, uma
tropologia e da história das mentalida- parte das historiadoras percebe o grave
des, incorporando as contribuições da perigo de isolamento intelectual posto
história social e dos aportes das novas pela tendência que conduz a estudos, na
pesquisas sobre memória popular. Esse foi verdade, muito tautológicos. Se preten-
o período-chave dessa produção intelec- dem dar conta de toda a disciplina histó-
tual: as militantes dos movimentos femi- rica, vêem-se obrigadas a afinar seus con-
nistas fazem a história das mulheres an- ceitos e a dirigir um olhar crítico sobre
tes mesmo que as próprias historiadoras tudo aquilo que produziram. É hora de
a façam. Com esse impulso, as universi- começar os balanços, constituir grupos
dades abrem-se aos grupos de pesquisas, críticos, realizar com a ajuda dos pode-
reconhecendo seu valor, encorajando tra- res públicos um colóquio, (FEMME...,
balhos e temas. Dois pólos de reflexão 1983) criar no CNRS uma Ação Temática
estruturam essa efervescência intelectual: Programada específica. Este reconheci-
um que faz surgir as mulheres no seio de mento oficial da “questão mulheres” am-
uma história pouco preocupada com a plia, para algumas, as interrogações que
diferenciação sexual; outro que demons- elas formulam, há algum tempo, sobre o

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manejo de seus conceitos. Reativa o te- tória das mentalidades e da atualização
mor de que a história das mulheres, por de novos objetos, tais como a sexualida-
suas fragilidade, não chegue a ser um ele- de, a criminalidade, a morte, a alimenta-
mento importante da disciplina históri- ção, o desvio. Estes papéis, tão valoriza-
ca, nem mesmo uma pedrinha no sapa- dos recentemente, são hoje menos atra-
to. Eis, em síntese, estas fragilidades: entes e até mesmo abandonados, embo-
ra tratem de problemas que, na realida-
de, estão longe de serem resolvidos. Ou-
. a predileção sempre sensível pelo tros grandes temas – cujo risco é o de
estudo do corpo, da sexualidade, da ma- nivelar a leitura das relações sociais –
ternidade, da fisiologia feminina e das emergiram: o medo, o pecado, as rela-
profissões próprias de uma “natureza” ções entre vida privada e vida pública.
feminina; Neste percurso, um novo campo de pes-
. a dialética sempre utilizada da quisas é chamado a desenvolver-se: a his-
tória das representações sociais e cultu-
dominação e da opressão que não sai
senão do enunciado tautológico, uma vez rais (numa menor proporção que aquela
que não se tenta analisar por quais medi- das representações políticas). É neste qua-
ações específicas, no tempo e no espaço, dro que uma nova noção encontrou lu-
esta dominação se exerce; gar, a da “cultura feminina,” lugar das
análises dos gestos e práticas.
. uma inflação de estudos sobre os
discursos normativos que mal levam em Sem dúvida, o sucesso da história
conta as práticas sociais e os modos de cultural e daquela das representações, a
resistência a estes discursos, e que induz, contribuição crescente dos debates
algumas vezes, a uma espécie de etnológico e antropológico concederam
autofascinação pela infelicidade; aos estudos sobre os papéis sexuais ou-
tra fisionomia. Fisionomia a escrutar ain-
. um desconhecimento da história da mais atentamente, na medida em que
do feminismo e de sua articulação com a se impõe e é também caucionada por
história política e social; uma corrente historiográfica inovadora e
.uma falta de reflexão metodo-
brilhante. Procurando descrever os papéis
femininos, chegou-se a traduzir um cer-
lógica e, sobretudo, teórica. to número de práticas específicas que, por
Paralelamente a estas incertezas, a um jogo de compensações, de interferên-
própria história muda de fisionomia, se- cias ou de significações simbólicas termi-
nam por desenhar os traços de uma cul-
gundo inflexões que não são inteiramen-
tura feminina sem a qual seu sentido so-
te perceptíveis quando surgem. Particu-
cial seria diluído (REVEL, 1984, p. 122-
larizamos a notável irrupção masculina, 140). Nessa mesma perspectiva, o jogo
na etnologia e na história, na pesquisa das oposições simbólicas entre o mascu-
sobre a diferenciação dos papéis sexuais: lino e o feminino, sempre movediço e com
os trabalhos de M. Godelier (1982) e de significações diferentes segundo épocas
G. Duby (1981) são, neste aspecto, e motivos, constitui-se em uma maneira
emblemáticos de uma tomada de cons- de mostrar que os papéis sexuais se cons-
ciência geral. Essa tomada de consciên- truíram solidamente para lutar contra
cia se faz no interior da tendência comum toda forma de indiferenciação sexual,
ao conjunto da pesquisa histórica: a de considerada como decisiva para as socie-
incorporar as contribuições vindas da his- dades. Por se deixar de colocar em dúvi-

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da uma tal problemática, tornou-se ne- ção, enquanto os lugares masculinos são,
cessário salientar os limites e os efeitos na maioria das vezes, ligados ao lazer. Do
perversos dessa abordagem, e propor mesmo modo, tempos significativos de
uma reflexão metodológica que resga- períodos da vida, como o nascimento, o
tasse os conhecimentos adquiridos e en- casamento ou mesmo a morte são toma-
frentasse os seus impasses.
dos como objetos de estudo. É o caso do
trabalho etnológico de Y. Verdier (1979),
Ter poder? que decifra, na sua coerência social e sim-
A abordagem cultural bólica, os gestos da costureira, da lava-
dos sexos deira e da cozinheira. Apreende-se deste
trabalho o laço (espécie de fio de Ariadne)
que tece a coerência dos discursos, dos
É justo afirmar que, pertencer a um gestos, das técnicas e dos papéis exerci-
ou outro sexo diferencia atitudes, cren- dos pelas mulheres numa pequena aldeia
ças e códigos numa determinada socie- de Borgonha. No seio da cultura femini-
dade. É justo também observar que isto na, encontram-se os poderes singulares
diferencia as sociedades entre si: graças de seus corpos, enunciados como uma
a este parâmetro, novos campos de pes- série de interdições e de relações privile-
quisas e estimulantes áreas de conheci- giadas com o tempo.
mento foram abertos. Parece interessan-
te ressaltar dois: a identificação de obje- De forma paralela, os trabalhos de
tos, de lugares e de condutas femininas Agnès Fine sobre o enxoval feminino
e a inflexão do binômio dominação mas- mostram claramente os processos de
culina/opressão feminina, antes identificação da mulher com os objetos
subjacente a todo estudo sobre os papéis que o compõem (EINE, 1984, p. 156-
sexuais. 180). Numa perspectiva um pouco dife-
rente, a obra recente de J. Gelis (1989)
Nomear, identificar, quantificar a constrói-se em torno dos ritos do nasci-
presença das mulheres nos lugares, nas mento do século XV ao século XIX, o que
instâncias, nos papéis que lhes são pró- permite inventariar uma infinidade de
prios, aparece como uma etapa necessá- gestos individuais e coletivos, encarre-
ria, um justo retorno das coisas. São as- gados de conduzir à vida e de afastar a
sim iluminadas as categorias do masculi- ameaça da morte. Neste reconhecimen-
no e do feminino, até aqui escondidas sob to dos lugares e das condutas femininas,
um neutralismo sexual, que só beneficia não são esquecidos os estudos que
o mundo masculino. Depois de estuda- concernem à vida conventual ou à exis-
dos, por exemplo, os modos de sociabili- tência de associações femininas (LES
dade masculina, tais como as abadias da ASSOCIATIONS..., 1984).
juventude, os recrutas, os cafés e cabarés
etc., torna-se legítimo examinar a socia- Por outro lado, certos trabalhos es-
bilidade feminina, segundo este mesmo tavam imersos numa problemática ao
critério de separação. Decorrem daí mesmo tempo restringida e restritiva,
frutuosos estudos sobre o lavadouro, o onde somente a dialética da dominação
forno, o mercado e a casa e algumas ava- e da opressão organizava o cenário, sem
liações sobre os lugares femininos pouco que jamais fosse concedida qualquer
ou bastante ligados a tarefas de produ- atenção às variações freqüentes e com-
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plexas ou às formas de poder exclusiva- do domínio privado a que nos tinham ha-
mente feminino. As relações entre os se- bituado os eruditos e historiadores do sé-
xos não podiam resumir-se a uma única culo XIX enriqueceu-se de uma leitura em
explicação, invariante e universal: a su- termos de poder e de uma análise da con-
premacia masculina. Fazendo isso, igno- frontação real e simbólica entre a vida pri-
ravam-se as numerosas contribuições vada e a vida pública.
oriundas dos estudos ditos culturais. Com
efeito, se as mulheres têm sua versão do Entretanto, este avanço dos estu-
sentido social, se controlam o uso de prá- dos sobre os poderes femininos compor-
ticas que acompanham a vida e a morte, taria o perigo de deslizar por caminhos
torna-se evidente que elas possuem “o” muito fáceis ou em direção a usos ideo-
poder, cuja análise deve reorientar o de- lógicos até certo ponto falaciosos. Reco-
bate geral, abrir novas interseções de lei- nhecer-se que, em termos de cultura, as
tura. A partir daí, evidencia-se a oportu- mulheres possuem poderes, pode intro-
nidade de construir estudos livres de toda duzir tais abordagens numa perspectiva
ganga tautológica paralisante e capazes conciliadora, justapondo culturas ao mes-
de dar conta do conjunto sempre move- mo tempo plurais e complementares, es-
diço das realidades. quecendo que a relação entre os sexos é
muito marcada pela violência e pela de-
Tomemos o exemplo da obra de sigualdade. Um esforço de rigor teórico
Martine Segalen (1980) consagrada à so- evitaria que nascessem novos estereóti-
ciedade rural do século XIX. A autora mar- pos dissimulados sob modernas formu-
ca claramente a maneira pela qual a au- lações.
toridade masculina e os poderes femini-
nos são os dois vetores que estruturam Impasses
ao mesmo tempo a vida sexual, o traba-
lho, o espaço, as relações do casal com Utilizado em numerosos estudos
sua comunidade, e como inscrevem-se rurais (SEGALEN, 1982), o tema da
tão bem nos rituais e nas representações. complementaridade funcionará tão bem
Por outro lado, Annette Weiner, retoman- que vai impor a imagem definitiva de uma
do um dossiê que se pode dizer divisão dos espaços, dos tempos, dos
arquetípico (les Iles Trobriands) e voltan- gestos cotidianos, dos rituais entre ho-
do-se para terrenos conhecidos, observa mens e mulheres e apresentar um modo
de uma nova maneira a troca de objetos equilibrado de papéis e tarefas, nem an-
tradicionais pertencentes às mulheres (fo- tagônicas nem concorrentes: a vida soci-
lhas de bananeiras) por ocasião das ceri- al, assim, parece organizada em torno de
mônias de luto. Ela reconsidera a inter- dois pólos aparentemente equivalentes –
pretação da circulação das riquezas feita a autoridade masculina de um lado, os
pelos antropólogos que a precederam, e poderes femininos do outro. Mesmo que
descobre um outro sistema de explicação algumas vezes seja demonstrado que a
social, fundado, desta vez, sobre papéis divisão sexual das tarefas não é fixa, e que
femininos, até aqui silenciados porque essas tarefas se organizam em zonas de
não entrevistos. Esta focalização recente intercessão e de troca que desordenam a
nos poderes femininos representa uma oposição entre trabalho doméstico femi-
conquista evidente. Assim, o inventário nino e trabalho de produção masculino,

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a noção de complementaridade não dei- caso permaneça somente no nível técni-
xa de comportar ambigüidades. Assim, co. Mas, no momento em que a socieda-
as tarefas domésticas jamais são mistas. de camponesa codifica e valoriza diferen-
Os gestos em torno da água, do fogo e temente esta complementaridade técni-
do preparo dos alimentos são gestos fe- ca, “lavrar-semear” são trabalhos nobres,
mininos que os homens não podem pra- enquanto “tirar ervas daninhas-colher”
ticar sem que haja uma desvalorização. são trabalhos subalternos. A
Materialmente e simbolicamente, os ho- complementaridade torna-se um princí-
mens não procuram, por outro lado, con- pio de hierarquização dos papéis, e tem-
quistar este domínio. Contrariamente, se, na verdade, uma relação com uma
verifica-se que as tarefas habitualmente complementaridade de subordinação, ou
masculinas necessitam da intervenção “de oposição complementar”, que não
feminina para serem concluídas. Neste apaga as divergências e convergências de
caso, as mulheres não tiram daí nenhum interesses, as desigualdades de direitos,
acréscimo de prestígio, pois a “qualida- as relações contraditórias entre homem
de” feminina aboliria, naquilo que é tido e mulher na relação do casal (ÉTUDES...,
como próprio à natureza, todo valor de 1983, p. 9-40). Estas pesquisas, e muitas
qualificação adquirida por uma aprendi- outras, sugerem que, daqui em diante,
zagem – processo encontrado em todas não somente a divisão técnica das tare-
as classificações do trabalho contempo- fas, mas também os valores e símbolos
râneo. Em suma, as mulheres não são que lhes são vinculados sejam relevantes.
“desqualificadas”, jamais são “qualifica-
das”. Outros exemplos podem ilustrar
este esquema: se o enxoval traça uma lon-
Se a complementaridade dá conta ga história de mãe para filha, se o
de uma realidade em que a associação cozimento do sangue do porco é tão es-
da mulher e do homem revela-se neces- sencial quanto o golpe de faca aplicado
sária, ela apaga o fato de que a distribui- sobre o animal, ninguém pode negar que
ção de tarefas possui, apesar de tudo, existe uma diferença hierárquica entre as
um pólo positivo e um pólo negativo e práticas masculina e feminina. Diferença
de que contém nela um sistema de valor que pode também conter uma certa for-
hierárquico. Papéis complementares tal- ma de violência: matar o porco teria essa
vez, mas subordinados um a outro. Pelo representação simbólica seguramente. Já
menos, o conceito de complemen- a cocção do sangue representaria o ba-
taridade deveria ter integrado a distin- nal, mas também o acolhimento; é tam-
ção, feita desde 1970 por Lucienne bém um gesto cuja existência depende
Roubin (1970; LAGRAVE, 1983, p. 9-40), do primeiro e que só tem sentido na de-
entre complementaridade de subordina- pendência da iniciativa e da força deste.
ção e complementaridade de emulação.
Tomando-se, por exemplo, o caso da agri- Do mesmo modo, no livro já cita-
cultura, a divisão técnica do trabalho en- do de J. Gélis: para além do inventário
tre homens e mulheres (os homens la- erudito dos ritos e costumes cotidianos
vram, semeiam; as mulheres colhem, ti- envolvendo o nascimento, fica no leitor
uma impressão de grande violência, sem
ram as ervas daninhas) pode ser analisa-
que o próprio autor se dê conta disso.
da em termos de complementaridade,
Este nem toma conhecimento, nem pa-

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rece percebê-la na sua intensidade. To- definição cultural dos espaços masculi-
davia, essa obra mostra a maneira como no e feminino se edificaria um equilíbrio
a mulher em trabalhos de parto encon- real e simbólico entre dois mundos de
tra-se regida pelo trabalho que deve acio- onde seriam excluídas as confrontações
nar sobre si mesma e contra os elemen- e violências. Daí, os jogos sociais (com-
tos naturais e sobrenaturais, para chegar, pensação, consentimento e oposição, por
custe o que custar, a um nascimento bem exemplo) estarão enfraquecidos pela ne-
sucedido. Assim, parece esmagada por cessidade constante que as duas posi-
preceitos que, a todo instante, procuram ções simbólicas e práticas teriam uma da
colocá-la numa sintonia ideal com o cos- outra, no meio de um sistema de valores
mos para chegar com sucesso ao seu dados como equivalentes. Assim formu-
objetivo, parecendo, ao mesmo tempo, lada, a realidade conflitante e contrasta-
viver o medo angustiante de não atingi- da do cotidiano torna-se mascarada e,
lo. Deve, pois, entregar-se a uma ativida- como resultado, resvala-se da noção de
de incessante para que Deus e a nature- diferença dos sexos para a de imposição
za não a traiam. A situação descrita pelo de uma estrutura binária da sociedade
autor (mas teria sido necessário poder que exclui o atrito. A perspectiva é tenta-
estudar as transgressões e as indiferen- dora, mas redutora.
ças que simultaneamente, suscita) insinua
a leitura de um estado de desequilíbrio O deslocamento da problemática
permanente que a mulher deve remediar, em direção ao reconhecimento de uma
uma batalha que conduz sozinha na “cultura feminina” efetuou-se após pes-
maioria das vezes para não estar “em dé- quisas pioneiras que privilegiaram os
bito”. Não há nenhuma complemen- momentos da história em que esta cultu-
taridade possível neste nível, mas um ra, admitida em seu lugar próprio, podia
medo e uma violência, estruturando ri- ser observada. Seu terreno de eleição, a
tos e comportamentos femininos, pouco sociedade rural, é descrito sem nenhuma
levados em conta. referência ao contexto histórico, às mu-
danças cruciais do século XIX ou dos pri-
A idéia tão tranqüilizadora de meiros anos do século XX – estrada de
complementaridade tem como conse- ferro, serviço postal, escola, sufrágio “uni-
qüência afastar o espectro da contesta- versal”, migrações, guerras, urbanização
ção e digerir de antemão tal ameaça, tor- – ou aos fatores de mutação interna
nando imperceptíveis as modalidades e como as inovações técnicas ou o custo
os traços específicos dessa experiência. da terra. Uma sociedade imóvel, em equi-
A perspectiva que tolera a inversão sem líbrio, sem história, emerge destas análi-
que sejam tocados os termos que a fun- ses que deixam uma estranha impressão
damentam, cria o império da doçura e de atemporalidade e que parecem valo-
da conciliação. Nela, o estudo do mascu- rizar uma cultura em vias de desapareci-
lino/feminino imobiliza-se num silêncio mento.
profundo sobre as possibilidades de ten-
são e conflito, de rivalidade ou de toma- Os “fatos históricos” que esta his-
das de poder sucessivas. Uma certa his- tória encadeia, purgados de eventos e do
tória das mentalidades pode certamente conflito, tiram seu sentido da repetição –
facilitar tal orientação. A partir de uma dos gestos, dos ritos, dos dizeres – que
leva a extrair invariantes, até mesmo uni-

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versais, para caracterizar a relação entre caso preciso, ela se desenha, pelo con-
os sexos. Colocando-se uma sociedade trário, no interior de um mesmo campo:
camponesa como congelada, o olhar dos as relações entre os sexos. Como então
pesquisadores escolhe levar em conta articular uma “simbologia” dos sexos que
apenas os materiais que realçam um dis- resiste passivamente com uma prática da
curso mitológico. Escritos de folcloristas, divisão dos sexos sujeita a mudanças? Em
representações literárias ou plásticas, dis- boa lógica – a lógica de uma teoria das
cursos normativos, até provérbios situam representações que sublinha as relações
todos um problema de estatuto. Eles co- do imaginário com as estruturas sociais e
locam em cena a cultura camponesa sem políticas, qualquer que seja a complexi-
deixar escutar, nem datar, a palavra cam-
dade dessas relações – uma tal relação
ponesa. Discurso que confunde inocên-
não é concebível. Ou nada muda de lu-
cia e natureza, sexualidade animal e hu-
gar – nem o lugar das mulheres, nem o
mana, ousadia e submissão da mulher.
Nada se interroga sobre a origem destes pensamento sobre a divisão dos sexos –
estereótipos, sobre a maneira como são ou tudo muda. De um ponto de vista
veiculados, sobre sua especificidade no metodológico, estabelecer esta diferen-
quadro da sociedade rural do século XIX. ça entre um tempo real submetido à his-
Alimentada da experiência etnológica, tória, e um tempo das mentalidades mais
esta visão da cultura rural e das relações ou menos fora da história, é bem pouco
masculino/feminino que aí se desenvol- satisfatório. A distinção entre os “dois
vem prefere descrever estruturas imóveis, níveis de análise” permanece muito for-
mais do que tempos movediços de evo- mal, e é a inserção da “cultura feminina”
lução, de confrontação, de questiona- no tempo longo da história que perma-
mentos. No máximo, a história das rela- nece privilegiada.
ções entre os sexos inscreve-se numa his-
tória de longa duração. As raras tentati- Mesmo deste ponto de vista, o
vas para distinguir entre um tempo lon- desvendamento permanece insuficiente.
go e um tempo curto parecem desviar-se Aceitemos a hipótese desta inserção
do caminho. Na conclusão do seu artigo como verdadeira. Apliquemos a ela as
sobre o enxoval pirenaico, Agnès Fine reflexões críticas de Michel Vovelle (1978,
propõe dois níveis de análise para a his- p. 316-343) que analisa todos os riscos
tória das relações entre os sexos. As con- dessa perspectiva. Verificar-se-á logo que
dições políticas, econômicas, sociais do todos os trabalhos que segundo ele, vin-
lugar das mulheres numa dada socieda- culam-se legitimamente à história da lon-
de dependeriam da cronologia precisa, ga duração – a história da família, do
digamos, do tempo curto; a simbólica amor, do casal, da criança – são precisa-
sexual, a maneira como os dois sexos pen- mente aqueles que destacam, o mais quo-
sam sua relações pertenceriam ao tempo tidianamente, a “diferença dos sexos”;
longo: elas seriam mais do domínio da ora, eles não a tratam como assunto. De
permanência do que da mudança. Esta outro modo dito, nossas reticências di-
distinção não é sem falha.
ante da problemática da longa duração
A dialética do tempo longo e do vêm de uma constatação: nenhum dos
tempo curto, familiar aos historiadores estudos de história antropológica sobre
destes dois últimos decênios, concerne, os temas que tocam à diferença de se-
geralmente, a objetos distintos. Neste xos, nenhum daqueles que se ocupam

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mais precisamente das mulheres, conse- A infelicidade das mulheres faz a
guiu, apoiando-se na longa duração, co- felicidade dos homens? É a pergunta que
locar diferentemente e historicamente, a se faz Marie-Elisabeth Handmann (1983)
questão das relações entre os sexos. a propósito de um pequeno lugarejo gre-
go dos anos de 1960. Ela mostra como
Pensar de outro modo a o antagonismo dos sexos é constitutivo
cultura feminina de cada identidade, sem criar para tanto
a solidariedade de sexo, notadamente nas
mulheres. O confinamento e o isolamen-
Não se trata somente de reconstituir to na casa apenas deixa às mulheres a
os discursos e saberes específicos às mu- astúcia para sobreviver à violência dos
lheres, nem mesmo de lhes atribuir po- homens. Numa sociedade economica-
deres não reconhecidos. É preciso com- mente fechada, encerrada na rigidez dos
preender como uma cultura feminina se códigos sociais e culturais, vê-se circular
constrói no interior de um sistema de re- a dupla causa da infelicidade humana: a
lações desiguais, como ela mascara as negação de toda liberdade para as mu-
falhas, reativa os conflitos, baliza tempos lheres e o controle sexual permanente a
e espaços, como, enfim, pensa suas par- que são submetidas, provas das frustra-
ticularidades e suas relações com a socie- ções masculinas. Assim se exprime, sem-
dade global. Duas pesquisas, na nossa pre na violência, uma virilidade que não
opinião exemplares, nos ajudarão. pode viver na troca, já que ela obedece
ao dever da dominação. Desde então, per-
Num estudo sobre as burguesas do
petua-se uma identidade feminina redu-
Norte da França no século XIX, Bonnie
zida ao estatuto obrigatoriamente infe-
Smith (1981) analisa como, excluídas após
liz, mas obrigatório ainda assim, de es-
1860 da gestão dos assuntos a que esta-
posa e de mãe, conforme o modelo úni-
vam até então associadas, estas mulhe-
co. A transgressão se paga com a exclu-
res tiveram que modificar profundamen-
são ou com uma violência, às vezes mor-
te seu papel na sociedade. Torna-se ne-
tal.
cessário, desde então, que administrem
toda a casa, composta de numerosa fa- Eis duas épocas, duas sociedades,
mília e de criadagem. Em conseqüência, duas culturas e duas abordagens da his-
constroem uma nova representação de si tória das mulheres das quais se pode ti-
mesmas, em particular, no mundo roma- rar ensinamentos. É necessário, em pri-
nesco que domina seu círculo social. Elas meiro lugar, assumir a herança da dupla
são igualmente levadas a fundar seus pró- acepção da palavra cultura. No uso clás-
prios valores, sempre em oposição à ide- sico, esta evoca as faculdades intelectu-
ologia masculina da época: assim pre- ais e as produções do espírito. A acepção
gam, por exemplo, a fé contra a razão, a antropológica, em compensação, reme-
caridade contra o capitalismo, o te a um conjunto de significações que se
matriarcado doméstico contra a gestão enunciam nos discursos ou nas condutas
econômica, a alta consciência moral con- aparentemente menos “culturais”: mode-
tra o dinheiro. los herdados, enraizados nos símbolos em
todas as formas de expressão que permi-
tem ao indivíduo comunicar, perpetuar e

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desenvolver seu saber e suas atitudes so- ticas, nas normas e nas representações
bre a vida (GEERTZ, 1983, p. 89). Nos es- romanescas. Ele nos convida a colocar
tudos sobre as mulheres, a passagem da uma questão: como tal imaginário, onde
acepção clássica para a uma abordagem o feminino tem este lugar, pode se de-
culturalista é uma maneira implícita de senvolver numa sociedade com poder
retomar uma dificuldade; recusando si- exclusivamente masculino?
tuar as mulheres do lado das produções
intelectuais, evita-se analisar os mecanis- O consenso em que vivem os mem-
mos de exclusão, e, sobretudo, “pensar bros de uma comunidade, e que está con-
as diferenças de sexo no mesmo nível de tido na definição antropológica da cultu-
abstração teórica que o parentesco, o ra, funda a existência e a vitalidade des-
político e o econômico” (WEINER, 1983). ta. Neste sentido, a cultura das mulheres
é certamente aquela que interessa a toda
Então, restam as praias abandona-
a comunidade; mas todo elemento cul-
das dos gestos, das técnicas, das manei-
tural deve ser pensado em termos de re-
ras de dizer e de fazer. Valorizar os ges-
lações e dependências: ao outro sexo, ao
tos da vida cotidiana não permite com-
grupo social, ao contexto político e eco-
preender por quais mecanismos os cam-
nômico, ao conjunto do domínio cultu-
pos específicos de um ou de outro sexo
ral. A divisão jamais é neutra: o impor-
se constituíram e como se operaram as
tante é qualificar as posições de cada sexo,
desqualificações, quando um motivo cul-
já que um sistema de valores fundado na
tural passava de um sexo a outro. Impor-
apartação não é necessariamente funda-
ta, sobretudo, identificar a maneira pela
do na equivalência. Assim, o realce dado
qual se imbricam as diferentes figuras
à importância do papel das mulheres em
culturais; desde então, saber se é preciso
certos níveis da vida social não deve fazer
chamar de “feminino” o que é criado
recuar o problema central da dominação
pelas mulheres ou o que lhes é destina-
masculina. Nessa aldeia grega contem-
do, torna-se um falso problema.
porânea, como nas cidades do Norte do
No estudo da aldeia grega, a século XIX, é realmente sobre uma rela-
pertinência das tentativas de M. E. ção desigual que se focalizam resistênci-
Handmann é clara: ela analisa os meca- as masculinas inconfessadas, e que se cris-
nismos pelos quais as categorias de pen- talizam, de maneira contraditória, acusa-
samentos fundamentais podem tornar-se ções e justificativas-álibi das mulheres
esquemas interiorizados; a dominação afastadas de suas aspirações e de suas
masculina perpetua-se de geração em atribuições.
geração apenas porque ela passa também
Parece que a história da cultura
pela interiorização feminina. Entre as
feminina não pode marginalizar confli-
burguesas do Norte, as figuras triunfan-
tos e tradições. Eles devem, pelo contrá-
tes da mulher reinando na família com- rio, tornar-se um ponto nodal. Como toda
binam-se com as fragilidades de um sis- cultura, esta desenvolve-se dentro de ten-
tema de signos complexo, rígido, inteli- sões que administram equilíbrios simbó-
gível somente para os interessados. Pre- licos, contratos e compromissos mais ou
sença forte, mas contida na família, inva- menos temporários. Os silêncios, as au-
são do imaginário privado e público: este sências, usos específicos articulam estes
jogo contraditório desenvolve-se nas prá- conflitos que, sucessivamente, legitimam,

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deslocam ou controlam a razão do mais As modalidades da
forte (CERTEAU, 1980, p. 18). Deve-se dis-
so fazer a história.
dominação masculina

Ter o poder? Responder à interpelação preceden-


te, implica em lembrar que as relações
“As mulheres, que poder!”.6 Este entre os sexos são relações sociais. Não
quase-aforismo não exprime uma tática são dados naturais, mas construções so-
de prêmio de consolação, mas uma con- ciais, e seu estudo é do mesmo tipo que
vicção largamente partilhada, pelos cida- aquele das outras relações, igualitárias ou
dãos de ontem como pelos historiadores não, entre grupos sociais. Nesta perspec-
de hoje, igualmente persuadidos de que tiva, a “dominação masculina” é uma ex-
“os costumes”– o privado, a sociedade pressão, dentre outras, da desigualdade
civil – contam definitivamente mais do nas relações sociais. Esta forma de desi-
que a política e o Estado. As experiências gualdade é incluída no funcionamento de
e as ideologias contemporâneas, atingi- numerosas sociedades, qualquer que seja
das pelo fracasso dos voluntarismos e pela seu grau de desenvolvimento. Ela não é
força da inércia, valorizam, por sua vez, específica das sociedades ocidentais e
o social oposto à “ilusão do político”. deslocá-la para outros espaços não leva
Assim, as correntes ligadas a 1968 subli- ao risco de um etnocentrismo exagerado
nhavam o papel motor das periferias – (apud MATHIEU, 1985). Apesar das
marginais, minorias, mulheres – e a in- míticas Amazonas, “não se teve a prova
venção criadora do cotidiano. Este tipo formal até o presente de que existam so-
de análise, de conteúdo heurístico consi- ciedades isentas de dominação masculi-
derável e tributária da história na” (GOLDELIER, 1983, p. 7). Falar de “do-
sociocultural das longas durações, tem, minação masculina” decorre de uma
entretanto, o inconveniente de apagar constatação científica e não de um julga-
novamente os conflitos e as tensões: luta mento moral: o que é ao mesmo tempo
das classes e luta dos sexos. O retorno a largamente sabido e regularmente ques-
uma certa “história-política” – sobretu- tionado!
do “história do político” – não significa
Nós exprimimos o receio de que
retornar a uma narrativa dos fatos, mas
esta noção e seu corolário, a subordina-
refletir sobre os jogos, os agentes, as for- ção feminina, não constituem uma aporia
mas de mobilização, os consentimentos, para a história da mulheres, e o desvio
as seduções e as resistências. A dimen- pela problemática da cultura feminina
são sexual desta análise não é, todavia, não o fez desaparecer. Ora, eis que esta
evidente. “Uma relação política, só existe noção ressurge, em meio à descrição das
entre grupos sociais”, exclamava um relações de sexos como relações sociais,
interventor por ocasião de um recente de qualquer modo, incontornáveis. En-
colóquio (apud MATHIEU, 1985). Como tretanto, na perspectiva aqui adotada, a
introduzir esta dimensão, fazendo a his- “dominação masculina” não é mais uma
tória das mulheres beneficiar-se destas constante sobre a qual toda reflexão tro-
novas contribuições? peçaria, mas a expressão de uma relação
social desigual da que se pode compre-

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ender as engrenagens e marcar as ção dos bens, excluindo as mulheres dos
especificidades, segundo os sistemas his- benefícios de seu trabalho. Na produção
tóricos. Ela é um instrumento indispen- doméstica as mulheres são exploradas, ao
sável para captar a lógica do conjunto de mesmo tempo, no seu trabalho e na sua
todas as relações sociais. Vamos mais lon- capacidade de reprodução: o produto do
ge. A relação dos sexos e sua expressão, seu trabalho retorna ao seu tutor legal e
a dominação masculina, não são a procriação submete-se ao controle da
dissociáveis de outros tipos de desigual- comunidade. As mulheres tornam-se, as-
dades, e é preciso, incessantemente, dar sim, um “bem de uso”, situação que não
conta da imbricação de uns com os ou- é própria aos sistemas arcaicos. Este modo
tros. Se é inútil alimentar o dossiê farto de produção doméstica prolonga-se com
das manifestações e da dominação mas- efeito sob outras formas do sistema ca-
culina in abstracto, alguns exemplos per- pitalista, através das relações familiares
mitem lembrar as articulações entre este de produção (empresas artesanais, comer-
tipo de dominação e outras formas desi- ciais, agrícolas). Quer seja na padaria
guais de relações sociais. (BERTAUX-WIAME, 1982, p. XXXIV) ou na
agricultura, a dominação se exerce pelo
Quando se analisa por quais me- monopólio profissional do ofício, do re-
canismos, por quais mediações concre- gulamento, das técnicas e da herança
tas e simbólicas, a dominação masculina patrimonial (BARTHÉLEMY, BARTHES,
se exerce, constata-se que, em geral, esta LABAT, 1984; LAGRAVE, 1985, p. 83-107)
dominação não se faz de maneira fron- . A história do dote seria um outro exem-
tal, mas por meio de definições e de plo de despossessão da mulher que se liga
redefinições de estatutos ou de papéis estruturalmente à desigualdade dos se-
que não concernem unicamente às mu- xos e ao modo de reprodução de uma
lheres, mas ao sistema de reprodução de sociedade. Enfim, cumpre-se lembrar
toda a sociedade. Assim, por exemplo, que, no mundo assalariado, a divisão so-
no século XIX na Grécia, a atribuição das cial do trabalho é, ao mesmo tempo, uma
mulheres à vida doméstica e a valoriza- divisão sexual do trabalho (SAINT
ção periódica feita disso, passam sub- SAULIEU, 1977).
repticiamente por uma redefinição do
estatuto da infância (VARITAS, s.d.) e são Recolocar a dominação dos ho-
inseparáveis das transformações das ci- mens no interior do conjunto desigual das
dades gregas da época. A dominação relações sociais, tendo em vista a
masculina se exerce em lugares e por especificidade, mas também a banalida-
mecanismos os mais diversos que, à pri- de (conjuga-se muito freqüentemente
meira vista, não tem nada a ver com as com a dominação de classe para repro-
relações entre os sexos. Infelizmente, fal- duzir a ordem legítima), permite fazer
tam estudos para aprofundar o conheci- disso um objeto de conhecimento, de
mento destes mecanismos que são me- análise, e, assim, ter o controle sobre o
nos perceptíveis que a violência do con- que é freqüentemente considerado como
fronto direto. inevitável, inelutável. Não se trata mais
de evitar esta constatação, de tomar ca-
Tanto nas pré-capitalistas quanto minhos transversos esperando não mais
nas industrializadas, a dominação mas- encontrá-la, mas de enfrentá-la para me-
culina é indissociável do modo de produ-

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lhor compreendê-la. Na história, se pres- efeitos perversos porque leva a discrimi-
tarmos atenção, existem inúmeras estra- nações sexistas e, por fim, ao retorno das
tégias desse confronto. Destas respostas mulheres em direção aos setores ditos
à dominação masculina, queremos falar menos nocivos e mais confortáveis à “na-
agora. tureza” delas, como o trabalho à domicí-
lio. A brutalidade da grande indústria não
Compensações e foi menos indulgente com elas, como no
resistência caso da guerra e do serviço militar.

A estas precauções, formais e in-


Pelo efeito da dominação masculi- formais, provavelmente mais que a uma
na, as mulheres, em particular, na quali- resistência biológica – bastante regredida
dade de agente da reprodução, são o quando as mulheres acedem ao modo de
objeto de uma manipulação particular no vida masculino – elas devem, sem dúvi-
seio da arte de governar. Essas artes, nun- da, sua longevidade excepcional. O
ca constantes, expressar-se-iam por vari- distanciamento entre as taxas de morta-
ações dos discursos e das práticas, liga- lidade masculina e feminina não cessam
das aos interesses da família, da socieda- de aumentar nas sociedades desenvolvi-
de civil e do Estado. O nível de opressão das; a taxa na França é de oito pontos,
sobre elas varia segundo as épocas. Ao em benefício das mulheres de todas as
mesmo tempo, as mulheres tiram do sis- condições. Seriam “as mulheres mais
tema compensações de todas as ordens, modernas que os franceses do sexo mas-
dentre elas, um certo número de pode- culino? Por que o sexo fraco, em nossos
res que lhes permite compreender o grau dias, a cada ano, em maior número, e
de consentimento que conferem ao sis- especialmente na França, é aquele que a
tema, e sem o qual este não poderá fun- tradição continua a qualificar de forte?”,
cionar. interroga-se um demógrafo (LEVY, 1985).
Sobreviventes, freqüentemente adminis-
Assim, a “fraqueza” das mulheres tradoras do patrimônio, as mulheres são
(e seu capital maternal) lhes vale, nas so- guardiãs da memória, durante os longos
ciedades industriais contemporâneas, anos de viuvez, às vezes os de seu maior
uma relativa proteção como, por exem- poder, enquanto outras conhecem soli-
plo no domínio do trabalho, através de dão e privação crescentes (FARGE;
uma legislação específica. Na França, as KLAPISCH et al. 1984).
mulheres param de trabalhar no fundo
das minas desde a metade do século XIX; A “fraqueza” das mulheres é tam-
não lhes é permitido o trabalho noturno, bém a justificativa de uma irrespon-
limita-se a sua jornada de trabalho, ao sabilidade presumida que lhes vale, pelo
ponto de excluí-las de numerosos empre- menos no século XIX, uma indulgência
gos na indústria. Durante a primeira guer- particular diante da justiça. “A mulher não
ra mundial, a entrada maciça nas indús- é punível”, diz Michelet. Seguramente
trias de guerra é acompanhada da não é esta a única razão de uma menor
higienização dos locais, da instauração de delinqüência que a criminologia contem-
um controle especial (superintendentes porânea (Lombroso, La femme criminelle,
de indústria). Ambígua, esta proteção tem 1895) tentou explicar em termos de “na-

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tureza”. A circulação reduzida das mu- estes prazeres de escrava” muitas mulhe-
lheres, a violência contida em sua formas res encontravam – encontram sempre –
de expressão ou de vingança concorrem atrativos. Mesmo os deveres de represen-
para isso. Contudo, a idéia de que a mu- tação, para nós tão fastidiosos, proporci-
lher é um ser menor e que “merece”, nes- onam satisfação a muitas mulheres. Apal-
te caso, um tratamento paternal, pesa par tecidos, escolher aqueles do enxoval,
sobre as deliberações, como em matéria usar uma nova roupa, ser, no mundo ne-
de infanticídio ou de aborto, onde as ta- gro dos homens, as manchas luminosas
xas de absolvição são muito elevadas. A tão bem representadas pelos impressio-
percepção do corpo das mulheres como nistas, numerosas mulheres provaram
fonte de fecundidade talvez intervenha dessa felicidade, sem contudo perceber
também para limitar os castigos que lhes as armadilhas. Pode-se fazer a história do
são infligidos: poucas criminosas conde- desejo? Há uma certa coragem para
nadas, cada vez menos condenadas à empreendê-la enfim. O silêncio glacial
morte; em 1911, uma lei suprime esta com relação a este assunto pelos movi-
pena para os crimes de infanticídio. As- mentos feministas não prestou serviço a
sim, branda criminalidade e branda re- ninguém, sobretudo ao próprio feminis-
pressão caracterizam a situação penal das mo: será necessário um dia abrir este
mulheres nas sociedades desenvolvidas. tema, até aqui, sempre analisado em
Tocqueville fazia a respeito a observação termos de mulher-objeto ou de mulher-
deste fato na América dos anos 1839. A sedutora.
reivindicação feminista contemporânea A história da sedução e das formas
da violência e da punição, por surpreen- do desejo masculino e feminino, que ilus-
dente que seja, compreende-se na pers- tram, por exemplo, aquela da aparência
pectiva de um reconhecimento de igual (PERROT, 1984b), da maquilagem, do ves-
responsabilidade. Mas para a maior par- tuário, da cozinha, do habitat ou ainda
te das mulheres, escapar da polícia e da da publicidade, deveria mostrar mulhe-
prisão, e mesmo da suspeita, era antes res e homens em luta num jogo comple-
uma vantagem de que elas tiraram parti- xo. As chaves não pertencem mais a uns
do e de que, algumas vezes, cujo uso lhes do que a outros, mas o código, preciso e
foi pedido, notadamente nos movimen- perceptível, transforma-se rapidamente
tos de resistência. segundo as épocas, desvelando não so-
mente o estado das relações entre ho-
A galanterie, esta forma abastar-
mens e mulheres, mas aquele das repre-
dada dos rituais de corte, os mil estrata-
sentações que a sociedade faz da con-
gemas da sedução, os jogos sutis da ho- quista e da atração entre os sexos. Não
menagem e do amor não são apenas pra- existe, desde então, nenhuma razão para
zeres masculinos. Existe, na expectativa não colocá-los como objeto histórico,
da declaração de amor, na posição de um como se faz com o gosto, a intimidade
ser a conquistar, na situação de mulher ou a vida privada.
“adorada, mimada, satisfeita”– para re-
cuperar expressões do século de O reino feminino sobre o imaginá-
Baudelaire –, compensações próprias a rio dos homens, a celebração das “mu-
muitas mulheres que delas fazem sua lheres ilustres” na Renascença, o culto
ocupação, suas delícias e seus sonhos. “A dedicado no século XIX à Musa e à

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Madona (MICHAUR, 1985), a Marianne Via láctea – das mães que fazia tremer
e à nova Eva do Modern Style (AGULHON, André Breton. Tendo interiorizado, espe-
1979; QUIGER, 1979) são, também, uma cialmente na pequena burguesia ávida de
compensação pela retirada, senão do es- reconhecimento e de distinção, os obje-
paço público, pelo menos do espaço po- tivos da ascensão social, estas mães se
lítico, mais que nunca dominado pela es- fazem as guardiãs escrupulosas da ordem
tatura do Pai. Nesta função de inspiradora moral e das conveniências. Submersas em
ou de fada dos sonhos – Rainha da Noite códigos e deveres, de culpabilidade e de
– muitas mulheres encontraram sua vitó- vergonha, elas se fazem os modelos de
ria, preferindo a doçura da sombra à cru- todas as virtudes, as engrenagens de uma
eldade da competição (o que desespera- maquinaria de poderes de que elas não
va feministas como Madeleine Pelletier na podem tirar proveito senão submetendo-
virada do século). se a eles, pagando-se sua revolta
freqüentemente com o preço da loucu-
As compensações femininas não ra.
são apenas da ordem da passividade e
da recepção. As mulheres têm também Este poder maternal, que atingiria
poderes, delegados ou não, de que tiram seu apogeu talvez na virada do século,
partido, notadamente na esfera domés- serve de justificativa às rebeliões “viris”
tica, onde enraízam sua influência, ao contra as mães e à insipidez das mulhe-
ponto de provar desprazer ou desconfi- res, que se exprimem tão bem no desen-
ança com a intrusão dos homens na co- volvimento de uma literatura masculina
zinha ou na arrumação. Hoje ainda, mui- própria aos magazines em que a mãe está
tas operárias repelem a divisão das tare- ausente (BERTHOLET, 1985), como no
fas relativas à vida doméstica e buscam caso do romance policial, reação contra
conservar a administração do orçamento o sentimentalismo dos romances de fo-
familiar, sem dúvida uma conquista de lhetim (THIESE, 1985); ou ainda, de ma-
grandes lutas no curso do século XIX. Este neira mais declarada, no caso da literatu-
poder se exerce em primeiro lugar sobre ra anti-feminista militante (MAUGUE,
as crianças, e especialmente sobre as fi- 1983), e na reflexão teórica que faz do
lhas. Na mesma medida em que a infân- princípio feminino aquele da delinqüên-
cia é revalorizada no século XIX, tornan- cia (RIDER, 1982), tese retomada a sua
do-se objeto de um investimento maior, maneira por Richard Sennet.8
o papel da mãe é reforçado, freqüente-
mente em detrimento daquele do pai.7 Este poder se exerce também
Há uma inflação do poder maternal, per- sobre outras mulheres: sobre a domesti-
sonificado em mães tirânicas: aquela dos cidade das casas burguesas,9 obstáculo
pares que constituem Baudelaire e sua no qual a identidade feminina se quebra,
mãe, Madame Aupick, Flaubert e a dele, sobre as filhas e noras das grandes famí-
Mauriac e aquela de quem ele fez a terrí- lias e agregados.10 Trata-se do poder pa-
vel Genitrix, ou ainda as figuras literárias triarcal apoiando-se sobre uma pirâmide
de Madame Vingtras (Julles Vallès, de poderes subseqüentes ou adjacentes
L’Enfant) ou Madame Lepic (Jules Renard, (CLAVERIE; LAMISON, 1982). Esboça-se
Poil de Carotte), largamente autobiográ- aí uma espécie de carreira feminina do-
fico, e que desenham a constelação – a méstica, suscetível de alimentar aspira-

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ções e apaziguar rebeliões. Mais tarde, os médicos fazem das mulheres suas ali-
sogra ou viúva, as mulheres oprimidas rei- adas na luta pela higiene que é também
narão por sua vez. Este turn over do po- uma forma de moralizar a miséria que se
der, propício às manipulações, rompe a esconde por trás da imundície. Muitas
solidariedade feminina. Entre todos, o es- mulheres encontravam nisso uma forma
tatuto das viúvas merece uma atenção de empregar suas energias e de expulsar
particular. Restif de la Bretogne em seus o sentimento de culpa resultante do con-
Gynographes faz delas as detentoras do fronto de sua ociosidade com a valoriza-
poder moral no seio da comunidade. Mas ção da utilidade do trabalho, crescentes
o acesso da mulher a um poder reconhe- na sociedade.
cido passa por uma dupla morte: a de
seu próprio sexo (a mulher na menopau- Como as mulheres servem-se des-
sa é considerada como fora do sexo ou tes poderes e destas falhas, destas por-
fora de jogo) e a do homem. Sinistra pers- ções que lhes são deixadas, destas mis-
pectiva cria-se com esta cadavérica vitó- sões que lhes são confiadas? Como tam-
ria.11 bém se quebra a identidade potencial
do sexo? Como, ainda, as mulheres sa-
No século XIX, o que muda nas bem – em tal momento, em tal circuns-
relações do público e do privado, é a tância – contornar a interdição, usar des-
exaltação de um “poder social”, ta astúcia, arma dos dominados, que se
no início, largamente masculino lhes fornece de bom grado. M. E.
(ROSANVALLON, 1984), depois, concedi- Handmann e Suzan Rogers indagam
do de modo progressivo e parcial às mu- como tudo isso termina por esvaziar a
lheres, convidadas a não mais se conten- dominação masculina de seu conteúdo
tar com as doçuras do lar, a sair de suas real. É a articulação fina dos poderes e
casas. As Igrejas, a República, exaltam “o dos contrapoderes, trama secreta do te-
poder social das mulheres”12 considera- cido social, que seria preciso pesquisar
do como fundamental ao desenvolvimen- com uma conduta que, largamente ins-
to do “Welfare State”. Na Alemanha, tal pirada em Michel Foucault, introduziria
“poder” toma a forma de uma verdadei- a dimensão da relação dos sexos. Sem
ra “maternidade social”.13 Neste quadro, dúvida, esta via de aproximação é ao
as mulheres burguesas socorrem, edu- mesmo tempo a mais difícil e a mais nova.
cam, controlam as mulheres pobres e Ela daria condições de romper as
operárias. Sob o estímulo de associações, dicotomias muito simples, e de fazer, em
elas transformam-se de “visitadoras do suma, uma história interior do poder, fa-
pobre”, segundo a velha expressão filan- miliar, social e política.
trópica (de Gerando), em investigadoras
voluntárias, de damas patronesses em Seguramente, a resposta à domi-
assistentes sociais, precursoras dos traba- nação não reside unicamente num con-
lhadores sociais. Durante a guerra, as su- sentimento indiferente, resignado ou
perintendentes de fábricas, instituídas prazeroso. As formas de resistência femi-
pelo ministro da Guerra, o socialista Albert nina informam outras respostas, cujo in-
Thomas, saídas das classes abastadas, ventário mal começou. Certamente, com
serão, a partir de então mantidas o passar do tempo, as revoltas frontais
(FOUCAULT, 1982). Da mesma maneira, contra o poder masculino ficaram raras.

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A luta dos sexos tem pouco a ver com o quando tal esperança geralmente não se
enfrentamento de ordens ou de classes. concretizou.14 Mas estas decepções têm
Exceto em algumas utopias radicais, das um impacto apreciável sobre a tomada
quais seria apaixonante demarcar as aber- de consciência de sexo e poder-se-ia apli-
turas e distinguir os ciclos, a vitória de car às pulsações feministas as teorias de
um sexo não pode passar pelo extermí- Hirschman (1983) sobre o papel da de-
nio do outro! cepção nos ciclos público/privado.

As intervenções femininas na vida Mesmo as intervenções propria-


urbana inscrevem-se ordinariamente no mente feministas, expressão direta dos
prolongamento de sua função familiar. É direitos das mulheres, tão recente quan-
o caso dos motins de subsistência, prin- to as sociedades liberais e democráticas
cipal ação pública das mulheres nas soci- das quais elas são, de alguma forma, o
edades tradicionais e na França até a pri- prolongamento lógico (se as mulheres são
meira metade do século XIX. As mulhe- indivíduos, então elas devem nascer livres
res agem em nome da economia moral e iguais em direitos), produzem-se, na
como reguladoras de um desequilíbrio maioria dos casos, nas brechas abertas
destruidor, introduzido a seus olhos pela pelo abalo dos sistemas políticos, nas fa-
avidez dos comerciantes. Elas mantêm lhas de uma revolução, nas crises do go-
este papel. O desaparecimento destas verno. Como se existisse uma reivindica-
manifestações, num mercado melhor or- ção latente que discernisse a ocasião de
denado, foi contudo uma das causas do se manifestar.
ocultamento das mulheres do espaço
público na segunda metade do século Retornemos à novidade radical do
XIX. Nas manifestações contra a carestia feminismo e a seu conteúdo mais políti-
do início do século XX (1910-1911), os co que social. No passado, foi no seio da
sindicatos freqüentemente pressionaram sociedade civil que se exprimiram, mais
as mulheres a fazerem silêncio, ou à ado- freqüentemente, resistências e revoltas
ção de métodos mais formais – e mais femininas. Elas se revestem de formas
viris – de organização. Nesse ponto, a re- privadas, secretas mesmo, ou encadeiam-
belião das donas de casa toma então uma se em conivência, suscetíveis de colocar
dupla direção: contra os comerciantes, em xeque a dominação. Assim, a reivin-
mas, também contra o poder masculino dicação da gestão do salário dos mari-
que busca substitui-las nesses levantes dos pelas donas de casa no século XIX
que desde tempos imemoriais foi seu lhes dá o direito de supervisionar o tra-
apanágio. balho dos mesmos. Este “feminismo” in-
formal tem, algumas vezes, riscos muito
Mas, freqüentemente, as mulhe- grandes; o controle dos nascimentos é um
res agem como auxiliares dos homens, às exemplo. No final do século XIX, na Fran-
vezes com alguma esperança, mais ou ça, o crescimento dos abortos, pratica-
menos consciente, de tirar disso algumas dos pelas mulheres casadas, multíparas,
vantagens quanto ao reconhecimento de é interpretado por Mc Laren como a emer-
sua identidade e de seus direitos. Isto se gência de um “feminismo” popular. E se
verificou durante períodos de guerra ou os Argelinos eram, freqüentemente, tão
de lutas de independência nacional, hostis a que suas mulheres servissem aos

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Europeus como domésticas, moviam-se Utilizando a idéia de dominação,
certamente por um sentimento nacional, cristaliza-se a afirmação de que é univer-
mas também porque receavam o acesso sal e de que tem, como efeito, a necessá-
de suas companheiras aos “funestos se- ria exclusão das mulheres da esfera da
gredos”, e, como conseqüência, ao con- vida política.. Colocar à frente o estudo
trole da procriação, considerado como o da dominação, pelo viés da opressão,
fundamento, por excelência, do poder viril como da rebelião, não permite apreen-
(PERRIERE, 1985). der a dominação como uma relação
Conflitos disfarçados, violências dialética. Na maior parte do tempo, tal
abertas ligam a intimidade familiar e as abordagem se restringe a um confronto
relações dos sexos. Nas questões de hon- entre dominado versus dominante que
ra, as mulheres são mais freqüentemente diz pouco sobre o funcionamento, e nada
vítimas das vinganças do que os homens sobre as causas da dominação. Entretan-
(CLAVEIRE; LAMAISON, 1982; FATELA, to, afirmar que as relações de sexos são
1984). Mas no fundo da “infelicidade” relações sociais, tem levado a uma dis-
feminina, existe freqüentemente o cho- tinção entre o social e o político, o que
que de vontades que se enfrentam. Estu- permite, sem dúvida, refinar o conceito
dando os crimes ditos passionais no final de dominação. Com efeito, se a política
do século XIX, Joëlle Guillais-Maury encontra sua origem no social, dele se dis-
(1984) discerne a vitalidade e a força do tingue por sua função específica: deter-
desejo manifestado pelas mulheres do minar as regras comuns que devem re-
povo parisiense e as revanches de que ger a vida coletiva. Se parece possível
identificar o poder político, é mais difícil
são objeto por parte dos homens por não
compreender de que modo, enquanto
tolerarem sua liberdade e sua recusa.
instância de estruturação, de regulação,
Quando o direito, substituindo o uso da
de coordenação e de controle da socie-
violência privada pela arbitragem do le-
dade, o político define e interliga aquilo
gislador, permite a separação ou o divór-
que, historicamente, emana do público e
cio (entre 1792 e 1816, e após 1884), os
do privado. Basta constatar que os ho-
observadores foram surpreendidos com
mens foram destinados ao público e as
a importância da demanda feminina, lar-
mulheres ao privado, depois de afirmar
gamente majoritária (DESSERTINE, 1981;
que o espaço privado não escapa ao jogo
SCHNAPPER, 1978).
político? É necessário antes perguntar
Introduzir este conjunto de refle- como a definição e a repartição dos po-
xões, é deixar de admitir a relação dos deres foram tributários das transforma-
sexos como a harmoniosa complemen- ções da esfera política. Neste sentido, não
taridade da natureza ou do dever: a “mão se deve limitar a análise a uma oposição
invisível” nem opera aqui, nem na ordem entre o social e o político que recobriria
econômica ou social. aquele do privado e do público: estas
dualidades devem talvez ser apreendidas
O jogo político na sua unidade. Fazer deste problema
teórico uma questão particularmente sig-
O jogo político na história das mu- nificativa para a história das mulheres é,
lheres não é explícito: onde situar o polí- em si, uma proposição metodológica.
tico, e como qualificá-lo? Reintroduzindo a dimensão política na

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reflexão sobre o masculino/feminino, pri- podem tomar. A cena política construiu-
vilegia-se a noção de público, na medida se aceitando a recusa de constituí-las
em que esta noção implica numa refle- como sujeitos políticos: dizer isto dá um
xão sobre o civil, o econômico e o pró- outro relevo a toda intervenção feminina
prio político, sem para tanto excluir a em qualquer acontecimento do qual as
importância do privado. Ao contrário, a mulheres participam, fora do lugar que
atitude inversa, aquela em que o privado lhes é tradicionalmente atribuído. Fazen-
induziria ao público, não mais se afigura do isto, nós estamos conscientes de vol-
coomo possível. A feminista Jeanne tar a uma concepção do poder que traz à
Deroin dizia a Proudhon, célebre parti- tona os múltiplos poderes que Michel
dário da “reclusão” das mulheres no go- Foucault e outros das ciências humanas
verno da casa, que o homem já tendo a procuraram descrever nas sociedades, e
cidade e a família, a mulher podia, ela ao “retorno do evento” saudado desde
também, juntar a cidade à família.15 Ela há alguns anos. É um procedimento ne-
sublinhava que sua presença na cidade cessário e salutar, num campo de pesqui-
deixa intacta a realidade familiar, enquan- sas em que a utilização ambígua dos di-
to que o inverso, em compensação, afi- ferentes sentidos da palavra poder funci-
gura-se sempre uma representação ona muito facilmente num sistema de
satisfatória da vida feminina. compensação.

Em lugar de ratificar o fato de que É preciso necessariamente, por


a vida política é um espaço de ausência outro lado, associar a reflexão política ao
feminina, ou de seguir as narrativas que conceito de poder? Ainda aí, é uma ques-
minimizam sistematicamente os momen- tão de método: o que aconteceria se, no
tos em que as mulheres intervêm, pode- lugar de questionar o poder das mulhe-
se propor uma reavaliação de diferentes res, houvesse interrogação quanto ao uso
acontecimentos em que as mulheres par- da liberdade? Seria verdadeiramente uma
ticipam da história. Reavaliar, isto é, pen- exigência trocar o sistema de representa-
sar como uma intervenção política aqui- ção, abandonar as categorias de hierar-
lo que, em geral, se interpreta como um quia ou de compensação. Por exemplo,
fato social, leva a perceber as mulheres na história do feminismo, encontra-se o
num tempo histórico em que a singulari- problema do exercício do poder, mas tam-
dade do acontecimento é tão importan- bém, da libertação, da emancipação, etc.
te quanto a repetição dos fatos culturais. A que reavaliação do público e do políti-
Pode-se, desse modo, reformular o papel co isto conduziria?
das mulheres num motim no século XVIII,
nas lutas sociais do século XIX ou nas prá- É interessante, com efeito, subli-
ticas feministas da era contemporânea. nhar a semelhança que existe entre dois
Isto teria como resultado imediato não tempos marcantes da constituição de
mais pensar a história das mulheres como uma esfera política autônoma, em duas
a evolução, mais ou menos progressiva, sociedades, tão diferentes no tempo e no
de uma “condição feminina”. espaço: Atenas e França – ou as socieda-
des ocidentais no seu conjunto – do sé-
As mulheres são as gestoras de culo XIX. As duas pensam a vida da cida-
decisões que não tomaram e que não de a partir da cidadania do indivíduo e

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da sua responsabilidade política; as duas dade o triunfo do unissex (ILLITCH, 1983):
representam o direito do indivíduo de recusar a exclusão das mulheres condu-
participar do exercício do poder sob a ziria à produção de um neutro: obter a
capa de uma universalidade genérica, mas igualdade provocaria uma perda da iden-
as duas também “esquecem” as mulhe- tidade sexual.
res nessa universalidade: o gineceu não é
um lugar de exercício da cidadania e o Refletir desta forma é confundir os
sufrágio universal de 1848 não concerne níveis. Na medida em que se reinterpreta
senão à metade da população. Do esque- a categoria do universal, o neutro pode
cimento à exclusão: resta pensar como ser pensado como uma chance para as
opera uma universalidade cortada em mulheres. Não há o que temer com rela-
dois. A exclusão do político não se faz ção à diferença dos sexos no que tange a
necessariamente em linguagem política: seu interesse e a sua razão, ou seja, ao
no século XIX, por exemplo, é a partir dos nível da relação entre duas pessoas
direitos civis que se deduz a interdição sexuadas. Trata-se de fazer o caminho
das mulheres para a vida política inverso do que foi a história: na constru-
(FRAISSE, 1984, p. 375-380). É, por con- ção social da diferença dos sexos, se a
seqüência, o estatuto do universal que desconstruiu, simbolicamente, no nível do
funciona como o impensado de uma político, pela exclusão e não pela inclu-
bipartição sexual da vida em sociedade. são. Esta categoria do neutro só pode ser
Durante este tempo, a representação da útil na medida em que é provisória e ope-
diferença dos sexos continua a ser efetiva ratória. Ela tem o mérito, em todo o caso,
nos diferentes níveis da vida social. Resta de suscitar uma reflexão sobre o público
problematizar esta situação paradoxal das e o político, de maneira a reintroduzir, em
sociedades democráticas. seguida, de uma forma menos banal e
menos tradicional, a divisão real entre o
Pode-se, também, observar um público e o privado.
movimento inverso produzido pelo pró-
prio estatuto do indivíduo na sociedade Uma hipótese de
democrática contemporânea que permi- trabalho
te falar da “inclusão” das mulheres na vida
pública e política. Pode-se sublinhar, de
uma parte, a melhoria progressiva da con- Como interpretar a diferença dos
dição feminina nestes últimos séculos, e sexos diante de uma transformação his-
observar, de outra parte, como as lutas tórica? Quando se produz um fato im-
feministas forçaram a democracia e a so- portante, uma “ruptura” da ordem polí-
ciedade industrial a integrar as mulheres tica, econômica, jurídica ou tecnológica,
nos seus campos respectivos, quebrando, como se está representando e redefinin-
assim, a repartição binária de pretensos do cada um dos dois sexos, assim como
papéis sexuais, em proveito do direito de a relação entre ambos? Tomar alguns
escolha do indivíduo. Isto induz a uma exemplos de ruptura e analisar ao mes-
problemática nova: não existiria mo tempo suas causas e seus efeitos
doravante uma disposição de neutralizar teria como vantagem melhor compre-
a diferença dos sexos? Isto provoca vestí- ender de que modo as mulheres – e a
gios em Ivan Illitch que vê na nova socie- diferença dos sexos – inscrevem-se no

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tempo histórico. Poder-se-ia, em segui- ças na interpretação da história em geral
da, estabelecer um encontro operatório e aquela das mulheres em particular. Al-
entre uma cronologia masculina, até aqui guns exemplos podem esclarecer esta hi-
evidente, e a história da intervenção fe- pótese de trabalho: eles tocam tanto a
minina. Disto decorre que a história das vida civil, política, econômica quanto a
mulheres seria, sem dúvida, obrigada a profissional.
se escrever sob uma forma menos global
e menos atomizada. Sublinhar o termo A instauração do dote no final da
de ruptura – mais do que aquele do even- Idade Média ou o direito ao divórcio en-
to – impede de retomar a oposição tre 1792 e 1816, através de lei, foram
criticável do tempo longo e do tempo acontecimentos jurídicos que disseram
curto, e daí negligenciar um e seguir em respeito diretamente à vida das mulhe-
direção à pesquisa do outro. Isto permite res. Já a Revolução Francesa não se cons-
também não se limitar à reflexão que tituiu num fato que interessasse direta-
toma a mulher como único agente de um mente à diferença dos sexos, mas que
momento histórico (problema colocado pode ser interpretada de perspectivas di-
mais especificamente pela história do fe- versas do ponto de vista do Homem, dos
minismo (FRAISSE, 1984; KLEYMAN; homens ou das mulheres. Assim, esta
ROCHEFOR, 19??; ROCHEFOR, 19??; subversão social e política, pensada e
RIOT-SARKEY, 19??) e jamais omitir sua admitida, por alguns, como um progres-
intervenção, sua participação ou suas so, é necessariamente vivida e interpreta-
reações no campo social, político e da como tal pelas mulheres do século
“cultural”. XIX? Introduzir este tipo de contradição,
ou pelo menos de paradoxo na análise, é
Esta hipótese de trabalho estabe- uma proposta para repensar o estudo de
lece de maneira metodológica e teórica um fato histórico. A instauração do dote
várias séries de questões. A partir do es- foi usualmente reconhecida como um
tudo de uma ruptura – transformação ou progresso na condição feminina. Ora, um
subversão – tocando diretamente ou in- trabalho sobre as conseqüências da prá-
diretamente a vida das mulheres, pode- tica do regime dotal exporia um novo
se interrogar sobre a maneira pela qual aspecto das coisas: atrás do aparente
evolui ulteriormente a relação entre os poder econômico que a mulher tiraria do
sexos, e trabalhar sobre as eventuais mo- dote, instalar-se-ia um uso tendente a
dificações dos sistemas de representação. despojá-la, através de malversações con-
Isto deveria contribuir para melhor escla- cretas de gestão e de herança. Percebe-
recer o conjunto dos parâmetros que a se, assim, que valorizando, simbolicamen-
compõem (se existe evolução, pode-se te, a pessoa da mulher, introduzem-se
dele determinar as causas, as conse- mecanismos sutis de identificação, por
qüências e também os riscos) e conseguinte, de consentimentos das mu-
decodificar, um a um, todos aqueles que lheres quanto às estratégias de domina-
dizem respeito ao desejo de igualdade, a ção nem sempre perceptíveis.
uma presença da opressão, a um proces-
so de revanche das mulheres ou aos três A cronologia segmentada do di-
ao mesmo tempo. Enfim, esta análise reito ao divórcio – concedido, retomado,
favoreceria, simultaneamente, as mudan- depois concedido novamente em 1884 –

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pode permitir uma reflexão sobre as pro- político. Se as conseqüências deste direi-
duções simultâneas de atos de liberda- to são o objeto de debates, suas condi-
de, ou de consentimento, no espaço de ções de produção podem nos interessar
alguns decênios. Por outro lado, estas mais ainda: concedido numa simples alí-
hesitações jurídicas mostram, talvez, me- nea, num projeto de lei sem relação dire-
nos o medo da independência feminina ta com a vida das mulheres, parece fora
(estatisticamente, o divórcio é majoritari- das lutas feministas que contribuíram
amente exigido pelas mulheres), do que para obtê-la.
a inquietude de um certo “ruído” entre
os domínios privado e público, já que se Reencontrar o sentido de um acon-
trata de um ato que força o privado a se tecimento que leva a uma ruptura, é re-
transformar em público. Tal discussão, tão cusar supostas evidências. É recolocar em
acalorada no século XIX, talvez seja mais questão a idéia, sempre viva nos espíritos
que um mero capítulo de história das dos historiadores a(s) de que a história
mulheres. Enfim, o direito ao voto, con- das mulheres avança, finalmente, sendo
cedido às francesas em 1944, admitido desejável, para tanto que as visões de
como um evento inelutável e retardatá- contraste e contraditórias sejam conside-
rio na França, permite pensar na inter-
radas.
venção das mulheres sobre o domínio

Abstract

This article, a critical account of the Women’s


History prouction under feminist basis during
the 1970s and 1980s, draws a balance of the
concepts that come thereafter and of their
effects in historical knowledge. Making use
of the issues and objects etablished by the
research on masculine and feminine and also
of the conceptual revision arisenwith the new
trends of historiography, the article evaluates
its changes and recognizes its actual
contribution to the research on domination
power and counter-power, the public and
private, and many others of great interest to
Social History.

Keywords: Women’s history; historyography;


Feminism.

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