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Tradução Pallas
Revisão Inicial: Pallas
Revisão Final: Ártemis
Leitura Final: Afrodite
Formatação: Afrodite
Para minhas guerreiras e guerreiros.
Um beijo e vivam!
Megan Maxwell
No leito de morte de sua amada Ingrid, Harald
Hermansen prometeu que deixaria a Noruega e se
transladaria para viver em Escócia.
Não pôde dizer mais. Com uma rapidez incrível, Alison se desfez
de sua mão e, dando uma volta sobre si mesma, fez com que o sujeito
caísse de bruços contra o chão.
— Nem pensar!
A jovem sorriu. Que lhe proibissem fazer coisas era algo que
nunca tinha aceitado bem, e, depois de pestanejar com graça para fazê-
lo rir, afirmou:
— Gilroy... Gilroy... Gilroy... Não vou daqui sem saber que tio
Edberg e Elga estão bem. Eu disse que vou a sua casa e irei! — E
quando ele ia protestar, esta insistiu levantando um dedo: — E se for
mencionar meu pai, esqueça-o! Ele não está aqui, portanto, tio
Matsuura e você ficarão à frente da barraca, e não há mais nada a falar.
— Provavelmente.
Ele sorriu por sua resposta. Aquela moça era uma descarada.
— É um convencido.
Pietro assentiu.
— Eu não vou contar... o que vai fazer você? Além disso, nem meu
pai nem eu poremos um pé em Escócia se queremos seguir
conservando a cabeça sobre os ombros.
— Provavelmente!
Ele abriu os olhos quando ouviu sua voz. A luz lhe fez mal, mas
murmurou ao reconhecer a jovem:
— Morreu...
Alison piscou.
— O quê?!
— Pode!
— Não.
— Não...
— Tio Edberg...
Ouvir todos aqueles nomes, fê-la sorrir; seu pai que os conhecia
bem os pronunciavam todos juntos em momentos pontuais, e, ao
voltar-se para olhá-lo, ele continuou:
— Seja a filha de quem é, busca a vida que te foi negada por nascer
em um galeão e que, sem lugar a dúvidas, merece.
— Mas...
Alison sentiu acelerar o coração. Não queria que ele sofresse por
nada do mundo. Não.
Ouvir aquela súplica e ver seu olhar vazio a fez entender que devia
fazê-lo. Edberg estava morrendo. E ela, por amor e lealdade, devia lhe
facilitar o caminho.
Finalmente, com toda a dor de seu coração, a jovem abriu sua
bolsa, dela extraiu um lenço que retirou algumas sementes negras e,
depois de entregar-lhe com o coração encolhido, Edberg sussurrou
sorrindo:
O homem sorriu. Tinha pedido ajuda a seus deuses para que algo
assim ocorresse.
— Siggy é forte. Está sã. Não adoeceu com a febre como sua mãe
ou eu. Odin me escutou e te trouxe até aqui para que a leve e eu não
tenha que matá-la.
Até três anos atrás, Edberg tinha servido sob as ordens de seu pai
na frota, mas se apaixonou loucamente de uma viking como ele em um
botequim de Portugal e tudo mudou.
Elga era uma bonita mulher de cabelo e olhos escuros que estava
cativa naquele botequim, por isso Edberg, ajudado por Alison e
Matsuura, liberaram-na de seus opressores durante a noite e, depois
de introduzi-la às escondidas na La Bruxa del Mar, afastaram-na de
seus captores, sabendo que quando o capitão e o resto dos homens
soubessem de que tinham uma mulher a bordo se originaria um grave
problema. Se algo foi proibido por seu pai era somente uma coisa: no
navio não entravam nem mulheres nem crianças. O único bebê que se
criou no galeão foi Alison, e porque era a filha do capitão.
Edberg Bass por fim respirou feliz. Saber que sua pequena não
morreria sozinha, ali, junto a ele, era o único que precisava ouvir.
— É linda...
— É...
— Disse-lhe isso uma vez, como disse seu pai e o resto de seus
tios. Não quero que suas mãos se sujem com seu asqueroso sangue.
Então me prometa que não fará nenhuma loucura. — A jovem não
respondeu e ele insistiu: — Alison...
— Tio, sabe bem que nunca prometo o que não sei se serei capaz
de cumprir.
Edberg suspirou. Sabia disso, como sabia que Alison ia aproveitar
aquela informação, e olhando-a sussurrou:
— O quê?!
Ao ver o que lhe mostrava, a jovem tomou ar. Tinha ouvido falar
daquele anel e de quão importante tinha sido para seu pai e para
Francesca, sua mãe.
Antes de ser a mulher do capitão Moore, Francesca era uma jovem
que vivia em Génova com seu irmão Marco e seus pais, que eram
ourives. Era uma beleza morena que chamava a atenção por seu sorriso
e seu forte caráter arrebatador, e enquanto vendia com seus pais as
joias que fabricavam em um mercado, um jovem escocês chamado
Robert Williamson gostou muito dela e iniciaram uma relação.
Sem duvidar, eles criaram o anel mais bonito que puderam para
sua filha, e em menos de dois meses Francesca e o capitão se casaram.
As bodas rompeu em dois Robert, que, apesar de ter aceitado a ruptura,
continuava amando a jovem.
— Vá.
— Tio...
— O que é isso?
Saber que o bebê era de Edberg fez com que o olhar do japonês se
adoçasse e, sem tocá-la, só olhando à pequena, afirmou:
— Ah, sim...
— Não sei...
— Me dê à menina.
Nidhogg era seu lobo cinza, que normalmente dormia a noite aos
pés da cama e que rapidamente se levantava para saudar sua ama com
agrado.
Hilda assentiu.
Ver seus dois amores felizes era o que mais lhe agradava no
mundo.
Embora ela não soubesse, tanto ele como Harald a tinham visto
observando-os. Por isso, com cumplicidade e para fazê-la ficar zangada,
tinham falado baixinho.
— Ruiva selvagem...
Ele assentiu sorrindo. Hilda lhe havia dito o mesmo. Estava claro
que a pequena Ingrid necessitava dele por perto para dormir e elas para
descansar de seus choros.
Com mima, Aiden pegou sua filha nos braços para beijá-la. Ingrid
era exaustiva. Antes de dormir, passava mais da metade do tempo
acordada e intranquila, mas não a trocaria pela menina mais tranquila
do mundo. Depois de minutos de bajulações dos quais a pequena nem
se inteirou, finalmente a entregou a Hilda.
— Que durma bem esta sesta — indicou. — Isso também lhe virá
bem.
— Não o repetirei.
— Por quê?
— Porque não.
— Mas, Harald...
— Alguma vez.
Demelza sorriu.
Ele suspirou. Demelza não pararia até lhe encontrar uma mulher.
— Não.
— Sim.
O viking amaldiçoou.
— Sarah Kinsell.
— A filha de Mordac o Ruim? — Peter assentiu e Demelza
sussurrou: — Fique de olho nessa garota. Eu não gosto de nada disso.
— É bom sabê-lo.
Ambos se olharam nos olhos. Estava claro por que queria que
Harald viajasse com eles e, olhando para o teto, o viking grunhiu:
— Por Odin...
— Por Odin e por Thor, vai sim! — afirmou a jovem fazendo seu
marido sorrir.
Aiden assentiu, claro que sabia. Tanto Harald como sua mulher
eram boas pessoas, embora fossem de procedência viking, e, depois de
intercambiar um significativo olhar com Peter, que o entendeu, e disse
olhando para Demelza:
— Gostosíssimo.
Aiden sorriu.
— Boa tarde.
— Nem pensar!
— Mas...
Alison olhou para seu tio Matsuura e este fez o mesmo que Gilroy,
deu a volta, embora antes indicou:
— São escoceses?
Jesse sorriu, que, sem lhe tirar o olho do oriental, ia falar quando
Alison apontou:
— Pode dar-me?
Alisson ia contar que a menina não era sua filha, mas isso não
entrava em seus planos, e respondeu:
— Obrigada — murmurou.
— Um prazer, milady.
— Och...
Ouvir isso fez com que Alison piscasse. Tio Edberg fizera
referência a isso essa manhã, e sorriu com tristeza quando a mulher
perguntou apontando Gilroy:
— É seu marido?
— Pois então me permita dizer, milady, que Siggy tem a cor forte
e escura de seus olhos. — E, olhando seu cabelo escuro, acrescentou:
— Embora o cabelo claro tem que ser do pai, verdade?
— Algo me diz que foge do amor, mas meu conselho é que não
tenha medo e persiga seus sonhos. Essa é a única maneira de ser feliz,
milady. Jesse e eu deixamos de lado nossos medos no que diz respeito
a nossas famílias e nos casamos. Depois, perseguindo nosso sonho de
ser felizes, decidimos começar uma nova vida longe de nossa amada
Escócia. No princípio tudo era inseguro. Estas terras e as pessoas eram
algo novo para nós. Mas logo que nos habituamos, asseguro-lhes que
tudo, absolutamente tudo, mereceu a pena.
Jesse se aproximou delas com seu filho Finlay seguro pela mão
para as observar. Durante um momento, e enquanto a pequena Siggy
era amamentada por Leisy, falaram da fome que tinha a pequena, até
que Alison se afastou deles para aproximar-se da borda do rio, onde
estavam Gilroy e Matsuura.
— Jesse! Finlay!
Ninguém respondeu.
Rapidamente Matsuura empunhou sua katana e sussurrou
olhando-os:
Um deles trazia Finlay pego pelo pescoço, o que fez com que Leisy
gritasse.
— Que tal se as pega para mim? — Pediu o que parecia ser o chefe.
— Se a tocar... eu o mato.
— Vou te matar.
Isso fez Alison rir com desafio e, depois de pegar a katana do chão
e segurá-la com força entre as mãos, replicou vendo como Matsuura e
Gilroy lutavam:
— Segue sonhando.
O homem sorriu, sabia de sua mestria na luta, que era muito boa.
Mas, sem deixar-se intimidar de como movia a espada, insistiu:
— O dano que vou te fazer, sim, você não vai poder suportar.
Matsuura e Gilroy, que a seu lado lutavam tão feroz quanto ela,
depois de ter matado dois homens, atacaram os outros dois. Já não
estavam em superioridade numérica. Sem dúvida as coisas estavam se
tornando a seu favor, mas então viram Alison rolar pelo chão para
esquivar de uma estocada de Brayden.
— Essa cadela, seu marido, seu filho e o bebê que trazia nos seus
braços estão mortos, e agora você vai morrer também como fez a cadela
de sua mãe.
— Está bem?
— Shensi, me olhe!
— Mas eles...
— Um momento.
O capitão Moore olhou, então, no que sua filha levava nos braços.
— Orquídea, e por que ela está contigo e não com seus pais?
— Por isso ela está aqui comigo. Tio Edberg me pediu e eu...
— Papai...
— Tanto faz o que diga, Francesca. Esse bebê tem que sair do
navio.
— Papai, escuta...
— Siggy.
— Eu disse que tem que sair do navio e não vou repetir — insistiu
o capitão.
— Provavelmente.
— Francesca!
— Se atreva, papai, e...
Ouvir isso fez que todos os presentes se olhassem entre si. Aquilo
era o melhor que tinham ouvido em muito tempo. Por fim tinham
vingado as mortes de suas mulheres, e Jack Moore, aproximando-se de
sua filha, olhou o anel e murmurou emocionado:
— Francesca...
— Ma petite6!
Mas Alison não gostava dessa opção. Embora ela soubesse que
estaria pensado a cada segundo no que estava acontecendo com Siggy
fazia com que sentisse que desejava seguir com ela; mas não querendo
levantar suspeitas, deu-lhe razão.
— Boa ideia.
Durante minutos na cabine não se ouviu uma mosca, até que ela,
tomando ar, soltou:
— Papai, tios, a vida no mar foi o que me coube viver, mas também
sabem que sempre quis...
— Mas, papai...
— Não saberá viver em terra. Sua vida está aqui, junto a mim.
Sou seu pai, amo-a e te protejo. Ninguém o fará tão bem quanto eu,
esquece-o!
— Provavelmente...
— E ter filhos? — Perguntou seu tio Marco surpreso.
— Quando nasceu e vimos que era uma menina, sua mãe me fez
prometer que a protegeria por toda a vida. E quando ela morreu, meu
amparo a você se redobrou. Mas cresceu. Converteu-se em uma mulher
e começou a decidir por si mesma, coisas que sabe tão bem quanto eu
que nunca reprovei. — Alison assentiu. Sabia que se referia a seus
escarcéus com os homens. — A vida no mar é dura. Sei, Francesca.
Sei. Mas tem que entender que longe de mim, e especialmente em
Escócia, podem-lhe acontecer coisas terríveis, e eu como pai quero
evitar.
— Obrigada por seu amparo, papai, mas você me ensinou a viver
sem medo. E... e há algo dentro de mim que pede a gritos que mude de
vida, e para isso tenho que ir a Escócia.
A tristeza que a jovem viu nos olhos do francês pelo que acabava
de dizer lhe rompeu o coração.
— Papai, sei que uma vez em terra tenho que evitar dizer quem
sou. E embora isso me doa na alma, porque tenho o melhor pai do
mundo, sei que é importante para sobreviver.
— Para isso tem que refrear seu arrojo, pensar nas coisas antes
de fazê-las e, sobretudo, fechar essa boca desbocada que costuma ter.
— Papai...
— Papai!
A jovem soprou. Viver sem luxos não era precisamente o que tinha
feito durante toda sua vida. Por ser seu pai quem era, nunca tinha
faltado comida, nenhuma cama quente, nem ninguém que a desejasse.
Mas, gostasse ou não, seu pai tinha razão. Então viu que ele tirava o
broche que tinha preso na camisa.
— Sei que foi o primeiro broche que fez e me deu de presente. Mas,
como bem sabe, em um momento de necessidade, as joias que há nele
a ajudarão. — Alison agarrou o broche e, depois de guardar no bolso,
seu pai acrescentou: — Não se entristeça se tiver que vendê-lo. Venda-
o a quem quiser comprar, voltarei a recuperá-lo. Mas se vendê-lo a
Pinwi, facilitar-me-á as coisas.
Alison piscou entre feliz e inquieta. Saberia ela viver fora do mar
e sem dinheiro?
— Papaiiiiiii...
Todos começaram a falar entre si até que a jovem ouviu seu pai
dizer:
— Papai...
— Filha, você sabe bem que não me envolvo no seu gozo pessoal
em certas questões, mas fique atenta e lembre-se que nenhum homem
no mundo, uma vez que saiba quem você realmente é, vai respeitar ou
a amar, entendeu?
— Entendido.
— Não tem por que voltar a passar o que aconteceu com o verme
do Conr...
Escutava sem dizer nada aos tios e o pai que adorava quando seu
olhar se encontrou com o de Matsuura. Em silêncio, aquele homem lhe
falava. Com o olhar lhe dava força, segurança, coragem, e a sua
maneira implorava que mudasse sua atitude presente para ter um
futuro.
Ela era uma mulher, não ia saber como se comportar como tal??
Seis meses afastada de seu pai, de seus tios e do mar era algo
tentador. Melhor isso que nada.
Sua voz fez com que todos se calassem sorrindo para não lhe
demonstrar o muito que os assustava sua decisão, e então ela disse
aproximando-se da garrafa que seu pai tinha deixado sobre a mesa:
— Alison... Frances...
— Dar-te-ei o justo...
Que a jovem fizesse aquilo, prometer algo com uma mão sobre
uma garrafa e a outra sobre seu coração, para eles era dar sua palavra.
Quando terminou, Alison retirou a mão da garrafa e pegou de novo à
pequena.
— Na Escócia precisarei de uma carroça que nos sirva de amparo
à noite e uma barraca para a venda de minhas joias de dia. Isso, e bons
cavalos para que possamos nos mover. — E, cravando o olhar em seu
pai, que estava atônito, terminou: — E nem pense me dizer que não ou
juro por Iemanjá que amaldiçoarei seu nome todos os dias de minha
vida!
— É teu.
— Papai...
O japonês sorriu.
— O quê?
— Nada de galos.
— Só direi... provavelmente.
Depois, pegou uma caixa que continham pós de cor ocre dourada.
Jogou algumas gotas de água sobre um prato e fez uma massa com os
pós. Quando acabou, olhando-se no espelho, riscou com os pós
dourados uma linha na metade do rosto. Depois impregnou as palmas
das mãos com os pós e, depois de comprovar que a menina seguia
dormindo, saiu da cabine.
Sem fazer ruído, sentou-se a seu lado. Ele, como ela, tinha a
mesma linha na metade do rosto e as palmas das mãos douradas.
Ambos deviam fazer o mesmo.
— Valoroso irmão e amado tio Edberg, foi uma honra para nós
estar a seu lado todo este tempo. Que os deuses e a luz de nossas mãos
facilitem a caminhada de seu caminho e acredite nesse fio eterno entre
nós para que algum dia voltemos a nos encontrar.
— Não sei por que riem. Só direi uma coisa: se eu fosse o pai dessa
moça ou desse moço, casava-os agora mesmo. Se querem aproveitar do
pecado da carne, que cumpram primeiro com o santo matrimônio.
Todos riram de novo e então Harald, apontando os cavalos que
havia mais à frente, disse para acabar com o assunto:
— Disse algo?
Amaldiçoando para seus adentro por não ter controlado sua boca,
ela soprou, mas de novo foi incapaz de recuar e soltou:
— É seu?
O cavalo ainda não era dela, mas sem dúvida ia ser, por isso
afirmou:
— Provavelmente.
— Excelente compra.
— Sei!
— Quem é ela?
— Ninguém.
Quanto mais o via, mais gostava. Tão limpo, tão asseado, tão bem
vestido...
— Morro de amorrrrrr.
— Me encantammmmmm!
Jack Moore, para não aproximar nenhum dos navios de sua frota
à costa escocesa, tinha mandado transportar Alison, Matsuura e à
pequena Sigge em uma barcaça até Dunbar.
— Provavelmente — retrucou.
Demelza assentiu com a cabeça com prazer. Que lástima que seu
marido ou Harald não o tivessem visto antes; dirigindo-se de novo a
jovem perguntou:
— Posso tocá-lo?
— Volte a fazer o que fez ou a abrir sua pestilenta boca para dizer
uma tolice a mais e te juro que arranco seu fígado.
— O que aconteceu?
— Vamos. Curar-lhe-ei.
— Estou bem, calma. Continue atendendo à mulher. Eu mesmo
curarei.
— Alegro-me sabê-lo.
Alison assentiu.
— O homem que defendeu é tio Matsuura, a pequena é Sigge e eu
sou Alison.
— É que estive!
Alison a olhou. Aquele era seu selo de distinção. «F. J.», Francesca
e Jack. E respondeu sem medo:
Alison assentiu.
— Oh, não, por favor. Nem pensar! Só fiz por que acredito que era
correto e...
A expressão de amor tão íntima entre Zac e ela fez a jovem sorrir,
que afirmou:
— Por quê?
Com picardia, Demelza se aproximou dela.
Aiden, sem querer dizer que já tinha visto a moça que falara com
Harald, dirigiu-se a sua mulher.
— O mesmo digo.
Ele assentiu e, vendo o Peter rir para uma bonita mulher de cabelo
claro que o beijava nesse momento, retrucou:
— O que aconteceu?
Todos sorriram ouvindo isso, mas, sem saber por que, Demelza
recordou à moça que tinha um cavalo com esse nome. Que curioso...
Essa noite, quando a pequena Sigge adormeceu e Matsuura se
deitou para descansar, Alison observava as estrelas sentada na parte
dianteira da carroça.
— É tarde.
Ela assentiu. Seu tio tinha razão, embora se sentisse mal por
ocultar que Conrad McEwan estava na mesma terra que eles.
Inconscientemente, olhou à pequena, e o japonês indicou:
— De acordo.
— Alison! Alison!
— Hei... Alison.
— Ora... sem dúvida calças não são o mais acertado para uma
festa.
— Obrigadaaaaaaaa.
— É seu marido?
— Uau, não!
— O pai de sua filha?
— Nãoooooo...
Alison levantou a vista e viu Sandra de mãos dada com Zac, que
vinham dançar.
E Harald, que de onde estava não podia ver bem com quem se
aproximava sua cunhada, perguntou:
— Com... «ninguém».
Harald não o entendeu, mas assentiu e seguiu bebendo. Então
Aiden, ao ver que elas se aproximavam, acomodou-se em seu assento
e perguntou a Harald:
— No momento não.
— Harald...
— Provavelmente.
— Só o chamei de tolinho...
Isso fez Harald levantar uma sobrancelha. Sem dúvida ela tinha
muito pouca vergonha.
Estava pensando nisso quando Alison, que não havia ainda dado
a última palavra, se aproximou ao ver a reação do gigante loiro.
— Bug...
— Bug! Pare!
Alison, alheia a isso olhava furiosa para Gilroy para lhe responder,
mas então ele saiu voando para trás e caiu de traseiro no chão.
— Mas...
Sua resposta e seu olhar azul fizeram que o pelo do corpo da jovem
se arrepiasse uma vez mais e, sem saber por que, sorriu. Aquele homem
não a suportava e ela sorria... Seria uma tola?
Instantes depois, animada ouvindo uma canção, Adnerb tirou
Harald para dançar e ele aceitou com cavalheirismo. Não poderia
passar toda a noite dizendo que não.
Alison olhou para onde ela apontava. Gilroy ria junto a uma
mulher loira, e afirmou antes de voltar a olhar para Harald:
— Sim.
— Consta-me que nem Alison nem você têm par... Que tal se
dançarem?
— Cheiro mau?
— Esse não é o que tem uma filha que é tão sanguinária quanto
ele? — Disse Peter McGregor.
Alison o olhou.
— Dizem que pai e filha matam por prazer e depois usar os crânios
de suas vítimas como terrinas para tomar sopa — interveio Aiden.
— Pois eu ouvi que o capitão Moore teve essa filha com uma sereia
— retrucou Alison divertida. — Por isso, quando essa moça mergulha
no mar, as pernas lhe convertem em uma linda e interminável calda e
que nada sem parar.
— Nem um pouquinho.
— Precisa ajuda?
— Bug... me dê um instante.
Na terceira tentativa se levantou, mas as pernas lhe falharam e,
se não fosse porque Alison se apressou a segurá-lo, teria se
esparramado contra o chão.
— Sim.
Demelza suspirou.
— Não.
— Acho que não. Não existe ninguém como Ingrid, assim não
insista, maldita seja, Dem!
— Mas, Harald...
Não era a primeira vez que se via sozinha com algo assim, mas,
estava zangada pelo muito que ele pesava, grunhiu:
Gilroy sorriu.
— Tome, se limpe.
— Eu não te odeio — retrucou ele com a boca seca. — Por que diz
isso?
— Obrigado.
— E as aceitei.
— Viu? Odeia-me.
Isso fez com que ele baixasse seus olhos até a jovem, e esta,
sorrindo pelo que tinha conseguido, afirmou:
Observaram-se em silêncio até que ela, vendo que ele não dizia
nada, perguntou:
— Acredita que sou uma bruxa? — Surpreso, Harald não soube o
que responder, e ela continuou: — O digo por que não me olha aos
olhos. Sempre ouvi que o povo não olha nos olhos das mulheres que
consideram bruxas por medo de que sua maldição os possa matar
durante a noite entre terríveis dores abdominais.
— Quero que saiba que alguém muito sábio e a quem amo muito
sempre me disse que se você quer corrigir um erro, basta propor isso.
Bem, adoraria compensar o erro que cometi com você, não por causa
do cavalo, mas porque chamei você de tolinho. Então, que tal
começarmos de novo?
Sem acreditar, Harald não sabia o que dizer, aquela moça de olhos
escuros, com um bonito sorriso e uma graça que o estavam deslocando
do lugar seguro, estendeu-lhe a mão e disse:
— Harald McAllister.
— Primos.
— Viu-a?
— Tio Edberg sempre dizia que, depois de ver uma estrela fugaz,
terei que fechar os olhos e pedir um desejo — contou ela. — Vamos,
faça-o! Fecha-os!
— Porque morreu.
— Sinto muito.
— Provavelmente.
— Sim.
— Gilroy já apareceu?
— Harald McAllister.
Essa manhã a jovem não foi ao mercado na primeira hora por uma
razão. Através de uma das amigas de Gilroy, que trabalhava como
criada em uma boa casa em Edimburgo, soube que os senhores dela
desejavam ter filhos e não podiam.
Saber isso os alegrou. Aquela família poderia ser ideal para Sigge.
Mas Alison e Matsuura, antes de deixar à pequena, queriam conhecê-
los. Precisavam saber que a menina estaria a salvo e protegida, por isso
Matsuura partiu em busca de informação.
— Bug... Buggggg!
Ouvir isso a fez amaldiçoar. Por que a chamava assim? Mas o que
Gilroy tinha a cabeça?
— Alison, aqui há uma senhora que diz que faz dois dias te
encarregou a fivela de um cinturão de prata com a inicial de seu
marido.
— O que acha?
— Que maravilha!
Divertida, viu que vestia calças como ela e, piscando o olho com
cumplicidade, pediu:
— Um segundo.
— Lady Demelza?
E ela o fez.
Depois de beber água, a menina deu um gritinho feliz que atraiu
a atenção de Alison. Ao olhar e ver a pequena nos braços de Harald,
encaminhou-se imediatamente para ele e arrebatou à pequena dos
seus braços.
Ele meneou a cabeça. Estava claro que ela ocultava algo, e nesse
instante Demelza se aproximou e o repreendeu:
— Bata palmas.
— Fala norueguês?
— Não.
— Posso entender que cuide da filha de seu tio, mas o que não
compreendo é por que a menina entende norueguês.
— Por mim ninguém saberá nada — lhe assegurou ela. — Não sou
uma fofoqueira.
— Acredito que embora te diga que não, mesmo assim me vai dar
— afirmou ela.
— Harald...
Mas não pôde dizer mais, pois Harald deu a volta e se afastou.
Demelza sorriu. Como sempre, Aiden estava por perto para fazê-
la sorrir, e, depois de lhe dar um carinhoso beijo nos lábios para fazê-
lo saber que tudo estava bem, dirigiu-se a jovem, que os observava.
— Gostaria de vir ao jantar do castelo?
— Wilson.
— Não sei se será boa ideia. Além disso, não tenho o que vestir.
— Mas...
Aiden soltou uma gargalhada. O que tinha ficado claro para ela
era que Harald gostava da jovem, por isso respondeu:
— Odiar-nos-á!
Nesta tarde Alison olhava maravilhada o vestido que Demelza
tinha lhe enviado. Em La Bruxa del Mar tinha belos vestidos que seu
pai estava acostumado a comprar, embora ela nunca os vestisse, pois
preferia a comodidade das calças e as botas. Mesmo assim, bastou ver
aquele esplêndido vestido cor de mostarda e se apaixonou por ele.
— Caramba, Bug!...
Gilroy piscou. Era a primeira vez que a via arrumada como uma
mulher. Como muito a tinha visto com alguma saia, mas seu vestuário
basicamente era composto por calças, e, repassando-a com um olhar,
sussurrou:
— Uau, Bug, mas não se parecer com você! Parece uma mulher!
Satisfeita, com uma simplicidade que nem ela sabia que tinha,
Alison sorriu e perguntou mostrando alguns brincos:
— Para meu gosto, ele é muito reto e severo e ela, grita muito.
Edberg não teriam gostado.
— Antes que diga algo, quero que saiba que Aiden e Demelza
convidaram-me ao jantar, inclusive ela me emprestou este vestido.
Haviam dito que possivelmente você não iria e por isso aceitei a vir.
Mas, ora, para que se calme, prometo que quando cheguemos ao
castelo não me aproximarei de você nem te incomodarei, porque está
visto que ver-me te desagrada.
— Já me desculpei com você por meus erros e não vou fazer isso
de novo. Mas, vamos lá, não me parece certo que, sempre que nos
encontramos, olhe para mim como se fosse cortar minha garganta.
Porque, sim... é o que seu olhar me diz, e não diga não, porque você
terá dificuldade em me convencer do contrário.
O jorro de palavras Harald finalmente soprar. Ele não pensava ir
ao jantar de clãs. Negou-se, mas, como sempre, Demelza o tinha
convencido, olhou-a com sua habitual seriedade e replicou:
Ver como ela se virava para ir-se fez Harald reagir e, pegando-a
pelo braço, parou-a e, quando ela o olhou, disse.
Consciente de quão rude estava sendo com ela, ele suavizou então
o tom e acrescentou:
Ver seu tímido sorriso a moça adorou, e sentiu que seu coração
se acelerava. E ele, tentando ser agradável, insistiu:
Harald assentiu.
— Prometo-lhe isso.
— Ora, ora...
— Asseguro-te que com quem ela está lhe cuidará muito bem.
— E seu tartan?
Alison não soube o que responder. Nunca tinha tido um. No navio
seu pai nunca o tinha utilizado e, vendo que Demelza esperava uma
resposta, respondeu:
— Meu pai e seu clã não gostam muito um do outro e... bem, pode-
se dizer que nunca me considerei de nenhum clã.
Sem falar, Alison permitiu que colocasse o tartan sobre seu corpo
e, depois de ajustar-lhe com o broche que ela usava na lateral do
vestido, Demelza declarou:
— Solucionado!
Alison sentiu uma grande emoção. Ela, que era uma mulher forte,
dura e guerreira, ficou olhando o tartan que cruzava seu corpo e,
tocando-o, murmurou:
— Obrigada.
— Divertindo-se?
— Provavelmente.
McBouden assentiu.
— Então se diverte?
— Cego e tolo.
— E o italiano. E...
— Nãoooo...
Regina sorriu.
Incômoda por aquilo, mas consciente de que tinha que dar uma
explicação aceitável, Alison respondeu omitindo que também sabia
japonês:
— «Era?»
Alison sorriu. Havia algo naquele homem que lhe dava confiança,
e murmurou:
Demelza sorriu e Harald não disse nada. Ela não era de sua
incumbência.
Saber isso fez com que Alison os olhasse com curiosidade. Estava
claro que algum daqueles Moore podia ser um familiar direto ou
indireto de seu pai e, portanto, também dela, e, sorrindo, murmurou:
— Que curioso!
E assim foi. Essa mesma noite, acompanhada por seu tio Ragnar,
procurou Conrad. Sabia em que prostíbulo encontrá-lo e, depois de ter
uma forte discussão com ele em um dos quartos, quando Conrad
desembainhou sua espada para ela, Alison teve que defender.
Sem olhares amenos, encetaram-se em uma virulenta luta que
acabou quando ela perdoou sua vida embora poderia tê-lo matado, e
ele, aproveitando de sua debilidade, tirou uma adaga da bota e a feriu
no lado.
E assim tinham passado mais de oito anos. Oito longos anos nos
quais imaginou mil maneiras diferentes de matar esse homem, que
odiava com todas suas forças.
Estava pensando nisso quando a seu lado ouviu que dizia uma
jovem muito zangada:
— Carolina!
— Não vou permitir que afugente todos os homens que quero que
se aproximem de ti — sentenciou. — E, faça o que fizer, irá conosco ao
jantar que os Cunningham darão no Lanark dentro de alguns dias.
— Pai!
— Damasco?
— Não.
— Por quê?
— Porque não.
Sorrindo sem saber por que, a jovem voltou a olhar para Aiden,
que os observava com gesto divertido, e murmurou:
Ela suspirou. Por que falava assim quando durante o jantar tinha
conversado e rido calmamente com ela? E, depois de olhar para Aiden
e fazer um gracioso manejo com as mãos, voltou a dirigir-se a Harald e
sussurrou irritada por não ter alcançado seu objetivo:
— O padre Murdoch deve estar muito orgulhoso de você. E mais,
dentro de uns anos te vejo como ele, totalmente amargurado, velho e
reprimido.
Seu amigo sorriu. O que via nela era o frescor da juventude que
em certo modo vira em sua mulher, e insistiu:
— Essa moça...
— Aiden...
— Vi como a olha e sei que essa doce moça chama sua atenção —
e baixando a voz prosseguiu: — E sem dúvida também chama a de
outros.
— Agora — insistiu.
— Não.
— Não tenho nada que falar contigo. E mais, acredito que seria
mais agradável e divertido falar com o arcaico e aborrecido padre
Murdoch do que contigo.
A jovem sorriu. Que o sério Harald dissesse algo assim sem dúvida
era uma novidade e, virando-se para olhá-lo com zombaria, perguntou:
— Sei brincar.
Vendo que por fim tinha chamado sua atenção Harald teve
esperanças e, recordando algo, acrescentou:
Ao dizer isso, ambos sorriram. Era evidente que algo ocorria entre
eles, e finalmente Alison disse sem ser consciente de como Thomas
McBouden a observava:
— Pretende me enlouquecer?
— Mais ainda?!
Ela riu e o viking a pegou pela mão e propôs, recordando algo que
havia dito em outro momento:
— Encantada!
— Não.
— Cheiro mau?
— Não.
— A próxima vez que queira falar contigo, já sabe: olho por olho.
— Não.
Riu, dançou, saltou feliz até que divisou de novo Conrad McEwan
junto a seu inseparável Julian e isso arruinou sua felicidade.
— Acontece algo?
— Não.
— Certeza? — Insistiu.
— Sim.
— A que se refere?
— A quem buscas?
— A ninguém.
— Escuta o que vou dizer! Sem você, tampouco tenho nada que
temer.
Alison, tão surpresa quanto ele por aquele intenso beijo, não
soube o que responder. Por que o tinha beijado?
— Se voltar a me beijar...
Harald se divertiu com sua resposta. Por que tudo que ela dizia o
fazia rir, apesar de ter a língua afiada?
— Você tampouco.
Alison sorriu. No mundo dos piratas, onde ela vivia, seus atos
tinham deixado de ser recriminados por ser uma mulher se não
quisessem que lhes fatiasse a língua, e sem poder calar-se respondeu:
— De sorte para mim, até sendo uma mulher escolho minhas
loucuras.
— Estão aqui!
— Aiden te procura.
Ele não se moveu, mais tarde iria falar com ele, mas a ruiva
insistiu:
— Busca-te agora.
— Harald!
Aquela resposta e seu olhar para a ruiva fizeram-na saber que não
queria mover dali, mas ela afirmou:
— Ah... isso...
— Sim... isso!
— Olhe, não sei o que é, mas seu olhar me diz que algo a preocupa.
— Nada.
— Meus ouvidos ouvem uma coisa, mas te asseguro que meus
olhos veem outra.
— Sei que mal nos conhecemos, mas algo me diz que você e eu
poderíamos ser excelentes amigas. Com isso, só quero explicar que amo
minhas amigas, as protejo e as ajudo.
Ficaram em silêncio até que Demelza, ao ver que não ia tirar mais
informação dela, perguntou:
— Provavelmente.
Alison piscou.
A jovem Moore sorriu. Estava claro que dissimular iria lhe custar
e, recordando o que tinha contado a Harald, deu de ombro e respondeu
sendo consciente de sua meia mentira de:
— É que não tinha visto Harald olhar e nem beijar uma mulher
assim por muito tempo. Normalmente, em público as rechaça. Não fica
intimo delas. Mas te beijou!
— Pior ainda!
A jovem suspirou. Recordar não era fácil, mas, como queria que
ele não sofresse mais, respondeu:
— Pois vai ter que fazê-lo, porque não me pode deixar curiosa.
— Mas...
— O quê?!
Nesse dia a jovem não só perdeu a sua querida e amada irmã, mas
toda sua família e a grande maioria das pessoas que conhecia. Do
mesmo modo, também contou que, antes de morrer, Ingrid fez Harald
prometer que cuidaria de Demelza e, sobretudo, que ambos partiriam
da Noruega e que procurariam a felicidade e o amor.
Demelza assentiu.
— Por quê?
— Ouça, não quero te perder como amiga. Mas que tolice é essa?
— Não penso te perder como amiga, mas, por enquanto, que tal
se seguimos aproveitando da festa?
— E escandalizando o padre Murdoch?
Alison assentiu.
E embora pensar nisso lhe doesse, pois, cada dia adorava mais a
pequena, perguntou:
— O que ocorre?
Alison negou com a cabeça. Não podia nem pensar, quanto mais
falar.
— Sim.
— Princesa...
Aquele gesto protetor por parte de Harald era o que podia esperar-
se dele. Conrad, surpreso, quando Aiden se aproximou de sua esposa,
disse vendo como eles se afastavam:
— Sinto muito.
— Provavelmente.
— Perdoa-me?
— Alison! Harald!
Alison sorriu.
Alison soprou.
— Nãooooo...
— E, não contente com isso, quando meu tio Ragnar veio em meu
auxilio, ele o... matou-o e partiu sem olhar para trás.
A ruiva sorriu.
— Por que não fica um pouco mais em Edimburgo? Nós temos que
ir por alguns dias a Peeblesa solucionar um assunto. Logo
retornaremos e poderíamos viajar juntos. Assim poderia conhecer
melhor Harald...
— Por quê?
Alison suspirou.
— Sobe. Eu te levarei.
— Sim, precisa.
Ouvir isso e sentir sua mão fez reagir à moça. Antes morta que
fazer o que ele lhe pedia e, depois de empurrá-lo para afastá-lo dela,
tirou uma das adagas que escondia e sibilou raivosa:
Conrad sorriu.
Apesar de que a cabeça lhe doía pelo que acabava de fazer, Alison
sorriu e, tentando não enjoar pelo golpe, apoiou uma mão na parede
enquanto lhe arrebatava a adaga com a outra.
Ela não respondeu. Sabia que quando revelasse quem era, tinha
todos os motivos para perder. Então Conrad montou em seu cavalo e
declarou antes de partir:
— Por todos os Santos, moça, disse-te que não queria mais galos.
Durante esses dias, cada vez que Matsuura a olhava e via seu
rosto arroxeado e seu trejeito pensativo, algo nele se rebelava. O fato
de que a moça, sem lhe dizer nada, e tivesse decidido vir a Escócia
sabendo que Conrad estava aqui não gostava.
Garoava.
À noite, para sua sorte deixou de chover, mas fazia cada vez mais
frio.
Alison o olhou e, sem levantar a voz para que Gilroy, que dormia,
não despertasse indicou:
Se alguém podia ser sincero com ela sem temer suas reações, era
ele. Os anos juntos e as vivencias compartilhadas tinha lhe dado a força
necessária para falar com franqueza. Com seu pai, Alison discutia,
enquanto que com Matsuura falava.
— Falo do que vejo. Tem pressa por deixar à pequena para ir atrás
de Conrad, e não pode dizer que não.
— Se você o diz...
— E por que acredita que esses Graham são melhores que você?
— Estou de acordo.
— Bom dia.
— De onde é?
Alison assentiu.
— Eu?!
Alison o olhou surpreendida e não disse nada. Por que seu tio
tinha que falar por ela?
Alison assentiu. Em certas ocasiões seu tio era muito mais rápido
que ela.
Matsuura sorriu.
Gilroy, que ficava mais difícil de lidar a cada dia que passava,
sibilou:
— Outra vez?
Isso divertiu à moça. Estava claro que não ser cem por cem
escocês naquelas terras podia ser a origem de um problema, e com
cumplicidade afirmou:
— Sua sobrinha?
— Moça, pelo pouco que te conheço, vejo que não é pessoa de dar
muitas explicações de sua vida e de seu passado. Por isso, e
conscientes de que perguntariam, Regina e eu falamos e decidimos
aplainar seu caminho.
Thomas sorriu.
Alison não quis ouvir mais e, virando-se, olhou para o outro lado.
Regina, ao vê-la, aproximou-se dela e Alison falou segura:
— Não me toque!
Conrad sorriu enquanto observava como ela se afastava. Gostasse
ou não, Alison o atraía com esse seu forte caráter. Excitava-o, até
sabendo que, cedo ou tarde, ela o atacaria. E, sem dar-se por vencido,
seguiu-a, se aproximou por trás e, pegando a boca a sua orelha,
perguntou:
— Por quê?
— Provavelmente.
— Não tenho nenhum amor, mas sim há alguém que ocupa meus
pensamentos.
— Por quê?
— E em realidade é?
— Tinha-me preocupado.
— Por quê?
— Mas...
— Em Edimburgo.
— Por quê?
— Porque não acredito que seja boa ideia que guardem joias e vão
com a mercadoria somente os três e a pequena. Eles poderiam assaltar!
A jovem sorriu. Entendia o que ele dizia, mas, sem nenhum medo
enfrentaria a quem se atrevesse a tentar os roubar.
— Agradeço sua preocupação, mas não precisa.
A que para ela era sua família, tinha sido atacada, estavam
ensanguentados, e vendo como o japonês tentava abrir os olhos, Alison
olhou a seu redor procurando por Sigge.
— O quê?!
— Vão ao rio!
Tiritando pelo medo, o susto e o horror, Alison fez o que ele lhe
pedia, mas, sem tempo a perder, pôs-se a correr de volta à carroça.
Matsuura e Gilroy precisavam dela e devia fazer com que a menina se
esquentasse.
O homem tentou falar, mas a dor que sentia nas costelas não o
permitia.
— Calma. Irei com ela. Não permitirei que manche suas mãos de
sangue.
— Ajude-a.
Alison assentiu e ele, apontando uma grande casa que havia nos
subúrbios do povoado, indicou:
Alison assentiu.
— E a morte o espera.
— Ocupar-nos-emos deles.
Thomas assentiu.
— Prossigamos.
Pela hora que era, a grande maioria dos homens que estivessem
naquela casa já estariam dormindo ou bêbados, e, depois de apearem
dos cavalos, Thomas ordenou:
— Salão livre.
— Vamos, entremos.
— Como se chama?
— Hermione, senhor.
— Aconteça o que acontecer e ouça o que ouvir, você não nos viu
nem estivemos aqui.
— Sim, milady...
— O que acontece?
Sabia que viria por ele, assim tinha planejado, mas como tinha
chegado até ali?
Alison soprou e, lhe dando um novo chute que o fez cair outra vez
ao chão, grunhiu:
— Sim, Thomas, sou quem este verme diz. Sou Alison Moore, a
filha do Jack Moore. Mas só pelo fato de vê-lo retorcer-se de dor sob
minhas mãos e matá-lo merecerá a pena tudo o que posteriormente me
possa acontecer.
— Disse-lhe princesa...
— O que fez?
— Alison...
— Por mim?
Alison assentiu.
O escocês a olhou.
— Tio...
— Como está?
— O que aconteceu?
— O quê?!
Matsuura se emocionou.
— Alison...
Matsuura, que às vezes recorria mais pelo silêncio do que pelo que
dizia, certo de que Thomas teria uma conversa esclarecedora com ela,
falou olhando-a aos olhos:
— Mas...
— Sua raiva, seu desejo de vingança e seu arrojo nos levaram até
ele. Minha espada só fez o que sua mente desejava. Fica certo que ele
morreu porque você decidiu assim. Aceite isso.
— Obrigada, Thomas.
— Por quê?
Depois de pegar a parte que ele lhe estendia, Alison deu uma
dentada e retrucou:
— O quê?!
— Com certeza terá ouvido seu pai e seus tios amaldiçoar meu
nome não uma, a não ser um milhão de vezes, e...
A jovem assentiu.
Robert Williamson?
Alison tinha ouvido falar daquele homem. Conhecia o papel que
tinha desempenhado em seu passado e em sua família, mas sempre o
acreditavam morto. Entretanto, estava vivo!
Falou-lhe das viagens que tinham feito juntos para comprar joias
em distintas partes do mundo e de como aprendeu a viver sem ser o
marido de sua mãe. Durante um bom momento lhe falou de tudo o que
aconteceu no passado e quando terminou, declarou comovido:
— Imagino... Imagino...
— Uma abadia?
Thomas assentiu.
Thomas soltou uma gargalhada. Estava claro que a moça não era
muito experiente sobre assuntos amorosos e quando ia perguntar, ela
o interrompeu:
Ela assentiu.
— O quê?!
— Sério?
A jovem assentiu.
— Pois sinto te dizer que desta vez cabe a você trocá-la — falou
Matsuura.
— Não.
— Por quê?
— Anda, vai.
— Poderei repetir?
— Will, senhor.
— Dez, milady.
— Se machucou?
— Will, meu nome é Alison e eles são tio Matsuura, Gilroy e Sigge.
Onde estão seus pais? — Com cara de pânico, ele não respondeu, e ela
prosseguiu: — Sei que não nos conhece, mas preciso que saiba que
queremos te ajudar. De nossa parte não vai te acontecer nada de mau.
— Querido, se tiro a sua terrina é para lhe dar uma limpa, cheia
de guisado, que não tenha sujeira. Claro que você pode levar para sua
irmã mais nova.
— Só está Briana.
— Sua irmã?
— Para mim?
— Eu já comi.
— Cinco, milady.
— Mortos.
Ouvir isso e ver o olhar do menino fez que Alison assentisse, mas
precisava saber, assim insistiu:
— Adoeceram e morreram?
— Não.
— Então o que aconteceu?
De novo, Will olhou para o céu. Cada vez que não queria responder
uma pergunta fazia isso, mas Alison, pegando-o pelo queixo, voltou a
insistir:
— O que aconteceu?
— Mas...?
— Mas, Alison...
— Sério?
Ela sorriu e, disposta a que esses pequenos não passassem mais
fatalidades, indicou:
— Eu não gosto.
— Pousi diz que não é muito gostoso, mas que se tomar a curará.
E finalmente, mediante esse tipo de jogada, a criança o bebeu.
O grito dela fez com que o outro olhasse para trás. Não pensava
abandonar seu amigo, e menos ainda ser acossado por uma mulher.
— Isso sempre me diz meu pai — zombou ela fazendo rir de novo
a quem os observava.
Alison sabia que sua audácia era o primeiro fato que estava
acostumada a surpreender, e quando ele a atacou com a adaga,
afastou-se de um salto. Vendo que ela também precisava defender-se,
tirou sua adaga da bota e sem hesitar atacou.
— Demelza...
— Isto é teu.
— Está bem?
Vê-lo, voltar a encontrar-se com ele, era o que durante dias tinha
desejado. E agora que o via não sabia o que dizer. Mas como era tão
tola?
— Harald!
— Harald, o quê?!
— Bug?!
— Não é nada...
— As tripas me rugem!
Com um sorriso, os quatro se dirigiram para a hospedaria onde
os esperavam o resto de seus amigos. Em seu caminho, enquanto Aiden
e Demelza andavam de mãos dadas conversando alegremente junto a
seus cavalos, Harald e Alison andavam em silêncio.
Surpreso por aquilo, Harald não soube o que dizer. Seu trato com
as mulheres era escasso e o cortejo, totalmente nulo. Por isso durante
segundos ambos caminharam em silêncio, até que a jovem, cansada,
acrescentou:
Aiden assentiu.
— Orquídea... aqui.
Angustiada pelo muito que ele se expor por estar ali, ela ia falar
quando ele lhe entregou um saquinho de moedas.
— Tome. Não quero que passe penúrias como pretende seu pai.
Feliz em receber o dinheiro, o que seria ótimo para ela agora que
tinha as crianças, ela guardou e sussurrou:
— Amigos.
Roe assentiu.
— Quem é, moça?
Consciente de que seu tio tinha visto tudo, mas disposta a tirar
os ferros de cima de si, ela respondeu:
— Tio Roe!
O homem jogou a capa de novo pela cabeça e, sem olhar para trás,
afastou-se.
Ao voltar-se comprovou que estava tão perto dela que teve que
levantar a cabeça para olhá-lo nos olhos, e tentando sorrir retrucou:
— Provavelmente.
Harald olhou Alison sem acreditar. Estava mais claro que o tinha
desconcertado totalmente e, depois de lhe dar de presente um de seus
bonitos sorrisos, piscou um olho e entrou na hospedaria de novo.
O viking não se moveu. Através de uma janela da hospedaria tinha
visto a jovem falar com um homem. Aproximou-se deles com
curiosidade, mas era muito tarde. Só o ouviu dizer: «Adeus, minha bela
Orquídea».
— Ora...
— Glades, uma antiga serva de minha casa, vende ervas, muito
boas, por sinal — afirmou Adnerb. — E decidimos passar para ver se
queria nos acompanhar.
— Sabe que essa fantástica erva serve para mais coisa, verdade?
— Sério?
Alison assentiu.
— Gilroy... Gilroy!
— O que ouviu.
— É essa a katana?
Satisfeita com a acolhida por parte deles, Alison sem hesitar tirou
de sua bolsa alguns braceletes de prata e deu de presente uma a Glades
e outra a sua filha Leonora. Dar uma linda peça a essas pessoas pelo
modo como a tinham recebido era o mínimo podia fazer.
Alison assentiu. Sem dúvida eram o melhor. Tão bons que parecia
estranho que o filho dela pudesse ter pago uma mercadoria tão
extraordinária.
Era mais que evidente que eles tinham aberto a porta de sua casa
e lhes tinham dado tudo o que tinham, mas atravessavam dificuldades
econômicas, embora o filho, pelo que se via, era outra história. Por isso,
e segura de sua decisão, tirou o bonito broche que seu pai tinha lhe
dado para um caso de urgência e disse olhando ao patriarca:
Satisfeita por saber que sua amiga tinha ido até ali não só para
comprar ervas, Alison sorriu. E, ao perceber que Oswald não queria
nem tocar na joia, insistiu ao ver Leonora rir por algo que sua mãe
dizia:
Alison o olhou. Não quis ser indiscreta com o que via e calou. Algo
lhe dizia que Scott não era trigo limpo, por isso olhou pela última vez o
broche, que como tudo o que ela fazia estava marcado com as iniciais
«F. J.», e metendo-o com dissimulo no bolso da camisa de Oswald,
retrucou:
— Tomo nota do que diz, mas por favor, guarde o broche. É seu.
— O que acontece?
Do que se escondia?
— Isso — respondeu.
— De quem se esconde?
Sem perceber de nada do que ocorria com seu marido e seu filho,
depois de deixar Leonora ao comando da barraca de ervas, Glades se
aproximou das jovens e as animou a retornar a sua casa. Ali estavam
os cavalos que deveriam voltar para hospedaria do povoado vizinho.
Glades suspirou.
— Este meu filho é muito inquieto. Mas asseguro que seja o que
aconteça possivelmente resolverá hoje com um par de murros.
— Vai com Leonora para casa já! E não saiam até que eu chegue.
— Mas, pai...
Ela assentiu.
— Briana!
— Não... não nos deixe, por favor... por favor... por favor...
— Will...
Will encolheu os ombros. Seu tio nunca se deu bem com seu pai
e, sem saber o que responder, ouviu que Alison acrescentava:
— Levá-los a seu tio, que pelo que parece vive em Saint Andrews,
e se por alguma razão isso não puder ser, terei que buscar um lar para
eles e Sigge.
Sua amiga, ao ver como ela olhava as crianças, que riam junto à
Matsuura e Gilroy, comentou então sem se conter:
Ouvir isso era bonito, mas duro, por isso Alison, com os olhos
cheios de lágrimas, levantou-se para que ninguém visse e perguntou
virando-se:
Ela fechou os olhos. Não podia contar a verdade. Não podia dizer
que era a filha do pirata Moore, essa que todos acreditavam que matava
às pessoas para posteriormente utilizar seus crânios como terrinas
para a sopa, por isso tomando ar respondeu:
— Porque, além disso, não sei cuidá-los. Não sou uma mãe nem
sei o que é o que faz uma mãe. Por desgraça, a minha morreu sendo eu
era um bebê recém-nascido e não tenho muitas referências.
— Demelza, pelas coisas que conta sinto que nem sua vida nem a
minha foram fáceis. Mas digamos que minha vida esteve marcada por
certas circunstâncias que não quero que danificassem o futuro desses
pequenos.
— Que circunstâncias?
Alison olhou a jovem ruiva nos olhos. Algo em seu interior lhe
dizia que podia confiar-se nela, justificar-se. Que ela nem ia se assustar
nem ia afastá-la de seu lado. Mas, consciente de que revelar seu
segredo poderia pôr em perigo a vida de Gilroy e de Matsuura,
finalmente murmurou:
Alison sorriu. Cada vez que alguém lhe dizia algo bonito temia
mais a reação dessa pessoa se soubesse realmente quem ela era. Por
isso, baixando a voz, respondeu:
— Quero que saiba que estes dias Harald pensou muito em você.
— E como sabe?
— Porque o conheço.
A jovem sorriu, gostava de ouvir isso; que ele tivesse pensado nela,
como ela tinha pensado nele, isso era incrível.
— Alison — acrescentou Demelza, — algo me diz que, assim que
Harald se dê uma oportunidade e saiba que sua vida junto a você não
tem por que ser um problema a não ser uma bênção, mudará de
atitude.
— Por quê? Acaso agora vai ser tão cabeça dura quanto ele?
Alison sorriu.
— Foi muito bonito o que fez por Glades, Oswald e sua família. —
Alison a olhou e ela continuou: — Vi como colocava o broche no bolso
de Oswald. Sem dúvida, quando o homem o encontrar, terá uma
surpresa!
— Isto é teu.
Sua voz, rasgada pela dor, fez com que Alison o abraçasse e
murmurasse:
— Como a boa nórdica que era, Glades sempre me dizia que devia
ver a morte como parte da vida. Meu filho era um bom moço, mas faz
tempo começou a frequentar certas companhias que o fizeram mudar.
Tornou-se ambicioso e... e...
Não pôde continuar, pois a angústia pôde com ele. Sua mulher.
Seu filho. Perder a dois seres queridos em um mesmo dia era algo que
nunca teria imaginado, e Alison o abraçou de novo.
— Porque eram.
— No que se apoia?
— Oswald, por favor, por que está tão seguro de que eram eles?
— Sei que colocou o broche em meu bolso, mas não posso lhe
devolver porque quem originou este massacre me obrigou a dizer que
os piratas eram homens do capitão Moore e de sua filha sanguinária.
— O quê?
Alison não deu crédito ao que ouvia; do único homem que tinha
que escapar estava morto, por isso, sem poder conter-se, perguntou:
Ouvir esse nome a fez amaldiçoar. Estava claro que ele sabia que
ela tinha tido algo na morte de seu amigo Conrad, daí que os culpasse
do ocorrido.
Conrad estava morto, mas agora era Julian quem podia lhe
causar problemas. E embora isso não devesse lhe importasse muito, o
que lhe importava era que jogasse a culpa em seu pai e a ela pelo
ocorrido.
— Mas esse não é o que estava o outro dia na festa dos clãs com
Conrad McEwan?
A ruiva sorriu.
— Acompanhar-te-ei, Aiden me matando ou não.
— Demelza!
— Alison!
— Alison!
— Já verá!
— Entremos!
Tomando ar, as duas mulheres, que estavam vestidas com calças,
entraram na taberna. Como era de esperar, o local estava cheio de
homens e prostitutas, que, ao vê-las, rapidamente começaram a
importuná-las.
Dolorida pelo golpe, mas sem mudar seu trejeito feroz, Alison
assentiu e, sorrindo de uma maneira que Demelza não conhecia, falou
alto e claro para que todos a ouvissem:
— Dançaria, mas sobre sua feia tumba — replicou ela, — mas algo
me diz que é tão bastardo e filho de Satanás que nem sepultura
merecerá.
Ouvir isso fez com que ela sorrisse com descaramento e, olhando-
o, exclamou:
— Sim.
— Mariana.
— Pois segue com o que fazia, Mariana. Nós não vamos requerer
seus serviços. Isso sim, que diga a... Como se chama a mulher que está
ao lado do jovem que serve as bebidas?
— Pois lhe diga a que está junto de Beth que nos sirva dois goles.
E bem servidos.
— Sim.
— Duas moedas.
— Vamos. Tome-o.
— Sim.
— Mas é asqueroso!
— Por quê?
— Se gritar, a mato.
— Maldita pira...
— Hoje é seu dia de sorte. Não vou te matar porque preciso que
faça o que peço, mas tenha por certo de que, se voltarmos a nos ver,
não penso ser tão benevolente. E nem pense se aproximar de Oswald
ou de sua filha, buscar-te-ei, cortar-te-ei seu asqueroso pau e o farei
comê-lo, fui clara?
Julian ofegava. A ferida infligida por Alison era dolorosa, por isso,
olhando-a, ia falar quando esta, cravando ainda mais a adaga,
resmungou:
Furiosa, Alison lhe deu um forte bofetão por todo o rosto que fez
com que a cabeça do pirata ricocheteasse contra o chão e este perdesse
a consciência. Ao vê-lo imóvel rapidamente comprovou se respirava e,
como o fazia, murmurou:
— Quando despertar lhe diga que mais vale para ele fazer o que
eu disse ou pagará as consequências.
Dito isto, Demelza e ela olharam para a rua. Lançar-se dali era
uma temeridade, mas Alison, acostumada a esse tipo de fugas, subiu
ao batente da janela e, ao ver como os móveis que seguravam a porta
se balançavam, disse segurando-se em um pau que me sobressaía da
fachada:
— Subamos.
— Ao terraço?
— Provavelmente.
— E por que quer que desminta que não foi capitão Jack Moore
que fez o massacre? O que você tem com esse pirata?
— Mas, Demelza...
— Aiden...
Peter, que como todos tinha sido testemunha do que elas tinham
feito, retrucou olhando-o:
— Estão bem. Não lhes aconteceu nada, Aiden. Pare com isso.
— Por Deus, Harald. Acaso a prudência não foi algo que seu pai
ensinou a esta mulher?
— E quem é esse?
— Juro por Deus que a agonia que me fez sentir me vai pagar por
isso.
Demelza sorriu. Seu marido era dos que explodiam, mas, por
sorte, se ela utilizasse as palavras adequadas, em seguida tudo
passava. Conhecia-o, e olhando-o afirmou:
— Ninguém importante.
— Dói?
— Não.
Aquela mulher, com sua beleza, sua força, sua proximidade, seu
descaramento, o fazia comportar-se como um menino. E Alison,
entendendo seu trejeito sério como desagrado, deu um passo atrás para
afastar-se dele enquanto tocava a ferida da coxa e acrescentava:
— Nem Jack Moore nem sua filha tiveram nada que ver com o
ocorrido. Fomos atrás de um homem chamado Julian Andersen. Ele e
sua gente são os culpados pelo massacre. Oswald me confessou que
Julian tinha exigido que ele culpasse os Moore ou mataria Leonora.
Aiden, que já tinha dado a ordem a dois de seus homens para que
comprovassem se essa noite haveria o desembarque dos escravos,
pegou a sua mulher pelo braço e ordenou:
Alison se negou, mas Harald, que cada vez mais tinha menos
paciência pela maneira de proceder dela, insistiu pegando-a pelo braço:
— Vamos.
— Não!
Por alguns segundos, ninguém disse nada. Ficou claro que o nível
de teimosia daquela mulher era desesperador, então, finalmente
Harald, subindo em seu cavalo, declarou contendo o fluxo de emoções
que fervia dentro dele:
— Provavelmente.
E, sem mais, quase todos deram meia volta sobre seus cavalos e
começaram a afastar-se.
Harald e Alison, em silêncio, olharam-se nos olhos por instantes.
O que lhes ocorria? Por que se olhavam dessa maneira e sempre
terminavam discutindo?
Então ela, para cortar o momento íntimo e que ele partisse como
os outros, soltou:
— Adeus... tolinho.
— Se adiante.
— O quê?!
— Mas...
— E se tivesse acontecido?
Ver a preocupação em seu rosto cativou a jovem; Aiden a protegia,
cuidava-a e mimava. Levantou-se da cama, sentou-se no colo dele
vestida somente com uma camisa e retrucou:
— Por quê?
Um beijo...
Dois...
— Sua sobrinha?
— Sabia.
Isso lhe fez entender que a jovem ainda não estava preparada para
isso e, tomando ar, acrescentou:
A menina, que estava junto de seu irmão Will, não disse nada, e
então este murmurou olhando-a:
Alison olhou a seu redor. Ali tinha de tudo que alguém pudesse
precisar e, ao ver como a pequena olhava um casaco de lã grossa de
um branco imaculado, perguntou-lhe:
— Você gosta?
Briana assentiu. Era o casaco mais bonita que tinha visto na vida.
— O que acha?
— Eu gosto muito.
— É perfeito.
— Você gosta?
Alison sorriu. Andar esclarecendo que Briana não era sua filha
era mais difícil que deixar que assim acreditassem, por isso assentiu.
— Chegamos.
— De acordo.
— Tenho medo.
Comovida, Alison ia falar, mas Will repreendeu sua irmã com cara
séria:
— O que querem?
— Sou Enke.
— Encantada, Enke.
— Mas...
— Está bem?
— Insuportável.
— Alison!
— Já sei que você não promete — disse a ruiva com ironia, — mas
não pensei que fosse tanto assim.
Surpreendida por ver eles por ali, Alison não soube o que
responder, e Demelza cochichou:
— E o que é isso de que é a sobrinha do governador e não me
havia dito?
— Pois saiba que seu tio e sua tia também estão aqui —
acrescentou a ruiva.
Mas ela, ao ver que apontava uma outra, insistiu disposta a ver
seu tio Marco:
— Prefiro essa.
Alison, vendo como seria difícil falar com ele ali, perguntou-lhe:
— Bastante boa.
— Isobel, calma.
— Como que «calma»?! Acaso não veem o perigo que correm? Esse
sujeito, Julian, sem dúvida voltará a aprontar e...
— Não voltarão...?
— Isobel...
— Mas...
Alison assentiu e seu tio, depois de lhe piscar um olho, partiu com
dissimulação.
— Olá, Evander.
Alison assentiu.
— Por Tritão, olhe para aquela mulher, ela tem um bonito cabelos
claros, como você gosta, e se esqueça de que existo!
Isso fez com que todos se olhassem. Aquilo parecia uma rixa de
apaixonados, e Demelza, tentando apaziguar os ânimos, mudou de
assunto.
— Alison, Aiden ordenou que vigiassem El Tritón Rojo e pôde
comprovar que o que dissemos era verdade.
— Não lhe contei que era meu tio, mas disse que o revistaria.
Mas o que lhe ocorria justo com aquela mulher, que mentia com
mais frequência que respirava?
Depois da refeição, o governador e sua mulher partiram para
descansar. Estavam esgotados.
— Acompanhá-la-emos.
— Certeza que não te sairá urticárias por ter que aguentar minha
presença?
— A você eu direi.
— Não.
— Não.
— Pois deveria.
— Por quê?
Divertida, ela sorriu e, feliz por estar mantendo uma conversa com
ele, continuou:
— Sabe o que diz meu pai sobre minhas perguntas? — Desta vez
Harald negou com a cabeça, e ela endurecendo a voz para pô-la rouca
disse: — «Maldita seja, Alison, com tantas perguntas me deixa doente!
Fecha de uma vez essa boca cheia de dentes que tem, antes que eu
mande costurá-la para sempre!».
— Imagino que ele fará isso quando não puder suportá-la mais —
soltou para comprová-lo.
Cada vez que Harald ria, seu rosto se iluminava de uma maneira
incrível, e depois de intercambiar um divertido olhar com Demelza,
Alison falou fechando os olhos:
Uma forte rajada de vento, unida à sensação que lhe provocou seu
hálito perto do pescoço, fez a jovem estremecer.
— Um pouco... na verdade.
— Obrigada.
— Terá que pegar a estrada da direita para chegar até o lugar onde
ficaremos noite.
— Pelo vento, e porque vêm chuvas fortes. Essa árvore, por grande
que seja, não os cobrirá.
— Fala japonês?
— Eu sou Will.
— Como se chama?
— Chama-se Briana.
— Pois agora, minha linda lady Briana, estamos aqui para ajudar
o Will a te proteger.
Alison sorriu. Nunca tinha havido uma chuva que não gostasse e,
abrindo os olhos, ao ver como ele a olhava com gesto de recriminação,
replicou endurecendo o tom:
— Saberá você o que eu gosto ou não?
— E eu disse «tempestade».
— Viva a chuva!
— Mas...
— Demelza — insistiu Aiden, — é necessário que vá na frente e
peça que preparem dois quartos a mais. Eu ficarei com Harald para
ajudá-lo se for necessário.
— Isso parece.
— Volto em seguida.
Sem tempo que perder, nem de pigarrear, Alison foi fazer aquilo
que ele tinha pedido enquanto Harald e Aiden, apesar de que a carroça
se deslocava arrastada pelo vento, entravam nela para tirar as crianças.
Sob o peso do corpo do viking, que estava sobre ela, com o rosto
cheia de água e de barro, Alison abriu os olhos e Harald sibilou furioso:
— A caixa de joias...
— Mas...
— Vamos!
A jovem suspirou.
A cada instante mais martirizada por isso, Alison não soube o que
dizer, mas então Will interveio:
— Briana, sei que ama Pousi, mas se tivesse que salvar a ela ou a
mim, a quem escolheria?
— A você.
— Acredito que o melhor será que subam tinas aos quartos e...
Ele assentiu feliz por aquele detalhe; Harald olhou para Alison
sem reparar no sentimento de culpabilidade que ela sentia por tudo, e
perguntou furioso:
— Harald — cortou Aiden, — tem toda razão, não vou discutir por
isso. Mas acredito que agora é momento de acalmar-se e não de
reprovar. Essa moça fez errado e sabe. Não a martirize mais por isso.
O viking compreendeu o que ele dizia e assentiu, quando a porta
da entrada da hospedaria se abriu e entraram Matsuura, Evander e
Gilroy. Matsuura, por não ver Alison e as crianças, ia perguntar quando
Aiden disse:
O japonês assentiu.
— Emprestou-me Harald.
Com alegria por vê-los assim, Alison terminou de secar Sigge, que
não parava de fazer biquinho para que ela a acariciasse com os dedos;
sem dúvida a pequena estava mudando sua vida.
— Não.
— Isso.
— Como estão?
— Alison nos dizia que quer o melhor para Sigge e para nós e por
isso quer nos encontrar um lar, mas... mas eu não entendo por que ela
acredita que não é a melhor para nós, quando é boa, carinhosa, cuida-
nos e sinto que nos ama.
— Will tem razão. Por que lhes buscar um lar se já tem você?
Alison deixou então à pequena Sigge em nos braços da amiga e,
levantando-se da cama, respondeu:
Demelza assentiu; sabia que sua amiga ocultava algo. Não sabia
o que era, mas sem dúvida isso a martirizava. Para fazê-la sorrir, disse:
Demelza assentiu. Sabia o que via como todos também viam, mas
voltando para assunto que anteriormente falavam, prosseguiu:
— Provavelmente.
— Simmmmmmm — gritou Briana fazendo-os sorrir.
— Alison...
— Hei... pensei falar com Demelza e Aiden. Sei que têm uma filha
pequena, vivem em uma casa enorme e possivelmente poderiam cuidar
dos pequenos. Ou... ou, se não, falar com Thomas e Regina, talvez eles
pudessem.
— Shensi...
Ela assentiu, não podiam fazer outra coisa, e, depois de lhe dar
um beijo na bochecha do tio e este beijou as crianças na testa, Gilroy
e Matsuura partiram. De novo, a sós com as crianças, a jovem falou
olhando-os:
Will e Briana, que tinham ouvido, apesar de que ela tenha tentado
que não fosse assim, fecharam os olhos sem perguntar nada e,
abraçados, adormeceram.
— Se vai seguir me dando bronca por tudo o que acredita que faço
de errado, tenho que te dizer que...
— Pode-se dizer que por enquanto têm tudo de que precisam, sim
— afirmou a jovem.
— Sinto muito não ter dando atenção a seu aviso. Por minha
culpa, coloquei as crianças e tio Matsuura em perigo. E eu... eu... Pelas
barbas de Netuno! Não poderei me perdoar por isso. E ainda por cima
perdemos Pousi...
— Me olhe, Alison.
— Ora, mas...
— Obrigada.
Durante horas tinha lutado para não vir vê-la, para não ir a seu
quarto, mas tinha sido em vão. A vontade de repente lhe falhou e ali
estava. A sós com ela, naquele quarto, olhando-a e desejando-a como
a bastante tempo não desejava ninguém, por isso, dando um passo
atrás, murmurou:
— Melhor eu ir.
A atração que existia entre eles crescia a cada instante sem que
nada nem ninguém pudesse evitar e começava a ser incontrolável.
— Alison...
Mas ela negou com a cabeça. Não queria escutá-lo. Não queria
sua rejeição. Não importava o que pensasse dela. Precisava-o como não
tinha querido a ninguém no mundo, e afirmou:
— Se o desejo que sente por mim for tão forte como o que eu sinto
por você, dificilmente poderá freá-lo.
— Sei. Sei tão bem como você — murmurou ela em um fio de voz.
Mas sem afastar-se dele insistiu: — Mas sou uma teimosa
irresponsável e, ante isso, pouco posso fazer.
— Tem certeza?
Ela assentiu. Não tinha estado mais segura de nada em sua vida.
Para Harald, saber que ela não era uma mulher inexperiente e
sentir como se movia para lhe exigir mais, deu-lhe o beneplácito de
possui-la com deleite. O lugar não era o mais cômodo do mundo, mas
sem hesitar fizeram amor de tal maneira que, quando ambos
alcançaram o clímax, olharam-se nos olhos e sorriram.
Suas palavras.
Seu olhar.
Mas como era tão tola? Por que tinha se deixado levar pelo que
sentia? Por que tinha acreditado entender nele o que não era?
— Não.
— Não?!
— Porque o que acaba de ocorrer entre nós foi algo que ambos
procuramos.
Isso a fez sorrir e, recordando algo que seu tio Edberg tinha
contado a respeito dos costumes nórdicos, perguntou:
— Sim.
— Tenho mulher.
— É complicado.
— Por quê?
Surpreso por ouvi-la dizer isso, ele indicou então com um sorriso
triste:
— Não.
— Dize-o de verdade?
— Totalmente de verdade.
Harald suspirou.
Harald piscou.
— Conrad McEwan?!
Ela assentiu.
Sem sair de seu espanto, Harald não sabia o que pensar; a jovem
sem dúvida era diferente de todas as que até este momento tinha
conhecido. Tentando pôr em ordem seus pensamentos, perguntou
confundido:
— Quem é Iemanjá?
— A deusa dos mares — disse Alison, e incapaz de calar
acrescentou: — Certamente sente mais curiosidade por saber quem é
ela do que pelo que eu te acabo de dizer.
— Dize-o de verdade?
— Só disse...
Ver sua expressão e ouvir seu tom fez com que a jovem se desse
conta de seu erro, e sussurrou:
— Mas...
Que fazia pensando de novo nela? O que lhe tinha acontecido para
chegar a esse ponto?
— Não.
— Foi algo íntimo que ela me contou. Não é para ir falando por aí.
— Harald...
— Não diga nada — replicou ele ao ver como o olhava. — Sei que
me disse mil vezes que tire este anel, mas não penso fazê-lo. É dela e...
— Fui sincero com Alison como ela o foi comigo. Não pretendo que
essa moça espere algo de mim que eu não estou disposto a dar.
— E...?
— Tem o governador. Ele e sua mulher são seus tios, acaso não
vão cuidar dela?
Demelza suspirou. Ela também tinha pensado nisso, mas,
desejosa de revolver os sentimentos de seu cunhado, aventurou-se a
dizer:
Ela assentiu, sabia que o que havia dito era uma provocação, mas
continuou:
— Provavelmente.
— Ora... ora...
— Que Alison me atraia como mulher não quer dizer que desejo
me casar com ela.
— E...?!
— E prometeu a Ingrid.
Ele soprou.
Demelza riu.
— Que tenhamos nos encontrado esta noite não quer dizer nada.
Simplesmente ocorreu algo que ambos desejávamos, como pessoas
adultas que somos. Nada mais.
— Nada mais?
— Sei que aceitou a morte como parte da vida, mas por que não
deixa Ingrid partir? Por que continua querendo tê-la segura pela mão?
— E...?
— Não.
— Por quê?
— Nem Alison é mulher para mim nem eu sou homem para ela.
Não quero a meu lado uma moça ousada que me tire a paz e a quietude.
— Ela ia protestar, mas ele prosseguiu: — Sim, Demelza, sim. Alison é
como você. Uma louca irresponsável que me traria mais que problemas.
E não estou disposto a passar a vida preocupado com ela, como Aiden
se preocupa contigo por culpa de suas loucuras.
— Viu? Digo-te algo que é verdade, algo que é incômodo para seu
marido... e você ri!
Ela suspirou.
— Maldita irreverente.
— Maldito cabeçudo.
— Pense. Está sozinho e tem uma casa linda e enorme para que
possam viver comodamente você, ela e as crianças...
— Eu disse que não.
— Harald!
Ver sua carranca fez com que Demelza desistisse. Não obstante,
desejosa de fazê-lo ver que se estava equivocando, mudou de tática e
murmurou:
— Obrigado.
— Assunto resolvido.
— Agradeço-lhe isso.
Sem entender o que queria fazer agora, Harald ia falar quando ela
acrescentou:
— O quê?!
— Também pensamos que, como é uma mulher bastante
independente, poderia ocupar alguma das cabanas vazias que há ao
oeste das terras. Essa seria uma excelente opção para Alison, já que
poderia conhecer algum dos homens solteiros que vivem por ali e
formar uma família.
A diferença entre elas era que enquanto Ingrid era uma jovem fácil
de conduzir e que basicamente pensava em estar sempre bela e usar
bonitos vestidos, Demelza era uma cabeça dura intratável que tão só
tinha em mente como brigar para sobreviver vestindo calças.
E se não fossem bem tratados? E se, por causa de que ele não os
aceitasse em seu lar, esses pequenos sofreriam?
— Ingrid... meu amor. Sei que te prometi ser feliz, Mas como sê-
lo sem você?
Harald tocou o rosto. Falar com Ingrid era algo que fazia quase
todos os dias, e prosseguiu:
— A resposta é sim!
Harald piscou.
— Alison, escute.
Para aonde queria retornar, se sempre havia dito que não tinha
um lar?
Uma vez ali, despertou-os e fez com que Gilroy ficasse para cuidar
das crianças, enquanto ela e Matsuura retornariam ao lugar da
catástrofe.
— É Pousi.
Matsuura não disse nada, sabia da culpa que ela sentia pela
perda da boneca. Então viu Harald ao longe.
— Não, «Alison», não! Acreditei que poderia viver aqui, mas... mas
me equivoquei, e o melhor que posso ou podemos fazer é retificar isso.
Harald, que como ela não tinha fechado os olhos por toda a noite,
afirmou então:
— Nada.
— Não.
— Que desastre!
— Pois terá que esperar, porque primeiro quero falar com Aiden,
Demelza e meus tios.
— Se eles disserem que não, espero que você e Thomas digam que
sim.
— Não.
A jovem soprou.
— E você?
— Eu, o quê?
— Desaparecerão?
— Sim.
— Provavelmente.
— Por que disse a seus tios que eles sabem melhor que ninguém
o porquê da recusa?
— Mulher, desespera-me!
Ela sorriu com humor e, quando ia soltar uma das suas, o loiro
insistiu:
— Mente.
— Se cale!
Não pôde dizer mais. Com uma rapidez que deixou a todos
boquiabertos, Alison se levantou, colocou-se diante dele e sibilou
furiosa enquanto apertava os punhos:
— Tem medo.
Foi dizer isso e o que ocorreu a seguir deixou todos sem palavras.
Enfurecida, Alison se inclinou e deu-lhe uma cabeçada no nariz que o
fez gritar de dor.
— Sabia. Eu sabia.
Horrorizada pelo que tinha feito, ela não soube o que dizer. Por
que era tão bruta às vezes? Por que tinha dado uma cabeçada em
Harald?
— No Keith você mesma poderá dar o lar que tanto reclama para
as crianças e não terá que deixá-los. Ali há lugar para todos e...
— Nem pensar!
— Que belo galo ficará. Como pode ser tão bruta? — Ela não
respondeu, e ele acrescentou: — A proposta do viking é a melhor que
ouvi.
— Tem mulher?!
Rapidamente Alison lhe contou o que sabia e, quando finalizou,
acrescentou:
— Diga-lhe e saberemos.
— Enlouqueceu?
Matsuura sorriu.
— Eu sinto que você não vai ficar entediado com ... «ninguém».
Demelza, sem entender muito bem por que havia dito, afirmou:
— E se houver?
Alison soprou. O que devia fazer? Era boa ideia dizer que seu pai
era Jack Moore? Devia pôr em perigo os que a amava, por um amor
não correspondido ou seria melhor se calar?
— Pelo amor de Deus, Harald, como te ocorreu dizer que não vai
dar amor?
— Veem comigo.
— Não.
— Alison, se tranquilize.
Mas de onde ela tirava tudo o que saía por sua boca? Pensou
Harald.
Tentando não perder a compostura, e disposto a aguentar o toró16,
apoiou as costas na porta sem deixar de olhá-la. Dali não ia sair até
que o escutasse.
Alison soprou.
— É um convencido!
Ele riu de novo. Em todos os anos que tinha estado com Ingrid,
jamais havia sentido a tensão terrivelmente arrebatadora que sentia
por essa moça; então, recordando retrucou:
— Não me tente.
Um beijo... dois...
— Foi incrível.
— É um convencido!
Horrorizada pelo que tinha tentado fazer, ao ver que ele tocava o
nariz perguntou:
— Dói?
A jovem piscou.
— Provavelmente.
— Por que disse a seu tio Matsuura que devia retornar ao lugar
que nunca devia ter partido? A que lugar se referia?
— Não o entendo.
Harald não disse nada. Teria adorado que se recostasse nele, mas
olhando-a aos olhos, declarou:
— Ora.
— Disse-lhe que entre você e eu nunca haveria nada. — Desta vez
Alison não disse nada, e ele prosseguiu: — Demelza me comentou que
Aiden e ela tinham falado sobre você e que, desejosos de ajudar, tinham
pensado em te oferecer um lar no Keith. No começo, por tê-la perto não
me pareceu bem. Se não queria nada contigo mesmo me sentindo
atraído por você, ver-te frequentemente poderia ser complicado. Mas
pior me pareceu quando Demelza me deu a entender que outros
homens poderiam cortejá-la no Keith. Entre eles, Peter ou Evander.
A jovem esperou que ele acrescentasse algo mais, mas quando viu
que não o fazia, insistiu:
O viking assentiu, mas, sem lhe dar tempo para pensar, retrucou:
Alison não respondeu. Ela não pedia nada, por que ele tinha que
fazê-lo?
Estava pensando nisso quando Harald, notando algumas das
cicatrizes que ela tinha no corpo, ia perguntar a respeito quando ela
replicou:
— Eu nunca prometo.
— Nada.
Isso o inquietou. Por norma, ele como homem, era quem possuía
às mulheres. No prazer da carne ninguém nunca o havia possuído. E,
quando ia protestar, ela murmurou mostrando a pedaço de tecido:
— Não se mova.
— Só contigo?
— Quando digo que não posso te dar amor, mas posso te dar um
lar, quero dizer que por enquanto posso te dar isso: prazer. Não sei se
amor algum dia existirá entre nós, mas acho que o desejo que ambos
sentimos pode ser um bom começo.
— Harald...
— Não.
— Não.
Casar-se com alguém que não a amava e que não sabia quem
realmente ela era, não era uma boa ideia. Mas, consciente de que Sigge,
Will e Briana poderiam ter um bom lar junto de Harald quando ela
partisse, propôs sem hesitar:
— O quê?!
Alison assentiu.
— Falaremos com Peter, Aiden, Demelza e meus tios. Pediremos
a colaboração para que a mentira seja acreditável e assunto
solucionado.
— Por Tritão! Ouvir isso me faz sentir como uma rameira. Primeiro
te encurralei no estábulo, e agora o possuo na banheira...
— Não continue.
— Não me respeita?
— Claro que sim — disse ele surpreso por sua pergunta. — O que
acontece é que você e ela são muito diferentes.
— Em meu país é algo que se faz pela pessoa que ama. Concede-
lhe desejos sem que os peça. Isso é uma prova de amor.
— É.
— Provavelmente.
— Agora?!
Ela assentiu.
— O que ouviu.
— Enlouqueceu?
— Provavelmente.
— Afinal serei mais pagã que você. — Ele seguiu sem falar; com
essa mulher tudo era precipitado e louco. Então ela acrescentou: —
Tenhamos nossas bodas em particular. Um enlace diferente como
nunca visto antes. Tanto faz se dura uma semana, dois meses ou três
anos.
— Dizê-lo de verdade?
— Totalmente.
— Nunca te pediria que fizesse algo assim porque isso é algo que
você tem que decidir. — Harald respirou fundo e ela, tentando que
voltasse a sorrir, disse então com graça: — Nossos anéis serão
imaginários e, se nos dermos bem, possivelmente algum dia dar-te-ei
de presente um de verdade.
— Provavelmente!
— Casamo-nos ou não?
Sem hesitar ele assentiu e a seguir ela começou a dizer:
Alison, por sua parte, foi sincera com Gilroy e Matsuura. Contou-
lhes que tinha aceitado fazer crível a mentira para assegurar um lar as
crianças junto a um bom homem e que tinha certeza de que as crianças
adorariam, embora evitasse falar de seus sentimentos para com ele.
Sabia que iludir-se com Harald não fazia muito sentido porque o
coração dele já estava ocupado.
Por fim, todos partiram para Keith e decidiram subir a costa para
acompanhar Regina e Thomas em um trecho da viagem.
Aiden assentiu. Sem dúvida assim Harald seria muito mais feliz.
— Assim, como?
Harald o olhou.
— Ouça...
Ele não respondeu, o certo era que não sabia nada dela.
— O horizonte!
— Demelza acertouuuuuuuu!
— Em segundos a seguirei.
— Fique aqui.
— Retornará agora?
— Ouviu?
— Mas, moça...
Ela sorriu a sua vez e, de repente, seu pai surgiu entre a névoa e
exigiu olhando-a:
— Por Tritão, papai, que diabo faz aqui? Acaso não sabe que corre
perigo?
— Já começamos!
— Papai...
— Casou-se?!
— Provavelmente.
— Com quem?
— Papai...
— Harald?!
Alison sorriu. Apesar de que suas bodas eram fictícia, não havia
para ela nada mais real e, olhando-o, afirmou:
— Papai, amo-o.
— Que o amo.
— Tolices!
— E ele a ama?
— Você também.
— Pelo amor de Deus, papai, devem se afastar da costa escocesa.
Disse aos tios que, antes de morrer, o imbecil do Conrad McEwan tinha
feito correr a voz de que andavam por perto e...
— Papai...
Ele negou com a cabeça. Mas acaso sua filha tinha perdido a razão
em terra?
Ela suspirou. Nos dias que estava casada com Harald tinha
pensado nisso em várias ocasiões, mas, como ainda faltava algum
tempo para retornar, esclareceu:
— Sinto muito, Shensi, mas não restou outro jeito que trazê-los.
— Não fale assim com Francesca se não quiser que arranque sua
cabeça.
— Alison, não sei o que faz aqui com esta gente, mas vai me
explicar isso.
— Harald...
— Papai!
— Mas não nos havia dito que seu pai tinha morrido?
— Quem é esse governador e por que a mulher diz que é seu tio?
Ouvir isso fez com que Jack Moore olhasse a jovem e exclamasse:
— Papai...
— Robert Williamson...
Alison observou com curiosidade seu pai, que ainda não tinha
reagido, e precisando ser sincera, declarou:
Alison sorriu. O passado não podia ser mudado, mas sem dúvida
o futuro se podia melhorar.
Ver a carranca de sua filha fez com que o capitão calasse e esta
prosseguiu:
— Meu pai, meus tios e eu não somos anjinhos. Não vou negar
que em algumas ocasiões abordamos algum navio e nos defendemos
quando nos atacam ou pretendem nos machucar. Mas tampouco
somos demônios como dizem. E mais, estou convencida de que vocês
tampouco seriam anjinhos se tratassem de defender suas famílias ou
seus pertences, verdade?
— Parece que não, embora nade bastante bem. Mas das histórias
que contam, asseguro-te que é a que mais eu gosto.
— Obrigada...
— Papai, por Tritão! Pode se calar de uma vez? Quero falar com
meu marido.
— Sinto-o — murmurou.
— Não sei, Harald. Mas só teria que ver como me olha agora que
sabe que sou Alison Moore e não Alison Wilson.
— Lembro que disse que tinha sido uma feroz pirata que tinha
sulcado os mares e eu não acreditei. Mas se agora analiso tudo, sua
maneira de ser, sua ousadia, seu vocabulário, você...
— Não.
— Já sei. Sei tão bem como você. Mas quer seguir estando comigo?
— Não sei.
Harald olhou a mão que ele oferecia. Diante dele tinha o mítico e
temido pirata Jack Moore, o homem de que tinha ouvido contar
centenas de desagradáveis história; entretanto, estreitou-lhe a mão
sem medo e disse:
— Harald Hermansen.
E então Gus, que como o resto dos piratas ouvia o que ali diziam,
murmurou:
Jack Moore, ao entender as palavras que sua filha lhe havia dito
antes em referência de que ele não perdeu nada, perguntou:
— Não se mova.
— Mas, Aiden...
Seus tios assentiram, sem dúvida tinha razão, e ela, vendo como
seu pai a olhava, insistiu:
— Papai, entenda-o.
— Se cale! — Interrompeu-o.
— Mas...
Não queria que dissesse diante dele e dos outros que amava
Harald quando ele a estava repudiando. E, respirando forte, indicou ao
ver a expressão de seu pai:
— Jurei ante uma garrafa com a mão no coração que durante seis
meses viveria em terra, e já tenho...
— Restam...
— Deixá-los contigo.
— Comigo?!
— Com o quê?
— Com Alison.
— Não sei.
— E com as crianças?
— E ainda por cima Alison é... é... Pelo amor de Deus, é a filha de
Jack Moore!
O viking olhou para a borda. Vê-la fazia com que seu coração se
acelerasse. Estava preparado para que partisse? Realmente queria que
o fizesse? E, seguro de sua resposta, respondeu:
— Pois, amigo, tem alguns dias para esclarecer suas ideias e fazê-
la ver que é contigo que tem que estar e não com seu pai — retrucou
Aiden e, olhando para a praia, sublinhou: — E se não for rápido em
tomar uma decisão, Alison... Francesca... não sei o que mais, vai sentar
em uma dessas barcaças e vai desaparecer de sua vida para sempre. É
isso o que quer?
Jack o olhou.
— Demelza...
— Escute...
— Francesca, vamos!
— Provavelmente.
— Dois meses.
— Francesca!
— Alison, para mim não peço nada, embora não negarei que estar
contigo, como estávamos antes, seria algo bonito. Em troca, te peço que
me ajude a que as crianças vejam minha casa como seu lar e, depois,
o que tiver que ser será.
— Um segundo, papai.
— Provavelmente.
Jack balançou a cabeça. Sem dúvida sua filha ia sofrer por amor.
E, disposto como sempre a dizer a última palavra, declarou:
— Papai!
O ambiente estava muito tenso. E Harald, consciente de que devia
aproveitar ao máximo de tempo com ela, pegando sua mão se
aproximou do capitão e disse:
— Dois meses?
— Sim.
Todos assentiram. Harald, por sua parte, não disse nada. Sem
dúvida tinha que aprender muitas coisas dela e, sobretudo, fazer com
que o tempo de que dispunham fosse tão especial que ela rompesse sua
promessa com seu pai.
A felicidade de Alison pela decisão que tinha tomado se refletia em
seu rosto. A jovem sorria, brincava, enquanto os enganava no referente
a sua partida. Estava disposta a aproveitar o quanto pudesse.
Ninguém, à exceção dos que tinham estado na praia, conhecia sua
verdadeira identidade, e Harald e ela decidiram prosseguir com a farsa
de suas bodas. Por que desmenti-lo?
A jovem sabia que tinha que falar com Will e Briana como tinha
pedido Harald, Sigge ainda era muito pequena para entender, mas
decidiu esperar chegar ao Keith para sentar-se com eles e contar-lhe.
Não ia ser fácil explicar as crianças que ao fim de um tempo partiria
para nunca retornar, mas faria todo o possível para que eles
entendessem. Contava com o apoio de Harald, e era agradecida.
Ter tido e continuar tendo o carinho dos dois era primordial para
a jovem, e, olhando-os, declarou emocionada:
— Merece ser feliz e isso seu pai deveria entender. Imagino que,
se me custa separar de você, mais deve lhe custar a ele. Mas,
precisamente como seu pai é, deveria se animar para que lute por sua
felicidade e não exigir que você retorne a ele.
— Outra vez?
— Mas as crianças...
— Sim.
— Tanto que a amo e senti sua alta e só tem vontade de estar com
seu tio me parte o coração...
— Por quê?
Hilda suspirou.
— Meu amor...
Will e Briana, por sua parte, olhavam tudo a seu redor, mas
calados que o habitual. Todo aquilo era novo. Estar em uma fortaleza
como aquela os impressionava muito porque, enquanto viveram com
seus pais, sua casa era uma cabana de barro com um teto, nada que
ver com isso. Peter McGregor, ao vê-los olhar a seu redor, aproximou-
se deles.
— Tenho medo.
— Certeza?
Ela assentiu e, depois de olhar para Peter e ver que este sorria,
perguntou:
E Alison acrescentou:
O viking não soube o que dizer, mas Alison afirmou com prazer:
— Bem-vindos ao lar.
Matsuura, que como Alison nunca tinha tido nada para ele, pois
quando vivia em La Bruxa del Mar simplesmente ocupava uma parte
de chão para dormir, assentiu espantado e retrucou surpreso pelo
oferecimento:
— Ninguém vai vir aqui por você, porque nem eu e nem nenhum
McAllister ou McGregor vai permitir, de acordo, céu?
— É linda.
Harald, comovido como ela olhava tudo, pegou-a então pela mão.
— Sempre ouvi dizer que traz boa sorte cruzar a soleira de sua
casa com sua mulher nos braços na primeira vez.
A jovem gostou de ouvir isso. Nem no melhor de seus sonhos tinha
imaginado que alguém fizesse algo tão romântico por ela, mas Harald,
desprezando a ideia, acrescentou:
— Totalmente desnecessário.
— Eu o fiz.
— Sim.
— E o que diz?
— Ora...
Ouvir isso não era o que Alison esperava. Ingrid outra vez. Mas,
consciente de que não podia queixar-se, pois era a casa de Harald e
não a dela, finalmente sorriu.
— Se eu quiser?
O viking assentiu.
— Por quê?
— Nem imagina os esforços que tenho que fazer para não ser tão
louco quanto você.
— Que preciosidade.
— Que maravilha!
— O que é isso?
Harald tinha razão. Quem era ela para dizer aquilo quando
partiria ao fim de pouco tempo? Então, esboçando um desconcertado
sorriso, respondeu:
— Ingrid, sei que você não tem culpa de nada, mas por Iemanjá,
prometo-te que antes me enveneno que voltar a me queixar por nada
que tenha que ver contigo.
— É um excelente cozinheiro.
— Refere-se a cozinhar?
— Dizia de verdade?
— As mulheres cozinham...
— Não.
Isso incomodou ao viking. Cada vez que recordava que ela teria
que partir, ficava doente. Por isso, evitando dramatizar, retrucou:
— Sim.
— Curioso — respondeu.
Ela negou.
Ela assentiu.
— É um pirata árabe que não se dava muito bem com meu pai.
Mas, por sorte para mim, papai e sua frota o abordaram perto da
Madagascar e ele pagou a ousadia de me raptar.
— Te raptar?
Alison ironizou:
— Meu pai?
— Sim.
— Provavelmente — afirmou ela. — Você alguma vez se
equivocou?
— Isso a honra.
— Não sei.
— Harald...
— Me responda.
— Por quê?
— Não acredito que no navio de seu pai seja mais necessária que
aqui — retrucou ele. — Aqui estão as crianças.
— E eu?
As asas do seu coração bateram acelerados. Que perguntasse
aquilo era, como pouco, inédito, e sussurrou esperançosa de que lhe
dissesse o que ela desejava:
— Você, o quê?
Emocionado pela luta que havia entre sua cabeça e seu coração,
o viking se levantou e, pegando a jovem em seus braços, afirmou
enquanto se encaminhava para seu quarto:
Mas o que o povo não via era que, naquela casa, e não só no
coração de Harald, vivia também outra mulher. A casa estava cheia de
lembranças de Ingrid que ele trouxe da Noruega e, embora Alison as
apreciava, de certo modo a entristeciam, pois, em certas ocasiões vê-lo
parado diante deles, olhando-os, a fazia saber que estava pensando
nela.
— Pois foi uma grande queda — disse Alison olhando-a aos olhos.
— Como se chama?
— E seu... conhecido?
— Armstrang.
— Armstrang McAllister?
— Esse homem merece ser tratado com a mesma dureza com trata
você.
De repente, a mulher se ajoelhou, começou a chorar com
desconsolo, e Alison, caminhando com ela para uma rocha, fê-la
sentar-se para que se tranquilizasse. Entretanto, enquanto tentava,
descobriu novas lesões nela, e se enfureceu ainda mais.
Alison, comovida, não sabia o que dizer. Sua situação não devia
ser nada agradável, e, levantando-se, disse:
— Me acompanhe.
— Aonde, milady?
— Vamos ver Harald para contar-lhe ou, se não for ele, Aiden e
Demelza McAllister.
— Por quê?
— Tem um amigo que, como pode ver, não é nada afetuoso com
ela.
— Obrigada, Matsuura.
— Tio Matsuura tem razão. Não acredito que isso seja vida. Pense
sobre isso.
— Esperam-lhe?
Desde que as crianças e Alison estavam com ele, sua vida tinha
mudado em todos os sentidos. Os pequenos demandavam seu carinho
e o enlouqueciam com suas carreiras, seu vozerio e suas risadas.
Matsuura e ele se entendiam maravilhosamente bem, e Harald
percebeu a estupenda conexão que o japonês tinha com cavalos. Estava
claro que gostava. Por sua parte, Alison, com sua particular maneira
de ser, embora seguisse sem querer aprender cozinhar, não só se
ocupava da casa e das crianças, mas para além disso alegrava o dia a
dia de uma maneira que nunca teria imaginado.
Will, feliz, pois sabia que sua irmã ia adorar, sorriu depois de dar
um abraço em Harald; então o viking falou olhando à pequena:
— É para mim?
Feliz pelo que aquele homem a fazia sentir, ela o olhava quando
ele disse:
— Briana...
— Me escapou.
O viking olhou para jovem. Então, ver seu jeito confundido o fez
reagir e, sorrindo, afirmou:
Comovida por aquilo, a jovem o fez com carinho. Harald, por sua
vez, cobriu Will, e, depois de dar os beijos de boa noite aos pequenos,
saíram do quarto.
— Alison...
— Isto é uma loucura. Não deveria ter vindo. Teria que ter partido
com meu pai e, embora as crianças tivessem sentido minha falta, com
os dias teriam esquecido e... e agora... Ai, Deus, Harald! Vão sofrer de
novo quando souberem que sua nova mamãe os deixará.
— É bonito... bonito...
Comovido pelo amor que via nos olhos dela, Harald assentiu com
a esperança de que aquele animalzinho, e as crianças, ajudasse-o de
que ela não partisse, algo que não se atrevia a dizer pessoalmente, mas
que com feitos gritava em cada atitude.
— Como o chamará?
— É obvio...
— O que acha de Tritão? Ao fim e por fim, é uma palavra que você
utiliza frequentemente.
— Eu adoro!
— Não é justo.
— O que não é justo? — Perguntou Harald.
Algo tão bonito dito assim a jovem adorou, e deu a volta para não
olhá-lo. Que tratasse com atenção as crianças, que lhe desse de
presente Tritão, era maravilhoso, mas Harald seguia sem lhe falar de
amor.
— O que pensa?
— Provavelmente.
— Tolinha... — sussurrou ele a seguir com o olhar carregado de
desejo.
Beijar Alison ou que Alison o beijasse lhe dava vida, o fazia sentir
vivo, e embora soubesse que havia um coração entre ambos, pois Ingrid
seguia presente, e que o tempo que tinham para estar juntos era
limitado, ambos tinham decidido não falar disso e simplesmente
aproveitar. Era o melhor.
Desejava que lhe dissesse que a amava, que precisava dela, que
não queria que partisse. Ouvi-lo dizer algo assim faria com que ela
enfrentasse seu pai, mas isso não acontecia.
— O que brincam?
— De adivinhações.
O viking, ditoso por retornar a seu lar e vê-lo cheio de vida, pegou
à pequena Sigge, que lhe deu os braços imediatamente; falou-lhe em
norueguês e a pequena sorriu, e a seguir ele apontou:
— O que será, será?... O que pode ser, que quanto mais grande se
faz menos podemos ver?
— A escuridão!
Alison sorriu.
— Eu seiiiiiiii...
— A água.
— Não tão bem como espero que seja esta noite em nosso quarto...
— Ela sorriu e ele baixou então a voz e acrescentou: — Penso encher a
banheira com água quente e aproveitar junto a minha tolinha preferida.
— Argggg...
— Sim.
— Acha-me bonita?
— Já sei que sou morena e que isso subtrai pontos a seus olhos,
mas você gosta?
Harald sorriu satisfeito. Aquela mulher morena era linda.
Maravilhosa. Seus olhos. Seu sorriso. Tudo nela era digno de
admiração. Mas, incapaz de abrir-se como ela pedia, retrucou:
— Só bem?
— Pois eu gostaria muito te ouvir dizer algo como «está muito linda
hoje!» ou «que está muito bem hoje!». E tampouco pegaria mal que algum
dia pudesse me dizer alguma palavra carinhosa.
Ele seguiu sem responder, e quando Alison viu para onde olhava,
afirmou sem pensar no que dizia:
— Far-me-á você?
— Me dê um segundo.
— Estupendo.
— Um segundo.
— Por que tocou em suas coisas? Acaso não recorda o que te pedi?
— Olhe...
— Sei, mas...
Zangado por falar daquele assunto que tanto lhe doía, Harald
grunhiu olhando a porta:
— Sinto que Briana pegou esse brinco. Tentarei que não volte a
acontecer.
— Estava te esperando.
Sua voz...
Seu jeito...
A jovem já estava o conhecendo, e sabia que nesse instante ele
estava comedido e calmo. Como ela. Mesmo assim, não se moveu de
onde estava.
— Vamos... veem.
— Me possua.
A jovem gostou de seu pedido. Não queria outra coisa que possui-
lo, senti-lo seu, só dela, e, virando-se na banheira, Olhou-o nos olhos
e, pondo suas mãos molhadas sobre o rosto dele, sorriu.
Um beijo...
Dois...
Ele sorriu e ela, com prazer por ver aquele sorriso tão bonito,
sussurrou:
— Tolinho...
O sorriso do Harald se estendeu mais ainda.
Mais beijos...
Mais carícias...
Mais ofegos...
Ela aproveitava...
Ele aproveitava...
Ela ofegava...
Ele ofegava...
Ela sorriu. Não só tinha feito amor com gosto e deleite, mas ele a
tinha chamado de «meu amor». Por isso, olhando-o como de costume se
olha alguém a quem ama na sua vida, Alison Moore declarou incapaz
de calar:
— Amo-te...
Suspirando pela boca aberta que era, Alison assentiu. Por que não
aprendia a controlar suas palavras? E, consciente de que já não podia
contradizer-se, acrescentou:
— Alison, eu...
— Por quê?
Alison, ao notar que ele não se sentia bem e pensando que era
uma boca grande por haver dito aquilo, se calou. Era o melhor.
A mulher sorriu.
— Estupendo!
— O que acha vir todos os dias para nos ajudar com a casa e as
crianças? — Surpreendida, a mulher a olhou, e Alison, pensando que
seria bom que as crianças tivessem uma mulher por perto quando se
fosse, acrescentou: — Falarei com Harald, a pagaremos. Acredito que
seria algo que beneficiaria a ambas as partes, não acha?
— Prepara a comida.
— Me parece bem.
— Pousi e eu gostamos.
— Sim, mamãe.
Acostumar-se a ouvir isso era bonito e fácil e, vendo que eles iriam
sair, acrescentou:
Comovida pelo que ouvia e por que para ela supunha dizer isso,
Alison respondeu:
— Obrigada, Janetta.
Harald assentiu. Sabia que o que Alison dizia era mentira, mas
sem querer ser indiscreto, adicionou:
A jovem assentiu.
— Bom dia!
O japonês sorriu.
— Um prazer, Janetta.
Harald assentiu.
O japonês afirmou com a cabeça. Tímida como era, que lhe propor
aquilo era toda uma proeza, e com um sorriso murmurou:
Com curiosidade, olhou a seu redor. Ali não faltava de nada. Tudo
estava ordenado e em seu lugar. Sem dúvida Harald era muito
cuidadoso e metódico. Estava sorrindo quando viu pequenas
ferramentas parecidas com as que ela usava para criar suas joias e que
tinha perdido no dia da terrível tormenta. Era uma pena perder as
ferramentas a acompanhava durante tantos anos a fez suspirar.
— O que acontece?
Boquiaberta de como lhe falava e pela raiva que via em seu olhar,
a jovem finalmente respondeu:
— O que quero dizer: que você é... quem é... O que mais podia
esperar de você?
— O que aconteceu?
Seu tio assentiu. Ele, que estava no meio, podia entender a ambas
as partes, e quando ia responder, Alison, que não desejava seguir
falando do assunto, apontou:
— Tio Matsuura!
— Provavelmente.
Alison o olhou sem acreditar. Em sua vida com ele, nunca olhou
em uma mulher, e segura do que dizia, disse olhando Tritão, que se
espreguiçava e ia para sua tigela beber água:
— Alison, vá dormir.
Sem acreditar, quando ele lhe havia dito que o queria, insistiu:
— Pedi-te que não tocasse em nada dela. Disse-te que queria essa
velha e suja mesinha em seu lugar e agora não está.
Zangada, mas sem querer levantar a voz para que as crianças não
despertassem, falou vendo o cachorrinho entrar no quarto dos
pequenos para dormir:
— Harald, se não abrir a porta agora mesmo, não espere que volte
a entrar em seu maldito quarto.
— Vá dormir!
Ouvi-lo e sentir seu rechaço fez com que Alison afastasse a testa
da porta, e dando um passo atrás sentenciou:
— Assim será.
Ninguém jamais tinha ousado lhe fazer uma afronta tão feia como
essa, nunca. Na sua vida apenas esse homem a tinha expulsado de seu
quarto e, depois de sentir que ia ser incapaz de dormir por quão furiosa
estava e o frio que fazia no quarto, abriu a porta com cuidado para não
ser ouvida e saiu.
Não soube quanto tempo cavalgou por aquelas terras, até que
sentiu que o corpo inteiro tremia por causa do frio. Até os dentes
tocavam castanholas, e decidiu retornar.
Por fim entendia o que Demelza havia dito tempo atrás. Não devia
comparar Alison com Ingrid. Cada uma era uma mulher diferente da
outra, com seus defeitos e suas virtudes. E as comparar não fazia
sentido.
— Dormindo.
Muito tempo depois, vendo que ela não descia, Matsuura subiu
intranquilo ao primeiro andar. Bateu na porta do quarto de Harald e,
ao ver que ninguém respondia, abriu-a. Imediatamente viu que moça
não estava ali.
— Sim.
— Alison...
— Alison!
— Papai tinha razão. Que diabo estou fazendo aqui? Por que
complico minha vida? Isto... isto é um erro. Um grande erro! Esse
homem nunca me amará. E... e eu estou sendo uma tola como nunca
em minha vida fui antes.
Matsuura sorriu e posou uma mão em sua testa, como tinha feito
milhões de vezes desde que se converteu em seu cuidador, e disse ao
notá-la quente:
— Janetta está na cozinha com as crianças. Se deite e subirei uma
caneca de caldo com as ervas que você e eu conhecemos. Acredito que
se sentirá melhor.
Ao chegar ali, olhou onde deixar sua caixa de joias, mas em não
haver nenhum móvel à exceção da cama, finalmente o pôs sobre o
suporte da bonita lareira. A seguir olhou a caixa redonda que
sustentava e que continha os pós cor ocre que tio Matsuura e ela
utilizavam para impregnar as mãos sempre que se despediam de
alguém. Com o coração pulsando com força, fechou os olhos e,
consciente de que teria que utilizá-los, murmurou:
— Mas...
— Está mal.
Alison sorriu.
— Totalmente verdade.
— Tio Matsuura, quero ver Demelza. Tenho que falar com ela.
— Avisá-la-ei.
— Sim.
— Não sou de entrar nas vidas dos outros nem opinar sobre elas.
— Acrescentou ele. — Nunca gostei de fazê-lo porque nunca me
agradou que entrassem na minha vida. Mas, tratando-se de Alison,
vejo-me no direito e na obrigação de te dizer que essa mulher não
merece que somente use seu corpo, mas também que acaricie e a
seduza como o homem que sei que é, com sua alma e seu coração.
Sem necessidade de perguntar, Harald entendeu perfeitamente e,
virando-se, saiu da casa. Precisava tomar ar.
Por que tinha sido tão idiota? Por que a tinha expulsado do
quarto?
— Não perca o bem encontrou. Cuide para que lhe cuidem. Ame
para que lhe amem. Seja feliz com quem se importa, e o passado, embora
não o esqueça, deixa-o ir.
Ingrid tinha morrido. Ele não. Teria saudades dela por toda sua
vida. A amaria sempre, mas a vida continuava e ele, como tinha
prometido, devia seguir caminhando e ser feliz.
Amar Alison não significava que não tivesse amado sua esposa.
Alison era o seu presente, enquanto que Ingrid era o seu passado. Um
passado que nunca recuperaria porque tinha terminado. Não obstante,
tinha um presente e um futuro por começar com Alison.
Harald assentiu. Essa manhã ele tinha ido vê-la, mas sua porta
estava fechada por dentro. Chamou várias vezes e, como não
respondia, decidiu retornar mais tarde. Sem dúvida seguia zangada, e
intuindo que a presença de Demelza a alegraria, comentou:
Horrorizada por ouvi-la dizer isso, ela não soube o que responder.
Alison suspirou.
— O quê?!
— Provavelmente.
— Amo Ingrid, a amarei por toda minha vida como espero que
Harald a ame. Mas ela morreu, nunca retornará, e em troca você está
aqui. De verdade me está dizendo que Harald antepõe minha irmã
acima de você, que está viva?
— Sim.
Alison sorriu.
— Neste caso quem sairá pela porta serei eu, não ele. — Retrucou.
— Estou em sua casa.
— Equivoca-te.
— Pode ser que em parte o faça por eles, mas também o faz por
você.
— O quê?!
— Demelza...
— E Harald?
— Alison...
— Alison!
— Mas...
Alison riu.
— Sempre soube que sua irmã Ingrid estava em seu coração. Ele
nunca me mentiu. Foi sincero comigo quanto a que me daria um lar,
mas não amor. E se alguém é aqui um problema, essa sou eu.
— Mas...
— Demelza, ele segue amando Ingrid, segue-a venerando, e eu,
me chame egoísta se quiser, mas não compartilho o coração.
— Entendo-te...
— Eu não choro.
— Por quê?
— Eu também de você.
— Nada.
— Pois para não sentir nada, tem os olhos e o nariz como tomates.
— Uma festa?
Ela assentiu.
Em duas ocasiões saiu do quarto e, sem fazer ruído, foi até sua
porta. Queria entrar, desejava falar com ela, mas ciente de que tinha
que fazer as coisas de forma diferente ou sem dúvida Alison cavalgaria
dali, retornou a seu quarto. Era o melhor.
No dia seguinte, quando Alison despertou se encontrava muito
melhor. Ainda notava que lhe faltavam as forças, mas já não sentia a
debilidade do dia anterior. Inclusive por ter falado com Demelza com
sinceridade lhe tinha feito bem. Embora pensar no que tinha que fazer
nesse dia, era contar tudo as crianças, isso a acovardava.
Como receberiam?
Harald assentiu. Não era a primeira vez que Alison fazia aquilo,
mas o surpreendeu vê-la vestida com essas roupas que tinham
chamado tanto sua atenção. Estava linda.
Depois de três dias sem falar com ela, Harald não esperava ouvir
isso e ia falar quando a porta se fechou em seu nariz de repente.
Sério?
— Alison...
Ele não respondeu. Se estavam assim tinha sido por não ter
pensado antes de agir. Era uma boca grande, e tentando reconduzir a
situação disse:
— Acredito que deveríamos falar.
— Alison...
— Vamos lá, restam poucas semanas para que me vá. Que tal se
vivemos em paz estas semanas?
— Alison...
Harald piscou.
— Fodido viking?!
— Está melhor?
— Harald, por Tritão! Eu disse que não tenho nada a falar contigo.
— Vai!
— Não.
Incapaz de ganhá-lo em força física, pois ele era mais alto e fornido
que ela, a jovem olhou seus dedos e, sem hesitar, os mordeu.
— Sempre bruta!
— Não?!
— Muito bem. Fique com seu fodido quarto e sua fodida casa. Não
preciso nem delas nem de você.
— Alison, pare!
— Não.
Ele retirou a mão, mas se aproximou mais dela, e ela sem hesitar
o empurrou.
— Nãoooooo!
Alison assentiu.
— Pois bem, está linda casa será lar de vocês, junto a Sigge e
Harald.
Will olhou o viking que estava sem reagir, mas Briana interveio:
— Não, linda. Não podem vir. Quero que estejam seguros e a salvo,
e isso eu não posso oferecer, mas Harald sim. Com ele terão uma
maravilhosa vida nesta bonita casa, onde não lhes faltará de nada, e...
— Faltará você. — Will soluçou.
— Diga que não parta, papai. Diga que este é seu lar.
Ele olhou para Alison, que não o olhava, e quando ia falar ela se
adiantou:
— Briana...
— Posso me sentar?
— Eu sei.
Harald, por sua vez, por mais inteligente que fosse em sua vida
cotidiana, era totalmente inútil quando se tratava de cortejar uma
mulher como ela. Em silêncio pensava no que dizer, o que fazer para
chamar sua atenção, quando perguntou:
— É obvio.
Harald aguardou que ela dissesse algo, que tentasse falar com ele,
mas a jovem não o fez. Seguia olhando o fogo em silêncio quando ele,
com muita vontade de comunicar-se com ela, insistiu:
Ouvir sua voz, cheirar seu aroma e senti-lo perto, como sempre,
a seduzia, e ao olhá-lo murmurou:
— Desejo-te.
— É minha.
— É linda...
Convexo sobre ela, mas apoiado em uma mão para não esmagá-
la, Harald sorriu. Nem no melhor de seus sonhos tinha imaginado em
lhe fazer amor assim.
Um beijo...
Dois...
— Possuiu-me ou a ela?
— Por quê?
— Sei que neste tempo não fiz as coisas muito bem. Sei que por
minha culpa estamos nesta situação. Mas, por todos os deuses, não
quero que duvide nem por um instante de que foi você que possuí e fiz
amor.
— Pode.
— Alison...
Para o viking ouvir isso dela não era fácil. Sabia que suas dúvidas
e insegurança não tinham feito bem a ela; então a ouviu perguntar:
— A que se refere?
— Eu fui tão mutável quanto você?
— Não.
— Poderia viver com uma mulher que não te ama, que passa o dia
inteiro o comparando com seu falecido marido e que não te permite
tocar em nada da casa em que vivem porque tudo o que o rodeia foi
dele?
— Alison, amo-te.
— Por favor, querida, não vá. Fique comigo! Agora estou ciente de
todos os erros que cometi. E asseguro que, se me permitir, ressarcir-
te-ei de todos eles.
— É tarde, Harald.
Ver seu aborrecimento e ouvir sua raiva fez com que Harald
calasse e ela, dando meia volta, correu para seu quarto.
— Bom dia.
— Papai, deixe Sigge no chão para que mamãe veja o que faz.
O viking assentiu.
— Claro... me diga.
Ciente de que seu tio lhe havia dito a verdade, Alison a ordenou
calar e, quando as duas saíram ao exterior da casa, murmurou:
— Mas, milady...
— Prometo-lhe.
Uma vez ali, o japonês deu um beijo nos lábios de Janetta e disse:
— Imagino que haverá dito que não, verdade? — Ela afirmou com
a cabeça. — Calma, Janetta não dirá nada a ninguém. Mas tive que
contar a moça. Não sei mentir e não queria desaparecer de sua vida
sem lhe dar uma explicação. É uma boa mulher, sinto algo por ela e
não queria que...
Matsuura soprou.
— Mas...
— Certo.
— Não me diga!
— Somos os primeiros?
À ruiva se sentiu ferir ouvindo isso. Era claro que tudo seguia
igual entre eles, e quando elas desapareceram, Aiden murmurou
sorrindo:
Seu amigo soprou; sabia o que era lutar contra uma mulher
teimosa.
— É obvio.
Pela cor de sua pele, o vermelho ficava muito bem. Sempre haviam
dito seu pai e seus tios, e queria estar bonita essa noite. Queria que
Harald, se alguma vez pensasse nela, recordasse-a impressionante.
Alison sorriu.
— Estão bem?
Harald, que nem sequer podia engolir saliva, não sabia o que
dizer. Alison estava deslumbrante essa noite com aquele vestido
vermelho que realçava sua silhueta. E, ao ver que alguns McGregor a
observavam embevecidos, sibilou com ferocidade:
— Diverte-se?
Ele assentiu e, ao ver que ela sorria de novo a dois jovens que
passavam a seu lado, murmurou:
— Porque sabe tão bem quanto eu que isso é mentira. Não sou
sua mulher. — E, olhando algumas moças que riam em uma lateral do
salão, comentou: — Conforme tenho entendido, a jovem da direita, a
que tem o cabelo loiro como você gosta, está solteira. Demelza me disse
que é a filha de Randall McAllister e, pelo que parece, é uma moça
encantadora e tranquila.
— Porque essa jovem poderia ser uma boa esposa para você
quando eu me vá. Ela parece delicada e discreta, algo que você gosta,
e acredito que as crianças poderiam gostar também.
— O que acontece?
— O quê?!
Harald o olhou.
— Se acredita que ela joga contigo, jogue você com ela — insistiu
seu amigo. O viking soprou e Aiden cochichou: — Harald, por ter sido
desde menino o noivo de Ingrid e não ter posto seus olhos em nenhuma
outra, perdeu o que é o jogo e o cortejo entre um homem e uma mulher.
E sem dúvida, meu amigo, Alison está nisso a frente de você.
— Aquela é Lorna. Sem dúvida deve gostar dela, pois dançou três
vezes com ela e não param de falar. — Alison assentiu e a ruiva
cochichou: — Te asseguro que se eu visse Aiden sorrir assim para outra
mulher, arranco-lhe a cabeça.
De novo, ela assentiu. O que Demelza dizia era o que ela sentia
vontade de fazer, mas tentando seguir com o plano, retrucou:
Curiosa por ver o que acontecia, Alison seguiu com o olhar Harald
e Lorna, e de repente ouviu seu lado:
— Por favor — murmurou sua amiga. — Não faça isso mais difícil.
— De acordo. Vamos.
— Está bem?
— Dir-te-ia muitas coisas, mas não tenho tempo a perder, por isso
simplesmente direi com todo o amor do mundo: obrigada, Demelza.
Obrigada por me ajudar, por me aceitar, por me amar. Obrigada por
tudo.
Sem tempo para perder, e antes que alguém sentisse sua falta, a
ruiva retornou à festa, onde falou com todo mundo, enquanto sua
mente tentava processar o fato. Sua amiga partiu para sempre e ela a
tinha ajudado a fazê-lo. Harald a mataria.
Lorna, que era uma moça tímida, embora sempre falasse com
Harald, respondeu:
— Porque com certeza dirá que não. Ele deseja que eu despose
um McAllister.
— E esse tal Lethall McDougall não pensa em falar com seu pai?
Lorna sorriu. Seu amado há algum tempo queria fazer aquilo que
Harald sugeria, e respondeu:
Harald sorriu e, tentando ser sincero com Lorna como ela fora
com ele, respondeu:
Harald assentiu.
— O que foi?!
— Sim.
Matsuura sorriu.
Ambos olharam a casa que durante um tempo tinha sido seu lar.
— Que calor!
— Divertem-se?
— Já estão aqui.
Gus soprou.
Depois de saudar vários marinhos, que, como seu pai e seus tios,
tinham-na visto crescer, Alison e Matsuura se encaminharam para
onde sabia que eram esperados enquanto ele murmurava:
Com um sorriso nos lábios, a jovem correu para ele, mas quando
se refugiou entre seus braços, sem poder conter-se, e ciente de que já
não podia mais, rompeu a chorar.
Isso deixou a todos sem fala. Aquela moça não chorava. Desde
pequena a tinham ensinado a não fazê-lo. Sempre tinha sido dura como
uma pedra, e o capitão Moore, sem saber o que fazer, perguntou
assustado:
— Por Tritão, o que acontece contigo?
— Vou subir. Não seria a primeira vez que adormece com eles.
— Querida, me olhe.
— Aconteceu-te algo?
— Não... — murmurou.
Harald:
A vida está cheia de recordações de pessoas incríveis e de momentos inesquecíveis que só tem que agarrar
com vontade e força para ser feliz. Só isso...
Alison
Sem acreditar, leu-a várias vezes enquanto sentia que seu corpo
se decompunha; então ouviu:
— Sinto muito.
— Não!
— Sinto muito, mas tive que ajudá-la. Ela me pediu isso.
— Harald...
— Mentiu-nos.
— O quê?! Se explique!
— Harald...
— A amo. Eu lhe disse. Tentei lhe falar de amor, mas ela estava
tão zangada comigo que não acreditou.
— Por que não gritou? Por que não a atou à cama e o disse uma
e outra vez até que ela acreditasse?
— Sim...
— Vou...
— O que aconteceu?
Demelza, que estava montando para segui-lo, foi detida por Aiden,
que sibilou olhando-a:
— Shensi...
— Acredito que...
Todos o olharam com fúria. Acaso não percebia a dor que sentia
a jovem?
Acaso havia ficado louca? De verdade era tão tola para não saber
que ele jamais diria algo assim se não o sentisse?
Ouvir isso e ver a insolência no rosto de sua filha o fez saltar como
uma mola e gritar:
— Por isso estou aqui. Porque você me ensinou a ser uma pessoa
de palavra. — Seu pai sorriu e ela acrescentou: — Mas quero que saiba
que os últimos seis meses em Escócia, junto de Harald, Sigge, Will e
Briana, foram os mais incríveis de minha vida. Você e os tios são minha
família e os amo com todo meu ser. Mas, na Escócia, criei outro tipo de
família que adoro e pela qual daria minha vida, como daria por vocês.
Nesse tempo, fiz amigas que me aceitaram como sou. Amigos que me
respeitaram sem precisar desembainhar a espada. Três crianças
preciosas me amaram, precisaram de mim e me fizeram sentir como
uma mãe. E um homem maravilhoso que amo, e que não facilitou as
coisas para mim, e fez com que eu me sentisse mulher. E sabe, papai?
Se me desse a escolha entre ficar aqui ou voltar para a Escócia, eu
definitivamente escolheria voltar. E eu escolheria porque minha vida
aqui, com você, seria sempre o que é, e em terra poderia ser o que eu
sempre quis.
— Harald...
Aiden assentiu.
Peter sorriu e, ao ver como seu amigo olhava para sua esposa,
cochichou:
— E Demelza é...
A angústia que todos viam em seu amigo era tal que não sabiam
o que dizer. Harald sempre tinha sido um homem comedido, discreto,
e vê-lo naquele estado de descontrole não era fácil, mas de repente
ouviram:
Um beijo...
Dois...
— Vou matá-la! Como não me disse que Harald havia te dito que
a amava?
A moça sorriu emocionada e, afastando-se de Harald, abraçou-a.
Aquela mulher, apesar de amar com loucura o seu cunhado, tinha-a
ajudado sem pensar nas consequências, e isso era de agradecer.
Quando o abraço acabou, Demelza sussurrou ao ver que uma lágrima
lhe corria pela bochecha:
— Por Tritão, Harald! Não comece como meu pai. — Ela riu
divertida.
— Falando de seu pai... o que fez para não partir com ele?
— O que queira.
A moça sorriu com gosto e, sem deixar de olhá-lo nos olhos, tirou
do bolso do colete dois anéis e, mostrando-lhe declarou:
— Eu ia pedir-lhe isso.
— Viu Will?
— Que você tenha caído na armadilha do amor não quer dizer que
outros desejem o mesmo.
Ao chegar ali, viu sobre a pele do chão que estava diante da lareira
duas taças de vinho preparadas. Isso a fez sorrir.
Um...
Dois...
— Provavelmente.
1
Bug – significa literalmente bicho, inseto. No sentido figurado é especialmente uma criança que enrola, opressora,
esmagadora, travessa, inquieta ou brincalhona
2
A katana ou em sua forma aportuguesada catana é uma tradicional espada japonesa que foi usada pelos samurais do
Japão antigo e feudal. A katana é caracterizado por sua aparência distintiva: uma lâmina curva, de um único fio com um
protetor circular ou esquadrado e um cabo longo para acomodar duas mãos.
3
La Bruxa del Mar ( A Bruxa do Mar), El Demonio de las Olas ( O Demônio das Ondas), El Fuego Infernal (O Fogo
Infernal) e La Brisa Guerrera ( A Brisa Guerreira).
4
Anfitrite (em grego clássico: Ἀμφιτρίτη), na mitologia grega, era filha da ninfa Dóris e de Nereu, portanto uma nereida.
É esposa de Posídon e deusa dos mares.
5
Bambina - criança
6
M apetite – minha querida.
7
Rheum rhabarbarum, conhecido pelo nome comum de ruibarbo, é uma planta comestível utilizada como hortaliça e
para fins fitoterápicos.
8
O Fjord ou Fiorde é um dos cavalos mais antigos do mundo e de maior pureza racial. Acredita-se que esses animais
migraram da Mongólia para a Noruega, e foram domesticados há 4000 anos. Há evidências arqueológicas de que os
Vickings já usavam esses cavalos, sua seleção racial é de quase 2000 anos.
9
Mo chridhe – meu coração
10
Niniano é um santo cristão mencionado pela primeira vez no século VIII como sendo um dos primeiros missionários
entre os povos pictos que viviam no território da moderna Escócia
11
Barlavento - Lado do navio de onde sopra o vento. Sota-vento é o lado oposto ao lado do qual sopra o vento.
12
São Columba, também conhecido como Columba de Iona, ou, em gaélico, Colm Cille ou Columcille. Foi a grande figura
missionária da Escócia. Monge irlandês, reintroduziu o Cristianismo entre os Pictos medievais.
13
Charmaemelon – pelas características medicianis, e apesar de não havermos encontrado com este nome, assemelha-
se a erva de São João.
14
Charco – brejo.
15
Sassenach – insulto dito com desprezo aos ingleses. O mesmo que estrangeiro.
16
Toró – forte pancada de chuva.