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EPISTEMOLOGIA FEMINISTA NEGRA E INTERSECCIONALIDADE:

APONTAMENTOS À HISTÓRIA (SOCIAL) DAS MULHERES

Daniella Silva dos Santos de Jesus1

Introdução

“Não existe [...] uma luta de uma só questão, porque nós não vivemos vidas de uma só
questão”. /-*+
Audre Lorde

Este artigo consiste num esforço inicial de refletir sobre a viabilidade da utilização da
epistemologia feminista negra, na sua perspectiva interseccional, a partir da História Social das
Mulheres. Aqui assumo o desafio de cruzar matrizes teóricas historicamente excludentes
intentando desenvolver um quadro teórico que melhor atenda aos objetivos do projeto de
pesquisa intitulado: O peso do garimpo: quanto vale o trabalho da mulher? Divisão sexual e
racial do trabalho nas Lavras Diamantinas da Bahia (anos de 1950 a 1996), em
desenvolvimento no Programa de Pós Graduação de Estudos Interdisciplinares em Mulheres,
Gênero e Feminismo (PPGNEIM), na Universidade Federal da Bahia (UFBA). Na tentativa de
(re)escrever a história das trabalhadoras negras dos garimpo de diamantes, almeja-se romper com
o “paradigma da ausência”2 que expõe a baixa incidência do componente racial nos estudo sobre
as trabalhadoras/es no Brasil, especialmente quando reportados ao século XX.
Se em pesquisa anterior3 houve o desvelar da presença e do exercício laborativo de
mulheres no garimpo, espaço historicamente ocupado por homens, atestando que a atividade
garimpeira tem dois sexos, na pesquisa a ser desenvolvida no doutorado a ideia é demonstrar que
além de classe, do sexo, o garimpo também tem cor, e é preta! Problematizar este enegrecimento
requer a adoção de lentes epistemológicas que dêem conta das complexidades das interconexões
1
Graduada em Licenciatura em História (UEFS/BA), bacharela em Serviço Social (UNIT/SE), mestra em Serviço
Social (UFS/SE) e doutoranda em Estudos Interdisciplinares sobre Mulher, Gênero e Feminismo (NEIM/UFBA).
2
Segundo Nascimento (2016) dentre as dificuldades citadas pelos historiadores/as estão o “problema das fontes” por
não trazerem a cor dos trabalhadores e pelo frágil argumento da transição do trabalho escravo para o livre. Neste
caso, argumenta Nascimento (2016) não seria pertinente o diálogo com os estudiosos da escravidão e do pós-
abolição para buscar outras fontes e ferramentas teóricas e metodológicas sensíveis à participação dos negros e
negras nos mundos do trabalho? Acrescenta que seus pares da História do Trabalho pouco discutem o legado de lutas
da população negra e os problemas raciais que eles enfrentavam.
3
Ver Jesus (2021)
1
dos sistemas de opressão. O feminismo negro, através da interseccionalidade será este horizonte
de análise por oferecer mecanismos de compreensão de múltiplas desigualdades que atingem as
mulheres negras.
Estruturado em três tópicos, este artigo discute num primeiro momento o impacto da
incorporação da categoria gênero na pesquisa histórica e os desacordos teóricos e metodológicos
quanto a sua utilização no âmbito da História das Mulheres. O gênero, ao conceder o status de
sujeitos históricos às mulheres, redefiniu as bases epistemológicas da historiografia, que implicou
não somente em uma renovação da História das Mulheres, mas numa nova história. O desacordo
entre as historiadoras Louise Tilly e Joan Scott é representativo de um debate mais amplo, que
perpassa pela condução teórica e metodológica dos estudos sobre as mulheres e as relações de
gênero, com registros de pontos de tensão entre as vertentes da História Social do Trabalho e pós-
estruturalistas, que disputavam a hegemonia deste campo.
As experiências de subjugação sofridas pelas mulheres negras e a invisibilização de suas
vivências no âmbito do feminismo (branco) hegemônico motivaram o desenvolvimento de
epistemologias alternativas e ferramentas analíticas capazes de apreender a imbricação das
opressões de gênero, raça e classe. No segundo tópico deste texto a epistemologia feminista negra
é apresentada em seus principais pressupostos. Em seguida discute-se sobre a sobre a
interseccionalidade e alguns pontos de convergência com a História Social, caminho que
considero promissor para capturar experiências históricas de mulheres negras, por propiciar um
olhar mais acurado, integral e democrático.

1- Incorporação do gênero aos estudos históricos: embates teóricos e metodológicos à


História das Mulheres

Nas últimas décadas do século XX, verificou-se o alargamento do campo de


investigação na pesquisa histórica. Temas relacionados à família, ao crime, aos negros e às
mulheres, por exemplo, emergiram e firmaram espaço na historiografia. Os estudos da “gente
comum” passaram a preencher as lacunas deixadas por uma forma tradicional de fazer história,
dando voz às minorias sociais, as quais fora negado o reconhecimento como agentes do processo
histórico. Se nos moldes tradicionais apenas os homens, eram considerados sujeitos da história,
no ambiente historiográfico atual as mulheres também ganharam visibilidade e vozes. A História
2
Social, corporificada pelas correntes marxistas revisionistas, segundo ressalvou Soihet (1997)
assumiu papel importante no processo de tirar as mulheres da invisibilidade, tornando-as objetos
e sujeitos da/com história, à medida que pluralizou os objetos de investigação e incorporou novos
aportes teóricos e metodológicos.
Os anos de 1970 foram bastante frutíferos à História das Mulheres. Em vista da
instituição do Ano Internacional da Mulher, as mulheres e suas pautas adentraram o cenário
político e acadêmico, onde os estudos sobre a mulher se encontravam marginalizados. Embaladas
pelos questionamentos feministas e pelas mudanças que ocorreram na historiografia, em função
dos avanços no âmbito da Nova História, História Social e da História Cultural, a produção
reunida a título da História das Mulheres dedicou-se ao reconhecimento de que a condição
feminina se constituía histórica e socialmente. No entanto, não bastava tornar as mulheres
visíveis à História Geral, visto que isso não era suficiente para tocar a historiografia tradicional,
que já detinha seus fatos, fontes, periodizações e temáticas bem delimitadas, conforme ressalvou
Pinsky (2009). Fazia-se necessário a consolidação de uma categoria que pudesse questionar os
conceitos dominantes da disciplina histórica.
Conforme a análise interpretativa de Soihet (1997), a utilização do termo gênero se deu
no intuito de questionar o termo sexo, remetido ao aspecto biológico, e reiterar o caráter
fundamentalmente social das distinções baseadas no sexo. Acrescenta que a cunhagem do termo
foi uma proposição dos defensores de que a pesquisa sobre as mulheres transformaria os
paradigmas da história e lhe acrescentaria novos temas, assim como reavaliaria as premissas e
critérios da ciência. A busca dos estudos feministas por uma “legitimidade acadêmica”, nas
palavras de Scott (1990), perpassou pela aceitabilidade política e científica do termo gênero,
aparentemente mais objetivo e neutro do que “mulheres”. Reitera-se ainda que “[...] enquanto o
termo ‘história das mulheres’ revela a sua posição política ao afirmar [...] que as mulheres são
sujeitos históricos legítimos, o ‘gênero’ inclui as mulheres sem as nomear, e parece assim não se
constituir em uma ameaça crítica” (SCOTT, 1990, p. 6).
Segundo Scott (1990), a tarefa de inscrever as mulheres na história, enquanto sujeitos,
necessariamente iria redefinir e alargar as noções tradicionais do que é historicamente importante.
Desta feita, a incorporação do gênero como uma categoria de análise implicaria não somente em
uma nova história das mulheres, mas numa nova história. Lobo (2011), comungando com Scott
(1990), afirma que, conforme as pesquisas feministas trouxeram à baila a categoria gênero em
3
termos de uma relação social e histórica, o que implica poder e atravessa o tecido social, esse não
pode ser um campo à parte do contexto das relações sociais.
A despeito disso, Scott (1990) argumenta que, no processo de construção de uma nova
história, que contemple as experiências femininas, a articulação do gênero com as categorias
classe e raça torna-se fundamental. Primeiro porque o interesse por estas categorias assinala o
compromisso dos historiadores com uma história que inclua a fala dos oprimidos, viabilizando
análises sobre o sentido e a natureza de sua opressão. Segundo porque as desigualdades de poder
organizam-se, minimamente, por meio desses três eixos. O desafio para a história é o de ampliar
o entendimento das relações de poder pela interação das relações sociais.
Uma vez superada a crença de uma suposta identidade única entre as mulheres firmou-se
a certeza na existência de identidades múltiplas decorrendo dai o esfacelamento de uma ideia
universal de “mulheres”, por classe, raça, etnia, geração, sexualidade, etc., também associada a
diferenças políticas no seio do movimento feminista. No campo historiográfico, a celeuma entre
as historiadoras Joan Scott e Louise Tilly apresenta um panorama da pluralidade de concepções
acerca da questão do gênero e os rumos da História das Mulheres. O desacordo Scott-Tilly
concentra-se na definição de quais instrumentos conceituais e metodológicos seriam os mais
indicados nessa empreitada.
Scott, segundo Pinsky (2009), descarta que essa conceituação possa ocorrer nos
domínios da História Social, visto que essa perspectiva estava imersa no determinismo
econômico. Aponta o pós-estruturalismo como o caminho capaz de tratar as mulheres como
sujeitos da história e o gênero como categoria analítica, posto que apresentava uma epistemologia
mais radical (PINSKY, 2009). Em contrapartida, Tilly endossa o coro de que são “[...] os
métodos da História Social os mais apropriados para o desenvolvimento das categorias de análise
e dos questionamentos que possam interpelar todos (as) os historiadores (as)” (VARIKAS, 1994,
p. 66), desde que respeitem a ação humana. Rechaça, portanto, a abordagem desconstrutivista do
pós-estruturalismo enaltecida por Scott, por julgar que o uso mais literário e filosófico do gênero
“[...] superestima(m) o peso da coerção social e tornam triviais as condições nas quais as relações
de poder mudam e se transformam” (VARIKAS, 1994, p. 66).
Se para Scott a História Social, ao estudar processos ou sistemas, com ênfase em grupos
humanos particulares e pautados no pluralismo dos objetos e narrativas, abriu caminhos para a
História das Mulheres e de Gênero, por outro lado, reduziu a ação humana em razão de tê-la
4
atrelado às forças econômicas, tornando o gênero algo que não pudesse ser estudado em si
mesmo, mas num subproduto, conforme Pinsky (2009).
Para Scott, a discriminação sofrida pelas mulheres na esfera da História Social ocorreu
não necessariamente pelo machismo e/ou pelo viés de gênero adotado pelos profissionais, e sim
por problemas inerentes ao método. Segundo a autora, a história seria cega à questão de gênero.
Para clarificar tais premissas, toma a obra de Thompson como exemplo, especialmente seus
escritos sobre a formação da classe operária inglesa, tendo em conta a influência que esta obra
exerceu sobre os estudos de mulheres e de gênero. (PINSKY, 2009).
Em sua “análise textual”, Scott afirma que o historiador inglês concebeu o movimento
coletivo em termos unificados, sob a forma de uma única grande história, o que dificulta a
incorporação da diferença. Embora o “homem humano” ou o “trabalhador” possam ter um
sentido neutro, a mulher não está inclusa em tais expressões, visto que o texto, apesar de referir-
se às mulheres, não as trata em seus papéis históricos. Dessa forma, a narrativa é perpassada pelo
gênero em conseqüência de seus conceitos gerais possuírem um viés masculino. Acrescenta ainda
que, embora esteja claro que nem todos os trabalhadores sejam homens, a produção é
representada como uma atividade, mesmo que não exclusivamente masculina. Vale frisar que
Scott reconhece a representatividade de Thompson na tradição de historiadores comprometidos
com a igualdade social, ainda que prescinda da compreensão sobre as complexidades da
diferenciação sexual.
A saída apontada por Scott perpassa pela assunção do pós-estruturalismo e do método
desconstrutivista, em sua ênfase na diferença, o qual proporcionaria maior diversidade em face da
simples oposição homem/mulher. Por esta razão, oferece, em seu ponto de vista, condições para
criar identidades individuais e coletivas, que, uma vez destacadas, desafiam identidades fixas e
categorias essencialistas e podem ser o próprio significado da igualdade reivindicada (PINSKY,
2009, p. 172-175).
Os termos do debate alavancaram reações acaloradas por parte das historiadoras sociais,
sobretudo Louise Tilly, as quais, influenciadas por Thompson, dirigiram críticas à Joan Scott por
ter se afastado do seu campo de visão acerca das relações materiais e da dura realidade da vida
cotidiana em favor da linguagem e das representações. Como pontuou Frader (2014), para Tilly a
percepção do gênero e da experiência, em termos meramente discursivos, poderia obscurecer a
compreensão das mulheres como sujeitos da história e de sua capacidade de ação. Caulfield
5
(1991 apud PINSKY, 2009, p. 175) se questiona: “[...] como pode haver ação se há somente
sujeitos/objetos produzidos discursivamente?”. Sobre este aspecto, Tilly (1994, p. 50),
acompanhada por Frader (2014), Pinsky (2009) e Varikas (1994), discorre: “A ênfase colocada
no método e no texto (seja de um enunciado formal, de uma ‘linguagem’ ou de oposições binárias
[...]) me parece subestimar a ação humana e fazer pender a balança na direção de uma super-
estimação [sic.] da coerção social”. Desta forma, salientou Pinsky (2009), o método defendido
por Scott ignora o ator e o mundo pautado por relações sociais concretas, não atribuindo peso
suficiente às lutas sociais nas mudanças históricas, nem pressupondo a relevância de se perceber
os condicionantes em que as relações de poder se transformam.
Outro aspecto abordado por Pinsky (2009) faz alusão às censuras formuladas por Scott à
História Social, que incluíram a inferência sobre uma suposta redução das experiências femininas
e do gênero a um status de “subproduto das forças econômicas”, a presumida unicidade da
categoria classe e a indiferença em captar o gênero na constituição de sentidos, tanto na cultura,
quanto na ideologia política. Sobre estas “censuras”, Pinsky (2009) assevera que, nas tentativas
de reescrever a História das Mulheres, tal segmento foi desaparecendo. Nesta perspectiva, inferiu
que as arguições de que a História Social reduz as ações humanas ao econômico não mais se
sustentam, em face das inúmeras pesquisas baseadas nos pressupostos de que a história não é
fruto de leis impessoais acima dos indivíduos, mas resultante das ações de homens e mulheres.
O reconhecimento da iniciativa humana é parte do projeto da História Social, ratificou
Pinsky (2009). Portanto, estudam-se os sujeitos em suas múltiplas determinações, sejam elas
sociais, políticas, econômicas e culturais, reafirmando sua capacidade de agir dentro da produção
e reprodução da vida real concreta. A autora também reforça que é falsa a imputação à História
Social da alcunha de gender blind (cegos a gênero), assim como é incoerente chamar de
androcêntricos pesquisadores que equipararam gênero à classe social 4 – os quais analisam a
influência do gênero na constituição da classe (e vice e versa); incorporam, nos conceitos de
classe, por exemplo, os elementos da etnicidade e de grupos etários às experiências diversas de
homens e mulheres; ou que se preocupam com o peso das experiências femininas na constituição
das representações sociais. Não se faz necessário valer-se do pós-estruturalismo “para se
interessar pelos modos engendered (pautados por gênero) da construção dos significados ou dos
jogos de poder”, da mesma forma que é, também, no âmbito da História Social onde muitos

4
O que, em seu ponto de vista, demonstra que o gênero não é um subproduto da economia.
6
pesquisadores “encontram subsídios para projetos políticos que implicam romper com
“determinismos biológicos” e questionar desigualdades sociais baseadas nas percepções da
diferença sexual”, pontuou Pinsky (2009, p. 181, grifos da autora).
Apesar das divergências entre Louise Tilly e Joan Scott, representantes da História
Social e do pós-estruturalismo, respectivamente ambas questionaram a aplicação do gênero pela
história, apontando a necessidade de ruptura com uma discussão outrora mais descritiva que
analítica. A categoria gênero, portanto, deveria questionar os conceitos dominantes da disciplina
histórica, acionar novos pressupostos teóricos e metodológicos, de modo a democratizar a escrita
da história ao incorporar as experiências de grupos historicamente excluídos, dentre eles as
mulheres negras trabalhadoras.
Face às questões específicas que afligem as mulheres negras foi preciso acessar
epistemologias alternativas e ferramentas analíticas que pudessem apreender as opressões
interseccionais de raça, classe e gênero. A invisibilidade da categoria raça nos estudos feministas
iniciais trouxeram uma série de questionamentos quanto às práticas excludentes desse
movimento. Nesse sentido, a epistemologia feminista negra e a perspectiva interseccional
revelaram os limites do feminismo (branco) ocidental e alertaram para os perigos de análises
pautadas unicamente pelo gênero. Desvelaram a multiplicidade das mulheres e os diversos
feminismos.

2- Epistemologia feminista negra: autodefinindo conhecimentos subjugados

A epistemologia pode ser caracterizada como um campo conceitual de produção do


conhecimento científico. De acordo com Margareth Rago (1998) é a maneira pela qual se
estabelece a relação entre sujeito e objeto do conhecimento, assim como a operacionalização do
mesmo como verdade. Por essa razão ressalta a relevância de prestarmos atenção ao processo de
constituição das epistemologias feministas ou do que denominou de projeto feminista de ciência,
haja vista ser este um momento oportuno de crítica e construção de uma nova linguagem e de um
contra discurso ao caráter particularista, ideológico, racista e sexista do conhecimento científico
hegemônico. Collins (2019, p. 402) acrescenta que a epistemologia enquanto teoria do
conhecimento, longe de ser um estudo apolítico da verdade científica, aponta “como as relações
de poder determinam em que se acredita e por que”. Justifica a importância da epistemologia em
7
razão dela determinar as perguntas que merecem investigação, quais referenciais interpretativos
serão mobilizados e os destinos do conhecimento produzidos. A autora explicita que:

As escolhas epistemológicas referentes a [...] quem se deve confiar, em que acreditar e


por que algo é verdadeiro não são questões acadêmicas inocentes. Essas preocupações,
ao contrário, dizem respeito a uma questão fundamental: a das versões da verdade que
acabam por prevalecer. (COLLINS, 2019, p. 403-404).

O processo de validação do conhecimento ocorre a partir de dois critérios políticos, de


acordo com Collins (2019, p. 405): 1- as avaliações das reivindicações de conhecimento são
feitas por um grupo de especialistas com experiências sedimentadas pela realidade que refletem o
lugar de fala que ocupam em seus grupos e nas opressões interseccionais. Exemplifica dizendo
que, na realidade dos Estados Unidos uma nova perspectiva de conhecimento deve convencer a
comunidade científica predominantemente formada por homens brancos, de elite e auto
declarados heterossexuais; 2-cada comunidade de especialistas se responsabiliza pela manutenção
sua credibilidade, definida pela população da qual advém seus conhecimentos básicos. Os que
questionam os pressupostos básicos da cultura vigente são considerados pouco confiáveis e
consequentemente são desacreditados. Os critérios traçados pelos grupos que avaliam a
pertinência da concessão do status de conhecimento cientificamente válido contribuem para o
apagamento de perspectivas diversas às seus postulados.
Face ao exposto faz sentido considerar a epistemologia feminista negra um
conhecimento subjugado pelos pressupostos tradicionais, que são insuficientes para tocar tal
empreitada. Patrícia Hill Collins (2019, p. 58) argumenta que as intelectuais negras melhor
contribuem para a formação de um “ponto de vista” quando utilizam suas experiências como
“conhecedoras situadas”. Todavia, correm mais riscos de serem taxadas de menos acadêmicas e
desacreditadas pela demasiada subjetividade. Vale salientar, conquanto que a indagação sobre a
relação sujeito/objeto na produção do feminismo é um dos principais aportes do feminismo à
ciência. Débora Aymoré (2017) ao discorrer sobre o conceito de objetividade forte como
alternativa à ciência livre, de Sandra Harding, demonstra que em contraposição à “objetividade
fraca”, aquela já predominantemente praticada, a “objetividade forte” possibilita dar visibilidade

8
aos grupos historicamente oprimidos, não apenas como meros objetos de investigação e/ou
consumidores de seus resultados, mas como sujeitos ativos5.
A contemplação da diversidade é um ponto central na promoção de uma “ciência a
partir de baixo” por promover a perspectiva “[...] das pessoas pobres, de “minorias” étnicas e
raciais, [...], de mulheres, de minorias sexuais [...], perspectivas mais amplamente utilizadas a
partir das quais as reinvindicações de conhecimento dominantes [...] começaram a ser
reavaliada”, tal qual ponderou Harding (2015 apud AYMORÉ, 2017, p. 180).
Como teoria social crítica, a epistemologia feminista negra e/ou epistemologias
insubmissas, conforme denominou Figueiredo (2020) reflete os interesses e ponto de vista
daquelas que as elaboraram. O ponto de vista das mulheres negras oferece um campo de visão
privilegiado, através do qual é possível observar aspectos importantes do grupo do qual se é
parte. Historicamente, o conhecimento produzido por mulheres negras em instituições sociais,
controladas por homens brancos, assim como no âmbito do feminismo hegemônico, foi
suprimido quando não apagado. Tal prática foi definida por Carneiro (2005) como epistemicídio,
que consiste num processo de negar aos negros/as a condição de sujeitos/as de conhecimento, ao
desvalorizar, negar ou ocultar as contribuições dos povos africanos e da diáspora à humanidade,
através da imposição do embranquecimento cultural. “[...] Por isso o epistemicídio fere de morte
a racionalidade do subjugado ou a sequestra, mutila a capacidade de aprender” (CARNEIRO,
2005, p. 19).
Dessa feita, os grupos subordinados desenvolveram desde sempre estratégias de
resistência. Tal qual asseverou Collins (2019, p. 402) as mulheres negras recorreram “[...] a
formas alternativas para criar autodefinições e auto-avaliações independentes, rearticulando-as
por meio de nossos próprios especialistas”. Desenvolveram um ponto de vista específico e se
valeram de formas alternativas, a exemplo da música, da literatura, das conversas e
comportamentos cotidianos, para produzir e validar o conhecimento produzido. Conforme
veremos a seguir a experiência é um conceito importante para o feminismo negro, sendo base
fundamental de sua epistemologia. Integrantes do grupo subordinado “[...] as mulheres negras
não pode se dar ao luxo de ser idiotas, pois nossa objetivação com o Outro retira de nós as

5
Tendo como base os ensinamentos da feminista negra Bell Hooks, a psicóloga Grada Kilomba (2019, p. 28)
argumenta que sujeitos são aqueles que têm o direito de definir suas próprias realidades e nomear a suas histórias. Na
condição de objeto esta realidade é definida por outros, as identidades são criadas pelos outros. A passagem da
condição de objeto a sujeito concebe a escrita como ato político.
9
proteções conferidas pela branca, pela masculinidade e pelo dinheiro". A sabedoria construída
por meio da experiência vivida é essencial para a sobrevivência dos subordinados.
Na epistemologia feminista negra os valores éticos são o cerne do processo de validação
do conhecimento. São quatro as dimensões da epistemologia feminista negra: a experiência
vivida como critério de significado, o uso do diálogo, a ética do cuidar e a ética da
responsabilidade pessoal. De acordo com Patrícia Hill Collins (2019) quando estas dimensões são
politizadas e associadas a um projeto de justiça social elas apresentam potencial para formar um
referencial que sirva tanto ao pensamento quanto à prática feminista negra.
A experiência como veiculo simbólico associado a imagens de práticas cotidianas ocupa
centralidade nos sistemas de pensamento afro-americanos. As imagens práticas do dia a dia
auxiliam na construção de simbologias que são valorizadas como critério de significado e
auxiliam na construção e reivindicação de conhecimento. Acrescenta Collins (2019, p. 414) que:
“[...] essas formas de conhecimento permitem o surgimento de uma subjetividade entre o
conhecimento e o conhecedor. Residem nas próprias mulheres [...] e são vivenciadas diretamente
no mundo (e não por intermédio de abstrações)”.
Outra dimensão epistemológica apresentada diz respeito ao reconhecimento do diálogo
como ferramenta de transmissão e construção do conhecimento. Compartilhando das ideias de
Bell Books Collins (2019) afirma que o diálogo pressupõe uma conversa entre dois sujeitos e não
um discurso entre sujeito e objeto. Um dos pressupostos básicos na utilização do diálogo na
avaliação de reivindicações de conhecimento permeia a ideia de conexão, que tem raízes
profundas nas tradições orais de matrizes africanas.
A ética do cuidar também é um elemento importante da epistemologia feminista negra e
têm como base elementos como as emoções, a expressão pessoal e a empatia. As emoções se
relacionam à intensidade com que é utilizado aos argumentos nos diálogos, indicando o quanto de
validade tem no argumento. A expressão pessoal se relaciona com a expressão única do espírito,
o poder e a energia emanada de toda vida. Alicerça-se em uma tradição de humanismo africano
que dá ênfase à singularidade de cada indivíduo.
O último ponto da ética do cuidar é a ordem da empatia, que consiste na capacidade de
se solidarizar com o sentimento e/ou sofrimento do outro. A ideia de irmandade baseada na
sororidade é um item importante dentro da validação do conhecimento. Desta forma, a abertura
ao outro vai ocorrer quando houver, principalmente, confiança e empatia. A última dimensão
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epistemológica do feminismo negro corresponde a ética da responsabilidade pessoal. Por este
viés, as pessoas devem tanto desenvolver reivindicações do conhecimento por meio do diálogo e
apresentá-las em um estilo que demonstre sua preocupação com as ideias, como se
responsabilizar pelo conhecimento reivindicado.
Na linha interpretativa de Patrícia Hill Collins (2019), ela reitera que as reivindicações
individuais de conhecimento levam em conta o caráter, os valores e a ética do individuo. Rejeita
a ideia de que investigar o ponto de vista pessoal foge do centro da discussão. Para a autora, todas
as opiniões e medidas tomadas derivam de um conjunto de crenças centrais que são antes de tudo
pessoais. Acrescenta ainda que, ao procurar dados da dimensão da vida pessoal, excluídos das
abordagens tradicionais, estes apontam a experiência de vida como critério de significado.
Estudar as experiências de trabalho de mulheres negras requer a adoção de
epistemologias alternativas às adotadas pelo feminismo hegemônico. As mulheres negras
permanecem sendo um grupo subjugado e atingido pela conjugação de opressões interseccionais
de raça, classe e gênero que repercutem em suas experiências, da mesma forma que as fazem ter
um ponto de vista diferenciado como outsiders, por essa razão o pensamento feminista negro
continua sendo importante enquanto resposta ativista a essa opressão.

3- Nas encruzilhadas entre classe, gênero e raça ou a perspectiva interseccional:


apontamentos à História Social (das mulheres)

As décadas de 1960 e 1970 foram marcadas pelo questionamento e enfrentamento das


ativistas negras com relação ao entendimento das razões pelas quais suas necessidades de
trabalho, educação, acesso à saúde, etc., não eram pautadas pelos movimentos sociais
antirracistas no feminismo e nos sindicatos classistas. Grada Kilomba (2019, p. 97- grifos da
autora) ao conceituar o racismo genderizado ressalva que mulheres negras têm sido incluídas em
diversos discursos que não dão conta de suas realidades, por apresentarem “[...] um debate sobre
racismo no qual o sujeito é o homem negro; um discurso genderizado no qual o sujeito é a
mulher branca; e um discurso de classe no qual “raça” não tem nem lugar”. Essa “falta
ideológica” e/ou “olhar monofocal” fazem as mulheres negras habitarem um espaço vazio
(terceiro espaço), estando às margens da raça, do gênero e da classe, logo não foi capaz de atacar
os complexos problemas sociais enfrentados pelas mulheres negras, ressaltou Bilge e Collins
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(2021). Para estas autoras cada movimento privilegiava uma categoria de análise e ação em
detrimentos de outras, em função disto:

As questões específicas que afligem as mulheres negras permaneciam relegadas dentro


dos movimentos, porque nenhum movimento social iria ou poderia abordar sozinho
todos os tipos de discriminação que elas sofriam. As mulheres negras usaram a
interseccionalidade como ferramenta analítica em resposta a esses desafios. (BILGE e
COLLINS, 2021, p. 17).

O feminismo negro representou papel relevante no engendramento do que viria a ser


sistematizado como interseccionalidade. Apesar do conceito ter sido creditado à jurista americana
Kimberlé Crenshaw, na década de 1990, o entendimento de que gênero, raça e classe não
deveriam ser entendidos separadamente, mas de maneira entrelaçada e articulada remete à
organização política das mulheres de cor nos anos de 1970, junto ao Combahee River Coletive,
por exemplo. O “enegrecimento” do feminismo foi um passo importante para questionar o caráter
unidimensional do discurso feminista “branco”, que segundo Hooks (2019) ignorou a existência
das mulheres que mais sofriam com a opressão sexista: mulheres negras e pobres.
A inserção no mundo do trabalho remunerado, que a princípio foi colocado, pelas
diversas correntes do feminismo hegemônico, como condição para a libertação feminina, longe
de libertar e/ou trazer gratificação pessoal às mulheres negras, as exploravam e as
desumanizavam. Com possibilidades reduzidas de verem alteradas suas condições de vida,
formavam uma massa silenciosa e silenciada por aquelas que se diziam porta vozes da luta contra
o sexismo.
Bell Hooks (2019) ao referenciar o livro A mística feminina, de Betty Friedan, apontado
como um dos precursores do movimento feminista contemporâneo, cujo teor textual até hoje
reverbera nos moldes e direção do feminismo, teceu críticas contundentes ao caráter classista,
racista e sexista da obra. Segundo Hooks (2019, p.28), “ela fez de seu drama e do drama de
mulheres brancas como ela o sinônimo da condição de todas as mulheres da América”.
Acrescenta, contudo que a obra pode ser considerada útil “como estudo de caso sobre narcisismo,
insensibilidade, sentimentalismo, auto-indulgências” (HOOKS, 2019, p.29), pouco interessada
em questionar se sua perspectiva correspondia à experiência da mulher como grupo.
Ratifica que à época do lançamento do livro, na década de 1960, mais de um terço das
mulheres estadunidenses estavam na força de trabalho. Sueli Carneiro (2019) argumenta que o

12
mito da fragilidade feminina nunca se sustentou em se tratando das mulheres negras, haja vista
que as mesmas nunca se viram ou foram tratadas como frágeis.

Fazemos parte de um contingente de mulheres que trabalharam durante séculos com


escravas nas lavouras ou nas ruas, como vendedoras, quituteiras, prostitutas. Mulheres
que não entenderam nada quando as feministas disseram que as mulheres deveriam
ganhar as ruas e trabalhar! Fazemos parte de um contingente de mulheres com
identidade de objeto. Ontem, a serviço de frágeis sinhazinhas e de senhores de engenho
tarados. Hoje, empregadas domésticas de mulheres liberadas e dondocas [...].
(CARNEIRO, 2019, p. 314).

Carneiro (2019), assim Hill Collins (2019), Luiza Bairros (1995) ratificam a
inviabilidade de pensar a opressão sexista deslocada de outros eixos de opressão, notadamente de
raça e classe. “Numa sociedade racista sexista marcada por profundas desigualdades sociais o que
poderia existir de comum entre mulheres de diferentes grupos raciais e classes sociais?”
(BAIRROS, 1995, p.458). Esta questão embora recorrente, nunca foi resolvida a contento pelos
diversos feminismos, que segundo Bairros (1995) continuaram reclusos às suas origens brancas e
ocidentais. As mulheres negras, portanto, foram invisibilizadas e reclusas num discurso
genderizado (não racializado).
A interseccionalidade, conforme ressalvaram as autoras Bilge e Collins (2021) surgiu
como resposta às experiências de opressão das mulheres negras, tendo sido definida da seguinte
forma:

A interseccionalidade investiga como as relações interseccionais de poder influenciam as


relações sociais em sociedades marcadas pela diversidade, bem como as experiências
individuais da vida cotidiana. Como ferramenta analítica, [...] considera que as
categorias de raça, classe, gênero, orientação sexual, [...] são inter-relacionadas e
moldam-se mutualmente. A interseccionalidade é uma forma de entender e explicar a
complexidade do mundo, das pessoas e das experiências humanas. (BILGE e COLLINS,
2021, p. 115-16).

Dentro do pensamento feminista negro, a natureza interligada da opressão é


significativa por duas razões, segundo Collins (2016). A utilização deste ponto de vista muda
todo o foco da investigação científica, pois sai de uma perspectiva de buscar explicar os
elementos de raça, classe e gênero para outra que analisa a interação entre essas categorias. Ou
seja, ao invés de adicionar variáveis anteriormente excluídas, o feminismo negro objetiva analisar
a própria interação. Isto evita análises somatórias ou aditivas da opressão baseadas em pilares da

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“diferença dicotômica por oposição” do tipo ou/ou, que ao estabelecer uma opressão como
primária hierarquiza e diminui o peso das demais.
É importante ressalvar, que embora alguns grupos vivam experiências de opressões mais
duras que outros, não devemos confundir a primazia de um tipo de opressão na vida das pessoas
com uma postura teórica que defende a imbricação das opressões. Isto porque o reconhecimento
da primazia de uma categoria sobre a outra em determinado tempo e lugar, não minimiza o peso
teórico de raça, classe e gênero como categoria que estruturam todas as relações. Cabe a nós
redefinir a opressão e desvelar as conexões existentes entre as categorias, pontuou Collins (2015).
Uma vez sinalizados os principais pressupostos teóricos atinentes à epistemologia
feminista negra e sua perspectiva interseccional passaremos a etapa final deste texto que consiste
em apontar algumas fronteiras entre o pensamento feminista negro e a História Social das
Mulheres. O objetivo é perscrutar possibilidades de diálogos entre estas duas vertentes,
aparentemente de matrizes teóricas diferentes e conflitantes, no intuito de refletir sobre as
experiências históricas de mulheres negras trabalhadoras. Pautado nos questionamentos trazidos
Rosane Borges (2021), diríamos que o feminismo negro é uma plataforma de expansão da
História Social, pautada em bases teóricas marxistas não ortodoxas, com enfoque nas
experiências e vivências individuais de cada mulher negra.
Semelhantemente à sabedoria imprimida pelo feminismo negro quanto ao
comprometimento ético de revirar os silêncios que recobrem as experiências de mulheres negras
a partir de seu próprio ponto de vista, a História Social apresenta em seu projeto político a
ampliação da narrativa histórica por pensá-la “por baixo” e incorporar a experiência de homens e
mulheres “ordinários”. A experiência, conceito central no feminismo negro, é também aceitável
entre os estudos que tem por base a História Social.
Baseados no conceito de experiência proposto pelo historiador Thompson (2009) vários
estudos buscaram resgatar a ação e a palavra das mulheres, que forneciam provas não somente da
opressão, mas das estratégias de luta e resistência para sobreviver aos sistemas opressores. A
utilização desse conceito possibilitou afastar-se das armadilhas de vertentes marxistas que
desconsideravam o papel do sujeito na história e reduzia os acontecimentos sociais ao
econômico. A História Social, quando atrelada aos preceitos do pensamento feminista negro e
interseccional, portanto, é um campo profícuo à execução de pesquisas que desejem compreender
as experiências de mulheres negras na História.
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Uma das maiores pensadoras negras contemporâneas, Angela Davis, autora da clássica
obra Mulheres, raça e classe, articularam de forma brilhante a perspectiva marxista com o
feminismo negro e o pensamento interseccional. Sua obra nos mostrou que os marcadores de
gênero quando desvinculados de raça e classe não dão conta das complexidades das mulheres
negras. Davis (2016) ao analisar as condições das mulheres negras escravizadas nos Estados
Unidos da América demonstrou que as mesmas dificilmente eram vistas como mulheres, haja
vista que o sistema escravagista lhes suprimia esta atribuição. A ideologia da feminilidade,
amplamente cortejada no século XIX, evidenciava o papel das mulheres como mães, esposas,
donas de casa, etc. As mulheres negras eram vistas como anomalias.
Dessa feita, o ponto de partida da análise da exploração da vida das mulheres negras
escravizadas foi através do seu papel como trabalhadoras, atuando ao lado dos homens na
lavoura. A condição de mulher que lhes eram atribuídas na maternidade as animalizava e as
reduziam à condição de meras reprodutoras. Segundo Davis (2016, p. 19), “[...] quando era
lucrativo explorá-las como se fossem homens, eram vistas como desprovidas de gênero, mas
quando podiam ser exploradas, punidas e reprimidas [...] elas eram reduzidas [...] à sua condição
de fêmeas”.
A análise da feminista negra estadunidense Ângela Davis não se prende a uma
perspectiva marxista ortodoxa e busca dialogar com categorias estruturais e subjetivas não as
antagonizando, posto que seja partes de um todo. Nas palavras, de Davis:

[...] as organizações de esquerda têm argumentado que classe dentro de uma visão
marxista e ortodoxa que a classe é a coisa mais importante. Claro que classe é
importante. É preciso compreender que classe informa raça. Mas, a raça também informa
a classe. E gênero informa a classe. Raça é maneira como a classe é vivida. Da mesma
forma que gênero é a maneira como a classe é vivida. A gente precisa refletir bastante
para perceber as intersecções entre raça, classe e gênero, de forma a perceber que entre
essas categorias existem relações que são mútuas e outras que são cruzadas. Ninguém
pode assumir uma primazia de uma categoria sobre as outras. (DAVIS, 1997, S.P.)

O feminismo negro por viabilizar o alargamento de perspectivas teóricas no âmbito da


História Social das Mulheres opera um duplo movimento. O primeiro deles é o de tirar do
domínio das classes sociais o escopo de explicações para se pensar as opressões e hierarquias. O
segundo movimento tem relação a inserção da dimensão racial no âmbito das reivindicações de
gênero. Sua proposta radical, de um lado interpela análises restritas a classe e do outro questiona

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o olhar universalista que adquiriu o gênero, no âmbito das análises feministas em meados do
século XX. Em concordância com Borges (2021, p. 59) diríamos que: “[...] a tentativa não é fazer
desaparecer as discordâncias, mas apontar que o feminismo negro se põe em outra dimensão para
interrogar o marxismo; coloca-se no lugar de desnaturalizar, num golpe só, raça e gênero, tarefa
não efetuada por Marx [...]”. O feminismo negro é um elemento teórico essencial de construir
uma história com sujeitos históricos com vozes, historicidade, vivências e experiências
singulares.

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