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Ensino de literatura africana

1. Os desafios da educação contemporânea e educação coletiva.

No livro Teaching Africa: Towards a Transgressive Pedagogy (2010) do autor George J. Sefa Dei,
pode-se ter acesso a um estudo abrangente sobre o sistema educacional africano e novas
formas de pedagogia e educação sendo experimentadas no continente, formas inovadoras
“anti-colonialistas” que se opõe à tradição educacional ocidental.

Segundo George J. Sefa Dei (2010), a educação na África pós-colonial tem enfrentado o desafio
de criar uma base sólida o bastante em prol de uma educação feita pelos próprios africanos,
desafiando a tradição de subjugação e imposição cultural imperialista que esteve presente no
sistema educacional das colônias europeias. Para tanto, educadores africanos devem
desenvolver uma nova visão de sociedade, com ferramentas que possibilitem o entendimento
do seu passado para transformar o futuro. Num mundo globalizado e multicultural, a educação
contemporânea deve: cultivar e promover as culturas e identidades nacionais, assegurar que o
estudante possa ter acesso ao mercado competitivo global e ter competência em demonstrar
habilidade e conhecimento da língua e cultura local. Estas são visões da teoria anti-colonial
(Kempf, 2009), que explora as possibilidades de trazer mudanças significativas que respondem
a esses desafios.

Sefa Dei propõe que os educadores locais e nativos devam apreciar sua própria originalidade e
o conhecimento local a fim de ensinar e levar este conhecimento às escolas. Para ele, a
questão da diferença (étnica, política, social) deve ser enaltecida e usada como ferramenta na
educação e não negada como se fosse um problema. Assim, os educadores africanos poderiam
ensinar a África de um modo diferente do tradicional, trazendo para o âmago do sistema
educacional algo que era marginalizado e reforçava o colonialismo.

Segundo este autor, o sistema escolar atual, particularmente na Europa e na América do Norte
(e podemos dizer também no Brasil), basicamente opera dentro do “culto ao individualismo”,
também conhecido como meritocracia. Conquistas individuais, excelência e mérito são
celebrados. Essa abordagem vai contra os fundamentos de uma “comunidade de estudantes”
e de uma “responsabilidade coletiva”. Aqueles que vão bem nesse sistema, especialmente os
que conquistam o ensino superior, não se sentem preocupados quanto aqueles que estão
“lutando”. O entendimento comum é aquele que diz que os bem sucedidos são resultado do
seu próprio esforço e empenho pessoal e não pelo processo de aprendizado coletivo.
Consequentemente, o mau desempenho acadêmico é visto como um problema pessoal.
Porém, uma interpretação diferente, que trabalha com entendimentos da filosofia da
“comunidade de estudantes”, veria esse mau desempenho como um problema coletivo.
Segundo o autor, a verdadeira conquista deveria ser aquela coletiva também, de forma
holística, considerando as potências e contribuições coletivas da comunidade de estudantes
dentro do sistema educacional.
A educação deve servir tanto ao crescimento pessoal quanto ao coletivo. Educação deveria ser
sobre destruir barreiras e fronteiras, sobre equidade em excelência. Olhando para os principais
problemas do sistema educacional atual, esse deveria considerar diferentes questões sobre
“justiça social” e “inclusão” na educação. Não há justiça na educação quando alguns
estudantes estão tem baixo desempenho devido a padrões convencionais de avaliação ou
estão sendo levados a falha devido ao sistema. Segundo o autor, ao se trabalhar com visões
alternativas de justiça social pode chegar a uma responsabilidade compartilhada das falhas do
sistema escolar, ao invés de recair-se esse peso sobre os estudantes.

1.1 A filosofia anticolonial da educação afrocentrada.

O autor George Sefa Dei apresenta o trabalho pioneiro de Asante (1980, 1991, 1992), que
indica os princípios da educação afrocentrada: noções de comunidade, responsabilidade,
interdependência mútua, espiritualidade na educação, a relação com a identidade (raça/etnia,
classe social, gênero, sexualidade, (d)eficiências, língua, religião e cultura) na educação,
história e descendência. O autor entende como comunidade e responsabilidade o senso de
pertencimento em união com outros e o senso de sobrevivência e manutenção da
individualidade e da coletividade. Os direitos individuais são reafirmados para garantir que tais
indivíduos se comprometam com o projeto de comunidade, tendo obrigações e
responsabilidades em prol da educação coletiva.

Nesta filosofia de educação, a conexão com a identidade pessoal dos alunos acontece por
estes estarem presentes em sala de aula e fazerem parte do corpo do sistema educacional. Há
um incorporação de conhecimento que é também uma forma de conhecimento consciente
que surge da experiência, das histórias e da subjetividade intrínseca a cada ação cotidiana. A
identidade é também entendida como um complexo, político, e refratado em relações de
poder assimétricas na sala de aula.

Sendo movido por noções políticas, a identidade do professor é de resistência. A filosofia da


educação afrocentrada, a história e a descendência, são consideradas como parte do
conhecimento que informa as experiências de um povo, seu passado, seu presente e seu
futuro. A particularidade de uma história está conectada com as experiências coletivas
compartilhadas por um povo. Essa filosofia se refere ao passado como um exercício necessário
à descolonização para os estudantes, e também o reflete no presente a fim de entender os
desafios e as complexidades contemporâneas. O objetivo dessa educação é desenvolver o
todo do estudante, enfatizando sua cognitividade, a afetividade, e seus domínios
psicomotores.
A educação inclusiva tão discutida atualmente no Brasil, que engloba, por exemplo, as cotas
raciais na universidade, falha, segundo o autor, ao tentar impor esses valores e ideais
filosóficos na educação da juventude. Questões como racismo, etnocentrismo, sexismo,
classicismo, homofobia e preconceito com deficientes, podem ser discutidos em níveis
individualizados e pontuais; no entanto, podem serem deixados aos caprichos de um educador
sem serem percebidos no contexto sistemático, estrutural e institucional da opressão social e
como as próprias escolas reproduzem as desigualdades sociais. A cultura e questões de
individualidade podem ser despolitizadas e serem tratadas sem discussões de poder, privilégio,
e cumplicidades institucionais de manutenção da dominação social. Segundo o autor, na
educação afrocentrada, a diferença é exaltada, assim como a educação inclusiva. Ela cria um
espaço onde formas multicentradas de educação podem florescer. Centrando o estudante na
sua própria experiência, história, perspectiva, entendimento, e interpretação, um
conhecimento diferente emerge. Esta centralidade ajuda os estudantes a se tornarem agentes
criativos com vozes ativas de resistência que contam suas próprias histórias.

2. Ensino da história e cultura africana e afro-brasileira no Brasil.

O sistema educacional brasileiro atual apresenta um déficit educacional entre a população que
se autodeclara preta ou parda (parâmetros do IBGE que identifica a população de etnia/raça
afro-descendente), e também, um déficit no ensino da história e da cultura africana e a
influência destas na população brasileira, que conta com uma população afro-descendente
notavelmente grande, porém, com pouco acesso a sua própria trajetória.

Para melhor abordar esse assunto, se utilizará o trabalho final de graduação de Roberta Alves,
intitulado “Ensino de história e cultura afro-brasileira e africana: da lei ao cotidiano” (2007),
da UNESP de Bauru, São Paulo.

2.1. O aluno negro no contexto escolar.

Segundo dados do site Políticas de Cor, o fenômeno de baixa escolaridade média que atinge a
população brasileira como um todo, acontece de forma mais expressiva entre aqueles que se
autodeclaram preto ou pardos. Enquanto os brancos possuem, em média, 6 anos de
escolaridade, os pretos e pardos possuem pouco mais de 4 anos, em média. (FAZZI, 2006 apud
ALVES, 2007, p. 27).

Frequentemente, a imagem do negro estabelecida nas aulas de história advém da alegação de


que o negro foi trazido a América para suprir a necessidade de mão-de-obra, devido a
incompatibilidade da população indígena, dando a impressão que a população negra nunca
apresentou resistência à captura, sequestro e migração forçados empregados pelos impérios
europeus (NASCIMENTO, 2001, p. 119 apud ALVES, 2007, p. 27)

Se constrói assim a imagem, ou a falta dela, de referência do negro para os alunos negros,
acarretando um processo de exclusão que se reflete em vários aspectos sociais.
Consequentemente, ser negro se passa a ser a razão para o fracasso escolar.

Uma teoria norte-americana do déficit educacional teve grande dispersão no Brasil, por volta
dos anos 60. Basicamente, ela apontava os fatores de baixa renda e escolaridade, mais
frequentes entre as famílias afrodescentes, como causas do baixo rendimento escolar das
crianças dessas famílias.
Isso criou um estereótipo dos alunos negros, que muitas vezes é apreendido pelos professores
e presente nas suas ações dentro da sala de aula. Assim, os professores, muitas vezes,
reforçam um tipo de atitude comum entre os alunos, criando um ambiente de intolerância
extremamente nocivo aos alunos afrodescentes.

ARTIGO ONLINE SOBRE LEI DE ENSINO SOBRE A ÁFRICA

Artigo jornalístico online sobre a lei que institui o ensino de história e cultura africana.
http://www.fca.pucminas.br/omundo/lei-que-institui-ensino-de-historia-e-cultura-africana-
nas-escolas-escancara-o-atraso-da-educacao-brasileira/

2.2. História e cultura africana no currículo escolar brasileiro.

O currículo escolar é um grande guia para professores de todo Brasil. Ele traz consigo o
conteúdo científico e metodológico que deve ser dado em sala de aula, de forma articulada e
sistemática entre as diferentes disciplinas e de acordo com determinada sequência dividida
nos anos escolares. Muitas vezes, o currículo escolar não contempla a demanda escolar e sua
diversidade. (ALVES, 2007, p. 30)

O currículo continua a reproduzir sua tradição eurocêntrica, privilegiando a cultura branca,


masculina e cristã, enquanto as culturas não brancas são colocadas em uma posição de menor
importância. (GONÇALVES E SILVA, 2007 apud ALVES, 2007, p. 30)

Uma evidência dessa discriminação no âmbito escolar e curricular aparece nos livros didáticos.
Pesquisadores identificaram, por volta da década de 1980, conteúdos discriminatórios nos
livros didáticos utilizados por alunos. Segundo eles, as mulheres negras apareciam de forma
caricata, com lenço na cabeça, brincos de argola e traços animalizados; elas eram sempre
“cuidadoras”, sem família, remetendo-se a imagem da “ama-de-leite”; a população negra era
retratada como trabalhadores não-qualificados (pedreiros, domésticas, etc.) (SANTOS, 2001, p.
103 apud ALVES, 2007, p. 31)

Sendo essa uma conjuntura social e cultural imposta, cabe ao educador transgredir esse
processo experimentando outras formas de conduzir o ensino dos assuntos de África, a fim de
exercer seu papel fundamental de educação em prol do desenvolvimento igualitário entre
todos. Ao se considerar isso, Santos (2001, p. 105 apud ALVES, 2007, p.50) afirma que:

“(...) no cotidiano escolar a educação anti-racista visa a erradicação do preconceito, das


discriminações e de tratamentos diferenciados. Nela estereótipos e idéias preconcebidas,
estejam onde estiverem (meios de comunicação, material didático e de apoio, corpo discente
e docente etc.) precisam ser duramente criticados e banidos. É o caminho que conduz a
valorização da igualdade nas relações. E para isso, o olhar crítico é ferramenta mestra.”

No final do texto, Alves (2007, p. 50) apresenta três experiências didáticas que têm como
objetivo romper com a pedagogia hegemônica de hoje em dia, apresentando metodologias e
ações didático-pedagógicas a fim de trabalhar com a diversidade através dos conteúdos de
história e cultura brasileira e africana. Os planos de aula também se encontram, como anexo,
naquele trabalho. (Conferir referências deste tópico)

2.3 A disciplina do inglês e os estudos da África.


Vale lembrar ainda que grande parte dos estudos afro no Brasil se concentra nas disciplinas de
língua portuguesa e nos países africanos falantes do português. Contudo, notamos a variedade
e o alcance da presença da língua inglesa na África e, por isso, as aulas de língua inglesa devem
e podem ser locais de discussão dessas políticas e dessas artes. O inglês enquanto disciplina,
pode ter uma importante contribuição para projetos interdisciplinares que discutem temas
transversais como o papel da mulher, racismo e exploração.

EXEMPLOS DE PLANO DE AULA PARA ENSINO SOBRE A ÁFRICA.

Neste site da Universidade de Yale tem-se acesso a um plano de aula de literatura africana de
língua inglesa. Link:
http://teachersinstitute.yale.edu/curriculum/units/1982/4/82.04.01.x.html

Referências

ALVES, Roberta de Souza. Ensino de história e cultura afro-brasileira e africana: da lei ao


cotidiano escola (Trabalho final de graduação). Bauru: UNESP-Bauru, 2007.

SEFA DEI, George J. Teaching Africa: Towards a transgressive pedagogy. Nova York: Springer,
2010.

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