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Staff

Tradução Pallas
Revisão Inicial: Pallas
Revisão Final: Ártemis
Leitura Final: Afrodite
Formatação: Afrodite
Para minhas guerreiras e guerreiros.

Nunca percam o que de bom encontrardes.

Cuidem para que lhes cuidem.

Amem para que lhes amem.

Sede felizes com quem vos dá importância,

E o passado, embora não se esqueça... deixem-no para


trás.

Um beijo e vivam!

Megan Maxwell
No leito de morte de sua amada Ingrid, Harald
Hermansen prometeu que deixaria a Noruega e se
transladaria para viver em Escócia.

Harald tem saudades de seu país, como tem saudades


de sua mulher e de seu povo, mas sabe que retornar ao
Reino de Song não seria uma boa ideia, especialmente
porque ali não lhe restou nada.

Apesar de ser considerado um bárbaro viking


naquelas terras, graças à ajuda de Demelza e Aiden
McAllister, seu marido, Harald consegue ter uma vida
tranquila, levar adiante sua própria ferraria e ser aceito
pela maioria dos habitantes do lugar.
Mas tudo começa a complicar-se quando aparece
uma jovem chamada Alison. Ela e sua maneira de
comportar-se, tão parecida em certas ocasiões a de sua
falecida mulher, atrai-o e o assusta ao mesmo tempo. Mas
se algo tem como certeza é que não quer voltar a
apaixonar-se, e menos ainda de uma mulher como aquela.

Harald será capaz de dizer adeus ao passado, viver o


presente e criar um futuro?

Tudo isto só saberá se não houver…

Um coração entre você e eu.


Aemsterdam

O ruidoso mercado da cidade, situado junto ao rio Amstel, vendia


suas mercadorias como cada manhã de sábado.

Em suas barracas particulares se podia encontrar de tudo: azeite,


tecidos, lenha, pão, especiarias, verduras, galinhas, ervas medicinais,
toda espécie de carnes, móveis e inclusive finas e delicadas joias e
peças de bijuteria.

Gilroy Bowie, um enorme ruivo, depois de colocar várias das peças


de prata e ouro sobre uma tabua de madeira para as expor em sua
barraca, sorriu ao ouvir Alison falar com uma mulher em gaélico
escocês enquanto vigiava que nenhum ladrão lhes roubasse nada.

As peças de bijuteria e joalheria que tinham à venda, porque


Alison as faziam, eram muito belas. Eram finas e refinadas, um ímã
para os pequenos ladrões, e tinham que as manter sob uma vigilância
extrema.
Desde pequena, Alison dominava diferentes línguas estrangeiras
com incrível facilidade, graças às diversas pessoas com quem ela havia
crescido desde o dia em que nasceu.

Quando a compradora levou um bonito anel de prata para si e


uma trabalhada fivela para o cinturão de seu marido, Alison guardou
as moedas. A seguir olhou para um homem que a observava e
perguntou:

— Você gosta de algo?

O homem, um burguês da região, aproximou-se dela.

— Em realidade, sim. — Afirmou.

A jovem sorriu e, disposta a atendê-lo, ia falar quando ele se


aproximou mais da conta e a agarrou pelo braço.

— Eu gosto de você — murmurou. — Que tal se...?

Não pôde dizer mais. Com uma rapidez incrível, Alison se desfez
de sua mão e, dando uma volta sobre si mesma, fez com que o sujeito
caísse de bruços contra o chão.

Gilroy suspirou ao vê-la, como sempre, Alison fazendo amigos... E


então a ouviu repreender o homem, que a observava com
incredulidade:

— Você, maltrapilho saco de excrementos fedorentos! Se não


quiser que te corte as mãos por ter tido a ousadia de me tocar sem
minha permissão, pode desaparecer de minha vista.

Sem duvidar, o sujeito se levantou a toda pressa e se afastou.


Aquela mulher era uma selvagem.

Os olhares de Alison e de Matsuura, outro de seus


acompanhantes, encontraram-se. Ambos sorriram pelo que acabava de
ocorrer, e a moça, ao ver que um jovem loiro de olhos claros e aspecto
agradável a observava, sorriu e cochichou dirigindo-se a Gilroy:

— Olhe que sempre me chama a atenção os homens de cabelo e


olhos claros...

O jovem, que tinha sido testemunha do ocorrido, ao ver como ela


o olhava e lhe sorria, deu a volta em menos de dois segundos e partiu.
Não queria problemas.

Gilroy soltou uma gargalhada ao vê-lo. A delicadeza feminina não


se dava bem com Alison e, olhando-a, afirmou:

— Bug1... acredito que seu bonito vocabulário e sua avassaladora


personalidade o assustaram.

— Provavelmente. — Gilroy meneou a cabeça e Alison soprou para


logo acrescentar: — Ora... se umas palavrinhas de nada o assustam,
não merece minha atenção.

Instantes depois, quando um rico casal se aproximou da barraca,


ela tratou de adoçar sua expressão e os atendeu com amabilidade.
Quando queria podia ser um encanto!

Minutos mais tarde, quando eles partiram levando várias peças


criadas por ela, a jovem guardou as moedas e se dirigiu de novo a
Gilroy.

— Estupenda manhã a de hoje.

O ruivo assentiu. As joias que Alison criava eram verdadeiras


obras de arte.

Ela tocou sua bolsa e comentou:

— Vou a uma barraca comprar algumas ervas que necessitamos,


Gilroy.
— Não me moverei daqui — afirmou o ruivo.

Alison jogou o xale que usava na cabeça e caminhou para a


barraca de ervas. Durante um bom momento, com amabilidade e
simpatia, conversou sobre infusões e cicatrizantes com o homem que
as vendia. A moça não só entendia de joias, mas também conhecia de
ervas e beberagens para sanar.

Quando se despediu dele, depois de guardar em sua bolsa o que


tinha comprado, retornou aonde estava Gilroy, que sorria a uma
mulher morena, e perguntou:

— Sabe alguma coisa de tio Edberg?

Gilroy negou com a cabeça sem afastar os olhos da mulher.

Saber sobre isso a inquietou.

— Possivelmente lhe surgiu algo e... — disse o ruivo olhando-a.

— Não — o cortou Alison intercambiando um olhar com


Matsuura, que, como ela, esperava Edberg. — Ele nunca deixaria de
vir nos ver, e sabe tão bem quanto eu.

Gilroy assentiu, era consciente de que tinha razão, e quando ia


dizer algo, ela declarou preocupada:

— Ouvi muitas das pessoas que se aproximaram da barraca


durante toda a manhã, falarem sobre a existência de uma estranha
febre que fazem com que as pessoas sangrem pela boca até morrer.

— Eu também ouvi — murmurou ele. — E por isso acredito que


não deveríamos estar aqui mais que o necessário.

Alison assentiu, Gilroy tinha razão, mas como precisava saber


sobre quem eles esperavam, indicou:
— Aproximar-me-ei de sua casa.

— Nem pensar!

A jovem sorriu. Que lhe proibissem fazer coisas era algo que
nunca tinha aceitado bem, e, depois de pestanejar com graça para fazê-
lo rir, afirmou:

— Gilroy... Gilroy... Gilroy... Não vou daqui sem saber que tio
Edberg e Elga estão bem. Eu disse que vou a sua casa e irei! — E
quando ele ia protestar, esta insistiu levantando um dedo: — E se for
mencionar meu pai, esqueça-o! Ele não está aqui, portanto, tio
Matsuura e você ficarão à frente da barraca, e não há mais nada a falar.

Gilroy amaldiçoou e olhou o japonês Matsuura, que se encontrava


a escassos metros.

— Bug! — Replicou, — seu pai nos matará se te ocorrer algo.

Isso fez a jovem sorrir, que, depois de fazer um gesto ao japonês


para que se aproximasse, murmurou:

— Tranquilo... não me acontecerá nada.

Instantes mais tarde, depois de contar tudo ao tranquilo tio


Matsuura e este suspirar pela sua decisão, a jovem cobriu de novo a
cabeça com o xale e se afastou da barraca.

Assim que saiu do mercado, andou com segurança pelas ruelas


da cidade. Somente tinha ido à casa de tio Edberg e Elga uma vez, dois
anos atrás, mas tinha boa lembrança e ainda recordava como chegar.

Aproveitou do trajeto enquanto cruzava com pessoas que


caminhavam tranquilamente por ali. Ninguém a conhecia. Ninguém lhe
gritava palavras vis por ser filha de quem era e isso lhe dava
tranquilidade.
Ver meninos jogando e rindo sem medo a deslumbrava. Seus
doces rostos, nos quais nunca via maldade, a não ser justamente o
contrário, faziam-na sorrir e recordar sua infância. Enquanto eles
brincavam com outros meninos na rua, ela tinha brincado com os
homens de seu pai no navio. Eram lembranças muito bonitas,
preciosas.

Também chamavam muito sua atenção os casais com as quais se


encontrava. Em especial, as que se cortejavam. Ver como se olhavam,
sorriam-se, beijavam-se ou simplesmente roçavam as mãos lhe parecia
mágico e especial.

Como seria sentir esse amor?

Como seria sentir-se especial?

Sumida naqueles doces pensamentos caminhava por um beco


solitário quando alguém a empurrou. Rapidamente Alison se voltou e
viu um homem de sua idade.

— Acaso não tem suficiente espaço, tem que me empurrar? —


Grunhiu.

O jovem, sem nenhum decoro, fixou-a lascivamente com o olhar.

— Mulher, quando eu passo, você se retira — soltou.

Ouvir isso fez a jovem sorrir, que, agarrando sua katana2,


replicou:

— Pois vai ser você que vai se retirar, maldito merda!

Mas o homem, agarrando sua espada, pô-la ante ela e perguntou:

— Está procurando que te dê um castigo?

— Provavelmente.
Ele sorriu por sua resposta. Aquela moça era uma descarada.

— Não suporto mulheres insolentes e desbocadas — sibilou.

— E eu não suporto fanfarrões como você — replicou ela


levantando sua katana.

Depois de falarem, ambos brandiram suas espadas. Durante um


momento lutaram um contra o outro sem desfalecer naquele beco, até
que finalmente a jovem, que era rápida ao mover-se, encurralou-o
contra a parede e, depois de lhe pôr a katana na garganta, murmurou:

— Se te cortar o pescoço, verei seu sangue emanar.

— Que medo me dá — zombou ele.

Em silêncio se olhavam nos olhos quando ela, deixando de


pressionar, cochichou em italiano:

— Pelas barbas pestilentas de Netuno, Caruso seu fodido! O que


faz por aqui?

O jovem guardou a espada sorrindo e respondeu enquanto abria


os braços:

— Anda e me dê um abraço, Moore sua fodida.

Abraçaram-se. Aquele moço era o filho do capitão Antonello


Caruso e, como seu pai, comandava um navio e era considerado um
pirata. Conheciam-se desde meninos, e quando o abraço acabou a
jovem indicou olhando-o:

— Poderia me haver vencido quando dei um tropeção.

— Eu gosto de deixá-la ganhar. — O jovem sorriu.

— É um convencido.

— E você uma insolente — zombou ele.


Durante um momento, amparados pela discrição daquele beco,
conversaram a respeito do que faziam naquelas terras. Pietro Caruso
estava incógnito em Aemsterdam, onde tinha vendido parte dos ricos
tecidos que ele e seu pai tinham trazido da Arábia em seu navio.
Dialogavam com prazer quando este disse:

— Por certo, acabo de saber que o homem que a jurou está em


Edimburgo.

Conforme ouvia isso, a carranca de Alison mudou.

— Falas de o Conrad McEwan?

Pietro assentiu.

— Conforme me contou meu pai, esse idiota presunçoso, depois


de vender as terras de seu pai em um lugar chamado Roxburgh,
comprou outras em Perth, e agora passa longas temporadas em seu
novo lar na Escócia. E como se aproxima a festa do castelo em
Edimburgo, tenho entendido que estará por lá.

Alison gostou de saber isso. Tinha vontade de vingar-se desse


sujeito que tanto dano lhe tinha feito no passado e, sorrindo, ia falar
quando Pietro acrescentou:

— Se seu pai sabe que lhe contei, cortar-me-á a língua.

Ela sorriu divertida e, olhando-o, perguntou:

— Eu não vou contar... o que vai fazer você? Além disso, nem meu
pai nem eu poremos um pé em Escócia se queremos seguir
conservando a cabeça sobre os ombros.

Pietro negou e, depois de sorrir de novo, indicou:

— Tenho que retornar a barraca de venda. Se demorar, alarmar-


se-ão.
A jovem e ele se abraçaram com carinho.

— Tome cuidado, Alison — disse ele. — E sabe perfeitamente por


que lhe digo isso.

A jovem sorriu, ele dizia por Conrad McEwan.

— Tranquilo. Terei — assegurou.

A seguir lhe piscou um olho e, dando a volta, despediu-se.

— Vemo-nos em Porto Royal.

— Provavelmente!

Quando ele partiu e Alison ficou sozinha, sorriu. A sorte de


encontrar-se com Pietro Caruso lhe tinha feito ter o sabor e a certeza
de onde encontrar o verme do Conrad McEwan. Tinha que ir a Escócia,
a terra de seu pai, em que nunca tinha estado. O problema era que
nem seu pai, nem seus tios, nem tampouco ela, podiam pôr um pé ali
ou seriam capturados como piratas. No entanto, disposta a ganhar vida
para dar a Conrad o que ele merecia, ela continuou seu caminho. Ele
precisava ver Edberg antes de partir.

Caminhava pensando em suas coisas quando de repente viu a


bonita porta azul da casa. Tinha chegado!

Bateu com os nódulos dos dedos sem duvidar e esperou, mas


ninguém abriu. Voltou a bater, desta vez com maior força, e então a
porta se abriu sozinha. Alison entrou.

A casa estava escura, o ambiente carregado e frio, e, levantando


a voz, chamou:

— Tio Edberg? Elga?


Durante segundos esperou uma resposta, mas de repente ouviu
uma tosse e, sem duvidar, cruzou a casa para entrar no único quarto.

De novo, escuridão. Ali cheirava estranho e, depois de dirigir-se


para uma das janelas e abri-la para que entrasse ar e luz, o coração
lhe saltou no peito ao ver o homem que tanto amava prostrado em uma
cadeira. Horrorizada, correu para ele.

— Pelas barbas de Netuno, tio Edberg, o que te ocorre? —


Perguntou ao ver seu mal estado.

Ele abriu os olhos quando ouviu sua voz. A luz lhe fez mal, mas
murmurou ao reconhecer a jovem:

— Bug... nunca me alegrei tanto de ver-te.

Muitos que a conhecia e a amavam a chamavam por aquele


apelido carinhoso, mas, sem vontade de sorrir, Alison olhou a seu redor
e perguntou:

— O que... o que você tem?

Edberg, que tinha a boca ressecada, não respondeu. A realidade


era terrível. Dura.

— Onde está Elga? — Insistiu a jovem.

Ele fechou os olhos com força ao ouvir esse nome e, quando os


abriu, sussurrou com um fio de voz:

— Morreu...

Alison piscou.

— O quê?!

Destroçado por sua perda, o homem explicou:

— Elga... minha Elga morreu de febre faz meses.


Como?! Elga estava morta?

Aquilo era terrível, doloroso. Alison passou toda a manhã ouvindo


falar daquela febre, e, angustiada, agarrou um copo que havia sobre o
móvel, encheu-o de água e, dando de beber a seu tio, avaliou a
situação.

Desgraçadamente, Elga tinha morrido, mas tio Edberg não tinha


por que morrer. Ela estava ali para impedir. Por isso, tentando ser
resolutiva, indicou:

— Tem que se levantar e vir comigo.

— Não tenho forças. Não posso...

— Pode!

— Não.

— Maldita seja, não seja cabeçudo!

— Olha essa boca, Alison. — Ele sorriu começando a tossir.

Assim que o ataque de tosse cessou, a jovem insistiu:

— Tio Edberg, o Gilroy e tio Matsuura estão no mercado. Somente


temos que chegar ali e nos ajudarão.

— Não...

Mas ela, incapaz de dar seu braço a torcer, sibilou:

— Não fale mais. Retornará comigo à La Bruxa del Mar, e farei


igual se disser que não. Eu digo que sim, e por Iemanjá que assim será!

Edberg olhou com carinho a jovem que sempre tinha adorado.


Sabia que por ele e seu bem-estar faria o que fosse, mas mesmo assim,
era consciente de sua situação.
— A febre levou primeiro a Elga e, nós gostemos ou não, logo me
levará — retrucou.

Alison negou com a cabeça e ele murmurou:

— Está com sua bolsa medicinal?

Ela se apressou a assentir. No navio que seu pai comandava, ela


era a encarregada de atender e sanar a todos os homens, por isso
nunca se separava de sua bolsa, que tinha atada à cintura.

— Preciso das sementes africanas.

Ao entender o que lhe pedia, a moça negou com a cabeça. Aquelas


sementes eram letais, só se utilizavam em casos impossíveis e se
desesperados, mas ele insistiu com voz rouca:

— Vou morrer. Me ajude, por favor.

Consciente do que lhe pedia, ela voltou a negar.

— Nem pensar. Não vai morrer!

— Sabe que, se te digo isto, é porque vai acontecer.

— Não vou permitir!

O homem sorriu com tristeza e alívio por sua presença e


sussurrou:

— Minha viagem está perto. De você depende que sofra ou não.

— Tio Edberg...

— Como dissemos centenas de vezes no mar, não sairei de porto


se as nuvens não se movem como o vento. E neste momento as nuvens
não se movem por mim.

— Não diga isso! — Murmurou zangada.


Alison negou de novo com a cabeça. Não pensava em permitir, seu
tio não ia morrer; pensando no que fazer, ia falar quando ele sussurrou:

— Esquece o que está pensando.

— O que penso? — Perguntou oprimida.

Edberg tossiu de novo.

— Alison... conheço-te — retrucou. — Se nega a aceitar o que vai


ocorrer, mas, me acredite, não há remédio. É impossível sanar disto.

— Não penso deixá-lo morrer. Eu te cuidarei.

Comovido por suas palavras, ele tomou ar e, necessitando que ela


relaxasse e o entendesse, murmurou:

— Matsuura, Ragnar e eu lhe ensinamos desde pequena a aceitar


a morte como parte da vida. Minha morte me reunirá com Elga, e isso
me faz feliz. — Alison engoliu o nó de tristeza que se instalou em sua
garganta quando aquele acrescentou: — Escuta, Bug... — A jovem deu
a volta, não queria seguir escutando-o, mas então ouviu: — Alison...
Francesca... Isobel... Marguerite... Orquídea...

Ouvir todos aqueles nomes, fê-la sorrir; seu pai que os conhecia
bem os pronunciavam todos juntos em momentos pontuais, e, ao
voltar-se para olhá-lo, ele continuou:

— Minha valorosa menina. Criaste-te rodeada de homens e tiveste


que forjar um caráter rude e em certas ocasiões desumanas para que
lhe respeitassem. É audaz, intrépida, guerreira, mas também é doce,
tenra e carinhosa e por isso merece amar e ser amada.

Alison sorriu com tristeza ao ouvi-lo. Nada no mundo gostaria


mais do que poder viver e aproveitar de um amor bonito, mas negando
com a cabeça retrucou:
— Minha vida é esta e...

— Alison... é uma mulher.

— E a filha de Jack Moore...

Edberg assentiu, o estigma que a moça carregava não lhe


facilitava as coisas, mas insistiu:

— Seja a filha de quem é, busca a vida que te foi negada por nascer
em um galeão e que, sem lugar a dúvidas, merece.

— Mas...

— Sempre desejou uma vida normal. Desejou uma casa em terra


firme e amigas com as quais aproveitará de momentos bonitos e um
amor de cabelo e olhos claros. — Ela não respondeu. — Escuta, minha
vida, e escuta-o muito bem: as situações que aconteceram em seu
passado não têm que determinar seu futuro.

Alison suspirou. Pensar no amor de seu passado e que a marcou


não era agradável.

Desde menina, cada vez que chegavam a um porto, desejava que


seu pai quisesse fazer raízes ali. Queria um lar, uma mãe que lhe
penteasse os cabelos, amigas com as quais falar, um cão com o que
correr e um cavalo para trotar livre pelo campo. E quando cresceu, a
seus desejos acrescentou um bonito e gentil homem de cabelo e olhos
claros que gostasse muito dela e a olhasse com amor verdadeiro. Mas,
conforme passaram os anos, e depois de sofrer um desamor por alguém
que nunca a quis, mas sim, tão somente a utilizou, soube que nenhum
de seus desejos se materializaria. Ela era quem era, a filha do temido
Jack Moore, e tinha assumido isso.
— Escuta, Alison, não pode me ajudar, querida, mas pode ajudar
a si mesma. Para mim é tarde. Muito...

— Não diga isso...

A jovem não estava disposta a atirar a toalha e menos com o


Edberg, mas, de repente, este voltou a tossir, levou as mãos à boca e,
ao retirá-las, viu que nelas havia sangue. Isso horrorizou à moça, que,
agarrando um pano, rapidamente limpou suas palmas.

— Isto piorará — continuou ele, — dentro de dias meu intestino


apodrecerá como aconteceu com Elga, e sofrerei terríveis dores até
morrer.

Alison sentiu acelerar o coração. Não queria que ele sofresse por
nada do mundo. Não.

— Onde e quando lhes recolherão? — Perguntou então Edberg.

— Ao anoitecer, na desembocadura do rio Vecht, junto à fortaleza


em ruínas.

Ele assentiu, referia-se ao antigo castelo Muiderslot, era um bom


lugar de recolhimento.

— E você, tio Edberg, virá comigo — sentenciou Alison.

De novo, ele negou com a cabeça e, quando ela ia protestar, ele


agarrou sua mão com força e sussurrou:

— Se me ama como desejo acreditar, me dê essas sementes. Por


favor, Bug... por favor...

Ouvir aquela súplica e ver seu olhar vazio a fez entender que devia
fazê-lo. Edberg estava morrendo. E ela, por amor e lealdade, devia lhe
facilitar o caminho.
Finalmente, com toda a dor de seu coração, a jovem abriu sua
bolsa, dela extraiu um lenço que retirou algumas sementes negras e,
depois de entregar-lhe com o coração encolhido, Edberg sussurrou
sorrindo:

— Sem dúvida me ama. Ama-me muito, querida. Obrigado.

Aquilo era duro, terrível.

— Diga a Matsuura que sempre foi meu irmão — acrescentou ele,


— como foi Ragnar, e que, embora nossas religiões sejam distintas,
encontrarei a forma de que nossos caminhos voltem a cruzar-se.

Sem poder falar, a jovem assentiu e ele se levantou.

— Agora preciso te pedir o maior favor de minha vida — disse. —


Posso?

— Não tem nem que perguntar.

O homem sorriu. Tinha pedido ajuda a seus deuses para que algo
assim ocorresse.

A aparição da jovem naquele momento tão complicado era o


melhor que podia acontecer e, caminhando para um berço, descobriu-
o e disse:

— Tem que levar contigo Siggy.

Alison ficou como pedra ao olhar um bebê que dormia


placidamente em seu berço.

Mas de onde tinha saído esse bebê?

Então Edberg se sentou de novo tossindo e explicou:

— Elga e eu fomos pais onze meses atrás.


Comovida pela notícia alegre e triste, e pela linda menina loira
como seu pai que estava dormindo, a jovem sussurrou:

— Oh, Deus, tio Edberg.

Seu tio, vendo como olhava à pequena, insistiu sem perder um


segundo:

— Siggy é forte. Está sã. Não adoeceu com a febre como sua mãe
ou eu. Odin me escutou e te trouxe até aqui para que a leve e eu não
tenha que matá-la.

Horrorizada, ela não sabia o que pensar e ele insistiu:

— Leve-a contigo. Matsuura te ajudará, sei. E... e me prometa que


vai amá-la como... como eu sempre te amei.

Boquiaberta por todo o acontecido, a jovem mal podia reagir.

Até três anos atrás, Edberg tinha servido sob as ordens de seu pai
na frota, mas se apaixonou loucamente de uma viking como ele em um
botequim de Portugal e tudo mudou.

Elga era uma bonita mulher de cabelo e olhos escuros que estava
cativa naquele botequim, por isso Edberg, ajudado por Alison e
Matsuura, liberaram-na de seus opressores durante a noite e, depois
de introduzi-la às escondidas na La Bruxa del Mar, afastaram-na de
seus captores, sabendo que quando o capitão e o resto dos homens
soubessem de que tinham uma mulher a bordo se originaria um grave
problema. Se algo foi proibido por seu pai era somente uma coisa: no
navio não entravam nem mulheres nem crianças. O único bebê que se
criou no galeão foi Alison, e porque era a filha do capitão.

Depois de uma grande bronca quando a tripulação descobriu


Elga, quando chegaram ao porto do Aemsterdam, Edberg, depois de
mais de trinta anos às ordens do capitão Moore, decidiu mudar sua
vida. Desejava deixar o mar e ter uma existência tranquila junto à Elga.

E, graças à intervenção de Alison e de recordar a seu pai tudo o


que ele tinha feito e dado por ela, Jack Moore teve que aceitar. Edberg
Bass tinha sido leal a seu capitão durante muito tempo. Tinha chegado
junto com seu irmão Ragnar poucos meses depois de Matsuura, sendo
jovens, qualquer deles dava o seu melhor.

Finalmente, o capitão Moore casou Edberg e Elga em La Bruxa del


Mar e, embora doeu sua partida, deixou-o ir. Merecia ser feliz.

Durante os anos que Edberg viveu em Aemsterdam, ninguém


nunca soube que ele tinha estado às ordens do capitão Jack Moore
muito menos que a moça que os tinha ido visitar era a filha daquele
homem tão procurado. Aquela fidelidade, amparo e carinho sempre
tinham enchido o coração de Alison, e agora, olhando-o com carinho,
indicou consciente de seu dever:

— Buscar-lhe-ei a melhor família do mundo.

— Você e Matsuura são sua família. Não haverá ninguém melhor


que você para ela.

Isso fez a jovem sorrir, que encolheu os ombros.

— Matsuura não duvido, mas eu sou um desastre para os típicos


misteres de mulheres, e sabe tão bem quanto eu...

— Equivoca-te, Alison... equivoca-te... Será uma excelente mãe


precisamente por que é protetora — afirmou ele.

A jovem conteve a vontade de chorar, nunca tinha se permitido


fazê-lo, e ao ver a dificuldade dele para respirar, e disposta a dizer tudo
que o reconfortasse, sussurrou tomando suas mãos com devoção e
carinho:

— Assegurar-me-ei de que seja querida, amada, respeitada e


tenha uma bonita e feliz vida rodeada de gente que a ame, cuide-a e a
proteja como você teria feito.

Edberg Bass por fim respirou feliz. Saber que sua pequena não
morreria sozinha, ali, junto a ele, era o único que precisava ouvir.

— Pegue-a. Pegue Siggy — disse olhando-a.

— Não sei fazê-lo...

— Sabe... Claro que sabe. Pegue-a!

Com mãos tremulas, Alison olhou à pequena, que dormia


placidamente, e sussurrou assustada:

— Tem certeza de sua decisão?

— Muita certeza. E quanto a seu pai, diga a Matsuura que...

— Do resmungão eu me encarrego. Não se preocupe — retrucou


ela sabendo por que o dizia.

Consciente do problemão que tinha, a mente de Alison procurava


possíveis solução quando, ao ver a pequena mais de perto, cochichou:

— É linda...

— É...

Crianças sempre tinham gostado muito da jovem. Cada vez que


chegavam a um porto e via um, seus olhos iam atrás delas; mas agora
se sentia insegura e perguntou:

— E se a perco? Ou se a deixo cair ou a enveneno?


Edberg sorriu com esforço. Sabia que sua menina estaria bem
com ela, e insistiu:

— Tranquila. Seu instinto protetor te fará fazer o correto. Fá-lo-á


bem.

Sem esperar um segundo mais, ela estendeu as mãos e, depois de


pegar à pequena, que estava envolta em um sujo e fedorento xale que
em outra época tinha sido branco, agarrou-a nos braços.

— Tem que saber que só entende o norueguês — disse então


Edberg. — Elga e eu lhe falávamos em nosso idioma natal, porque
íamos retornar a nosso país, mas você lhe ensinará gaélico... entre
outras línguas.

Aquilo agitou mais ainda a jovem. Não saberia cuidá-la e


tampouco a entenderia. Como ia ela ocupar-se de uma menina?

— Siggy é muito boa. Se chora... lhe agrada muito a canção que


cantávamos quando você era pequena, recorda-a?

Alison sorriu com os olhos alagados em lágrimas. Seu pai e todos


os tripulantes de sua frota a tinham cantado infinidade de vezes desde
que era uma menina.

— A canção de mamãe. Claro que lembro — afirmou.

O homem suspirou, e ela, olhando o bebê, perguntou sentindo-se


ridícula:

— Por que não me ensinou a falar norueguês?

Edberg sorriu, e isso lhe provocou um novo ataque de tosse que o


fez sangrar. Sabia que Alison dominava distintas línguas. Seu tio
materno se preocupou de que aprendesse italiano, o idioma de sua
mãe. Seu pai, o escocês. Dominava o francês por Armand, e algo de
japonês por Matsuura.

— Ragnar e eu tentamos, Bug — respondeu ele, — mas nunca


emprestou muita atenção, à exceção dos palavrões. — Ambos sorriram
por aquilo e ele acrescentou: — Não aprendeu nosso idioma, mas sim
a lutar como uma viking. Esse é o legado de meu irmão Ragnar e meu
para você. Para vocês. Sinto-me muito orgulhoso disso e espero que
ensine a Siggy.

A jovem, comovida, não soube o que dizer. O que tinha aprendido


de seus tios Edberg e Ragnar sempre tinha sido útil. E então os dois,
olhando-se, disseram ao uníssono certo dito nórdico:

— Não há dor, só vingança!

De novo, sorriram e ela murmurou:

— Acabo de saber que Conrad McEwan está em Escócia. Pelo que


parece, comprou terras e...

— Alison — a cortou olhando-a. — Nem pense te aproximar dele.

— Mas, tio Edberg, ele matou Ragnar.

Edberg assentiu. Ragnar era seu irmão, nunca tinha esquecido o


ocorrido, mas murmurou:

— Disse-lhe isso uma vez, como disse seu pai e o resto de seus
tios. Não quero que suas mãos se sujem com seu asqueroso sangue.
Então me prometa que não fará nenhuma loucura. — A jovem não
respondeu e ele insistiu: — Alison...

Alison, que tinha sua filha em braços, retrucou:

— Tio, sabe bem que nunca prometo o que não sei se serei capaz
de cumprir.
Edberg suspirou. Sabia disso, como sabia que Alison ia aproveitar
aquela informação, e olhando-a sussurrou:

— Maldita descerebrada insolente. É igual a sua mãe. Quando vai


mudar?

Finalmente, ambos sorriram e Edberg, precisando lhe dizer algo,


comentou:

— Quando Elga morreu, vi um homem no cemitério. Acabara de


enterrar sua mulher e suas duas filhas por causa da febre e, bêbado,
gritava que era Bart, o Vermelho e que mataria à morte por haver levado
a quem mais amava.

Ouvir isso fez com que Alison prestasse toda a atenção.

— Em um princípio não acreditei — prosseguiu Edberg. — Era


um bêbado morto de dor pela morte de seus seres queridos. Mas dias
depois, uma noite, voltei-o a ver e, pelas barbas de Netuno! não podia
acreditar no que meus olhos viam. Era mesmo Bart, o Vermelho!

— O quê?!

Edberg assentiu e, tomando ar, acrescentou:

— Reconheci-o, Alison. Era ele. E, desejoso de se vingar e você


sabe de quem, não duvidei e o matei. Diga ao capitão e ao resto que já
podem descansar. O último que faltava para morrer se foi, e com
sofrimento. Por fim seu pai poderá te deixar respirar livre. Precisa
encontrar seu caminho e viver. — E, tirando algo do bolso da calça,
murmurou: — Este anel era de sua mãe.

Ao ver o que lhe mostrava, a jovem tomou ar. Tinha ouvido falar
daquele anel e de quão importante tinha sido para seu pai e para
Francesca, sua mãe.
Antes de ser a mulher do capitão Moore, Francesca era uma jovem
que vivia em Génova com seu irmão Marco e seus pais, que eram
ourives. Era uma beleza morena que chamava a atenção por seu sorriso
e seu forte caráter arrebatador, e enquanto vendia com seus pais as
joias que fabricavam em um mercado, um jovem escocês chamado
Robert Williamson gostou muito dela e iniciaram uma relação.

Entretanto, pouco tempo depois apareceu o bonito capitão


escocês Jack Moore por Génova, liderando o galeão La Bruxa del Mar.
Jack era um reputado escocês comerciante de joias que comprava e
vendia pelos portos. Francesca, deixando de lado Robert, apaixonou-se
por jovem capitão, e este, depois de entregar aos pais da jovem o mais
incrível diamante jamais visto que tinha comprado na Índia, pediu-lhes
que fizessem um impressionante anel.

Sem duvidar, eles criaram o anel mais bonito que puderam para
sua filha, e em menos de dois meses Francesca e o capitão se casaram.
As bodas rompeu em dois Robert, que, apesar de ter aceitado a ruptura,
continuava amando a jovem.

Quando Francesca, uma moça com um intrépido caráter, decidiu


partir com seu marido para sulcar os mares em La Bruxa del Mar, seu
irmão Marco e sua mulher Isobel, influenciados pelos pais dele, se
uniram aos dois. E Robert, disposto a não perder de vista o seu amor,
arrolou-se também na viagem. Melhor vê-la sem tê-la do que perdê-la.

A convivência no navio foi maravilhosa. Tanto Marco como Robert


aprenderam a entender o mar e os sinais que as estrelas do céu lhes
indicavam e, além disso, Robert aprendeu a gostar de Jack Moore como
irmão. Ambos se amavam e se respeitavam.
Mas toda aquela felicidade se acabou na noite seguinte ao
nascimento de Alison.

O capitão Moore celebrava junto a seus melhores amigos, Roy,


Armand, seu cunhado Marco e Robert, a chegada da pequena em um
botequim do porto de Génova. Tudo ia bem. Brindavam pela menina e
por Francesca, até que Robert, consumido pela amargura de não ser
ele o pai da menina, dirigiu-se sozinho e bêbado para a praia sem
precaver-se de que alguns homens o observava na escuridão da noite.

Aqueles homens eram Bart Vinke, Tobias Sanders e Enzo Carole,


mais conhecidos como Bart, o Vermelho; Tobias, o Sujo; e Enzo, o
Caolho, três temíveis piratas que lideravam distintos navios e que, ao
vê-lo bem vestido apesar da bebedeira, deduziram que pertencia à
refinada tripulação de algum dos navios que ancoravam perto do porto.

Dispostos a tudo, capturaram-no e o torturaram para lhe tirar a


informação que desejavam e, quando souberam que era tripulante de
La Bruxa del Mar e que naquele navio transportavam joias compradas
no Oriente, saltaram felizes por sua sorte.

Nem é preciso dizer que os piratas adoravam joias e reuniram seus


homens. E, na calada da noite, enquanto o capitão Moore e seus amigos
desfrutavam de uma agradável noite bebendo, deixando Robert meio
morto na praia, eles atacaram seu galeão.

Sem piedade, mataram os marinheiros havia ali, apoderaram-se


das joias e, não contentes com isso, assassinaram às mulheres que
nesse instante jantavam com a recente mãe. Todas morreram, incluído
Francesca, a que pegaram seu incrível diamante.
A pequena Alison se salvou devido a Ragnar, Matsuura e Edberg,
que eram jovens e, evitando o perigo, pegaram a pequena e se lançaram
com ela ao mar.

Durante horas a mantiveram viva na água segurando-se a uma


tábua, até que chegou Moore e os resgatou. A partir desse instante o
capitão os nomeou seus guardiães.

Aquele massacre provocou a fúria e o envenenamento dos poucos


que ficaram vivos, e mais ao saberem pelo próprio Robert que aquela
desgraça tinha ocorrido por sua culpa.

Jack Moore e seus amigos, mortos de dor pelo assassinato de suas


mulheres, repudiaram-no e o expulsaram do navio. Não queriam vê-lo.
Aquele escocês era o culpado pela matança. E a partir de então
começou uma inimizade que durava vinte e cinco anos, a idade que
agora tinha Alison, e o tempo que tinham começado a chamá-la «a Joia
Moore» por sua beleza e pela superproteção de seu pai para com ela. O
capitão tinha prometido não se separar dela, por temor de que lhe
acontecesse algo, até que todos os que tinham matado a sua mãe
estivessem no inferno.

Com o passar dos anos, Jack Moore e seus amigos, passaram de


ser considerados comerciantes de joias a ser pontuados de selvagens
piratas, por procurar sem descanso quem tinha assassinado a suas
mulheres para lhes dar morte e, de passagem, apropriaram-se de seus
navios. E o pior, Jack Moore não voltou a pisar em sua amada Escócia.
Se o fizesse, seria aprisionado por pirata e seria enforcado.

Agora a frota do capitão se compunha de La Bruxa del Mar,


comandada por ele; El Demonio de las Olas, capitaneado pelo Roy; El
Fuego Infernal, liderado por Marco e, finalmente, La Brisa Guerrera, que
estava sob as ordens do Armand.3

Só restava encontrar Bart, o Vermelho para que sua vingança se


cumprisse em sua totalidade.

Por sua parte, o escocês Robert Williamson desapareceu e nunca


ninguém voltou a vê-lo ou saber dele.

Um acesso de tosse fez com que Alison voltasse de seus


pensamentos. Angustiada, viu como tio Edberg a olhava e, lhe
entregando o anel que no passado tinha pertencido a sua mãe,
murmurou em um fio de voz:

— Vá.

— Não — respondeu a jovem soluçando.

O homem assentiu convencido. E, depois de dar um beijo na


cabeça de sua filha e sorriu para jovem, indicou que saísse metendo na
boca as sementes que lhe tinha entregue:

— Sorria, minha vida, vai e não chore. Fecharei os olhos e


morrerei em paz sabendo que Matsuura e você iluminarão o caminho
para que voltemos a nos encontrar.

Ouvir aquela frase da tradição japonesa que Matsuura tinha lhe


ensinado e que tinham pronunciado quando Edberg ficou com Elga
anos atrás em Aemsterdam, fez com que seu coração se rompesse.

— Tio...

— Vai! E exija de seu pai sua liberdade.

Incapaz de ignorar daquela ordem, desesperada, Alison assentiu.


Tio Edberg não queria que o visse morrer. Por isso, deu de presente o
sorriso que ele necessitava para lhe desejar uma boa viagem na morte
e, com o coração quebrado e o bebê nos braços, deu a volta e partiu.
Como em uma nuvem, Alison se encaminhou com passos lentos
para o mercado. Seu tio tinha morrido, tinha-a deixado para sempre, e
seu último pedido era que cuidasse de sua filha e vivesse sua vida.

Mas como fazê-lo sendo a filha do famoso pirata o capitão Jack


Moore?

Que homem quereria conhecê-la? Tomar-lhe de verdade?

Caminhava pensando nisso enquanto a tristeza enquanto a dor a


rompiam por dentro. Não obstante, a morte era parte da vida como
sempre lhe tinham ensinado e assim devia aceitá-la.

Quando chegou ao mercado abriu a mão e, parando, observou o


anel que tinha ouvido falar durante toda sua vida. Contemplou-o com
curiosidade. Era uma maravilha, uma verdadeira maravilha que seus
avós maternos tinham feito em Génova por encomenda de seu pai, para
sua mãe. Olhou-o durante instantes e finalmente o guardou no bolso
da saia.

Tomando ar, olhou a seu redor e, ao sentir o nauseante aroma


que saía do pano que o bebê usava, o tirou e atirou fora. Procurou uma
barraca de roupa, comprou um xale novo e se encaminhou para onde
estavam seus amigos.
Ao chegar de frente a tio Matsuura e Gilroy, estes a olharam
surpreendidos ao ver o que trazia nos braços e o moço perguntou:

— O que é isso?

Vendo seu trejeito horrorizado, a jovem tomou o controle de seu


corpo e suas emoções e respondeu:

— Poder-te-iam dizer que é um saco de aveia, mas em realidade é


uma menina. — Matsuura e Gilroy olharam à pequena, que dormia, e
Alison declarou depois de inspirar: — Tio Edberg e Elga morreram.

— O quê?! — Sussurraram os outros dois.

Ela assentiu com pesar e, olhando Matsuura, cujos olhos se


entristeceram em um só instante, murmurou em um fio de voz
tentando não chorar:

— Edberg me pediu que te disse que é seu irmão e que, embora


suas religiões sejam distintas, encontrará a forma de que seus
caminhos voltem a cruzar-se.

Matsuura, aquele guerreiro de poucas palavras, retendo suas


emoções, posou um joelho no chão e, baixando a cabeça, fechou os
olhos e murmurou algo em japonês. Aquela perda era terrivelmente
dolorosa, mas a recebeu com a força de um guerreiro e se levantou, e
então Alison soltou:

— E... esta é a filha de tio Edberg.

— Uau! — Exclamou Gilroy boquiaberto.

Saber que o bebê era de Edberg fez com que o olhar do japonês se
adoçasse e, sem tocá-la, só olhando à pequena, afirmou:

— Será cuidada com o respeito e o amor que merece.


Alison assentiu, mas Gilroy de repente sussurrou olhando a
jovem:

— Ah, não... Bug, nem pensar!

A jovem sabia que o assunto a colocaria em problemas com seu


pai, mas fazendo ressurgir novamente a parte rude e forte que vivia
nela, replicou com arrogância:

— Ah, sim...

— Está louca? — Perguntou Gilroy fazendo dramalhões com as


mãos. — Seu pai nos matará!

— Provavelmente — disse ela sem querer pensar.

— Sabe que é complicado — falou Matsuura.

— Mas não impossível.

O japonês sorriu, mas Gilroy soprou e, levantando a voz, estalou:

— Bug! Por Tritão! Mulheres e crianças são proibidas.

A jovem afirmou com a cabeça, sabia que tinham razão. Depois


do ocorrido com sua mãe e as mulheres de seus tios, seu pai se negava
que tivesse nenhuma outra mulher, que não fosse ela, voltasse a pôr
um pé em seus navios. Mas, preocupada ao notar que a menina se
agitava, sussurrou:

— Baixa a voz para que não a desperte ou juro que te arranco as


orelhas.

Gilroy assentiu. O que acabava de dizer não estava de acordo com


sua maneira de ser nem de pensar, mas insistiu em um tom mais baixo:

— Como vai levar a menina?


— E o que quer que faça?! — Grunhiu ela sentindo-se responsável
pela pequena.

— Não sei...

— Acaso pretende que a abandone na rua ou a deixe morrer?

Conforme disse isso, Matsuura a olhou. Ele não ia permitir e ela


tampouco.

— Não, claro que não! — Exclamou Gilroy, mas, enquanto


procurava uma solução, ao ver que Matsuura não dizia nada, insistiu:
— Ninguém poderia ficar com ela? Um vizinho? Uma amiga de Edberg?

Alison negou com a cabeça. Ela não conhecia ninguém e, embora


se conhecesse, tinha dado sua palavra a Edberg.

— Eu disse a tio Edberg que cuidaria dela e lhe buscaria uma


família, e assim será.

Gilroy soprou. Avizinhava-se uma grande agitação quando


chegassem ao navio.

— A menina vem conosco — decidiu Matsuura.

Ouvir isso fez Alison sorrir.

— Tio Edberg sabia que podia contar contigo — murmurou.

O japonês assentiu com um tímido sorriso. Não havia mais nada


a falar.

Finalmente, os três, junto à menina, dirigiram-se para seus


cavalos. Ao se preparar para montar, Alison se deteve. Não podia fazê-
lo com o bebê nos braços e administrar a saia, não estava acostumada.
Por isso, pediu a Gilroy:

— Segura por um instante.


Ele, que tinha tido Alison em seus braços quando bebê, colheu-a
com supremo cuidado e conteve o fôlego paralisado, embora sussurrou
contemplando-a:

— Que coisinha mais pequenina e bonita.

Matsuura, que montava em seu cavalo com as bolsas das joias,


sorriu. O efeito que estava acostumado a provocar um bebê por tê-lo
nos braços era incrível, inédito. Ele o havia sentido quando agarrou
naquele fatídico dia a Alison, e jamais tinha podido esquecer.

Com cuidado, a jovem tirou do bolso algo que guardara na sacola


de remédios para depois deixar cair no chão a saia que usava toda vez
que ia vender no mercado. Tirá-la era uma libertação para ela. No
galeão sempre usava calça porque lá era um homem a mais.

Por isso, quando pendurou a katana às costas, ajustou o cinturão


e a espada à cintura e jogou por cima a linda e abrigada capa azul que
antigamente tinha pertencido a sua mãe, subiu ao cavalo e pediu
olhando a Gilroy:

— Me dê à menina.

Assim que lhe deu à pequena e Gilroy montou em seu cavalo, os


três se afastaram em silêncio do mercado. Deviam chegar à
desembocadura do rio Vecht ao anoitecer para que o pai dela os
recolhesse.
Fortaleza do Keith,

Terras Altas de Escócia.

Os raios do sol entravam pela janela do fundo do quarto e Demelza


sorriu ao senti-los em seu rosto.

Adorava sua calidez, e agora ela começava a diminuir, pois o frio


de inverno das Highlands se aproximava, e tratava de desfrutá-lo
enquanto podia.

— Bom dia, Nidhogg — murmurou.

Nidhogg era seu lobo cinza, que normalmente dormia a noite aos
pés da cama e que rapidamente se levantava para saudar sua ama com
agrado.

A presença de Nidhogg e Demelza em um princípio tinha


assustado a todos os que viviam nas terras dos McAllister. Ninguém
confiava em um lobo e uma viking, mas agora ambos eram
tremendamente queridos por todos.

Demelza demonstrava dia a dia o enorme coração que possuía e o


carinho que tinha a todos, e Nidhogg se ocupava de que nem outros
lobos nem outras feras perigosas se aproximassem das casas nem dos
animais, especialmente os cavalos e às ovelhas.

Durante um momento Demelza permaneceu deitada sobre a


cama, enquanto o maravilhoso aroma de seu marido, Aiden McAllister,
emanava dos lençóis. Sorrindo, aproximou o nariz dos lençóis. Por
sorte, nesse dia deveria retornar de uma viagem. Só estava sem vê-lo
há dois dias, mas para ela era toda uma eternidade. Amava com
loucura ao homem que tinha prometido amá-la e cuidá-la e, graças a
ele, sua vida era plena e feliz.

Estava pensando nisso quando a porta do quarto, que estava


entreaberta, abriu-se por completo. Ao levantar a cabeça, Demelza viu
o Nidhogg sair e Hilda entrar, que para ela era sua mãe. Trazia nos
braços à pequena Ingrid, como sempre acordada, e quando ia dizer
algo, Demelza perguntou:

— Quando levou Ingrid?

— Enquanto você dormia como um anjinho. — Hilda sorriu.

Demelza suspirou. Sua pequena tinha estado acordada grande


parte da noite, chorando, e exclamou:

— Atribulada noitinha me deu!

Hilda assentiu.

— Aiden chegou com Harald e Peter? — Perguntou Demelza a


seguir.

A mulher negou com a cabeça e, apontando à menina,


acrescentou:

— Não, ou esta pequena bruxinha estaria adormecida.


Demelza sorriu. Se alguém apaziguava e fazia Ingrid dormir, era
Harald. Sua paciência e as canções que lhe cantava em norueguês
enfeitiçavam à pequena, e quando ia responder, Hilda indicou:

— Vamos, folgada. O que faz ainda na cama?

Ela sorriu e, estendendo os braços para que entregasse a sua


filha, replicou:

— Esperando que viesse me despertar.

Hilda sorriu feliz. Nada mais gostava do que despertar a sua


menina a cada manhã, e, depois de lhe entregar a pequena, sentava-se
na cama para as observar rir e brincar.

Ver seus dois amores felizes era o que mais lhe agradava no
mundo.

No passado, Demelza tinha sofrido muito. Muito. Mas todo aquele


sofrimento se acabou graças a sua força interior e, sobretudo, a Aiden
McAllister e ao amor que este lhe professava diariamente. Fruto desse
bonito amor tinha nascido Ingrid, uma linda menina ruiva como sua
mãe que acabava de cumprir seu primeiro ano de idade e que, além de
não dormir, o que mais gostava de era chorar.

Demelza estava brincando com sua pequena quando ouviu ruído


de cascos de cavalos aproximarem-se da fortaleza. Aiden!

Rapidamente se levantou da cama para olhar pela janela e um


sorriso resplandecente se instalou em seu rosto ao ver seu marido junto
ao Moisés, Peter, Harald e outros homens do clã que chegavam.

Anos atrás, Harald tinha sido seu cunhado. Casou-se na Noruega


com sua irmã Ingrid, mas, por desgraça, no dia de suas bodas, depois
do ataque de alguns desalmados que foram procurando por Demelza,
ela morreu. Isso fez com que as vidas de Harald e Demelza mudassem
drasticamente, deixando sua terra natal, a Noruega, para viverem na
Escócia.

Os rudes Highlanders desmontaram de seus cavalos e se


encaminharam para o estábulo. Todos menos Aiden e Harald, que
continuaram falando junto à porta de entrada. Demelza tentou ouvir o
que diziam, mas lhe foi impossível, não falavam o suficientemente alto.

Instantes depois, quando viu que os dois iram seguir o mesmo


caminho que os homens que vieram com eles, abriu de repente a janela
da casa e gritou:

— Aiden McAllister, de verdade vai ao estábulo antes de subir e


dar um beijo em sua mulher?!

Ouvindo-a, ele olhou para cima com ironia.

Adorava a aquela ferazinha.

Embora ela não soubesse, tanto ele como Harald a tinham visto
observando-os. Por isso, com cumplicidade e para fazê-la ficar zangada,
tinham falado baixinho.

— Atrevida e fanfarrona viking — soltou Harald olhando-a.

A carranca raivosa dela não se fez esperar e ambos sorriram


quando desapareceu no interior da casa. Sem deixar de sorrir, Aiden
entregou a Harald as bridas de seu cavalo.

— Não há nada que eu goste mais que essa ruiva — declarou. —


Logo nos vemos.

Quando Harald partiu, Aiden entrou na casa com passo


acelerado. Em seu caminho se encontrou com Girda, uma das criadas,
e depois de saudar-lhe iniciou a ascensão ao primeiro andar.
Depois de subir as escadas se encontrou com Hilda, que tinha
Ingrid nos braços. Ambos se entenderam com um sorriso e, depois que
o highlander deu um beijo a sua pequena com amor, prosseguiu seu
caminho para o dormitório.

Sem chamar, entrou e fechou a porta. Quando seus olhos e os de


Demelza se encontraram, ele sussurrou ao ver seu olhar selvagem:

— Ruiva selvagem...

— Senhor... — murmurou ela com certo desagrado.

Aiden sorriu. Sua mulher o apaixonava, deixava-o louco.

Separava-os a bonita cama e Aiden, tirando de debaixo do casaco


uma flor que tinha pego pelo caminho, estendeu.

— Isto é para a proprietária de minha vida e meu coração —


indicou. — E, sim, carinho, vi-te na janela e, para te fazer raiva, fingi
que me dirigia ao estábulo. Mas, me acredite... nunca teria chegado ao
estábulo, porque o que desejava desde que parti há dois dias era
retornar para te beijar e dizer o muito que te amo.

Ouvindo isso, a carranca de Demelza se adoçou. Aquele lado


romântico de Aiden a seduzia. Por isso, sorrindo, subiu à cama de um
salto, cruzo-a e se atirou em seus braços para beijá-lo.

Aiden a recebeu com carinho e, quando os dois caíram sobre o


leito, só bastaram um par de beijos para fazerem amor sem qualquer
dúvida. Desejavam-se.
À hora do almoço, quando Aiden e Demelza saciaram de amar-se,
desceram a sala de jantar. Ali, de frente à lareira, estava Harald, que
tinha sobre seu ombro à pequena Ingrid felizmente adormecida, e ao
vê-los aparecer afirmou:

— Pensei que tinham se matado.

Aiden sorriu e observou lhe dando uma palmada carinhosa no


traseiro de sua mulher:

— Como vê, o sangue não chegou ao rio.

Divertida, Demelza empurrou seu marido e, depois de aproximar-


se de Harald, deu-lhe um carinhoso beijo na bochecha e o
cumprimentou.

— Não sabe quanto sentimos sua falta.

Ele assentiu sorrindo. Hilda lhe havia dito o mesmo. Estava claro
que a pequena Ingrid necessitava dele por perto para dormir e elas para
descansar de seus choros.

Com mima, Aiden pegou sua filha nos braços para beijá-la. Ingrid
era exaustiva. Antes de dormir, passava mais da metade do tempo
acordada e intranquila, mas não a trocaria pela menina mais tranquila
do mundo. Depois de minutos de bajulações dos quais a pequena nem
se inteirou, finalmente a entregou a Hilda.

— Que durma bem esta sesta — indicou. — Isso também lhe virá
bem.

— Ela e todos — afirmou a mulher.

Todos riram divertidos e, quando os três ficaram a sós e se


sentaram à mesa, Demelza perguntou olhando seu ex cunhado:

— Encontrou os móveis que queria para seu lar?


O viking assentiu.

— Sim. Inclusive encarreguei algumas peças ao marceneiro.

Pelo tempo que Harald estava vivendo na Escócia, Aiden, o marido


de Demelza, tinha sido muito bom com ele. Não só o tinha aceito no
clã, mas tinha lhe agraciado com terras próximas à casa principal e ao
rio, concretamente onde estavam as cavalariças, o lugar preferido de
Harald. Ali, com a ajuda dos McAllister, que já o tinham aceito como
um membro a mais, o viking construiu uma bonita casa de pedra e
uma ferraria em que trabalhar.

A enorme construção tinha dois andares, era espaçosa,


ensolarada no verão e cálida no inverno. Uma casa que guardava as
lembranças do que trouxe consigo após a última viagem à Noruega e
que pertencera a Ingrid, sua amada esposa.

Depois de comentar que depois de alguns dias chegariam os


móveis que tinha encarregado e de que Girda servisse os pratos com
comida, Demelza perguntou olhando Harald:

— Que tal seu encontro com Mariam?

Ele soprou e, sem olhá-la, respondeu tocando o anel que usava


no dedo:

— Não o repetirei.

— Por quê?

— Porque não.

— Mas, Harald...

— Dem! — Protestou ele.

— Mariam está muito iludida e...


— Esse é seu problema, não o meu.

Demelza amaldiçoou. Não havia maneira de que Harald refizesse


sua vida e, recordando algo, insistiu:

— Voltou a pensar em Lorna Sisley?

O viking soprou e respondeu para que se calasse:

— Alguma vez.

Demelza sorriu.

— Isso está bem, Harald. Precisa de uma mulher em seu lar e, se


mal me recordo, disse que você gostou e que voltaria a vê-la. Que tal se
convido a seu pai, Robert Sisley, e assim se conhecem?

Ele suspirou. Demelza não pararia até lhe encontrar uma mulher.

— Sei o que disse — retrucou. — Mas se não se importar, eu


decidirei quando e como.

Esse comentário e em especial ver seu olhar o fez amaldiçoar a


jovem ruiva e, quando se dispunha a protestar, seu marido a agarrou
pela mão e perguntou:

— Gostaria de vir conosco a Peebles e posteriormente Edimburgo?

Ouvir isso fez a jovem sorrir; então Harald, agradecendo a


intervenção Aiden por desviar o assunto, contou:

— Soubemos que trarão uma estupenda manada de cavalos


nórdicos para a grande festa do castelo de Edimburgo e eu disse Aiden
que deveriam ir e comprar alguns.

Demelza assentiu satisfeita, nada gostaria mais, mas Aiden


acrescentou:
— Alastair, Zac e eu temos que solucionar um assunto com
Ferdinald Douglas em Peebles e pensamos que, já que Edimburgo
estará de festas, poderíamos ir com nossas mulheres e, além de fazer
negócios, aproveitarmos um pouco. Poderia comprar com suas amigas
o que gostar. O que acha?

Emocionada, Demelza se levantou. As compras não importavam,


mas adorava estar com Adnerb, que era sua melhor amiga, e Sandra,
a mulher de Zac.

— Está me perguntando se quero encontrar com Adnerb e


Sandra? — Aiden assentiu, e ela gritou feliz: — É obvio que sim!
Quando vamos?

— Dentro de alguns dias.

A jovem sorriu entusiasmada e então Aiden acrescentou:

— Acompanhar-nos-á também o padre Murdoch.

Demelza não gostou. O padre que oficiava as missas na igreja do


Keith, e que era um fofoqueiro por natureza, esgotava-a um pouco, mas
retrucou:

— Tentarei não matá-lo. Odeio quando fica puritano.

Aiden soltou uma gargalhada e Harald, vendo a alegria da jovem,


assentiu. Estava claro que Demelza tinha refeito sua vida em Escócia
em todos os sentidos.

— Eu ficarei aqui no Keith se não se importam — apontou olhando


Aiden. — As festas não são para mim e, além disso, uma das éguas
nórdicas que compramos na última remessa vai parir e quero estar
aqui.
Aiden se dispunha a replicar quando Demelza, depois de lhe dar
um chute por debaixo da mesa para que não ficasse contra ela, indicou:

— Nada disso, Harald.

— Dem... não comecemos — murmurou o norueguês.

— Você vem conosco — insistiu ela.

— Não.

— Sim.

— Eu disse que não — replicou ele.

— Pois eu disse que sim. Da égua se encarregará outra pessoa,


para que você em Edimburgo possa conhecer mulheres — insistiu ela.

— Não quero problemas...

— Uma mulher não tem por que ser um problema — declarou


Demelza.

O viking amaldiçoou.

— Não há ninguém como Ingrid. Além disso, sabe que odeio


mentir quando me perguntam minha procedência por meu estranho
sotaque. Assim não irei.

Demelza resmungou. Harald tinha razão. Eles e muitos dos


noruegueses residentes no país ocultavam sua procedência para evitar
problemas com os escoceses. Dizer que era viking não era algo que
gostassem. Por norma odiavam os vikings por suas maldades e seus
saques.

— Harald, sabe tão bem quanto eu que nem todos os escoceses


pensam igual. Mas...
— Eu disse que não irei. Não há mais o que falar — sentenciou
ele.

— Claro que há mais o que falar... — afirmou ela.

Harald protestou. Aquela cabeça dura nunca o deixava em paz,


mas, quando se dispunha a replicar, a porta se abriu e em instantes
apareceu o atraente Peter McGregor, amigo de Aiden e Harald, com seu
cândido sorriso.

— O que aconteceu? — Perguntou sentando-se junto a eles ao


notar a tensão no ambiente.

Aiden revirou os olhos, e Peter, ao entender, perguntou sorrindo


a Demelza:

— Com quem quer juntar Harald desta vez?

— Só me interesso que conheça mulheres e... — retrucou ela


apontando-o com o dedo.

— Não preciso conhecer mulheres — a cortou Harald.

A jovem suspirou ao ouvi-lo, mas, ignorando seu trejeito zangado,


olhou Peter e perguntou:

— A propósito, quem era a garota com quem você estava


caminhando para o lago algumas noites atrás?

— Demelza! — Protestou Aiden.

— O quê?! — Grunhiu ela.

Peter sorriu, não escapava nenhum detalhe a jovem, e, tomando


um pedaço de pão da bandeja de madeira, respondeu:

— Sarah Kinsell.
— A filha de Mordac o Ruim? — Peter assentiu e Demelza
sussurrou: — Fique de olho nessa garota. Eu não gosto de nada disso.

Aiden observou surpreso a sua mulher e, em seguida, ela


esclareceu:

— Conforme me contou Adnerb, faz duas semanas a pegaram


roubando no mercado e, pelo que parece, não é a primeira vez.

Peter encolheu os ombros; isso não lhe importava, Sarah só era


uma amiga, mas afirmou:

— É bom sabê-lo.

Depois segundos em silêncio, a incansável Demelza voltou a olhar


para Harald que para ela sempre seria seu cunhado e insistiu:

— Voltando para o assunto...

— Dem... — protestou ele.

— Precisamos de você para escolhermos os cavalos — repetiu ela.

Irritado por sua insistência, Harald a repreendeu:

— Você sabe escolhê-los tão bem quanto eu. Inclusive Aiden ou


Peter. Por que tenho que ir?

— Porque sim. — Demelza deu um golpe com a mão na mesa.

Ambos se olharam nos olhos. Estava claro por que queria que
Harald viajasse com eles e, olhando para o teto, o viking grunhiu:

— Por Odin...

— Por Odin e por Thor, vai sim! — afirmou a jovem fazendo seu
marido sorrir.

Desta vez foi Harald quem deu um golpe na mesa e sibilou:


— Não quero uma mulher em minha vida porque já tenho uma.

Demelza assentiu. Ver seu cunhado ancorado no passado lhe doía


uma barbaridade. Merecia ser feliz, ela tinha prometido a sua irmã
antes de morrer, e, depois de tomar ar, respondeu tentando com que a
voz não tremesse:

— Antes que prossiga, me permita te recordar que eu também


perdi Ingrid. — Harald amaldiçoou olhando Peter e Aiden e ela
prosseguiu: — Sei o quanto se amavam e posso intuir o vazio que sua
partida deixou no seu coração. Mas Ingrid morreu. Não vai retornar. E
te recordo que ambos lhe prometemos certas coisas antes de que se
fosse. Minhas promessas — disse pegando a mão de seu marido, que a
beijou — as cumpri graças Aiden. Agora só falta que você as cumpra e
tenha uma família e um lar.

Harald fechou os olhos e negou com a cabeça. Tinha passado


algum tempo desde a morte de Ingrid, mas a devoção que lhe dedicava
o impedia de olhar a outra mulher com amor.

— Aiden... — murmurou dirigindo-se a seu amigo em busca de


ajuda.

— Isso, Aiden, diga alguma coisa! — interrompeu-o Demelza. —


Vamos ver se a você, ou quem sabe a Peter — acrescentou olhando
para Peter, — este maldito cabeçudo os ouve, muda de ideia e por fim
se dá conta de que está se convertendo em um resmungão só e
amargurado que não sorri e que precisa ser feliz.

— Eu o vejo sorrir muitas vezes para certas servas — murmurou


Peter.

Ouvindo isso, Demelza o olhou e sibilou:


— Das servas às quais se refere prefiro não falar. Assim, se é para
dizer isso, melhor se calar!

Peter sorriu divertido e Aiden soprou. Aqueles dois já estavam


como sempre. Por isso, engolindo o que tinha na boca e tentando ser
imparcial, falou:

— Disse-lhes isso faz tempo e repito agora. No assunto sobre


amor, não me meto, nem me pronuncio. Porque, diga o que diga ou
faça o que faça, um dos dois se zangará comigo, e não quero nada disso.
Sinto muito, mas não opinarei. Quanto ao de omitir sua procedência
natal durante nossas viagens, acredito que é para o seu próprio bem e
o das pessoas que lhe acompanham. Sabe tão bem quanto eu que há
nórdicos que chegam a nossa costa só para causar morte e...

— Eu não sou assim — grunhiu Harald.

Aiden assentiu, claro que sabia. Tanto Harald como sua mulher
eram boas pessoas, embora fossem de procedência viking, e, depois de
intercambiar um significativo olhar com Peter, que o entendeu, e disse
olhando para Demelza:

— Digo-lhes que, continuarei deixando o problema inicial de lado


e espero que vocês o resolvam da melhor maneira possível entre si para
que todos possamos continuar vivendo sem ter que ouvi-los discutirem
sobre a mesma coisa a todo momento.

Imediatamente, Harald e Demelza começaram a discutir sem


reservas. Em um princípio o faziam em gaélico, até que finalmente ele
mudou de idioma. Era-lhe mais fácil discutir com ela em norueguês.

Acostumado aquelas discussões entre eles cada vez que Demelza


tentava que Harald conhecesse mulheres, Aiden prosseguiu comendo
com tranquilidade sem alterar-se. E Peter, servindo-se no prato um
pouco de carne, olhou-o e, tão acostumado como Aiden aqueles cenas,
perguntou:

— Que tal está o guisado?

Aiden assentiu e respondeu enquanto os dois seguiam chiando:

— Gostosíssimo.

Depois de um bom momento em que Demelza e Harald gritaram


e blasfemaram como se o mundo fosse se acabar, finalmente fez
silêncio no salão da fortaleza, Peter perguntou olhando-os:

— Já?! Sem sangue nem machadadas?

Aiden sorriu.

— Alguém pode dizer no que terminou a discussão?

Harald se levantou irritado e saiu da casa a grandes pernadas. E


Peter, ao vê-lo, ficou a sua vez em pé e foi atrás dele.

— Levarei isso para tomar um gole.

Uma vez a sós com seu marido, Demelza sorriu e respondeu:

— A discussão terminou em que virá conosco a Peebles e a


Edimburgo.

— Querida, acredito que deveria deixar de...

— Nem pensar! — cortou-o ela. — Harald fez uma promessa a


minha irmã e, enquanto não a cumpra, Ingrid não poderá descansar.
Assim melhor que te cale!

Aiden assentiu. Aqueles vikings o deixavam louco com suas


promessas.

— Partimos dentro de vinte dias — disse. — Já te informarei.


Finalmente, a jovem sorriu orgulhosa porque se safou e começou
a comer o guisado. Estava faminta.

Essa madrugada, quando Harald retornou de tomar alguns goles


com Peter, a casa caiu sobre ele como um grande peso como todas as
noites, por isso decidiu sair e aproximar-se do lago.

Uma vez ali, despiu-se e, como fazia habitualmente, mergulhou


sumido em seus pensamentos. A água fria o relaxava, limpava-o.
Durante minutos nadou com rapidez até que, cansado, saiu do lago e
se deitou nu sobre a erva para contemplar o céu e as estrelas. A imagem
de Ingrid era cada vez mais imprecisa em sua mente e, depois de beijar
o anel que usava no dedo, sussurrou:

— Sempre te levarei em meu coração, meu amor.


Alison, Gilroy e Matsuura estavam cavalgando em direção ao
lugar combinado do encontro com o pai e haviam ficado em silêncio,
imersos em seus próprios pensamentos. A jovem pensou em contar a
eles sobre seu encontro com Pietro Caruso, mas por fim se calou. Se
contasse, eles diriam a seu pai, e isso poderia atrapalhar o que tinha
idealizado em sua mente.

Ao cruzar um bosque para chegar ao rio, observaram que ali


morava um casal com um menino que não parecia ter mais de cinco
anos. Horrorizados, eles olhavam para Matsuura. Os orientais sempre
lhes atemorizavam e provocavam desconfiança, por isso Alison, ao ver
como o observavam, sorriu-lhes. Queria que sentissem que não
procuravam problemas, por isso os cumprimentou com um educado
sorriso:

— Boa tarde.

O casal os contemplou durante segundos. A capa azul que a


mulher usava era excessivamente cara. E, depois de entender que não
representavam nenhum perigo e que pareciam gente de bem, o homem
se afastou de sua mulher e se dirigiu a eles com um marcado sotaque
escocês.
— Se querem parar e dar água do rio aos cavalos podem fazê-lo.

Os três se olharam. A noite se aproximava, não tinham muito


tempo, mas os cavalos precisavam de um pouco de água fresca.

Alison estava pensando nisso quando, ao baixar a vista, seu


coração saltou desbocado ao encontrar-se com o olhar da pequena que
levava em seus braços.

A menina despertara e a observava em silêncio. Era loira como


Edberg, mas possuía os olhos escuros de Elga. Isso a surpreendeu; ao
vê-la loira imaginava-a com os olhos claros de seu pai.

— Olá, pequenina, sou Alison — a cumprimentou com um sorriso.

A criança rapidamente fez biquinho. Sem dúvida não a entendia.

E a jovem entrou em pânico. O que tinha que fazer? Como se


cuidava de um bebê?

Não obstante, depois de um segundo de indecisão, a aproximou


de seu corpo por instinto e, embalando-a, sussurrou:

— Não chore... não chore... não chore...

Esteve um momento embalando-a até que a separou de si e, ao


ver que já não chorava, afirmou:

— Prometo-te que procurarei o melhor para você.

A menina piscou e, levando a mão à boca, a chupou. Nesse


momento Alison notou um aroma estranho.

— De onde vem esse fedor?

E imediatamente compreendeu: era da menina. Olhou para Gilroy


e ia dizer algo quando este exclamou enquanto se afastava:

— Nem pensar!
— Mas...

— Não, Bug, não!

Alison olhou para seu tio Matsuura e este fez o mesmo que Gilroy,
deu a volta, embora antes indicou:

— A menina é tua responsabilidade. Se ocupe dela.

Instantes depois, após apear com cuidado do cavalo com a menina


nos braços, Alison olhou à mulher, que a observava, e perguntou
consciente de que tinha que limpar o cocô da menina:

— São escoceses?

A mulher não respondeu, mas seu marido respondeu com respeito


aproximando-se dela:

— Milady, sou Jesse Fletcher e estes são minha mulher Leisy e


meu filho Finlay. Sim, somos escoceses.

Alison sorriu com afeto. Que a chamassem de «milady» sempre a


fazia rir, mais ainda quando estava acostumada a apelidos como «Bug»,
entre outros muitos neste estilo.

— Um prazer lhes conhecer. Meu nome é Alison Moore. — E,


desejosa de fazer amizade com eles, como sempre lhe ocorria quando
descia do navio, acrescentou: — Meu pai é escocês. Concretamente, de
Montrose.

Jesse sorriu, que, sem lhe tirar o olho do oriental, ia falar quando
Alison apontou:

— Calma, Matsuura é um homem de paz. Nada têm a temer.

Jesse assentiu e então sua mulher interveio.

— Tem fome — disse apontando à menina.


Alison olhou à pequena, que chupava um dedo, e, sem duvidar,
ao sentir de novo o cheiro que emanava dela, perguntou:

— Teriam um pouco de leite para ela? Eu pagarei! Também


pagarei se você lavá-la e trocar sua roupa. O cheiro que exala é horrível

A mulher sorriu e, depois de olhar para seu marido, que assentiu,


rapidamente se aproximou dela e pediu olhando à pequena com amor:

— Pode dar-me?

Alison a entregou e em seguida cochichou enrugando o nariz:

— Por Anfitrite4, mas o que comeu esta menina!

A mulher voltou a sorrir e, deitando à pequena sobre uma mesa


de madeira, depois de tirá-la do xale, ocupou-se de asseá-la. Sob o
olhar de Alison, que gesticulava horrorizada, lavou-a com água e
mudou seus panos. Quando a menina voltou a estar limpa, a mulher
olhou para Alison e perguntou:

— Milady, você não a amamenta?

Alisson ia contar que a menina não era sua filha, mas isso não
entrava em seus planos, e respondeu:

— Não. Não posso alimentar Siggy.

Leisy assentiu. Em muitas ocasiões as mulheres de alta linhagem


não o faziam. Contratavam uma ama de leite para que o fizesse, e, sem
querer perguntar mais do que devia para não ser indiscreta, sussurrou:

— Eu poderia fazê-lo, se vocês quiserem.

Ouvir isso surpreendeu Alison, e então murmurou com gesto


triste:

— Meu bebê nasceu morto faz alguns dias...


— Oh... sinto muito.

Sem afastar seus olhos da pequena, a mulher insistiu:

— Meus peitos estão repletos de leite que alimentará bem à


menina.

Sem duvidar, Alison assentiu. A pequena devia alimentar-se, não


sabia quanto tempo estava sem comer, e, assim que a mulher se sentou
em uma cadeira, tirou o xale de um seio, e o aproximou da menina,
esta aceitou sem duvidar. Estava faminta.

Alison se emocionou em presenciar aquele momento tão bonito


entre a pequena e a mulher.

— Obrigada — murmurou.

Leisy, vendo como a pequena se alimentava, respondeu satisfeita:

— Um prazer, milady.

Durante um tempo todos permaneceram em silêncio enquanto a


pequena mamava e Gilroy e Matsuura se encarregavam de cuidar dos
cavalos. O marido de Leisy brincava com seu filho, e Alison,
aproveitando daquele momento de paz e tranquilidade, perguntou:

— E o que fazem escoceses em terras holandesas?

— Sobrevivendo — retrucou Leisy. Alison assentiu e a seguir ela


acrescentou: — Somos de Lanark e nossas famílias lutam por algumas
terras desde antes de nascermos, e o fato de nos apaixonarmos tornou
tudo pior.

— Och...

— Mas, milady — sorriu Leisy, — viver junto de Jesse e ver como


me olha, como me ama e como me cuida é o melhor que me aconteceu
na vida. E embora hajamos sofrido perdas dolorosas, como a de nossos
familiares ou agora a do bebê, o amor que sentimos um pelo outro,
junto a nosso filho Finlay é uma maravilhosa bênção que faz que tudo
valha a pena.

Alison assentiu e Leisy acrescentou:

— Como diz Jesse, as situações complicadas do passado não


devem nos nublar o futuro.

Ouvir isso fez com que Alison piscasse. Tio Edberg fizera
referência a isso essa manhã, e sorriu com tristeza quando a mulher
perguntou apontando Gilroy:

— É seu marido?

Alison negou horrorizada com a cabeça, e ia falar quando a


mulher, tirando suas próprias conclusões, disse enquanto observava à
pequena:

— Pois então me permita dizer, milady, que Siggy tem a cor forte
e escura de seus olhos. — E, olhando seu cabelo escuro, acrescentou:
— Embora o cabelo claro tem que ser do pai, verdade?

Alison sorriu. Pensou no cabelo de tio Edberg e afirmou


emocionada com um fio de voz:

— Sua avaliação é muito acertada.

Ao ver como ela olhava à menina e a emoção contida de seus


olhos, Leisy tirou suas próprias conclusões.

— Algo me diz que foge do amor, mas meu conselho é que não
tenha medo e persiga seus sonhos. Essa é a única maneira de ser feliz,
milady. Jesse e eu deixamos de lado nossos medos no que diz respeito
a nossas famílias e nos casamos. Depois, perseguindo nosso sonho de
ser felizes, decidimos começar uma nova vida longe de nossa amada
Escócia. No princípio tudo era inseguro. Estas terras e as pessoas eram
algo novo para nós. Mas logo que nos habituamos, asseguro-lhes que
tudo, absolutamente tudo, mereceu a pena.

Alison sorriu. Gostava daquelas histórias de amor que ouvia em


certas ocasiões, eram lindas, apesar de que nunca lhe aconteceria algo
assim, por isso afirmou com certo abatimento:

— É muito bonito o que diz. Quando o amor é verdadeiro, tudo


deve merecer a pena.

— Sem lugar a dúvidas, milady.

Jesse se aproximou delas com seu filho Finlay seguro pela mão
para as observar. Durante um momento, e enquanto a pequena Siggy
era amamentada por Leisy, falaram da fome que tinha a pequena, até
que Alison se afastou deles para aproximar-se da borda do rio, onde
estavam Gilroy e Matsuura.

— A Providência é nossa aliada — indicou Gilroy.

Alison o olhou e este em seguida esclareceu:

— Refiro a menina. — E ao ver que ela não dizia nada, insistiu: —


Não acha que é uma boa ideia que fique com esta família?

Ao ouvi-lo, Alison e Matsuura se olharam desconcertados. A opção


seria extraordinária, aquela família poderia cuidar da pequena; mas
então um alarido proveniente do bosque fez com que todos ficassem
paralisados e Leisy gritou levantando-se da cadeira:

— Jesse! Finlay!

Ninguém respondeu.
Rapidamente Matsuura empunhou sua katana e sussurrou
olhando-os:

— Olhos bem abertos.

Leisy voltou a gritar o nome de seu marido e de seu filho com


desespero, mas estes não responderam. Isso os fez entender que algo
sério estava acontecendo, e ainda mais quando cinco homens sujos
com uma aparência desastrosa de repente emergiram do bosque.

Um deles trazia Finlay pego pelo pescoço, o que fez com que Leisy
gritasse.

— Isto é fácil de resolver — disse o sujeito em perfeito gaélico. —


Vocês nos entregam as joias que tem nas bolsas e nós lhes damos o
pirralho.

Finlay chorava assustado olhando para a mãe, enquanto ela, com


a menina nos braços, gritava horrorizada e pedia aos homens que o
soltasse. Alison se aproximou dela a toda pressa e, tirando a capa que
usava para ter melhor acesso a sua katana, assegurou:

— Calma. Prometo-te que tudo ficará bem.

Matsuura e Gilroy intercambiaram um olhar. Estava claro que os


sujeitos os tinham seguido do mercado e sabiam das joias que
transportavam, por isso, afastando-se, olharam para Alison e esta
assentiu entendendo-os. Eram cinco contra três.

— De acordo — concordou ela levantando a voz. — Peguem as


joias e nos deem o menino.

— Que tal se as pega para mim? — Pediu o que parecia ser o chefe.

— Eu irei — se ofereceu o japonês.


Alison o olhou, mas o desconhecido que tinha pego Finlay, e que
a imundície o cobria por inteiro, exigiu:

— Não. Você não. Ela.

Sem duvidar, ela assentiu. Olhou para Gilroy e Matsuura para


lhes pedir paciência e, quando ia dar um passo, o indesejável homem
indicou:

— Antes deixa as espadas que usa no chão.

Alison não gostou de ouvir isso, mas, sem duvidar, depositou a


katana e a espada no lugar que o homem lhe pedia e, caminhou para
os cavalos, onde tinha os sacos com as joias.

Com destreza, desatou os sacos, carregou-os as costas e, quando


os deixou diante do sujeito, ele murmurou olhando-a com desejo:

— Não se recorda de mim verdade?

Ela piscou. Aquele sujeito sujo, despenteado e andrajoso que lhe


faltavam vários dentes não era um homem para recordar, mas este
insistiu:

— Suas ideias ficariam mais claras, querida Joia Moore, se te


chamasse «Bug»?

Isso fez com que a jovem se surpreendesse, e de repente Matsuura


gritou em seu perfeito gaélico:

— Maldito seja, Brayden McBoten, o que diabos está fazendo?!

— Fecha o bico, asiático! — Replicou McBoten.

Conforme Brayden McBoten disse isso, Alison piscou. Se aquele


era Brayden McBoten, a vida o tinha tratado muito mal desde que seu
pai o tinha expulsado do navio a pauladas juntamente com seu irmão.
— Não podia acreditar — soltou o sujeito com uma gargalhada. —
Quando Jim e eu os vimos no mercado, quase começamos a dar saltos
de alegria. Sem dúvida, hoje é nosso dia de sorte.

Rapidamente Matsuura procurou com o olhar Jim, o irmão, entre


os presente, mas não estava.

— Matarei os dois — continuou Brayden, — encherei meus bolsos


com as joias que levarei e...

— O capitão Moore te matará — o cortou Gilroy.

— Se antes eu não o matar — afirmou Alison, enquanto sentia


como o sangue se agitava e seu lado pirata e guerreiro se apoderava
dela.

Brayden olhou para seus homens e soltou uma gargalhada, mas


Matsuura sibilou:

— Se a tocar... eu o mato.

Nesse instante o sujeito soltou um alarido de dor. Em seu afã de


escapar, o pequeno Finlay tinha dado uma dentada na sua mão e ele
cortou sua garganta sem duvidar por um segundo.

Horrorizada ao ver o sangue emanar do pescoço de seu filho, Leisy


soltou um grito. Alison ofegou, e Matsuura e Gilroy ficaram
boquiabertos.

Finlay era somente um menino, como podia haver feito isso?

Gilroy segurou com muita dificuldade Leisy, que chorava


desconsolada, esperneava e gritava vendo seu pequeno morto no chão,
enquanto que Alison, com toda sua fúria pelo ocorrido, cravava o olhar
no bandido.
— Arderá no mais escuro e desagradável dos infernos por sua
ousadia, rato pestilento.

Olhando a mão mordida, Brayden a moveu e, depois de fazer um


sinal com a cabeça para que os outros quatro homens que o
acompanhavam fizessem justiça por sua mão, sussurrou ao ver como
começavam a lutar contra Gilroy e o japonês:

— Antes de te vender a qualquer pirata, farei algo que sempre


quis: a fazer minha.

Seu trejeito obsceno revolveu o estômago de Alison. Mas ver o


corpo do pequeno sem vida e ouvir os lamentos de Leisy antes de perder
a consciência e cair ao chão com a pequena Siggy nos braços romperam
sua alma. E, consciente daquilo que dizia, sangue por sangue, sibilou
como uma fera:

— Vou te matar.

Brayden soltou uma gargalhada. Sentia-se forte, sanguinário. Seu


pai o tinha expulsado do navio seis anos atrás por ter roubado comida
em reiteradas ocasiões.

— Primeiro eu a tomarei e depois os meus homens — acrescentou.


— Depois te venderei, e espero que façam contigo o mesmo que fizeram
com sua mãe.

Ouvir isso, e em especial que mencionasse a sua mãe, envenenou


ainda mais a jovem.

— Asqueroso verme pestilento e fedorento, volta a falar da minha


mãe e te arranco a cabeça.
Mas, tentando manter a cabeça fria, como Edberg e Matsuura a
tinham ensinado que devia ficar sempre em momentos de tensão,
tomou ar pelo nariz quando Brayden afirmou:

— Meu nome será recordado como o do homem que te capturou.

Isso fez Alison rir com desafio e, depois de pegar a katana do chão
e segurá-la com força entre as mãos, replicou vendo como Matsuura e
Gilroy lutavam:

— Segue sonhando.

O homem sorriu, sabia de sua mestria na luta, que era muito boa.
Mas, sem deixar-se intimidar de como movia a espada, insistiu:

— Baixa isso antes que eu tenha que te machucar mais do que


uma mulher poderia suportar.

Alison amaldiçoou. E, depois de ver que Leisy seguia sem


conhecimento e a pequena Siggy movia as mãos, indicou:

— O dano que vou te fazer, sim, você não vai poder suportar.

E com a destreza que ele conhecia, mas que nunca enfrentou, a


jovem se lançou ao ataque com uma ferocidade que o fez cambalear.

O lado rude, feroz e sanguinário de Alison sempre tinha sido


comentado por todos que a conhecia. A jovem pequena e magra de
olhos marrons e cabelo escuro como a noite não tinha o aspecto de
saber lutar desse modo. Mas, sim, ela lutava.

Seu pai e seus tios, especialmente Edberg e Matsuura, tinham-


lhe ensinado a arte da guerra. Por isso Alison era uma perita na luta
corpo a corpo, conduzia-se à perfeição com o arco, a espada e as
adagas, mas se havia algo que gostava acima de tudo era a katana.
Imediatamente feriu Brayden no lado e, quando este deu um
passo atrás para tomar ar, perguntou desejosa de sangue:

— Dói? Porque isso, maldito saco de merda, não é nada


comparado com o que penso em te fazer.

O sujeito tocou o lado. Ela sabia muito bem onde ferir.

— Bruxa asquerosa... — sibilou furioso.

— Me disseram coisa piores — afirmou Alison voltando ao ataque.

Matsuura e Gilroy, que a seu lado lutavam tão feroz quanto ela,
depois de ter matado dois homens, atacaram os outros dois. Já não
estavam em superioridade numérica. Sem dúvida as coisas estavam se
tornando a seu favor, mas então viram Alison rolar pelo chão para
esquivar de uma estocada de Brayden.

A moça era incansável. Lutava como uma fera guerreira. Técnicas


escocesas, nórdicas, japonesas, francesas e italianas, todas aprendidas
no navio de seu pai, tinham-lhe servido em uma infinidade de ocasiões
para salvar sua vida e a de outros.

No chão, com mestria, Alison enredou as pernas com as do


Brayden e este rapidamente caiu.

— Vou te matar... vou te matar...

— Tente-o... — animou ela levantando-se.

O homem amaldiçoou. A princípio sua intenção era capturá-la,


possui-la, roubar as joias e depois, em vingança contra seu pai,
entregar-lhe a qualquer pirata. Mas seu nível de raiva crescia por
segundos ante o ataque e o descaramento dela, e agora só desejava
matá-la antes que ela o matasse.
Entretanto, era-lhe impossível. A Joia Moore era uma excelente
guerreira, e quando por fim ele caiu de bruços no chão e lhe arrebatou
a espada, enquanto tentava puxava um pouco de ar que lhe enchesse
os pulmões, Alison se sentou escarranchada sobre ele retorcendo seu
braço, agachou-se e, enquanto ele gritava de dor, murmurou-lhe ao
ouvido sem piedade:

— Acredito que será meu nome a ser recordado. Eu te capturei.

Brayden uivava de dor. Não só o tinha ferido com a katana em


várias ocasiões, mas agora estava a ponto de lhe romper o braço. E,
movendo a cabeça com força para trás, golpeou-a no rosto, o que a
desestabilizou e ele se levantou do chão depressa.

Durante segundos o mundo de Alison se tornou escuro. O forte


golpe lhe nublou a vista e, quando clareou viu Brayden junto de Leisy
e de Siggy, com a espada cravada no estômago da mulher, levantou-se
horrorizada dando um grito de dor.

Não... não... não... Isso não!

Tinha prometido ao tio Edberg que cuidaria da pequena e a Leisy,


que salvaria a seu filho e nada ocorreria. Mas, vendo-as no chão,
rodeadas de sangue e sem mover-se, seu coração se paralisou ao saber
que não tinha podido cumprir sua promessa.

— Essa cadela, seu marido, seu filho e o bebê que trazia nos seus
braços estão mortos, e agora você vai morrer também como fez a cadela
de sua mãe.

A raiva e a frustração voltaram a apoderar-se da jovem, que,


dando um salto, chegou até onde estava sua katana e, depois de pegá-
la, agarrou-a com força com as duas mãos, deu um passo adiante para
aproximar-se dele, girou o corpo e o decapitou com uma força
descomunal enquanto gritava:

— Apodreça no inferno, maldito filho de cadela!

O corpo sem vida do homem caiu ao chão longe de sua cabeça.


Alison o olhou com rudeza, com a respiração sufocada. Observou seus
olhos abertos e, sem um olhar de lástima, cuspiu nela.

Instantes depois, Matsuura e Gilroy se aproximaram dela, que


perguntou ao ver sangue em seu rosto:

— Está bem?

Ainda furiosa, a moça assentiu, e Matsuura sussurrou:

— Jesse e sua família agora caminham juntos.

Não precisava dizer mais, estava tudo entendido, e, horrorizada


pelo triste desenlace daquela pobre família, Alison quis gritar, mas
Gilroy aconselhou:

— Devemos ir. Jim, o irmão de Bradley, pode aparecer.

Ainda em choque, a jovem olhou para onde estavam Leisy e as


duas crianças mortas. Era horrível. E, com os olhos carregados de raiva
e vingança, murmurou com amargura e fora de si:

— Prometi a tio Edberg e... e a... Leisy que...

— Alison! — falou Matsuura.

— Eu não gosto de prometer, sabe! Nunca deveria tê-lo feito e...

— Shensi, me olhe!

Ouvir a autoritária voz da Matsuura, chamando-a «Guerreira» em


japonês fez que saísse do choque e o olhasse.
— Leisy e Edberg sabem que teria dado sua vida por seus filhos
— acrescentou ele. — Tentaste. Não se martirize.

Alison não respondeu.

Com o passar dos anos se acostumou às brigas em terra, em alto


mar, às fugas, às escaramuças, feridas, os encarceramentos, os
resgates... mas nunca se acostumaria a perder às pessoas que amava
e, menos ainda, em não cumprir suas promessas.

Estava paralisada quando Gilroy insistiu:

— Temos que ir.

— Mas eles...

— Não há tempo, Bug — insistiu ele. — Temos que partir.

Consciente de que nada podiam fazer e que tampouco tinham


tempo para enterrar os corpos, a jovem limpou a folha de sua katana
na roupa do homem que lhes tinha arrebatado a vida e depois pediu
enquanto a pendurava à costas:

— Um momento.

Caminhando para onde estava a mulher e as duas crianças


mortas, aproximou-se deles e murmurou com os olhos cheios de
lágrimas:

— Sinto muito... Sinto-o muito...

Estendeu a mão, levou-a até o rosto de Leisy e seu filho e fechou


seus olhos. Era o mínimo que podia fazer por eles. Seu pai sempre lhe
havia dito que, se alguém morria com os olhos abertos, isso dificultava
o caminho para chegar até seus seres queridos, e ela queria que Leisy
e seu filho se encontrassem com Jesse.
Conforme retirou a mão do rosto da mulher, olhou à pequena
Siggy, que tinha os olhos fechados. Cheia de pena e morta de dor,
acariciou seu lindo rostinho redondo, mas de repente a menina se
agitou. Alison piscou e, ao ver que abria os olhos e começava a mover
as mãos, agarrou-a e, tirando o xale cheio de sangue, murmurou com
mãos tremulas enquanto retirava o sangue do seu rosto:

— Pequena... pequena... está viva... está viva...

A menina fez um biquinho e começou a chorar.

Chorava e chorava sem consolo, e Alison, consciente de que não


poderia afastar-se dela, abraçou-a. Possivelmente não entendesse o
gaélico, mas era claro que o idioma dos abraços e do carinho entenderia
e, recordando de algo, começou a cantar a canção que sua mãe lhe
cantava.

Instantes depois a pequena se acalmou, reconhecia aquela


canção, e Alison, emocionada, olhou para Matsuura e explicou:

— Tio Edberg me disse que cantava para ela.

O japonês assentiu. Ele tinha cantado para Alison centenas de


vezes essa mesma canção, e, levantando-a do chão, apontou depois ter
amarrado os sacos de novo nos cavalos:

— Temos que ir.

Depois de colocar sua capa azul, Alison agarrou um pano que


havia sobre uma cadeira, cobriu à pequena e, montando em seus
cavalos, lançaram-se a galope sem olhar para trás.
Costa holandesa.

Naquela manhã, após serem apanhados por uma barcaça na foz


do rio Vecht, quando Alison, Matsuura e Gilroy avistaram ao longe os
quatro galeões da frota do pai da garota esperando por eles, suspiraram
de alívio.

Os homens que vieram buscá-los estavam olhando para eles em


silêncio quando Gilroy perguntou:

— Como você vai explicar sobre a garota?

Alison, com a cabeça girando em pensamentos, soprou. Seu pai


ficaria furioso ao ver o bebê e replicou, sabendo que queria cuidar da
menina:

— Com a verdade. É da família e não vou abandoná-la.

Matsuura assentiu, Gilroy também, e os remadores desviaram o


olhar. Uma boa tempestade estava chegando.

Quando chegaram às imediações onde estavam ancorados a


Bruxa del Mar, El Demonio de las Olas, La Brisa Guerrera e El Fuego
Infernal, a frota de seu pai, baixaram-se às redes do primeiro galeão e
eles subiram a bordo. Os homens que estavam esperando sorriram,
mas suas risadas congelaram quando viram Alison desamarrar um
pano que estava preso ao corpo e apareceu um bebê.

— Caramba, Bug, mas você só esteve algumas horas fora do


navio... — zombou Gus.

Isso divertiu a jovem. No galeão devia deixar a um lado sua doçura


e seu lado femininos para simplesmente ser um mais deles, assim
endureceu a voz, e respondeu:

— Pois imagine o que teria trazido se tivesse estado fora uma


semana.

Os homens riram. Aquela garota sempre tinha resposta para tudo,


e mesmo vendo seu lábio cortado e um caroço na testa, não
perguntaram, era claro que ela tinha se metido em problemas. Então
Kendrak foi até ela e olhou para a garota adormecida.

— Como ousa trazer um bebê para navio? — Perguntou.

Alison o olhou, suas boas maneiras ficaram em terra; cravando


seu sombrio olhar nele, deu-lhe uma cabeçada que fez com que todo
seu corpo retumbasse, mas, sem mostrar sinais de dor, sibilou:

— Como ousa você em jogar seu pestilento fôlego de verme podre


em mim? — Kendrak tocou a testa, aquela moça era uma fera, e quando
ia responder ela acrescentou: — Cheira pior que os peidos de um
camelo.

Todos voltaram a rir da força e da audácia da jovem, e ela, ciente


de que o problema começava naquele momento, olhou para Ferdinald,
o encarregado de alimentar a todos em La Bruja del Mar, e anunciou:

— Vou precisar de leite ou do que um bebê costuma comer.


O homem assentiu e, surpreendendo-a, indicou:

— Dar-lhe-emos um pouco de leite e purê. Triturarei o guisado de


peixe e o misturarei com água para que não fique muito forte. — E, ao
ver o agradecimento no rosto de Alison, cochichou: — Fazia isso contigo
quando era uma ‘buguinha’, e olhe como está sã e forte!

Alison assentiu. A maioria daqueles ferozes homens tinham


cuidado dela desde que era uma menininha. Todos e cada um deles
eram especiais para ela por muitos motivos.

— Comprei a raiz que te falei para as dores de seu joelho —


comentou a seguir dirigindo-se ao velho Jackson.

— Obrigado, Bug — respondeu ele sorrindo.

— E hortelã para suas dores de cabeça — acrescentou apontando


para outro homem.

Todos assentiram. Alison se preocupava com eles. A sua maneira


os cuidava e, quando o homem ia falar, Gus tossiu e interveio:

— Bug, sinto interromper, mas seu pai está te esperando na


cabine.

— Acompanhar-te-ei — se ofereceu Matsuura vendo que Gilroy


fugia.

Assim que desapareceram do olhar dos homens, Alison levou uma


mão à testa, que ainda doía devido a cabeçada que tinha dado em
Kendrak, e murmurou com confiança:

— Deus, que dor!

Matsuura assentiu. Quando era uma guerreira, era a mais fera de


todas.
— Moça, quando deixará de ser tão bruta? — Repreendeu-a
olhando o galo.

Quando Alison abriu a porta da cabine principal, viu seu pai


sorrir. Ela era seu maior orgulho e sua vida. E, sem olhar o que ela
tinha nos braços, lhe perguntou vendo os feios golpes que tinha na
boca e na testa:

— Francesca, quem ousou colocar a mão em cima de você?

— Calma, papai. Quem o fez pagou com sua vida.

— Isobel, amore mio! — Exclamou de repente seu tio Marco. — De


quem é esse bebê?

O capitão Moore olhou, então, no que sua filha levava nos braços.

Que fazia um bebê a bordo?

E, dando um passo atrás como se o bebê fosse a peste, murmurou


entre dentes:

— Alison... Francesca... Isobel... Marguerite... Orquídea...

Ao ouvi-lo, a jovem soprou. Todos sabiam que, depois da matança


causada pelos piratas, e em honra às mulheres falecidas, seus tios
decidiram dar-lhe seus nomes. Alison era o nome eleito por sua mãe ao
nascer. Francesca, o escolhido por seu pai, e a estes seguiram Isobel,
Marguerite e Orquídea, pelas mulheres de Marco, Armand e Roy.

A jovem tinha crescido com aqueles nomes e mais; dependendo


de quem lhe falasse, a chamava de nomes diferentes. Algo que para
qualquer um podia ser uma loucura para ela era normal. Os únicos a
chamavam pelo nome que sua mãe tinha escolhido era Edberg, Ragnar
e Matsuura. O resto a chamavam como gostavam. Mas quando seu pai
ou qualquer um deles pronunciava todos os seus nomes, não era bom
pressagio, não era nada bom.

— Calma, papai — se apressou a dizer Alison, — antes que


continue com sua enxurrada de nomes, tem que saber que esta menina
é a filha de Edberg e Elga.

O capitão Moore piscou surpreso e Roy Loewe perguntou olhando-


a:

— Orquídea, e por que ela está contigo e não com seus pais?

A jovem abriu a boca para responder, mas o francês Armand


insistiu:

— Marguerite, precisamos uma explicação de maneira iminente!

Um nó de emoções se instalou de novo na garganta Alison, e foi


Matsuura quem explicou o ocorrido. Aqueles homens, que o povo
considerava piratas por ter vingado as mortes de suas esposas,
escutaram penalizados o que Matsuura contava com voz seca e,
quando acabou, Alison indicou com doçura:

— Por isso ela está aqui comigo. Tio Edberg me pediu e eu...

— Por todos os demônios — grunhiu seu pai. — Edberg sabia


perfeitamente que no navio não podem entrar crianças. Então esse
maldito bebê tem que desaparecer.

— Papai...

— São as normas. E você as conhece tão bem como o resto da


tripulação — insistiu ele vendo como Armand fazia uma careta para
pequena e que ela sorria.
Alison começava a perder a paciência. Qualquer um diria a seu
pai o que descobriu sobre Conrad McEwan, por isso mudou o tom por
outro menos doce e se queixou:

— Papai... maldito seja.

— Tanto faz o que diga, Francesca. Esse bebê tem que sair do
navio.

Alison negou com a cabeça e, disposta a cumprir algo que se


forjou em sua cabeça, propôs:

— Me escute, papai. Podemos ir a Escócia e...

— Escócia?! Ficaste-te louca?

— Sempre quis conhecer Escócia — insistiu ela.

— Não, moça, não!

— Papai, escuta...

— Nem pensar! — Cuspiu o capitão.

— Como se chama a bambina5? — Perguntou seu tio Marco


enfeitiçado pela criança.

— Siggy.

— Bonito nome, mas muito curto — afirmou Roy lhe fazendo


caretas.

O capitão Moore, consciente do erro de sua filha e vendo as caras


dos homens com a menina, insistiu:

— Tem que retornar a terra e deixá-la por lá.

— Nem pensar! A menina não ficará com desconhecidos. Maldito


seja, papai, Siggy é da família — grunhiu zangada. — Não penso dar-
lhe a qualquer pessoa com quem cruze no caminho sem saber se lhe
cuidará bem ou não.

— Eu disse que tem que sair do navio e não vou repetir — insistiu
o capitão.

Ouvindo seu pai, Alison se aproximou dele com a mesma


arrogância e, olhando-o diretamente aos olhos, murmurou com
descaramento:

— Se ela sair, eu também.

— Alison... Francesca... Isobel... Marguerite... Orquídea... —


sibilou ele. — Não me replique nem me desafie, moça, ou terei que fazê-
la andar pela prancha de madeira. Sou seu pai e seu capitão!

A jovem, acostumada aquelas ameaças desde que era menina e a


ter sempre a última palavra, respondeu zangada:

— Querido pai e estimado capitão, se me esquartejarem ou me


aconteçam coisas horríveis por ser sua filha e estar sozinha em terras
estranhas com uma menina, espero que recaia sobre sua consciência
de uma maneira tremendamente cruel. Se morrer ou padeço de
terríveis febre ou situações que prefiro não comentar, amaldiçoo-te
para que não voltes a dormir nenhuma noite pelo resto de sua vida,
porque...

— Começamos! — Grunhiu o capitão. — Filha, tenho que colocar


sua maldita cabeça sob a água para que feche essa boca?

— Provavelmente.

— Francesca! Não me tente.

— Se atreva! — Repreendeu-o ela.

— Francesca!
— Se atreva, papai, e...

— Shensi — cortou Matsuura tocando o ombro da jovem.

O capitão, atordoado pelo rude temperamento de sua filha,


dispunha-se a falar de novo quando viu que ela tirava algo que tinha
na bolsa.

— Antes de morrer, tio Edberg me deu isto e recordou que eu


reclamasse minha liberdade — contou enquanto todos observavam
boquiabertos o anel que lhes mostrava. Sem dúvida tinham
reconhecido. — Se encontrou com Bart, o Vermelho sem que esperasse.
Reconheceu-o e o matou por você — acrescentou. — Bart, o Vermelho
por fim está morto, e tudo graças a ele.

Ouvir isso fez que todos os presentes se olhassem entre si. Aquilo
era o melhor que tinham ouvido em muito tempo. Por fim tinham
vingado as mortes de suas mulheres, e Jack Moore, aproximando-se de
sua filha, olhou o anel e murmurou emocionado:

— Francesca...

Ver a ternura em seu pai emocionou Alison. Poucas vezes o tinha


visto assim e, olhar para seus tios e comprovar que estavam na mesma
situação, tentando que aqueles rudes e ao mesmo tempo carinhosos
homens de mar não chorassem ante ela, soltou:

— Entendo que saber que o bastardo do Bart, o Vermelho está


morto e recuperar este anel os emocionem e tragam infinidade de
lembranças, mas vão começar a chorar como delicadas garotas?

Jack Moore, Roy, Armand e Marco tomaram ar pelo nariz ao ouvi-


la; receber a notícia e ver o anel os tinha emocionado.
— Em certas ocasiões por sua maldita frieza tenho a sensação de
querer ter tido um filho em vez de uma filha — murmurou Jack Moore.

Isso tantas vezes tinham repetido que divertia a jovem, que,


olhando para seu pai, aproximou-se dele e lhe deu um doce beijo na
bochecha.

— Para sua sorte ou para sua desgraça, teve uma filha —


sussurrou com carinho.

— Uma filha linda que é uma guerreira — afirmou o capitão


sorrindo.

Durante segundos pai e filha se olharam com devoção. Amavam-


se. O ocorrido do passado os tinha unido ainda mais, e então ele,
tirando o anel da sua mão, o guardou no bolso da calça e disse
mudando de carranca:

— Tire o bebê do navio.

Alison amaldiçoou. Como seu pai podia ser assim? E, disposta a


ganhar, gritou esquecendo sua doçura:

— Fodido cabeçudo! Me escute!

— Orquídea! — Reprovou-lhe Roy

— Isobel... amore mio, contenha essa língua! — Grunhiu seu tio


Marco.

Mas Alison, que não se importava de como a olhavam as pessoas


presente, começou a praguejar em todos os idiomas que sabia.

Os homens, como sempre, olhavam-na boquiabertos. A jovem


passava de ser uma doce e sorridente bonequinha a pior e mais
desbocada dos piratas. Os ataques de fúria que sofria eram algo
característico dela, mas ignoravam que sempre usava desse
subterfugio para desconcertá-los e ter tempo para pensar em como
contra-atacar para conseguir o que queria.

Matsuura suspirou, mas de repente ela deixou de blasfemar e,


sem afastar os olhos de seu pai, entregou a menina a seu tio Marco e,
olhando a seu progenitor, gritou fora de si:

— Por Iemanjá, capitão Moore, pode me explicar por que eu sendo


um bebê pude ficar neste navio e Siggy não pode?!

— Porque você, maldita desbocada, era minha responsabilidade e


minha filha — respondeu ele sem piscar.

Alison assentiu e, tomando ar, soltou enquanto observava seu tio


sorrir para a pequena:

— Pois agora Siggy é minha responsabilidade. E para que fique


aqui tenho que gritar aos quatro ventos que é minha filha, fá-lo-ei: é
minha filha!

Conforme disse, todos arregalaram os olhos surpreendidos. Alison


nunca tinha falado de ter filhos, e quando seu pai ia falar, seu tio Marco
passou a menina a Armand e interveio:

— Apesar de que a cólera agora recairá sobre mim, estou com


Isobel. Edberg não merece que deixemos sua filha só em terras
holandesas.

Matsuura sorriu com dissimulação; o contra-ataque usado pela


jovem para abrandar seus corações começava a funcionar. O francês,
depois de tocar no nariz da pequena, que o olhava, indicou:

— Estou com Marguerite e com Marco. Edberg matou Bart, o


Vermelho por nós, como vamos abandonar a sua pequena?

— Ficaram loucos?! — Gritou o capitão Moore sem acreditar.


Armand olhou para Marco, que sorria como ele, entregou a
pequena a Roy Loewe e cochichou:

— Viu que mãozinhas gordinhas e pequeninas tem?

O capitão os olhava atônito quando o francês exclamou em um


tom meloso:

— Ma petite6!

— Raios e centelhas! Mas o que estão fazendo? — bramou Moore.

Alison sorriu. Deixar que todos pegassem nos braços à pequena


tinha sortido o mesmo efeito que lhe causou.

— Estou com você — apontou então o escocês Roy. — Devemos


procurar uma solução para este bombom. — Jack Moore amaldiçoou e
ele prosseguiu: — Vamos a Escócia como sugeriu Orquídea.

— Por que justamente Escócia? — Perguntou zangado o capitão.

— Muito fácil, papai. Porque ninguém, ninguém absolutamente,


imaginará que eu possa estar ali para procurar um lar para a pequena.
Realmente acredita que o povo acreditará que estaria ali sabendo que
podem me capturar, enforcar ou cortar minha cabeça?

Todos assentiram. O que ela propunha era uma loucura, mas


também era acertado. Ninguém nunca imaginaria que a filha de Jack
Moore seria tão ousada para pôr os pés em Escócia.

Armand entendeu o que a jovem indicava e falou:

— Marguerite poderia encontrar um lar para pequena e


posteriormente retornar ao navio.

Mas Alison não gostava dessa opção. Embora ela soubesse que
estaria pensado a cada segundo no que estava acontecendo com Siggy
fazia com que sentisse que desejava seguir com ela; mas não querendo
levantar suspeitas, deu-lhe razão.

— Boa ideia.

Os homens se olharam entre si, e Roy Loewe insistiu:

— Se bem recordo, dentro de pouco mais de um mês se celebrará


em Edimburgo a grande festa do castelo. Poderia ser um bom momento
para que Orquídea se misture com o povo que chega de todos os lugares
sem ser reconhecida.

— Tio Pinwi vive em Edimburgo vendendo joias, não é verdade? —


Perguntou a jovem, embora já sabia a resposta.

Todos sorriram ouvindo aquele apelido.

— Sim — afirmou Marco.

— Marguerite — falou Armand, — acredito que se o visitasse lhe


daria a surpresa de sua vida. Sabe que te ama muito.

— Sei — disse ela sorrindo.

O capitão Moore suspirou. Sua filha era inteligente, muito pronta.


Não era só fisicamente idêntica à sua mãe, mas também no caráter
arrebatador.

Conhecia-os muito bem para saber conduzi-los e conseguir o que


se propunha como em outro tempo tinha feito Francesca, sua mãe. Isso
o fez sorrir para seus adentro, consciente de que se agradava em ver o
instinto protetor de Alison para com o bebê. Viver rodeada de homens
a tinha feito ser um homem a mais, apesar da sensibilidade que sabia
que ela possuía.
Estava pensando nisso quando Roy lhe entregou à pequena. O
capitão, incapaz de não agarrá-la, segurou-a e então seu amigo
cochichou:

— É um bug como foi Orquídea... de verdade a quer abandonar?

Jack Moore a olhou em silêncio. Sua filha, que o desafiava e o


deixava com raiva em muitas ocasiões, também tinha sido assim
pequeninha, e sem poder evitar sorriu e Alison suspirou aliviada.

Seu plano funcionava!

Durante minutos na cabine não se ouviu uma mosca, até que ela,
tomando ar, soltou:

— Papai, reclamo minha liberdade.

Ouvindo isso, todos a olharam.

Ao morrer Bart, o Vermelho, o perigo que Alison podia correr de


morrer como sua mãe nas mãos daquele assassino era nulo, mas o
capitão resistiu. Sua filha, longe dele, poderia ter centenas de
problemas e, além disso, o que ia fazer sem ela?

Alison, ao ver que não dizia nada, insistiu:

— Papai, tios, a vida no mar foi o que me coube viver, mas também
sabem que sempre quis...

— Nem pensar! — interrompeu-a o capitão. — É minha filha.


Quero-a viva, e se alguém em Escócia a descobre, morrerá. Esquece-o.
Ninguém te protegerá como eu. Não siga por esse caminho.

— Mas, papai...

— Francesca, eu disse que não. Obedece!


Ouvir isso zangou ainda mais a jovem, que, cravando o olhar nele,
sibilou:

— Tenho vinte e cinco anos. Bart, o Vermelho morreu e...

— Não é só ele queria ver-te morta — a cortou seu pai. — Há


outros que se aproveitariam te matando.

— Que o tentem e me defenderei...

— Maldita cabeça dura! — Grunhiu ele.

— Quero viver! — Exigiu de novo. — O perigo sempre fará parte


de nossas vidas. Mas, papai, acaso não acredita que mereço provar de
outra vida diferente?

— Não saberá viver em terra. Sua vida está aqui, junto a mim.
Sou seu pai, amo-a e te protejo. Ninguém o fará tão bem quanto eu,
esquece-o!

Mas, desesperada, a jovem não queria dar seu braço a torcer.

— De verdade acredita que quero passar toda minha vida neste


navio?

Jack Moore não respondeu. Gostasse ou não, sua filha tinha em


parte razão.

— Orquídea — indicou então Roe, — seu pai tem razão. Por


desgraça, a realidade é essa e o melhor para você é...

— Acreditam que estão me dizendo que alguma vez poderei ter


uma vida normal? De verdade pretendem que minha vida seja no mar,
que não me apaixone, tenha filhos e tente ser feliz?

— Ma petite, quer se apaixonar? — Perguntou Armand.

— Provavelmente...
— E ter filhos? — Perguntou seu tio Marco surpreso.

Alison encolheu os ombros e, sem saber o que dizer, murmurou:

— E eu o que sei tio? — A seguir ninguém falou, todos se olhavam


entre si, e a jovem insistiu: — Os amo porque são minha família. Daria
minha vida por todos vocês, mas eu preciso...

— Não! E não há mais o que falar, Francesca. Não pisará em


Escócia — a cortou seu pai.

Alison apertou os punhos zangada. Estava cansada. Começar


uma nova discussão com seu pai e com seus tios seria exaustivo, e,
fechando os olhos, suspirou e seu pai adicionou:

— Esse suspiro contém tudo o que não diz com palavras.

Ela o olhou irritada. Amava-o. Amava o pai e os tios, mas a vida


no mar e a solidão que a acompanhava ficavam mais difíceis a cada
dia. E, tentando usar as melhores palavras para fazê-lo entender,
estava prestes a falar quando seu pai continuou:

— Quando nasceu e vimos que era uma menina, sua mãe me fez
prometer que a protegeria por toda a vida. E quando ela morreu, meu
amparo a você se redobrou. Mas cresceu. Converteu-se em uma mulher
e começou a decidir por si mesma, coisas que sabe tão bem quanto eu
que nunca reprovei. — Alison assentiu. Sabia que se referia a seus
escarcéus com os homens. — A vida no mar é dura. Sei, Francesca.
Sei. Mas tem que entender que longe de mim, e especialmente em
Escócia, podem-lhe acontecer coisas terríveis, e eu como pai quero
evitar.
— Obrigada por seu amparo, papai, mas você me ensinou a viver
sem medo. E... e há algo dentro de mim que pede a gritos que mude de
vida, e para isso tenho que ir a Escócia.

— Mas por que Escócia? — Insistiu ele.

Alison sorriu e, omitindo que Conrad McEwan estava ali, indicou:

— Possivelmente porque sou metade escocesa ou porque as


lembranças de sua terra sempre me emocionam quando fala delas. A
verdade é que quero conhecer o país. E se mamãe estivesse aqui sei
que me apoiaria como pusesse, porque sem dúvida quereria que fosse
feliz; ou acaso acredita que não seria assim?

Os homens se olharam entre si e Armand, em um fio de voz,


sussurrou:

— Não é feliz, Ma petite?

Sentindo-se mal de como todos a olhavam, Alison suspirou.

— Tio Armand, todos me fazem feliz. Mas desejo aproveitar de


todas essas coisas que sempre me negaram por nascer neste navio e
ser a filha do capitão.

A tristeza que a jovem viu nos olhos do francês pelo que acabava
de dizer lhe rompeu o coração.

— Papai — prosseguiu, — possivelmente depois de quinze dias em


Escócia sinta a necessidade imperiosa de retornar à La Bruxa del Mar
porque, efetivamente e como você diz, pode ser que não me acostume
a viver em terra. Mas isso não saberei até que prove.

O capitão Moore finalmente assentiu. Estava a tempo temendo


que chegasse esse momento. E, compreendendo que não podia seguir
olhando para outro lado e que sua filha merecia a oportunidade de vida
que reclamava, retrucou:

— Não poderá dizer que é minha filha.

— Pelo traseiro de Netuno, eu sei!

— Nem tampouco falar assim, amore mio — lhe recriminou rindo


seu tio Marco.

A jovem sorriu e, olhando para seu pai, afirmou:

— Papai, sei que uma vez em terra tenho que evitar dizer quem
sou. E embora isso me doa na alma, porque tenho o melhor pai do
mundo, sei que é importante para sobreviver.

O capitão afirmou com a cabeça.

— Eu gostaria que tudo fosse diferente, Alison — murmurou com


voz pesarosa, — mas a realidade é essa. Eu não posso pisar em solo
escocês. Não posso te acompanhar, minha filha.

Com um tenro sorriso, a jovem assentiu, e ele tomou ar e


declarou:

— Em terra firme, em vez de dizer que se chama Alison Francesca


Isobel Marguerite Orquídea Moore, dirá que se chama Alison Francesca
Isobel Marguerite Orquídea Wilson.

Isso fez a jovem sorrir, e murmurou com um gesto gracioso:

— Que tal se deixamos somente Alison Wilson?

Jack sorriu e Armand, depois de olhar para Roe e Marco, afirmou:

— Será o mais acertado, Marguerite.

Sem poder acreditar que estava conseguindo, ela ia falar quando


seu pai acrescentou:
— De acordo, Francesca. Deixar-te-ei em terra. Em minha amada
Escócia, embora eu não a possa pisá-la, e terá que viver sem nós. E
isso significa não se colocar em problemas.

— Eu sei — afirmou ela enquanto sorria e pensava que o primeiro


que faria antes ir em busca de um lar para menina seria ir atrás de
Conrad McEwan e matá-lo.

— Para isso tem que refrear seu arrojo, pensar nas coisas antes
de fazê-las e, sobretudo, fechar essa boca desbocada que costuma ter.

— Provavelmente — afirmou ela pestanejando como uma doce


jovenzinha.

Enquanto caminhava de um lado a outro da cabine para temperar


seus nervos, Jack grunhiu ao ouvi-la:

— Provavelmente... provavelmente! Cada vez que diz essa palavra


confio menos de você.

— Papai...

O homem tomou ar para tratar de serenar-se.

— Seus tios e eu lhe ensinamos boas maneiras como pudemos ou,


melhor dizendo, como nos deixaste ensinar! Sabe ser uma mulher doce,
cálida e graciosa quando é necessário e uma feroz guerreira quando
não resta outro remédio. Isso sim, não cozinha porque isso, minha
querida, não é para você. — Alison soltou uma gargalhada e seu pai
finalizou emocionado: — E, espero que seja judiciosa.

Todos a observavam em silêncio quando o capitão, olhando o


japonês, que estava junto a sua filha, indicou:

— Matsuura, você é um homem do mar e um bom marinheiro.


Sendo Francesca um bebê pedi-lhe, e a Ragnar e Edberg que cuidassem
dela e a protegessem como se se tratasse de sua própria filha. Mas já
que chegamos a isso receio...

— Irei aonde ela vá — cortou Matsuura.

Alison não se surpreendeu. Ouvir isso aliviava o capitão, que


acrescentou bancando o duro com sua filha:

— Viverá sem luxos.

— Papai!

— Jack! — Protestaram todos.

— Viver sem luxos significará que ninguém fará perguntas nem


se interessará por sua procedência — explicou ele. Os outros
assentiram e o capitão prosseguiu: — Como disse Roe, chegaremos
para a festa do castelo, por isso haverá muita gente e ninguém a olhará
de um modo especial.

A jovem soprou. Viver sem luxos não era precisamente o que tinha
feito durante toda sua vida. Por ser seu pai quem era, nunca tinha
faltado comida, nenhuma cama quente, nem ninguém que a desejasse.
Mas, gostasse ou não, seu pai tinha razão. Então viu que ele tirava o
broche que tinha preso na camisa.

— Leve isso. Em caso de apuro pode vender.

Ao ver o que lhe entregava, ela piscou e o capitão apontou:

— Sei que foi o primeiro broche que fez e me deu de presente. Mas,
como bem sabe, em um momento de necessidade, as joias que há nele
a ajudarão. — Alison agarrou o broche e, depois de guardar no bolso,
seu pai acrescentou: — Não se entristeça se tiver que vendê-lo. Venda-
o a quem quiser comprar, voltarei a recuperá-lo. Mas se vendê-lo a
Pinwi, facilitar-me-á as coisas.
Alison piscou entre feliz e inquieta. Saberia ela viver fora do mar
e sem dinheiro?

— Ficará seis meses em terra, nem um dia a mais — indicou ele


pegando uma garrafa.

— Papaiiiiiii...

— E meu conselho é que ande de olhos abertos e não vá dando


cabeçadas nem cravando espadas e adagas em todos que se
aproximem, porque meu desejo é que não termine na forca.

— Mas o que diz?! — Grunhiu zangada.

— Isobel, é importante que recorde sobre cabeçadas! — zombou


seu tio Marco.

— Duvido que recorde — cochichou o francês olhando o galo que


tinha.

Todos começaram a falar entre si até que a jovem ouviu seu pai
dizer:

— Conheça quem te agrada. Se divirta, mas cuida de seu coração.


Não quero ver-te sofrer.

— Papai...

— Filha, você sabe bem que não me envolvo no seu gozo pessoal
em certas questões, mas fique atenta e lembre-se que nenhum homem
no mundo, uma vez que saiba quem você realmente é, vai respeitar ou
a amar, entendeu?

— Entendido.

— Pobres escoceses — zombou Marco. — A doce tortura que lhes


cairá em cima.
Isso fez os homens rissem a gargalhadas, e o francês, observando
a carranca da jovem, afirmou:

— Estou de seu lado. Este momento tinha que chegar cedo ou


tarde, e recorda o que te disse muitas vezes: a vida é curta e aproveitá-
la é o que importa.

A jovem assentiu e seu tio Marco, que a adorava, falou:

— Isobel, amore mio, quando quer sabe pestanejar e sorrir com


amabilidade. Ensinamos-lhe, por isso simplesmente ponha em prática,
em lugar de blasfemar como o pior dos homens e sair nos murros. Isso
sim, se algum deles ultrapassar os limites, arranque seus olhos e faça
brincos com eles!

— Não tem por que voltar a passar o que aconteceu com o verme
do Conr...

— Tio Roe, nem pronuncie o nome! — Cortou-o a jovem.

Era melhor não mencionar o nome de Conrad McEwan, e o


francês, disposto a terminar com aquele mau comentário, falou:

— Recordam como corria o filho do comerciante Lucho Piarse no


ano passado no porto de Génova, quando o imprudente tentou cortejá-
la?

— É que eu não gostava dele — indicou a jovem.

— Ou aquele outro que nossa Orquídea lançou pela proa quando


quis pegar sua mão?

— Tio Roe, esse homem era horrível — afirmou ela.

— E não falemos do espanhol a quem essa sem juízo atou ao


mastro mesana no porto de Barcelona.
— Esse era um ousado e mereceu — sussurrou ela.

De novo, todos soltaram uma gargalhada ao recordar o homem


que tinha sido amarrado pelos pés no mastro mais próximo à popa. Ela
também riu. Aquelas lembranças eram divertidas.

— Acompanhar-lhe-ão dez de meus homens — acrescentou então


seu pai. — Mas para seu bem e o deles te recomendo que não se meta
em problemas, porque se algo acontece com eles, eu não estarei perto
para a ajudar. — O sorriso da moça se desvaneceu quando ele deixou
a garrafa sobre a mesa e continuou: — Quando os seis meses de
liberdade que te concedo em terra concluam, seja como for retornará à
La Bruxa del Mar. Seu lugar está aqui. Junto a mim.

Conhecedores do gênio dela, os homens a olhavam à espera de


que das nuvens raivosas voassem adagas e facas pelos ares.

Alison, que sabia disso, apertou os punhos e respirou fundo. Não


ia dar esse gosto. Ela era forte, decidida, resolutiva. Criar-se entre
homens a tinha feito assim. Mas sua rudeza e decisão eram o que em
terra firme não podia praticar. Em terra firme devia ser uma simples
mulher, Alison Wilson, e não a intrépida filha do capitão Jack Moore.

Escutava sem dizer nada aos tios e o pai que adorava quando seu
olhar se encontrou com o de Matsuura. Em silêncio, aquele homem lhe
falava. Com o olhar lhe dava força, segurança, coragem, e a sua
maneira implorava que mudasse sua atitude presente para ter um
futuro.

Ela era uma mulher, não ia saber como se comportar como tal??

Alison se removeu inquieta.

Aquilo que desde menina tanto tinha desejado estava ocorrendo.


Já não era uma menina inexperiente no que se referia a
sentimentos. Era uma mulher forte e curtida. Uma mulher
independente e guerreira que precisava daquela liberdade e sobretudo
de ver Conrad McEwan morto.

Seis meses afastada de seu pai, de seus tios e do mar era algo
tentador. Melhor isso que nada.

Estava pensando nisso quando de repente recordou o que tio


Edberg e Leise lhe haviam dito aquele dia antes de morrer: as situações
do passado não deviam determinar seu futuro.

E se seguisse esse conselho?

E se vivesse naqueles seis meses tudo o que podia e mais?

Por isso, e pegando à pequena dos braços de seu pai, depois de


olhar Matsuura, que assentiu enquanto ele abandonava a cabine, a
jovem soltou:

— Não há mais o que falar. Serei Alison Wilson.

Sua voz fez com que todos se calassem sorrindo para não lhe
demonstrar o muito que os assustava sua decisão, e então ela disse
aproximando-se da garrafa que seu pai tinha deixado sobre a mesa:

— Ficaremos em Escócia seis meses, mas só Matsuura, Sigge e


eu.

— Como?! — Gritaram todos ao uníssono.

— O que é isso de que só Matsuura e você? — cortou-a Moore. —


Enlouqueceste? Acaso não pensa em sua segurança?

Suspirando, a jovem assentiu.


— Precisamente pensando em minha segurança declino a oferta
de que me acompanhem os homens. Imagina algum deles em terra
firme por mais de três dias? Papai, são homens do mar! Piratas!
Pensa... se a ideia for que ninguém saiba que sou sua filha, a maldita
Joia Moore! O melhor é que não me acompanhem ou toda Escócia
saberá que a filha do capitão Jack Moore estará por lá.

Todos guardaram silêncio. Sem dúvida a jovem tinha razão.

— Sei me defender sozinha e bem sabem disso. E com Matsuura


a meu lado tenho mais que suficiente.

— Alison... Frances...

— Não, papai, não comece! — cortou-o. — Você põe suas


condições e eu ponho as minhas. Tão difícil é chegar a um
entendimento? Você disse seis meses. E eu aceito com a condição de
que não quero ver nenhum deles por perto. Escócia é perigosa para
vocês, então os quero longe! — De novo, os homens se olharam e o
capitão pigarreou incômodo quando sua filha acrescentou sem afastar
o olhar dele: — Matsuura e eu viveremos da venda de minhas joias, por
isso precisarei de material para fabricá-las. E...

— Dar-te-ei o justo...

— Papai, não seja miserável! — Protestou ela.

Jack Moore queria bancar o durão. Dar-lhe o justo e necessário


poderia significar que ela retornasse brevemente à La Bruxa del Mar.

— Pediste sua liberdade — indicou — e, por mais que seja minha


filha, irá com o necessário. Além disso, com o broche que te dei, se o
vender terá mais que o suficiente para viver.
Isso parecia inaceitável para Alison. Por que seu pai tinha que ser
assim? Por que tinha que deixar tudo tão difícil? Mas, desejosa de lhe
fazer entender que não precisava dele para sobreviver, sentenciou:

— Muito bem. Levarei o justo! Não preciso de mais.

Os homens falaram, queixaram-se. A moça não tinha por que


passar calamidades podendo viver amplamente. Mas o capitão Moore
não disse mais nada.

Sua filha o deixaria? De verdade ia se separar seis meses dela?


Mas por que tinha aceito e lhe dado liberdade?

Estava sumido em suas perguntas sem respostas quando olhou


Alison e sorriu. Breve começaria o terrível frio e as nevadas nas
Highlands. Sem dinheiro, com frio e sem lar, sua filha não demoraria
para retornar à La Bruxa del Mar.

Ao ver a carranca desconcertada de seu pai e do resto dos


homens, que tinham passado das risadas à preocupação, depois de
deixar à pequena nos braços de um de seus tios Alison pôs uma mão
sobre a garrafa de uísque e outra sobre seu coração.

— Eu, Alison Francesca Isobel Marguerite Orquídea Moore, como


tripulante de La Bruxa del Mar, aceito o trato feito com o capitão Moore
— declarou. — Estarei em Escócia por seis meses e depois prometo
retornar ao navio.

Que a jovem fizesse aquilo, prometer algo com uma mão sobre
uma garrafa e a outra sobre seu coração, para eles era dar sua palavra.
Quando terminou, Alison retirou a mão da garrafa e pegou de novo à
pequena.
— Na Escócia precisarei de uma carroça que nos sirva de amparo
à noite e uma barraca para a venda de minhas joias de dia. Isso, e bons
cavalos para que possamos nos mover. — E, cravando o olhar em seu
pai, que estava atônito, terminou: — E nem pense me dizer que não ou
juro por Iemanjá que amaldiçoarei seu nome todos os dias de minha
vida!

O capitão assentiu sem duvidar. Tampouco queria que sua filha


dormisse no chão.

Satisfeita, Alison sorriu e, sem revelar o que realmente queria


fazer em Escócia, indicou:

— Seis meses de minha vida que sem dúvida aproveitarei.

Todos se olhavam sem dizer uma palavra quando o capitão,


tirando o recém recuperado anel de sua mulher, contemplou-o com
amor e sussurrou estendendo-o a sua filha:

— É teu.

— Papai...

— Sua mãe quereria que você o tivesse.

Ela o olhou. Sabia como era especial aquele aliança de casamento


para seu pai.

— Quero que guarde com você. — Sorriu. — É um aliança de


casamento e eu não tenho nenhuma intenção de casar.

Pai e filha se olharam. Em certas ocasiões as palavras sobravam,


e essa era uma delas.

Todos ficaram de novo em silêncio e a jovem, ao ver a emoção no


rosto daqueles que o povo chamavam de «ferozes piratas», disse
sorrindo pela aventura que a esperava:
— Rugem-me as tripas e de Sigge também. Zarpemos quanto
antes!

Quando saiu da cabine com a pequena, o coração ia a mil. O que


ia fazer era uma loucura.

Mas como tinha pensando em sequer propor? O que ia fazer ela


durante seis meses em Escócia?

Estava pensando nisso quando chegou a coberta. Ali se encontrou


com Matsuura e, aproximando-se dele, perguntou-lhe:

— Tem certeza de que quer me acompanhar?

— Sim, mas tem que me prometer uma coisa.

— Sabe que eu não prometo nada.

O japonês sorriu.

— Tem que me prometer isso.

— O quê?

Matsuura aproximou o dedo com carinho à ponta do nariz dela e,


olhando para sua testa, cochichou:

— Nada de galos.

Ambos riram e finalmente ela murmurou:

— Só direi... provavelmente.

Matsuura ia protestar quando de repente notaram um cheiro


estranho e Alison, lhe entregando à menina, exclamou:

— Por Tritão... esta menina é pior que uma gambá.


E fugiu enquanto ele sorria com a pequena Sigge nos braços e,
posteriormente, enquanto lhe trocava os panos, começou-lhe a falar em
japonês. A filha de seu irmão devia aprender.

Horas depois, assim que os marinheiros com mimos deram


comida a Sigge com na cozinha, Matsuura a levou a Alison. A jovem a
beijou com carinho e a menina sorriu. Era tão bonita... Durante um
momento brincou com ela, até que, fechando os olhos, a pequena
dormiu. Alison a deixou sobre seu catre e a olhou.

De verdade ia cuidar dela?

Um bom momento depois, quando comprovou que estava


totalmente adormecida, pegou um velho baú de joias e o abriu. Ali havia
algumas joias que tinham pertencido a sua mãe e a sua avó. Joias mais
sentimentais que valorosas, que guardava e entesourava com devoção
e que só utilizava em momentos muito especiais, e às quais agora se
somava aquele impressionante anel.

Depois de admirá-las, ela colocou brincos grandes e redondos nas


orelhas e nos pulsos algumas pulseiras e braceletes de prata
entalhada.

Depois, pegou uma caixa que continham pós de cor ocre dourada.
Jogou algumas gotas de água sobre um prato e fez uma massa com os
pós. Quando acabou, olhando-se no espelho, riscou com os pós
dourados uma linha na metade do rosto. Depois impregnou as palmas
das mãos com os pós e, depois de comprovar que a menina seguia
dormindo, saiu da cabine.

Na coberta viu Matsuura sentado na popa com os olhos fechados.


Sem dúvida estava com aquilo que ele chamava «meditação».

Sem fazer ruído, sentou-se a seu lado. Ele, como ela, tinha a
mesma linha na metade do rosto e as palmas das mãos douradas.
Ambos deviam fazer o mesmo.

Depois de meditar como o japonês tinha lhe ensinado, sob o


atento olhar de vários homens que ali estavam, incluído o capitão
Moore, levantaram-se e caminharam para a proa do navio.

A seguir ambos olharam à lua e, depois de fazer vários


movimentos lentos e ondulantes com os braços e os pés, colocaram as
mãos ante o rosto com as palmas ocres viradas para o exterior, e o
japonês, ao ver que ela não podia falar pela emoção do momento,
murmurou:

— Valoroso irmão e amado tio Edberg, foi uma honra para nós
estar a seu lado todo este tempo. Que os deuses e a luz de nossas mãos
facilitem a caminhada de seu caminho e acredite nesse fio eterno entre
nós para que algum dia voltemos a nos encontrar.

E, dito isso, Alison e Matsuura fecharam os olhos e sorriram


emocionados.
Edimburgo

Harald caminhava pelas ruas repletas de gente em Edimburgo


acompanhado por Aiden, Zac, Peter, o padre Murdoch e Alastair. A
festa no castelo tinha atraído à cidade uma infinidade de pessoas com
vontades de aproveitar e se divertir.

Enquanto Demelza, Sandra e Adnerb, animadas pela última, que


queria comprar tecidos, iam a mercado, os homens se dirigiam para a
zona onde ficava o gado. Especialmente os cavalos. Queriam vê-los e
comprovar se eram o que esperavam. Tinham-lhes falado de uma
excelente manada de cavalos nórdicos e sem dúvida não queriam
perder.

Quando chegaram ao lugar onde estavam os animais à venda, o


padre Murdoch olhou algumas jovens que se beijavam e murmurou
enquanto se benzia:

— Pelos Santos pregos de Jesus Cristo, as barbaridades e as


indecências pecaminosas que alguém tem que ver...
Ao levantar a vista, viram outro casal beijando-se com desejo em
uma esquina e, rindo, Peter McGregor retrucou:

— Padre... são jovens, devem entendê-los!

Mas o padre negou com a cabeça e se apressou a replicar:

— Peter McGregor, melhor se calar! Você precisamente não é


exemplo de virtude e decoro. Acaso acredita que não sei que a cada
noite compartilha o leito com uma serva diferente?

Peter sorriu e, depois de intercambiar um sorriso com Harald,


respondeu:

— Padre, sou um homem livre e sem compromisso. E...

— Muitas das mulheres com as quais se relaciona não estão livres,


estão casadas! Mas, moço, acaso você gostaria que fizessem isso
contigo?

O rosto de Peter mudou ouvindo isso, e Aiden, que sabia o quão


virtuoso o padre era, indicou:

— Melhor deixemos esse assunto.

— Melhor — conveio Harald.

O padre Murdoch amaldiçoou e, voltando a olhar os jovens que se


beijavam, gritou levantando a voz:

— A fornicação é o que os move... arderão no inferno!

Todos riram a gargalhadas ao ouvi-lo, e o padre, tomando ar,


acrescentou:

— Não sei por que riem. Só direi uma coisa: se eu fosse o pai dessa
moça ou desse moço, casava-os agora mesmo. Se querem aproveitar do
pecado da carne, que cumpram primeiro com o santo matrimônio.
Todos riram de novo e então Harald, apontando os cavalos que
havia mais à frente, disse para acabar com o assunto:

— Os cavalos que procuramos sem dúvida são esses.

E era. Aqueles cavalos nórdicos eram uma maravilha. Os homens


se interessaram por eles, e em seguida um impressionante cavalo
pintado de preto e branco chamou a atenção de Harald. Era um animal
magnífico, robusto, guerreiro.

Rapidamente se aproximou dele. Era um bom semental. Com


curiosidade, Harald abriu seu focinho, olhou-lhe as orelhas, tocou suas
patas e, quando estava seguro de que aquele cavalo era uma boa
compra, ouviu que alguém dizia a seu lado:

— Pelas barbas de Netuno... que impressionante!

Harald voltou então a cabeça para sua direita para encontrar-se


com uma mulher que, olhando-o, perguntou-lhe:

— É tão bom quanto parece?

A mulher era mais baixa que ele. Morena, olhos escuros e um


rosto doce e agradável à visão. Harald correu seus olhos azuis por ela
com curiosidade e, depois de comprovar que vestia calça de couro e
botas altas, respondeu:

— Este semental tem uma musculatura poderosa, ao mesmo


tempo que é forte e elegante. Sem dúvida é uma boa compra.

Alison, que não entendia nada de cavalos, mas um pouco de


homens, e assentiu.

— Sem dúvida tem toda a razão.


Mas o que tinha falado tinha sido em referência a ele, que
realmente era impressionante! Loiro... alto... com olhos azuis. Mas, por
sorte, ele não lhe entendera.

Aquele homem que tinha chamado sua atenção antes que o


cavalo, era ainda mais atraente visto de perto. Mas, consciente de que
devia controlar seu descaramento na hora de falar, porque já não
estava no navio e devia comportar-se como uma senhorita, murmurou
olhando o animal:

— Impressionante foi o que disse.

Harald prosseguiu elogiando o cavalo. Sem dúvida tinha gostado.


E, consciente de que tinha esclarecido suas dúvidas no que se referia
ao animal e que se ela não fosse rápida ele o iria comprar, Alison soltou
então olhando-o com arrogância:

— Está demorando em retirar sua mão de seu focinho, retire-a ou


eu terei que a tirar.

Surpreso, ele voltou a olhá-la.

— Disse algo?

— O que ouviu — replicou ela. — Nem mais, nem menos.

Entre boquiaberto e divertido por suas palavras, Harald retrucou:

— Mas o que disse, mulher?

Amaldiçoando para seus adentro por não ter controlado sua boca,
ela soprou, mas de novo foi incapaz de recuar e soltou:

— O que ouviu. — E, alargando o braço para a espada que tinha


na cintura, advertiu-lhe: — Tire a mão de meu cavalo já!
Harald piscou. De verdade o estava ameaçando? E, disposto em
não ter confusões com ela nem com ninguém, depois de retirar a mão
do animal, perguntou:

— É seu?

Alison sorriu ouvindo isso. O sotaque daquele homem ao falar em


gaélico em certo modo recordava seu falecido tio Edberg e disso gostou.

O cavalo ainda não era dela, mas sem dúvida ia ser, por isso
afirmou:

— Provavelmente.

Dando-se por vencido, Harald encolheu os ombros e sussurrou


antes de afastar-se:

— Excelente compra.

— Sei!

Quando ele partiu, Alison sorriu satisfeita. Tinha-o enganado.


Tinha solicitado a informação que precisava quanto ao animal, por isso,
pegando pelas crinas, aproximou-se do vendedor e começou a falar com
ele.

Quando Harald chegou onde o grupo estava, Aiden, que o tinha


visto conversar com a jovem junto ao cavalo, disse:

— Quem é ela?

Consciente do porquê da pergunta, o viking respondeu com gesto


áspero:

— Ninguém.

Aiden assentiu enquanto Peter se juntava a eles e, seguindo a


direção de seu olhar, perguntou:
— Como se chama essa preciosidade?

— Pelo que parece, chama-se «ninguém» — respondeu Aiden


divertido.

Harald os olhou. Peter e Aiden riram divertidos, mas ele grunhiu


irritado:

— Já tenho o bastante com Demelza. Por favor, não comecem


também.

Sem dizer nada mais, seus amigos assentiram e, dando a volta,


encaminharam-se para Zac que estava junto do padre Murdoch,
admirando outro dos cavalos.

Pouco depois, enquanto examinavam outro dos animais, os olhos


de Harald voltaram a encontrar-se com os da jovem, que parecia
regatear com um dos vendedores. Isso chamou sua atenção e, quando
finalmente viu que ela tirava de sua bolsa algumas moedas e as
entregava ao homem, amaldiçoou por ter lhe dado crédito. Mas como
se deixou enganar assim?

Imediatamente afastou o olhar. Mas a mentira dela ardia nele e,


depois de dar meia volta, aproximou-se dela e se deteve suas costas.

— Não havia dito que era teu?

Alison se voltou, olhou-o e piscou com zombaria.

Quanto mais o via, mais gostava. Tão limpo, tão asseado, tão bem
vestido...

Mas estava claro que percebeu sua mentira e, quando ia


responder, aquele enorme escocês loiro com um sotaque estranho
perguntou em um tom taciturno:

— Mulher, acaso me toma como tolo?


— Provavelmente...

— O quê?! — Grunhiu Harald.

Alison sorriu. Sabia por seu pai que em muitas ocasiões um


sorriso zombeteiro dizia tudo e, de fato, aquele sorriso deixava o
estranho fora de si, que, surpreso, a viu se aproximar dele e,
estendendo a mão para alcançar seu pescoço para cheirá-lo com
dissimulação, sussurrou:

— Sim, é um pouco tolinho.

Ele a observava boquiaberto por sua desfaçatez. Desde quando


uma mulher ousaria chamá-lo de tolinho?

E quando ele ia responder, ela soltou sem nenhum tipo de decoro:

— Alguma pergunta a mais?

O estranho não respondeu. Achava-a uma descarada, e se lhe


respondesse não ia ser nada bonito.

— Pois adeus! — acrescentou ela. — Tenho muitas coisas a fazer.

E, sem mais nada a dizer, deu a volta e se afastou dele com o


cavalo, consciente de quão bem cheirava aquele homem e do muito que
tinha gostado dele.

O nórdico a olhava com gesto feroz. Que o tomassem por tolo e


ainda por cima lhe dissessem no rosto não era absolutamente
agradável.

— De novo conversando com... ninguém? — Perguntou-lhe Aiden,


que tinha se aproximado dele.

O viking o olhou, mas, ao ver seu trejeito de brincadeira,


finalmente sorriu meneando a cabeça e indicou apontando com o dedo:
— Vamos comprar esses cavalos antes de que o façam antes de
nós.
O mercado estava animado.

O aroma de porco assado e de especiarias enchiam as fossas


nasais dos presentes, Alison, desviando-se, encaminhou-se à rua que
vendia joias e, depois de atar o cavalo, puxou o capuz de sua capa e
entrou em uma das lojas.

Imediatamente olhou para um homem bastante velho que, ao vê-


la entrar, levantou-se com dificuldade de sua cadeira e perguntou:

— No que posso ajudar, milady?

Conforme ouviu, Alison sorriu e, ao ver que estavam sozinhos,


disse:

— Procuro o dono da loja.

O homem cravou o olhar nela e ia responder que ele era o dono


quando ela, tirando-a capuz, cumprimentou-o:

— Olá, tio Pinwi.

O homem sorriu ao reconhecê-la. Diante dele tinha Alison, a filha


do homem que foi seu capitão durante muitos anos, e abrindo os braços
exclamou:

— Caramba, Bug, veem aqui!


Maravilhada, ela o abraçou e Percival, caminhando para a porta,
fechou-a com chave e voltou para seu lado.

— Por todos os Santos, moça — disse a seguir baixando a voz, —


o que faz aqui? Se alguém te reconhecer, meter-se-á em uma boa
confusão. Seu pai sabe?

Feliz pelo encontro, rapidamente lhe contou tudo para que se


tranquilizasse e, quando acabou, o homem murmurou surpreso:

— Alison Wilson? — Ela assentiu e ele, sentando-se em uma


cadeira, cochichou: — Se eu fosse seu pai, nunca teria permitido esta
loucura.

Mas ela sorriu e encolheu os ombros.

— Felizmente para você, não o é, e aqui estou!

Estiveram conversando e rindo durante um bom tempo, até que


ele, olhando o broche que a jovem usava no peitilho de sua camisa,
apontou:

— Não deveria usar tão à vista esse broche.

Alison olhou o broche, tinha sido o primeiro que ela tinha


confeccionado anos atrás, e indicou:

— Calma, tio Pinwi. Por sorte, quase ninguém entende de joias.

— Sua venda te permitiria viver amplamente, moça — comentou


ele. — Por que não o faz e vive em melhores condições do que em uma
velha carroça como propôs ao miserável de seu pai?

— Porque vivendo nessa velha carroça ninguém imaginará que


sou a terrível e sanguinária filha do pirata Moore.
Ambos riram daquilo. As coisas que diziam em referência a ela
eram a maioria inventadas.

— Tem toda a razão, Bug, e seu pai pensou bem — assentiu o


homem e, olhando-a, acrescentou: — Mas sabe, se alguma vez precisar
vender esse bonito broche, venha a mim. Eu te pagarei o que vale e não
te enganarei.

— Sei, tio Pinwi. Eu sei — Ela sorriu.

Prosseguiram falando durante um momento mais, até que


finalmente se despediram e Alison partiu. Pelo bem do ancião, quanto
menos a vissem com ele, melhor.

Comerciantes de tecidos, peles e mercearia... Barracas de fruta,


de peixe fresco ou de muito luxo como fios, seda, cobre cinzelados,
joias, carnes... Todo aquilo era recebido e desejado no enorme mercado
de Edimburgo.

Adnerb, Demelza e Sandra caminhavam maravilhadas entre as


barracas quando se detiveram em um de especiarias para comprar
canela.

Na seguinte compraram produtos medicinais como aloe vera,


ruibarbo7 e rede de pescaria, e pouco depois, em outra, Adnerb as fez
adquirir água de rosas para suas noites de paixão.
Com prazer e felizes caminhavam pelo mercado quando Adnerb,
de repente, ao ver uma barraca enorme, levou a mão à boca e
sussurrou pondo-se a correr:

— Morro de amorrrrrr.

Sandra e Demelza intercambiaram um olhar e perguntou:

— Quantas vezes Adnerb morre de amor?

— Infinitas. — Demelza riu.

Divertidas, dirigiram-se para a barraca onde Adnerb acariciava


com mimo alguns tecidos coloridos. Eram bonitos, diferentes. E, depois
de falar um bom momento com o vendedor sobre os tecidos, a jovem
decidiu comprar uma peça com a qual poderia fazer um bonito vestido.

Quando se afastaram da barraca de tecidos, Adnerb se deteve ao


ver outra barraca e murmurou:

— Não me matem, mas...

— Volta a morrer de amor? — Zombou Demelza.

As três moças sorriram e Sandra, ao ver a barraca que Adnerb


apontava, que era de joias e bijuterias, exclamou encantada:

— Me encantammmmmm!

— Olhe esses brincos, que bonitos! — Afirmou Adnerb.

Demelza assentiu justo quando viu uma jovem chegar com um


bonito cavalo negro e branco que atou junto a outro de cor
avermelhada. Sem dúvida aquele impressionante cavalo era da raça
fiorde8, e o admirou boquiaberta, pois era uma preciosidade.

Matsuura, quando viu Alison junto à carroça que tinham


comprado, onde tinha as joias expostas, cumprimentou-a com prazer.
Adorava os cavalos. Sempre tinha gostado muito, e o porte do que ela
tinha comprado era impressionante.

Fazia cinco noites que estavam em terra escocesa.

Jack Moore, para não aproximar nenhum dos navios de sua frota
à costa escocesa, tinha mandado transportar Alison, Matsuura e à
pequena Sigge em uma barcaça até Dunbar.

Quando chegaram, com Matsuura, depois de deixar à pequena no


chão sobre uma manta, a jovem e o japonês, que tinham as palmas das
mãos pintadas de ocre, colocaram-nas diante o rosto com as palmas
para o exterior e, com um sorriso, despediram-se dos que se afastavam
na barcaça. Não voltariam a verem-se até final de seis meses.

Aquele dia caminharam durante horas. Alison olhava tudo a seu


redor emocionada. Estava em Escócia!

Naquela noite dormiram à intempérie, esgotados, e no dia


seguinte, assim que amanheceu, procuraram um lugar onde comprar
que precisavam, uma carroça para que lhes oferecesse um teto e
segurança.

Com o pouco dinheiro que o capitão Moore tinha dado puderam


comprar uma carroça velha e Alison, tirando de sua inteligência e de
seu sorriso, conseguiu que no preço da mesma se incluísse um velho
cavalo avermelhado que Sigge olhava completamente assombrada. Sem
dúvida era a primeira vez que via um.

A menina, nos vinte dias que estava a seu lado, já os reconhecia


como parte de sua vida, e eles começavam a aproveitar sua companhia,
apesar de que a comunicação ainda era complicada com ela em certas
ocasiões.
Quando Sigge viu o cavalo avermelhado pela primeira vez,
apontou-o com seu dedinho e gritou: «Bo! Bo!».

Alison sorriu, que sem dúvidas decidiu chamar o animal de Bo.

Mas precisavam de uma melhor montaria que o velho Bo, e por


isso decidiram investir parte do dinheiro que ainda tinham em comprar
outro cavalo assim que chegassem a Edimburgo. E ali, diante deles,
estava agora o bonito animal.

— Esta maravilha de cavalo fiorde é teu? — Ouviu Alison a suas


costas.

— Provavelmente — retrucou.

Voltando-se viu uma moça ruiva, vestida com umas calças de


couro como ela. Ela gostou de seu olhar e especialmente seu sorriso.

— Sim. Adquiri-o esta manhã — acrescentou.

Demelza assentiu com a cabeça com prazer. Que lástima que seu
marido ou Harald não o tivessem visto antes; dirigindo-se de novo a
jovem perguntou:

— Posso tocá-lo?

Alison achou curioso que pedisse. Em seu mundo nunca se


perguntava algo assim, e afirmou:

— Se ele deixar, não vejo por que não.

Com cuidado, Demelza se aproximou do bonito animal, que


rapidamente a olhou. Sua conexão com cavalos era algo inato dela,
mágico, e juntando sua testa com a do poderoso fiorde, começou a
sussurrar em norueguês muito baixinho para que ninguém a ouvisse.

Alison a observou com curiosidade. Que fazia?


E, depois de segundos, a estranha se afastou dele e comentou:

— É nobre e seguro. Tem um excelente cavalo.

Ela assentiu surpreendida. Se ela dizia, como havia dito o gigante


loiro anteriormente, era bom sinal.

Nesse instante, um homem alto e de cabelos claros passou a seu


lado e, sem poder se deter, Alison o olhou.

Demelza sorriu ao ver o descaramento da estranha, e esta


cochichou olhando-a:

— Não acha extremamente atraentes os homens de cabelo e olhos


claros?

Demelza riu e dando de ombros, respondeu pensando em seu


marido:

— Gosto mais dos morenos de olhos escuros.

As duas soltaram uma gargalhada, e Demelza, olhando de novo o


cavalo, perguntou:

— Que nome lhe deu?

Matsuura as observava satisfeito, ver Alison conversando


calmamente com outra mulher não era algo que estivesse acostumado.

— Pirata — respondeu Alison.

O japonês cortou o sorriso, em troca Demelza deu-lhe um, e a


ruiva perguntou divertida:

— Não acredita que é um nome um pouco ousado?

Alison encolheu os ombros e ia responder quando de repente


Demelza, notando que a pequena dormia sobre mantas, esquecendo do
cavalo, perguntou:
— Como conseguem?

Matsuura e Alison se olharam. Não a entendiam. E Demelza,


apontando à pequena, disse:

— Como fazem para que durma dessa forma, com prazer?

De novo, os dois se olharam e Alison, apressada por não saber o


que responder, explicou:

— Na verdade, Sigge adora dormir.

Demelza suspirou e afirmou pensando em sua pequena:

— Tenho uma filha de uma idade parecida e asseguro que mataria


por vê-la dormir assim. Desde que era um bebê chora muito. É
intranquila e dormir não é seu forte. Meu marido e eu a adoramos.
Daríamos nossas vidas por ela, mas lhes asseguro que tem ocasiões
que Ingrid nos faz se desesperar por sua falta de sono.

Alison se divertia em ouvir o que a jovem contava, e se dispunha


a responder quando ouviu que alguém exclamava:

— Malditos assassinos orientais! Deveria estar morto em seu país!

— Vai ao demônio, saco de merda podre! — Gritou a jovem


dirigindo-se ao homem que havia dito.

Não suportava que se metessem com Matsuura por sua


procedência. O povo odiava os orientais porque os temiam.

E estava disposta a enfrentá-lo, mas ao ver a carranca de seu tio,


soube que devia conter-se e suspirou. Entretanto, depois de instantes,
uma pedra impactou contra a cabeça do japonês e Demelza, ao ver,
gritou se voltando:

— Filho de Satanás! Veem aqui, que vou lhe...


— Milady, não se preocupe. Estou bem — indicou Matsuura em
gaélico tocando o sangue da ferida.

Demelza o olhou com tristeza. Aquele homem, simplesmente por


ser de outra terra, sofria o rechaço de muitos escoceses, que não
paravam para pensar por que estava ali e, sobretudo, se podia ser boa
pessoa ou não.

O mesmo ocorria com ela, Adnerb ou Harald. Se muitos dos que


os rodeavam soubessem que eram vikings, sem dúvidas os
apedrejariam.

Por isso, e incapaz de ficar quieta, voltando-se viu o sujeito que


tinha insultado e posteriormente atirado a pedra; caminhando para ele,
pegou-o pelo casaco, jogou-o no chão e, quando o reteve apertando o
joelho contra seu torso, sibilou:

— Volte a fazer o que fez ou a abrir sua pestilenta boca para dizer
uma tolice a mais e te juro que arranco seu fígado.

Matsuura e Alison se olharam surpreendidos pela reação da


moça, pois não estavam acostumados a aquilo; então Sandra se
aproximou com Adnerb e perguntou:

— O que aconteceu?

Depois de soltar ao sujeito, que partiu correndo, Demelza as


olhou.

— Um idiota que merecia um safanão. Nada mais — respondeu.

Aquela justificativa, tão própria de Alison, fez a jovem sorrir, e


olhando Matsuura, disse ao ver o sangue:

— Vamos. Curar-lhe-ei.
— Estou bem, calma. Continue atendendo à mulher. Eu mesmo
curarei.

E, em silêncio, o japonês se retirou para a parte dianteira da


carroça, feliz por ver Alison receptiva quanto a conhecer as mulheres e
deixar-se conhecer. Sabia que para ela não era fácil, mas sem dúvida
estava tentando.

Apressada e penalizada pelo ocorrido, Alison soprou; sem dúvida


a origem de Matsuura os conduziria a mais de um problema. De
repente, Adnerb, ao ver a pequena adormecida placidamente sobre as
mantas, murmurou levando as mãos ao pescoço:

— Ai... Ai... Ai... Que morro de amorrrrrrrrrrrrrrrr!

Alison piscou ao ouvi-la. Por que morria? Sério?

— Raios e centelhas! O que acontece?

Demelza, divertida ao ver o rosto desconcertada da jovem,


apressou-se a esclarecer:

— Adnerb é muito exagerada em suas expressões, e ao ver a


menina adormecida acha tão adorável que por isso disse que morre de
amor. Mas calma, ela não morre.

Alison suspirou e, consciente de que tinha muito que aprender


naqueles seis meses, afirmou aliviada:

— Alegro-me sabê-lo.

Todas riram por aquilo e a seguir a ruiva indicou:

— Por certo, ela é Sandra e eu Demelza. Encantadas de a


conhecer.

Alison assentiu.
— O homem que defendeu é tio Matsuura, a pequena é Sigge e eu
sou Alison.

— Um prazer, Alison — disse Demelza, que se perguntava o que


fazia a jovem com um oriental.

Sandra e Adnerb, por sua parte, dirigiram-lhe um sorriso. Era um


prazer conhecer gente nova.

A conversa em tom calmo e cordial, sem dramalhões, insultos ou


golpes, era algo novo para Alison. Por norma, as mulheres com as quais
trocava palavras, e que poucas vezes eram boas, eram as prostitutas
que os homens de seu pai conheciam nos portos.

Nesse instante a pequena Sigge despertou e Matsuura, que não


tirava os olhos dela, tentando que Alison continuasse conversando com
as gentis mulheres, rapidamente a pegou e a levou consigo.

Dar-lhe-ia de comer. Sigge sempre tinha fome.

Durante um bom momento, as mulheres perguntaram pelas


diferentes joias que tinha à venda e as lindas e lavradas caixas de
madeira, e Alison respondia maravilhada.

Delmeza a escutava surpreendida por tudo o que ela sabia sobre


lindas pedras e em especial sobre outras terras.

— A pedra deste broche de prata como se chama? — Perguntou


Sandra olhando-a.

— É uma pedra semi preciosa chamada «lápis-lazúli» — explicou


Alison — É da Arábia, embora também podem consegui-la em lugares
como Sri Lanka e Pérsia.

— Comprarei! E essa linda caixa de madeira lavrada também.


Morro de amor por ela! — Afirmou Sandra fazendo Adnerb sorrir.
— Por como falas desses lugares — comentou então Demelza, —
dá a sensação de que esteve em todos eles.

— É que estive!

Mas ao observar o olhar surpreendido das três mulheres, Alison


se apressou a acrescentar, consciente do erro que tinha cometido:

— Uau, era brincadeiraaaaaaaa! — Todas riram, e ela insistiu: —


Como vou ter estado nesses lugares? — E tentando buscar uma
resposta lógica afirmou: — É que quando compro as pedras dos
comerciantes pergunto por sua procedência. Interesso-me. Nada mais.

— O que significam as iniciais «F. J.» que vejo gravadas em todas


as joias? — Perguntou Sandra.

Alison a olhou. Aquele era seu selo de distinção. «F. J.», Francesca
e Jack. E respondeu sem medo:

— São as iniciais do nome de meus pais. Todas minhas peças têm


gravadas.

Demelza assentiu, embora seu audaz instinto a fazia intuir que


jovem ocultava algo. Então Alison, que era consciente de como a ruiva
a observava, apontou:

— Bonito broche o que usa.

Demelza sorriu. Aquele broche de prata com uma pedra negra


tinha pertencido a seu pai e anteriormente a seu avô. E, tocando-o com
mimo, murmurou:

— Obrigada. É uma joia familiar.

Rapidamente Alison tirou brincos com pedras negras e indicou


enquanto os mostrava, sem precaver-se que Demelza observava os
cortes já sanados que ela tinha nos braços:
— São de cristal de rocha.

— Cristal de rocha? — Perguntou a jovem com curiosidade.

Alison assentiu.

— É água congelada que com o passar do tempo se endurece.


Originariamente o cristal da rocha é transparente, mas ao endurecer-
se branqueia e eu, ao trabalhá-lo, mesclo-o com cores até conseguir o
desejado. Ao ver seu broche com essa pedra negra recordei destes
brincos que fiz. — E baixando a voz cochichou: — Tenho certeza de que
seu marido adorará ver-te com eles.

Demelza os olhou sorrindo. Ela não era uma mulher vaidosa.


Nunca a tinham atraído os vestidos nem as joias, como atraiam Adnerb
ou Sandra.

— É meu presente por ter defendido meu tio Matsuura — declarou


Alison.

Ouvindo isso, a ruiva negou com a cabeça.

— Oh, não, por favor. Nem pensar! Só fiz por que acredito que era
correto e...

— E o correto em meu caso — a cortou Alison— é ser agradecida


por isso.

— Mas você vive disto, da venda de suas joias — insistiu Demelza


olhando a pequena e a velha carroça que tinham.

Alison sorriu. Durante um tempo, assim seria. Mas, consciente de


que dar de presente os brincos não ia supor um grande problema,
insistiu:

— Por favor, aceite meu obséquio.


Demelza sorriu finalmente e, maravilhada, pegou o que a jovem
estendia e murmurou observando as iniciais «F. J.»:

— Muito obrigada. De verdade. Guardá-los-ei como um bonito


tesouro.

Alison gostou do que ouviu e, baixando a voz, murmurou:

— Como eu guardarei este bonito momento contigo.

A frase arrepiou a pele de Demelza. Por que a moça dizia aquilo


com sentimento? E, sobretudo, como tinha feito os cortes nos braços
que pareciam ser de espada?

— Decidido! — Soltou então Adnerb. — Levarei este bonito anel


com safiras e vários botões de prata.

Alison assentiu maravilhada e, disposta a vender, perguntou:

— Quantos botões quer?

Adnerb repassou mentalmente o que precisava.

— Com oito bastará.

Rápido, Alison lhe entregou o que pedira; então viu que um


homem de cabelos claro se aproximava delas e, depois de passar as
mãos ao redor da cintura de Adnerb, murmurou com doçura:

— O que compra minha linda mulher?

Ela sorriu e respondeu olhando Alastair:

— Um bonito anel que me faz morrer de amor.

— Como não! — Zombou Alastair.

Zac, que caminhava junto a ele, aproximou-se de Sandra e, com


mimo, depois de beijar seu pescoço perguntou:
— Diverte-se, mo chridhe9?

A expressão de amor tão íntima entre Zac e ela fez a jovem sorrir,
que afirmou:

— Agora contigo por perto muito mais.

Um homem alto e moreno de agradável sorriso se aproximou de


Demelza. Deu-lhe um beijo nos lábios e, quando se afastou, Alison
murmurou em um fio de voz:

— Agora entendo por que gosta dos morenos.

Ambas sorriram e Demelza, ante o rosto de surpresa de Aiden ao


reconhecer a jovem, disse:

— Alison, apresento meu marido, Aiden McAllister. O Zac Phillips


é o marido da Sandra, e o de Adnerb, Alastair Matheson.

Alison, ao ver que eles a olhavam, sem saber se fazia uma


reverência ou não, ficou rígida como um pau.

— Um prazer lhes conhecer — cumprimentou.

— O prazer é nosso — afirmou Aiden divertido. — Alison de quê?

A jovem ia responder quando se interrompeu e disse:

— Wilson... Alison Wilson.

— Onde estão Harald e Peter? — Perguntou Demelza com


curiosidade.

— Terminando a compra de excelentes ovelhas — indicou Zac.

Ela assentiu e, com certa diversão, cochichou olhando a jovem:

— Teria gostado que conhecesse Harald.

— Por quê?
Com picardia, Demelza se aproximou dela.

— Porque precisamente moreno ele não é — sussurrou.

Ambas riam daquilo quando Adnerb e Sandra tiraram algumas


moedas de suas bolsas e as entregaram a jovem para pagar suas
compras.

Aiden, sem querer dizer que já tinha visto a moça que falara com
Harald, dirigiu-se a sua mulher.

— Harald e eu compramos seis cavalos nórdicos excepcionais.


Você adorará. Moisés e o padre Murdoch os levaram para
acampamento.

Ela assentiu satisfeita e, quando suas amigas terminaram de


pagar o que tinham comprado, ao ver que outras pessoas se
aproximavam da barraca para admirar, Alison sorriu e murmurou
consciente de que devia seguir vendendo:

— Foi um prazer lhes conhecer.

As garotas sorriram a sua vez e Demelza respondeu:

— O mesmo digo.

E, segura pela mão de seu marido, a ruiva se afastou expressando


a felicidade que ele lhe proporcionava, enquanto Alison os observava e
pensava como seria sentir-se amada por um homem assim.
À noite, a festa em Edimburgo estava em pleno apogeu. Frente ao
castelo da cidade o povo dançava ao redor das fogueiras, cantava,
bebia. Todo mundo queria divertir-se.

Demelza, que aproveitava do momento com seu marido Aiden e


seus amigos, ao ver um carrancudo Harald, se aproximou dele e
cochichou:

— Peter McGregor se diverte muito.

Ele assentiu e, vendo o Peter rir para uma bonita mulher de cabelo
claro que o beijava nesse momento, retrucou:

— Se o padre Murdoch o vir, o casará.

Ambos riram, o padre era excessivo em muitos assuntos.

— Insisto — disse Demelza por fim, — Peter aproveita melhor que


você.

— Pois me alegro por ele.

A jovem soprou ao ouvi-lo. Nada mais no mundo gostaria de ver


que Harald aproveitar a alegria de uma festa. A última vez que o tinha
visto sorrir com vontade tinha sido nas bodas com sua irmã Ingrid.
Nunca mais havia tornado a vê-lo rir assim, mas quando se dispunha
a replicar, Aiden se aproximou deles.

— Tenhamos uma festa em paz, que estou de olhos nos dois.

Os dois vikings intercambiaram um olhar e, sem querer evitar,


sorriram. Acontecesse o que acontecesse, podiam se zangarem, mas se
amavam, por isso Demelza, levantando-se, estendeu a mão a seu
cunhado.

— E comigo tampouco dançará? — Perguntou.

Sem querer negar, Harald ficou em pé e, depois de receber um


empurrão divertido de Aiden, seguiu-a. Foram dançar!

Satisfeito, Aiden voltou a sentar-se junto a seus amigos e suas


mulheres; aproveitar daqueles momentos de paz e diversão sempre era
algo bom.

Um bom momento depois, Harald e Demelza retornaram e ela se


sentou no seu colo, e a felicidade o alagou.

Divertiram-se conversando e bebendo quando de repente a ruiva,


ao ver que o povo se reunia em bandos e começavam a gesticular com
as mãos, perguntou:

— O que aconteceu?

Imediatamente, Aiden enviou um de seus homens até um dos


grupos para informar-se. Pouco depois ele voltou e, olhando-o, indicou:

— Meu senhor, os aldeãos afirmam ter visto vários navios pirata


pela costa.

— Piratas, que horror! — Exclamou Sandra assustada.

Zac a tranquilizou pegando sua mão e Aiden suspirou.


— Se isso for verdade — disse, — o mais lógico é que algum deles
esteja em terra para aproveitar da festa...

— E não fazer nada bom — acabou Harald por ele.

— Quando algo de bom os piratas fazem? — Zombou Peter.

— Nunca — retrucou Harald.

Todos se olhavam convencidos disso quando Alastair, Zac e Aiden,


depois de falar entre si, chamaram a seus homens e disse:

— Sentimos dar por terminada a festa por hoje, mas retornem ao


acampamento. Os cavalos e as ovelhas que compramos podem ser
muito atrativos para esses piratas e nós não gostaríamos de perdê-los.

Os homens assentiram e voltaram para acampamento. Não havia


mais do que falar.

O grupo inicial ficou aproveitando da festa, Adnerb murmurou:

— Só ouvir a palavra pirata atemoriza.

— Nada tem que se atemorizar enquanto esteja comigo —


cochichou Alastair.

Todos sorriram ouvindo isso, mas, sem saber por que, Demelza
recordou à moça que tinha um cavalo com esse nome. Que curioso...
Essa noite, quando a pequena Sigge adormeceu e Matsuura se
deitou para descansar, Alison observava as estrelas sentada na parte
dianteira da carroça.

Desde pequena tinha gostado de admirar aquelas luzes


chamejantes, que era como seu pai as chamava. As estrelas durante
anos os tinham guiado no mar. Só precisava que chegasse à noite para
saber se seu rumo era ou não bom, mas, em terra, neste momento não
sabia interpretar.

Estava pensando nisso quando o som de gaitas de fole, as palmas


e as risadas procedentes da praça que havia perto do castelo chegasse
até eles. E Alison começou a mover os pés no ato. Seu pai e seus tios a
tinham ensinado a dançar, e sorria divertida quando Matsuura lhe
disse:

— Por que não dá um passeio e vê a festa de perto?

— É tarde.

— Para uma festa não — afirmou o japonês.

— Não se importa que vá? — Perguntou ela olhando-o.


— Não. É como sempre te digo, viva o presente! — Se a jovem
tinha que fazer algo para se sentir como mais uma na Escócia, era
interagir com as pessoas, e Matsuura acrescentou: — Sabe se defender.
Confio em você, além disso, é consciente de que não tem que se colocar
em nenhuma confusão.

Ela assentiu. Seu tio tinha razão, embora se sentisse mal por
ocultar que Conrad McEwan estava na mesma terra que eles.
Inconscientemente, olhou à pequena, e o japonês indicou:

— Está adormecida, e sabe tão bem quanto eu que, embora troveje


como se o mundo fosse desabar, não despertará até a alvorada.

Alison sorriu divertida.

— Solte o cabelo e coloque uma saia como usarão o restante das


mulheres, ou nenhum homem que se prese a tirará para dançar —
insistiu Matsuura.

Divertida, a jovem ia replicar. Ela tinha dançado somente com seu


pai, seus tios e os homens de sua frota. Não esperava que ninguém a
tirasse para dançar. Mas, consciente de que sem dúvida usar uma saia
era o mais apropriado para uma festa, afirmou tomando ar:

— De acordo.

Instantes depois, quando usava a única saia que tinha e soltou o


cabelo, o japonês indicou:

— Deixe a espada e a katana aqui, mas leve as adagas contigo.

De novo, Alison voltou a sorrir e, olhando-o com zombaria,


replicou:

— Raios e centelhas, tio Matsuura, teria sido uma excelente mãe,


sabia?
— Fala como uma mulher, não como pirata — apontou ele rindo.
— Vá para perto das fogueiras e divirta-se. Sigge e eu a esperaremos
aqui e, por favor, não volte com nenhum galo na testa!

Assim que Alison saiu da carroça, alisou a saia e o cabelo e,


levantando o queixo, pôs-se a andar entre o povo, sem precaver-se de
que alguém que tinha saído de detrás de outra carroça a seguia.

Com um sorriso, a jovem passeava enquanto todos dançavam e


cantavam aproveitando da paz e a tranquilidade que o momento
oferecia quando notou que a pegavam pela mão. Em seguida olhou e,
ao ver que um homem que tinha bebido demais, exclamou desfazendo-
se dele:

— Não me toque! Você tem mais sujeira do que um cachorro


pulguento.

O sujeito soltou uma gargalhada e, dando meia volta, afastou-se.

A jovem prosseguiu seu caminho e, curiosa, a todo momento


parava para escutar os cânticos. Muitos deles conhecia, outros não, e
quando, pouco depois, um jovem de bonito sorriso se aproximou dela
para convidá-la para dançar ao redor de uma das fogueiras, seguiu o
conselho da Matsuura e aceitou. Por que não?

A madrugada chegou e pessoas seguiam aproveitando da festa


quando Demelza, olhando para uma fogueira, sorriu surpreendida ao
reconhecer Alison. Imediatamente se levantou, caminhou para ela e a
chamou quando esta passou a seu lado dançando.

— Alison! Alison!

Ouvindo seu nome, a moça se deteve. Não conhecia ninguém em


Edimburgo que pudesse chamá-la, e Demelza, ao ver sua reação, deu
um passo adiante e insistiu:

— Hei... Alison.

Quando ela a localizou, ao ver que se tratava da jovem ruiva que


tinha conhecido a tarde no mercado, suspirou aliviada. Trocando
rapidamente seu trejeito por um sorriso, aproximou-se dela e, olhando-
a, comentou levando as mãos à cintura:

— Ora... sem dúvida calças não são o mais acertado para uma
festa.

— Você tampouco as usa. — Demelza riu.

As duas mulheres sorriram, e a seguir a jovem Moore sussurrou:

— Os brincos realçam sua beleza.

Demelza, maravilhada, tocou o cabelo solto e murmurou:

— Graças a você. E, certamente, você também está muito bela.

Alison revirou os olhos e, sem acreditar-lhe cochichou:

— Obrigadaaaaaaaa.

Ambas riram e a ruiva, ao ver que o homem com quem a jovem


dançava as observava, perguntou:

— É seu marido?

— Uau, não!
— O pai de sua filha?

— Nãoooooo...

Demelza piscou e Alison, ao ver seu trejeito, falou:

— Pelas barbas molhadas de Netuno, tão mau gosto acredita que


tenho? Acaso não recorda que disse que os loiros me atraem?

A outra soltou uma gargalhada. O que era isso de pelas barbas de


Netuno? Mas, quando ia falar, Alison explicou:

— Não tenho marido nem nada parecido. E quanto a Sigge...

— Alison! — Gritou então Sandra ao reconhecê-la.

Alison levantou a vista e viu Sandra de mãos dada com Zac, que
vinham dançar.

— Mas que alegria ver-te de novo por aqui — disse abraçando-a.

Alison sorriu. Gostava que outra mulher se alegrasse de vê-la e a


abraçasse desse modo. Então Zac, que estava sedento, propôs às três
retornar com o grupo, e Alison aceitou acompanhá-las.

Aiden, que tinha seguido de longe os movimentos de sua mulher,


sorria. Outra vez aquela moça?

E Harald, que de onde estava não podia ver bem com quem se
aproximava sua cunhada, perguntou:

— Com quem Dem fala?

Com um sorriso nos lábios, e evitando dizer o nome de Alison


Wilson, Aiden respondeu:

— Com... «ninguém».
Harald não o entendeu, mas assentiu e seguiu bebendo. Então
Aiden, ao ver que elas se aproximavam, acomodou-se em seu assento
e perguntou a Harald:

— Quer mais cerveja?

— No momento não.

— Acredito que em breve quererá beber — zombou ele.

— Não vejo por que — grunhiu Harald voltando-se para conversar


com um aldeão.

Quando elas chegaram ao grupo, Adnerb, ao reconhecer a jovem,


rapidamente a abraçou enquanto Alastair a saudava com
cavalheirismo. Aquele recebimento e os sorrisos sinceros, que não a
julgavam, Alison gostava. Tudo era novo para ela.

E então Demelza, desejosa de apresentar seu cunhado a sua nova


amiga, chamou-o:

— Harald...

O nórdico, que conversava com um homem, voltou-se no ato e,


quando Demelza ia abrir a boca, surpreendeu-se ouvindo Alison dizer:

— Pelas barbas de Netuno! Você!


Espantado ao encontrar-se de novo com ela, Harald não disse
nada.

— Conhecem-se? — Perguntou sua cunhada com assombro.

O viking olhou Aiden, que sorria; agora entendia a brincadeira


deste. Então Alison disse:

— Provavelmente.

Demelza piscou surpreendida.

— Vimo-nos esta manhã durante a venda de cavalos — esclareceu


Harald.

— E por que não comprou o cavalo que ela comprou? — Quis


saber sua cunhada. — É magnífico!

Harald não disse nada, mas Alison respondeu em seu lugar:

— Porque eu fui mais rápida.

Ouvir isso fez com que ele lhe cravasse o olhar.

— Não foste rápida. Fez uma armadilha.

A jovem sorriu, sabia que era verdade, e, vendo como Demelza,


Aiden e o resto a olhavam, indicou:
— Tubo bem, tem razão. Eu disse que o cavalo era meu quando
não era. Mas em minha defesa tenho que dizer que me vi forçada a fazê-
lo porque ele o teria arrebatado de mim. Vi em seus olhos. Percebi que
o queria e isso não podia permitir, porque sou das que quando quer
algo não deixam escapar. E esse cavalo era meu!

Harald assentiu ao ver que todos sorriam a sua explicação e,


negando calar-se, replicou:

— Também é das que insultam, não é?

Demelza e Aiden se olharam surpreendidos.

— Insultaste-o? — Perguntou Demelza.

Alison, ao ver-se observada por todos, explicou com um gesto


gracioso:

— Só o chamei de tolinho...

— Tolinho?! — Zombou Demelza.

Ela assentiu e a ruiva olhou então para seu cunhado.

— Por favor, Harald... de verdade se ofendeu porque o chamou de


tolo?

Aiden, Alastair e Zac começaram a rir disso, e o Viking os


repreendeu olhando para eles:

— Não sei onde veem a graça.

As mulheres, divertidas, iam intervir quando Alison deu um


beliscão no braço de Harald para atrair sua atenção.

— Ora, homem, não fique assim. Para mim um insulto seria te


chamar de «medroso», porque estaria dizendo que é um covarde, ou
coisas como «novilho chorão», «verme sujo e podre», ou também de
«fedorento peido de merda». Mas «tolinho»... Oh, por favor!

De novo, todos riram. A moça era muito divertida, com seu


extraordinário vocabulário para dizer palavras absolutamente corretas.

— E mais — continuou ela. — Deveria considerar tolinho como


um diminutivo carinhoso.

Isso fez Harald levantar uma sobrancelha. Sem dúvida ela tinha
muito pouca vergonha.

— Quer que te diga por que o chamei assim? — Ouviu-a dizer. O


viking, boquiaberto como os outros pelo que ela expos com total
naturalidade, assentiu e ela soltou: — Porque vi que estava irritado ao
saber que o bonito fiorde branco e negro era meu e não teu... tolinho.

Ouviam-se as risadas no grupo e então Harald, levantando-se,


aproximou-se da jovem e, olhando-a diretamente aos olhos, sibilou:

— Sabe, tolinha? Você e eu não temos mais o que falar.

E, afastou-se a grandes pernadas. Mas que mulher desagradável!

Demelza suspirou ao vê-lo e quando ia falar, seu marido Aiden se


levantou e caminhou atrás do norueguês e falou:

— Melhor omitir qualquer comentário, de acordo?

A ruiva assentiu. Onde estava o senso de humor que Harald tinha


antigamente?

Estava pensando nisso quando Alison, que não havia ainda dado
a última palavra, se aproximou ao ver a reação do gigante loiro.

— O que lhe acontece? — Perguntou-lhe.


Demelza soprou. Contar o trauma pelo que ele tinha passado não
era algo que gostaria nesse momento festivo, e, tentando não dar maior
importância, respondeu:

— Hoje não teve um bom dia.

Alison simplesmente suspirou e, ao ser requerida por outro jovem


para dançar, não recuou e decidiu fazê-lo sem precaver-se de que
Harald e Aiden a observavam a distância enquanto falavam dela.

Estava dançando ao redor de uma das fogueiras quando, ao


cruzar com um dos homens que dançavam, piscou.

Mas o que Gilroy estava fazendo ali?

O pirata, ao perceber que Alison o tinha descoberto, lhe piscou


um olho e prosseguiu dançando até que a música cessou e,
aproximando-se, cumprimentou-a.

— Bug...

— Pelos antepassados de Iemanjá! O que faz você aqui?

Gilroy sorriu à moça com a que acabara de dançar e replicou:

— Seu pai me obrigou.

Alison amaldiçoou e deu a volta zangada com trejeito azedo.

Ao ver que se afastava a grandes pernadas, Gilroy amaldiçoou a


sua vez e foi atrás dela.

— Bug! Pare!

A jovem o ignorou, até que, irritada, voltando-se sibilou:

— Retorne agora a ele! Não te quero aqui.

E girou para voltar para Matsuura.


— Bug, me escute! — Insistiu ele. — Eu tampouco quero estar
aqui. Mas foi seu pai que me obrigou. Bug, maldita seja! Bug! Bug!...

Harald e Aiden, que estavam em uma lateral tomando ar, ouviu e


se olharam surpreendidos e perguntou:

— Esse homem a chamou de «Bug», inseto?

Seu cunhado, que tinha ouvido o mesmo, deu de ombros e


retrucou:

— Esse nome parece adequado.

Ambos riam quando, de repente, o homem agarrou a jovem pelo


braço para detê-la, correram em direção a eles. Mas o que esse sujeito
fazia?

Alison, alheia a isso olhava furiosa para Gilroy para lhe responder,
mas então ele saiu voando para trás e caiu de traseiro no chão.

— Este homem a está importunando?

Boquiaberta, percebeu Harald perto dela. Nos bonitos olhos azuis


dele viu preocupação e sentiu que seu aroma de bosque alagava suas
fossas nasais. Mas o que lhe ocorria que este homem a paralisava? E,
ao ver que Aiden tinha a perna sobre o peito de Gilroy para que não se
levantasse, rapidamente respondeu voltando a si:

— Não... não... não me importuna.

Harald não se moveu. Nem suportava nem consentia que um


homem atemorizasse a uma mulher diante dele, por isso, voltando-se
para Gilroy, sibilou:

— Se voltar a se aproximar da senhorita, lamentá-lo-á.


Alison sorriu sem se conter ao ouvi-lo. Que esse homem a
chamasse de «senhorita» depois do muito que ela o irritou era um pouco
inquietante, e, sorrindo e sem raciocinar, falou:

— Obrigada por sua defesa. É um amor.

Harald a olhou. Não queria ser um amor.

— Só sou educado — Acrescentou. — Não pretendo ser nada mais.

— Harald... — murmurou Aiden para que se calasse.

Durante segundos, o viking e Alison se olharam nos olhos. E


quando ambos em silêncio sentiram que os pelos de seus corpos se
arrepiavam, a jovem afastou o olhar e indicou um pouco confundida:

— Gilroy é... é meu irmão. Gilroy Wilson.

Gilroy a olhou surpreso. Irmãos? Wilson?

Aiden e Harald assentiram sem duvidar de sua palavra, e quando


o permitiu que Gilroy levantasse do chão, a jovem acrescentou:

— Irmão, esses são Harald e Aiden.

Os três homens se saudaram com um gesto da cabeça, e ela, para


que ele não abrisse a boca e desmontasse sua mentira, disse olhando-
o:

— Aproveite da festa até que eu venha te buscar para partir.

— Mas...

— Pelas barbas mofadas de Netuno, vai! — Insistiu sem perceber


que Aiden e Harald se olhavam pelo que havia dito.

Quando Gilroy desapareceu, Alison se recompôs e tentou


comportar-se como uma mulher educada. Depois de pestanejar com
graça, olhou-os e murmurou:
— Obrigada por sua preocupação. Foi um gesto muito bonito.

Harald não respondeu, mas Aiden sorriu e respondeu:

— Tem que tomar cuidado. Na festa há gente que bebe demais.

A jovem assentiu, sabia, e, dando de ombros, respondeu:

— Eles que tenham cuidado comigo.

Harald soprou, a arrogância dela era insuportável, e, dando a


volta, afastou-se. Aiden sorriu ao vê-lo ir e, lhe oferecendo seu braço,
perguntou:

— Alison Wilson, o que acha se retornarmos ao grupo?

Satisfeita, ela agarrou o braço dele e, sorrindo, ambos seguiram o


gigante loiro.
Se juntaram novamente aproveitando da festa, enquanto
conversavam, Alison observava com dissimulação Harald, que
permanecia em silêncio. Aquele homem, que nem sequer a olhava, de
repente tinha chamado sua atenção.

Reparou-o com dissimulação. Alto, grande, musculoso, cabelo


loiro, olhos azuis, sotaque estranho. E sem dúvida, quando sorrisse,
coisa que não fazia, certamente teria um bonito sorriso.

Estava pensando nisso quando o grupo calou e, dirigiu-se a ele.

— Chama-se Harald, verdade? — O homem a olhou, como todos


os outros, e ela, sem esperar resposta, prosseguiu: — Ouça, sério, peço-
te desculpas se meu diminutivo carinhoso tolinho o incomodou. De
verdade, não pretendia te ofender nem incomodar.

Harald não esperava ouvir isso naquele momento e, vendo como


todos aguardavam que respondesse, retrucou:

— Calma. Não aconteceu nada.

Sua resposta e seu olhar azul fizeram que o pelo do corpo da jovem
se arrepiasse uma vez mais e, sem saber por que, sorriu. Aquele homem
não a suportava e ela sorria... Seria uma tola?
Instantes depois, animada ouvindo uma canção, Adnerb tirou
Harald para dançar e ele aceitou com cavalheirismo. Não poderia
passar toda a noite dizendo que não.

Em silêncio, e cravando o olhar naquele homem, que de repente


tinha chamado sua atenção, Alison o seguiu com os olhos e Demelza,
que era consciente disso, sussurrou-lhe:

— Aiden me disse que aquele homem ali é seu irmão.

Alison olhou para onde ela apontava. Gilroy ria junto a uma
mulher loira, e afirmou antes de voltar a olhar para Harald:

— Sim.

Ver seu olhar deu esperanças a Demelza, que, falou:

— Harald está solteiro e não corteja ninguém.

Ao saber, Alison assentiu.

— Conheço-o desde que era uma menina e te asseguro que é um


homem excepcional — acrescentou a ruiva.

— Atraente ele é — declarou ela.

Demelza afirmou com a cabeça, embora Harald tinha melhores


coisa que a beleza, e indicou recordando à pequena da jovem:

— É carinhoso, atento, e adora crianças. Sempre quis ser pai, e


teria que ver como mima e cuida de minha pequena Ingrid.

Ouvindo-a isso fez que Alison deixasse de olhá-lo. Estava claro o


que Demelza queria dar a entender e, divertida, perguntou:

— E por que não se casou com ele?

Ela sorriu e, baixando a voz, murmurou olhando seu marido, que


também sorria:
— Porque, como já te eu disse, adoro os morenos.

Instantes depois, Adnerb e Harald retornaram de dançar ao redor


da fogueira. Rapidamente o viking pegou um copo para refrescar a
garganta e, quando se sentou junto de Demelza, ouviu-a dizer:

— Consta-me que nem Alison nem você têm par... Que tal se
dançarem?

O sorriso de Harald se esfumou. Demelza nunca pararia. E Alison,


ao perceber seu trejeito incômodo, apressou-se a intervir.

— Eh, calma! Eu não obrigo a ninguém que dance comigo.

Harald se levantou em seguida e, depois de enrugar o nariz com


relutância, moveu-se de lugar.

Surpreendida por isso, Alison perguntou a Demelza enquanto


cheirava seu próprio ombro:

— Cheiro mau?

Ela riu enquanto negava com a cabeça.

— Cheira divinamente. É que Harald é um maldito cabeçudo.

Curiosa pela reação dela, Alison se dispunha a perguntar quando


um homem de cabelo não tão claros como os de Harald, mas com um
bonito sorriso se aproximou. Era Peter McGregor, que imediatamente
começou a falar com ela.

O tempo passava. Todos conversavam, e Harald permanecia


sentado o mais afastado possível de Alison para evitar os comentários
de Demelza.

— Por que chama seu cavalo de Pirata? — Perguntou-lhe de


repente Adnerb a jovem.
Todos a olharam espectadores.

— E por que não? — Retrucou ela dando de ombro.

De novo, saiu o comentário de que tinham avistado piratas pelas


costas escocesas e Demelza, ao ver que Alison não se assustava com
isso, ia perguntar quando Sandra comentou:

— Que medo! Só imaginar estar diante de um pirata me faz


tremer.

Isso provocou um sorriso em Alison, que olhou para Gilroy. Se ela


soubesse... Mas, calando o que pensava, indicou:

— Nem todos os piratas são assassinos.

— Ah, não? — Perguntou Peter McGregor com curiosidade.

— Não — assegurou ela.

Todos riram e Aiden explicou:

— Conforme sei, um dos mais sanguinários que sulcam os mares


é escocês. Seu nome é Jack Moore e há anos o buscam para capturar.

Ouvindo o nome de seu pai, Alison se esticou no ato.

— Esse não é o que tem uma filha que é tão sanguinária quanto
ele? — Disse Peter McGregor.

— Acredito que a chamam «Joia Moore» — acrescentou Harald.

Alison o olhou.

— Dizem que pai e filha matam por prazer e depois usar os crânios
de suas vítimas como terrinas para tomar sopa — interveio Aiden.

— Que horror! — Sussurrou Adnerb.

— De verdade dizem isso? — Perguntou Alison boquiaberta.


Sempre tinha ouvido muitas coisas que se referiam a eles, mas
essa era nova.

— Isso dizem — assentiu Demelza.

— Pois eu ouvi que o capitão Moore teve essa filha com uma sereia
— retrucou Alison divertida. — Por isso, quando essa moça mergulha
no mar, as pernas lhe convertem em uma linda e interminável calda e
que nada sem parar.

— Não me diga! Isso se conta? — Murmurou Adnerb


surpreendida.

— Provavelmente. — Alison sorriu.

Durante um bom momento seguiram falando sobre o capitão Jack


Moore e sua tripulação. Ouvir as barbaridades que se diziam deles e
que não tinham nada a ver com a realidade, no princípio foi divertido
para Alison, mas depois de um momento, não pôde mais e zombou:

— Por Iemanjá, quantas tolices terei que ouvir! — Imediatamente,


ao ver que seu comentário tinha chamado a atenção de todos,
adicionou tentando não ser pega por seu excesso: — Vamos ver, falar
é fácil para o povo e, sinceramente, duvido que muitas das coisas que
se contam sejam verdadeiras. — Ninguém disse nada, e Alison
prosseguiu: — Acredito que há piratas que matam e saqueiam por puro
prazer. Mas tenho certeza de que haverá outros que serão acusados de
sê-lo simplesmente por ter levado a sério a lei de «olho por olho e dente
por dente». — Todos continuaram em silêncio, e Alison finalizou
enquanto tirava de seu bolso um lenço azul para passar pelo pescoço:
— Chamam-me de «fera», mas sou das que pensam que quem faz tem
que pagar, seja no mar ou em terra.

— Opino igual a você — afirmou Demelza.


Alison gostou de saber, e Aiden olhou para sua mulher e zombou:

— Estamos diante de duas feras!

Todos riram de novo, e Alastair, vendo a tranquilidade da moça


ao falar dos piratas, perguntou-lhe:

— Os piratas não lhe dão medo?

Alison negou com a cabeça.

— Nem um pouquinho.

— E os vikings? — Perguntou Aiden divertido olhando para sua


mulher. — Os vikings lhe dão medo?

Harald o olhou com interesse ao ouvi-la.

— Esses... menos ainda — respondeu a jovem.

Sua resposta fez rir a todos e Zac, divertido, insistiu:

— Se não a assustam os piratas nem os vikings, o que te dá medo?

Alison tomou um gole de seu copo de cerveja. Se eles soubessem


com quem estavam falando, sem dúvida alguma pôr-se-iam a tremer,
e ao sentir o olhar azul de Harald em espera de sua resposta, soltou:

— Prefiro que o medo me tema.

As risadas, de novo, não se fizeram esperar.

De repente, Alison viu que Gilroy caía de bruços ao recanto da


praça e soube que tinha que levá-lo dali antes de que desse com a
língua nos dentes pela bebida.

— Adorei estar com vocês — disse ficando em pé, — mas é tarde


e meu irmão e eu temos que descansar para estarmos acordados pela
manhã e irmos ao mercado.
Todos assentiram e se dispuseram a despedir-se dela, e Demelza
lhe perguntou olhando para Gilroy:

— Precisa ajuda?

— Não, calma — retrucou Alison. — Posso com ele.

— Podemos te dar uma mão — insistiu Aiden.

— De verdade, não precisa — assegurou ela sorrindo.

Depois de que Demelza e Alison se dedicassem um sorriso de


despedida, a jovem se afastou sem ser consciente de como Harald a
observava com dissimulação. Era a primeira vez que uma mulher como
aquela chamava sua atenção e ainda não entendia por quê.

Com um sorriso nos lábios, a jovem caminhou pela praça. Aquela


sensação de liberdade sem medo que a atacassem ou a insultassem
por ser a filha de quem era lhe parecia maravilhosa, e conhecer pessoas
como Demelza e seu grupo mais ainda.

Estava pensando nisso quando, ao chegar junto a Gilroy, seu


trejeito mudou. Estava claro que ele tinha bebido demais, e, colocando
as mãos nos quadris, grunhiu com gesto furioso:

— Levanta seu sujo traseiro do maldito chão agora!

Gilroy tentou, mas era impossível.

— De verdade vou ter que carregá-lo?

O pirata, que tinha exagerado na bebida, sorriu enquanto tratava


de levantar-se.

— Bug... me dê um instante.
Na terceira tentativa se levantou, mas as pernas lhe falharam e,
se não fosse porque Alison se apressou a segurá-lo, teria se
esparramado contra o chão.

— Quando eu ver meu pai, vai me pagar por isso!

Devagarzinho, ambos começaram a caminhar para o lado direito.

— Por todos os deuses, Gilroy... — grunhiu Alison, — onde esteve?


Fede! — O homem assentiu e, quando começou a balbuciar, esta
sibilou: — Melhor que não me diga nada.

Demelza, que seguia com o olhar os passos de Alison, ao ver que


carregava um homem que era o dobro dela, olhou para seu marido para
protestar, mas então, ao ver Harald calmamente sentado olhando as
estrelas, aproximou-se dele.

— De verdade vai permitir que essa moça carregue sozinha seu


irmão?

— Sim.

— Mas, Harald, onde está seu cavalheirismo?

— Descansando — replicou o nórdico.

Demelza suspirou.

— Precisa de uma mulher a seu lado.

— Não.

— Maldito cabeçudo, precisa uma mulher em seu lar.

— Acho que não. Não existe ninguém como Ingrid, assim não
insista, maldita seja, Dem!

Estiveram segundos em silêncio até que ele, seguindo a direção


de seu olhar, comentou ao ver Alison carregando seu irmão:
— Não é meu problema.

— Mas, Harald...

— Eu disse que não é meu problema — repetiu ele.

Demelza piscou boquiaberta. Jamais teria esperado essa resposta


por parte de Harald.

— Asseguro-te que agora mesmo Ingrid não deve estar nada


orgulhosa de você — replicou. O viking a olhou furioso e imediatamente
ela sentenciou: — Mas tem razão, Alison não é seu problema.

E, sem mais, voltando-se para aproximar-se de seu marido. Ele a


ajudaria. Zangada e irritada pela frieza de Harald, começou a contar a
Aiden o que ocorria.

— Ruiva selvagem, deixa de protestar — a interrompeu ele de


repente. — Harald já vai.

Sem acreditar, Demelza se voltou e sorriu ao ver Harald caminhar


para Alison.

Possivelmente não estivesse tudo perdido!


Alison caminhava pela estreita rua segurando Gilroy com força.

Não era a primeira vez que se via sozinha com algo assim, mas,
estava zangada pelo muito que ele pesava, grunhiu:

— Juro que quando retornarmos à La Bruxa del Mar utilizarei


seus miolos como isca para pescar.

Gilroy sorriu.

— Bug... Bug... não diga isso, mulherrrrrrrrrrr...

A jovem se deteve para tomar ar e segurar melhor o pirata, mas


de repente notou que todo o peso dele desaparecia de seus ombros.

— Aonde terá que levá-lo? — Ouviu que alguém dizia.

Ao ver que Harald o sustentava com força e segurança, suspirou


e, consciente de que precisava aquela ajuda para chegar até a carroça,
indicou:

— Terá que ir até o final desta rua e virar à direita.

Harald se encarregou de Gilroy e andou junto à jovem em silêncio.


O que Demelza havia lhe dito o tinha incomodado. Não podia consentir
que Ingrid pensasse algo assim dele.
Ao ver que o viking levava Gilroy como se não pesasse nada, Alison
sorriu.

— Mataria por ter sua força — assegurou.

— Não mate tanto e caminhe — grunhiu ele sem olhá-la.

— Bug adora matar e se for com sua katana... melhor — afirmou


de repente Gilroy.

Harald não disse nada, mas a jovem soprou.

— Fecha essa boca fanfarão se não quiser que eu a feche, e


caminha.

Em silêncio chegaram até um descampado. Harald comprovou


que ali era onde dormiam a grande maioria dos comerciantes que
vendiam seus produtos nos dias de festa em Edimburgo.

— Não vive na cidade? — Perguntou.

Alison negou com a cabeça.

— O que vê é meu lar — declarou Alison apontando a carroça.

Consternado ao saber que a moça vivia em algum daquelas sujas


carroças, Harald não soube o que dizer.

— É terceira da direita — explicou ela.

Imediatamente ele viu o fiorde branco e negro junto a uma carroça


que sem dúvida tinha visto tempos melhores, mas, sem dizer nada,
aproximou-se de onde a jovem indicava e estava ainda segurando
Gilroy quando ela pediu:

— Me dê um segundo antes de soltá-lo.

Cuidadosamente, Alison foi à parte de atrás da carroça, pegou


uma manta e, depois de pô-la no chão, disse em voz baixa:
— Já pode deixá-lo aí.

Harald obedeceu e deixou o homem no chão, que rapidamente se


aconchegou para dormir.

— Obrigada. — Ela sorriu.

O nórdico assentiu e, quando deu a volta para partir, Alison o


segurou pelo braço e disse ao ver que tinha baba do Gilroy na manga
da camisa:

— Tome, se limpe.

Harald comprovou que lhe estendia um lenço azul que tirou do


bolso da saia e, pegando-o, começou a limpar-se.

— Por que me odeia? — Perguntou-lhe ela de repente.

— Eu não te odeio — retrucou ele com a boca seca. — Por que diz
isso?

Nervosa ao ver-se sozinha com ele, Alison pegou um balde de água


e encheu um copo.

— Vamos, bebe água, te fará bem — indicou com o coração


acelerado.

Harald meteu o lenço no bolso e aceitou a água. Estava sedento.


Assim que acabou, sem aproximar-se dela sussurrou:

— Obrigado.

A jovem deixou de novo o balde no chão e, ao ver que ele olhava o


cavalo fiorde, que estava junto ao outro cavalo, declarou:

— Uau. Eu não me sai bem.

— Não. Nada bem.


Se olharam em silêncio, e a seguir Harald deu a volta incômodo e
se afastou.

Alison suspirou e, desejosa de seguir conversando, correu para


ele e lhe cortou o caminho.

— Te pedi desculpas por isso e as reitero.

— Parece-me bem. — Disse ele e, sem olhá-la, acrescentou: —


Adeus.

Harald a rodeou e continuou seu caminho, não tinha mais nada


a falar com ela.

Mas, sem dar-se por vencida, Alison correu e voltou a colocar-se


diante dele.

— Também te pedi desculpas por te chamar... tolinho.

— E as aceitei.

De novo, ele pôs-se a andar e Alison, parando-o outra vez, insistiu:

— E por que me dá a sensação de que segue irritado comigo?

Harald amaldiçoou olhando o céu. Aquela mulher, além de


insuportável, era um papagaio. Alison, ao ver que não a olhava,
acrescentou:

— Viu? Odeia-me.

Isso fez com que ele baixasse seus olhos até a jovem, e esta,
sorrindo pelo que tinha conseguido, afirmou:

— Por fim me olha.

Observaram-se em silêncio até que ela, vendo que ele não dizia
nada, perguntou:
— Acredita que sou uma bruxa? — Surpreso, Harald não soube o
que responder, e ela continuou: — O digo por que não me olha aos
olhos. Sempre ouvi que o povo não olha nos olhos das mulheres que
consideram bruxas por medo de que sua maldição os possa matar
durante a noite entre terríveis dores abdominais.

Atônito por seu palavreado, ele a olhava quando Alison


acrescentou:

— Ora. Está visto que é homem de poucas palavras.

— E você de muitas. — Grunhiu Harald.

— Meu pai diz o mesmo. — A jovem sorriu. — Acredita que falo


muito, que sempre tenho que dizer a última palavra e que o melhor
seria pegar minha cabeça e colocá-la sob a água para me fazer calar.

Harald levantou as sobrancelhas boquiaberto, e ela prosseguiu:

— Quero que saiba que alguém muito sábio e a quem amo muito
sempre me disse que se você quer corrigir um erro, basta propor isso.
Bem, adoraria compensar o erro que cometi com você, não por causa
do cavalo, mas porque chamei você de tolinho. Então, que tal
começarmos de novo?

Sem acreditar, Harald não sabia o que dizer, aquela moça de olhos
escuros, com um bonito sorriso e uma graça que o estavam deslocando
do lugar seguro, estendeu-lhe a mão e disse:

— Olá, sou Alison M... Wilson, e você é...?

Incapaz de negar-se, finalmente ele a estreitou e, usando o


sobrenome de Aiden, para não dizer o seu Hermansen, respondeu:

— Harald McAllister.

Satisfeita, Alison perguntou então:


— Como o marido de Demelza? São família?

Harald assentiu e, ao ver como ela o olhava, retrucou:

— Primos.

Com um cândido rosto, a jovem sorriu em espera de que ele


dissesse algo mais. Mas nada disse. Aquele homem que a olhava com
bonitos olhos celestes não separava os lábios, por isso, alterada e
procurando algum assunto sobre o que falar, olhou o bonito céu que
sobre eles tinham e disse:

— É uma noite fantástica, não acha?

Harald levantou a vista e se dispunha a responder quando uma


estrela fugaz cruzou o céu e Alison perguntou pegando sua mão:

— Viu-a?

Harald assentiu e rapidamente se soltou de sua mão.

— Tio Edberg sempre dizia que, depois de ver uma estrela fugaz,
terei que fechar os olhos e pedir um desejo — contou ela. — Vamos,
faça-o! Fecha-os!

Ao vê-la com os olhos fechados, o viking sorriu. Aquela moça, além


de outras coisas, era graciosa, divertida, mas de repente ela abriu os
olhos e perguntou:

— De verdade estava sorrindo?

Harald, ao ouvi-la, voltou a sorrir.

— Fazendo armadilhas de novo? — Zombou.

A carranca que Alison fez era incrivelmente comovedor.

— Sério, Harald McAllister, deveria sorrir mais frequentemente.


Tem um sorriso bonito.
O viking não disse nada. Ouvir isso lembrou-o que em outra época
sua amada Ingrid lhe dizia, e isso o fez voltar para seu trejeito sério, e
Alison suspirou fechando os olhos de novo para dizer:

— Nem imagina a quantidade de estrela fugazes que tio Edberg e


eu vimos juntos e a quantidade de desejos que pedimos.

Ficaram instantes em silêncio até que ele perguntou com


curiosidade:

— Por que falas dele em passado?

Ao abrir os olhos, Harald foi consciente de como o olhar dela se


entristeceu.

— Porque morreu.

— Sinto muito.

Ela assentiu e ele, incômodo ao ver a tristeza que se instalou em


seus olhos, perguntou:

— E alguns dos desejos que pediu se cumpriram?

Ouvindo isso a jovem piscou. Seus desejos tinham sido muito


variados conforme tinha ido crescendo. Tinha pedido saúde para os que
amava, encontrar Conrad para matá-lo e também ter a força de um
leão, e, consciente de que as estrelas a tinham escutado alguns deles,
deu de ombro e afirmou com graça:

— Provavelmente.

Os olhos de ambos se encontraram. Em silêncio, e sob a luz da


lua e das estrelas, olharam-se durante segundos, e Harald,
incomodado pelo que seu corpo lhe pedia, murmurou:

— Tenho que partir.


— Obrigada por sua ajuda — respondeu ela tratando de que não
notasse o desejo que de seu corpo emanava. — Sem você ainda estaria
arrastando pelas ruas o traseiro de Gilroy.

Harald assentiu e, confundido pela estranha sensação que aquela


moça o estava provocando, sem dizer mais, deu a volta e partiu.

Alison observou como se afastava. Aquele homem calado,


prudente e cauteloso, que nada tinha que ver com ela, atraía-a muito.
Muito. Mas, consciente de que ela e ele não combinavam, suspirou e se
dirigiu para sua carroça. Sem dúvida não estava feita para o amor.

Ao chegar ali olhou para Gilroy, que roncava no chão, sobre a


manta, e suspirou de novo. Seu pai era um cabeçudo. Em seguida, e
com cuidado, subiu à carroça e, depois de comprovar que a pequena
dormia placidamente, deitou-se sobre sua manta.

— Divertiste bem? — Era a voz de tio Matsuura.

Isso a fez sorrir.

— Sim.

Ficaram em silêncio e ele perguntou:

— Gilroy já apareceu?

Boquiaberta, a moça deu a volta para olhá-lo, e o japonês indicou


sorrindo:

— Vi-o esta manhã escondendo-se de nós no mercado. Imagino


que seu pai o obrigou a nos acompanhar.

Alison amaldiçoou, e ele perguntou:

— Quem era o homem de cabelo loiro que falava contigo?


Ela soltou uma gargalhada, estava claro que a tio Matsuura não
lhe escapava nada, e finalmente, depois de pensar, respondeu
aconchegando-se em sua manta:

— Harald McAllister.

O japonês sorriu e, fechando os olhos, não perguntou mais nada.


As festas em Edimburgo continuaram, embora aquela fosse a
última noite de celebração. Depois, vendedores e visitantes retornariam
a seus lares a seguiria com suas vidas.

Durante os dias anteriores, a jovem Alison não voltou a aparecer


a noite nas danças perto das fogueiras, pois preferia ficar na carroça
criando suas joias em companhia da Matsuura e Sigge, enquanto
Gilroy, depois de prometer que não beberia até perder a razão, partia à
festa.

Alison travou amizade com alguns dos vendedores e se informou


de lugares que poderia vender sua mercadoria. Ela gostou de saber
disso, já que poderiam encontrar uma família para Sigge enquanto
viajavam pela Escócia.

Essa manhã a jovem não foi ao mercado na primeira hora por uma
razão. Através de uma das amigas de Gilroy, que trabalhava como
criada em uma boa casa em Edimburgo, soube que os senhores dela
desejavam ter filhos e não podiam.

Saber isso os alegrou. Aquela família poderia ser ideal para Sigge.
Mas Alison e Matsuura, antes de deixar à pequena, queriam conhecê-
los. Precisavam saber que a menina estaria a salvo e protegida, por isso
Matsuura partiu em busca de informação.

Alison aproveitara brincando com Sigge aquela manhã. A criança


já não fazia biquinho ao vê-la, ao contrário, e ela a abraçava e a mimava
maravilhada. Gostava do sorriso da pequena, seu aroma, sua maneira
de descobrir as coisas. Estava aproveitando das brincadeiras dela no
interior da carroça quando ouviu Gilroy gritar:

— Bug... Buggggg!

Ouvir isso a fez amaldiçoar. Por que a chamava assim? Mas o que
Gilroy tinha a cabeça?

E, gritando do interior da carroça, falou:

— Pelas barbas pestilentas de seu avô paterno, Gilroy, quer fazer


o favor de não me chamar desse modo?

O homem assentiu e, sorrindo a uma mulher que estava a seu


lado, indicou:

— Alison, aqui há uma senhora que diz que faz dois dias te
encarregou a fivela de um cinturão de prata com a inicial de seu
marido.

Alison deixou Sigge sobre uma manta. Eram muitas as pessoas


que lhe encarregavam de coisas assim e, adoçando seu tom de voz,
respondeu:

— Diga à senhora que em seguida a atendo.

Rapidamente procurou entre seus pedidos pois sabia o que


tinham encomendado e, ao encontrá-lo, saiu da carroça. Ao observar
seu duro olhar, Gilroy rapidamente se afastou e Alison se aproximou
da mulher com um sorriso.
— Se recordo bem, a inicial do sobrenome de seu marido era «M»,
verdade?

— Sim — respondeu ela maravilhada de que se lembrasse.

Alison assentiu e, lhe mostrando a fivela de prata com a inicial, a


entregou e perguntou:

— O que acha?

A mulher a observou feliz.

Tinha um tempo que desejava dar de presente algo assim e,


sorrindo, afirmou:

— Parece-me uma preciosidade.

— Que maravilha!

Alison olhou a sua direita e sorriu ao ver que se tratava de


Demelza. Mas o que estava fazendo ali?

Divertida, viu que vestia calças como ela e, piscando o olho com
cumplicidade, pediu:

— Um segundo.

A mulher também olhou ouvindo sua voz e, ao ver jovem ruiva, e


que conhecia, cumprimentou-a depois de observar com recriminação
seu traje varonil.

— Lady Demelza, sabia de sua chegada a Edimburgo, mas não a


tinha visto.

«Lady Demelza?», perguntou-se Alison.

Demelza, observando a carranca surpresa da jovem, respondeu:


— Sim, lady Constance. Meu marido e eu chegamos faz alguns
dias com amigos para aproveitar da festa do castelo e, comprarmos
alguns cavalos e ovelhas.

Alison observava como as duas, que pareciam conhecer-se,


falavam com tranquilidade, e quando finalmente a mulher que tinha
ido recolher a fivela partiu, ela perguntou:

— Lady Demelza?

A jovem ruiva assentiu.

— Meu marido é o laird Aiden McAllister.

Alison piscou surpreendida e, recordando o que tinham lhe


ensinado seus tios, fez uma reverência e murmurou confusa:

— Milady, sinto que...

Isso fez à ruiva soltar uma gargalhada, aquelas formalidades não


eram para ela, e, segura disso, cortou-a:

— Para você só somos Demelza e Aiden.

Harald, que tinha acompanhado Demelza a pedido dela,


observava-as conversas amigavelmente a distância. Ainda não
compreendia por que tinha pensado tanto naquela desbocada e,
sobretudo, por que se sentiu decepcionado ao comprovar que as duas
últimas noites ela não tinha ido à celebração das fogueiras.

Estava pensando nisso quando Aiden se aproximou.

— Venha, nos aproximemos para saudar a... «ninguém» — disse.

Harald o olhou e ele se afastou rindo.


Instantes depois, Aiden se uniu com Demelza e Alison, que sem
precaver-se da presença dele, prosseguiu falando e conversando,
surpreendida por seu descobrimento.

Harald, que duvidava em aproximar-se ou não, finalmente se


dirigiu para a carroça e, curioso, viu uma pequena de olhos escuros
que o observava de seu interior, sentada sobre uma manta.

Alison tinha uma filha?

A menina lhe dedicou um esplêndido sorriso e piscou os olhos


com graça. Sempre tinha gostado muito de crianças.

De repente, a pequena abandonou a manta e começou a


engatinhar para ele, e quando chegou a borda da carroça, para que não
caísse, ele a deteve e instintivamente a cumprimentou em norueguês.

— Olá, linda. — O sorriso da menina se ampliou e Harald


perguntou. — Quer que te segure?

Sem duvidar, a menina lhe estendeu os braços. Isso surpreendeu


o viking, que a pegou. Quando a teve em seus braços, ao ver que olhava
para a garrafa de água que usava segura a sua cintura, sussurrou de
novo em norueguês:

— Parece que tem sede. Quer água?

A menina assentiu. Acaso entendia o que lhe dizia?

A cada segundo mais surpreso, Harald abriu a garrafa e, olhando-


a, sussurrou com toda a intenção de novo em norueguês:

— Pequena, abre a boca.

E ela o fez.
Depois de beber água, a menina deu um gritinho feliz que atraiu
a atenção de Alison. Ao olhar e ver a pequena nos braços de Harald,
encaminhou-se imediatamente para ele e arrebatou à pequena dos
seus braços.

— O que faz? — Perguntou.

Ele, espantado pelo que acreditava ter descoberto, vendo como


Demelza e Aiden o olhavam ia responder quando Gilroy apareceu.

— Bug... estava pensando que... — Mas não disse mais. O olhar


duro de Alison o deteve e, dando a volta, desapareceu.

Em silêncio, Harald e ela se olharam, e este perguntou:

— De quem é esta menina?

— Pela mãe de Netuno! E o que importará isso a você?! —


Respondeu Alison à defensiva.

Ele meneou a cabeça. Estava claro que ela ocultava algo, e nesse
instante Demelza se aproximou e o repreendeu:

— Harald, por Deus, de quem vai ser a pequena? De Alison.

Alison assentiu com um sorriso incomodada e Demelza, ao ver


como seu cunhado a olhava, insistiu:

— Mas o que te acontece? Por que perguntou?

Disposto a mostrar o que tinha descoberto, Harald se aproximou


de novo de pequena e disse em norueguês, deixando Alison sem
palavras:

— Bata palmas.

Rapidamente Sigge o fez.


Demelza se virou e, olhando para uma atordoada Alison,
perguntou em gaélico:

— Fala norueguês?

Aiden, que não entendia nada do que acontecia, aproximou-se


deles e Alison sussurrou tão boquiaberta quanto eles:

— Não.

Demelza e Harald se olharam surpreendidos, e sua cunhada, para


certificar-se, olhou para pequena e perguntou o que estava acostumada
a dizer a sua filha, mas em norueguês:

— Onde está os olhos?

Em seguida a menina os apontou com um sorriso e jogou os


braços para Harald.

— Por são Ninian10 — murmurou Aiden.

A menina seguia reclamando os braços de Harald, mas Alison não


o permitiu. E, ao ver como ele a olhava, de repente soprou.

O viking fisicamente era como Edberg. Alto, cabelo loiro e


comprido, olhos azuis. E juntando ao estranho sotaque ao falar, como
não tinha pensado nisso antes?

Harald era norueguês como seu tio? E Demelza também?

A menina seguia com os braços estendidos para ele, queria


Harald, por isso a jovem, voltando-se, dispunha-se a chamar Gilroy
quando de repente apareceu Matsuura e ela, caminhando para ele,
entregou-lhe à pequena ante o atento olhar de todos enquanto dizia:

— Acredito que tem fome.


Matsuura, observando como a menina jogava os braços ao homem
loiro, olhou Alison e murmurou em japonês:

— Sigge acredita que é Edberg, seu pai.

Sem dúvida Matsuura tinha pensado o mesmo que ela.

— Leve-a o e lhe dê algo para comer — lhe pediu Alison.

Quando a pequena desapareceu com o japonês, ela retornou junto


a grupo e, ante o olhar de recriminação de Demelza, explicou:

— Pensará que a enganei, mas não é assim. Em nenhum


momento te disse que Sigge era minha filha. Simplesmente não a
corrigi quando insinuou porque pensei que era o melhor. — Demelza
piscou e ela prosseguiu. — É a filha de meu tio Edberg, que, antes de
morrer, pediu-me que cuidasse dela. E, bom, isso estou fazendo até
que lhe encontre uma boa família que a queira e a cuide com amor.

— O que disse?! Vai entregar à menina? — Exclamou Harald.

Alison, ao ver como ele a julgava com o olhar, rapidamente falou


sem levantar a voz:

— Raios e trovões, não me olhe assim... Não sou um monstro.


Ela... Sigge chegou inesperadamente a minha vida, e possivelmente o
melhor para ela não que eu seja.

Suas palavras, fortes e com sentimento, fizeram todos


compreender que Alison temia algo.

— Às vezes o inesperado nos muda a vida, para lhe dar sentido —


indicou então Demelza.

Alison tentou sorrir. Adorava a pequena. Só precisou estar com


ela por uma noite para perceber de quão bonito podia ser viver a seu
lado. Mas, consciente de sua dura realidade quando passassem os seis
meses, sussurrou:

— Me acredite, Demelza, afastá-la de mim será para o seu bem.

Em silêncio, Harald, Demelza e Aiden se olharam surpreendidos,


e Alison lhes perguntou:

— E vocês por que sabem falar norueguês? — E, ao ver seus


rostos, acrescentou. — Raios e centelhas, são pagãos?

Demelza, ouvindo aquele término, o que equivalia a chamá-los de


animais, sorriu e falou baixando a voz:

— Harald e eu somos nórdicos e aprendemos a não falar a nossa


procedência para assim evitar problemas com alguns escoceses.

Boquiabertos, todos se olhavam pelo que estava descobrindo


quando Harald apontou com seriedade:

— Posso entender que cuide da filha de seu tio, mas o que não
compreendo é por que a menina entende norueguês.

Sentindo o fogo da morte porque não se preparou para falar sobre


algo assim, ela rapidamente respondeu baixando a voz:

— Porque tio Edberg e sua mulher eram vikings.

Eles se olharam e, por fim, Aiden zombou:

— Não... e no final vão descobrir que são primos!

Demelza sorriu, e Alison zombou olhando Harald:

— Oh... como você e Aiden, não?

Demelza riu de novo. Pelo pouco tempo que conhecia aquela


moça, mas gostava de ver o desconcerto de Harald e o modo como ele
a observava.
— Sua família e você são...? — Harald começou a perguntar.

— Não... não somos nórdicos.

— Então? — Falou Harald.

Confundida e oprimida por aquele interrogatório, Alison afastou o


cabelo dos olhos e explicou:

— Sem entrar em detalhes pessoais que não vêm ao caso porque


eu não me interesso pelos seus, tio Edberg era norueguês, como tio
Matsuura é japonês. Pode-se dizer que eles me criaram, mas eu não
sou da Noruega e nem japonesa, embora tenho sangue italiano e
escocês.

— Uau... — exclamou Demelza surpreendida.

Aiden assentiu, as mesclas de sangue sempre lhe tinham parecido


algo bom, e falou olhando a jovem:

— Alison, agora que nos justificamos, rogar-te-ia que não


comentasse a ninguém que...

— Por mim ninguém saberá nada — lhe assegurou ela. — Não sou
uma fofoqueira.

Aiden assentiu, Alison também e Harald, que tinha permanecido


em silêncio a maior parte do tempo, disse então olhando a jovem:

— Posso te dar um conselho?

— Acredito que embora te diga que não, mesmo assim me vai dar
— afirmou ela.

— Por que é tão respondona? — Grunhiu o viking.

— E você por que é tão suscetível? — Replicou Alison.


Aiden e Demelza se olharam sorrindo, e Harald, sem querer entrar
em discussões, continuou:

— Se vai entregar à pequena, se assegure de deixá-la com uma


boa família que a ame, cuide-a e a respeite. Se, pelo contrário, não o
fizer bem e com o tempo souber de que se equivocou, nunca se perdoará
por isso.

— Oh, olhe... não tinha pensado nisso! — Zombou Alison.

Ouvir isso fez os pelos de Demelza se arrepiar e murmurou:

— Harald...

— Estou dizendo com muita seriedade — afirmou ele sem afastar


seu olhar de Alison.

— Hei... amigo — sussurrou Aiden.

Mas não pôde dizer mais, pois Harald deu a volta e se afastou.

Com tristeza, Demelza o olhou. Seu cunhado tinha em suas


costas muitas cargas do passado que ainda não se perdoou e,
suspirando ao ver que seu marido a olhava, sorriu e tratou de
esclarecer Alison:

— Há coisas do passado que... bom...

Os três ficaram em silêncio até que Aiden, vendo a dor no olhar


de sua linda e fogosa Demelza, desejoso de que seu sorriso voltasse a
seu rosto de novo, perguntou-lhe pegando-a pela mão:

— Acredita que Alison terá planos para esta noite?

Demelza sorriu. Como sempre, Aiden estava por perto para fazê-
la sorrir, e, depois de lhe dar um carinhoso beijo nos lábios para fazê-
lo saber que tudo estava bem, dirigiu-se a jovem, que os observava.
— Gostaria de vir ao jantar do castelo?

Alison não respondeu. O que lhe propunha era uma autêntica


loucura. Ela nunca tinha estado em um jantar assim, mas Demelza
insistiu:

— Será divertido. Vamos, se anime!

Alison os olhava surpreendida. Mas o que faria ela nesse jantar?

— Disse que tinha sangue escocês, verdade? — Perguntou Aiden


então.

— Meu pai é de Montrose — respondeu ela sem pensar.

Ele assentiu, conhecia o povo daquela região, e se apressou a


perguntar de novo:

— E seu sobrenome é...?

Dizer que seu sobrenome era Moore, depois de haver soltado a


língua ao dizer que seu pai era de Montrose era perigoso, por isso sem
duvidar respondeu:

— Wilson.

Aiden sorriu e a seguir afirmou:

— Pois, Alison Wilson, esta noite virá conosco ao jantar do castelo;


possivelmente ali encontre alguém de sua família.

— Claro que sim! — Afirmou Demelza. — Nos divertiremos muito.

A jovem se arrepiou e rapidamente respondeu:

— Não sei se será boa ideia. Além disso, não tenho o que vestir.

— Com isso não se preocupe — retrucou Demelza. — Vejo que


você e eu temos o mesmo tamanho. Pedirei a um dos homens de Aiden
que te traga um de meus vestidos.
Alison sentiu uma grande emoção. Nunca uma mulher lhe tinha
devotado algo assim. Na vida nunca tinha tido uma amiga para
conversar e compartilhar coisas, e murmurou:

— Obrigada... mas não quero incomodar ao grandalhão.

Aiden e Demelza se olharam. Estava claro que se referia a Harald,


mas a ruiva respondeu com segurança:

— Não vai incomodar. Será nossa convidada e não há mais o que


falar.

— Mas...

— Quanto ao grandalhão — indicou Aiden, — não acredito que ele


vá comparecer e, se for, não se importará.

Alison, ao ver a boa predisposição deles para que os


acompanhasse ao jantar dos clãs, finalmente aceitou. Por que não? Em
seguida sua mente pensou que naquela festa poderia solicitar mais
informação a respeito de Conrad McEwan, por isso participar era uma
boa ideia.

Minutos depois, quando Demelza e Aiden partiram depois de ficar


com a moça até o anoitecer em seu acampamento, ela olhou para seu
marido com picardia e perguntou:

— Acredita de verdade que Harald não se importará?

Aiden soltou uma gargalhada. O que tinha ficado claro para ela
era que Harald gostava da jovem, por isso respondeu:

— Odiar-nos-á!
Nesta tarde Alison olhava maravilhada o vestido que Demelza
tinha lhe enviado. Em La Bruxa del Mar tinha belos vestidos que seu
pai estava acostumado a comprar, embora ela nunca os vestisse, pois
preferia a comodidade das calças e as botas. Mesmo assim, bastou ver
aquele esplêndido vestido cor de mostarda e se apaixonou por ele.

Lavou-se e, depois, uma das mulheres de uma das carroças se


ofereceu para arrumar seu cabelo. Alison aceitou, pois ela não era uma
perita nisso, e naquele momento toda ajuda era bem recebida.

Quando a mulher terminou e a jovem tocou seu cabelo solto


sentindo-o como seda, surpreendeu-se. Esse cabelo era o seu?

A seguir entrou em um improvisado provador feito com vários


tecidos presos a sua carroça e a dos vizinhos e colocou o vestido.

Quando o vestido se ajustou a seu corpo realçando suas curvas


femininas, sentiu-se estranha, mas, consciente de que ir poderia
facilitar ter informações de Conrad, prosseguiu vestindo-se.

Entretanto, de repente pensou: e se alguém a reconhecesse?

Durante um momento duvidou. Devia ir ou não?


Finalmente se decidiu por ir, pois pensou que vestida daquela
maneira ninguém a reconheceria.

Quando saiu do improvisado provador, olhando para Gilroy e


Matsuura, que tinha Sigge nos braços, perguntou:

— Que tal estou?

— Caramba, Bug!...

Insegura ao ver-se tão afetada, quando ela não estava acostumada


a se vestir assim, Alison soprou e murmurou:

— Sei. Estou ridícula.

Gilroy piscou. Era a primeira vez que a via arrumada como uma
mulher. Como muito a tinha visto com alguma saia, mas seu vestuário
basicamente era composto por calças, e, repassando-a com um olhar,
sussurrou:

— Pelas barbas de Netuno!

— O quê?! — Perguntou ela inquieta ao ver como ambos os


homens a olhavam. Tão ridícula estava?

— Uau, Bug, mas não se parecer com você! Parece uma mulher!

Ouvir isso por fim a fez sorrir e, dando de ombro, indicou:

— Disso se trata, não?

Matsuura assentiu maravilhado. Aquela mulher a que tanto


amava era uma autêntica beleza.

— Está linda — declarou.

Satisfeita, com uma simplicidade que nem ela sabia que tinha,
Alison sorriu e perguntou mostrando alguns brincos:

— Coloco estes ou estes?


O japonês estava olhando o que lhe mostrava quando Sigge levou
a mão até um deles e Alison cochichou olhando-a:

— Você gosta destes?

A menina sorriu e Alison os colocou.

— Pois não se falemos mais — Matsuura disse. — Se minha


menina diz que é estes, é estes!

Estavam sorrindo por isso quando a jovem perguntou:

— Tio Matsuura, antes não pude te perguntar, mas o que achou


da família que foste investigar para Sigge?

O japonês se sentou em uma banqueta com a criança e


respondeu:

— Não acredito que seja idônea para nossa menina.

— Por quê? — Perguntou Gilroy surpreso.

A garota com quem estava se encontrando todas as noites


trabalhava para eles e o havia dito que eram boas pessoas, mas
Matsuura meneou a cabeça e soltou:

— Para meu gosto, ele é muito reto e severo e ela, grita muito.
Edberg não teriam gostado.

Isso era o único que Alison precisava, e sentenciou:

— Pois se tio Edberg não teria gostado, estão descartados!


Seguiremos procurando.

Matsuura sorriu e, olhando para Sigge, lhe piscou um olho. Para


ele não havia ninguém melhor que Alison. Só teria que lhe dar tempo.
Depois que a jovem encheu o rosto da garota de beijos e deu outro
na bochecha de seu tio Matsuura, ela foi ao local onde se encontraria
com seus amigos acompanhado de Gilroy.

Na caminhada, lhe contava que se encontrou de novo aquela noite


com a mesma garota. Alison assentia, mas não o escutava. Estava
nervosa. Pela primeira vez em sua vida ia a um jantar de clãs, e isso
em certo modo a inquietava e a emocionava em partes iguais.

Quando chegaram a uma bifurcação, ambos se despediram e a


jovem continuou seu caminho para o acampamento onde seus amigos
tinham indicado que a esperavam, sem ser consciente de como muitos
dos homens com quem cruzava se voltavam para admirá-la.

Mas quem era aquela beleza morena?

Quando alcançou o acampamento de seus amigos, surpreendeu-


se ao ver a quantidade de gente que havia ali. Com curiosidade,
observou que os homens vestiam tartans de diferentes cores e
rapidamente entendeu. Ali estavam acampados os clãs McAllister,
Phillips e Matheson, que eram os dos maridos de Demelza, Sandra e
Adnerb, então os diferentes tons de tartan.

Como seria o dos Moore? Perguntou-se de repente.

Parando, contemplou da distância os cavalos que eles tinham


comprado na feira, que permaneciam calmamente junto às ovelhas.

Estava olhando todo aquilo quando se chocou com alguém e, ao


reconhecê-lo, ia falar quando ouviu:

— O que faz você aqui?

Boquiaberta por encontrar-se com Harald, Alison sentiu a


respiração cortar. Ele, que a olhava com seus belos olhos azuis, tinha
o cabelo molhado por haver-se banhado, mas estava perfeitamente
vestido. Se por norma a impressionava, com o kilt escocês e com o
tartan dos McAllister a deixava sem palavras.

— Olá! — Cumprimentou-o tentando sorrir.

Harald, por sua parte, observava-a sem acreditar. Estava linda


com o vestido cor de mostarda e com o cabelo solto. Sem dúvida era
uma mulher sedutora e de interessantes curvas. Mas, ao sentir como
outros homens a observavam com interesse, incomodou-se.

O que lhe acontecia?

Acalorada ao sentir seu intenso olhar, Alison em seguida indicou:

— Antes que diga algo, quero que saiba que Aiden e Demelza
convidaram-me ao jantar, inclusive ela me emprestou este vestido.
Haviam dito que possivelmente você não iria e por isso aceitei a vir.
Mas, ora, para que se calme, prometo que quando cheguemos ao
castelo não me aproximarei de você nem te incomodarei, porque está
visto que ver-me te desagrada.

Harald não sabia o que responder e ela, maravilhada por aquele


homem que cada vez que via gostava mais, prosseguiu, ignorando os
olhares dos outros homens, que agora a observavam com mais
curiosidade:

— Já me desculpei com você por meus erros e não vou fazer isso
de novo. Mas, vamos lá, não me parece certo que, sempre que nos
encontramos, olhe para mim como se fosse cortar minha garganta.
Porque, sim... é o que seu olhar me diz, e não diga não, porque você
terá dificuldade em me convencer do contrário.
O jorro de palavras Harald finalmente soprar. Ele não pensava ir
ao jantar de clãs. Negou-se, mas, como sempre, Demelza o tinha
convencido, olhou-a com sua habitual seriedade e replicou:

— Não tenho a menor intenção de te cortar a garganta e sinto se


meu olhar lhe diz isso. Simplesmente me surpreendi porque não
esperava vê-la aqui.

Alison suspirou ouvindo isso. Aquele homem sério e responsável,


que nada tinha que ver com os homens do navio de seu pai, chamava
poderosamente sua atenção. Se soubesse quem ela era sequer a
olharia. Deu de ombro e murmurou, consciente de que era preferível
que partisse:

— Acredito que é melhor que me vá.

Ver como ela se virava para ir-se fez Harald reagir e, pegando-a
pelo braço, parou-a e, quando ela o olhou, disse.

— Não tem por que partir.

— É que não quero te incomodar.

Consciente de quão rude estava sendo com ela, ele suavizou então
o tom e acrescentou:

— É uma festa e todos queremos nos divertir. Venha, fique,


mostrar-te-ei os cavalos e depois a levarei a Demelza.

Alison não se moveu, e ele, tentando sorrir, murmurou:

— Sério. Digo-lhe isso de coração.

Ver seu tímido sorriso a moça adorou, e sentiu que seu coração
se acelerava. E ele, tentando ser agradável, insistiu:

— Asseguro-te que não te degolarei.


— Certeza, viking? — Perguntou divertida.

Harald assentiu.

— Prometo-lhe isso.

Isso fez a jovem sorrir, que exclamou com graça:

— Uau, isso me deixa mais calma!

Com um sorriso tolo, Harald se encaminhou para os cavalos


enquanto respondia às curiosas perguntas que Alison ia fazendo.

Demelza, que estava com Aiden na porta de sua tenda, sussurrou


surpreendida ao ver os dois com semblante sorridente:

— Por todos os deuses... Harald está... sorrindo?

— Isso parece — afirmou seu marido tão surpreso quanto ela.

Sem mover-se, observaram durante um momento como


caminhavam junto aos cavalos, e Aiden cochichou divertido:

— Algo me diz que Harald não nos vai odiar.

Demelza sorriu e quando, um bom momento depois, chegaram até


eles, a jovem ia falar, mas Alison, ao ver as joias que usava, exclamou:

— Pelas barbas do capitão Wookin Han, eu adoro que use esses


brincos!

A curiosa exclamação da moça todos sorriram, e ela, ao perceber


o que havia dito, apressou-se a adoçar o tom e acrescentou:

— Adoro seu broche familiar que segura o tartan, é espetacular.

Ambas sorriram e, sem esperar um segundo, começaram a falar.


Aiden e Harald se olhavam sem dizer nada, mas então um dos
homens de Zac Phillips que passava por ali se deteve para contemplar
Alison. Harald, ao vê-lo, olhou-o com dureza e o homem partiu.

— Tenho que mostrar algo a Alison dentro da tenda — indicou


Demelza. — Vão para os cavalos. Nós iremos em seguida.

Harald e Aiden assentiram e, quando puseram-se a andar, o laird


olhou com picardia o gigante loiro e cochichou:

— Ora, ora...

O norueguês sorriu, e Aiden acrescentou:

— Vejo que você gosta de... «ninguém».

Harald não respondeu, mas quando chegaram junto aos cavalos,


disse olhando-o:

— Simplesmente tento ser educado.

Aiden assentiu e não disse mais. Bastava-lhe tendo visto como


Harald tinha olhado para o homem de Zac.

No interior da tenda, Alison admirava a espada que Aiden tinha


presenteado Demelza quando esta perguntou:

— A pequena ficou bem acompanhada?

Ela sorriu. Sigge estava perfeitamente bem com Matsuura.

— Asseguro-te que com quem ela está lhe cuidará muito bem.

Ambas sorriram e Demelza, ao sentir que ela não queria seguir


falando da menina, perguntou:

— E seu tartan?
Alison não soube o que responder. Nunca tinha tido um. No navio
seu pai nunca o tinha utilizado e, vendo que Demelza esperava uma
resposta, respondeu:

— Posso ser sincera?

— Sempre — afirmou ela.

Mentir a Demelza incomodava Alison, pois não o merecia. Mas,


consciente de que a verdade podia lhe conduzir a problemas, apressou-
se a dizer:

— Meu pai e seu clã não gostam muito um do outro e... bem, pode-
se dizer que nunca me considerei de nenhum clã.

Demelza assentiu, embora pensasse que aquilo que a jovem dizia


era estranho. Todos os escoceses tinham no sangue o parentesco e
orgulho de seu clã, mas, sem querer ser indiscreta, rapidamente pegou
um tartan do clã de seu marido e disse:

— Pois o que acha ser uma McAllister?

Sem falar, Alison permitiu que colocasse o tartan sobre seu corpo
e, depois de ajustar-lhe com o broche que ela usava na lateral do
vestido, Demelza declarou:

— Solucionado!

Alison sentiu uma grande emoção. Ela, que era uma mulher forte,
dura e guerreira, ficou olhando o tartan que cruzava seu corpo e,
tocando-o, murmurou:

— Aiden não se incomodará?

— Adorará — retrucou Demelza com certeza do que dizia.


Assim que chegaram onde Aiden e Harald as aguardavam, o viking
comentou:

— Alastair, Zac, Adnerb e Sandra nos esperam no castelo.

Nesse instante o padre Murdoch se aproximou deles e, ao ver


Alison, perguntou:

— E essa linda jovenzinha quem é?

Ela rapidamente o olhou e, quando ia se apresentar, Demelza


interveio:

— Alison Wilson. Uma amiga.

O padre assentiu, observou-a com atenção e, olhando para


Harald, disse consciente que o moço não era mulherengo:

— É um homem de bem. Divirtam-se.

Quando o padre se afastou, Demelza sorriu e Aiden, vendo o


tartan que Alison usava, afirmou com um sorriso:

— Bem-vinda ao clã McAllister.

A jovem sorriu. Que a recebessem em lugar de expulsá-la a chutes


era para ela algo novo, e sussurrou:

— Obrigada.

Aiden e Harald montaram em seus impressionantes cavalos e,


quando Demelza montou junto a seu marido, surpreendeu-se ao ver
como Harald estendia sua mão para Alison montar com ele. Sem dizer
nada, sorriu, e quando Aiden empreendeu a marcha com um gesto, a
grande maioria de seus homens o seguiram. Essa noite se divertiriam.
As horas passaram e a festa foi divertida na melhor das hipóteses.
Alguns dos clãs da Escócia se reuniram no castelo para desfrutar de
um evento em que mais pessoas se reuniam a cada ano.

Tentando ser uma escocesa, Alison não se separava de Demelza,


Sandra e Adnerb. Estar com elas e as ouvir rir e falar era divertido,
diferente. Em especial porque essas mulheres, pelo que observava, não
eram as típicas flores que se despetalavam por pouca coisa, e ela
gostava disso.

Desde criança, sempre rodeada de homens no barco, suas


conversas giravam em torno de bravatas para ver quem era mais brutal
ou falador, ou se limitavam a falar sobre o barlavento ou a sotavento11.

Estava bebendo cerveja quando Sandra, Demelza e Adnerb se


afastaram para dançar. De canto de olho, Alison observava Harald
quando um homem se aproximou dela e lhe perguntou:

— Divertindo-se?

— Provavelmente.

Ouvir isso o fez sorrir, e insistiu:

— Provavelmente é um término muito ambíguo, não acredita?


Alison o olhou. Diante dela, um homem da idade de seu pai lhe
sorria e, satisfeita, retrucou:

— Se uma festa não for divertida, deveria chamar-se «festa»?

Ambos riram e o homem perguntou:

— Não te conheço, seu nome é...?

Sem deixar de sorrir, ela se apressou a responder sem precaver-


se de que Aiden e Harald os observavam:

— Alison. Alison Wilson.

Maravilhado, o homem assentiu. Estava por um bom momento


olhando-a e pensando como aproximar-se dela, e com galanteria ia
responder quando outro homem se aproximou.

— Governador McBouden — disse, — o laird Percival McPherson


deseja falar com você.

McBouden assentiu.

— Rupert, diga que o procurarei em breve.

O homem se afastou e, ao olhar para jovem, que o observava agora


com certa distância, McBouden ia falar quando ela se adiantou:

— Um prazer conhecê-lo, governador.

McBouden, era um homem com barba branca e belos olhos azuis,


murmurou piscando o olho:

— Tanto formalismo em certas ocasiões me oprime; que tal se me


chamasse por meu nome de batismo, que é Thomas?

Alison sorriu. Se aquele homem soubesse quem ela era,


rapidamente a capturaria, mas tentando seguir seu jogo para cair em
sua graça, respondeu:
— Prazer em conhecê-lo, Thomas.

Durante um momento falaram sobre a festa, as pessoas e os


manjares que serviam, até que o homem, satisfeito de conversar com
ela, perguntou-lhe:

— Então se diverte?

Sem poder deixar de sorrir, Alison assentiu e, olhando para


Harald, que estava falando com alguns homens não muito longe dela,
afirmou:

— Sim. Embora esteja convencida de que poderia me divertir


mais.

O governador seguiu a direção de seu olhar e soltou uma


gargalhada.

— Se esse homem não a tirar para dançar e prefere ocupar seu


tempo falando com as pessoas, é que está cego! — Murmurou.

Divertida pela perspicácia dele, Alison cochichou então com uma


graciosa carranca:

— Cego e tolo.

De novo, ele sorriu e perguntou com curiosidade:

— Nunca a tinha visto anteriormente; de onde é, Alison Wilson?

A jovem, tentando não demonstrar muito o quanto a inquietava


aquela questão, respondeu olhando-o:

— De todas partes e de nenhum lugar em especial.

Isso fez com que Thomas levantasse as sobrancelhas.

— De novo, uma resposta muito ambígua.


— Provavelmente. — Ela sorriu e, vendo como ele a olhava,
cochichou: — Se não se importa, e até corro o risco de parecer uma
antipática e uma impertinente, há coisas das quais eu não gosto de
falar. Sou muito ciumenta com minha intimidade.

Divertido com o frescor da moça, o governador prosseguiu falando


com ela até que se aproximaram deles outro homem e duas mulheres
e rapidamente ele a apresentou. Eram sua mulher, Regina, o irmão
desta e Eloisa, sua mulher.

Thomas ficou em silêncio quando Eloisa disse algo em francês e,


Alison lhe respondeu em seu idioma. A mulher sorriu satisfeita. Poder
falar com alguém em sua língua natal lhe era muito grato, e Thomas,
olhando a jovem, comentou:

— Vejo que fala com soltura o francês.

— E o italiano. E...

De repente, Alison se moveu e fechou a boca. Como podia ser tão


fanfarrona?! Que fazia revelando essa informação? Acaso tinha perdido
a cabeça? Por que não pensava antes de falar?

Thomas, consciente de sua mudança, sorriu e acrescentou


baixando a voz:

— Calma. Não continuarei perguntando, pois não quero te


incomodar. Mas tem que saber que, como escocês e casado com uma
estrangeira, não julgo às pessoas por sua procedência.

— Isso está muito bem — afirmou ela com um sorriso.

Permaneceram em silêncio e ele acrescentou:


— É bom que fale outros idiomas. — Ela assentiu e de repente o
homem, surpreendendo-a, perguntou-lhe em italiano: — La tua
famiglia è italiana?

Alison sorriu, e Thomas se apressou a acrescentar:

— Ora... ora... agora sou eu o impertinente. Mas tive a sorte de


viajar e conhecer outros países. Daí que não julgo a ninguém. E, por
certo, minha mulher, Regina, e seu irmão são italianos.

— Nãoooo...

— Conheci-a em uma de minhas viagens a Sicília. Casamo-nos e


agora vivemos em Escócia.

Satisfeita, e depois de cruzar algumas palavras com ela em


italiano, Alison falou:

— Minha mãe era italiana.

Regina sorriu.

— Da dove veniva tua madre?

Entendendo que ela tinha perguntado onde vivia sua mãe,


esquecendo-se de suas barreiras, a jovem respondeu:

— Minha mãe era de Genova.

E finalmente começou a falar com as mulheres com naturalidade.

Pouco depois, quando Regina, sua cunhada e seu irmão se


afastaram para uma mesa para pegarem algo para beber, Thomas se
dirigiu a ela.

— Reconheço-o. Conseguiu chamar minha atenção e despertar


minha curiosidade.

A moça sorriu e ele perguntou:


— Como uma jovenzinha como você domina vários idiomas à
perfeição?

Incômoda por aquilo, mas consciente de que tinha que dar uma
explicação aceitável, Alison respondeu omitindo que também sabia
japonês:

— Pela família de minha mãe aprendi o italiano. E quanto ao


francês, meu pai era comerciante e viajava muito.

— «Era?»

— Morreu — inventou rapidamente. Thomas assentiu e ela


acrescentou: — Mas isso é algo que não estou acostumada a falar.

O homem a esquadrinhou com o olhar sem dizer mais nada. O


que jovem dizia chamava sua atenção, e estava claro que não se
encontrava cômoda falando disso, por isso, baixando a voz, disse:

— Se teme que possa te machucar, calma. Sou uma tumba.

Alison sorriu. Havia algo naquele homem que lhe dava confiança,
e murmurou:

— É de agradecer sua discrição. Obrigada, Thomas.

Satisfeito, ele a convidou para dançar e durante um bom


momento dançaram divertidos, enquanto Aiden, Demelza e Harald os
observavam e o laird dizia:

— Está claro que o governador McBouden se rendeu a Alison.

Demelza sorriu e Harald não disse nada. Ela não era de sua
incumbência.

— Malditos Campbell — grunhiu de repente Peter.

Ao ouvi-lo, Demelza o olhou.


— O que aconteceu?

Com rosto sério, ele apontou com o queixo a um grupo e sibilou:

— Em uma noite de bebedeira tiraram de meu tataravô as terras


que limitam a Sudoeste com as de Harald. E agora meu pai se
empenhou em recuperá-las, mas esses fodidos Campbell não querem
as vender.

Os homens começaram a falar sobre isso, e Demelza, ao ver que


o governador se despedia de Alison para retornar a sua esposa,
encaminhou-se para ela.

— Conhecia o governador McBouden? — Perguntou-lhe.

Alison sorriu. Entendendo que muitas das pessoas ali presentes


os tinham observado enquanto falavam e dançavam. Fazer acreditar
que era conhecida dele poderia lhe facilitar certas coisas, e, piscando o
olho para sua amiga, respondeu:

— Provavelmente — e quando viu que ela ia voltar a interrogá-la,


cortou-a: — Mas é melhor que não pergunte.

Demelza assentiu; sem lugar a dúvidas Alison era bastante


enigmática. Respeitando suas palavras, pegou-a pelo braço e ambas
foram até o lugar onde Sandra e Adnerb conversavam.

— Pelo amor de Deus — se queixou a ruiva. — O padre Murdoch


não faz mais que aporrinhar a todos os casais que vê.

Rapidamente as mulheres olharam para onde Demelza apontava


e, ao ver o padre repreendendo alguns casais que se beijavam, Adnerb
sussurrou:

— Para ele tudo é pecado.


— Ohhhhh. — Sandra riu. — Melhor que o padre não olhe para a
direita ou morrerá, e não precisamente de amor.

De novo, todas olharam para onde ela apontava e, ao ver o belo


Peter McGregor com a mão embaixo do vestido de uma mulher,
puseram-se a rir. Ele atraía muito a atenção das mulheres.

— Como diria meu pai, terá que se dar o prazer do corpo —


observou Alison.

Todas voltaram a rir e então Demelza cochichou:

— Se o padre Murdoch te ouvir dizer isso, pensará de seu pai o


pior!

— Acredito que suportarei — retrucou Alison com uma


gargalhada.

Olhavam-se divertidas quando a ruiva indicou:

— Faz um momento Aiden me disse que esse grupo aí são de onde


é seu pai, de Montrose. Embora sejam do clã Moore e Perkins, mas
nenhum do clã Wilson.

Saber isso fez com que Alison os olhasse com curiosidade. Estava
claro que algum daqueles Moore podia ser um familiar direto ou
indireto de seu pai e, portanto, também dela, e, sorrindo, murmurou:

— Que curioso!

Continuaram aproveitando da festa até que de repente Alison


reparou em um homem alto e de bom porte que estava ao fundo falando
com o marido de Sandra. De onde o conhecia?

Observou-o com interesse. Sua maneira de mover-se era


conhecida, e de repente, ao dar a volta e ver seu rosto, virou-se com a
angústia por todo corpo.
A poucos passos dela estava Conrad McEwan, seu verdadeiro
motivo para estar em Escócia. Um homem que, depois da morte de seu
progenitor, Tom McEwan, tinha herdado os navios La Bella Escócia e
El Tritón Rojo. De família escocesa como seu pai, Conrad sulcava os
mares liderando aqueles navios. Supostamente era um honrado
comerciante de sedas orientais como tinha sido Tom, mas quem vivia
no mar sabia que era um pirata sanguinário e que o apelidavam de
Conrad, o Bonito.

Oprimida pela surpresa de encontrar-lhe aqui quando não


esperava, a jovem abanou-se com as mãos. Estava sem vê-lo por mais
de oito anos. Oito anos que o tinha odiado com todo seu ser e que
prometeu que, se voltasse a vê-lo, esse homem que a chamara de
«princesa», matá-lo-ia.

Conrad e ela se conheceram uma noite na Jamaica,


concretamente no Porto Royal, um enorme ninho de piratas que viviam
ali em total liberdade. Alison era uma inocente e romântica jovenzinha
que gostou dele assim que o viu.

Começaram a ver-se escondido de seu pai e de todos. Escapar de


seus tios não era fácil, mas Alison era escorregadia e conseguia, e uma
noite, apaixonada, entregou-se a ele.

A partir de então, encontrar-se com Conrad a escondido de todos


em distintos portos se converteu em um jogo complicado, mas divertido
para Alison. Sonhava com ele. Não podia parar de pensar nele. Amava-
o, adorava que a chamasse de «princesa» e, desejosa de acreditar em
tudo o que lhe prometia, deixou-se levar.

Entretanto, um ano depois, em Porto Royal, depois de fazer amor


no quarto dele, ela insinuou que deviam falar com seu pai sobre sua
relação. Conrad se incomodou com isso. Gostava das mulheres e podia
ter a que quisesse, por isso, sem panos quentes, fê-la saber que entre
eles não havia nada de concreto. Alison simplesmente era uma mais.
E, chegado o momento de casar-se, nunca o faria com a rude e
desbocada filha do pirata capitão Moore, a não ser com uma jovem fina,
delicada e de bom berço.

A jovem se destroçou ao ouvir isso. Ela o amava. E, embora


sempre tinha sido uma mulher forte, inteira e decidida, depois
daquelas palavras que a fizeram recordar qual era a realidade de sua
vida, a rejeição a afetou. A tristeza e a angústia foram o que fez que seu
pai e seus tios soubessem a verdade do que ocorrera.

O capitão Moore, ao saber por sua destroçada filha das promessas


que o descarado lhe tinha feito até consegui-la, decidiu matá-lo. Foi em
busca dele, mas ele já tinha partido de Porto Royal como o rato que era.

Um ano depois, ao entrar no porto daquele lugar infestado de


piratas e má gente, rapidamente Alison vislumbrou o navio de Conrad,
La Bella Escócia. Seu pai e seus tios também.

De sorte para ela, o desassossego que a rejeição dele lhe tinha


provocado já tinha passado. Prometeu não voltar a sofrer por amor, por
isso agora era ela quem utilizava os homens, e não ao contrário. Só
sentia raiva e ressentimento por esse descarado, e, depois de falar com
seu pai e todos que a amava, pediu-lhes que a deixassem cuidar dele.

E assim foi. Essa mesma noite, acompanhada por seu tio Ragnar,
procurou Conrad. Sabia em que prostíbulo encontrá-lo e, depois de ter
uma forte discussão com ele em um dos quartos, quando Conrad
desembainhou sua espada para ela, Alison teve que defender.
Sem olhares amenos, encetaram-se em uma virulenta luta que
acabou quando ela perdoou sua vida embora poderia tê-lo matado, e
ele, aproveitando de sua debilidade, tirou uma adaga da bota e a feriu
no lado.

O grito de dor, raiva e impotência de Alison fez com que Ragnar


entrasse no quarto e, ao ver a jovem no chão sangrando, ia auxiliá-la
quando Conrad o matou atacando-o por trás. Ragnar morreu no ato.

Horrorizada, e esquecendo-se de sua dor, Alison foi socorrer seu


tio, que jazia no chão sem vida. Os gritos histéricos da jovem atraíram
ao quarto Julian, o melhor amigo de Conrad. E este, sem hesitar e para
fazê-la calar, lhe deu um chute que a deixou inconsciente. Em seguida,
os dois partiram sem olhar atrás.

Edberg e Matsuura, alarmados ao ver que Ragnar e Alison não


retornavam, foram até onde imaginavam que tinham ido, e o que
encontraram no quarto daquele luxuoso prostíbulo os horrorizou.
Ragnar estava morto e Alison, sangrando a seu lado.

Depois de levá-los de retorno à La Bruxa del Mar, embora que por


Ragnar não puderam fazer nada, fizeram todo o possível para ajudá-la.
Por sorte para a jovem, o chute recebido na cabeça só lhe causou um
corte na têmpora. E a punhalada no lado, apesar do sangue que tinha
perdido, não havia atingido nenhum órgão vital, embora uma feia ferida
lhe recordaria deste fato por toda vida.

Quando Alison despertou e ficou consciente da perda de seu tio


Ragnar, não podia parar de chorar. Por sua culpa ele tinha morrido, e
quando seu pai e seus tios, e especialmente Edberg, que era o irmão
mais velho de Ragnar, disseram-lhe que o vingariam, ela os fez
prometer que ninguém tocaria em Conrad. Ele tinha matado o tio
Ragnar e seria ela quem o vingaria.

E assim tinham passado mais de oito anos. Oito longos anos nos
quais imaginou mil maneiras diferentes de matar esse homem, que
odiava com todas suas forças.

Estava pensando nisso quando Sandra se aproximou.

— Vê algum Wilson de seu clã que conheça?

Alison se apressou a negar com a cabeça.

— Tem que haver algum — insistiu Adnerb.

Dissimuladamente, como se procurasse alguém, a jovem Moore


olhou a seu redor. Com desagrado, além de ver Conrad viu também
Julian. Ambos estavam ali. Seu sangue se acelerou. Tinha somente que
tirar as adagas escondidas estrategicamente sob o vestido, aproximar-
se deles e cravar-lhe no coração. Mas sabia que, se fizesse isso, se
atacasse esse sujo impostor em frente aos escoceses, todos se voltariam
contra ela, por isso, tentando tranquilizar-se, deu de ombro e retrucou:

— Possivelmente não tenha vindo ninguém do clã.

Não gostava de mentir, e menos ainda a elas que a tinham


acolhido dessa maneira; percebendo o olhar de Demelza, dispunha-se
a acrescentar algo quando Sandra continuou:

— Seus pais não têm irmãos, primos ou conhecidos?

O rosto de determinação de Alison era cada vez mais evidente e,


olhando para uma das mesas onde havia bebida, disse desejosa de
fugir:

— Droga! Estou sedenta. Vou pegar algo para beber.


Sem olhar para trás, afastou-se delas sentindo-se péssima. Em
seu caminho percebeu que Harald a observava. Não parava de fazê-lo
e embora a agradasse, ao mesmo tempo a inquietava.

Por que a olhava, mas não se aproximava?

Estava pensando nisso quando a seu lado ouviu que dizia uma
jovem muito zangada:

— Não, pai. Eu não gosto desse sujo e fedorento Steward. Então


esqueça que...

— Carolina, baixe a voz!

— Baixá-la-ei quando deixar de me incomodar.

— Como ocorreu de lhe morder um dedo? — Insistiu o homem.

— Ousou tocar meu cabelo sem minha permissão — retrucou a


moça morena contendo um sorriso.

— Carolina!

— Maldito seja, pai, não comecemos!

O homem soprou desesperado. Sua filha mais jovem era


insuportável; seu diabólico caráter o ia levar a tumba.

— Não vou permitir que afugente todos os homens que quero que
se aproximem de ti — sentenciou. — E, faça o que fizer, irá conosco ao
jantar que os Cunningham darão no Lanark dentro de alguns dias.

— Pai!

— Encontrar-te-ei marido embora seja o último que faça neste


mundo.

O homem deu a volta e se afastou.


Alison, ao ver que a jovem pegava uma caneca de cerveja e a bebia
de um gole, afirmou sorrindo:

— Em certas ocasiões os pais são insuportáveis.

— Insuportáveis! — Conveio a moça.

Ambas riram e a jovem perguntou:

— Gostaria de um pouco disto? — E a seguir cochichou: — Não


sei o que é, mas a verdade é que tem um gosto estupendo.

Maravilhada, Alison aceitou e, quando ela lhe entregou uma


caneca, bebeu e, depois de notar seu sabor adocicado, afirmou:

— Caramba! Sim, é bom.

De novo, ambas riram e a jovem Moore indicou:

— Sou Alison Wilson.

— Carolina Campbell. Carol para as amigas.

As duas jovens conversaram sobre a festa, até que dois homens


se aproximaram delas e as convidaram a dançar e, sem hesitar,
aceitaram.

Disposta a divertir-se, Alison dançou com todo aquele que a


convidou; sua beleza e sua alegria faziam que fosse uma jovem muito
requerida. Enquanto isso, observava Conrad que conversava mais à
frente. Tê-lo de longe era o melhor, pois, se se aproximava em excesso,
aquilo podia acabar muito mal.

Esgotada de tanto dançar, retornou para perto de Adnerb, Sandra


e Demelza. Em silêncio as escutou, controlando em todo momento os
movimentos de Conrad e Julian.

— E você o que acha? — Perguntou-lhe Sandra por fim.


Alison piscou.

Por estar os vigiando não se inteirou do que falavam; Demelza,


que tinha percebido seu desconforto, esclareceu:

— Refere-se se sabe manejar uma espada.

Virando-se para não ficar de frente a Conrad, que tinha se movido,


Alison se apressou a responder:

— Manejo a espada, o arco e a katana, entre outras coisas.

— Katana? O que é isso? — Perguntou Adnerb com curiosidade.

Enquanto via com a extremidade do olho que Conrad se afastava,


Alison respondeu:

— Uma katana é uma espada larga, afiada e curva, feita de aço


do Tamahagane, principalmente utilizada por guerreiros japoneses.

As três mulheres a olhavam surpreendidas e ela, nervosa pela


presença dos dois, esclareceu prontamente:

— Como bem sabem, meu tio Matsuura é japonês. — As demais


assentiram. — É um professor no manejo da katana, e como sabia que
eu gostava, em uma de nossas viagens a Damasco comprou uma e me
deu de presente no dia de meu décimo oitavo aniversário.

De novo, as três assentiram, mas Sandra perguntou com


curiosidade:

— Damasco?

— Sim. Em Síria — afirmou Alison, que seguia os movimentos de


Conrad.

— Estive em Síria? — Perguntou Adnerb surpreendida.


Ela amaldiçoou em silêncio; de novo tinha ultrapassado a linha e
falando demais. Estava tomando ar para responder quando Peter
McGregor se aproximou e, ficando de frente a Alison, estendeu-lhe a
mão com cavalheirismo e perguntou:

— A bela dama gosta de dançar?

Sem hesitar, e disposta a escapar do que vinha a seguir, a jovem


aceitou. Em seu caminho cruzou com Thomas McBouden, que ao vê-la
sorriu.

Durante um bom momento dançou primeiro com Peter McGregor,


e posteriormente com todos os homens que a convidavam, enquanto
observava que Conrad e Julian, alheios a sua presença, aproveitavam
da festa, e não se precavia de que Harald continuava observando-a em
silêncio e com dissimulação.

Aiden, que se achava perto do viking, deu-se conta disso.

— O que está esperando? — Perguntou. Harald o olhou e ele


murmurou: — De acordo. Neste instante sei que estou me comportando
como minha mulher, mas, Harald, estamos em uma festa, e às festas
se vai para divertir se.

— Estou me divertindo — assegurou ele com sua habitual


seriedade.

Aiden sorriu e, dando de ombro, ia falar de novo quando de


repente Alison se aproximou deles e, mais calma ao ver que Conrad
tinha desaparecido de seu campo de visão, pediu receosa de ter se
aproximado:

— Harald, dança comigo?


Surpreso pela impetuosidade da moça, Aiden olhou o viking, que
se apressou a responder:

— Não.

Alison revirou os olhos, odiava que a rechaçassem, mas, sem dar-


se por vencida, insistiu:

— Por quê?

— Porque não.

A diferença de outras mulheres, que se sentiriam horrorizadas


pelo rechaço, a jovem sorriu e, depois de piscar o olho para Aiden,
reclamou:

— Venha, tolinho... será divertido!

— Cuidado com a sua língua, mulher...

— Alison... meu nome é Alison — indicou ela.

— E o meu é Harald, não tolinho!

Sorrindo sem saber por que, a jovem voltou a olhar para Aiden,
que os observava com gesto divertido, e murmurou:

— Pelas barbas de Netuno... é sempre resmungão?

Aiden soltou uma gargalhada e Harald soprou. Aquela


respondona irreverente, que sempre tinha que ter a última palavra,
deixava-o com raiva, e com gesto duro soltou:

— Mulher, aprenda a ler meus lábios: não vou dançar!

Ela suspirou. Por que falava assim quando durante o jantar tinha
conversado e rido calmamente com ela? E, depois de olhar para Aiden
e fazer um gracioso manejo com as mãos, voltou a dirigir-se a Harald e
sussurrou irritada por não ter alcançado seu objetivo:
— O padre Murdoch deve estar muito orgulhoso de você. E mais,
dentro de uns anos te vejo como ele, totalmente amargurado, velho e
reprimido.

Conforme ouviu, Harald a olhou, enquanto que Aiden ria


divertido, e ela, consciente de que suas palavras o tinham incomodado,
afirmou ao ver Thomas McBouden passar a seu lado e lhe piscar o olho:

— Como diz meu tio Armand, a vida é curta e divertir-se é o que


importa. Assim... adeus! Não te incomodarei mais.

Quando se afastou caminhando para uma mesa onde tinha


bebidas, Aiden olhou seu amigo e perguntou sem poder parar de rir:

— Mas o que tem contra essa moça?

— O quê? Acaso não vê que é uma descarada?

Seu amigo sorriu. O que via nela era o frescor da juventude que
em certo modo vira em sua mulher, e insistiu:

— Essa moça...

— Não é Ingrid — o cortou Harald.

Aiden assentiu, mas retrucou:

— Ninguém será Ingrid, Harald. Ninguém.

O viking o olhou no ato.

— Isso tem um duplo sentido? — Sibilou em tom azedo.

— Equivoca-te se acredita nisso — replicou ele, — do mesmo modo


que te equivoca com... «ninguém».

— Aiden...
— Vi como a olha e sei que essa doce moça chama sua atenção —
e baixando a voz prosseguiu: — E sem dúvida também chama a de
outros.

Harald retirou o cabelo loiro do rosto enquanto via como outros


homens a olhavam e compreendia que Aiden tinha razão. Desde que
Ingrid tinha morrido, nunca uma mulher tinha chamado sua atenção
como essa, e quando ia falar seu amigo acrescentou:

— Particularmente nunca pensei que o amor fosse para um


homem como eu até que conheci Demelza. Conhecê-la mudou muitas
coisas em mim, e agora sou consciente de como minha vida junto a ela
é bonita, embora em certas ocasiões essa impetuosa ruiva selvagem me
enlouqueça. — Ambos sorriram. — É um bom amigo, Harald. Quase te
diria que é o melhor que tenho, e como me considero teu amigo,
simplesmente desejo sua felicidade.

Nesse instante Demelza chamou Aiden, e este antes de afastar-se


continuou:

— Amigo, sinto-me na obrigação de te dizer que nunca é tarde


para um novo começo. Não seja tolo e não se converta no padre
Murdoch. Jamais esquecerá o passado, mas tampouco este vai voltar.
Entretanto, seu futuro pode ser imensamente melhor do que é. Além
disso, não esqueça que fez uma promessa a essa pessoa que amou, e
que lhe prometeu que voltaria a ser feliz.

Quando Aiden partiu, Harald o viu chegar a Demelza e beijá-la


com amor. Ainda recordava quão duros tinham sido seus começos, mas
estava claro que o amor tinha vencido, e só teria que olhá-los para ver
como eram felizes.
Instintivamente, voltou a olhar para onde estava Alison. A jovem
observava uma mesa onde, além de bebida, havia comida. Com
curiosidade, contemplou seus gestos, como sorria, como se movia. Não
sabia o que tinha de especial para que chamasse daquela maneira sua
atenção, mas quando se levantava para aproximar-se dela e pedir
desculpas por ter sido grosseiro, sentou-se de novo. Um homem do clã
de Alastair se aproximou dela para lhe falar.

Pacientemente esperou que a conversa deles terminasse, mas se


alongava, e isso o inquietou. Como ele, Aiden tinha percebido como
alguns homens revoavam ao redor da moça, e, quando não pôde mais,
Harald se aproximou dela e perguntou situando-se a seu lado:

— Alison, tem um segundo?

A jovem se surpreendeu ao vê-lo. De verdade agora queria falar


com ela?

E, ainda irritada pelo trato recebido minutos antes, retrucou:

— Sinto muito, mas estou ocupada com Roland.

Isso fez o sangue de Harald correr selvagemente. Sua amada


Ingrid, a mulher que tinha sido sua noiva desde meninos, e depois sua
mulher, nunca na vida o tinha feito esperar.

— Agora — insistiu.

Boquiaberta por aquela ordem, a jovem o olhou e replicou com


arrogância:

— Leia meus lábios: agora não!

Harald amaldiçoou em silêncio. Sem dúvida merecia aquela


resposta, e quando ia dizer algo, Alison se afastou de braço com Roland.
Isso fez com que o viking apertasse os punhos, mas, contendo a
raiva por sentir-se rechaçado, voltando-se se afastou. Não pensava
voltar a aproximar-se dela.

Entretanto, por um bom tempo, depois de vê-la dançar com


Roland e com um par de homens, ao observar que a jovem se
aproximava de novo à mesa das bebidas, incapaz de não fazê-lo, foi
atrás dela e perguntou:

— Tem esse momento agora para mim?

Sem necessidade de olhar, Alison soube de quem se tratava, e


respondeu:

— Não.

O momento que tinha passado dançando com Roland e seus


amigos havia sentido o olhar de Harald perseguindo-a. Isso, de certo
modo tinha gostado. Aquele homem atraía muitíssimo sua atenção,
mas, consciente de quão distintos eram, e sem vontade de mostrar-se
como a dama educada que tentava ser, cochichou:

— Não tenho nada que falar contigo. E mais, acredito que seria
mais agradável e divertido falar com o arcaico e aborrecido padre
Murdoch do que contigo.

Harald pensou que merecia. E, ao ver que ela não o olhava, e


disposto a recuperar sua atenção, se aproximou, baixou a boca até seu
ouvido e sussurrou:

— Sou um resmungão. Sei porque Demelza não para de me dizer


isso.
Ao sentir o fôlego em sua orelha e ouvir aquelas palavras, Alison
fechou os olhos. Esse homem, sem saber por que, a fazia comportar-se
de maneira estranha.

— Venha, tolinha, me perdoe — insistiu ele em um tom íntimo.

A jovem sorriu. Que o sério Harald dissesse algo assim sem dúvida
era uma novidade e, virando-se para olhá-lo com zombaria, perguntou:

— Você está brincando?

— Sei brincar.

— «Tolinha?!» — Exclamou ela a seguir.

Vendo que por fim tinha chamado sua atenção Harald teve
esperanças e, recordando algo, acrescentou:

— Considera-o um término carinhoso.

Ao dizer isso, ambos sorriram. Era evidente que algo ocorria entre
eles, e finalmente Alison disse sem ser consciente de como Thomas
McBouden a observava:

— Por que agora brinca comigo e antes, quando eu o tinha feito


contigo, parecia que estava fazendo algo horrível?

Harald suspirou. Sem dúvida estava destreinado em falar com


mulheres, e dando de ombro respondeu:

— De verdade, não sei.

— Pretende me enlouquecer?

— Mais ainda?!

Ela riu e o viking a pegou pela mão e propôs, recordando algo que
havia dito em outro momento:

— Comecemos de novo. Sou Harald, e você?


Com prazer e maravilhada, a jovem sorriu.

Por que não?


Dançar com Harald era tremendamente divertido. Aquele homem
de intenso olhar azul era um bom bailarino, e estava aproveitando da
dança quando Carolina Campbell se aproximou deles.

— Meu pai me vai matar — comentou.

Alison a olhou enquanto Harald se esticava, e ela, sorrindo,


sussurrou:

— Agora se empenhou em que conheça Lenneth McLeod, e


quando ele se tornou excessivamente grosseiro tive que empurrá-lo por
uma ravina.

— Carol! — Exclamou Alison.

— Por todos os Santos — murmurou Harald surpreso.

As duas jovens riram disso, e Alison disse:

— Harald, ela é Carolina Campbell. Carolina, ele é Harald


McAllister.

— Encantada!

— O mesmo digo — murmurou o viking.

O rosto de Harald continuava sério.


— Quanto a Lenneth, calma, que ele está bem — indicou Carolina.
— O mau será a bronca que terei por parte de meu pai. Mas o bom é
que esse gordo não voltará a aproximar-se de mim.

Alison sorriu. Harald, em troca, não.

A moça tinha também um forte caráter e, depois de entreolharem-


se, ambas começaram a rir ante a carranca desconcertada do
norueguês.

Estavam falando sobre isso quando Peter McGregor se aproximou


e, vendo a jovem morena que não conhecia, sussurrou com galanteria:

— Quanta mulher morenas e belas juntas.

Ouvindo-o, Harald o olhou com curiosidade. Aquela moça era


uma Campbell, e ele odiava os Campbell devido umas terras que eles
no passado tinham arrebatado dos McGregor. Em outro momento o
teria informado desse detalhe, mas, divertido, decidiu calar. Queria ver
como Peter reagiria quando soubesse do sobrenome dela.

Carolina, olhando homem bonito que estava em frente delas,


levou as mãos aos quadris e perguntou com graça:

— Vamos lá, espertinho, tem algo contra mulheres morenas?

Peter sorriu. Quem era a jovem tão espirituosa?

Alison, divertida, cochichou dirigindo-se a Carolina:

— Pelo comentário que fez, sendo você e eu morenas, dirá que


não.

Harald sorriu, Peter também, e, animado ao ver o sorriso da


morena que não conhecia, acrescentou com galanteria:
— Reconheço que morenas de olhos negros como a noite têm algo
especial que sempre gostei.

— Oh, por favorrrrrr! Agora acabou com todo açúcar da Escócia


— zombou Carolina.

— Digo totalmente a verdade — afirmou Peter dando uma risada.

Ela sorriu divertida.

— Meu sexto sentido me diz que se fosse loira ou ruiva me diria


exatamente o mesmo.

Espantado com sua sagacidade, Peter sorriu. Que uma mulher


brincasse e fizesse uma batalha dialética era novo para ele. E, querendo
ver até onde chegava seu bom humor, soltou:

— Seu sexto sentido te informou muito bem.

— Sabia! — A jovem riu a gargalhadas, fazendo-o rir também.

Harald os olhava divertido quando de repente Peter disse com


cortesia:

— Sou Peter McGregor, com quem tenho o gosto de falar?

Carolina assentiu com prazer. Aquele highlander alto, de cabelo


claro e sorriso arrebatador, que brincava, lhe chamava a atenção por
sua personalidade. Só tinha que ver a segurança com que sorria para
ela ou às mulheres que passavam perto deles para saber que ele era
um tremendo beija-flor.

— Carolina — respondeu. — Carolina Campbell.

Conforme ouviu, o sorriso do Peter se desvaneceu. Uma


Campbell?

E, sem dizer nada mais, deu a volta e partiu.


Harald tentou conter um sorriso ao vê-lo; estava claro que Peter
não pensava dissimular seu mal-estar pelo clã, mas Carolina,
boquiaberta, perguntou olhando Alison:

— Eu disse algo inapropriado?

— Não.

— Cheiro mau?

— Não.

Em silêncio, os três viram como Peter rapidamente sorria a outra


mulher a quem tirou dançar, e Carolina se queixou franzindo o cenho:

— Pode ser mais tolo e mais presunçoso?

Surpreendida pelo fato, Alison não soube o que dizer. Conhecia


pouco sobre Peter, mas com ela sempre tinha sido encantador e
cavalheiresco. Entretanto, consciente do desprezo que de repente tinha
visto em seu olhar, sentenciou:

— A próxima vez que queira falar contigo, já sabe: olho por olho.

Carolina assentiu irritada e, com gesto de guerreira, afirmou


antes de continuar aproveitando da festa:

— E dente por dente.

Quando ela se foi, Alison olhou para Harald.

— Você sabe o que aconteceu?

O viking sabia muito bem, mas, não querendo meter-se em


assuntos que a ele não diziam respeito, mentiu:

— Não.

Alison, ainda surpreendida, ia dizer algo quando este de repente


perguntou:
— Gosta de dançar?

E sem pensar ela aceitou. Por que não?

Riu, dançou, saltou feliz até que divisou de novo Conrad McEwan
junto a seu inseparável Julian e isso arruinou sua felicidade.

Os anos que passou sem vê-los tinha-os mudado. Especialmente


Conrad, a quem a maturidade, embora doesse reconhecê-lo, caía-lhe
muito bem.

Tratando aparentar normalidade, Alison prosseguiu dançando,


mas Harald, ao notar a tensão em seu corpo, perguntou com
curiosidade:

— Acontece algo?

— Não.

— Certeza? — Insistiu.

— Sim.

— E por que sinto que está incômoda?

Ela sorriu e, olhando-o, indicou depois de encontrar uma


resposta:

— Pelas barbas de Netuno! Porque estou esperando que o Harald


resmungão apareça e não sei quando o vai vir.

O viking riu e perguntou com curiosidade:

— A que se deve essa tua maneira de falar?

— A que se refere?

— Por que menciona continuamente Netuno ou ao Tritão?


Alison riu. Era certo que sua vida no mar tinha incluído palavras
em seu vocabulário que o resto dos mortais não diziam; tentando
responder uma verdade pela metade, disse:

— Possivelmente porque me crie perto do mar e meu pai as diz.

Harald assentiu; então ela, consciente de que ele continuaria


perguntando, para tentar dissimular deixou de dançar e, pegando-o
pelo braço, apressou-o para que se afastassem de onde estava Conrad
dançando com uma moça:

— Tenho o gogó seco!

— O gogó?! — Zombou ele.

De novo, tinha utilizado o jargão que usavam no navio e,


suspirando, indicou:

— Tenho sede. Vamos beber algo.

Harald se deixou guiar por ela, consciente de que mentia.

Quando chegaram a uma das enormes mesas de madeira onde


tinha bebidas, o gigante se precaveu de que a jovem, ocultando-se atrás
de seu corpo, olhava curiosa por cima de seu ombro. Isso o incomodou
e, ficando a seu lado para ter a mesma perspectiva que ela, perguntou:

— A quem buscas?

— A ninguém.

— Pois de quem foge?

Entendendo que Harald era perspicaz fez com que Alison o


olhasse surpreendida e, quando ia responder, o viking insistiu:

— Estando comigo não tem nada que temer.


Sem poder evitar, ela sorriu. Ele continuava pensando que ela era
uma doce e indefesa garota, e de repente replicou:

— Escuta o que vou dizer! Sem você, tampouco tenho nada que
temer.

Harald piscou; o vocabulário e a arrogância dessa mulher não


paravam de surpreendê-lo. De repente, ela, ao ver que Conrad e a
mulher caminhava para a mesa onde estavam, procurou uma saída
para que não a visse e pegando Harald pela camisa, apoiou-se na
parede, puxou-o para atrai-lo para si e, aproximando seus lábios aos
dele, beijou-o.

Isso pegou de surpresa o viking. Que diabos estava fazendo aquela


mulher?

Pensou em afastar-se, em rechaçá-la, mas a boca de Alison era


doce, cândida, cálida, atraía-o muito e, deixando-se levar, beijou-a.

Entretanto, quando instantes depois a jovem enrubescida deu o


beijo por terminado e se olharam aos olhos, ele perguntou irritado:

— A que se deve isso?

Alison, tão surpresa quanto ele por aquele intenso beijo, não
soube o que responder. Por que o tinha beijado?

E, sem saber o que dizer, falou segurando-o pelo braço:

— Minha mãe... me deixou todos os pelos do corpo arrepiados!

Tão desconcertado quanto ela, Harald sussurrou então sem saber


por que:

— Em minha terra se diz que quando os pelos do corpo se


arrepiam é porque as fadas avisam algo.
— As fadas?! — Perguntou cética a jovem.

Confundido, Harald não soube o que responder, mas ela, ouvindo


a voz de Conrad atrás dele, de novo o atraiu para si e voltou a beijá-lo.

Uma vez mais, a boca da jovem aturdiu o viking, que voltou a


deixar-se levar pelo momento. Desejava-a. Desejava essa mulher que
por sua maneira de beijar indicava que não era uma jovem
inexperiente.

O beijo se intensificou mais ainda quando ela, ardente, passou a


mão por suas costas. Harald a levantou então do chão e a apertou
contra seu corpo tomando o comando da situação. Queria que sentisse
o que ela lhe provocava. Precisava fazê-la ver que se continuasse
provocando-o a coisa não terminaria aí, e quando, segundos depois, o
beijo acabou e ambos estavam excitados, ele a olhou com seus intensos
olhos e murmurou:

— Se voltar a me beijar...

Não pôde terminar. Desejoso de seus lábios, de sua boca, daquela


mulher, desta vez foi ele quem a beijou de boa vontade, e Alison
maravilhada aceitou.

Um beijo, outro... outro...

De repente, beijar-se converteu em uma urgente necessidade para


ambos, até que finalmente Harald, assustado pelo que essa mulher lhe
fazia sentir, baixou-a ao chão. Mas o que estava fazendo? Ele seguia
amando Ingrid!

Olharam-se em silencio com as respirações aceleradas e ela,


recordando de algo, sussurrou excitada:

— Sempre ouvi dizer que os pagãos adoram sexo. Quer sexo?


— Não.

— Pois que pena. Podê-lo-íamos nos divertir muito.

— Mulher, tem uma língua muito solta! — Grunhiu Harald.

— Provavelmente — afirmou ela sorrindo.

Harald sentia sua respiração excessivamente acelerada. Por que


ele tinha reclamado aquele beijo? No que estava pensando?

Alison, percebendo seu olhar atormentado, e sentindo que não


estava se controlando, finalmente sussurrou:

— Me desculpe. Deixei-me levar pelo momento.

Ardendo pelo íntimo momento vivido com ela, Harald deu um


passo atrás. O beijo e sua fogosidade o tinha revolvido por dentro como
há muito tempo nada e nem ninguém o fizesse, e, depois de pegar seu
copo, bebeu um gole. Precisava serenar-se.

— Por todos os Santos, Harald! — Ouviu dizer de repente. — Essa


atitude pecaminosa em público não é absolutamente correta.

Seu olhar se encontrou com o rosto avermelhada do padre


Murdoch, que, baixando a voz, sussurrou:

— Pagão tinha que ser.

Harald não disse nada. Aquele religioso sabia perfeitamente quem


era ele, e o ouviu prosseguir:

— Que vergonha... que vergonha...! Um homem tão íntegro e


responsável como você, comportando-se como... como...

— Padre Murdoch, que tal se calar? — Interrompeu-o Harald.

O religioso meneou a cabeça e, olhando Alison, recriminou-lhe:


— Seu doce rosto me enganou, mas está visto que a festa, a
música e a bebida lhe subiram a cabeça ao pecado. Filha, contenção e
decoro! Não se deixe levar pela tentação da carne.

E depois de olhá-los com recriminação, o padre Murdoch partiu.

Estiveram segundos em silêncio. Ambos deviam ordenar seus


pensamentos na cabeça, e quando Harald conseguiu controlar seu
sentimento de culpa, ao ver a carranca da jovem perguntou:

— O que é isso de que se deixou levar pelo momento?

Alison o olhou. A expressão de seu rosto já não era a que tinha


sido segundos antes e, depois de tomar ar, serenar-se e comprovar que
Conrad já não estava atrás de Harald e se afastava, cochichou:

— Digamos que, como disse o padre Murdoch, deixei-me levar


pela loucura do momento.

Harald se divertiu com sua resposta. Por que tudo que ela dizia o
fazia rir, apesar de ter a língua afiada?

— E se deixa levar muito por essa loucura? — Perguntou-lhe

— Provavelmente — respondeu Alison com descaramento.

Harald, surpreso por sua resposta, comentou incapaz de calar:

— Por sua maneira de beijar, pude perceber que não era a


primeira vez que o fazia.

— Você tampouco.

— Mas você é uma mulher — insistiu ele.

Alison sorriu. No mundo dos piratas, onde ela vivia, seus atos
tinham deixado de ser recriminados por ser uma mulher se não
quisessem que lhes fatiasse a língua, e sem poder calar-se respondeu:
— De sorte para mim, até sendo uma mulher escolho minhas
loucuras.

Harald piscou. Ingrid nunca tinha sido assim. E ela, dando de


ombro murmurou:

— Só te direi uma coisa. Não sou a doce jovenzinha que acredita.


E em certa forma, para as relações pessoais tenho alma de pagã.
Portanto, tome cuidado, já que, a loucura é contagiante, se afaste de
mim porque sou muito louca! E quanto a...

— Estão aqui!

Ao voltarem-se, encontraram-se com uma sorridente Demelza


que, de onde estava, tinha-os visto beijarem-se assombrada; segurando
o braço de Alison falou olhando para Harald:

— Aiden te procura.

Ele não se moveu, mais tarde iria falar com ele, mas a ruiva
insistiu:

— Busca-te agora.

O viking continuou sem mover-se e Demelza, surpreendida por


aquilo, exclamou:

— Harald!

— E tem que ser precisamente agora?! — Perguntou ele irritado.

Aquela resposta e seu olhar para a ruiva fizeram-na saber que não
queria mover dali, mas ela afirmou:

— Sim, agora. Vamos, vai!

Harald amaldiçoou, Demelza não podia ser mais inoportuna, mas


deu a volta e se afastou.
— Vi-o — declarou a ruiva dirigindo-se Alison.

Boquiaberta, ela piscou. Como sabia Demelza de Conrad? Mas,


sem saber a que responder, perguntou:

— Por Tritão, o que viu?!

Caminhando juntas, chegaram até um lateral do castelo onde


ninguém podia as ouvir nem as ver e, olhando-a, Demelza indicou:

— Vi que Harald e você se beijavam.

— Ah... isso...

— Sim... isso!

— Escandalizamos o padre Murdoch — cochichou Alison.

Ver seu trejeito ao dizer aquilo inquietou Demelza, e, ignorando o


comentário sobre o padre, perguntou muito séria:

— No que acreditava que me referia?

Alison não respondeu, e ela acrescentou baixando a voz:

— Olhe, não sei o que é, mas seu olhar me diz que algo a preocupa.

De novo, ela não respondeu. Isso confirmou à Demelza o que


pensava e, como precisava saber, perguntou:

— É casada? Foge de seu marido com a menina? Porque, se de


verdade for isso e inventou a história de seu tio, nós podemos te ajudar.
E...

— Não — a cortou rapidamente. — Já te disse que não sou casada


e que a menina não é minha filha.

— Que ocultas, Alison?

— Nada.
— Meus ouvidos ouvem uma coisa, mas te asseguro que meus
olhos veem outra.

— Demelza, por favor...

Demelza levantou uma sobrancelha à espera de que dissesse algo


mais, mas, ao ver que não o fazia, finalmente declarou:

— Sei que mal nos conhecemos, mas algo me diz que você e eu
poderíamos ser excelentes amigas. Com isso, só quero explicar que amo
minhas amigas, as protejo e as ajudo.

Alison assentiu emocionada. Demelza não podia imaginar o que


para ela significava ouvir isso. Mas, sem querer mostrar essa parte
sensível que sempre ocultava, além de assentir não disse nada.

Ficaram em silêncio até que Demelza, ao ver que não ia tirar mais
informação dela, perguntou:

— O que acha de Harald?

— O que pôde ver.

— Você gosta dele? — Insistiu a ruiva.

— Provavelmente.

— Mas muito... muito...?

Alison sorriu. Adorava Harald, mas incapaz de confessar, deu de


ombro e respondeu:

— Pelas barbas de Netuno, não sei... não o conheço!

— Ouça, por que menciona tanto Netuno? — Perguntou de


repente a ruiva.

Alison piscou.

De novo, aquela pergunta, e Demelza acrescentou:


— Digo-o por suas exclamações e pelas palavras que emprega em
certas ocasiões.

A jovem Moore sorriu. Estava claro que dissimular iria lhe custar
e, recordando o que tinha contado a Harald, deu de ombro e respondeu
sendo consciente de sua meia mentira de:

— Criei-me junto ao mar. Meu pai é pescador. Por isso minha


maneira de falar.

Demelza assentiu e, quando ia perguntar de novo, Alison tomou


a dianteira.

— Quanto a Harald, é agradável, mas também é resmungão.


Embora se, se refere de que vi nele um homem atraente, a resposta é
sim. E mais, o que não sei é como alguém como ele...

— Olhe — a cortou Demelza, — pelo que vi, tenho que te comentar


algo ou acredito que morrerei afogada em meu próprio vômito.

— Mulher, mas o que diz?

Ela assentiu e tomou ar.

— Harald sofreu muito por amor. Muito. E embora o anime de que


conheça alguma mulher, e te asseguro que mais de uma delas no Keith
morre por seus ossos...

— Morrem por seus ossos?

Demelza assentiu. Sem saber por que Alison se incomodava de


sua afirmação, mas ela prosseguiu:

— Vejamos, às vezes sou extremamente inoportuna com ele para


que decida encontrar uma mulher. Mas... mas também não quero que
ele sofra de novo e... e... bem... se esses beijos não significam nada para
você, é melhor ficar longe dele. E se digo isso é que...
Ver a angústia no olhar da ruiva alarmou à morena, que exclamou
divertida:

— Droga, Demelza! Está me assustando.

— É que não tinha visto Harald olhar e nem beijar uma mulher
assim por muito tempo. Normalmente, em público as rechaça. Não fica
intimo delas. Mas te beijou!

Alison assentiu. A realidade era muito diferente de como Demelza


acreditava. Não tinha sido Harald que a tinha beijado, a não ser ela que
o beijou, e cochichou:

— Vejamos, fui eu quem o beijou.

— Pior ainda!

— Pior?! — Zombou Alison.

Demelza assentiu e, baixando mais a voz, acrescentou:

— Vi que repetiu o beijo. E fui testemunha de como a apertava


contra seu corpo. E... mas para mim, que o conheço, significa que
reparou em você.

— Acredita que ele me notou? — Perguntou interessada.

Demelza assentiu e Alison, tentando não demonstrar a felicidade


que isso lhe ocasionava, retrucou:

— Não acredite que sou uma libertina no que se refere aos


homens, mas tampouco me tome por uma monja em clausura. E
quanto ao sofrimento que lhe possa ocasionar, me acredite, quando te
digo que não pretendo que ninguém sofra por mim, e muito menos
Harald. E mais, não acredito que a esses beijos ele esteja dando a
importância que você está dando.
Oprimida, Demelza retirou o cabelo do rosto, e então Alison
perguntou interessada:

— Posso saber por que Harald sofreu por amor?

A jovem suspirou. Recordar não era fácil, mas, como queria que
ele não sofresse mais, respondeu:

— Não acredito que ele gostasse que lhe contasse isso...

— Pois vai ter que fazê-lo, porque não me pode deixar curiosa.

— Mas...

Pegando-a pelas mãos, Alison murmurou:

— Disse que podíamos ser boas amigas, e eu te prometo ser


discreta e não revelar o que me contar. Nem sequer a ele.

Demelza suspirou e, consciente de que Alison devia saber a


verdade em referência a sua história com Harald, declarou:

— Harald é meu cunhado.

— O quê?!

— Esteve casado com minha irmã Ingrid, mas ela morreu.

Isso chamou poderosamente a atenção de Alison. Com os olhos


arregalados de lágrimas, Demelza prosseguiu e relatou que Harald e
sua irmã tinham sido noivos desde meninos. Adoravam-se e se
entendiam só em olharem-se, e o amor que professavam era algo sem
igual. Quando cresceram, por culpa de um mal-entendido originado
por sua madrasta Urd, que a odiava, Demelza foi entregue em
matrimônio a um homem chamado Viggo Iversent. Aquele homem a
assediou, a maltratou, a humilhou, mas ela conseguiu escapar e se
separar dele graças ao fato de que as leis Viking permitiam isso em
certos casos.

Não obstante, Viggo, morto de raiva, no dia das bodas de Harald


e Ingrid, envenenou o salmão de todos os comensais e, quando não
podiam defender-se, enviou a seus sequazes à festa para raptar
Demelza e matar a todos o que ali estivessem.

Nesse dia a jovem não só perdeu a sua querida e amada irmã, mas
toda sua família e a grande maioria das pessoas que conhecia. Do
mesmo modo, também contou que, antes de morrer, Ingrid fez Harald
prometer que cuidaria de Demelza e, sobretudo, que ambos partiriam
da Noruega e que procurariam a felicidade e o amor.

— E eu... eu... — murmurou ela emocionada — encontrei o Aiden.


O amor surgiu entre nós de uma maneira incontrolável e sou feliz por
ter cumprido o que prometi a minha irmã. Mas Harald se nega a
cumprir sua promessa de ser feliz e formar uma bonita família. Sei que
aceitou sua morte como parte da vida, mas continua recordando e
sofrendo por ela. Tento que cumpra sua promessa, embora ele odeia
que eu seja tão determinada. Mas, por Thor! Pela Ingrid e sobretudo
pela felicidade de Harald tenho que tentar. Ele sempre velou por mim
e agora sou eu que zela por ele, mas tampouco quero que sofra por
minha cabeça dura e...

— Entendo-a. Não precisa que diga mais — afirmou Alison


comovida por tudo o que a moça tinha contado.

Embora acreditasse que sua vida era complicada, só teve que


conhecer o passado de Demelza para perceber de que ela, mesmo
vivendo em um navio rodeada de homens, ou havendo se equivocado
no amor, não tinha sofrido nem a metade de tudo o que essa moça lhe
contava. Comovida, abraçou-a. Não sabia o que dizer, mas a ruiva,
separando dela, tomou ar e retrucou:

— Odeio me emocionar. Mas recordar o passado é duro.

— É normal, Demelza... normal.

Ficaram por segundos em silêncio, e Alison, recordando de algo,


olhou a jovem ruiva e perguntou:

— Por tudo o que aconteceu contigo e seu ex-marido é por isso


que Harald me disse que cuidasse muito bem com quem eu deixaria
Sigge?

Demelza assentiu.

— Ele lamentou muito o que me ocorreu quando minha família


me entregou a Viggo. Daí que que é extremamente protetor.

Alison assentiu. Agora entendia melhor por que Harald reagia


assim e, consciente do motivo que Demelza tinha contado tudo,
sussurrou:

— Não me vê como uma boa mulher para ele, verdade?

A ruiva reagiu com o comentário e, olhando-a, exclamou:

— Por São Ninian, eu não eu disse isso! — E, ao ver como ela a


olhava, insistiu: — Alison, você parece-me uma mulher encantadora e
fascinante. Eu gosto de sua força e como defende aos teus. Vi-a aquele
dia que te conheci no mercado e defendeu a seu tio Macurra.

— Matsuura — retificou ela.

Ambas sorriram e Demelza continuou:

— Também vi como se preocupava com seu irmão, e pela pequena


Sigge. E, depois de tudo isso, realmente acredita que eu não gosto de
você para Harald? — Ela não respondeu e sua amiga acrescentou: — É
somente que não quero que ele sofra.

— Calma — disse Alison tentando olhar pelo lado de Harald. —


Algum dia encontrará uma boa mulher que lhe dê essa bonita família
e será feliz, verá. Quanto a mim... minha vida é um pouco complicada.

— Por quê?

A jovem Moore suspirou. Demelza tinha justificado sua posição


com ela, mas em seu caso era difícil fazê-lo, por isso, omitindo a
verdade, respondeu:

— Porque eu sou complicada. — E antes de que Demelza


perguntasse de novo acrescentou: — Por mim, Harald não sofrerá.
Pense que, depois desta noite, certamente não voltaremos a nos ver.

Demelza negou com a cabeça e, franzindo o cenho, grunhiu:

— Ouça, não quero te perder como amiga. Mas que tolice é essa?

Alison sorriu. Ela era a primeira amiga que tinha, a primeira


mulher que demandava sua amizade, e emocionada cochichou:

— Tenha por certo que seu carinho sempre levarei em meu


coração.

— Hei, ruiva selvagem!

Era a voz do Aiden.

Harald e ele se achavam a escassos passos delas e, sorrindo,


Demelza pegou o braço de Alison e falou pondo-se a andar em sua
direção:

— Não penso te perder como amiga, mas, por enquanto, que tal
se seguimos aproveitando da festa?
— E escandalizando o padre Murdoch?

— É obvio! — Demelza riu a gargalhadas.

E, divertida e certa de que queria aproveitar mais disso com essas


pessoas maravilhosas, Alison exclamou:

— Pois voltemos para a festa.


A madrugada chegou e as gaitas de fole ressoavam em todos os
cantos do castelo enquanto os convidados conversavam e dançavam.

Harald e Alison não voltaram a se separar. Depois dos beijos que


trocaram, tinha surtido algo entre eles e, sem falar, decidiram passar
o resto da noite juntos.

Isso não passou desapercebido a ninguém. Todos se precaveram


de como o viking estava pendente da jovem e de como lhe sorria sem
parar. Inclusive Thomas McBouden, ao intercambiar o olhar em várias
ocasiões com Alison, lhe piscou o olho com cumplicidade. Estava claro
que o jovem tinha deixado, por fim, de estar cego.

Depois de saudar sir Malcolm Luard McPilshen, um bom amigo


que os tinha ajudado no passado, Aiden puxou Demelza e a levou até
uma lateral do castelo perto do povoado. Ali, se beijaram com desejo
longamente, com amor, até que de repente ouviram risadas muito
próximas que os fizeram parar.

Sorrindo, afastavam-se do lugar de mãos dadas quando, ao


passar, viram mais à frente padre Murdoch com a batina levantada,
aproveitando do prazer que lady Constance lhe proporcionava,
entregue e desfrutando.
Ambos se olharam boquiabertos e, sem dizer nada, mas mortos
de darem risadas, afastaram-se dali a toda pressa.

— Ora... — zombou Aiden. — Está visto que ninguém está livre do


pecado.

— Agora entendo para quem era a fivela com a letra «M» —


declarou Demelza.

— De que falas? — Perguntou ele.

Rapidamente sua mulher lhe contou o que tinha descoberto


aquela manhã quando tinha ido ver Alison. Estava claro que, embora
o padre Murdoch censurasse a todo mundo, ele também era débil. Mas,
consciente de que deviam guardar segredo, pois se revelassem faria
mais mal que bem, depois de dar um beijo nos lábios o casal continuou
caminhando até chegar aonde estavam os seus amigos.

Um bom momento depois, Adnerb, Sandra, Demelza e Alison


conversavam sobre os melhores lugares de venda para que a garota
vendesse suas joias, quando Adnerb indicou:

— Por certo, falei com um conhecido de meu pai a respeito do que


comentamos da pequena Sigge e me disse que, em Lanark, vivem sua
sobrinha e seu marido, e que Deus não deu ainda filhos, e que estariam
mais que satisfeitos em adotarem uma menina como ela.

Alison assentiu.
E embora pensar nisso lhe doesse, pois, cada dia adorava mais a
pequena, perguntou:

— E essas pessoas são boa gente?

Adnerb encolheu os ombros.

— Gudolf Fraser, o amigo de meu pai, é. E imagino que sua


sobrinha e seu marido também. Você mesma poderá comprovar se os
visitar. Chamam-se Iria e Douglas Graham. Eu disse a Gudolf que lhes
envie uma missiva informando-os de que é possível que uma amiga
minha os visite com uma linda neném. Se enviar, me contará.

Alison tomou nota mentalmente e assentiu. Pelo bem de Sigge, e


para poder ir atrás de Conrad McEwan, tinha que ver onde deixar à
menina.

Estavam falando sobre aquilo quando de repente de entre um


grupo de homens que se aproximavam delas se ouviu uma voz que
dizia:

— E estas lindas mulheres quem são?

Conforme ouviu a voz, Alison, que estava de costas, mudou o


semblante. Apertou os punhos, fechou os olhos e ofegou. Demelza, que
se achava frente a ela, percebeu.

— O que ocorre?

Alison negou com a cabeça. Não podia nem pensar, quanto mais
falar.

Como Conrad tinha chegado até ela?

Harald, que bebia de sua taça, ao precaver da carranca de tensão


por parte da jovem, deixou de bebê-lo. O que se passava com Alison?
Angustiada, a moça olhou a ambos os lados para escapulir, mas
era difícil, basicamente não tinha escapatória.

— Quanta beleza junta... — ouviu que Conrad dizia. — Quem me


apresentará? Morro por conhecê-las.

Aiden e Zac se olharam. Aquele idiota, com quem algumas vezes


tinham encontrado, nunca tinha lhes caído bem, e Alastair, que era
seu amigo, aproximou-se de sua mulher e disse:

— Querida, apresento Conrad McEwan. — E, olhando ao resto


das mulheres, indicou: — Ela é Sandra, a esposa do Zac, Demelza, a
mulher de Aiden, e Alison Wilson, uma amiga.

Por educação, as outras três o saudaram com a cabeça, enquanto


eram conscientes de que Alison não se movia, seguia petrificada, até
que finalmente, tomando ar, voltando-se o enfrentou.

Durante segundos que pareceram uma eternidade, seus olhos


negros e os de Conrad se encontraram. Reconheceram-se e
possivelmente ele ia delatá-la.

Ele sorriu deliciado ao sentir o poder dela, mas ficou em silêncio.


Primeiro brincaria com ela e depois a delataria.

Alison estava linda. Os anos tinham convertido a jovenzinha em


uma bela mulher e, satisfeito, esperou para ver com quem estava. Por
sorte, conhecia marido de uma delas, e simplesmente tinha aguardado
o momento certo para aproximar-se dela.

— Um prazer conhecer a todas. — E olhando Alison acrescentou:


— Em especial à bela Alison Wilson.

As mulheres assentiram e Conrad, sem afastar o olhar da jovem


morena, perguntou:
— Clã Wilson?

— Sim.

— Interessante... — afirmou ele divertido e, olhando o broche que


prendia o tartan dos McAllister, apontou: — «F. J.» O que significam
essas iniciais?

Contendo a vontade que sentia de degolá-lo ali mesmo, não


respondeu. Ele sabia muito bem o que aquelas iniciais significavam,
mas, brincando com ela, insistiu:

— De onde procede o clã Wilson?

A tensão de Alison subia por segundos. Aquele imbecil a estava


desafiando, mas então ouviu Aiden dizer:

— De Montrose. Dali vem a família de Alison.

Com um sorriso, Conrad assentiu e, deixando de olhá-la, sugeriu


aos homens:

— O que acham de brindarmos pelas mulheres belas, decentes e


delicadas?

Eles, aceitando, uniram suas vozes, e Demelza, consciente do


desconforto de sua amiga, murmurou dirigindo-se a ela:

— Pequeno idiota. Eu gostaria de lhe mostrar a minha


delicadeza...

Alison sorriu e, junto à Demelza, afastou-se a um lado do grupo.


Entretanto, instantes depois Conrad voltou a aproximar-se o
murmurou olhando seus seios com descaramento:

— Alison Wilson... Bonito nome e linda mulher.


— Obrigada — sibilou Alison por cortesia enquanto via que o
governador Thomas McBouden se aproximava.

De novo, Conrad e ela intercambiaram um olhar e ele voltou a lhe


sorrir. Ele estava se divertindo. Ser consciente de que ali ninguém sabia
que aquela era a Joia Moore, a filha do famoso pirata, outorgava-lhe
vantagem para envenená-la e tê-la a sua mercê.

— Sem dúvida, hoje é meu dia de sorte — declarou.

Alison sorriu de maneira zombadora e, esquecendo-se de sua


prudência, retrucou:

— Cuidado com a sorte, Conrad McEwan, porque em certas


ocasiões pode matar.

Essas palavras fizeram rir a quem os rodeava, especialmente


Thomas; Conrad, divertido e disposto a incomodá-la, ao ver Julian
aproximar-se, continuou, olhando-a fixamente:

— O caso é que seu rosto me parece... Onde te vi antes?

Alison apertou os dentes. Não ia cair na armadilha que ele estava


estendendo. Não ia tirar as adagas que escondia em seu vestido por
mais vontade que tivesse. E quando Thomas, ao vê-la tensa, dispunha-
se a ir em sua ajuda, ela sorriu e replicou:

— Possivelmente teria me visto em seus pesadelos.

De novo, todo mundo riu a gargalhadas pelas palavras da jovem,


e Thomas aplaudiu feliz. Estava claro que ela sabia defender-se.

Harald, que tinha intercambiado um olhar cúmplice com Aiden e


Demelza, observava incômodo a situação. Por que aquele idiota se
centrou daquela maneira em Alison? E por que ela o olhava com
rancor?
Sem amedrontar-se ante aquele descarado, ela levantou o queixo
a modo de provocação. Se prosseguisse com aquele jogo, tiraria a adaga
que levava oculta na cintura e a cravaria diante de todos. Esse idiota
não iria intimidá-la. Ele já havia desgraçado sua vida uma vez e não
faria isso de novo.

Demelza, que percebia a tensão de Alison, depois de olhar Aiden


e comprovar que ele estava vendo o mesmo que ela, para afastá-la
daquele sujeito a pegou por braço.

— Vamos à mesa pegar algo para comer — disse.

Conforme se afastavam, com o coração acelerado e incapaz de


calar, Alison sibilou:

— Maldito verme podre.

Demelza assentiu e, como precisava saber o que ocorria, sem


olhá-la nem deter-se, cochichou:

— Já pode me dizer de onde diabos conhece aquele idiota, e não


me diga que nada acontece porque eu não vou acreditar em você.

Alison amaldiçoou. Queria que ela e todos os outros continuassem


pensando que se chamava Wilson e não Moore. Sabia que, assim que
soubessem de quem era filha, tudo mudaria. Mas também sabia que,
se ela não contasse, cedo ou tarde o fanfarrão do Conrad falaria, e,
olhando-a, sussurrou:

— Permita que me tranquilize antes, por favor.

Demelza assentiu lhe dando tempo.

Quando chegaram a mesa em que havia distintos manjares para


degustar, lady Constance se aproximou de novo para falar com
Demelza. Alison as observava quando ouviu:
— Está bem?

Ao voltar-se viu o governador McBouden, que parecia preocupado.

— Bem o suficiente que alguém poderá estar em uma festa —


retrucou ela.

Ambos sorriram, e o homem acrescentou:

— Se precisar de minha ajuda para que essa mosca incômoda te


deixe em paz, só tem que me dizer. Como governador das Highlands
posso solucionar imediatamente.

Alison assentiu. Se esse homem e ela se dessem


maravilhosamente bem sem dúvida seria bons amigos, mas lhe piscou
o olho e afirmou tentando tirar a importância:

— Calma, Thomas. Tenho-me desfeito de piores moscas que essa.

A mulher do governador se aproximou. Durante um longo tempo


os três conversaram divertidos até que o casal, requeridos por outras
pessoas, voltou-se a afastar.

Uma vez sozinha, Alison olhou de novo a mesa onde estavam os


manjares, e então ouviu as suas costas:

— Princesa...

Aquela voz fez com que fechasse os olhos. Centenas de


lembranças íntimas vieram a sua mente; a seguir voltou a ouvir:

— Minha princesa se converteu em uma linda mulher.

Alison soprou e, voltando-se para olhá-lo nos olhos, encarou-o:

— Filho de Satã... não sou sua princesa.


Conrad esboçou um maquiavélico sorriso. Nesse momento
Demelza se aproximou para auxiliar a sua amiga, e ele, ignorando a
carranca incômodo da ruiva, soltou dirigindo-se Alison:

— Pude comprovar que continua gostando de dançar... Que tal se


dança comigo?

A jovem não teve tempo de responder. Harald, que estava sendo


testemunha da perseguição, aproximou-se deles e, pegando Alison pela
mão corretamente, sem falar nem permitir que aquele sujeito se
aproximasse mais, deu-lhe um empurrão e a afastou. Thomas
McBouden, que observa com dissimulo da distância, sorriu ao vê-lo.

Demelza, maravilhada, quase aplaudiu.

Aquele gesto protetor por parte de Harald era o que podia esperar-
se dele. Conrad, surpreso, quando Aiden se aproximou de sua esposa,
disse vendo como eles se afastavam:

— Está visto que a linda Alison é uma mulher muito requerida.

Aiden, tão incômodo como Demelza pela presença do sujeito,


depois de pegar a sua esposa pela mão, a levou dali com gesto de
desagrado. Não queria que se aproximasse dela.
Quando Harald e Alison estiveram os suficientemente afastados
do campo de visão do Conrad, o viking a soltou, irritado pela situação,
e ia falar quando ela sibilou soprando:

— O que aconteceu para que você me pegasse assim?

Harald pareceu surpreso.

— Pensei que esse homem estava te incomodando.

Com o coração a mil, a jovem fechou os olhos, meneou a cabeça


e, ao abri-los, grunhiu:

— Pelas barbas de Netuno... esse homem incomodando ou não,


não preciso que ninguém me defenda. Sei me defender sozinha, sabe?

Boquiaberto, Harald assentiu e, sem dizer nada, deu a volta para


retornar à festa. Não estava ali para discutir, e sem dúvida com ela era
fácil.

Alison amaldiçoou ao vê-lo afastar-se. Estava descontando nele o


que não podia ainda dar a Conrad; correu até alcançá-lo e, ficando
diante dele para detê-lo, disse:

— Sinto muito.

Ele a olhou sem dizer nada.


— Sinto ter descontado meu aborrecimento contigo quando você
só tentou me ajudar — acrescentou ela.

Olharam-se em silêncio até que o viking, consciente do que tinha


visto, retrucou:

— Não sei quem é esse homem nem estou interessado em saber,


mas, tendo visto o que vi, o meu conselho é ficar longe dele, porque
gente como ele não pode trazer nada de bom.

Alison assentiu. Sem saber nada, Harald tinha acertado no que


se referia aquele verme. E, continuando, a jovem, sem afastar seu olhar
dele, soltou:

— Sabe que olhar-se nos olhos depois de uma discussão e sorrir


com afeto é uma maneira de desculpar-se e tentar fazer as pazes?

Harald, ao ver como ela sorria, perguntou:

— Sorri-me por isso?

— Provavelmente.

O viking assentiu, aquela mulher o desconcertava, e de repente a


ouviu perguntar:

— Perdoa-me?

Sentir os olhos escuros olhando-o daquela maneira e ver seu


sorriso fizeram com que o coração de Harald tremesse. Quanto tempo
fazia que não lhe ocorria algo um pouco parecido a isso?

E, consciente de que ou a perdoava ou não perdoaria a si mesmo,


finalmente murmurou:

— Não há nada que perdoar.


Deixando-se levar pelo que sentia, Alison o abraçou. Mas, ao ver
que ele estava mais rígido que uma cenoura, falou.

— É um bom homem — disse olhando-o nos olhos. — Só espero


que...

— Alison! Harald!

A voz da Demelza fez que ambos levantassem a vista. Os três


casais se aproximaram e, Aiden se dirigiu a jovem preocupado.

— Se podemos te ajudar em algo, não duvide em dizê-lo.

Alison sorriu.

— Calma — disse comovida. — Não aconteceu nada. Obrigada.

A seguir todos ficaram em silêncio e, consciente de que


perceberam o ocorrido e que lhes devia uma explicação, a jovem ia
acrescentar algo quando Alastair interveio:

— É tarde. Retornemos às tendas.

E, todos puseram-se a andar.

Alison suspirou ao ver os três casais caminhar de mãos dadas.


Gostava de observar sua cumplicidade, seus gestos afetuosos e suas
brincadeiras carinhosas, e pensou em como devia ser quando se era
correspondida no amor.

Pensava nisso em silêncio enquanto se dirigiam para os cavalos.


Então Demelza se desfez da mão de seu marido, situou-se junto a ela
e, enquanto Harald e Aiden falavam entre si, perguntou olhando-a:

— Quando vai embora de Edimburgo?

Alison, que já tinha falado daquilo com Gilroy e Matsuura,


retrucou:
— Amanhã. Far-te-ei chegar o vestido antes de...

— Pode ficar. Acredito que fica melhor a você que em mim — a


cortou Demelza, que a seguir cochichou: — Mas não penso te deixar
partir sem que me conte o que acontece com esse verme.

Consciente de que Demelza merecia uma explicação, em voz baixa


para não ser ouvida, Alison começou a falar.

— O verme e eu nos conhecemos quando era uma jovenzinha


inexperiente e me deixei enrolar por sua beleza e sua palavra fácil. Ele
conseguiu o que queria de mim, mas quando pedi que falasse com meu
pai para formalizar nossa relação, riu, rechaçou-me e me humilhou.

— O que diz?! — Sussurrou Demelza.

Alison soprou.

— Enfrentamo-nos com as espadas. Eu lhe arrebatei a sua e,


quando o tive para matá-lo, por pena não o fiz. Mas ele aproveitou para
tirar uma adaga e me cravar no lado.

— Nãooooo...

— E, não contente com isso, quando meu tio Ragnar veio em meu
auxilio, ele o... matou-o e partiu sem olhar para trás.

Demelza a escutava boquiaberta. Se alguém tivesse feito isso a


ela, matá-lo-ia.

— Me acredite quando te digo que nada do que me dissesse ou me


fez me doeu tanto como a perda de tio Ragnar — continuou Alison. —
Prometi a mim mesma que acabaria com ele, e após isso não havíamos
tornado a nos ver até hoje.

Demelza com pena ia falar, mas Alison, pegando-a pelo braço,


comentou para mudar de assunto:
— Encantou-me te conhecer, e tenha por certo que, se alguma vez
passo pelo Keith, farei todo o possível para ir ver-te.

A ruiva sorriu.

— Aonde se dirigirão agora?

— Tínhamos pensado ir a Linlithgow, e Dunfermline, pois me


disseram que ali os mercados são bastante grandes. — E, pensando na
liberação que supunha em encontrar uma família para Sigge e poder
encarregar-se de Conrad, acrescentou: — Além disso, depois de falar
com Adnerb sobre uma família para Sigge, iremos também a Lanark.

Demelza assentiu, conhecia aqueles lugares, e olhando-a


perguntou:

— Por que não fica um pouco mais em Edimburgo? Nós temos que
ir por alguns dias a Peeblesa solucionar um assunto. Logo
retornaremos e poderíamos viajar juntos. Assim poderia conhecer
melhor Harald...

Alison sorriu. Nada gostaria mais. Mas, depois de olhar ao gigante


loiro e sentir que devia separar-se dele quanto antes ou algo em seu
interior lhe dizia que se engancharia a ele, retrucou:

— Obrigada, mas não.

— Por quê?

Alison suspirou.

— Porque nós temos que partir. — E, vendo a carranca da amiga,


esclareceu: — Demelza, eu não sou o que Harald precisa.

Demelza, sentindo que se estava passando dos limites, afirmou


então:
— De acordo. Não voltarei a insinuar nada a respeito, mas me
prometa que quando passar pelo Keith virá me visitar.

— Eu nunca prometo — disse Alison, que, ao ver a carranca dela,


disse sorrindo: — Ora... ora, irei saudar-te se passo pelo Keith.

Instantes depois, quando chegaram até os cavalos, todos


montaram e Alison, sentindo o olhar de Harald, olhou-os um a um e
anunciou para dar por finalizado o encontro:

— Foi um prazer lhes conhecer e aproveitar desta maravilhosa


festa com vocês. Obrigada por me convidar e me fazer sentir uma a
mais de vocês. Asseguro-lhes que esta noite ficará para sempre em meu
coração.

Todos sorriram satisfeitos e Aiden, vendo que ela pensava partir


sozinha, perguntou ao comprovar que Harald não dizia nada:

— Quer que lhe acompanhemos?

A jovem se apressou a negar com a cabeça, mas o viking,


surpreendendo-os a todos, aproximou seu cavalo dela e lhe estendeu a
mão.

— Sobe. Eu te levarei.

— Não precisa, de verdade.

Mas Harald insistiu:

— Sim, precisa.

Alison, desejosa de estar com ele, mas consciente de que devia


esquecer-se de um homem assim, replicou sem se importar o modo
como todos os observavam:

— Leia meus lábios: eu disse que não precisa, não insista.


Sentir de novo seu rechaço fez que finalmente o viking assentisse
e, sem mais, desse-se a volta para afastar-se com seu cavalo. Aiden e
o resto não disseram nada e, depois de despedirem-se de novo de
Alison, tomaram o mesmo caminho que Harald.

Uma vez sozinha, a moça começou a caminhar calmamente pelas


ruelas do Edimburgo sumida em seus pensamentos, até que, ao chegar
a uma esquina, de repente alguém a pegou pelo braço e, puxando-a,
aprisionou-a contra a parede.

Sentir aquilo a fez reagir rapidamente e, depois de empurrar a seu


atacante e ver de quem se tratava, sibilou:

— Maldito seja, Conrad...

Conrad sorriu, por fim a pegava a sós, e aproximando-se dela


perguntou divertido:

— Alison Wilson? Sério?

Ela não respondeu.

— O que faz em Edimburgo? — Insistiu ele. — Ou, melhor, por


que não está em La Bruxa del Mar debaixo do casaco de seu pai?

— Isso não te interessa.

— Me interessa tudo de você — replicou ele olhando-a com desejo.


A raiva bulia no sangue da jovem, mas ele continuou divertido: —
Princesa, o que pensariam esses lairds com quem se entretém ou o
governador Thomas McBouden se soubessem realmente quem é?
Gostariam de ser vistos com a filha do pirata Moore? Acredita que esse
homem de quem não se afastou por toda a noite se sentiria orgulhoso
de estar a seu lado se conhecesse sua identidade?
Ela não respondeu. Sabia da fama de seu pai e da sua própria,
uma fama excessivamente exagerada que os imbecis como aquele
faziam crescer.

— Não, Alison, não — continuou ele. — Não gostariam de saber


que uma pirata como você, acostumada a apropriar-se do alheio e a
uma vida nada aceitável no que se refere a homens, anda com suas
decentes mulheres. Tenha como certo que, no momento em que
souberem, nunca mais voltarão a olhá-la, lhe cuspirá e possivelmente
o governador mandará lhe enforcar.

Ouvir isso lhe doeu, mas, ignorando-o, a jovem cuspiu:

— Sabe que vou te matar, verdade?

Conrad sorriu. Em Escócia, ele tinha todas as chances de ganhar.

— Se atreva — sibilou — e Julian revelará a esses seus amigos


que não é a maravilhosa e doce Alison Wilson, a não ser Alison Moore.

— Tanto faz, sempre e quando o mate e posteriormente todos


saibam quem você é em realidade.

Ele soltou uma gargalhada. Em um mundo de homens como


aquele tinha as rédeas nas mãos, ninguém acreditaria na palavra
daquela vulgar pirata, e com certa arrogância perguntou:

— De verdade pensa que acreditarão? Em você? À filha de Jack


Moore?

Ela não respondeu, e ele, aproximando-se mais, pegou-a pela


cintura e disparou:

— Princesa... esquece isso de me matar e veem a meu leito esta


noite. — E, subindo a mão até chegar a seus seios, acrescentou: — Pelo
que ouvi, aprendeste muito nestes anos, e que monte bem me traz
agradáveis lembranças.

Ouvir isso e sentir sua mão fez reagir à moça. Antes morta que
fazer o que ele lhe pedia e, depois de empurrá-lo para afastá-lo dela,
tirou uma das adagas que escondia e sibilou raivosa:

— Me toque de novo, pedaço de merda, e juro por Iemanjá que,


embora morra no intento, você não verá o amanhecer.

Conrad sorriu.

— Deixa em paz à deusa dos mares e ganha meu silêncio.

Ela não se moveu. A beleza de Alison naqueles anos tinha


florescido até um ponto que ele nunca imaginou. Era linda, sedutora,
e, baixando a voz para adotar um tom mais íntimo, Conrad sussurrou:

— Ainda recordo como você gostava que...

Não pôde terminar, pois ela rapidamente lhe desequilibrou.


Empurrou-o contra a parede e, quando este lhe arrebatou a adaga,
imobilizou-a e a beijou.

Sentir os lábios dele sobre os seus fez ofegar a jovem.

Tinha adorado, amado, idolatrado aqueles lábios, aqueles beijos,


mas agora não mais. Agora lhe repugnavam e, quando se afastou dele,
sem hesitar fez o que tinha treinado centenas de vezes em sua vida
para defender-se. Com força, deu uma cabeçada no seu nariz e em um
instante Conrad começou a sangrar com dor.

Apesar de que a cabeça lhe doía pelo que acabava de fazer, Alison
sorriu e, tentando não enjoar pelo golpe, apoiou uma mão na parede
enquanto lhe arrebatava a adaga com a outra.

— Maldito excremento de baleia... que asco me dá! — Cuspiu.


Dolorido e sentindo o sangue que corria pela boca, Conrad lhe deu
um bofetão. O inesperado golpe fez com que Alison caísse no chão e,
dando um passo atrás para que ela não o alcançasse, o verme
resmungou:

— Cadela... Teria que ter morrido aquele dia com Ragnar.

Nesse instante ouviram risadas de pessoas que subiam pela rua


procedentes da festa. E Conrad, olhando a adaga que ela tinha em sua
mão, murmurou:

— Se pedir ajuda, a quem acredita que ajudarão? — Disse. — A


você ou a mim?

Ela não respondeu. Sabia que quando revelasse quem era, tinha
todos os motivos para perder. Então Conrad montou em seu cavalo e
declarou antes de partir:

— Se esqueça de que existo ou no final sou eu que matarei você.

Logo, o excremento humano se afastou enquanto Alison, nervosa


pelo ocorrido, apoiava-se na parede para tomar ar.

Estava claro que haver-se encontrado com ele ia complicar sua


estadia em Escócia. Por isso, pôs-se a andar e, acelerando o passo,
chegou até a carroça. Depois de tirar o vestido e colocar suas habituais
calças, despertou Gilroy e seu tio Matsuura.

— Por todos os Santos, moça, disse-te que não queria mais galos.

Alison tocou a testa e amaldiçoou em silêncio, mas o japonês,


desejoso de saber o que tinha ocorrido, insistiu:

— A quem deu uma cabeçada?


Furiosa, contou a verdade. Matsuura a escutou boquiaberto e, ao
saber que em realidade tinham vindo a Escócia para matá-lo, fechou
os olhos e amaldiçoou. Aquilo era um verdadeiro problema.
Dias depois, o galo de Alison pela cabeçada que tinha dado em
Conrad começou a baixar, como também a intensidade do hematoma
de seu rosto pelo bofetão que ele tinha dado.

Pensar naquele homem se converteu em uma obsessão para a


jovem. Durante os anos nos que não haviam tornado a encontrarem-se
sua sede de vingança se aplacou, mas ao vê-lo outra vez havia tornado
a despertar.

Pelas noites, quando fechava os olhos e tentava deixar de pensar


naquele verme, só conseguia se recordasse de Harald, aquele homem
sério, calmo e de bonito sorriso quando se permitia esboçá-lo.

Pensar nele, em seu olhar, no tato de sua pele e nos beijos


compartilhados a fazia querer muito mais e, indevidamente, a fazia
sorrir e fantasiar com ele.

Aquele homem distante e resmungão com ela de repente se


converteu em seu maior desejo e em alguém que não podia tirar da
cabeça. Embora Alison imaginasse que ele não teria voltado a recordar
dela.

Durante esses dias, cada vez que Matsuura a olhava e via seu
rosto arroxeado e seu trejeito pensativo, algo nele se rebelava. O fato
de que a moça, sem lhe dizer nada, e tivesse decidido vir a Escócia
sabendo que Conrad estava aqui não gostava.

O japonês a conhecia muito bem e sabia que, assim que viajassem


sem a pequena Sigge, Alison iria atrás dele. Não obstante, não desejava
que manchasse suas mãos de sangue. Queria falar com ela, desejava
lhe pedir tranquilidade e prudência por estar em terra firme, mas, cada
vez que a olhava e a via sumida em seus pensamentos, sabia que devia
calar e esperar. Já era o bastante que ela tivesse seus próprios
demônios para que ele os alimentasse mais ainda.

A chegada em Lanark foi calma e sossegada e, depois de perguntar


na loja mais luxuosa que havia na rua principal por Iria e Douglas
Graham e saber para onde tinham que irem-se, Matsuura se comoveu
com o pedido de Alison que deixassem para o dia seguinte. Sem dúvida
queria aproveitar de uma noite a mais com a pequena.

Garoava.

Debateram como e onde passar a noite. A chuva daquele dia não


era forte, mas contínua. E ao final decidiram pernoitar nos subúrbios
de Lanark, na carroça. Sua economia não era excessivamente boa. Não
tinham muitas moedas e deviam gastar somente o imprescindível.

À noite, para sua sorte deixou de chover, mas fazia cada vez mais
frio.

Depois de cozinhar um guisado de coelho, que previamente Alison


tinha caçado, quando a escuridão os rodeou e só se viam graças à
fogueira que os esquentavam, Matsuura perguntou ao ver a jovem com
a pequena Sigge adormecida nos braços:

— Tem certeza de que quer ir ver esses Graham? — Alison


assentiu. — Me dá pena que, sendo a filha de Edberg, não possa ter
uma vida a seu lado — acrescentou o japonês, — quando sei que é o
que ele e Ragnar teriam querido.

Alison o olhou e, sem levantar a voz para que Gilroy, que dormia,
não despertasse indicou:

— Precisamente por ser a filha de tio Edberg e sobrinha de Ragnar


lhe desejo o melhor. E você sabe que o melhor para ela não sou eu.

— É, moça, claro que é!

— Não diga tolices!

— Não diga você — replicou Matsuura.

Se alguém podia ser sincero com ela sem temer suas reações, era
ele. Os anos juntos e as vivencias compartilhadas tinha lhe dado a força
necessária para falar com franqueza. Com seu pai, Alison discutia,
enquanto que com Matsuura falava.

Olharam-se em silêncio e a jovem murmurou:

— Tio, mas do que está falando?

— Falo do que vejo. Tem pressa por deixar à pequena para ir atrás
de Conrad, e não pode dizer que não.

A jovem, a quem os remorsos por isso começavam a intranquilizá-


la, replicou sem querer dar seu braço a torcer:

— Aqui o que importa é Sigge. Ela merece uma família que a


proteja e um lar que lhe dê refúgio em noites como esta, e não viver em
uma velha carroça.

— Se você o diz...

— Ora — sussurrou ela. — Reconheço que estou desejando ir


atrás de Conrad. Mas, tio Matsuura — insistiu, — o que os Graham
podem oferecer à menina eu não posso dar, você goste de reconhecê-lo
ou não. E não, não estou disposta a voltar à La Bruxa del Mar. Sei que
meu pai, mesmo que não a queira no navio, terminaria por aceitá-la,
mas o que eu vivi não quero para ela. Sigge merece um lar em terra
firme, ter amigas e assistir a festas, entre outras coisas.

— E por que acredita que esses Graham são melhores que você?

Alison soprou e grunhiu apontando a velha carroça:

— Tio Matsuura, à vista está, não acredita?!

O japonês, que não estava de acordo em deixar à pequena com


estranhos, insistiu:

— Eu, como você, quero o melhor para essa menina. É a filha de


meu irmão Edberg e...

— Prometo-te que me assegurarei de que os Graham sejam o que


ela precisa — o cortou Alison sem querer ouvir mais.

Ao sentir que ela começava a irritar-se, Matsuura sussurrou:

— Acredito que deveria fechar os olhos, pensar e dormir.

— Estou de acordo.

— Amanhã nos aproximaremos para ver esses Graham e tomará


uma decisão.

A jovem assentiu, aquilo era o mais acertado, e, depois de subir à


carroça com a pequena e aconchegar-se sobre a manta com Sigge a seu
lado, tentou pensar no que devia, mas a lembrança de Harald veio a
sua mente e dormiu pensando nele.
Ao amanhecer, quando Alison abriu um olho, o primeiro que viu
foi a rostinho da menina. Estava acordada e, como sempre, sorriu-lhe.
Ver aquele sorriso tão doce, tão puro e tão perfeito a fez sorrir e,
aproximando os lábios à bochecha da pequena, murmurou beijando-a:

— Bom dia, meu amor.

Contente, a pequena levou suas mãozinhas até o rosto de Alison


e então foi Alison quem sorriu.

Depois de asseá-la e mudar seus panos, ambas desceram da


carroça. Seu tio Matsuura, que estava fora, cumprimentou-as as ver:

— Bom dia.

Alison sorriu e, depois de lhe dar um carinhoso beijo na sua


bochecha, ia falar quando o japonês se adiantou:

— Me dê à pequena. Dar-lhe-ei o desjejum enquanto você se


asseia no rio.

Alison assentiu e, antes de passar à menina, perguntou:

— Onde está Gilroy?

— Foi em busca da casa dos Graham. Assim iremos mais seguros.

Alison assentiu e, depois de entregar à menina e pegar uma


toalha, encaminhou-se para o rio.

Um bom momento depois, quando a jovem se asseou, retornou à


carroça e comprovou que Gilroy já havia tornado.
— Bug, a casa desses Graham é um pouco impressionante — a
informou ele. — Vivendo em uma casa assim, estou quase certo de que
a gambazinha não faltará de nada.

A jovem gostou de ouvir isso, e ele continuou:

— Possuem terras, gente a seu serviço e gado. Pelo pouco que


pude ver, a vida está bastante bem.

Quando Matsuura ia intervir, se ouviram cascos de cavalos que


se aproximavam. Rapidamente o japonês e ela pegaram suas katanas
e Gilroy murmurou:

— Aproximam-se dois cavaleiros.

Estavam atentos de quem podiam ser quando Alison sorriu ao


reconhecê-los.

— Governador McBouden e milady... Mas o que fazem vocês por


aqui?

Thomas McBouden, acompanhado de sua mulher Regina, sorriu


e deteve seu cavalo.

— Já não sou Thomas?

Isso fez que a jovem risse e afirmasse:

— Claro que sim, Thomas.

Felizmente, os recém-chegados desmontaram de seus cavalos e


ele, omitindo a verdade, comentou:

— Ontem Regina te viu no Lanark. Mas quando me disse e saí em


sua busca já tinha partido, e esta manhã decidimos ver se a
encontrávamos.
Surpreendida por sua deferência, Alison assentiu. Mas para que
a buscavam e que faziam eles em Lanark?

Dispunha-se a perguntar quando Regina, ao entender seu trejeito,


apressou-se a dizer:

— Estamos em Lanark para participar de um jantar. Dentro de


alguns dias partimos para o Aer, onde Thomas tem que resolver uns
assuntos da Coroa e, posteriormente, retornaremos a Aberdeen, onde
é nosso lar.

Alison assentiu, mas então, ao ver como o japonês olhava ao


homem com gesto estranho, perguntou:

— Acontece algo, tio Matsuura?

Ouvindo-a, ele se apressou a negar com a cabeça, e a jovem,


disposta a seguir sendo amável com os visitantes, indicou:

— Thomas, Regina, apresento-lhes meu tio Matsuura e meu


irmão, Gilroy Wilson.

Satisfeitos, todos se saudaram e Thomas, observando como


Matsuura o seguia olhando, perguntou:

— De onde é?

Alison rapidamente respondeu por ele:

— Tio Matsuura é do Japão. Mas é um homem de paz, asseguro-


lhe isso.

Thomas assentiu, e Regina, entendendo o silêncio incômodo, ao


ver a pequena que estava nos braços da jovem, interessou-se por ela.

— Esta preciosidade é sua filha?

Alison olhou à pequena com amor, e sorriu.


— Não. Sigge é a filha de meu falecido tio Edberg, e tenho tentado
encontrar um bom lar para ela. — A mulher assentiu, e ela
acrescentou: — Adnerb, a esposa de Alastair, disse-me que aqui, em
Lanark, uma sobrinha de Gudolf Fraser bem posicionada socialmente
poderia aceitá-la junto com seu marido, por isso viemos. Embora, bom,
para ser sincera, tenho que dizer que quero conhecer os Graham antes
de decidir se Sigge ficará com eles ou não. Quero para a menina uma
boa vida e, antes de entregá-la, tenho que me assegurar disso.

O governador assentiu e, deixando de olhar o japonês, jogou uma


olhada à carroça e perguntou:

— Não me diga que passa a noite ali...

Alison assentiu.

— Isso não é o mais apropriado — falou Regina, — e muito menos


com uma menina tão pequena. Escócia neste tempo é gelada pelas
noites.

Ela tinha razão. Mas, defendendo o pouco que tinha, a jovem


afirmou:

— Sei, mas é nosso lar.

Regina e Thomas, comovidos ao ver seu terrível lar, que parecia


que estava prestes a cair em pedaços de um momento a outro, olharam-
se, e Regina disse:

— Na casa onde nos alojamos há quartos livres. Poderiam vir e...

— Não, Regina — a cortou Alison. — Agradeço por isso, mas não.

— Por quê? — Perguntou a mulher.

— Porque esse — indicou a jovem apontando a carroça — é nosso


lar.
Thomas se sentia incômodo. Como podia viver assim essa moça?

Mas estava claro que Alison não queria a pena de ninguém, e


Regina, depois de olhar a seu marido e vê-lo pensativo, acrescentou:

— De acordo. Não insistirei.

— Obrigada. — A jovem sorriu satisfeita.

Depois de um momento em que falaram de acomodações ocorreu


a Thomas que comentou dirigindo-se Alison:

— A buscávamos porque eu gostaria que esta noite nos


acompanhasse ao jantar dos Cunningham que somos convidados.

— Eu?!

— Virão pessoas melhores posicionadas da região, e acredito


que...

— Impossível, Thomas — retrucou ela. — Tenho que...

— Vá! — Soltou de repente Matsuura. — Gilroy e eu ficaremos


com Sigge.

Alison o olhou surpreendida e não disse nada. Por que seu tio
tinha que falar por ela?

— Se a esse jantar vai o povo bem posicionada do lugar —


esclareceu a seguir Matsuura, — poderá conhecer Iria e Douglas
Graham no anonimato.

Alison assentiu. Em certas ocasiões seu tio era muito mais rápido
que ela.

— Seu tio tem razão — conveio Regina. — É uma excelente


oportunidade para conhecê-los e decidir se lhes entrega à menina ou
não. Pense-o.
Todos se olhavam em silêncio quando Thomas, que não podia
deixar de observar tudo a seu redor sem entender que fazia aquela
moça naquelas condições, sentenciou:

— Virá a esse jantar como nossa convidada. — E quando Alison


ia protestar, insistiu: — Jovenzinha, neste instante te falo como o
governador McBouden, não como Thomas. Portanto, está obrigada a
vir.

Depois de esclarecer onde a esperariam e a que hora, o governador


e sua mulher subiram a seus cavalos e, depois de dirigir um último
sorriso à moça, afastaram-se a galope.

Ficaram segundos sem falar, até que Gilroy protestou afastando-


se:

— Por Tritão! Por que diabos não me convidaram?

— A você?! — Zombou Matsuura.

— É uma festa, não?!

Matsuura sorriu.

— Assuma-o: seria uma festa muito elegante para você.

Gilroy, que ficava mais difícil de lidar a cada dia que passava,
sibilou:

— Não vejo o momento de retornar ao mar. Odeio estar aqui. Eu


não gosto. Não é o meu lugar.

Matsuura sorriu enquanto o via afastar-se e, olhando Alison,


repetiu:
— Acredito que é uma excelente maneira de que conheça esses
Graham. O anonimato te fará ver se for a classe de gente que quer para
Sigge ou não.

Alison, ainda perturbada, ia falar quando ele insistiu:

— Pode colocar o vestido que usou para a festa de Edimburgo.

— Outra vez?

Tio Matsuura, orgulhoso de ver esse toque feminino nela,


dispunha-se a responder quando esta, lhe entregando à pequena,
afastou-se contrariada. Por que tinha que ir a um evento como esse?

Durante um momento o japonês observou como Alison caminhava


de um lado para outro. Sem dúvida estava pensando na importância
de ir ou não aquele jantar, e finalmente se aproximou dele e declarou:

— Tem razão, tio. Devo ir, o governador e sua mulher me


brindaram uma oportunidade excelente. Sem dúvida conhecer os
Graham antes de que eles conheçam Sigge será o melhor.
A fortaleza dos Cunningham em Lanark era uma maravilha.

Chegar acompanhada do governador e sua mulher foi a melhor


carta de apresentação para Alison, que, surpreendida, observava tudo
a seu redor.

Estava mais que claro que para os Cunningham a vida sorria.

Conversava com prazer com Thomas e sua mulher quando se


aproximaram deles alguns homens. Rapidamente o governador os
apresentou. Tratava-se de Evan Cunningham, Irwing Steward, Dave
Morrison e Louis Campbell. Aqueles homens, pelo respeito com o que
todos os observavam, sem dúvida eram gente influente e poderosa.
Irwing Steward, olhando Alison, perguntou:

— E esta jovenzinha de sorriso cativante quem é?

Ela sorriu; que a tratassem com amabilidade e respeito estava se


convertendo em algo maravilhoso.

— É minha sobrinha, Alison Wilson — disse Regina.

Surpreendida, a jovem a olhou com dissimulação enquanto


Thomas acrescentava:

— É filha da irmã de Regina.


Os homens assentiram satisfeitos e Regina, olhando Alison para
que não dissesse nada, falou:

— Por desgraça, é a única que restou de minha amada irmã


Bianca. Ela e seu marido Kendrick Wilson, que viviam em Forres,
morreram faz anos no incêndio de sua casa.

— Oh, que terrível — exclamaram.

— Foi horrível... sim — afirmou Regina compungida.

Boquiaberta por aquela mentira, Alison não sabia o que fazer


exceto assentir.

Sobrinha da Regina e Thomas? Incêndio? Mas por que diziam


isso?

Estava sem saber o que pensar quando Thomas prosseguiu:

— Depois do incêndio, Alison retornou a Itália, onde se criou com


a família de Regina na Sicília. Mas seu desejo sempre foi voltar para
Escócia, sua terra.

— O sangue escocês a devolveu a seu lar, verdade, querida? —


Afirmou Evan Cunningham.

Ela assentiu sem acreditar, e todos começaram a falar sobre


Escócia.

De repente, seus olhos e os de Thomas se conectaram e ao ver que


este sorria, sem saber por que ela também sorriu. Irwing Steward se
aproximou e disse baixando a voz:

— Imagino que fala italiano como sua tia, verdade?

— Sim, senhor — afirmou ela.


O homem assentiu e, depois de comprovar que ninguém o
escutava, cochichou:

— Cheio de orgulho te digo que minha mãe era espanhola e meu


pai escocês. Mas isto é Escócia e o melhor que se pode fazer é falar
nosso idioma, evitar mencionar os antepassados que não sejam daqui
e assim sempre economizará suscetibilidades.

Isso divertiu à moça. Estava claro que não ser cem por cem
escocês naquelas terras podia ser a origem de um problema, e com
cumplicidade afirmou:

— Obrigada pelo conselho. Não esquecerei.

Todos falavam enquanto Alison, sumida em uma voragem de


emoções, escutava em silêncio, e quando eles partiram, olhando para
Thomas e Regina, perguntou:

— Sua sobrinha?

Eles se olharam sorrindo e Thomas cochichou:

— Moça, pelo pouco que te conheço, vejo que não é pessoa de dar
muitas explicações de sua vida e de seu passado. Por isso, e
conscientes de que perguntariam, Regina e eu falamos e decidimos
aplainar seu caminho.

— Aplainar meu caminho?

— Me acredite, é o melhor para você. Estes escoceses são


excessivamente curiosos — afirmou a mulher piscando um olho
enquanto se afastava para saudar uma conhecida.

— Alison — prosseguiu Thomas, — simplesmente acabamos de


lhe criar uma vida e um passado. Ao ser Regina italiana, ninguém
duvidará de que seja nossa sobrinha e isso te facilitará no trato com as
pessoas por aqui. Outorgar-te-á segurança e te evitará problemas.

Alison o olhava boquiaberta, e perguntou:

— E por que me ajudam se mal me conhecem?

Thomas sorriu.

— Porque todos em um dado momento precisam que nos ajudem,


e sinto que neste momento você precisa.

Satisfeita, a jovem sorriu, e de repente seus olhos se encontraram


com alguém e murmurou:

— Pelas barbas de Netuno... Maldito seja!

Thomas se apressou a olhar e, ao divisar Conrad McEwan,


endureceu a carranca e murmurou:

— Em Edimburgo senti que esse homem te incomodava e, por isso


vejo, que somente a sua presença volta a incomodá-la. O que acontece
entre ele e você?

Sem acreditar, ela o seguiu com o olhar. De novo, voltava-o a vê-


lo em um lugar onde não podia fazer o que desejava, por isso, olhando
para Thomas, respondeu com sinceridade:

— Esse homem é alguém com quem tenho uma conta pendente.

— Que conta? — Interessou-se ele.

Sem afastar o olhar do homem que odiava, Alison o viu sorrir e


gabar-se com as mulheres do jantar. Estava claro que todas caíam
rendidas a seus encantos.
— Thomas, como bem sabe, eu não gosto de falar de meu passado
— retrucou. — E quanto a esse homem, devemos ser prudentes. Não
quero que sua ajuda possa te prejudicar.

Ele se sentiu de repente incômodo. Sabia quem era Conrad


McEwan, como sabia perfeitamente quem ela era, embora não o
houvesse dito. E, consciente de que ia ajudar a jovem em tudo o que
pudesse, respondeu:

— Calma, Alison. Sou o governador McBouden. Sou muito bem


visto pela Coroa e posso presumir que tenho uma infinidade de bons e
leais amigos. Me acredite quando te digo que se alguém pode prejudicar
a outro nestes instantes, esse sou eu.

A jovem sorriu. Era bom contar com o apoio de Thomas, embora


não entendesse por que o merecia. O que tinha feito para que esse
poderoso homem a tivesse em tão boa consideração?

Estava pensando nisso quando anunciaram o jantar e todos os


convidados passaram a um grande salão. Uma vez ali, sentada junto
de Thomas, que estava a sua direita, e Irwing Steward a sua esquerda,
teve uma noite agradável. As aulas recebidas durante anos por seus
tios no mar de como comportar-se em um jantar como aquele sem
dúvida estavam dando fruto.

A diferença do que tinha pensado Alison, viu-se segura em seu


proceder e decidiu aproveitar o momento. Por que não?

Depois do jantar, imediatamente começaram a soar as gaitas de


fole e as palmas. Todos queriam divertirem-se e, depois de
transladarem-se a um enorme salão de grandes janelas que estavam
abertas a um impressionante jardim, os Cunningham, anfitriões da
festa, abriram o baile dançando sobre espadas.
Alison sorria com prazer quando Regina se aproximou em
companhia de algumas mulheres.

— Senhoras, ela é minha adorável sobrinha, Alison Wilson.

Todas sorriram e Regina, olhando-a, indicou:

— Alison, elas são Betsi Henderson, Cadha McDonald, Lorna


Campbell e Iria Graham.

O último nome fez Alison saber o que Regina pretendia. Estava


levando a Iria para ela, e, contente e agradecida, cumprimentou-as.

Durante um momento as mulheres falaram sobre tudo até que,


de repente, uma jovem morena não muito alta se aproximou delas.

— Mãe, tenho que falar contigo! — Pediu.

Lorna Campbell, ao ver sua insuportável filha, pegou-a pelo braço


suspirando, afastou-a do grupo e murmurou:

— Carolina, vamos lá...

Alison sorriu. Aquela era a garota que tinha conhecido em


Edimburgo, Carolina Campbell, e que discutira com seu pai e, via
agora, que também discutia com a mãe.

Todas as mulheres observavam a situação quando Regina,


tentando tirar o lado divertido, cochichou:

— Quando vejo estas discussões entre mãe e filha não me


arrependo de não ter tido filhos. — Todas sorriram e Regina murmurou:
— Deus não me abençoou com filhos, mas sim com uma excelente e
maravilhosa sobrinha.

— Você, sim, é maravilhosa... tia. — Alison sorriu divertida.


Lorna Campbell retornou para o grupo e, ao ver como as mulheres
a olhavam, grunhiu:

— Tenho sete filhos. Quatro varões e três fêmeas. E posso


assegurar que Carolina, mesmo sendo a mais nova, tem mais força que
nenhum de seus irmãos e é mais teimosa que uma mula. Mas, custe-
nos o que custar, temos que casá-la. Só precisa que encontremos o
homem que seja capaz de suportá-la, o que não é pouco.

De novo, todas riram e Iria interveio:

— Eu não tenho filhos, embora bem sabe Deus que Douglas e eu


tentamos. — As risadas das mulheres não demoraram para fazer-se
ouvir, e ela, baixando a voz, acrescentou: — Meu marido me convenceu
para que, até que cheguem nossos próprios filhos, acolhamos a algum
menino ou menina desfavorecido e que lhe dar um bonito lar. Há
muitas crianças abandonadas no mundo.

As mulheres assentiram emocionadas. Que um casal acomodado


como aquela fosse fazer algo tão belo era maravilhoso.

Maravilhada, Alison sorriu para Regina. Ouvir isso era o que


precisava. Sigge poderia estar muito bem com eles.

— E um dia Deus nos bençoe com filhos — acrescentou Iria, — a


menina ou o menino acolhido poderá ficar na casa e exercer a função
de criado. — Isso fez Alison se mover. — Será algo que irá aprendendo
pouco a pouco, para que, em sua maturidade, tudo que aprender lhe
sirva para algo.

Regina, tão surpresa quanto todas ouvindo isso, apressou-se a


replicar:
— Se crias a uma criança como seu filho ou sua filha, como vai
deixar de sê-lo?

— Querida Regina — disse Iria tocando o cabelo com galanteria,


— uma coisa é acolher e outra amar. Nunca poderei amar uma criança
que não seja sangue de meu sangue.

Alison não quis ouvir mais e, virando-se, olhou para o outro lado.
Regina, ao vê-la, aproximou-se dela e Alison falou segura:

— Nem me incomodarei em levar a Sigge. Isso não é o que quero


para ela.

— Fará muito bem — afirmou a mulher.

Estava assentindo quando divisou uma enorme janela e,


precisando ar, caminhou para ela. Ao sair viu maravilhada que diante
dela se estendia um bonito jardim.

Com prazer, e respirando o ar fresco da noite, Alison caminhou


por aquele cativante lugar infestado de flores invernais, e então Harald
voltou para sua mente.

Onde estaria? O que fazia?

Estava pensando no viking quando sentiu que uma mão a pegava


e a puxava.

Ao virar e ver Conrad lhe arrepiou os pelos de todo o corpo. Como


tinha a pouca vergonha de voltar a aproximar-se dela?

— Mas você é tolo?

Ele não respondeu, mas sim tentou agarrá-la de novo e ela


grunhiu lhe dando um tapa.

— Não me toque!
Conrad sorriu enquanto observava como ela se afastava. Gostasse
ou não, Alison o atraía com esse seu forte caráter. Excitava-o, até
sabendo que, cedo ou tarde, ela o atacaria. E, sem dar-se por vencido,
seguiu-a, se aproximou por trás e, pegando a boca a sua orelha,
perguntou:

— O que faz aqui, princesa?

Sem vontades de dizer a verdade, e incapaz de refrear-se, a jovem


se voltou. Olhou-o nos olhos e pensou em lhe dar uma nova cabeçada,
mas se deteve. Se o fizesse, teria um novo galo na testa e todo mundo
lhe perguntaria o motivo, por isso optou por lhe dar um pisão em um
pé. A força que exerceu fez que ele amaldiçoasse de dor e finalmente,
empurrando-a, a afastou de perto.

Em seguida, Alison se afastou de novo sem olhar atrás.

Aquele brusco movimento atraiu a atenção de quem estava


passeando pelo jardim, mas Conrad, depois de sorrir e indicar que
tinha sido um tolo tropeção, seguiu-a sem perder tempo. Mas quem ela
acreditava que era para lhe fazer algo assim?

A jovem caminhava furiosa quando, ouvindo as pisadas dele,


parou e se voltou.

— Pretende que o mate aqui mesmo?

Seu temperamento desafiador divertia Conrad, que rapidamente


respondeu:

— Alison... Alison... Alison... Que tal relaxar, vamos a um lugar


escuro e me deixar colocar a mão sob sua saia? Asseguro-te que nestes
anos minha destreza para dar prazer aumentou muito.
Sem poder dar crédito a sua desfaçatez, a jovem se dispunha a
responder quando de repente se ouviu um golpe seco e, segundos
depois, Conrad desabou no chão.

Alison o olhava boquiaberta quando ouviu:

— Odeio estes fanfarrões.

Divertida, viu que se tratava de Carolina Campbell, que,


aproximando-se dela, atirou no chão um pedaço de madeira que tinha
na mão.

— Olá, Alison — cumprimentou. — Te vi antes com o grupo que


minha mãe estava.

Ela assentiu e Carolina, agachando-se, pôs a mão no pescoço de


Conrad e, ao notar seu pulso, cochichou com calma:

— Calma, este presunçoso simplesmente dormirá um pouquinho.

Ambas tamparam a boca com a mão para não rir, tomaram as


mãos e saíram correndo dali.

Quando estiveram o suficientemente longe puderam rir até a


mandíbula doer e, quando pararam, Carolina disse:

— Se meu pai ou minha mãe souber o que acabo de fazer,


asseguro-te que me encerrarão em meu quarto e não sairei dali em um
ano.

De novo, ambas riram e Alison disse:

— Calma. Eu não direi, e duvido que esse idiota a tenha visto.

A seguir se sentaram no chão e olharam para o céu.

Estiveram em silêncio até que Alison perguntou:

— O que aconteceu hoje com sua mãe?


Carolina soprou.

— O de sempre. Buscam-me marido. Papai e mamãe querem me


casar. Tentam-no. Mas até o momento consegui que todos os homens
fujam de mim.

— Que fujam de você?

Carol assentiu revirando os olhos.

— Me ouça... Faço-lhes acreditar que estou louca e saem correndo


como ratos.

Ambas soltaram uma gargalhada e Alison perguntou:

— Faz isso porque já tem um amor?

Carolina negou com a cabeça.

— Não, não tenho nenhum amor e, a verdade, duvido que chegue


ao ter.

— Por quê?

A jovem se deitou no chão para ver melhor as estrelas e


murmurou:

— Porque nenhum homem luta por mim, e menos ainda chama


minha atenção. Digamos que minha maneira impetuosa de ser os
assusta tanto que nenhum quis voltar para ver-me. Algo que, com
certeza, eu gosto, pois, todos os pretendentes que meus pais escolhem
por mim são um horror!

Alison se deitou junto a ela para contemplar o céu estrelado.

— E você tem um amor? — Perguntou Carol.


Ela sorriu. Rapidamente a imagem de Harald, o viking loiro de
olhos azuis, veio a sua mente e, como precisava confessar a alguém,
murmurou:

— Provavelmente.

— Por Deus, me conte! — Exclamou Carolina emocionada.

Divertida ao ouvi-la, a jovem Moore respondeu:

— Não tenho nenhum amor, mas sim há alguém que ocupa meus
pensamentos.

— Está aqui esta noite?

Ela negou com a cabeça e, olhando-a, respondeu omitindo que


era Harald, o homem com quem a tinha visto em Edimburgo:

— Não está. Mas se estivesse, dava no mesmo, não me prestaria


atenção.

— Por quê?

— Porque algo me diz que também o assusto. Acredito que sou


muito selvagem, ousada, descarada e desbocada para ele.

— E em realidade é?

— Desgraçadamente, sim — declarou ela sem hesitar.

Durante um bom momento ambas conversaram sobre uma


infinidade de coisas, coisas que não estavam acostumados a falar com
outras pessoas, mas que estranhamente, entre elas falavam com total
normalidade.

— Jovenzinhas, o chão não é um bom lugar para estar: pegarão


frio — ouviram que alguém dizia de repente.
Ao levantar a vista viram que se tratava de Thomas McBouden.
Rapidamente ficaram em pé e este disse olhando Alison:

— Tinha-me preocupado.

— Por quê?

Thomas, mais calma por ter a aquela diante, indicou:

— Encontraram Conrad McEwan com um forte golpe na cabeça.

— Raios e centelhas! — Zombou Alison.

— Oh... que peninha. Está bem? — Perguntou Carolina divertida.

Thomas, que testemunhou de como as duas se olhavam, tirou


suas próprias conclusões e apontou:

— Sim, está bem.

— Por todos os Santos... quanto louco solto há por aí!? —


Exclamou Carol contendo a risada.

— Pois te digo... nem pelo jardim se pode caminhar! — Murmurou


Alison.

Thomas voltou a assentir. O teatrinho das moças era o melhor da


festa daquela noite e, quando as jovens se pegaram pelos braços,
acrescentou:

— Conforme contou Conrad, um gigante alto e com uma cara


desastrosa o atacou enquanto caminhava pelo jardim. E eu, que o vi,
pude comprovar o tremendo galo que tem na cabeça.

— Que barbaridade! — Murmurou Alison morta de dar risada.

Essa noite a moça se divertiu muito junto à Carolina, Thomas,


Regina e as amigos dela. Em várias ocasiões Conrad fez um intento de
cruzar-se com ela. Queria que soubesse o quão zangado estava pelo
ocorrido, mas Alison nem sequer o olhou. Se o fizesse, finalmente
partiria para cima dele.
Essa madrugada, quando acabou a festa na fortaleza dos
Cunningham, Alison se despediu de Carol com a esperança de voltar a
encontrá-la alguma vez. Logo se dirigiu a Thomas e a Regina e com
alegria sussurrou:

— Tia... tio... agora tenho que me despedir de vocês.

— Nem pensar, jovenzinha. Não vai retornar sozinha a carroça.

— Mas...

Regina, que pensava como seu marido, insistiu:

— Não importa o que queira vamos acompanhar.

A jovem finalmente encolheu os ombros e assentiu. Não era


medrosa. Sabia que podia retornar sozinha, mas a companhia deles a
agradava.

Seguidos de perto por quem velava pela segurança do governador,


enquanto conversavam, se encaminharam para o lugar onde tinham
deixado seus cavalos.

Uma vez ali, Thomas indicou apontando o cavalo de Alison:

— Bonito animal. Onde o achou?


Com mimo, ela acariciou o focinho de Pirata. Aquele tinha sido o
primeiro elo de união com Harald e, omitindo o nome do animal para
que não lhe perguntassem porque, respondeu:

— Em Edimburgo.

— Bonito exemplar. Robusto e forte — comentou Thomas, que


entendia bastante de cavalos.

— Sei — murmurou a jovem pensando em Harald.

O caminho de volta para onde tinha a carroça se fez curto. Falar


com Thomas e Regina era fácil e, quando chegaram, ao ver uma
fogueira acesa ao lado da carroça, sussurrou:

— Estão todos dormindo.

O governador olhou a seu redor e, ao ver tudo calmo, assentiu.


Mas se antes não confiava em Conrad McEwan, agora, depois de ver
como ele a tinha acossado durante a festa, confiava menos ainda, por
isso disse:

— Escuta, Alison. Amanhã tenho que me reunir com algumas


pessoas no Lanark para solucionar alguns assuntos e partiremos para
Aer. Por que não nos acompanha junto com sua família?

Surpreendida pelo oferecimento, a jovem perguntou:

— Por quê?

Thomas entendeu sua pergunta e, com sinceridade, explicou:

— Porque não acredito que seja boa ideia que guardem joias e vão
com a mercadoria somente os três e a pequena. Eles poderiam assaltar!

A jovem sorriu. Entendia o que ele dizia, mas, sem nenhum medo
enfrentaria a quem se atrevesse a tentar os roubar.
— Agradeço sua preocupação, mas não precisa.

— Alison, meu marido tem razão — falou Regina. — Os caminhos


são perigosos.

Mas Alison negou com a cabeça.

— Agradeço-lhes, de verdade, mas calma, sabemos nos defender.

Sem perder o sorriso, Thomas finalmente assentiu. O incomodava


separar-se da moça, temia por ela. Mas, consciente de que neste
momento pouco podia fazer, retrucou:

— De acordo. Só espero que quando passar por Aberdeen venha


nos visitar... e para qualquer eventualidade somos seus tios!

Alison riu. Sem dúvida, em terra estava conhecendo gente muito


boa. Primeiro Demelza, Harald, Aiden e seus amigos, e agora Thomas,
Regina e a própria Carolina. Quando contasse isso a seu pai, ele não ia
acreditar!

Quando se despediram e a jovem viu que o casal se afastava com


sua comitiva, sem apear do cavalo se aproximou da carroça. A seguir
apeou e, atando o cavalo junto ao outro, cumprimentou:

— Olá, Bo. Pirata está aqui comigo.

Satisfeita pela bonita noite que tinha tido, aproximou-se da


fogueira e se sentou perante ela para esquentar as mãos. Fazia frio, por
isso jogou vários pedaços de madeira no fogo para avivá-lo.

Estava pensando em tudo aquilo quando voltou a cabeça e olhou


para Gilroy, que dormia como uma pedra debaixo da carroça, e vendo
que tinha uma perna fora da manta, levantou-se para cobri-lo. Ia
sorrindo quando de repente o sorriso congelou notando manchas
escuras junto à perna de Gilroy. Tocou-as e, seus dedos ficaram
vermelhos, alarmou-se e se apressou a descobri-lo. Imediatamente, seu
coração se encolheu ao vê-lo ensanguentado e, horrorizada, gritou
chamando por seu tio Matsuura.

Sem tempo a perder, com esforço tirou Gilroy de debaixo da


carroça e com a alma em alerta comprovou que, apesar de ter o rosto
cheio de sangue, respirava.

Com o coração a mil, ouviu de repente cascos de cavalos. Ao olhar,


rapidamente viu que se tratava de Thomas, Regina e seus homens e,
horrorizada, gritou:

— Me ajudem, por favor!

Sem hesitar, eles desceram de seus cavalos e Alison, ao ver que


seu tio não respondia a sua chamada, subiu na carroça e o que
encontrou dentro a fez gritar.

Matsuura, seu adorado tio, estava coberto de sangue como Gilroy.

Mas o que tinha ocorrido?

Enquanto Regina se ocupava em ajudar Gilroy, Thomas seguiu à


moça e, tentando acalmá-la, sussurrou:

— Calma, Alison... calma.

Mas manter a tranquilidade em um momento como esse era


complicado.

A que para ela era sua família, tinha sido atacada, estavam
ensanguentados, e vendo como o japonês tentava abrir os olhos, Alison
olhou a seu redor procurando por Sigge.

Thomas, como ela, revolveu as mantas, mas a menina não estava


ali. Não a encontravam. E então Matsuura, a quem haviam lhe dado
uma boa surra, conseguiu sussurrar em um fio de voz:
— Vá ao rio...

— O quê?!

O japonês, olhando o acompanhante da jovem, insistiu:

— Vão ao rio!

Alison olhou aterrorizada para Thomas e, quando este ia falar,


dirigiu-se de novo a seu amado tio e perguntou:

— A menina está no rio?

Matsuura assentiu e, sem pensar, ela saltou da carroça e correu


para lá.

Thomas se dispunha a ir atrás dela quando o japonês, pegando-o


por braço, sussurrou:

— Sei quem você é.

Os olhares de ambos se encontraram, e a seguir o governador


retrucou:

— Como pode sabê-lo? Passou muito tempo.

Ambos ficaram silêncio até que Matsuura murmurou:

— Passe o tempo que passar, o olhar de pessoas boas perduram,


e o teu segue intacto. Ajude-a.

Thomas assentiu comovido por suas palavras e, depois de lhe


indicar que não se movesse, desceu da carroça e se dirigiu a um de
seus homens:

— Evander, vá à casa e traga o Michael! Ele os atenderá. — Depois


olhou para sua mulher, que cuidava de Gilroy, e antes de correr para
onde tinha ido Alison, indicou: — Não se mova daqui.

Regina assentiu e Thomas se afastou o mais rápido que pôde.


Sem fôlego, Alison chegou até o rio. Não entendia o que tinha
acontecido, do mesmo modo que tampouco entendia que fazia Sigge ali.
Na borda, olhou a seu redor. A noite era escura e parecia ser impossível
ver algo.

Assustada pelo que pudesse encontrar, Alison procurava com as


pulsações a mil, olhava, mas não via nada. Tudo estava escuro a seu
redor.

Onde estava a menina?

Thomas chegou até ela, e esta gritou fora de si:

— Não... não a vejo, não a vejo!

Entendendo seu desespero, Thomas se uniu à complicada busca


da pequena, e de repente um vulto sob uma árvore chamou sua
atenção.

Depois de mostrar a Alison, juntos se aproximaram e a jovem,


morta de medo pelo que pudesse encontrar, se agachou e descobriu à
pequena envolta em uma manta úmida.

Rapidamente a pegou e, aproximando seu rosto da menina,


comprovou que sangue não tinha, mas estava fria. Gelada. Não se
movia.

E se tivesse morrido de frio?

Horrorizada, olhou para Thomas. Desejava chorar, mas não era o


momento e, como pôde, sussurrou:

— Sigge... Sigge... Não, por favor... por favor...

Depois de segundos, a menina, ouvindo seu nome, abriu


lentamente os olhos e a olhou. Sem tempo a perder, Thomas tirou o
casaco que usava e disse estendendo-lhe.
— Abrigue-a. Precisa de calor.

Tiritando pelo medo, o susto e o horror, Alison fez o que ele lhe
pedia, mas, sem tempo a perder, pôs-se a correr de volta à carroça.
Matsuura e Gilroy precisavam dela e devia fazer com que a menina se
esquentasse.

Desta vez, ao chegar à carroça encontrou tio Matsuura no chão


junto a Gilroy e Regina. A mulher os atendia. Limpava-lhes com água
e um pano o sangue do rosto para avaliar suas feridas quando soaram
os cascos de vários cavalos. Ao olhar, Thomas viu que se tratava de
Evander, que trouxe Michael, o médico.

Matsuura, que tinha um olho fechado por causa de um golpe,


apressou-se a perguntar ao ver sua sobrinha:

— Está bem? Sigge está bem?

Embora não estivesse realmente certeza, Alison assentiu e,


precisando saber, perguntou a sua vez:

— O que aconteceu, tio? Quem lhes fez isto?

O homem tentou falar, mas a dor que sentia nas costelas não o
permitia.

— Deixemos que o médico o atenda e falaremos com ele —


explicou Thomas intervindo.

Alison assentiu e então Regina se aproximou deles.

— A menina deve estar empapada — disse. — Terei que mudar


sua roupa o mais rápido possível.

Alison afirmou com a cabeça, Regina tinha razão, e subindo à


carroça, procurou entre a pouca roupa que tinha de Sigge e, com
delicadeza e amor, mudou-a. Por fim, a jovem comprovou que suas
escassas mercadorias seguiam ali, por isso imediatamente soube que
aquilo não se tratava de um roubo.

Um bom momento depois, quando o médico atendeu Gilroy e


Matsuura, que por sorte não tinham nada quebrado, mas estavam
muito machucados, enquanto Regina embalava à pequena Sigge,
Alison se aproximou do japonês.

— Tio, o que ocorreu?

Matsuura, que a cor tinha retornado a seu rosto, percebendo que


a moça e Thomas o olhavam, declarou:

— Ouvi ruídos. Vi movimento na escuridão e soube que iriam nos


atacar. Por isso levei Sigge para o rio. Afastei-a daqui por medo de que
lhe fizessem algo. Mas, ao retornar, vários homens golpeavam Gilroy.
Tentei dar batalha, mas eram muitos.

Alison movia a cabeça horrorizada, e Matsuura sussurrou:

— Conrad McEwan me disse que agora virá por você.

Alison levantou o queixo. Agora entendia tudo. Aquele descarado,


zangado pelo ocorrido essa noite na festa dos Cunningham, tinha
decidido fazer revanche. Sua carranca de susto mudou para o de
vingança, e incapaz de calar sibilou:

— Sua hora de morrer chegou.

Thomas se alarmou ao ver a expressão de Matsuura. Se alguém


conhecia Alison, era ele, e quando ia falar, o japonês, pegando
rapidamente a jovem pela mão para detê-la, disse:

— Shensi, não o faça.

— Odeio-o, sabe — replicou ela zangada.


Matsuura assentiu, sabia perfeitamente, mas insistiu:

— Nenhum dos que a amamos desejamos que manche suas mãos


com seu sangue, Alison...

Mas a jovem já não escutava. A sede de vingança tomou conta


dela e, soltando-se da mão de seu tio, sibilou:

— O momento tinha que chegar e já chegou.

— Alison — insistiu ele. — Matá-lo só te trará problemas. Estamos


em Escócia. Recorde-se!

— Sei onde estamos, e tanto faz! — Gritou ela.

— Shensi, maldita seja, pensa!

Isso a fez negar com a cabeça, e cuspiu:

— Como eu disse, sua hora chegou.

Matsuura, vendo que ela começava a caminhar para seu cavalo,


gritou sem poder mover-se:

— Shensi! Me olhe. Shensi!

Mas ela não o olhou e Thomas, consciente do que estava para


acontecer, disse dirigindo-se a ele:

— Calma. Irei com ela. Não permitirei que manche suas mãos de
sangue.

Em seguida, depois de olhar para sua mulher, que continuava


embalando à pequena, disse falando com seu homem de confiança:

— Evander, que meia dúzia de homens se encarreguem de


transladar a minha esposa, à menina e os feridos à casa com discrição.
Você e o resto, nos acompanhem.
Ao dar as ordens pertinentes, Thomas se aproximou de sua
mulher e, ao ler em seus olhos o que queria lhe dizer, ela deu um beijo
nos seus lábios e murmurou:

— Ajude-a.

Disposto a isso, Thomas se aproximou do lugar onde a jovem,


depois de tirar o vestido e vestir suas calças, armava-se.

— Deveria se asserenar, pensar e inclusive chorar — lhe


aconselhou.

— Eu não choro — replicou ela e, vendo como a olhava,


esclareceu: — Me ensinaram que chorar debilita e deixa a descoberto
sua fragilidade.

— Equivoca-se, Alison. Chorar é necessário, porque sua alma e


seu corpo agradecem que libere suas emoções.

Ela negou com a cabeça e sibilou:

— Chorar é dos débeis, e eu não sou débil.

O homem não respondeu. Estava claro que a moça tinha se criado


com dureza.

— Acompanhar-te-ei — explicou depois de tomar ar.

— Não precisa — retrucou ela furiosa. — Eu me ocuparei desse


bastardo.

— Acompanhar-te-ei, queira ou não. Sei onde se aloja —


sentenciou Thomas.

Alison assentiu e não dissesse mais nada.

Poucos minutos depois, e abrigados pela escuridão da noite, a


jovem retornou a Lanark com o governador e dez de seus homens.
Na fria madrugada, as ruas de Lanark estavam desertas. Os
cascos dos cavalos ressoavam ao passar.

— Consta-me que seu navio, La Bella Escócia, está em um


embarcadouro perto de Renfrew — declarou Thomas dirigindo-se a
jovem.

Alison assentiu e ele, apontando uma grande casa que havia nos
subúrbios do povoado, indicou:

— Conrad se aloja ali.

A jovem olhou o lugar muito séria e, sabendo o que era, sibilou:

— Muito a cara dele... Um prostíbulo.

O governador a olhou em silêncio. A raiva, a fúria e a


determinação que viu na moça arrepiaram os pelos de todo o seu corpo.
Ia ajudá-la. Tinha que fazê-lo, e exclamou:

— Alison, acredito que...

— Thomas — o cortou ela. — Nada do que me diga evitará que


faça o que estou disposta a fazer. Esse bastardo não só matou meu tio
Ragnar, mas também tentou me matar. E hoje você mesmo viu suas
más ações. Se não matou o tio Matsuura e Gilroy foi porque queria que
eu soubesse que tinha sido ele. Pois bem, fui informada e vai morrer.

— Com certeza te espera.

Alison assentiu.

— E a morte o espera.

Aquela determinação lhe soava forte. Ela levava os gens guerreiros


de seus progenitores e, comovido e maravilhado, calou.

Antes de chegar ao prostíbulo viram que havia vários homens


rodeando estrategicamente o lugar, e Evander disse olhando-os:

— Ocupar-nos-emos deles.

Thomas assentiu e, junto a Alison, observou como seus homens


se aproximavam deles e, depois de golpeá-los, caíam ao chão sem
sentidos.

Depois de assegurar-se de que não havia mais homens fora da


casa, Evander se aproximou de Thomas e anunciou:

— O exterior está limpo, meu senhor.

Thomas assentiu.

— Prossigamos.

Uma vez no prostíbulo comprovaram que tudo estava calmo.

Pela hora que era, a grande maioria dos homens que estivessem
naquela casa já estariam dormindo ou bêbados, e, depois de apearem
dos cavalos, Thomas ordenou:

— Evander, que entrem dois homens. Quero o salão livre. O resto


que rodeie a casa. Que ninguém, ninguém absolutamente, entre ou
saia dela.
— Sim, meu senhor — afirmou aquele.

Rapidamente deu a ordem a dois dos homens e, segundos depois,


estes desapareceram no interior do prostíbulo. Não demoraram para
sair e indicar:

— Salão livre.

Alison assentiu agradecida e Thomas disse olhando-a:

— Vamos, entremos.

Como era de esperar, ali havia homens bêbados dormindo sobre


mesas e outros no chão. A proprietária do prostíbulo, sem entender o
que ocorria, aproximou-se dos recém-chegados e, ao reconhecer ao
homem que acabava de entrar, sussurrou sem acreditar:

— Governador... honram-me com sua visita.

Thomas assentiu e perguntou olhando-a:

— Como se chama?

Ela, consciente de quem Thomas era, respondeu sobressaltada


porque se ele encontrasse em seu prostíbulo:

— Hermione, senhor.

Thomas assentiu e, tirando algumas moedas de ouro do bolso, as


mostrou e disse:

— Hermione, qual é o quarto do capitão Conrad McEwan?

Olhando com avidez as reluzentes moedas, ela respondeu:

— Primeiro andar, terceira porta à esquerda, senhor. — E sem


hesitar sussurrou: — Há um homem apostado frente à sua porta.

Depois de ouvir a resposta, Evander se dirigiu a toda pressa ao


primeiro andar, e Alison perguntou:
— Qual é o quarto do capitão Julian Andersen?

— Esse não se aloja aqui, milady — disse a mulher depois de


pensar um pouco. — Só está o capitão McEwan.

Alison assentiu e, quando ia encaminhar-se para o quarto,


Thomas a deteve e, olhando à mulher, mostrou-lhe um saquinho de
moedas e acrescentou:

— Aconteça o que acontecer e ouça o que ouvir, você não nos viu
nem estivemos aqui.

Sem questionar nada, a mulher assentiu enquanto olhava o


saquinho que ele lhe mostrava. A quantidade que intuía que havia
dentro ela não ganhava nem em um ano, e quando ia pegar Thomas o
retirou e instruiu:

— Hermione, se não cumprir o combinado, morrer será o menor


de seus problemas.

Ouvir isso fez com que ela o olhasse e afirmasse:

— Têm minha palavra, senhor. Juro-lhe.

Ele assentiu e Alison, dirigindo-se à mulher, perguntou:

— Conrad está acompanhado?

— Está com Wenona.

Thomas e ela se olharam, entenderam-se sem falar, e o


governador pediu:

— Nos acompanhe, Hermione. Precisamos de Wenona fora do


quarto.

— Sim, meu senhor.


Quando entregou o saquinho de moedas à mulher, os três se
encaminharam para a parte esquerda do prostíbulo, onde estava a
escada. Nesse instante Evander descia por ela arrastando um homem,
e indicou:

— Meu senhor, pode subir.

Alison, ao olhar fixo Evander viu que tinha sangue no seu


pescoço, deteve-o e murmurou:

— Por Tritão... está bem?

O escocês, consciente da pergunta, afirmou com um sorriso.

— Sim, milady...

— Alison — o corrigiu ela.

— Alison — disse ele ao ver que Thomas assentia. — É


simplesmente um arranhão.

Ambos sorriram e ele continuou seu caminho.

O governador, que observava em silencio antes de começar a subir


a escada, parou Alison e ia falar quando esta, lendo ao pedido em seu
olhar, exclamou:

— Agradeço-te a ajuda, mas nada do que diga fará com que eu


mude de opinião.

— Seu tio disse que nem seu pai, nem...

— Thomas — o cortou ela, — me deixe continuar.

Embora mal a conhecesse, mas consciente de que ela não ia se


deter por ninguém, finalmente o homem assentiu e, em silêncio,
subiram ao primeiro andar.
Assim que alcançaram a terceira porta à esquerda, Alison e
Thomas se esconderam atrás das cortinas, e, depois de um sinal,
Hermione deu pequenos golpes na porta e proferiu alto e claro:

— Wenona, preciso de você por um momento.

Aguardaram segundos sem fazer ruído, até que a porta se abriu e


apareceu uma jovem alta de belos cabelos escuro que, olhando para
Hermione, perguntou:

— O que acontece?

A mulher, vendo que a garota não se precaveu da presença deles


que se ocultavam atrás das cortinas, disse então:

— Preciso que arrume meu cabelo. Acabam-me de avisar de que


está vindo um de meus melhores clientes e tenho que recebê-lo como é
devido.

Wenona sorriu. Sua patroa tinha clientes bastante enriquecidos e


ela esperava que algum dia a observassem e, vendo que o soldado que
sabia que estava de guarda na porta tinha saído, perguntou:

— E o homem do capitão McEwan?

Hermione encolheu os ombros.

— Faz um momento que desceu para refrescar a garganta.

Surpreendida, a moça ia voltar-se para comentar com seu cliente


quando ela insistiu pegando-a:

— Tenho pressa, Wenona, vamos!

A prostituta, vendo que seu cliente estava dormindo, seguiu sua


patroa. Assim que a penteasse, retornaria.
Assim que ficaram sozinhos no corredor, Thomas e Alison saíram
de trás das cortinas e se dirigiram para o quarto. Quando Wenona
saíra, Hermione tinha se assegurado de deixar a porta entreaberta.

Disposta a tudo, Alison pegou o pomo para entrar. O silêncio do


quarto, em que só se ouvia o crepitar do fogo da lareira, arrepiou os
pelos de todo seu corpo. Apesar de tratar-se de um prostíbulo, a casa
estava quente e era acolhedora, nada que ver com sua carroça. E,
olhando a cama, viu Conrad dormindo como sua mãe o trouxe para o
mundo.

Thomas e ela entraram e, depois de fechar a porta, Alison se


aproximou da cama e, tirando uma adaga da bota, pôs a mão sobre a
boca dele para que não chiasse e, quando abriu os olhos, lhe mostrou
a adaga e o cumprimentou.

— Olá, asqueroso saco de merda.

Conrad se sobressaltou ao vê-la. Como tinha entrado?

Sabia que viria por ele, assim tinha planejado, mas como tinha
chegado até ali?

E, depois de afastar-lhe, levantou-se da cama e, olhando para


Thomas, murmurou:

— Governador McBouden, o que faz aqui?

Ele não respondeu. Alison, levantando uma perna, deu um chute


no estômago de Conrad que o fez cair de traseiro no chão.

— Maldita seja... — queixou-se ele.

A jovem sorriu e sibilou olhando-o com asco:


— É o pior rato que já vi em minha vida. O ser mais desprezível
que tive a desgraça de conhecer. Como é covarde de atacar tio
Matsuura e Gilroy?

Conrad, de certo modo calmo pela presença de McBouden ali,


levantou-se do chão disposto a revelar algo que certamente o
governador não sabia.

— Governador, quando eu disser quem é esta mulher, tenha por


certo que irá me agradecer por isso.

Alison soprou e, lhe dando um novo chute que o fez cair outra vez
ao chão, grunhiu:

— Se centre em me responder, maldito covarde.

De novo, Conrad se levantou e sibilou:

— Sabe o governador que você não é Alison Wilson, e sim Alison


Moore, a filha do procurado e sanguinário capitão pirata?

— Se cale! — Exclamou ela.

Mas ele insistiu vendo como o governador os observava e se moveu


por segundos.

— Governador, esta mulher é a Joia Moore, uma maldita pirata


procurada por sua ambição, seus assassinatos e...

Não pôde dizer mais, pois a jovem se aproximou dele e,


levantando-se para estar a sua altura, apertou os punhos e deu-lhe
uma cabeçada. O golpe fez com que Alison sentisse tontura e que
Conrad caísse ao chão pela terceira vez.

Thomas, horrorizado ao vê-los, foi ajudar a jovem, mas ela


deixando cair escarranchada sobre Conrad, sentou-se em cima dele e,
cravando a adaga no seu ombro direito, resmungou sem se importar
com as consequências do descobrimento de sua identidade ante o
governador e ao que lhe conduziria:

— Sim, Thomas, sou quem este verme diz. Sou Alison Moore, a
filha do Jack Moore. Mas só pelo fato de vê-lo retorcer-se de dor sob
minhas mãos e matá-lo merecerá a pena tudo o que posteriormente me
possa acontecer.

O governador tomou ar, e Conrad cuspiu:

— Enforcar-lhe-ão, e te asseguro que a verei morrer da primeira


fila...

— Enforcar-me-ão, oh! Morrerei, de acordo! Mas asseguro que isso


você não verá.

Enquanto observava a carranca desconcertada do governador,


Conrad sorriu apesar da dor. A revelação de quem ela era com certeza
o estava alarmando e, quando ia falar, Alison sibilou cega pela
vingança:

— Porco de merda. Nem meu pai é o sanguinário homem que


dizem nem eu tampouco sou. E, já que estamos revelando nossas
verdadeiras identidades, acredito que o governador merece saber que
você, Conrad McEwan, que todos em Escócia acreditam ser um
comerciante honrado, é na verdade Conrad, o Bonito, um pirata que
rouba, sequestra e mata junto com Julian Andersen só pelo maldito
desejo de ter mais e mais. Nos últimos anos você e seu sequaz
interceptaram navios da Coroa escocesa para saqueá-los, afundá-los
com sua tripulação e, depois, fazer correr o boato de que tinha sido
meu pai e sua frota.

— Mentira! — Gritou ele.


— Mentira?! — Zombou ela, e, aproximando o rosto do dele, disse:
— Para sua desgraça, não só meu pai e eu sabemos. — E, lhe cravando
outra adaga no outro ombro, espetou vendo-o retorcer-se pela dor — E
isso é por tio Ragnar, tio Matsuura, Gilroy e Sigge. E o olhando nos
olhos digo que sua hora chegou, maldito saco de merda.

Dolorido, mas tirando forças de sua fraqueza, Conrad a empurrou


com esforço e, olhando para Thomas, repreendeu-o:

— Me ajude! Acabo de revelar quem ela é!

O governador, que em silêncio observava o que acontecia, ao ver


a carranca com que Alison o olhou, retrucou:

— Não penso te ajudar.

Horrorizado por aquilo, Conrad piscou e insistiu:

— Por todos os Santos, governador, acabo-lhe de dizer que esta é


Alison Moore! A Joia Moore! — E ao ver que ele não se movia,
acrescentou: — Acaso as habilidades desta mulher na cama nublaram
sua razão?

Thomas não respondeu; mal podia respirar ante as barbaridades


que o homem dizia. Conrad, que as forças falhavam, aproximou-se
como pôde de sua espada. Mover os braços lhe parecia quase
impossível. Ela o tinha ferido conscienciosamente. Sabia onde cravar
as adagas para tê-lo como agora, mas, tirando forças, levantou com
estupidez a espada e sibilou:

— Disse-lhe princesa...

— Não me chame assim — soprou Alison furiosa enquanto ele lhe


aproximava de maneira intimidatória.
— Com suas artes de prostituta enfeitiçou o governador, mas isto
não vai ficar assim. Gritarei tão forte para revelar sua identidade que
alguém me ouvirá, maldita Joia Moore. É uma pirata. Uma vil e
sanguinária pirata como seu pai, que vive apoderando-se do alheio, e
que sem dúvida terá que ser tratada como uma puta como em seu
tempo foi sua mãe e...

Os passos do Conrad se detiveram em seco e seus olhos se


arregalaram quando de repente borbulhas de sangue lhe encheu a
boca. Alison o olhou sem acreditar e então comprovou que uma espada
atravessava o corpo dele, e que em um instante caiu sem vida ao chão.

Então a jovem se precaveu de que Thomas tinha sua espada na


mão e, olhando-o, murmurou:

— O que fez?

Consciente do ocorrido, ele ia responder quando ela gritou


endurecendo o tom:

— Era meu. Meu!

— Alison...

— Eu devia matá-lo, eu! Só eu!

— O fiz por você — retrucou ele.

— Por mim?

Thomas assentiu, aproximou-se dela e, pegando seu queixo para


que o olhasse, indicou:

— O fiz por você, Alison. Eu tampouco queria que sujasse as mãos


com seu sangue.
Ela o olhou sem acreditar. Não entendia o que tinha acontecido;
então, vendo as mãos dele, sussurrou:

— Mas... mas, Thomas, agora suas mãos estão manchadas de seu


sangue por minha culpa.

Ele assentiu. Aquilo não lhe preocupava absolutamente, e com


segurança retrucou:

— Sua vida me importa. A dele e seu sangue não.

Permaneceram em silêncio olhando o morto no chão, até que de


repente Thomas indicou:

— Temos que sair daqui.

Ela não se moveu e ele insistiu:

— Conrad McEwan está morto e nós temos que partir.

A jovem o olhou sem entender e, perturbada, perguntou:

— Por que sabendo quem sou me ajuda?

— Porque todos temos segredos.

Boquiaberta, Alison cada vez compreendia menos. Só sabia que


Conrad estava morto.

— Meus homens farão parecer que foi um ajuste de contas e, me


acredite, ninguém questionará. Conrad também tinha muitos inimigos
em Escócia. A ninguém estranhará o seu final.

Alison assentiu.

Estava claro que pessoas más existiam em todos os lados, e


quando ia dizer algo Thomas insistiu:

— Vamos, quando chegarmos à casa falaremos. Prometo


responder a tudo o que me perguntar.
Com curiosidade, finalmente a jovem assentiu e, olhando Conrad,
que jazia morto com os olhos abertos, cuspiu-lhe na cara.

— Olho por olho e dente por dente. Adeus, maldito bastardo.

Abriu a janela e se dirigiu a Thomas:

— É um primeiro andar; atreve-se a saltar?

— A dúvida me ofende, jovenzinha — replicou ele divertido. — Mas


melhor saiamos por onde entramos. Está tudo controlado.
Quando, um bom momento depois, Thomas e Alison chegaram à
casa onde o governador se alojava, entregou seu cavalo a Evander.

— Alegra-me que foi só um arranhão — murmurou olhando o


pescoço. Ele sorriu e a jovem, agradecida, acrescentou: — Muito
obrigada por tudo.

O escocês a olhou.

— Sempre que necessitar de mim, aqui estarei... Alison.

Ela sorriu e, enquanto ele se afastava com os cavalos, Thomas


cochichou olhando-a:

— Ora... sem dúvida Evander caiu rendido a seus pés.

Sorrindo por aquilo, ambos entraram na casa.

O calor do lugar fez com que seu frio corpo se esquentasse em um


instante, e mais quando Alison viu Regina com Sigge nos braços. A
mulher se aproximou deles imediatamente ao vê-los aparecer.

— Gilroy e Matsuura estão bem e descansam lá em cima — os


informou.

Alison assentiu, e, depois de olhar à pequena, que dormia calma,


retrucou:
— Quero subir para vê-los.

— Segundo andar, quarta porta à direita — disse Regina. — O seu


quarto e de Sigge é a quinta porta à esquerda. Se por acaso quiser se
refrescar.

Com um sorriso, Alison agradeceu e subiu os degraus de dois em


dois.

Ao entrar no confortável quarto, aproximou-se de Gilroy e


comprovou que estava dormindo, mas bem. Era evidente que tinham
lhe dado uma boa surra, mas, conhecendo sua fortaleza, em dois dias
estaria curado.

— Está bem... calma.

Alison sorriu ouvindo a voz de Matsuura e, voltando-se para olhá-


lo, ao ver o olho fechado dele, murmurou:

— Tio...

Sem mais, dirigiu-se para sua cama e o estreitou entre seus


braços. Abraçar aquele homem que tanto amava era como abraçar seu
pai, e quando se separaram perguntou preocupada:

— Como está?

— Como se uma baleia cinza tivesse me esmagado — retrucou ele.

Ambos sorriram e Matsuura disse:

— O que aconteceu?

— Conrad está morto — disse a jovem.

Matsuura assentiu e ela acrescentou:


— Antes de morrer, disse a Thomas quem eu era, mas,
surpreendentemente, isso não teve importância ao governador.
Inclusive o matou por mim.

— O quê?!

— Disse que ele tampouco queria que minhas mãos se sujassem


com seu sangue.

Matsuura se emocionou.

— Eh... o que acontece? — Quis saber Alison.

— Esse Thomas é um bom homem. A bondade segue intacta em


seu olhar. Agradecer-lhe-ei eternamente pelo o que fez por você.

Tentando entender, a jovem assentiu e a seguir disse:

— Há algo que não compreendo. Desde o primeiro instante em


que me viu na festa de Edimburgo se preocupou comigo. E hoje, mesmo
sabendo que sou Alison Moore, matou Conrad. Não parece estranho?

— Alison...

— Inclusive me disse que falaremos e responderá as minhas


perguntas.

Matsuura, que às vezes recorria mais pelo silêncio do que pelo que
dizia, certo de que Thomas teria uma conversa esclarecedora com ela,
falou olhando-a aos olhos:

— Fale com ele. Pergunte o que precisa e saberá.

Alison assentiu e, depois de lhe dar um beijo na bochecha,


sugeriu:

— Agora descansa. Precisa-o.


Matsuura assentiu, estava moído, e quando ela saiu do quarto
com uma tranquilidade que não tinha tido desde que Conrad apareceu
em sua vida, sorriu.

Depois de passar por seu quarto para refrescar-se e trocar-se de


roupa, Alison desceu a sala de jantar, onde sabia que a esperavam.
Tinha quase amanhecido. A noite tinha sido dura e complicada. Mas,
ao chegar a sala de jantar e ver Thomas e Regina com Sigge, se
aproximou e sugeriu:

— E se forem vocês a família de Sigge?

Eles sorriram olhando à pequena e a mulher apontou à menina,


que dormia sobre uma manta, e declarou:

— Sigge já tem uma mamãe. E essa é você, minha querida Alison.

Isso a emocionou. Ser a mãe daquela pequena que sem dúvida


daria a vida por ela podia ser algo incrivelmente bonito.

— Se não se importam, levarei Sigge ao quarto e irei dormir —


anunciou então Regina dando um beijo em seu marido. — Estou
esgotada.

Com um sorriso, Alison se despediu e, quando o homem e ela


ficaram a sós, a jovem se dirigiu a ele.

— É-me impossível ser a mãe de Sigge, e acredito que esta noite


ficou claro o porquê.

— Na vida, o único impossível é o que não se tenta — retrucou ele


balançando a cabeça com um sorriso.

Em seguida apontou a mesa, onde havia leite, cereais e uma


espécie de bolacha, e disse:

— Repor forças nos cairá bem.


— Provavelmente — assentiu ela.

Comeram em silêncio, até que Thomas perguntou:

— Como você está?

— Estranha — respondeu Alison, que esclareceu: — Tenho


sentimentos duplos que não sei como interpretar. Por um lado, estou
feliz porque esse saco de merda que tanto dano me fez morreu e, por
outro, zangada porque sua morte não foi por minha mão.

Thomas, que a entendia perfeitamente, murmurou:

— Acredite ou não, a morte dele foi por você.

— Mas...

— Você o decidiu, Alison. Eu só o executei.

— Mas eu queria executá-lo.

Thomas assentiu e, olhando-a, sentenciou:

— Sua raiva, seu desejo de vingança e seu arrojo nos levaram até
ele. Minha espada só fez o que sua mente desejava. Fica certo que ele
morreu porque você decidiu assim. Aceite isso.

A jovem assentiu. Sabia que de certo modo tinha parte de razão


e, agradecida, sussurrou antes de seguir comendo:

— Obrigada, Thomas.

Comovido por seu belo olhar, o homem sorriu.

Durante um momento guardaram silêncio de novo, e depois


Thomas perguntou:

— Voltará a se encontrar com o homem com quem se divertia em


Edimburgo?
Alison se deteve, pensando.

— Refere-se a Harald? — Thomas afirmou com a cabeça. —


Duvido que voltemos a nos ver — concluiu ela.

— Por quê?

— Porque minha vida é complicada.

O governador assentiu e ela acrescentou:

— Se não me delatar, em um tempo retornarei à La Bruxa del Mar


porque assim prometi a meu pai, e, se por acaso isso não for
suficientemente frustrante, intuo que horrorizo Harald como mulher.

Desejoso de saber o que ela tinha prometido a seu pai, Thomas


levantou as sobrancelhas e ela continuou com sua graça habitual:

— Harald pensa que sou ousada, descarada e excessivamente


respondona. Não vou esconder que ele me atrai. É um homem com um
físico espetacular. Tão alto, tão atraente, com olhos tão imponentes,
com os cabelos loiro e...

— Sem lugar a dúvidas, chamou sua atenção — zombou Thomas.

Ambos riram por aquilo e ela acrescentou:

— E como pessoa me pareceu um homem leal, calmo, e alguém


que se pode confiar. Mas sejamos sinceros, Thomas, agora que sabe
quem sou, realmente acredita que se ele soubesse a verdade quereria
algo comigo?

Ele não respondeu, e ela disse com sua habitual sinceridade:

— A resposta é não. Sou a filha do capitão Moore. A maldita pirata


sanguinária, a Joia Moore, e ninguém, absolutamente nenhum homem
visse tudo com um par de dedos a sua frente, não quereria nada de
verdade comigo.

— Vejo que só você diz isso tudo de si mesma — retrucou Thomas


enquanto partia um bolo em várias partes.

Depois de pegar a parte que ele lhe estendia, Alison deu uma
dentada e retrucou:

— Se algo aprendi na vida é distinguir entre a realidade e os


sonhos. Sonhar é fácil. A realidade é outra coisa.

Thomas assentiu, e por fim ela perguntou olhando-o:

— Como sendo governador das Highlands e sabendo o que sabe


de mim está tão calmo?

— Tenho que te temer? — Zombou ele.

— Por que não me captura e me delata? — Insistiu ela sem sorrir.


— Entregar à filha de Jack Moore, o pirata que supostamente roubou,
afundou navios e matou tantos escoceses, far-te-ia muito mais popular.

Isso fez sorrir o homem, que, olhando-a fixamente, manifestou:

— Alison... Francesca... Isobel... Marguerite... Orquídea... Moore,


também conhecida entre a tripulação com o carinhoso apelido de Bug,
nunca a entregaria à justiça porque você, embora não saiba, é uma das
pessoas mais importantes de minha vida.

Isso surpreendeu a jovem, e ele, ao ver sua expressão, murmurou:

— Como te disse, todos guardamos segredos. Mas chegado este


momento, em que eu sei o seu segredo, vejo-me na obrigação moral de
te revelar o meu, e responderei a tudo o que queira perguntar.
Boquiaberta, ela deixou o pedaço de bolo sobre a mesa e, sem
afastar seus olhos negros dos dele, perguntou:

— Como é que sabe todos meus nomes e também meu apelido? E


por que sou importante para você?

Thomas tomou ar. O momento de justificar-se tinha chegado.

— Meu verdadeiro nome é Robert Williamson... — começou.

— O quê?!

— Há vinte anos ninguém me chama assim, porque para todos


sou Thomas McBouden.

— Disse «Robert Williamson»?

O homem assentiu com certo pesar.

— Com certeza terá ouvido seu pai e seus tios amaldiçoar meu
nome não uma, a não ser um milhão de vezes, e...

Alison piscou levantando-se da cadeira.

— Por Tritão! É Robert, o...?

— Sim — a cortou Thomas.

Alison o olhou sem acreditar.

— Enquanto viva, nunca me perdoarei que, por minha culpa, sua


mãe e suas tias morreram. Naquela noite celebrávamos sua chegada
ao mundo, eu bebi demais por culpa do amor que sentia por sua mãe
e... enfim, tudo o que seu pai e seus tios tenha contado é verdade.

A jovem assentiu.

Robert Williamson?
Alison tinha ouvido falar daquele homem. Conhecia o papel que
tinha desempenhado em seu passado e em sua família, mas sempre o
acreditavam morto. Entretanto, estava vivo!

Sentou-se de novo, disposta a escutar o que ele queria lhe contar.

— Papai e os tios me falaram de você, do ocorrido aquela noite,


mas agora quero saber o que tem que dizer.

Sobressaltado de como a moça o olhava, ele fechou os olhos e,


sem hesitar, contou-lhe sua versão. Falou-lhe de como conheceu
Francesca, sua mãe, na Itália, de como se apaixonou por ela e de como
ela, sendo sua noiva, apaixonou-se por seu pai.

Falou-lhe das viagens que tinham feito juntos para comprar joias
em distintas partes do mundo e de como aprendeu a viver sem ser o
marido de sua mãe. Durante um bom momento lhe falou de tudo o que
aconteceu no passado e quando terminou, declarou comovido:

— Moça, me permita te dizer que é retrato vivo de Francesca. Cada


vez que a olho, vejo a ela, e em certas ocasiões tenho que me recordar
do que aconteceu para acreditar que não é ela e sim, você, que está
frente a mim.

Alison assentiu emocionada. Por toda sua vida cresceu ouvindo


isso.

— Não é o primeiro que me diz isso.

— Imagino... Imagino...

A seguir ficaram em silêncio e ela declarou:

— Quero que saiba que a versão de papai e os tios coincide


plenamente com a tua. Agora posso comprovar que se rodearam da
verdade. Podem seguir zangados ou não contigo, mas tenha por certeza
que você não disse nada que eles não tivessem me contado.

Satisfeito, Thomas prosseguiu:

— Quando me expulsaram do navio em Génova só queria morrer.


Durante meses vivi à espera de que me matassem a qualquer
madrugada em um beco como um rato, até que uma manhã despertei
em uma abadia.

— Uma abadia?

— Sim, moça. — Ele sorriu. — Na abadia de São Columba12. O


padre Ludovico me viu atirado na rua, teve piedade de mim e me levou
consigo. Graças a ele e a suas contínuas conversas, conseguiu que
parasse a destruição que eu mesmo tinha criado em meu interior pela
sensação de culpabilidade. Como me disse o padre Ludovico, eu amava
a sua mãe, seu pai, a seus tios, e o ocorrido foi uma fatalidade do
destino. Segundo ele, devia perdoar a mim mesmo porque, embora isso
não mudaria o passado, mas poderia me ajudar a caminhar para o
futuro.

— Valioso conselho — apontou Alison. — Papai e os tios acreditam


que você está morto. Algumas vezes os ouvi dizer.

Thomas assentiu.

— Com razão Matsuura, quando me viu, olhava-me dessa forma.

— Como?! — Perguntou a jovem.

— Matsuura sabe quem sou. Reconheceu-me e me pediu que te


ajudasse.

Alison assentiu. O japonês não deixava de surpreendê-la.


Ambos se olharam nos olhos. Agora a jovem entendia por que esse
homem a tinha tratado com tanto respeito e carinho desde o primeiro
momento.

— Possivelmente me coloque onde não devo — acrescentou ele, —


mas o que faz em terra e não em La Bruxa del Mar com seu pai? E o
que é isso de que tem que retornar?

— Soube que Conrad estava em Escócia — contou Alison. — E


como por desgraça tio Edberg morreu e me deixou com a Sigge, com a
desculpa de buscar um lar para pequena planejei vir aqui. Nem tenho
que dizer que meu pai se negou. Escócia era o último lugar que queria
que viesse pelo que já sabe, mas eu me empenhei e consegui. Quero
que saiba que sempre tinha desejado estar em terra firme mais de uma
semana. O lugar tanto fazia, mas felizmente foi Escócia.

— Mas, Alison, é perigoso para você. Se alguém souber quem é,


sua vida correrá perigo.

A jovem assentiu e, sem se importar, respondeu:

— Sei, Thomas. Mas, sendo a filha de Jack Moore, quando minha


vida não corre perigo?

O homem assentiu, mas insistiu:

— Moça, foi imprudente.

— Provavelmente. — Ela sorriu e continuou: — Como meu


capitão, papai me concedeu seis meses de liberdade. Nesse tempo meu
plano era matar Conrad, procurar um lar para Sigge e aproveitar
vendendo minhas joias e minhas caixas de madeira lavradas pela
Escócia antes de retornar à La Bruxa del Mar.
Thomas assentiu e, pensando no homem loiro que fazia o rosto da
jovem se iluminar só em mencionar, perguntou:

— E se você se apaixonar ou ele se apaixona por você, retornará


também ao navio?

— Ninguém vai se apaixonar por mim — assegurou ela.

— Como você mesma pode comprovar, Evander caiu rendido a


seus pés — insistiu Thomas.

Ouvir isso fez com que a jovem sorrisse, e ele falou:

— E se esse gigante loiro que tanto a impressionou também


render-se?

Imediatamente ela soube que falava de Harald.

— Me acredite, esse seria o último homem no mundo que se


apaixonaria por mim.

Thomas soltou uma gargalhada. Estava claro que a moça não era
muito experiente sobre assuntos amorosos e quando ia perguntar, ela
o interrompeu:

— Me conte o que aconteceu em sua vida todos estes anos. Quero


saber.

Ele, agradecido pelo carinho que via em seu olhar, mesmo


sabendo quem era, disse:

— Durante dois anos trabalhei como jardineiro na abadia. Ter a


mente ocupada em outras coisas que não fossem meu próprio
sentimento de culpabilidade era bom para mim, até que um dia um
familiar de um dos religiosos foi visitá-lo e lhe disse que procurava
homens para um de seus navios, para transportar mercadoria por toda
a costa italiana. Sem hesitar, arrolei-me. Assim passaram três anos
mais, até que em uma dessas viagens uma terrível tormenta nos
surpreendeu e partiu a embarcação em duas.

— Raios e centelhas! — Exclamou Alison.

Ela, que conhecia o mar e sua bravura, sabia o terrível que a


tormenta deveria ter sido para partir o navio pela metade.

— Pensei que meu final tinha chegado — continuou Thomas, —


mas depois de passar vários dias à deriva seguro a uma tabua,
pescadores me recolheram e me levaram até a praia do Palermo. As
lembranças estavam desorientadas, eu estava assustado e gelado, e
então compreendi que Robert Williamson tinha morrido. O navio em
que eu estava tinha desaparecido e todos me acreditariam morto.
Quando me perguntaram meu nome, não duvidei em responder que
era Thomas McBouden. — Alison sorriu e ele cochichou: — Se há algo
que não posso esconder é meu sotaque escocês... — Ambos soltaram
uma gargalhada e ele prosseguiu: — Passados alguns dias transladei a
Sicília. Ali encontrei trabalho cuidando de vacas, e foi então quando
conheci Regina. Ela era a filha de um humilde padeiro e, embora no
princípio não dei atenção, pois não queria voltar a sofrer por amor, ela
deu tudo de sua parte para que eu finalmente rendesse a seus
encantos. E, sim, Alison. Deus me dava uma segunda oportunidade
para amar e deixar que me amassem, apaixonei-me loucamente por ela
e nos casamos. Passaram os anos e, embora nunca fomos abençoados
com filhos, somos felizes. Transladamo-nos a viver em Pompeia. Ali
abrimos uma padaria e tudo ia bem até que um dia de repente vi um
rosto familiar. Era seu tio Marco, o irmão de sua mãe. Segui-o pela rua,
que estava muito movimentada, e então te vi.

— Viu-me? — Perguntou ela emocionada.


Thomas assentiu e sorriu.

— Teria uns doze anos, e não me coube a menor dúvida de que


era você. Alison, a filha de Francesca e Jack Moore. Sem me deixar ver,
observei-a a distância e vi que, além de Marco, estava acompanhada de
Roe e lhe compravam coisas no mercado enquanto você ria e corria
divertida. Essa noite, quando retornei para casa contei a Regina que
tinha te visto. Ela conhece meu passado, sabe de você, de seu pai, do
amor que tive a sua mãe, sabe tudo, e aquela noite, depois de muito
falar, decidimos vir a Escócia e nos fazer um novo futuro.

— Por que, se na Itália era feliz?

— Porque algo em meu interior me dizia que cedo ou tarde, se você


estivesse em chão escocês, precisaria de mim — disse ele com os olhos
brilhando pelas lembranças, e ao ver como ela o olhava, acrescentou:
— Durante anos ouvi as coisas que se contam de seu pai, de sua frota
e, é obvio, de você. Ouvi verdadeiras barbaridades que nunca acreditei.
Conheço Jack e seus tios, e muito teriam que ter mudado para que se
comportassem assim e, muito menos, criassem a uma moça sem
coração, egoísta, caprichosa e sanguinária.

Alison sorriu e ele, olhando-a, disse:

— Na noite que te vi naquela festa em Edimburgo te asseguro que


fiquei sem fôlego. Não te esperava, mas rapidamente a reconheci.
Durante horas a observei, vi sua mãe em você, e quando não pude mais
me aproximei para falar contigo e então confirmei minhas suspeitas.
Era você. Era Alison, e não entendia o que fazia ali, rodeada de
escoceses que, se se soubessem de sua verdadeira identidade, a
matariam. Disse a Regina e ela, sem hesitar, indicou que tínhamos que
te ajudar. Você, como eu em outro tempo de minha vida, ocultava sua
verdadeira identidade e precisava ajuda urgente. Daí inventamos que
éramos seus tios. Isso daria força a sua história e ninguém te faria
perguntas incômodas porque diante de todos você é minha sobrinha.
— Ambos riram e Thomas acrescentou: — Alison, é uma guerreira,
valente, linda e fascinante, nada que ver com a louca sanguinária que
o povo fala.

Ela assentiu.

— Ouviu de que matamos às pessoas para utilizar seus crânios a


modo de terrinas para a sopa?

— O povo inventa com a boca o que não vê com os olhos —


assentiu ele.

Ambos riram de novo e Thomas continuou:

— Estou há anos seguindo suas aventuras.

— O quê?!

— Afio meus ouvidos e minha inteligência para perguntar pelo


pirata Moore e sempre há alguém que tem algo a contar. Inclusive faz
dois anos colidi contigo em um mercado na Espanha. Ver-te foi uma
surpresa para mim. Regina e eu nos aproximamos de sua barraca, onde
você, sem saber quem éramos, mostrou-nos suas lindas caixas e suas
joias. Depois de um momento contigo, compramos duas caixas de
madeira e um bonito colar que minha esposa entesoura com muito
amor.

— Sério?

— Totalmente — assegurou ele. — Como te eu disse, além de


minha mulher, Regina é minha amiga, minha confidente, é meu tudo.
Foi ela que decidiu buscar para você um passado e que falava italiano.
E... agora entenderá por que eu tampouco podia permitir que
manchasse suas mãos com o sangue daquele homem. Se seu pai ou
seus tios não estavam aqui para matar por você, eu tinha que fazê-lo.
Devia-lhes isso. Não pude salvar a sua mãe, mas podia te salvar.

Comovida pela história, ela o olhou com carinho e, levantando-se


de seu assento, rodeou a mesa, sentou-se junto a ele e o abraçou.

O homem aceitou aquele abraço desejado e murmurou


emocionado:

— Não sabe o que este momento significa para mim.

Alison assentiu com um sorriso. Ele tinha conhecido a sua mãe,


tinha-a amado, e um engano tinha feito que carregasse o peso de sua
morte. Uma morte do qual Alison nunca o tinha culpado.

— Sem dúvida mamãe estará muito agradecida pelo que fez —


declarou, — e te asseguro que quando papai e os tios souberem,
também.

Continuaram falando durante um bom tempo. Alison lhe


perguntava por sua mãe e ele contava. Saber de coisas sempre tinha
gostado, e o escutou maravilhada.

Duas horas depois, dirigiram-se para seus respectivos quartos.


Tinha amanhecido e precisavam descansar. E ambos o fizeram com o
coração calmo e cheio de felicidade.
Até que Matsuura e Gilroy se curassem da surra que lhes tinham
dado, passaram uma semana em Lanark, um tempo durante o qual
Thomas atrasou sua viagem a Aer para estar com eles. Especialmente
com Alison. Durante esses dias a jovem aproveitou da companhia de
seus novos tios, Thomas e Regina, e de Evander, que sempre que podia
se aproximava para conversar com ela.

Nesses dias correu como pólvora a notícia da morte de Conrad


McEwan. Diziam-se que tinha sido um ajuste de contas e,
surpreendida, Alison comprovou como ele tampouco era muito querido
em terra, tal como tinha dito Thomas.

Depois dessa semana, apesar de que o governador e sua esposa


tentaram convencê-la para que viajasse com eles, a jovem se negou.
Queria continuar sua viagem pela Escócia com o pouco que tinha e
ninguém a pararia.

Embora não gostasse da ideia, Thomas não continuou insistindo.


Alison era tão teimosa como foi sua mãe, e intuiu que não a ia
convencê-la. No final, depois de uma despedida carinhosa e
emocionada, McBouden partiu com sua mulher e sua comitiva para
Aer. Tinha que cuidar de assuntos da Coroa que não podia atrasar
mais.

Vários dias depois de afastar-se deles, enquanto Gilroy ia no


interior da carroça com a pequena Sigge, Matsuura e Alison conduziam
os cavalos em silêncio quando o japonês, vendo uma cidade não muito
longe, indicou:

— Acho que é Linlithgow.

A jovem assentiu.

— As moedas escasseiam, por isso é melhor que passemos a noite


nos subúrbios da cidade. Acha bom? — Sugeriu ele.

Alison esteve de acordo e, vendo uma pequena trilha, apontou:

— Certamente que por ali encontramos um bom lugar onde


preparar algo para comer e passar a noite.

Depois de chegarem a uma bonita paragem, a jovem deteve a


carroça, desceu dela, estirou as pernas e, quando ia falar, Gilroy
colocou a cabeça pelo tecido podre que cobria a parte traseira da
carroça e protestou:

— Raios e centelhas, Bug... Esta menina volta a cheirar a


podridão.

— Parece um pequeno gambá — respondeu ela rindo.

— Pois sinto te dizer que desta vez cabe a você trocá-la — falou
Matsuura.

— Nãoooooo — grunhiu Gilroy.

— Simmmm... — gritaram o jovem e o japonês.


Minutos depois, quando Gilroy fez a sua parte no pequeno
acampamento, perguntou:

— Não vamos à cidade?

— Não.

— Por quê?

Matsuura disse sem olhá-lo:

— Moço, aproveita do momento presente e da natureza.

O outro amaldiçoou, aquilo que eles propunham era terrivelmente


aborrecido, e Alison, entendendo-o, indicou olhando pedaços de
madeira que havia no chão:

— Vá à cidade e traga pão, feijões e leite. Matsuura nos fará um


guisado para jantar.

— Sim — afirmou Gilroy, — porque como você cozinha


morreremos envenenados.

A moça riu. Sem dúvidas o seu lugar não era a cozinha, e


soprando insistiu:

— Anda, vai.

Depois de desatar um dos cavalos da carroça, Gilroy partiu feliz.


Na cidade poderia tomar um gole.

Quando Matsuura pegou nos braços à pequena Sigge e a deixou


no chão, Alison, depois de sorrir para pequena, que lhe dedicou um
bonito sorriso, pegou seu arco e sua espada.

— Irei caçar algo para o jantar.

E, dito isso, afastou-se.


Depois de caçar um par de coelhos, enquanto eles coziam junto
com os feijões Gilroy trouxe, as cenouras e o alho que Matsuura tinha
acrescentado, Alison brincava com a pequena Sigge nos braços.

No tempo que estavam juntas, aproveitavam uma barbaridade


desses momentos de tranquilidade. De repente, Alison olhou para a
direita; parecia ter visto algo que se movia. Durante segundos observou
com dissimulação, mas não vendo mais nada continuou com a
brincadeira.

Quando o jantar ficou pronto, Gilroy, Matsuura, Alison e a


pequena se sentaram ao redor do fogo que fornecia calor para saborear
a comida. O aroma do guisado de Matsuura era fantástico, mas de novo
Alison viu mover os matagais. Continuou comendo, mas alerta pelo que
pudesse acontecer.

Logo os arbustos voltaram a mover-se e dessa vez Alison viu um


menino passar enquanto Matsuura comentava:

— Esse camundongo está a um bom momento nos observando.

Com um sorriso se olharam e o japonês, dando uma olhada nos


matagais, que cada vez se moviam mais, perguntou em voz alta:

— Moço, quer um pouco de guisado de coelho?

O menino não demorou para mostrar-se. Suas roupas estragadas


e seu rosto sujo e esquálido diziam tudo. Tiritava de frio. Alison o olhou
com pena, mas tentando demonstrar que não pretendiam enganá-lo,
pegou um pedaço de pão e lhe estendeu.

— Veem, se aproxime. Pode se sentar conosco, se esquentar e


comer.
O moço os olhava com certo receio, mas a fome e o frio que tinha
pareciam poder com ele. E, depois de partir o pão e guardar uma parte
no bolso da calça, aproximou-se para pegar a terrina de guisado quente
que o japonês lhe estendia e perguntou olhando-o:

— Poderei repetir?

Gilroy soltou uma gargalhada e Alison afirmou comovida:

— É obvio que sim.

Com fome, o menino começou a devorar seu prato de guisado. Em


um princípio se queimava, mas a ânsia de comer era mais, e Matsuura
sussurrou:

— Calma. Come devagar ou passará mau.

Mas ele tinha muita pressa por comer e, quando a terrina de


madeira ficou totalmente vazia, disse:

— Disse que podia repetir.

A fome que tinha o menino chamou a atenção de todos, mas


Matsuura, sem falar, voltou a encher sua terrina de guisado.

— Como se chama? — Perguntou-lhe.

— Will, senhor.

Os três adultos sorriram e Alison disse:

— E quantos anos tem, Will?

Embora incômodo por suas perguntas, ele se apressou a


responder:

— Dez, milady.

Com ânsia, o menino pegou a terrina de guisado, mas desta vez


não se sentou, ficou de pé com ela nas mãos, por isso Alison falou:
— Sente-se e coma calmamente.

O moço negou com a cabeça e deu um passo atrás.

— Eu... tenho que ir.

— Antes termine de comer — disse Gilroy.

Mas o menino, olhando o céu como se não o tivesse ouvido, deu a


volta, com tanta rapidez que seus pés se enredaram em uma raiz que
saía do chão e caiu derramando o guisado.

Rapidamente Alison se levantou para ajudá-lo, e ao ver como ele


recolhia do chão pedaços do coelho, a cenoura e os feijões com os olhos
cheios de lágrimas, perguntou:

— Se machucou?

O menino não respondeu. Só se centrava em colocar tudo o que


podia do guisado dentro da terrina e, quando acabou, Alison o segurou
por um braço e insistiu olhando-o nos olhos:

— O que acontece, Will?

Com o rosto sujo, o moço a olhou e, assustado enquanto tremia


de frio, deu um passo atrás. Alison viu desconcerto e temor em seu
olhar e, acreditando entender o que acontecia, disse:

— Perguntou se podia repetir para poder levar esta comida a


alguém? Por isso guardou a metade do pão no bolso?

O menino não respondeu, mas olhou de novo o céu, e a jovem


insistiu agachando-se de frente a ele:

— Will, meu nome é Alison e eles são tio Matsuura, Gilroy e Sigge.
Onde estão seus pais? — Com cara de pânico, ele não respondeu, e ela
prosseguiu: — Sei que não nos conhece, mas preciso que saiba que
queremos te ajudar. De nossa parte não vai te acontecer nada de mau.

Arrasado pela situação, os olhos do moço voltaram a se encher de


lágrimas. Os últimos dois meses tinham sido os piores de sua vida e,
sem saber por que, mas precisando de um abraço, estreitou Alison com
desespero.

Desconcertada, ela o abraçou enquanto Gilroy e Matsuura, com


Sigge nos braços, levantavam-se para aproximarem-se deles. Mas o que
ocorria a esse menino?

Depois de um momento que Alison disse palavras bonitas e


carinhosas, as mesmas que seus tios lhe diziam quando ela era
pequena e precisava de mimos, por fim o menino a soltou.

— O guisado é... é... para minha irmã — disse apontando a terrina


cheia de terra.

A jovem assentiu e se dispunha a tirar a terrina das suas mãos


para substituir o guisado por outro limpo quando ele implorou:

— Por favor... Por favor, milady, não me tirem isso.

Comovida, ela o olhou.

— Querido, se tiro a sua terrina é para lhe dar uma limpa, cheia
de guisado, que não tenha sujeira. Claro que você pode levar para sua
irmã mais nova.

Ouvindo-a seu rostinho mudou, não era o que o pequeno Will


esperava, e ao comprovar que Alison lhe estendia a mão, entregou a
terrina. Com a angústia instalada no peito, o menino observou que ela
pegava outra terrina, enchia-a de comida e, engolindo as lágrimas,
sussurrou:
— Muito obrigado, milady.

Alison assentiu e, pegando sua mão, pediu:

— Agora me leve aonde está sua irmã.

Matsuura, Gilroy e ela se deixaram guiar pelo pequeno. Cruzaram


um pequeno riacho e, depois de um arvoredo, vislumbraram algo
parecido a uma choça velha e abandonada.

— Seus pais estão ali? — Perguntou Alison ao vê-la.

O menino negou com a cabeça.

— Só está Briana.

— Sua irmã?

— Sim — afirmou ele.

Ao aproximar-se da velha choça, o menino abriu a portinhola e,


ao entrar, os três ficaram sem palavras ao encontrar um lugar inóspito,
frio e sujo onde, sobre uma velha e suja manta, havia uma pequena
adormecida.

Rapidamente Will se soltou da mão de Alison e, aproximando-se,


sentou-se sobre a manta e disse enquanto tirava o pedaço de pão do
bolso:

— Briana... Briana... acordada. Trago comida.

Com lentidão, a menina abriu os olhos e, ao ver o que seu irmão


lhe estendia, sorriu e pegou a toda pressa para levar à boca. Não
obstante, segundos depois, ao ver os desconhecidos, meteu-se sob a
manta assustada.
Will não estranhou, mas sem dizer nada, foi até Alison, pegou a
terrina de guisado de suas mãos e, sentando-se de novo na manta,
disse levantando um extremo para olhar sua irmã:

— Tudo isto é para você.

A menina, ao sentir o cheiro fumegante da terrina de guisado,


apressou-se a perguntar:

— Para mim?

— Sim. Só para você e para Pousi — indicou apontando sua


inseparável boneca de trapo.

— E você? — Perguntou a criança tossindo sem sair de debaixo


da manta.

— Eu já comi.

Mas a pequena não se movia, e com susto no olhar perguntou


tocando o lenço que usava na cabeça:

— Vão nos pegar?

Somente ao ouvi-la, Gilroy, Matsuura e Alison se olharam


surpreendidos. Mas que conversa era essa? Quem queria lhes pegar?

— Não... não — se apressou a dizer Will.

— Tenho medo — cochichou a criança.

O moço suspirou, mas tentando convencer a sua irmã, insistiu:

— Calma. Vamos, Briana, sai daí e come.

Como um coelhinho assustado, a pequena saiu de debaixo da


manta. Era muito pequena e tinha bonitos e enormes olhos verdes,
iguais que os de seu irmão, que chamavam a atenção.
Com o coração a mil, Alison os observou enquanto ouvia a
pequena tossir e a via tremer. Tanto ela como Will estavam desnutridos,
com frio. Só tinham que ver seus magros corpos e a tristeza em seus
olhares para saber que não estavam bem.

Comovida pelas palavras da menina e o medo que via em seus


olhos, aproximou-se dela e, sentando-se a seu lado, cumprimentou.

— Olá, Briana, sou Alison.

A pequena a olhou depois de tossir e ela, tirando o casaco que


usava, a colocou sobre seus ombros e, com mimo, tocou-lhe uma
mecha da franja ruiva que escapava do lenço de sua cabeça.

— Tem um cabelo muito bonito — comentou.

A criança piscou e, de repente, começou a chorar horrorizada.

Sem entender nada, Alison olhou para Matsuura e Gilroy, que


tampouco sabiam o que fazer, e então Will tomou ar e se dirigiu a
jovem:

— Milady, melhor não falar de seu cabelo.

Sem entender o que ocorria, Alison olhou para Matsuura e este


lhe indicou com um gesto que a abraçasse. Sem hesitar, Alison o fez,
mas então o lenço que a pequena usava na cabeça caiu deixando-a ao
descoberto. A menina tinha todo o cabelo do lado direito cortado quase
na raiz. Inclusive tinha feridas. Mas como tinha feito aquilo?

Briana, ao ver como ela a olhava, intensificou seu pranto.

— Pelas barbas infestada de Netuno... — exclamou Alison. — Mas


o que te aconteceu?

Rapidamente Will, pegando o lenço, o voltou a atar na cabeça de


sua irmã, e a menina explicou entre soluços:
— As mulheres más... as mulheres más... arrancaram meu
cabelo.

Sem acreditar, Alison não sabia o que fazer, e Matsuura, depois


de passar a pequena Sigge para Gilroy, aproximou-se delas e, pegando
à menina, abraçou-a e sussurrou tentando que se sentisse protegida:

— Calma, pequena, essas mulheres não voltarão a lhe fazer mal


porque eu não o vou permitir, está certo? Confia em mim?

Comovida pelos choros da menina e o carinho com que Matsuura


lhe falava, Alison se emocionou. Ainda recordava as vezes que ela tinha
chorado e ele a tinha consolado.

Quando Briana se tranquilizou e finalmente o japonês conseguiu


que começasse a comer o guisado com gosto, apesar da tosse, Alison
pegou Will pela mão e o levou para fora.

— Quantos anos tem Briana? — Perguntou.

— Cinco, milady.

— Me chame de Alison, por favor — pediu ela. O menino assentiu


com um tímido sorriso e a jovem perguntou: — Onde estão seus pais?

Will olhou para o céu, responder aquilo era complicado, e Alison,


vendo que o moço ruivo estava fabricando uma mentira, indicou:

— Não quero mentiras. Onde estão?

— Mortos.

Ouvir isso e ver o olhar do menino fez que Alison assentisse, mas
precisava saber, assim insistiu:

— Adoeceram e morreram?

— Não.
— Então o que aconteceu?

De novo, Will olhou para o céu. Cada vez que não queria responder
uma pergunta fazia isso, mas Alison, pegando-o pelo queixo, voltou a
insistir:

— O que aconteceu?

Incapaz de fugir da verdade, finalmente o menino se sentou sobre


um tronco e sussurrou:

— Vivíamos em Roxburgh, mas... mas...

— Mas...?

Ele se retirou a franja do rosto com sua suja mão e continuou:

— Tivemos que nos transladar no ano passado para Renfrew,


fugindo de Roxburgh porque algumas mulheres, ao saberem de que
minha mãe era inglesa, acusaram-na de ser bruxa.

Alison suspirou. Muitos escoceses custavam a aceitar pessoas de


outros lugares, em especial aos ingleses.

— Em Renfrew todo estava indo bem — continuou Will, — até que


um dia minha mãe se encontrou no mercado com uma mulher de
Roxburgh, e rapidamente esta a acusou diante de todos de inglesa e
bruxa. Mamãe a enfrentou e essa noite, depois de nos tirar da casa na
madrugada, quando meu pai foi nos defender o enforcaram, e minha
mãe a... queimaram-na na fogueira como bruxa.

Horrorizada, Alison não podia piscar sequer, mas o menino


prosseguiu com os olhos alagados em lágrimas:

— Pegaram Briana e eu, nos prenderam em um chiqueiro durante


dias, sem comer. Uma manhã vieram por ela e eu não pude fazer nada.
Cortaram e lhe arrancaram o cabelo para que todos soubessem que era
a filha de uma bruxa. Quando vieram por mim, pude empurrar à
mulher que tentou me machucar, peguei minha irmã e fugimos.

— Por que não buscou a sua família?

— Dirigia-me para St. Andrews porque ali vive o único irmão de


meu pai. E... bem, por todo este tempo tentei cuidar de Briana, mas...
mas... não faço bem. Faz frio. Mal consigo comida e ela, por minha
culpa, adoeceu...

— Não, céu. Não... não... não... — cortou-o Alison comovida. —


Você não tem culpa de nada. Nem sequer da tosse de Briana.

— Mas, Alison...

— Nada de mas, deveria se sentir orgulhoso, querido, porque você


sozinho e pequeno, cuidou dela e de você.

Aquilo não era consolo para William, que, olhando-a, sussurrou:

— Há dias que não consigo comida. Temo as represálias se de


novo souberem de que minha irmã... e... e... eu...

Sem deixá-lo prosseguir, Alison o abraçou. Aquele menino de tão


pouca idade tinha passado por coisas terríveis, e, beijando com carinho
a sua suja cabeça, murmurou consciente do que precisava e de como
se sentia por ser rechaçado:

— Calma. Só estamos você e eu. Pode chorar.

E durante um bom momento, Will o fez. O pequeno chorou com


vontade, com intensidade, com necessidade, e quando por fim seus
olhos se secaram e olhou Alison sem saber o que dizer, esta afirmou:

— Levar-lhes-ei. A sua irmã e você até seu tio.

— Sério?
Ela sorriu e, disposta a que esses pequenos não passassem mais
fatalidades, indicou:

— Eu nunca prometo, mas isto sim.

— A mamãe gostaria de você — sussurrou ele tomando ar.

Com carinho, Alison sorriu e, tocando o menino com mimo no


rosto, afirmou:

— E certamente de sua mamãe eu gostaria.

Essa noite, quando decidiram retornar aonde tinham deixado a


carroça e os cavalos, eram dois a mais no grupo.

Antes de deitar os pequenos no interior da carroça, a jovem os


obrigou a banharem-se no rio. Em um princípio não gostaram da ideia,
pois fazia frio, mas finalmente aceitaram.

Uma vez limpos, e enquanto se secavam sob mantas, Alison


preparou uma infusão com algumas ervas que trazia em sua bolsa e,
assim que as peneirou e verteu o líquido em um copo, pediu olhando
para Briana:

— Tome isto. Verá como logo deixa de tossir.

A pequena, depois de olhar para Will e este assentir, pegou o copo


e ao dar o primeiro gole, murmurou:

— Eu não gosto.

Alison assentiu. Sabia que não tinha bom gosto, mas


especialmente fazia bem. E, recordando as coisas que seus tios diziam
a ela quando era pequena, pegou o copo e a bonequinha Pousi. Depois
de fazer como que a boneca bebesse e sabendo que a escutava, falou:

— Pousi diz que não é muito gostoso, mas que se tomar a curará.
E finalmente, mediante esse tipo de jogada, a criança o bebeu.

Essa noite, quando Alison os deitou no interior da carroça, junto


a Sigge, que dormia como uma santa, murmurou olhando-os:

— Amanhã tentarei comprar um pouco de roupa e casacos, certo?

Eles assentiram agradecidos, e Alison, por instinto, agachou-se e


beijou a ambos antes de lhes desejar boa noite. Esse simples gesto de
carinho que seu pai e seus tios sempre lhe tinham dedicado a
emocionou, e a menina, com Pousi na mão, sussurrou:

— Mamãe também nos beijava antes de dormir.

— E papai — recordou Will.

Comovida por essa lembrança que perduraria nas crianças para


o resto de suas vidas, lhes piscou um olho e sussurrou:

— De onde estejam seguirão beijando-os sempre, a cada noite. E


agora a dormir. Amanhã será outro dia.

Dito isso, desceu-se da carroça e, ao ver a Matsuura e Gilroy


dormindo sobre suas mantas no chão, suspirou. Deixar espaço as
crianças requeria fazer certos sacrifícios.

Sem sono, deitou-se sobre sua manta para contemplar as estrelas


e sorriu. Se algo tinha como certo era que tinha feito bem em não deixar
sozinhos esses pequenos. Já não só tinha que procurar um lar para
Sigge, mas agora, além disso, comprometeu-se em levar Will e sua irmã
a seu tio.
Passaram dez dias viajando pela Escócia vendendo suas
mercadorias e Alison aproveitava de sua liberdade, agora que Conrad
McEwan tinha morrido e já não podia delatá-la.

Nesse tempo, Will e Briana se integraram perfeitamente no grupo,


e esta começava a rir, a falar, a comportar-se como a menina que era,
e todos estavam felizes com a mudança.

A manhã que chegaram a Dunfermline para vender sua


mercadoria, apesar de que o tempo estava mudando, era um bonito
dia.

No mercado, enquanto os três adultos atendiam na barraca, Will


e sua irmã permaneciam no interior da carroça com a pequena Sigge,
embora Briana, assustada pelos estranhos, passava quase todo o
momento enrolada sob uma manta com Pousi.

Durante a manhã venderam várias peças que Alison tinha


confeccionado, mas de repente Gilroy cochichou:

— Bug, de olho no sujeito a sua direita!

Alison viu dois homens que estavam em frente à barraca


cochichavam entre si. Mau momento!
Matsuura, consciente do que eles tramavam, murmurou olhando
a jovem:

— Eu acho que você vai ter que fugir.

Alison se aproximou deles. Entendia o que tio Matsuura tinha


querido dizer; mas então os sujeitos, ao sentirem-se descobertos, sem
hesitar e com rapidez pegaram vários braceletes expostos e se
afastaram correndo.

— A mãe que os...!

Sem perder nenhum segundo, Alison saltou por cima da barraca


e começou a correr junto com Gilroy atrás dos dois sujeitos. Por nada
no mundo iram permitir que levassem o que lhes dava de comer.

Ao sair da praça do mercado, os homens se desviaram à direita.


Gilroy e Alison também. Seguiam-nos de perto quando um deles, ao
chegar a outra praça, deu um tropeção e caiu.

— Gilroy, é teu! — Exclamou a jovem.

O grito dela fez com que o outro olhasse para trás. Não pensava
abandonar seu amigo, e menos ainda ser acossado por uma mulher.

A praça estava lotada de gente. Estava repleta de tabernas onde


se comiam e bebiam, e observando-os todos gritaram.

Ignorando os olhos que os observavam, Alison olhou o homem que


estava de frente a ela e disse sem vontades de criar problemas:

— Me devolva o que tem nos bolsos e assunto resolvido.

Mas o homem sorriu. Uma pequena jovem não o assustava, e


replicou:

— Dê por perdido, mulher. O que tenho já é meu.


Alison sorriu a sua vez. Aquele idiota no final queria e teria um
problema, e, sem intimidar-se, murmurou:

— Ah, sim? Então devo temer...

Ele assentiu com segurança e, sem hesitar, tirou a adaga que


usava na cintura. Alison então ancorou bem os pés no chão e o
advertiu:

— Eu se fosse você não tentaria. Pode te fazer mal.

O povo que os rodeava prorrompeu em risadas zombeteiras


ouvindo isso; era gracioso o que a pequena jovem dizia.

— Para ser uma mulher, é muito ousada — cochichou o sujeito


encorajado.

— Isso sempre me diz meu pai — zombou ela fazendo rir de novo
a quem os observava.

Alison sabia que sua audácia era o primeiro fato que estava
acostumada a surpreender, e quando ele a atacou com a adaga,
afastou-se de um salto. Vendo que ela também precisava defender-se,
tirou sua adaga da bota e sem hesitar atacou.

O povo gritava e o homem, ao receber um golpe que o fez perder a


adaga, gritou furioso.

Como podia aquela mulher brigar assim?

Nesse momento Alison pareceu ver um rosto conhecido entre o


povo e, ao voltar para olhar, não se precaveu do bofetão que lhe deram.
A força do impacto a fez cair ao chão, mas rapidamente se levantou.

O sabor a óxido disse-lhe que o lábio sangrava. Isso a zangou


ainda mais, por isso, disposta a acabar com aquilo, esqueceu-se do
rosto conhecido e lançou com todas suas forças um chute no peito do
homem, que o fez cair de traseiro.

O homem a olhava sem poder acreditar e ela, limpando com o


antebraço o sangue da boca, falou:

— Em certas ocasiões é um autêntico prazer ser uma mulher


ousada ante um merda como você.

O povo ria, aplaudia, queria sangue, divertia-se; o homem ia se


levantar e de repente um homem se interpôs entre ele e a jovem e,
pegando-o pelo pescoço, sibilou:

— Devolva agora mesmo o que não é teu.

Gratamente surpreendida, Alison comprovou que se tratava de


Harald. Mas o que ele estava fazendo ali?

O homem finalmente tirou os braceletes que tinha no bolso e,


depois de entregar a Harald, este lhe apontou:

— Ser amigo do alheio nunca é uma virtude. E agora vai antes


que decida cortar tuas mãos.

Soltou-o e o homem e seu amigo saíram correndo.

Em um instante a maior parte do povo que se congregou ao redor


se afastou; Harald a olhou e ela ia dizer algo quando ouviu:

— Por todos os deuses, Alison, tem que me ensinar como se dá


esse chute!

Imediatamente a jovem viu Demelza a cavalo junto de seu marido,


que ouvindo a reprovou:

— Demelza...

Mas a ruiva, segura do que dizia, insistiu:


— Foi fascinante, Alison. Quero aprender.

Surpreendida, ia falar quando Harald se aproximou dela e disse


entregando o que tinha nas mãos:

— Isto é teu.

Sem olhá-lo, mas sentindo como o coração tinha se acelerado, a


jovem pegou e o viking perguntou olhando-a nos olhos ao vê-la tão
calada:

— Está bem?

Aquele tom íntimo a arrepiou.

Vê-lo, voltar a encontrar-se com ele, era o que durante dias tinha
desejado. E agora que o via não sabia o que dizer. Mas como era tão
tola?

Espantado pelo silêncio dela, Harald se preocupou. O que lhe


acontecia?

De repente, encontrar-se com a jovem quando não esperava por


isso tinha feito com que seu coração se acelerasse. Durante dias não
tinha podido tirá-la da cabeça, e ao descobri-la de repente correndo
atrás daquele sujeito, não duvidou e foi atrás dela. Entretanto, ao vê-
la agora com sangue na boca, estava desconcertado. Por que tinha
agido assim?

Por isso, e para tentar sossegar-se, pegou-a pelo queixo e, depois


de amaldiçoar baixo, murmurou:

— Terá que curar essa ferida.

Demelza, que tinha apeado do cavalo, aproximou-se dela.

— Que golpe te deu.


Desconcertada pela presença deles ali, especialmente de Harald,
Alison tentou sorrir e, olhando a seu redor, finalmente soltou:

— Esse verme também levou o seu.

Essas palavras tão próprias de Alison em certo modo tranquilizou


Harald. Mas ao comprovar que Demelza e ela falavam rindo sobre o
ocorrido, desesperou-se. Por que essas mulheres não viam o perigo?

Feliz pelo reencontro, mas angustiado pela situação, o viking deu


a volta para aproximar-se de seu cavalo no acaso se precisasse de algo
quando, vendo várias pessoas que ainda os observavam curiosas,
perguntou com gesto feroz:

— Que demônios olham?

Imediatamente, eles se voltaram para afastar-se e Demelza o


reprovou:

— Harald!

Harald, que o coração ainda estava acelerado por ver o sangue na


boca de Alison, grunhiu:

— Harald, o quê?!

Aiden sorriu ao ouvi-lo. Estava claro que aquela jovenzinha o


preocupava. A tensão em seu olhar e em seu corpo fez com que se visse
no passado se refletido nele, e se aproximou para acalmá-lo.

— Calma, amigo... calma.

Gilroy, que em silêncio tinha sido testemunha de tudo,


aproximou-se de Alison e Demelza. Na mão trazia outras peças de
bijuteria e, sorrindo, cochichou:
— Bug... acredito que recuperamos tudo e sua testa está intacta,
sem cabeçadas.

Ambos riram ante a incredulidade de Harald, quando Demelza


perguntou:

— Bug?!

Tentando não sorrir, Alison ia responder quando Gilroy se


adiantou:

— Desde pequena sempre foi um Inseto e por «Bug» ficou.

Demelza assentiu divertida.

— Se seu irmão o diz, por algo será!

De novo, os três riram no mesmo instante em que cavalos se


aproximaram deles. Eram Peter, Alastair e Zac, junto de Adnerb e
Sandra e o padre Murdoch.

Em seguida desceram dos cavalos para saberem de seu verdadeiro


estado ao ver o sangue em seu rosto, e rapidamente Demelza os
tranquilizou.

— Pelos pregos de Cristo, moça, quanto selvagem há a solta — se


queixou o padre Murdoch e, tendo pena de Alison, sussurrou: — Veem
uma doce jovenzinha indefesa e inexperiente e a atacam. Espero que
esses descarados recebam seu castigo!

— Receberam-no, padre... asseguro isso — indicou Demelza


olhando Alison, que sorria.

Instantes depois, quando eles, incitados por Aiden, adiantaram-


se para ir a uma hospedaria e reservar quartos, Demelza pegou o pano
que Harald estendia e disse dirigindo-se a Alison:
— Agora vamos curar seu lábio.

— Não é nada...

— Certamente, mas terá que curá-lo.

A jovem o permitiu. Por norma era ela sempre quem curava os


outros, e, suspirando, deixou-a fazer.

Harald e Aiden as observavam em silêncio quando a jovem pediu


a Gilroy:

— Retorna a tio Matsuura. Está sozinho na barraca com as três


crianças.

Quando ele pegou o que Alison lhe estendia e partiu, Aiden


perguntou surpreso:

— Três crianças? Que eu recorde, era somente uma pequena.

Quando Demelza acabou de atendê-la, vendo que esperavam


resposta à pergunta, Alison contou o ocorrido com Will e Briana.

— Pobres crianças — murmurou Harald, pois a história tinha


tocado seu coração.

— Por pequenos que sejam, viveram muitas coisas desagradáveis


— acrescentou ela. — Não é de estranhar que ainda sigam com vida.

Todos assentiram e então Demelza, pegando-a pelo braço,


perguntou:

— Gostaria de comer algo conosco?

Maravilhada por aquele encontro, e mais ainda por ter tornado a


ver o viking, a jovem exclamou:

— As tripas me rugem!
Com um sorriso, os quatro se dirigiram para a hospedaria onde
os esperavam o resto de seus amigos. Em seu caminho, enquanto Aiden
e Demelza andavam de mãos dadas conversando alegremente junto a
seus cavalos, Harald e Alison andavam em silêncio.

Pelo canto do olho, a jovem observava o gigante loiro. Como


sempre, sua expressão era séria.

— Não se alegra em voltar a ver-me? — Perguntou-lhe com um


sorriso.

Harald, que em realidade estava contente para seus adentro,


olhou-a sem sorrir e perguntou:

— Por que teria que me alegrar?

Sorrindo com picardia, ela o olhou e cochichou:

— Porque sou agradável à visão, ou não?

Surpreso por ouvi-la dizer algo assim, Harald levantou a


sobrancelha.

— Sem dúvida há gostos para tudo — retrucou.

Boquiaberta e irritada, a jovem insistiu:

— Não sou de seu agrado?

De sua parte, o viking encolheu os ombros divertido.

— Eu geralmente noto mulheres calmas e tímidas com cabelos


claros pelo sol. E você simplesmente não tem nada disso.

Alison assentiu e, decepcionada, sussurrou sem ser consciente de


como ele a olhava:

— Ora... pois bem.


Permaneceram em silêncio, até que ela, incapaz de calar,
perguntou olhando-o nos olhos:

— Por que sempre parece que está de mau humor?

Ouvir isso indevidamente o fez mudar seu trejeito. Haver se


encontrado de novo com a moça tinha gostado, mas, deixando de olhá-
la, respondeu:

— Porque assim evito conversas desnecessárias.

— E acha que esta conversa é desnecessária?

Harald a olhou. Tinha gostado de encontrar-se com ela, o que não


esperava é que não tinha podido deixar de pensar nela. Mas, disposto
a não reconhecê-lo, não respondeu e Alison cochichou com um meio
sorriso:

— Deixa-me sem palavras a simpatia que tem por mim!

O viking a olhou. A pequena morena que caminhava com


segurança o surpreendia, além de atrai-lo o deixava com raiva, e
quando ia responder, ela murmurou com graça:

— Venha, homem, muda essa expressão de «não te suporto» por


outra mais amável. Ora. Já deixou claro que você não gosta de
mulheres morenas, e intuo que pensa que falo muito para ser uma
mulher, mas ora, reconheça-o, no fundo você gosta que eu seja
descarada!

Surpreso por aquilo, Harald não soube o que dizer. Seu trato com
as mulheres era escasso e o cortejo, totalmente nulo. Por isso durante
segundos ambos caminharam em silêncio, até que a jovem, cansada,
acrescentou:

— De acordo. Deixo de te incomodar.


E, apressou o passo e se colocou junto de Demelza para continuar
conversando. Nesse instante, e sem que ninguém o visse, Harald
sorriu.

Ao chegar à hospedaria, entraram diretamente na sala de jantar,


onde se sentaram com seus amigos para degustar de um delicioso
guisado de porco que todos adoraram. Com dissimulação, Alison
observava Harald. Embora não lhe falasse, mas não podia deixar de
observá-lo quando Alastair perguntou:

— Está confirmado aquilo que ouvimos?

Peter McGregor assentiu.

— Sim. Pelo que parece avistaram vários navios pirata rondando


as costas escocesas.

— Malditos! — Protestou Aiden.

— Isso não pode significar nada mais que problemas — comentou


Harald.

— Sem lugar a dúvidas — concluiu Zac.

Durante um momento Alison escutou como eles falavam a


respeito dos sanguinários piratas, até que, incapaz de calar, perguntou:

— Fala-se de algum em concreto?

Aiden assentiu.

— Pelo que parece, o capitão Conrad McEwan informou o


avistamento de vários navios do sanguinário Jack Moore.

Alison sentiu o estômago revolve-se ao ouvi-lo. Era claro que


Conrad tinha querido prejudicá-la, e retrucou evitando dizer o que
sabia dele:
— E conhecendo o fanfarrão, para não dizer vira-lata de chácara
do Conrad McEwan, acreditam nele?

Conforme disse isso, Alastair replicou com seriedade:

— Um pouco de respeito. Conrad McEwan morreu.

Alison se fez a surpreendida.

— Ora... mas o que me diz? Não sabia.

Todos ficaram em silêncio e Demelza, aproximando-se dela,


cochichou:

— Eu gostei do «vira-lata de chácara».

Alison sorriu e então Aiden, observando a carranca de Alastair


pelo que tinha ouvido, amenizou:

— Como bem sabem, McEwan não era santo de minha devoção.


Mas se tiver que escolher entre ele e o pirata Jack Moore, minha decisão
é clara.

— E por que deixa tão claro? — Disse Alison sem se conter.

Conforme perguntou, todos a olharam; então Adnerb interveio:

— Pelo amor de Deus, Alison, como por quê? Estamos falando de


piratas! Há algo mais desagradável que um sujo e rasteiro pirata? E
pior que Jack Moore?

Alison mordeu os lábios e calou. Ouvir isso a incomodava.


Falavam sem saber de seu pai. Acreditavam o que outros cuspiam pela
boca, e, cravando os olhos em seu prato, prosseguiu comendo
enquanto eles continuavam com a conversa.

Harald a observou com curiosidade. O que lhe acontecia? Porque


notava que se tencionava ante os comentários de seus amigos.
O que estava ouvindo era insuportável para Alison. Tudo era
negativo referente a seu pai, e, oprimida, olhou em volta da sala e de
repente o sangue gelou ao ver o rosto do homem que tinha avistado um
momento antes, durante a briga na rua. Este, ao ver que seus olhos
tinham se conectado com os da moça, indicou-lhe que saísse da
hospedaria com um gesto da cabeça.

Mas, por Tritão, que fazia seu tio ali?

Enquanto o resto continuava falando, Alison se levantou e se


aproximou do balcão. Ali se serviu de um copo de água de uma jarra e,
ao ver que ninguém da mesa a olhava, saiu do local. Uma vez fora,
olhou a ambos os lados, até que ouviu:

— Orquídea... aqui.

Sem tempo a perder, aproximou-se do homem que se escondia


depois da esquina e quando o teve de frente perguntou:

— Pelas barbas de Netuno, tio Roe, enlouqueceu? O que faz aqui?

Ele, emocionado, abraçou-a e, quando se afastou dela, cochichou:

— Estava intranquilo. Nunca estive tanto tempo afastado de você


e... bom, chegou a nossos ouvidos o que aconteceu com Conrad
McEwan... Por Deus, moça, enlouqueceu? Como te ocorreu matá-lo?
Poder-lhe-iam ter matado.

Alison assentiu. Sem dúvida a notícia da morte dele se estendeu


rapidamente, e Roe, ao ver que ela não dizia nada, perguntou:

— Está bem, minha vida?

— Sim, tio, calma.

Ele soprou e olhando-a murmurou:


— Uau, Orquídea! O último que queríamos era que manchasse as
mãos com seu sangue e...

— Tio — o cortou ela, e pensando em Thomas disse: — E se te


dissesse que não fui eu?

Surpreso, ele piscou.

— Provavelmente não acreditaria!

Alison sorriu. Pensou em contar o que tinha descoberto do


governador, mas então seu tio murmurou:

— Olhe, Orquídea, digo a verdade. Acredito que...

— Sermões não, por favor. Esse verme já está morto. Assunto


resolvido.

Roe amaldiçoou e, não querendo pegar pesado, sentenciou:

— De acordo. Não direi, mas quando retornar ao navio falaremos,


entendido?

— Entendido — suspirou a jovem.

Durante segundos, eles, que se amavam, olharam-se, e Roe


sussurrou:

— Quando vi sua briga com esse saco de merda faz um momento,


pouco me faltou para entrar na luta e arrancar sua cabeça.

Angustiada pelo muito que ele se expor por estar ali, ela ia falar
quando ele lhe entregou um saquinho de moedas.

— Tome. Não quero que passe penúrias como pretende seu pai.

Feliz em receber o dinheiro, o que seria ótimo para ela agora que
tinha as crianças, ela guardou e sussurrou:

— Obrigada... obrigada e obrigada.


— As tem agora, minha vida.

Satisfeita, ao ver que ele olhava a seu redor Alison perguntou


então:

— Como está papai?

Roe soprou, o que fez entender a jovem.

— Faço uma ideia — afirmou.

— Seu pai é complicado... e quando soube de Conrad, nem


imagina como ficou!

— Como sabia que estamos em Dunfermline? — Perguntou ela a


seguir com carinho.

Roe olhou de novo a seu redor para controlar tudo o que se


passava junto a eles e respondeu:

— Porque quando chegou até nossos ouvidos sobre Conrad


tememos o pior e vimos buscá-la.

Ela o olhou surpreendida. Que a notícia tivesse chegado até eles


significavam que não deviam andar muito longe da costa escocesa, e
quando ia protestar ele pediu:

— Não se zangue, Orquídea. Estávamos quase sem viver por você,


e acredito que...

— Por Tritão, tio Roe — o cortou. — Devem se afastar


imediatamente da costa. Antes de morrer, Conrad informou do
avistamento de nossos navios, e me recuso de que por minha culpa os
capturem...

— Orquídea, não prossiga. Diga o que disser, até que retorne ao


navio não estaremos calmos.
— Mas, tio...

— Não há mas que valham isso. Velamos por você.

A jovem soprou. Saber aquilo a incomodava.

— Quais são essas pessoas com as quais está comendo? —


Perguntou então ele sorrindo.

— Amigos.

Roe assentiu.

— Em realidade o que me interessa saber é quem é esse gigante


loiro de olhos claros que deteve a briga e que comprovei que não pode
deixar de olhá-lo.

— Droga, tio Roe...!

— Quem é, moça?

Consciente de que seu tio tinha visto tudo, mas disposta a tirar
os ferros de cima de si, ela respondeu:

— Ninguém importante. Só é Harald.

— Pois para ser só Harald e ninguém importante — zombou ele, —


olha-o com interesse que tanto conheço.

— Tio Roe!

— Ah, moça, é que você gosta de homens de cabelo e olhos claros!

— Tio, já basta! — Protestou.

O homem assentiu sorrindo. Ver bem a moça que considerava sua


filha era o único que precisava, e com carinho indicou:

— Orquídea... Orquídea... nada mais eu gostaria do que ver-te


satisfeita e feliz.
E ela finalmente sorriu.

— Tenho que retornar a El Demonio de las Olas — acrescentou


ele. — Estaremos em contato. Adeus, minha bela Orquídea.

O homem jogou a capa de novo pela cabeça e, sem olhar para trás,
afastou-se.

De onde estava, Alison o observou. Que seu pai e seus tios


rondassem as costas escocesas e não pensassem mover-se dali não era
boa ideia. Todos desejavam capturar o temido capitão Moore, e que
estivesse em perigo a alarmava.

— Está se levantando vento e vai chover forte — ouviu que Harald


dizia de repente a suas costas.

Encolhendo-se pela surpresa, fechou os olhos, mas, ao abri-los,


olhou o céu e respondeu o mais calma que pôde:

— Espero que não.

Depois de segundos em silêncio, e ao ver que ela não falava,


Harald perguntou:

— Pensava ir sem dizer adeus?

Ao voltar-se comprovou que estava tão perto dela que teve que
levantar a cabeça para olhá-lo nos olhos, e tentando sorrir retrucou:

— Provavelmente.

Ficaram em silêncio e ela, para desviar o assunto, perguntou:

— É verdade que os pagãos sacrificam seres humanos?

Harald olhou Alison sem acreditar. Estava mais claro que o tinha
desconcertado totalmente e, depois de lhe dar de presente um de seus
bonitos sorrisos, piscou um olho e entrou na hospedaria de novo.
O viking não se moveu. Através de uma janela da hospedaria tinha
visto a jovem falar com um homem. Aproximou-se deles com
curiosidade, mas era muito tarde. Só o ouviu dizer: «Adeus, minha bela
Orquídea».

Orquídea? Mas não se chamava Alison?

Era claro que jovem ocultava coisas que começavam a intrigá-lo.


Na manhã seguinte, quando Matsuura despertou e informou que
ia caçar algo para tomar o desjejum, Alison assentiu e, olhando para
Sigge, sorriu.

Brincou com a pequena, até que finalmente decidiu vestir-se, e ao


descer da carroça viu aproximar alguns cavalos.

Olhou-os com curiosidade, e o sorriso se alargou ao precaver-se


de que eram Demelza, Adnerb e Sandra.

Contente, cumprimentou-as com a mão e, quando estas


chegaram até ela e apearam, a jovem perguntou:

— Mas o que fazem aqui?

Demelza se aproximou com alegria e, depois de pegar Sigge nos


braços, respondeu:

— Hoje os homens tinham que reunirem-se para tratar certos


assuntos com o laird Montgomery, e nos dispúnhamos ir a Sambery,
um povoado de pescadores onde vivem conhecidos de Adnerb, para
saudá-los.

— Ora...
— Glades, uma antiga serva de minha casa, vende ervas, muito
boas, por sinal — afirmou Adnerb. — E decidimos passar para ver se
queria nos acompanhar.

Com prazer porque tivessem pensado nela, Alison sorriu e


imediatamente perguntou:

— Sabem se vendem Charmaemelon13?

— Sim — respondeu Adnerb. — Sou bastante torpe e ter


Charmaemelon me ajuda a curar as feridas.

Alison sorriu e falou:

— Sabe que essa fantástica erva serve para mais coisa, verdade?

Ela negou com a cabeça, e a jovem explicou:

— A Charmaemelon serve, além de limpar feridas como você disse,


para tratar queimaduras, picadas, inclusive para lavar o nariz, os
olhos, a boca e os ouvidos.

— Sério?

Alison assentiu.

— Se os olhos ficarem doentes, fazer emplasto de Charmaemelon


a primeira hora da manhã e a última hora da tarde melhoram
rapidamente.

— Oh... não sabia, obrigada!

Estava sorrindo por aquilo quando Sandra perguntou:

— Entende de ervas e planta?

— Sempre gostei delas — disse Alison.

— Isso está muito bem — afirmou Demelza.


As mulheres se contemplavam com alegria quando Alison,
aproximando-se da carroça, exclamou olhando ao chão:

— Gilroy... Gilroy!

Gilroy, que dormia placidamente, protestou.

— Não perturbe, Bug. Deixe-me dormir um pouco mais.

Isso às fez rir e Alison, lhe dando com o pé no ombro, insistiu:

— Vamos, folgazão, levanta!

Ao dar a voltar, Gilroy ia protestar de novo, mas ao ver as


mulheres, finalmente conteve suas palavras e cumprimentou.

— B-bom dia, miladies.

Alison sorriu e disse olhando-o:

— Matsuura saiu para caçar algo para o desjejum. Briana e Will


estão dormindo. Eu vou com as minhas amigas, fique com Sigge e diga
ao tio que retornarei ainda pela manhã, entendido?

— Como que vai? — Protestou ele levantando-se.

— O que ouviu.

Gilroy se dispunha a queixar-se de novo quando Adnerb


acrescentou:

— Só serão algumas horas.

Irritado por aquilo, o homem amaldiçoou em silêncio. Não achava


engraçado que Alison se afastasse sem ir acompanhada de Matsuura
ou dele, e quando ia protestar Alison acrescentou enquanto pendurava
a katana as costas:

— Gilroy, entre na carroça com Sigge, aconchegue-a e dormirá.


Vamos, faça-o!
A cada instante mais irritado por suas palavras, Gilroy se
dispunha a dizer algo quando Sandra, olhando a espada que ela tinha
pego, perguntou:

— É essa a katana?

Alison assentiu orgulhosa. A seguir a desembainhou com destreza


e a mostrou a suas amigas.

Durante instantes todas observaram a espada curva e afiada, até


que Alison, guardando-a, disse ao ver que Gilroy tinha desaparecido
dentro da carroça com a pequena:

— Venha, vamos antes de que as crianças despertem.

— Quanto mais o vejo, mais morro de amor! — Exclamou então


Demelza olhando o cavalo.

Alison sorriu e acariciou o focinho do bonito cavalo fiorde e,


beijando-lhe cochichou:

— Pirata é um rompedor de corações!

As mulheres riram e, subindo cada uma a suas selas, afastaram-


se seguindo as indicações de Adnerb.

Durante a manhã em Sambery, as quatro estiveram na casa dos


conhecidos de Adnerb, que se esforçaram por lhes dar tudo o que
tinham. Eram pessoas humildes, mas tremendamente bondosas e
encantadoras. A mulher, Glades, era nórdica, e quando chegou a
Escócia foi o pai de Adnerb quem a ajudou a integrar-se no país.
Durante mais de dez anos Glades viveu com Adnerb e sua família em
suas terras, até que se apaixonou por Oswald, um escocês com quem
se casou e ser feliz.

Poucas vezes se viram após. Mas sempre que alguém da família


de Adnerb passava por aquelas terras, desviava-se para ir ver a mulher,
a que amavam muito.

Satisfeita com a acolhida por parte deles, Alison sem hesitar tirou
de sua bolsa alguns braceletes de prata e deu de presente uma a Glades
e outra a sua filha Leonora. Dar uma linda peça a essas pessoas pelo
modo como a tinham recebido era o mínimo podia fazer.

Com prazer e emocionada, Glades olhou o presente. Nem no


melhor de seus sonhos tinha imaginado poder ter algo assim e, vendo
as letras que estavam gravadas no interior do bracelete, perguntou:

— O que significa «F. J.»?

— São as iniciais dos nomes de seus pais. Alison assina assim


suas joias. Não é ideal? — Disse Adnerb maravilhada.

Depois de tomarem algo, encaminharam-se para o mercado, onde


seu filho Scott atendia na barraca de peixe de seu pai e Leonora o de
ervas de sua mãe. A jovem, ao receber o bracelete que sua mãe lhe
entregou de parte de Alison, agradeceu feliz. Era linda. Algo que ela
nunca poderia comprar.

Durante um bom momento Alison cheirou as ervas que elas


vendiam. Sem dúvida eram boas, incríveis, e muitas delas difíceis de
conseguir em Escócia, pois eram originárias de outros países. Por isso,
olhando para Glades perguntou:

— De onde arranja a canela e o gengibre?


A mulher sorriu.

— Os vendeu um amigo de meu filho Scott, não são fantásticos?

Alison assentiu. Sem dúvida eram o melhor. Tão bons que parecia
estranho que o filho dela pudesse ter pago uma mercadoria tão
extraordinária.

Ao ver os sapatos furados de Leonora e a linda camisa de seda


que Scott usava, algo não se enquadrava. Como podiam comprar as
exóticas e caras especiarias e aquela camisa e não ter para um par de
sapatos novos para Leonora?

Era mais que evidente que eles tinham aberto a porta de sua casa
e lhes tinham dado tudo o que tinham, mas atravessavam dificuldades
econômicas, embora o filho, pelo que se via, era outra história. Por isso,
e segura de sua decisão, tirou o bonito broche que seu pai tinha lhe
dado para um caso de urgência e disse olhando ao patriarca:

— Tome, Oswald. Venda-o e lhes darão boas moedas por ele.

Tão surpreendidas quanto o homem, Demelza, Adnerb e Sandra


a olharam; então Alison, consciente da realidade que estava vendo,
sussurrou:

— Leonora precisa de calçados e, pelo que vi, você e Glades


também. Por favor, aceite-o. Precisam-no. E quando alguém precisa de
algo os amigos têm que ajudar.

Oswald, comovido pelo bom coração da moça, sussurrou:

— Muito obrigado, milady. Mas não se preocupem: como sempre


quando vem nos ver em Sambery, Adnerb nos ajuda.

Satisfeita por saber que sua amiga tinha ido até ali não só para
comprar ervas, Alison sorriu. E, ao perceber que Oswald não queria
nem tocar na joia, insistiu ao ver Leonora rir por algo que sua mãe
dizia:

— Se não o quer vender, guarde-o. Podem usá-lo Glades e


Leonora. Fique o guarde-o e... — Olhando para Scott continuou, — se
passarem por um grave apuro, podem vendê-lo para sanar o buraco.

Suas amigas se comoveram ouvindo isso. Não conheciam Alison.


Só sabiam que vivia em uma velha carroça junto a três crianças que
tinha recolhido pelo caminho e se dedicava a vender suas joias. Mas,
sem dúvida, o que estava fazendo nesse momento a honrava.

Oswald sorriu e, nervoso, perguntou consciente de como a jovem


observava o seu filho:

— Em que apuro podemos nos encontrar, milady?

Alison o olhou. Não quis ser indiscreta com o que via e calou. Algo
lhe dizia que Scott não era trigo limpo, por isso olhou pela última vez o
broche, que como tudo o que ela fazia estava marcado com as iniciais
«F. J.», e metendo-o com dissimulo no bolso da camisa de Oswald,
retrucou:

— Na vida há muitas desigualdades, e sempre terá que estar


preparado e alerta para o que possa vir.

O homem assentiu, mas, incapaz de lhe falar de seu filho,


respondeu:

— Tomo nota do que diz, mas por favor, guarde o broche. É seu.

A jovem blasfemou como o pior dos piratas ouvindo sua negativa.

— Por favor, Alison... essa boca — murmurou Adnerb.

Ela negou com a cabeça e, consciente de que o broche estava no


bolso dele, insistiu para que soubesse o que era quando o encontrasse:
— A gema que adorna o centro do broche é espanhola.
Concretamente procede de Almería, um lugar famoso por seus
magníficos rubis.

De repente, um assobio fez com que Oswald e seu filho se


olhassem.

Alison, que se precaveu disso, rapidamente perguntou:

— O que acontece?

— Nada, milady — se apressou a responder Oswald.

Sem querer ser intrometida, Alison calou, mas observou como


Scott, o filho do casal, agachava-se em sua barraca de peixe para
posteriormente afastar-se e ocultar-se depois de uma das colunas que
havia ao fundo da praça.

Do que se escondia?

Imediatamente, Oswald se encaminhou para a peixaria. A


mercadoria que tinham pescado essa madrugada não podia ficar sem
vigilância, e, consciente do perigo que se avizinhava, disse para que as
moças partissem:

— Milady, agradeço-lhes o presente, mas, por muito que o


quiséssemos, nem Glades nem Leonora poderiam usar algo tão
majestoso. Que possuamos algo assim, sendo simples vendedores de
ervas e de peixe, daria o que falar às pessoas e não quero as expor a
perigos desnecessários.

— Scott que os coloca em perigo, verdade? — Perguntou Alison.

O homem, que tinha começado a atender a uma mulher que tinha


pedido um peixe, não respondeu, e Adnerb, que não se precaveu de
nada, propôs então:
— Devemos ir.

— Excelente ideia — afirmou Oswald as apressando.

Alison olhou a seu redor e observou como Adnerb se despedia com


carinho do homem.

— O que acontece? — Perguntou Demelza.

A jovem apontou com a cabeça o filho de Oswald, que permanecia


oculto.

— Isso — respondeu.

Rapidamente Demelza olhou e, ao ver Scott agachado depois de


uma coluna, disse:

— De quem se esconde?

Alison soprou, não conseguia adivinhar, e indicou:

— Não sei. Isso eu gostaria de saber.

Sem perceber de nada do que ocorria com seu marido e seu filho,
depois de deixar Leonora ao comando da barraca de ervas, Glades se
aproximou das jovens e as animou a retornar a sua casa. Ali estavam
os cavalos que deveriam voltar para hospedaria do povoado vizinho.

Enquanto Adnerb conversava com tranquilidade com ela, Sandra,


ao ver que Demelza e Alison de vez em quando olhavam para trás, disse:

— O que está acontecendo?

Contaram o que tinham visto, e Glades, que as ouvia, sussurrou


consciente de como era problemático seu filho:

— Será melhor que retornem quanto antes a seus maridos.

— Por que Scott se esconde? — Quis saber Alison.


— Por todos os Santos, Glades, o que acontece? — Exclamou
Adnerb ouvindo isso.

— Não será por que avistaram piratas, não? — Observou Alison


incômoda.

A mulher, que desconhecia a verdade, repetiu a mentira que seu


marido lhe tinha contado a noite anterior, ao retornar com seu filho de
madrugada.

— Tolices de moços de sua idade.

— E por isso se esconde? — Perguntou Demelza.

Glades suspirou.

— Este meu filho é muito inquieto. Mas asseguro que seja o que
aconteça possivelmente resolverá hoje com um par de murros.

Ouvir isso fez rir às mulheres, e Adnerb afirmou:

— Pois então o melhor é que retornemos e deixemos que Scott


resolva seus problemas.

Quando chegaram à casa deles e cada uma subiu a seu próprio


cavalo, depois de despedirem-se da encantadora mulher as quatro
jovens retomaram seu caminho.

Glades, por sua parte, sem ser consciente do perigo que se


aproximava, retornou ao mercado e Oswald, ao vê-la aparecer, gritou:

— Vai com Leonora para casa já! E não saiam até que eu chegue.

— Mas o que acontece?!

— Vai! — Insistiu ele depois de beijá-la.

— O que Scott fez desta vez?

— Parte, Glades! Logo contarei.


A mulher, pegando a sua filha pela mão, a puxou para levá-la
enquanto procurava angustiada com o olhar o seu filho. Que maldade
teria feito desta vez?

O moço, ao ver quem apareciam ao fundo da praça, andou até seu


pai, e Oswald blasfemando sibilou:

— Disse-lhe isso, Scott, disse-lhe isso! Disse-te que não o fizesse.


— O moço não falou e ele insistiu: — Afaste-se agora mesmo daqui e
não retorne a casa até que seja noite, entendido?

— Mas, pai...

— Vai! — Repetiu Oswald.

O moço, assustado, finalmente assentiu e partiu correndo.

O problema do Scott em realidade era grave. Ele e seu amigo


tinham entrado em um dos navios atracados no cais dois dias antes
para roubar e o que encontraram em suas adegas os surpreendeu. Por
imprudentes, pegaram e, embora essa noite escaparam ilesos e com
um pouco de mercadoria, em sua fuga mataram a um dos marinheiros,
e estava claro que tinham localizado Scott.

Desesperado por despistar os homens do mar que foram diretos


para seu filho, Oswald começou a gritar:

— Peixe de presente! Quem quer peixe fresco de graça!

Nem era preciso dizer que o bulício que se originou em frente à


peixaria foi monumental. Peixe fresco de graça? Quem não ia querer?

Sem acreditar, Glades se deteve ao grito de seu marido. Mas que


fazia dando de presente o peixe que lhes daria de comer durante dois
dias?

E, disposta a pedir uma explicação, disse a Leonora:


— Vai para casa, em breve eu vou.

A garota se afastou sem hesitar e ela, entre empurrões, tentou


chegar até seu marido. Mas que loucura estava fazendo?

Instantes depois, vários dos homens que provinham do porto


amaldiçoaram ao ser rodeados pelas pessoas que queriam o peixe.
Olharam-se entre eles e o líder, que não era outro que não o capitão,
sibilou dirigindo-se ao prefeito do povo:

— Que corra a voz que somos marinheiros do pirata Jack Moore.

O prefeito de Sambery assentiu. A visita desse pirata em seu porto


sempre o enriquecia e era bom que soubessem quem tinha originado
todo aquilo.

— Capitão — disse um homem, — quem dá de presente o peixe é


o pai do moço.

— O rato foge pela direita! — Afirmou outro apontando.

Julian Andersen, que estava à frente do El Tritón Rojo, o segundo


navio de Conrad, que tinha passado a ser seu depois de sua morte,
ordenou ao ver o moço correr:

— Capturem e matem. Eu irei pelo pai dele.

E, dito isso, encaminhou-se para onde estava Oswald. Mas, vendo


como todos se empurravam a seu redor, gritou:

— Tirem esses ratos de perto de mim!

Em menos de dois segundos os homens tiraram suas espadas e


começaram a atacar às pessoas, que, assustadas, começaram a gritar,
enquanto outros corriam atrás do moço. Horrorizado, Oswald viu como
capturavam seu filho. Tinha que ajudá-lo!
Em meio de todo aquele desastre, Glades tentou escapar, mas foi
impossível. E quando sentiu que algo atravessava seu abdômen, como
pôde chegou junto a uma barraca do mercado, onde se deixou cair ao
chão enquanto o povo fugia de seu redor.

Ao olhar o abdômen e ver como o sangue empapava sua roupa a


um ritmo excessivamente acelerado, fechou os olhos. Aquilo tinha
muito má aspecto. Lágrimas brotaram de seus olhos enquanto tentava
encontrar Oswald e seu filho com o olhar. Tinha que avisá-los, lhes
dizer que fugissem, mas não os viam.

Por que não tinha acatado o pedido de seu marido?


As garotas cavalgavam de retorno a Dunfermline enquanto
conversavam de suas coisas e comentavam que as ervas que tinham
comprado na barraca de Glades eram de uma qualidade excelente.

— Calem um segundo — pediu Alison de repente.

As demais guardaram silêncio e prestaram atenção, mas não


ouviram nada, exceto os gorjeios dos pássaros e o resfolegar dos
cavalos.

— O que acontece? — Perguntou Adnerb.

De novo, Alison pediu silêncio.

— Não ouvem gritos? — Disse por fim.

Voltaram a prestar atenção, mas depois de segundos Sandra


respondeu:

— Eu não ouço nada.

— Nem eu — conveio Demelza.

Continuaram em silêncio, e finalmente Alison indicou dando de


ombro:

— Tinha-me parecido ouvir gritos.


— Terá sido algum pássaro. — Adnerb sorriu. — De verdade,
morro de amor por esses lindos pássaros de caudas azuis! Viram?

Sandra assentiu, sabia a que pássaros se referia, e em seguida


continuaram seu caminho de volta.

Antes de chegar a Dunfermline, passaram pelo lugar onde se


encontrava a carroça de Alison, com Matsuura e as crianças.

De longe, a jovem pôde ver como os pequenos brincavam de correr


perto do japonês, e Demelza perguntou:

— São Briana e Will?

Ela assentiu.

— As crianças que nos falou? — Perguntou Sandra.

Alison afirmou de novo e, ao ver que a menina subia à carroça e


desaparecia em seu interior, comentou:

— Certamente que, assim que nos viu, assustou-se e se meteu


sob as mantas.

— Pobrezinha... — sussurrou Sandra.

O que tinha ocorrido a essas crianças era terrível.

— Não se preocupe, Alison — acrescentou Adnerb. — Verá como


cedo ou tarde Briana deixará de fazê-lo.

— Isso espero — disse ela com tristeza.

Quando as quatro mulheres chegaram até a velha carroça,


Demelza falou olhando-a:

— Acredito que deveria trocá-la por outra. Qualquer dia esta


carroça...
— Sei — conveio ela. Mas, omitindo que ali só viveriam por meses,
apontou: — Tem razão, mas neste momento é nosso lar.

Ao vê-las chegar, tio Matsuura e Gilroy se dirigiram para elas.


Com carinho, as mulheres os cumprimentaram e à pequena Sigge, que
sorriu. A menina era um bombomzinho, e vê-la sempre alegrava seu
coração.

— Olá, Will, sou Sandra, uma amiga de Alison — cumprimentou


a moça ao menino.

O menino, que observava um pouco retraído, cumprimentou-as


com um tímido sorriso. Alison colocou a cabeça no interior da carroça
e chamou:

— Briana!

Como era de esperar, a menina estava oculta sob uma manta, e a


jovem insistiu:

— Briana e Pousi, saiam daí.

Finalmente, a criança colocou a cabeça e Alison murmurou com


carinho:

— Veem, quero apresentar minhas amigas.

Ela negou com a cabeça. As pessoas, e especialmente as


mulheres, davam-lhe medo.

— Prometo-te por minha vida que não te farão mal — insistiu a


jovem.

— Pousi e eu temos medo.

Alison sorriu ao ouvi-la.

— Queridas, não devem ter medo.


Mas a menina seguia sem mover-se; então Will subiu à carroça.

— Briana, atenda a Alison ou fará com que se zangue e nos


deixará sozinhos no próximo povoado.

A pequena deu um salto para ir junto a ela. A jovem, comovida


por sua reação, ia dizer algo quando Briana, abraçando-a com sua
velha boneca na mão, rogou:

— Não... não nos deixe, por favor... por favor... por favor...

Percebendo do que a menina precisava fez com que Alison a


abraçasse com segurança e, olhando para Will, sussurrou:

— Calma, céu... calma...

Instantes depois, com uma tremula Briana nos braços, Alison


voltou de novo para junto de suas amigas.

— Apresento-lhes à linda Briana e Pousi.

Demelza, Adnerb e Sandra olharam à pequena com carinho e


Sandra, estendendo os braços disse:

— Olá, Briana, que bonito nome! — E tocando com mimo a boneca


acrescentou: — E Pousi é muito bonita também.

As três mulheres, ante os olhos agradecidos de Matsuura, Gilroy


e Alison, desfizeram-se em adulações com a pequena para fazê-la se
sentir bem e que deixasse de ter medo. Nenhuma mencionou o lenço
que cobria sua cabeça. E quando finalmente Briana relaxou e pegou
confiança, Alison a deixou no chão.

Um bom momento depois viu a menina sentada conversando com


as garotas; aproximou-se de Will, que estava junto aos cavalos, e,
depois de tocar com afeto sua cabeça, murmurou:
— Eu nunca os deixaria porque Briana não me atendesse.

Ele sorriu e meneou a cabeça.

— Sei, Alison. Mas para que minha irmã saísse de debaixo da


manta tinha que ameaçá-la com o que sei que teme.

Alison piscou confundida e ele esclareceu:

— Briana tem medo de que nos abandone.

— Will...

— É pequena — prosseguiu o menino, — Mas precisamente pelo


que passamos ao ficarmos sozinhos, sabe que você, têm que repartir
sua comida conosco, sendo suas porções menores, e é consciente, como
eu, de que para que possamos dormir na carroça, tio Matsuura e Gilroy
dormem fora dela.

Comovida pelo que ouvia, Alison se dispunha a replicar quando o


pequeno perguntou em um fio de voz:

— Não vai nos abandonar, verdade?

Sem poder afastar o olhar do menino que suplicava por amor,


Alison o abraçou e sussurrou beijando-o:

— Não, querido. Nunca os abandonaria.

— E se o tio Tadeu não nos quiser? — Perguntou Will.

— Mas por que não vai querer? — Disse ela surpreendida.

Will encolheu os ombros. Seu tio nunca se deu bem com seu pai
e, sem saber o que responder, ouviu que Alison acrescentava:

— Will, o pouco que temos é para todos, e no referente a seu tio,


quero vê-los felizes e seguros e que se alegrem por estar com ele. Ele
lhes dará um lar e...
— Tendo você, já temos um lar — a cortou ele.

Surpreendida por aquilo que o moço sentia apesar do pouco


tempo que estava junto a ela, a jovem sorriu.

— Obrigada por suas palavras. Asseguro-te que é uma das coisas


mais bonitas que me disseram na vida. Mas, como bem sabe, Will, em
certas ocasiões o futuro pode ser muito incerto, e acredito que um lar
tem que ser algo mais que uma mísera carroça, que é o único que posso
te oferecer.

Ambos se olhavam com muitas perguntas na cabeça quando


Demelza se aproximou.

— Alison, podemos falar um segundo?

Levantando-se, Will se encaminhou para onde sua irmã falava


com o resto do grupo, e Demelza sussurrou olhando ao menino:

— Parecem boas crianças.

— São — afirmou Alison.

Durante instantes ficaram caladas, até que Demelza perguntou:

— O que vai fazer com eles?

Alison suspirou e encolheu os ombros.

— Levá-los a seu tio, que pelo que parece vive em Saint Andrews,
e se por alguma razão isso não puder ser, terei que buscar um lar para
eles e Sigge.

Sua amiga, ao ver como ela olhava as crianças, que riam junto à
Matsuura e Gilroy, comentou então sem se conter:

— Não acredita que já encontraram um lar? — Alison a olhou. —


Vi como Briana se sente protegida por Matsuura, como Sigge sorri a
Gilroy e como Will te abraça e a olha... Não acredita que você já é seu
lar?

Ouvir isso era bonito, mas duro, por isso Alison, com os olhos
cheios de lágrimas, levantou-se para que ninguém visse e perguntou
virando-se:

— Acredita que esta velha carroça é um lar?

— Oh, Alison... — sussurrou Demelza.

Afastando alguns passos para não ser ouvida, a jovem Moore


indicou:

— Eu não acredito. Em minha opinião, essas maravilhosas


crianças merecem algo melhor. Além disso, eu...

De repente, calou. Mas o que ia dizer?

— Além disso, você o quê? — Perguntou Demelza com


curiosidade.

Ela fechou os olhos. Não podia contar a verdade. Não podia dizer
que era a filha do pirata Moore, essa que todos acreditavam que matava
às pessoas para posteriormente utilizar seus crânios como terrinas
para a sopa, por isso tomando ar respondeu:

— Porque, além disso, não sei cuidá-los. Não sou uma mãe nem
sei o que é o que faz uma mãe. Por desgraça, a minha morreu sendo eu
era um bebê recém-nascido e não tenho muitas referências.

Sua amiga assentiu ao ouvi-la. Essa história lhe recordava à sua


própria.

— Minha mãe também morreu quando eu era muito pequena —


explicou, — e meu pai me levou para junto de sua família na Noruega.
Sua mulher, Urd, nunca quis ser minha mãe. Sempre me fez a vida
difícil, embora em seu leito de morte me pediu perdão e eu a perdoei.
Por sorte, com eles e meus irmãos vivia Hilda, uma escocesa que meu
pai libertou de seu cativeiro e trabalhava como criada na casa. Desde
que entrei pela porta Hilda foi como uma mãe. Ela me abraçou, cuidou-
me, mimou-me, escutou-me, preocupou-se comigo e, sobretudo, deu-
me seu amor. Todas essas coisas são as que faz uma mãe, e tudo isso
é o que você está dando a essas crianças. Assim não diga que não sabe
o que é o que faz uma mãe, porque isso já está fazendo e muito bem.

Alison assentiu, e Demelza continuou:

— Entendo que te encontrar de repente tomando conta de três


crianças não tem que ser fácil. Eu tenho somente uma filha, a que por
certo morro por ver e que Hilda está cuidando agora como uma avó.
Mas possivelmente a vida tenha colocado essas crianças em seu
caminho por e para algo, Alison. Deveria pensar nisso.

Ela sorriu e tomou ar.

— Demelza, pelas coisas que conta sinto que nem sua vida nem a
minha foram fáceis. Mas digamos que minha vida esteve marcada por
certas circunstâncias que não quero que danificassem o futuro desses
pequenos.

— Que circunstâncias?

Alison olhou a jovem ruiva nos olhos. Algo em seu interior lhe
dizia que podia confiar-se nela, justificar-se. Que ela nem ia se assustar
nem ia afastá-la de seu lado. Mas, consciente de que revelar seu
segredo poderia pôr em perigo a vida de Gilroy e de Matsuura,
finalmente murmurou:

— Prefiro não falar disso.


— Mas, Alison, o que teme? — Alison a olhou e Demelza insistiu:
— Não sei o que é o que não quer contar sobre você e não a entendo. E
sabe por que não? — Alison negou comovida com a cabeça. — Porque
a olho e vejo uma boa pessoa, uma pessoa carinhosa e com um coração
imenso. Por isso não a entendo.

Alison sorriu. Cada vez que alguém lhe dizia algo bonito temia
mais a reação dessa pessoa se soubesse realmente quem ela era. Por
isso, baixando a voz, respondeu:

— Sinto não poder lhe contar. De verdade, Demelza, é melhor para


você que não saiba.

Mas o que podia ela poderia ocultar? Pensou a ruiva. E, apesar do


muito que desejava saber, não insistiu. Em algum momento de seu
passado ela mesma tinha guardado segredos por suas circunstâncias
e posteriormente os tinha revelado. Mas, sem dúvida, decidir-se a fazê-
lo precisava de tempo, e como não queria pressioná-la, cochichou:

— Estou aqui para quando desejar falar comigo e se justificar.


Digo-lhe isso de coração. Asseguro-te que não a julgarei. Só a escutarei
e tratarei de te entender.

— Sei — afirmou Alison.

Ambas se olhavam nos olhos quando Demelza mudou de assunto.

— Quero que saiba que estes dias Harald pensou muito em você.

Alison a olhou surpreendida.

— E como sabe?

— Porque o conheço.

A jovem sorriu, gostava de ouvir isso; que ele tivesse pensado nela,
como ela tinha pensado nele, isso era incrível.
— Alison — acrescentou Demelza, — algo me diz que, assim que
Harald se dê uma oportunidade e saiba que sua vida junto a você não
tem por que ser um problema a não ser uma bênção, mudará de
atitude.

A moça voltou de novo para a realidade ouvindo isso. Bênção, o


que se dizia ser uma bênção, não era; ao contrário, por ser ela quem
era, mas bem constituía um problema.

— Isso nunca ocorrerá — retrucou depois de tomar ar.

— Por quê? Acaso agora vai ser tão cabeça dura quanto ele?

Alison sorriu.

— A última vez que nos vimos em Edimburgo me disse que não


voltaria a insistir com o assunto. Está faltando a sua palavra...

Demelza assentiu. Sem dúvida tinha razão. E, dando-se por


vencida no momento, acrescentou mudando de assunto:

— Foi muito bonito o que fez por Glades, Oswald e sua família. —
Alison a olhou e ela continuou: — Vi como colocava o broche no bolso
de Oswald. Sem dúvida, quando o homem o encontrar, terá uma
surpresa!

A jovem sorriu, dando de ombro, sussurrou:

— Se pode ajudar a quem precisa, por que não fazê-lo? Esse


broche foi o primeiro que confeccionei e possivelmente por isso é
especial. Por sorte, não estou passando penúrias para vendê-lo para
poder subsistir, mas eles sim, precisam. — E, consciente de que assim
que pudesse seu pai a ajudaria a recuperá-lo, finalizou: — A verdade,
asseguro-te que dormirei muito melhor sabendo que, obrigado à vender
o broche, Glades e sua família poderão viver mais calmos.
De repente, ouviu-se o galope de um cavalo. Ambas as jovens
levantaram a vista e viram que alguém se aproximava.

Todos ficaram em pé e Briana se apressou a entrar na carroça


para ocultar-se sob a manta. O cavalo parou diante delas e um homem
que não conheciam exclamou:

— Se afaste daqui! Estão em perigo!

— O que acontece? — Perguntou Sandra.

O homem, sem apear de seu cavalo, rapidamente esclareceu:

— Piratas! Os piratas do capitão Jack Moore e sua filha chegaram


a Sambery, semeando o caos e a destruição.

Sem poder acreditar, Alison não soube o que responder. O que


dizia aquele homem?

Em seguida ele relatou o ataque que tinha acontecido no mercado


do povoado.

— Pelo amor de Deus... morro de horror! — Murmurou Adnerb.

Antes de partir o homem repetiu o ocorrido, e Alison, olhando às


demais, sibilou:

— Pelas barbas de Netuno! Então, os gritos que pareci ouvir eram


reais. — E, correndo para pegar sua katana e seu cavalo, disse
enquanto as outras três foram a toda velocidade para seus cavalos: —
Tio Matsuura, você e Gilroy ficarão aqui com as crianças.

— Nem pensar! Irei contigo — afirmou o japonês depois de ouvir


o que o homem tinha contado.

Entretanto, a jovem negou com a cabeça.


— Sabe tão bem quanto eu que as crianças não se podem ficar
sozinhos com Gilroy. — E, baixando a voz, acrescentou: — Duvido que
sejam os nossos quem fez isso. Papai não faria algo assim.

— Contou-me que ontem viu Roe, e esse homem disse...

— Esse homem pode dizer a missa. Asseguro-te que os nossos não


foram — afirmou Alison convencida.

Matsuura amaldiçoou. Sem dúvida ela tinha razão.

— De acordo — assentiu, — mas tome cuidado. Não se ponha em


perigo, e tampouco quero galos.

Esse comentário fez que ambos rissem e a seguir Matsuura


indicou apontando às mulheres:

— Enviarei Gilroy em busca de seus maridos para informar do


ocorrido no mercado.

E, sem tempo a perder, as quatro jovens empreenderam o


caminho de volta a Sambery.

Teria acontecido algo à família de Glades?


A chegada a casa de Glades foi terrível. Quando as moças
entraram, esta estava repleta de gente que as olhava com desconfiança,
e ficaram sem saber o que dizer ao encontrarem os corpos sem vida da
mulher e seu filho Scott na sala.

Leonora chorava desesperada, e Oswald estava em choque.

Adnerb rompeu a chorar horrorizada. Sandra a consolava,


enquanto Demelza e Alison, graças a sua fortaleza, tentando asserenar-
se aproximou-se de Oswald para perguntar no que podiam ajudar e,
sobretudo, para saber o que era o que tinha ocorrido.

Quando ele contou que tinham sido atacados no mercado porque


dias antes Scott tinha aprontando com seus amigos, Alison olhou
paralisada a seu redor. A morte sempre tinha feito parte de sua vida, e
embora sofresse cada vez que perdia a algum integrante do navio de
seu pai, nunca tinha vivido um momento como aquele, tão íntimo e
familiar.

Oprimida pela situação, e mais ainda porque os vizinhos repetiam


continuamente que seu pai tinha sido o causador do ataque, saiu ao
exterior para tomar ar.
Não podia acreditar. Nem seu pai nem seus tios fariam algo assim
nunca.

As pessoas que estavam a seu lado a observavam com


curiosidade. Era uma estranha, mas sua maneira de olhá-la não
inquietou Alison; ela estava acostumada a isso e muito mais. Nesse
momento ouviu que alguém dizia:

— Isto é teu.

Surpreendida, voltando-se para encontrar-se com Oswald, que


lhe estendia um dos braceletes de prata que horas antes tinha
presenteado.

— Minha Glades já não precisa.

Sua voz, rasgada pela dor, fez com que Alison o abraçasse e
murmurasse:

— Oswald... sinto muito. Sinto muito.

O homem assentiu e, secando as lágrimas que indevidamente


corriam por seu rosto, disse baixando a voz para não ser ouvido:

— Como a boa nórdica que era, Glades sempre me dizia que devia
ver a morte como parte da vida. Meu filho era um bom moço, mas faz
tempo começou a frequentar certas companhias que o fizeram mudar.
Tornou-se ambicioso e... e...

Não pôde continuar, pois a angústia pôde com ele. Sua mulher.
Seu filho. Perder a dois seres queridos em um mesmo dia era algo que
nunca teria imaginado, e Alison o abraçou de novo.

— Calma, Oswald. Calma.


Contendo seus sentimentos, o homem tomou ar. Por Leonora, sua
filha, devia ser forte, e enquanto se encaminhavam para a porta
traseira da casa, murmurou olhando para Alison:

— Esses malditos piratas destroçaram minha vida.

Ela tratou de consolá-lo, mas incapaz de calar, perguntou:

— Por que diz que eram piratas do capitão Moore?

— Porque eram.

Desesperada, ela cravou seu sombrio olhar nele e insistiu:

— No que se apoia?

— Moça... acredito que... — começou a dizer ele baixando a voz.

— Oswald, por favor, por que está tão seguro de que eram eles?

O homem, confundido, depois de tomar ar para encher seus


pulmões, sussurrou para que só ela o ouvisse:

— Sei que colocou o broche em meu bolso, mas não posso lhe
devolver porque quem originou este massacre me obrigou a dizer que
os piratas eram homens do capitão Moore e de sua filha sanguinária.

— O quê?

Oswald assentiu envergonhado.

— Disse-me que mataria Leonora se não o dissesse —


acrescentou. — E... também, que quando a visse te dissesse que ele
mesmo devolveria o broche antes de matá-la.

Alison o olhava boquiaberta sem precaver-se de que alguém


tratava de escutar sua conversa do outro lado da porta.
— Moça — cochichou ele então, — não sei se conhece esse
homem, mas está em perigo. Foge quanto antes daqui para que não te
encontre.

Alison não deu crédito ao que ouvia; do único homem que tinha
que escapar estava morto, por isso, sem poder conter-se, perguntou:

— Mas de quem tenho que fugir?

Com raiva nos olhos e no coração, finalmente Oswald soltou:

— Do maldito capitão Julian Andersen.

Ouvir esse nome a fez amaldiçoar. Estava claro que ele sabia que
ela tinha tido algo na morte de seu amigo Conrad, daí que os culpasse
do ocorrido.

— Maldito seja! — Murmurou.

— Esse homem é perigoso, como era Conrad McEwan — insistiu


Oswald.

— Sei — afirmou ela.

— Cada vez que El Tritón Rojo ou La Bella Escócia atracam no


porto, algo me diz que não são boas pessoas, embora sejam amigos de
quem reparte justiça na região. Por sorte, um deles está morto, mas o
outro parece querer justiça.

A jovem assentiu, Oswald não podia estar mais acertado.

— Scott não quis me ouvir — continuou o homem. — Eu avisei.


Adverti-lhe que não se aproximasse do navio, de seus homens nem da
mercadoria, mas soube que levavam grandes quantidades de ervas que
sua mãe venderia bem e... e... não quis me escutar. Entrar naquele
navio foi sua perdição. Viu mais do que deveria e...
— O que viu? — Quis saber Alison.

Oswald, que tinha os olhos empanados pela dor, murmurou:

— Entre muitas coisas que não deviam transportar, em suas


adegas havia umas quarenta pessoas acorrentadas, homens e
mulheres escoceses. Scott pôde falar com um deles e lhe disse entre
soluços que tinha ouvido que os levavam a Ásia para vendê-los como
escravos.

Alison assentiu horrorizada e, quando ia perguntar algo, um


vizinho se aproximou deles e, dando um passo atrás, a jovem se
afastou.

Durante um momento ponderou o que Oswald tinha contado.

Conrad estava morto, mas agora era Julian quem podia lhe
causar problemas. E embora isso não devesse lhe importasse muito, o
que lhe importava era que jogasse a culpa em seu pai e a ela pelo
ocorrido.

Escravos. Frequentemente tinha ouvido dizer isso em referência


ao que Conrad e Julian transportavam em seus navios, mas nem seu
pai nem ela tinham querido acreditar. Não obstante, acabava de
descobrir que era verdade. Não contentes com a pirataria, agora
também compravam e vendiam pessoas. Aqueles homens eram um
horror.

Sem dúvida tinha chegado o momento de terminar com aquilo.


Conrad já não exista, por isso só tinha que acabar com Julian
Andersen. Sabendo o que sabia não podia permitir que aquele terrível
homem, que ninguém considerava um pirata, seguisse roubando,
matando e sequestrando e não pagasse por isso. Alison tinha que fazer
algo, e o faria embora lhe custasse a morte.
Odiava Julian igualmente como odiara Conrad, o asco que tinha
era tremendo. E, disposta a dar um castigo a Julian por jogar a culpa
do ataque a seu, deu a volta e se dirigiu para sua montaria. Devia
aproximar-se do porto e comprovar se o navio dele ainda seguia ali.

Quando alcançou seu cavalo, Demelza, que tinha escutado parte


de sua conversa oculta depois da porta, simplesmente disse:

— Vá aonde queira, vou contigo.

E, sem falar, ambas se dirigiram para o porto de Sambery. Antes


de chegar passaram pela praça. Aquele lugar, que durante o dia era o
mercado e estava repleto de risadas e vida, agora, depois do ocorrido,
era um caos. Não só tinham morrido Glades e Scott, mas muitos mais.

De repente, Alison se deteve e ficou olhando a embarcação que já


não estava atracada no porto. El Tritón Rojo estava agora ancorado mar
a dentro para evitar que alguém externo ao navio pudesse embarcar.
Era claro que Julian não queria mais surpresas.

Durante instantes as duas jovens permaneceram em silêncio, até


que Alison viu de repente Julian ao longe. A sorte estava de sua parte.
Seguindo a direção de seu olhar, Demelza o viu também e perguntou:

— Mas esse não é o que estava o outro dia na festa dos clãs com
Conrad McEwan?

— Sim — assentiu ela. — Conrad possuía dois navios. Julian


capitaneia um deles, e intuo que, depois da morte de seu amigo, agora
ele é o dono de ambos. Me acredite, Demelza, todos estão muito
equivocados quanto a Conrad e Julian. Não são boa gente. De fato,
Julian foi quem matou Glades e...
— Mas o que diz? — Interrompeu-a ela. — Quem causou o
massacre foram os piratas do capitão Moore e a sanguinária de sua
filha.

— Não foram eles!

— Como que não?

Alison a olhou e falou com uma segurança a esmagou:

— Julian obrigou Oswald a dizer que foram eles ameaçando-o de


matar Leonora. Aqui os únicos piratas que assassinaram foram Julian
e seus homens.

Demelza assentiu; estava claro que Alison conhecia detalhes que


ela ignorava. Ao ver que Julian entrava em um prostíbulo e deduzir o
que Alison estava pensando, sussurrou:

— Não acredito que seja boa ideia.

— Provavelmente — retrucou ela.

Durante segundos ambas guardaram silêncio, até que finalmente


a ruiva afirmou:

— Se Aiden souber, matar-me-á.

Alison desceu do cavalo e disse:

— Fique aqui. Eu irei.

— Nada disso. — Protestou Demelza. — Se você for, eu também


vou.

Ouvir isso fez com que sua amiga a olhasse e insistisse:

— Demelza, você bem disse: Aiden te matará! Fique aqui.

A ruiva sorriu.
— Acompanhar-te-ei, Aiden me matando ou não.

— Demelza!

— Alison!

— Não seja cabeça dura!

— Olhe quem fala!

Sem poder evitar, as duas sorriram por ser cabeças duras, e a


ruiva pediu:

— Me prometa que, quando sairmos dali, me contará o que


manteve em segredo até agora. Seja o que for e seja quem é, quero sabê-
lo.

— Prometer não é o meu estilo.

— Alison!

Alison sorriu de novo.

— Sou sincera. Eu não gosto de prometer coisas que não sei se


poderei cumprir.

Demelza se dispunha a replicar quando ela indicou olhando-a:

— Agora deve confiar em mim e não se assustar, se surpreender


nem me julgar por nada do que faça ou diga quando entrarmos nesse
bordel.

— Mas o que vai fazer?

— Já verá!

Demelza piscou e, em seguida, Alison disse sorrindo:

— Entremos!
Tomando ar, as duas mulheres, que estavam vestidas com calças,
entraram na taberna. Como era de esperar, o local estava cheio de
homens e prostitutas, que, ao vê-las, rapidamente começaram a
importuná-las.

As duas jovens, sem alterarem-se, continuaram caminhando em


busca de Julian, mas não conseguiam vê-lo.

De repente, Alison notou que alguém a pegava por uma perna e,


sem hesitar, lançou o cotovelo para trás que pegou o homem no nariz.
Este começou a sangrar e ela, olhando-o, perguntou:

— Quer que a te corte o pau?

— Se atreva, porca! — Gritou ele.

— Isso, você me anime... mordedor de botas — zombou Alison


ante a carranca pasmada de Demelza.

Os homens riram e outro sujeito se levantou da mesa, colocou-se


diante da morena e, de forma inesperada e sem mediar palavra, ela lhe
deu uma cabeçada que o fez cair ao chão.

Demelza, ao ver, apressou-se a perguntar inquieta:

— Por Deus, está bem?

Dolorida pelo golpe, mas sem mudar seu trejeito feroz, Alison
assentiu e, sorrindo de uma maneira que Demelza não conhecia, falou
alto e claro para que todos a ouvissem:

— Sou Maura McWarren e estou melhor que esse mordedor de


almofadas de merda...

Demelza levantou as sobrancelhas ouvindo-a. Maura McWarren?


As risadas dos homens não demoraram para fazer-se ouvir.
Alison, parando ante uma mesa, gritou a um homem que tinha sentado
perto dela:

— Você, aprendiz de grumete de agua doce, levanta seu sujo e


rachado traseiro daí ou juro que, se eu o tiver que levantar, usarei como
comida para os tubarões!

O homem se apressou a levantar-se ante a surpresa de Demelza


e Alison se sentou em seu lugar. Então outro se dispôs a aproximar-se
dela, mas a morena, acostumada a brigar com aquele tipo de gente,
deteve-o levantando uma perna enquanto gritava:

— Se aproxime, maltrapilho fedorento, e arranco seus dentes!

Demelza não cabia em si de espanto. Sabia que Alison era forte,


guerreira, uma mulher com caráter, mas ver como se conduzia com os
homens e o rude vocabulário que utilizava a surpreendeu.

— Vamos, Maura McWarren, dance conosco um pouquinho! —


Disse um deles as olhando.

— Dançaria, mas sobre sua feia tumba — replicou ela, — mas algo
me diz que é tão bastardo e filho de Satanás que nem sepultura
merecerá.

— Hei, Maura, não ultrapasse! Sou um lobo do mar.

Ouvir isso fez com que ela sorrisse com descaramento e, olhando-
o, exclamou:

— Pelas barbas de Netuno! Lobo do mar, você? — Ele voltou a


assentir, e esta afirmou: — Eu acredito que é mais um fodido vira-lata
do charco14.
De novo, as risadas voltaram a alagar o local. Aquela mulher era
muito inteligente. Mas nesse instante uma das prostitutas se
aproximou de sua mesa e, as olhando com aversão, soltou:

— Este é um local só para homens, acaso não perceberam?

Demelza e Alison se olharam e a ruiva perguntou:

— Você não é uma mulher?

— Sim.

— E o que faz aqui?

— Estou trabalhando — replicou a prostituta irritada por suas


perguntas.

— Como se chama? — Disse Alison sem dar uma pausa.

— Mariana.

Ela assentiu e, com atitude baixa, indicou observando a uma


jovem que servia taças pelas mesas:

— Pois segue com o que fazia, Mariana. Nós não vamos requerer
seus serviços. Isso sim, que diga a... Como se chama a mulher que está
ao lado do jovem que serve as bebidas?

Imediatamente, Mariana olhou e, ao ver a quem se referia, disse


com desagrado:

— Beth. Embora eu a chamo Beth, a Suja.

— Pois lhe diga a que está junto de Beth que nos sirva dois goles.
E bem servidos.

A mulher se afastou delas com gesto enojado e em seguida


Demelza perguntou dirigindo-se a sua amiga:

— Pode me explicar o que está fazendo... Maura?


— Procurando informação.

— E buscas informação insultando a todos aqui?

— Sim.

A ruiva piscou e, tentando não rir, zombou:

— Ah, ora... saber isso me deixa mais calma. Por um momento


pensei que estava procurando que nos matassem.

Alison não respondeu. Então, a servente chegou até elas e disse


depois colocar os copos sobre a mesa:

— Duas moedas.

Alison assentiu e, deixando quatro para que ela visse, apontou:

— Se me disser em que quarto está o capitão Julian Andersen, as


duas moedas que sobram são para você.

A garota olhou as moedas. Proposições como aquela ali havia


poucas e, pondo a mão em cima, murmurou:

— Terceiro andar, segunda porta à esquerda.

Demelza sorriu e Alison olhou a ela e disse-lhe capturando sua


mão:

— Se nos mentir ou te ocorrer advertir a aonde nos dirigimos, juro


que retornarei, buscar-te-ei e, sem hesitar, matar-te-ei, fica claro?

A garota, um pouco assustada pela força dela, assentiu e, ao


partir, Demelza ia dizer algo quando Alison, que doía a cabeça pela
cabeçada, perguntou:

— Minha testa está inchada?

A ruiva assentiu e disse boquiaberta por tudo o que estava


descobrindo dela:
— Um tremendo galo verde.

Alison blasfemou ao pensar em seu tio Matsuura e, depois de


pegar o copo e bebê-lo de um gole, cochichou:

— Vamos. Tome-o.

Demelza tomou de um gole. Aquilo tinha um sabor horrível,


deixando a bebida sobre a mesa, perguntou:

— De verdade que bebe isso?

— Sim.

— Mas é asqueroso!

— Bebi coisas piores — retrucou ela.

E, sem tempo a perder, a jovem Moore, disposta que todo mundo


olhasse para o outro lado e assim elas poderiam mover-se livremente
pelo prostíbulo, levantou-se e gritou:

— Heiii, Beth, a Suja! Mariana disse que tem lêndeas em suas


partes baixas, é verdade isso?!

Ao ouví-la, Beth e Mariana se olharam e, antes que alguém


pudesse evitar, pegaram-se pelos cabelos e começaram a brigar,
enquanto os homens as animavam alegres com o espetáculo.

— Me siga — apressou Alison dirigindo-se a sua amiga.

Sem perda de tempo, ambas alcançaram a escada, subiram até o


terceiro andar e, ao chegar frente à porta onde supostamente estava
Julian, Alison pediu a Demelza:

— Ponha o capuz e oculte seu rosto.

— Por quê?

— Porque quanto menos a vejam, melhor.


Continuando, dispostas a tudo e sem pensar em nada mais,
abriram a porta de um chute.

Assim que esta se abriu, Julian, que aproveitava dos prazeres da


carne com uma mulher, levantou-se nu da cama.

Rapidamente pegou sua espada, mas Alison, lançando-se sobre


ele, fê-lo rolar pelo chão. Demelza fechou então a porta do quarto e,
olhando à mulher, que estava assustada sobre a cama, levou um dedo
aos lábios e a advertiu:

— Se gritar, a mato.

Julian e Alison brigaram no chão, até que finalmente ela, tirando


uma das adagas que usava, colocou-a junto ao membro viril dele e,
olhando-o nos olhos, murmurou:

— Eu gostaria demais que te cortar isso.

— Não se atreva — sibilou ele.

Ao ver o olhar de sua amiga, Demelza temeu o pior.

— Motivos tenho, e bem sabe — sussurrou ela.

— Matou Conrad — cuspiu Julian irritado por ter sido pego


daquela maneira. — Foi você, sei. E vai pagar.

Alison sorriu e, sem olhar a sua amiga, que escutava


surpreendida, cuspiu:

— Você, sim, que vai pagar pelo que fez.

— Maldita pira...

Antes de que terminasse de pronunciar a última palavra e


Demelza o ouvisse, Alison se apressou e deu-lhe um bofetão.

— Não me chame de «pirada» — retrucou.


Julian a empurrou furioso e voltaram a rodar pelo chão; Alison,
depois de lhe dar um chute em suas partes que o fez ver estrelas, soltou
imobilizando-o:

— O que é isso de que foram os piratas Moore que ocasionou o


massacre? — Julian, que lhe faltava o ar pelo forte golpe recebido, não
respondeu. — É um maldito filho de cadela. Um bastardo. Um despojo
humano — continuou ela. — Como foi capaz de fazer algo como o de
hoje? Como pode dormir matando gente e culpando a outros? De
verdade, míseras especiarias mereciam a morte desse moço, sua mãe e
todos os que matastes?

— A justiça me amparava — conseguiu dizer Julian depois de


recuperar o fôlego. — Mataram um de meus homens e me roubaram.

A cada segundo mais zangada, Alison grunhiu:

— A justiça se equivoca em acreditar que você e o morto eram


honrados comerciantes, quando bem sabe que é justamente o contrário
— replicou evitando dizer a palavra pirata para não pôr de sobre aviso
Demelza. — E que tenha a pouca vergonha de culpar a quem nunca
esteve aqui me demonstra uma vez mais o verme podre que é. Mas,
sabe? Isso vai se acabar, porque neste momento sei de seu jogo sujo e
penso agir. Portanto, se não quiser que ao amanhecer o governador
Thomas McBouden, que conheço pessoalmente, reviste de cima abaixo
El Tritón Rojo, tem que fazer duas coisas. A primeira, correr a voz de
que o capitão Jack Moore e sua filha não tiveram nada que ver com o
massacre do mercado. E, a segunda, libertar as pessoas que tem
cativas nas adegas do navio e que pensa em vender na Ásia.

Demelza piscou. Era verdade o que estava ouvindo?


Recordar como ela tinha sido capturada na Noruega para ser
vendida em Escócia não era nada agradável. A sensação de medo e
impotência ainda era difícil de esquecer, e quando ia falar Alison deu
outro bofetão nele e acrescentou:

— Hoje é seu dia de sorte. Não vou te matar porque preciso que
faça o que peço, mas tenha por certo de que, se voltarmos a nos ver,
não penso ser tão benevolente. E nem pense se aproximar de Oswald
ou de sua filha, buscar-te-ei, cortar-te-ei seu asqueroso pau e o farei
comê-lo, fui clara?

Julian, zangado e acovardado, pois sabia a fera que podia ser a


jovem, levado pelo momento e disposto a escapar, com raiva,
cochichou:

— Princesa, não me...

— Filho de Satanás... não me chame assim!

E, sem poder deter-se, baixou ligeiramente a mão e lhe cravou a


ponta da adaga na perna. Julian gritou de dor, e a jovem, olhando-o,
sibilou:

— Aproveitarei e te esfolarei se voltar a me chamar assim.

— Alison — murmurou Demelza ao ver seu olhar sombrio.

A ferocidade que via nela só podia se equiparar com o que ela


sentiu quando teve diante de si à pessoa que matou a sua família.

Mas o que ocorria a Alison?

Inquieta, ouvindo pisadas fortes e rápidas provenientes do


exterior, Demelza sussurrou:
— Acredito que alguém sobe... — E, olhando à mulher que a
observava nua da cama, ordenou: — Você, levante e me ajude a
bloquear a porta.

Sem demora, ela obedeceu e Demelza e ela moveram móveis para


que ninguém pudesse entrar no quarto.

Julian ofegava. A ferida infligida por Alison era dolorosa, por isso,
olhando-a, ia falar quando esta, cravando ainda mais a adaga,
resmungou:

— Recorde: desmente que o que você insinuou sobrei o capitão


Moore, e quero essas pessoas cativas em terra antes do amanhecer,
entendido?!

Nesse instante alguém golpeou a porta.

Imediatamente, Julian gritou para pedir ajuda e os golpes se


multiplicaram.

— Temos que sair daqui — se apressou a dizer Demelza. — Não


acredito que isso resista muito.

Furiosa, Alison lhe deu um forte bofetão por todo o rosto que fez
com que a cabeça do pirata ricocheteasse contra o chão e este perdesse
a consciência. Ao vê-lo imóvel rapidamente comprovou se respirava e,
como o fazia, murmurou:

— Mau por mau...

Logo, raivosa por tudo, soltou-lhe um novo murro no nariz que o


fez sangrar de novo.

Sem pressa, arrancou-lhe a adaga da perna e se levantou. Foi até


onde estava a roupa de Julian e, depois de rebuscar em seus bolsos e
encontrar o broche que tinha roubado de Oswald, olhou à mulher que
as observava, nua e assustada, e falou ao ver que sua amiga abria a
janela:

— Quando despertar lhe diga que mais vale para ele fazer o que
eu disse ou pagará as consequências.

Dito isto, Demelza e ela olharam para a rua. Lançar-se dali era
uma temeridade, mas Alison, acostumada a esse tipo de fugas, subiu
ao batente da janela e, ao ver como os móveis que seguravam a porta
se balançavam, disse segurando-se em um pau que me sobressaía da
fachada:

— Subamos.

— Ao terraço?

— Sim. É a melhor opção.

Sem demora, ambas subiram como puderam até o terraço do


prostíbulo.

Uma vez ali, olharam-se e Demelza perguntou:

— Matou Conrad McEwan?

Alison, sem querer confirmar ou desmentir, só respondeu:

— Provavelmente.

E, lembrando que Alison havia fingido estar surpresa ao falar


sobre o assunto, a ruiva acrescentou:

— Alison, seus segredos começam a me inquietar.

— Só te peço que isto fique entre você e eu.

Consciente do problema que seria se alguém soubesse disso,


Demelza se apressou a dizer:

— Juro-lhe por minha vida.


Alison sorriu agradecida.

— Como sabia dos escravos que ele quer vender? — Perguntou


sua amiga a seguir.

— Scott disse a Oswald, e ele a mim.

Demelza assentiu, ao menos tinha respondido aquilo, e voltou a


perguntar:

— E por que quer que desminta que não foi capitão Jack Moore
que fez o massacre? O que você tem com esse pirata?

Alison pegou ar e soprou. Responder a isso era fácil e complicado


ao mesmo tempo, e, depois de pensar, disse olhando a seu redor para
procurar uma saída:

— Quero que desminta por uma simples questão de humanidade.


Se não foi o capitão Moore, por que lhe atribuir o crime?

A jovem ruiva assentiu.

— Acredita que Julian soltará os cativos?

Alison, que seguia procurando uma via de escapamento com o


olhar, retrucou:

— Pelo temor que vi nos olhos desse saco de merda ao mencionar


o governador McBouden, o fará. Sobre desmentir que não foi o capitão
Jack Moore, já não sei.

— E agora o que fazemos? — Perguntou Demelza oprimida.

Alison olhou os terraços das casas vizinhas.

— Peguemos impulso e saltemos.

— Matar-nos-emos! — Exclamou a ruiva.


— Provavelmente, embora não acredite. — Ela sorriu com
segurança.

O que Alison propunha era uma loucura. Se Aiden soubesse


daquilo a mataria, mas, consciente de que não restava outra opção se
queriam escapar vivas dali, Demelza afirmou:

— Muito bem, no três!

E, depois de pegar carreira, saltaram no terraço vizinho, onde


aterrissaram rolando pelo chão.

— Ohhhhh! — Exclamou Demelza com a adrenalina pelas nuvens.


— Foi incrível.

Alison assentiu rindo.

— Pois ainda fica mais alguma para saltar.

As duas mulheres continuaram saltando de terraço em terraço


sem ser conscientes de que um grupo de cavaleiros entrava a todo
galope no povoado. Era Aiden, Harald, Peter, Gilroy e alguns homens
mais, que voltavam de casa de Glades. Ali, depois de encontrarem-se
com o triste panorama, e depois que Oswald os pusesse à corrente do
que sabia, Gilroy lhes indicou aonde tinham que ir. Conhecia Alison e
tinha certeza de que tinha ido atrás de Julian Andersen.

Ao entrar em Sambery, Gilroy viu de longe figuras que saltavam


de terraço em terraço e imediatamente soube que eram as duas jovens.

— Ali estão! — Exclamou.

A escuridão não lhes permitia distinguir com claridade, mas


Aiden, vendo o mesmo que Gilroy, replicou:

— Impossível. Essas não podem ser Demelza e Alison.


— São... — assegurou Gilroy. — Ora se não são!

Mas Harald insistiu:

— Como pode ter tanta certeza disso?

Com uma tranquilidade que parecia ser pasmosa, Gilroy declarou


a seguir:

— Por Tritão! Estou totalmente certo. Conheço muito bem Bug e


sei por onde escaparia se seus pés não pudessem tocar terra firme.

Com o coração encolhido, Aiden voltou a ver como elas saltavam


para outro terraço. Desta vez ouviu um grito de alegria e, reconhecendo
a voz da Demelza, sibilou:

— Eu vou matá-la... Juro que vou matá-la.

— Por Thor, estão loucas! — Exclamou Harald horrorizado.

— A direita! — Advertiu de repente Peter McGregor.

Ao olhar viram um grupo de homens que gritavam com as espadas


na mão. Entenderam que eram em busca de Demelza e Alison e, sem
hesitar, apearam de seus cavalos para enfrentá-los.

Salto a salto, as duas jovens foram se afastando do prostíbulo até


que finalmente, depois de saltarem a fachada de uma casa, puseram
os pés no chão e Alison cochichou divertida:

— Mas que bom, Demelza, surpreendeu-me!

Demelza sorriu e, vendo seus cavalos mais à frente, afirmou


correndo para eles:

— Você sim que me surpreendeu porque sem dúvida sinto que


tem muito a me contar.
Mas antes de alcançar os cavalos, dois homens apareceram frente
a elas e, desembainhando suas espadas, gritaram:

— Aonde vão tão rápido?!

Sem tempo a perder, Demelza e Alison desembainharam as suas


e começaram a lutar sem ser conscientes de que, algumas ruas mais
acima, Aiden, Harald e vários homens lutavam como elas.

O corpo a corpo com espada era algo que ambas dominavam, e


quando conseguiram dobrar os dois bandidos sujos, Demelza afirmou
enquanto começava a correr de novo para seu cavalo:

— É boa com essa katana!

— Você tampouco é mal com a espada — retrucou Alison subindo


a sua montaria.

Afastaram-se daquele povoado a galope, e especialmente da casa


de Oswald, enquanto estavam conscientes de que homens a cavalo as
perseguiam. Não queriam que Julian fosse ali para as pegar. Mas
quando estavam um bom tempo galopando, Demelza advertiu:

— Se seguirmos por este caminho chegaremos até as crianças.

Ouvir isso fez com que Alison freasse seu cavalo.

Por nada do mundo ia levar quem as perseguia até Matsuura e os


pequenos, por isso, apeando do fiorde, empunhou a katana e pediu:

— Vai, Demelza. Eu me ocupo deles.

Entretanto, a viking apeou a sua vez e replicou:

— Nem louca te deixo aqui sozinha.

— Mas, Demelza...

— Eu disse que nem louca — insistiu aquela.


Instantes depois, três homens chegaram a elas montados em seus
cavalos. Rapidamente desceram deles e, com as espadas nas mãos,
foram por elas.

Um golpe, dois... Alison e Demelza lutavam com força, com vigor,


com valentia. Elas eram por cima de todo guerreiras. Nenhum homem,
com ou sem espada, tinha-lhes dado medo, e quando finalmente
acabavam com aqueles três, viram que outros dois cavalos se
aproximavam a galope.

De novo, a luta começou. Neste momento as forças começavam a


escassear, e um deles feriu Demelza em um ombro e o outro feriu Alison
em uma perna. Mas isso era justamente o que as jovens precisavam
para despertar sua ferocidade. Por isso, depois de lutar com valentia e
concentração, quando terminaram com eles se olharam e, mesmo
ensanguentadas, sorriram.

Não obstante, o sorriso lhes durou pouco, pois ouviram mais


cavalos que se aproximavam. Demelza tomou ar e se dispôs a seguir
lutando, mas antes pediu:

— Se sairmos desta, me prometa que me contará tudo e me


ensinará a manejar a katana.

Entretanto, de sorte para elas, quem chegava eram Aiden, Harald


e seus homens. Demelza baixou a espada e, olhando seu marido,
declarou:

— Nem imagina como me deixa feliz em vê-lo neste momento.

Aiden, que estava pálido e furioso pelo que tinha visto e


imaginado, ao ver sua mulher cheia de sangue, em seguida apeou do
cavalo e, aproximando-se dela, ia falar quando esta lhe advertiu:
— Nem pense em soltar pela boca o que vejo em seus olhos.

Entretanto, ele, zangado pelo ocorrido, exclamou sem poder calar-


se:

— Que diabos estava fazendo, insensata?!

— Aiden, por favor, não grite — murmurou Demelza vendo como


todos os observavam.

Mas o highlander estava furioso e, sem escutá-la, insistiu:

— Pelo amor de Deus... como pensa em ir sozinha a Sambery e


entrar naquele prostíbulo? Acaso enlouqueceu? — E olhando Alison
acrescentou: — E o mesmo digo a você...

Surpreendida, a ruiva ia falar quando Aiden prosseguiu fora de si:

— Gilroy nos avisou do que ocorria. Pode me dizer por que em ir


sozinha? Como pode ser tão inconsciente? No que estava pensando?

— Aiden...

Entretanto, o highlander, furioso, não escutava, e continuou


olhando sua mulher:

— Demelza, maldita seja. Não correu somente perigo sem


necessidade no prostíbulo, mas ainda salta de terraço em terraço
brincando com sua vida? E o mesmo digo a você — repetiu apontando
Alison. — Mas, pelo amor de Deus, enlouqueceram?

— Acredito que sim — falou Peter com um sorriso.

Demelza e Alison o olharam sorrindo e ele sacudiu a cabeça.


Aquele tipo de mulher, guerreira, impetuosa, chamava-lhe muito a
atenção.
— McGregor — grunhiu Aiden ao ver seu sorriso, — não sei de
onde vê a graça.

Peter, que como todos tinha sido testemunha do que elas tinham
feito, retrucou olhando-o:

— Estão bem. Não lhes aconteceu nada, Aiden. Pare com isso.

— Poderiam haver se matado — insistiu ele.

— Mas não foi assim — afirmou Peter.

— Se é para dizer isso, melhor se calar! — Bramou de repente


Harald.

Assim que as jovens o ouviram, indevidamente intercambiaram


um olhar. E recordando os saltos que tinham dado as fez esboçar um
sorriso que Aiden, ao ver, sentenciou espantado pela desfaçatez:

— Está claro que levam a loucura nas veias.

Demelza olhou para sua amiga e encolheu os ombros; seu marido,


a cada instante mais exaltado, olhou para Harald, que guardara
silêncio ainda montado em seu cavalo, e exclamou:

— Por Deus, Harald. Acaso a prudência não foi algo que seu pai
ensinou a esta mulher?

— A prudência era a virtude de Ingrid, não de Demelza — replicou


o viking.

Demelza soprou. Ela sempre tinha sido uma mulher ousada,


excessivamente ousada, mas estava claro que Alison não ficava atrás.
E então, tentando tranquilizar seu marido, sussurrou:

— Querido, tem razão. Não procedi bem.

— Nada bem — conveio Peter tratando de não rir.


Ficaram em silêncio até que Harald, precisando de respostas,
perguntou:

— Por que foi em busca de Jack Moore e de sua filha?

Alison se apressou a negar com a cabeça.

— Eles não têm nada a ver com isso — replicou.

— O quê?! — Perguntaram os homens.

Olhavam-se boquiabertos quando Alison indicou:

— Fomos atrás de Julian Andersen.

Eles voltaram a se olhar e, por fim, Harald perguntou:

— E quem é esse?

— O homem de confiança de Conrad McEwan — esclareceu ela.


— Conhecendo Julian, depois da morte de Conrad se apropriou de
todos seus pertences.

De novo, os homens se surpreenderam e Demelza soltou:

— Soubemos que foi esse homem e não Jack Moore o culpado da


matança no mercado. E, se por acaso isso for pouco, tem pessoas
retidas em cativeiro em seu navio e que pensa vender na Ásia. E sabem
tão bem quanto eu o que penso de...

— Esse homem, como em seus dias foi Conrad, é um homem mau


por muitos motivos. E o digo com conhecimento de causa — assegurou
Alison.

Gilroy a olhou no ato. Mas o que fazia? Se seguia falando sem


pensar os poria em perigo.

E ela, ao ver como eles a olhavam em busca de respostas,


acrescentou tentando desviar as possíveis pergunta:
— Contou-me Oswald. Seu filho Scott entrou em seu navio para
roubar e viu às pessoas cativa. Há homens e mulheres escoceses
retidos contra sua vontade e que os levará para vender na Ásia como
escravos. Por isso mataram Scott. Porque os viu. Mas, calma, estou
convencida de que esses pobres cativos pisaram de novo, esta noite,
em terra escocesa. Ameacei Julian de que, se não soltasse essa pobre
gente, ao amanhecer o governador McBouden irá revistar seu navio; e,
conhecendo-o e sabendo o covarde que é, sem dúvida os soltará.

— O governador McBouden? — Repetiu Aiden com espanto.

Alison, que era consciente de sua irresponsabilidade ao misturar


o nome do governador neste assunto, apressou-se a explicar:

— Ora. Menti no que se refere ao governador, sei que esse homem


terá coisas melhores a fazer que vir aqui para isso, mas foi o primeiro
que me ocorreu.

Em silêncio, e surpreendidos por tudo, eles se olhavam; o que a


jovem contava era como pouco incrível. De repente, Aiden murmurou
olhando para sua mulher:

— Juro por Deus que a agonia que me fez sentir me vai pagar por
isso.

Demelza sorriu. Seu marido era dos que explodiam, mas, por
sorte, se ela utilizasse as palavras adequadas, em seguida tudo
passava. Conhecia-o, e olhando-o afirmou:

— Prometo que pagarei, mas agora, que tal se se tranquilizar e me


dá um beijo?

Aiden sorriu. Aquela bruxa de cabelo vermelho e olhos verdes


podia tudo com ele, e, precisando senti-la viva e a seu lado, beijou-a.
Alison, que se emocionou ao perceber de como aquele homem
amava a sua amiga, sorriu e, sem poder evitar, olhou para Harald. O
gigante loiro continuava montado em seu cavalo com seriedade. Não
dizia nada, inclusive parecia que não respirava.

Então Gilroy, apeando, aproximou-se da moça.

— Bug, vejo-te bem. Só um arranhão na coxa e seu habitual galo


na testa.

— Ora... isto não é nada — afirmou ela tocando-a frente.

Harald, atônito, não sabia o que dizer. De verdade o irmão de


Alison não ia recrimina-la por ter sido imprudente? De verdade não
pensava chamar sua atenção por pôr em perigo sua vida?

Como os outros, Harald tinha sido testemunha de como essas


duas loucas tinham saltado de terraço em terraço sem pensar que
poderiam se matar. Entretanto, Gilroy não parecia ter visto o mesmo
que eles. Nesse momento Peter McGregor se aproximou com seu cavalo
do viking e cochichou:

— Embora reconheça que achei engraçado o que ocorreu, nestas


mulheres a prudência brilha por sua ausência.

Harald assentiu, e acrescentou:

— Não acho nenhum pingo de graça.

Peter suspirou e afastou-se dele.

— Algum morto a relatar? — Perguntou Gilroy.

De novo, Harald se surpreendeu. Mas que maneira era essa de


perguntar isso? Algum morto? De verdade Alison seria capaz de matar?
A jovem, que olhava a coxa, que seguia sangrando, depois de
pegar um lenço das alforjas de seu cavalo para limpar-se, respondeu:

— Ninguém importante.

Em seguida, enquanto Aiden cuidava do corte no ombro de


Demelza, Gilroy e Alison se afastaram alguns passos dos outros e
começaram a falar; estava claro que tinham muito que contar.

Harald ainda sentia o coração acelerado como há tempo não o


sentia. Por quê?

Olhar a jovem e vê-la ferida o enchia de raiva, mas tentava conter-


se e em especial não zangar-se com ela por sua imprudência. Ele não
era ninguém para repreendê-la nem lhe exigir nada. Não podia lhe pedir
explicações como Aiden fazia com sua mulher. Mas precisava
aproximar-se dela, então finalmente desceu do cavalo e caminhou até
onde ela estava. Olhou-a no rosto e, ao ver o galo esverdeado e inchado
de sua testa, perguntou:

— Dói?

Satisfeita por sua presença e sua preocupação, Alison encolheu


os ombros e, apesar de que lhe doesse horrores a cabeça, respondeu:

— Não.

— Eu estranharia mais se não doesse algo nela! — Zombou Gilroy


ao ouvi-la.

— Se cale! — Grunhiu Alison.

— Verá quando Matsuura te ver — insistiu ele.

Alison amaldiçoou e, desejosa de que se calasse, sentenciou:


— Uau! Que tal se fechar essa sua boca suja de fanfarão? Irmão,
já te tirei um dente de um murro e, se pretende que te tire outro, estou
o suficientemente alterada para fazê-lo.

Gilroy se apressou a negar com a cabeça e, dando meia volta,


afastou-se.

Sem mover-se de onde estava, Harald esperou que ela o olhasse


de novo; então, ao baixar a vista para sua perna e ver que o sangue
corria por ela, agachou-se apressado para examinar o corte.

— O que faz? — Perguntou ela com zombaria ao vê-lo ajoelhado.


— Acaso me vai pedir em matrimônio? Recordo-te que sou morena e
descarada e você gosta das mulheres tímidas com o cabelo da cor do
sol.

Harald levantou o olhar para responder, mas não saíram as


palavras.

Aquela mulher, com sua beleza, sua força, sua proximidade, seu
descaramento, o fazia comportar-se como um menino. E Alison,
entendendo seu trejeito sério como desagrado, deu um passo atrás para
afastar-se dele enquanto tocava a ferida da coxa e acrescentava:

— Calma, estava brincando. E quanto a isto, não é nada.

Como que não era nada? E, recuperando o controle de seu corpo,


o viking cravou o olhar nela e insistiu:

— É um corte que sangra e terá que cuidá-lo.

— Disse que não é nada.

— Não seja cabeça dura.

— Olha só: «cabeça dura»! — Zombou ela. — Algo mais a


acrescentar a sua larga lista de meus defeitos.
Sem escutá-la, Harald a pegou pelo braço, aproximou-a dele e lhe
arrebatou o lenço que tinha nas mãos para pô-lo sobre a ferida.
Durante instantes a observou. Com mimo e delicadeza, limpou a ferida
ante os olhos de Alison, e finalmente disse:

— Precisa de algum ponto.

Senti-lo tão perto, tão preocupado, entregue e cheirar aquele


aroma varonil que desprendia dele, fez que os pelos de todo o corpo da
jovem se arrepiasse.

Este homem, tão diferente dela, estava conseguindo


involuntariamente o que ninguém mais havia alcançado. Nem mesmo
Conrad na sua época. Ela queria beijá-lo, abraçá-lo, perder-se em seus
braços e em seu corpo, mas sentia que isso dificilmente aconteceria.
Sua seriedade a fazia entender que Harald não sentia o mesmo que ela
por ele e, dando um passo para trás, falou:

— Eu disse que não é nada. Eu mesma o cuidarei.

Finalmente, Harald, vendo sua expressão incômoda, levantou-se


e deu por vencido. Entregou-lhe o lenço que segundos antes tinha
arrebatado e, com certa arrogância, deu um passo atrás. Não queria
seguir pressionando-a.

Depois de instantes em que reinou o silêncio, ouvindo o ruído de


cavalos que se aproximavam, todos se voltaram e empunharam suas
espadas dispostos ao ataque, até que viram que se tratava do Adnerb,
Sandra, Zac e Alastair.

As duas mulheres, vendo suas amigas assim, piscaram sem poder


acreditar e Adnerb grunhiu:

— Pode-se saber por que partiram sem avisar?


— Adnerb — a repreendeu Alastair.

Mas Sandra, zangada, insistiu:

— Quantas mais ir atrás de Jack Moore e sua filha sanguinária,


melhor, certo?

— Sandra! — Protestou Zac.

Demelza e Alison assentiram, e esta indicou:

— Nem Jack Moore nem sua filha tiveram nada que ver com o
ocorrido. Fomos atrás de um homem chamado Julian Andersen. Ele e
sua gente são os culpados pelo massacre. Oswald me confessou que
Julian tinha exigido que ele culpasse os Moore ou mataria Leonora.

— Nãooooo — murmurou Adnerb.

Demelza assentiu e não se falou mais.

Aiden, que já tinha dado a ordem a dois de seus homens para que
comprovassem se essa noite haveria o desembarque dos escravos,
pegou a sua mulher pelo braço e ordenou:

— Será melhor que retornemos à hospedaria.

Demelza assentiu, mais tarde falaria com suas amigas. E, olhando


Alison, pediu depois de subir em seu cavalo:

— Veem conosco. Precisa de um banho e suturar a ferida de sua


perna.

Alison se negou, mas Harald, que cada vez mais tinha menos
paciência pela maneira de proceder dela, insistiu pegando-a pelo braço:

— Vamos.

— Não!

— Mulher, não seja teimosa e obedece.


Conforme ouviu essa última palavra, Alison sorriu. E, olhando o
loiro pelo qual estava perdendo a cabeça, murmurou com arrogância:

— Lê meus lábios: eu não sou de obedecer!

Harald tomou ar, aquela mulher o desesperava, e quando ia


protestar, ela se afastou dele enquanto dizia:

— Retornarei à carroça com meu irmão.

— Mas, Alison... — protestou Demelza.

— Ali me curarei — cortou ela. — Tio Matsuura e os meninos nos


esperam.

Por alguns segundos, ninguém disse nada. Ficou claro que o nível
de teimosia daquela mulher era desesperador, então, finalmente
Harald, subindo em seu cavalo, declarou contendo o fluxo de emoções
que fervia dentro dele:

— Se ela assim o quiser, assim será.

Demelza suspirou ao ouvi-lo. Se ela estava cansada e destroçada,


Alison devia estar igual. Mas, intuindo que não iria convencê-la, e
segura de que entre elas estava pendente uma conversa, apontou
olhando-a:

— Vemo-nos amanhã pela manhã na sala de jantar da


hospedaria.

Alison compreendeu por que ela dizia isso, e, tentando sorrir,


apesar de que sabia que iria decepcioná-la, murmurou:

— Provavelmente.

E, sem mais, quase todos deram meia volta sobre seus cavalos e
começaram a afastar-se.
Harald e Alison, em silêncio, olharam-se nos olhos por instantes.
O que lhes ocorria? Por que se olhavam dessa maneira e sempre
terminavam discutindo?

Então ela, para cortar o momento íntimo e que ele partisse como
os outros, soltou:

— Adeus... tolinho.

Isso fez com que o viking finalmente desse a volta e seguisse os


outros. Esse gesto doeu em Alison, mas, consciente de que ele fazia o
que tinha inconscientemente pedido, disse dirigindo-se a Gilroy:

— Se adiante.

— O quê?!

— Vá na frente e diga a tio Matsuura que estou bem e que irei em


breve.

— Maldita seja, Bug... que diabos vai fazer agora?

Alison montou em seu cavalo, e, depois de comprovar que estava


muito escuro e que eles não poderiam ver aonde ela se dirigia, indicou:

— Tenho que terminar algo em Sambery.

E, sem mais, esporeou a seu bonito fiorde, que começou a


cavalgar como o vento.

De volta no povoado de pescadores, Alison se encarregou de fazer


correr a voz de que o ocorrido tinha sido obra de Julian Andersen, e
não de Jack Moore, e quando o povo começou a falar sobre isso, pegou
de novo seu cavalo e partiu.

Durante horas Alison permaneceu escondida em um escarpado


do qual tinha uma excelente visão de El Tritón Rojo. Como era de
esperar, viu como diversas barcaças procedentes do navio, ocultas pela
escuridão da noite, dirigiam-se para uma das solitárias praias e, depois
de descarregar ali a vários grupos de pessoas, os marinhos retornavam
ao mar.

Alison sorriu satisfeita. Tinha conseguido salvar aquelas pobres


gentes.

Estava morta de frio, suja, cheirava ruim e tinha um aspecto


deplorável. Mas ver que aquela gente que se dispersava correndo pela
praia voltava a ser livre merecia o resfriado que certamente pegaria.

Quando as barcaças retornaram ao El Tritón Rojo, este levantou


velas e, ajudado pelo vento, afastou-se da costa. Estava claro que
Julian tinha entendido perfeitamente sua mensagem.

Satisfeita, a jovem montou de novo em seu cavalo e se dirigiu para


a casa de Oswald.

Quando chegou, pela janela pôde vê-lo e a Leonora, que, junto a


vários vizinhos, velavam os corpos de Glades e Scott. Aguardou
pacientemente apesar do frio que sentia, até que no final Oswald a viu
através da janela.

O homem se apressou a sair para atendê-la e, ao vê-la


ensanguentada e tiritando de frio, assustou-se. Mas o que tinha
ocorrido a essa moça?
Depois de lhe entregar duas mantas para que se esquentasse e
ela tranquilizá-lo com suas palavras, Alison tirou do bolso o broche que
Julian tinha roubado, o pôs na mão de Oswald com algumas das
moedas que tio Roe lhe tinha entregue e disse:

— Entendo que queira enterrar sua mulher e seu filho como


merecem, mas assim que o faça, pegue Leonora e vão embora daqui.

— Mas... — murmurou ele ao ver o que de novo lhe entregava.

— É para você e para Leonora. Precisam-no.

Destroçado por todo o acontecido, ele fechou os olhos e, quando


os abriu de novo, sussurrou:

— Esta é minha casa e...

— Oswald — cortou ela. — Leonora e você precisam começar de


novo, e sabe que Glades teria querido que fosse assim. Com estas
moedas terão o suficiente para chegar a Edimburgo. Uma vez ali têm
que ir à rua das joias. Procure por Percival Glaswood, mas chame-o
Pinwi. Diga que vai de parte de Alison Wilson e que quero vender o
broche. E, calma, sabendo isso, ele não te enganará. Confie em mim.

— Mas...

— Oswald, asseguro-te que, com o que ele te dará pela joia,


durante um bom tempo, a Leonora e você não lhes faltará de nada.
Poderá pagar uma casa, poderão comer, vestir. Edimburgo é um bom
lugar e as oportunidades para você e em especial para Leonora serão
muito melhores que as que nunca terão aqui. Pensa em sua filha, em
seu futuro. Por Glades e Scott nada se pode fazer, mas por ela sim. De
verdade quer que Leonora siga vivendo como até agora ou prefere algo
melhor para ela?
Oswald, emocionado, olhava o broche e as moedas que a jovem
lhe tinha entregue.

Muitas vezes Glades e ele expuseram partir dali e procurar algo


melhor. E, escutando o que ela dizia, pensou que sem dúvida esse era
o momento de fazê-lo. Glades assim teria querido, e por ela tinha que
fazê-lo. Por isso, olhando-a nos olhos, sussurrou:

— Fá-lo-ei. Leonora e eu iremos.

Alison sorriu satisfeita e ele, surpreendendo-a, acrescentou:

— Alison Moore, é uma excelente e maravilhosa pessoa. Nada que


ver com o que o povo diz sobre você. Sem dúvida seu pai soube te criar
muito bem. Minha família e eu estaremos eternamente agradecidos.

A jovem piscou ouvindo que a chamava por seu verdadeiro nome


e sobrenome. Sem dúvida Julian, quando lhe tirou o broche, falou a
quem pertencia, mas Oswald tinha decidido não delatá-la. Por isso,
com um sorriso, deu-lhe um casto beijo na bochecha e, emocionada,
sussurrou antes de ir-se:

— Obrigada, Oswald. Nem imagina o quanto agradeço por suas


palavras.

Em seguida, foi em busca de seu cavalo e partiu feliz por tudo o


que essa noite tinha conseguido depois da irreparável desgraça.

Quando chegou à carroça, onde Matsuura a esperava inquieto,


depois de pegar um pano e dirigir-se ao rio, Alison se lavou. Fazia frio,
tiritava, mas precisava desprender-se do sangue e a imundície que a
cobria.

Depois de assear-se, o japonês costurou com cuidado o corte da


coxa, e a jovem, que estava acostumada a esse tipo de feridas, nem se
queixou.

Entretanto, algo rondava pela sua cabeça. Demelza esperava


explicações de sua parte. Desejava saber coisas que não só a poriam
em perigo, e não podia consenti-lo.

Por isso, querendo salvaguardar a vida do tio Matsuura e Gilroy,


e por medo de sua rejeição ao descobrir quem ela realmente era, decidiu
partir imediatamente. Estava cansada, exausta, mas iria descansar
agora. Eles tinham que ir para Saint Andrews. O tio de Will e Briana
moravam lá, e manter as crianças seguras com sua família era sua
prioridade. Mais tarde, eles encontrariam com seu pai e tios para levá-
los para longe da costa escocesa.

Sua liberdade não merecia a morte daqueles que amava.


Ao amanhecer, quando Demelza abriu os olhos e se conscientizou
de que estava no quarto da hospedaria, colocou-se de lado na cama,
olhou para a janela e imediatamente viu que o dia não era ensolarado.

— Bom dia, ruiva selvagem.

Sorriu ouvindo a voz de Aiden e, virando-se, encontrou-o sentado


frente à cama em uma poltrona. Pelo modo em que a olhava soube que
ia lhe dar uma bronca pelo que aconteceu no dia anterior.

— Ora — disse cobrindo o rosto com o lençol. — Já me disse tudo


ontem à noite. Fiz mau. Vai repetir isso novamente?

Aiden sorriu. Sua mulher, uma viking ruiva, era excessivamente


atrevida e não via o perigo em nada do que fazia.

— Dir-lhe-ei quantas vezes acredite ser oportuno — replicou. —


Sou seu marido e me preocupo com você.

Sob os lençóis, Demelza assentiu, sabia que ele tinha razão, e,


sentando-se na cama, Olhou-o nos olhos e disse tomando ar:

— Aiden. Estou aqui, não aconteceu nada e...

— E se tivesse acontecido?
Ver a preocupação em seu rosto cativou a jovem; Aiden a protegia,
cuidava-a e mimava. Levantou-se da cama, sentou-se no colo dele
vestida somente com uma camisa e retrucou:

— Mas não aconteceu.

Olharam-se em silêncio até que ele murmurou com característica


séria:

— Demelza, se algo te ocorresse, não poderia suportar. — A jovem


sorriu e, quando se dispunha a responder, Aiden acrescentou: — O que
Alison e você fizeram foi uma loucura, e sabe tão bem quanto eu.

Ela voltou a assentir.

— Acredita no que Alison disse do capitão Moore? — Perguntou


ele a seguir.

— Sim — afirmou ela.

— Por quê?

A jovem encolheu os ombros.

— Sua firmeza em procurar a verdade e a expressão de Julian


quando ela o acusou de mentir fazem com que acredite nela — disse,
embora evitou contar que possivelmente Alison tivesse matado Conrad
McEwan. — Jack Moore pode fazer muitas maldades, mas sem dúvida
o que ocorreu ontem não tem nada que ver com ele. E não é justo
acusar a outros de ações que não cometeram, não acha?

Aiden por fim assentiu. Seguir questionando sobre o assunto não


servia de muito, o melhor seria ir ver Alison e falar com ela calmamente.
Então Demelza, para fazê-lo calar, aproximou sua boca da dele e,
enredando os dedos no cabelo de seu marido, cochichou:
— Que tal se mudar sua feroz carranca por outra mais amável e
deixa que te faça amor?

— Seguirei zangado contigo — replicou ele com um sorriso.

Demelza esfregou seu nariz contra o dele e murmurou sorrindo a


sua vez:

— Mas agora um pouquinho menos, verdade?

Um beijo...

Dois...

O desejo entre eles crescia segundo a segundo e Aiden, ansioso


por sua mulher, levantou-se da poltrona para deitá-la sobre a cama e,
com delícia e paixão, foi ele quem fez amor com ela.

Quando o casal baixou a sala de jantar da hospedaria, viram


Harald e ao Peter McGregor sentados ao fundo com vários dos
guerreiros McAllister. Ao aproximarem-se deles, Moisés se levantou
imediatamente e se dirigiu Aiden.

— Meu senhor, ontem à noite cumprimos o que nos ordenou


vigiar. Do El Tritón Rojo partiram várias barcaças que deixaram mais
de três dúzias de pessoas em uma praia e, posteriormente, estas
retornaram ao navio, que partiu e se afastou da costa. — Aiden
assentiu e Moisés continuou: — Interceptamos várias dessas pessoas
no caminho. Interrogamo-los e nos contaram que tinham sido
capturados dias antes em Berwick e que, pelo que parece, pensavam
vendê-los na Ásia como escravos. E não. Não foram homens do capitão
Jack Moore.

Aiden olhou para Demelza, que falou:

— Disse-lhe. Alison e eu não mentimos.

Depois de ter informado, Moisés se sentou para seguir comendo,


mas Harald interveio:

— Alastair, Zac, suas esposas e o padre Murdoch partiram ao


amanhecer. Eles guiarão os cavalos e as ovelhas que compramos até o
Keith.

Aiden assentiu. Na noite anterior ele havia combinado de se


encontrar com seus amigos, e quando Demelza o olhou, ele disse:

— Ficou de ver Alison, verdade? — Ela assentiu e ele acrescentou:


— Eu também gostaria de falar com ela. Logo partiremos e os
alcançaremos pelo caminho.

— Parece-me bem — afirmou a jovem satisfeita.

Aiden, Harald e Peter assentiram e não disseram mais. Eles


também queriam falar com Alison referente ao que aconteceu no dia
anterior com o navio de Julian Andersen.

Depois de pedir a estalajadeira algo para o desjejum, enquanto


Aiden e Demelza comiam, a porta de entrada se abriu e Peter
cumprimentou levantando-se:

— Governador, senhora... que alegria vê-los por aqui!

Thomas e Regina, que retornavam de sua viagem a Aer e se


dirigiam a sua residência em Aberdeen, aproximaram-se deles, e o
homem, surpreendendo-os, perguntou a Demelza:
— Estão bem?

A jovem não disse nada, pois não o entendeu, e ele insistiu:

— Chegou a meus ouvidos que você e nossa sobrinha tiveram


problemas em Sambery.

Isso fez com que todos piscassem e, imediatamente, Demelza


perguntou:

— Sua sobrinha?

O governador assentiu e Regina se apressou a esclarecer:

— Alison é minha sobrinha.

— O quê? — Disse Aiden surpreso.

O casal assentiu e ela, com um gesto gracioso, murmurou a


seguir:

— Está claro que não lhes contou nada. Típico dela!

— Não, milady — retrucou Demelza, que estava tão surpreendida


como os outros. — Não nos contou nada.

Thomas sorriu pela rapidez de sua mulher e, tomando ar,


murmurou:

— Não levem a mal. Alison é muito reservada em certos assuntos.

Boquiaberto, Harald processava a informação. Alison era a


sobrinha do governador? E, incapaz de calar, perguntou com cara
séria:

— Se é sua sobrinha... o que faz viajando em uma carroça infecta


como uma mendiga?

Regina e Thomas se olharam, boa e perspicaz a pergunta dele, por


isso a mulher respondeu com um sorriso:
— Isso deveria ser ela a lhe explicar. Mas te asseguro que eu
tampouco aprovo.

Todos se olhavam sem acreditar quando Thomas, sentando-se a


mesa, disse olhando para Demelza:

— Por favor, me conte o que ocorreu.

Sem pestanejar, o governador ouviu o que a jovem lhe disse


enquanto sentia uma forte pressão no peito. Alison não estava
contornando os problemas. Esta mulher era capaz de enfrentá-los sem
pensar nas consequências, e quando Demelza terminou Aiden
exclamou:

— Por sorte, ambas estão bem. Não lhes aconteceu nada!

Thomas assentiu. E, depois de segundos em silêncio, cochichou:

— Saltaram de terraço em terraço? — Demelza sorriu e o


governador acrescentou sorrindo a sua vez: — Isso não está bem.
Poder-lhes-ia ter ocorrido alguma coisa.

Todos começaram a falar. Todos davam seu parecer quanto ao


comportamento delas, mas então Thomas, vendo a jovem calada,
perguntou sem afastar o olhar dela:

— Onde está Alison?

— Retornou a sua carroça. Queria ficar com seu tio, e ficamos de


nos ver aqui.

Regina e ele se olharam, e ele, tirando-os luvas que usava, pediu:

— Que nos tragam algo para comer. Esperaremos com eles.


Durante grande parte da manhã esperaram a chegada da jovem,
até que finalmente Harald comentou dirigindo-se a Demelza:

— Algo me diz que não vai vir.

A jovem ruiva assentiu.

— Pois se não vem, nós iremos a ela — decidiu.

— Excelente ideia — afirmou Thomas, que se levantou junto com


sua mulher.

Surpreendidos por ter o governador com eles, Aiden, Harald e


Peter ficaram também em pé, e o laird, dirigindo-se a um de seus
homens, ordenou:

— Estejam preparados. Partiremos assim que retornemos.

Quando os seis pegaram seus cavalos, Aiden olhou para sua


mulher, a que já se notava estar intranquila, e disse:

— Vamos saber por que Alison não veio.

A galope, chegaram até o lugar onde a carroça da moça estava no


dia anterior e, vendo que já não se encontrava ali, Harald grunhiu
furioso:

— Sabia.

Thomas soprou. Alison tinha fugido.

— Maldita cabeça dura — sibilou olhando para sua mulher.

— Parece que se zangou com sua partida — disse Peter dirigindo-


se a Harald ao vê-lo tão zangado.
— Se cale, McGregor! — Sibilou o viking.

Peter sorriu e, depois de intercambiar um olhar com Thomas e


Aiden, que sorriam como ele, perguntou:

— Aonde poderia haver se dirigido?

Demelza pensou enquanto tocava a cabeça.

— Queria levar as crianças que encontrou ao tio deles. Se mal não


me recordo, acredito que disse que tinha que ir a Saint Andrews.

— Pois a Saint Andrews iremos — concluiu Regina.

Aiden levantou as sobrancelhas ouvindo isso, e Demelza


sussurrou olhando-o com cumplicidade:

— Recorda de quem viu pela primeira vez em Saint Andrews?

O highlander simplesmente sorriu, até que Peter, desejoso de


saber, disse:

— Pode-se saber a quem viu pela primeira vez em Saint Andrews?

Aiden e ela, dando-se as mãos, falaram em silêncio na troca de


olhar e o laird explicou:

— Foi onde vi pela primeira vez Demelza.

— Oh, que romântico! — Exclamou Regina maravilhada.

— Custou-me conquistá-la porque não confiava em mim —


acrescentou Aiden, — mas no final consegui!

Todos sorriram e Thomas comentou:

— Tudo o que vale a pena leva trabalho.

— E dizem isso a mim... — assegurou sua esposa com um sorriso.

Harald montou em seu cavalo irritado.


— Deveríamos deixar de perder o tempo e nos dirigirmos a Saint
Andrews — declarou.

Todos o olharam, e Thomas, recordando o que Alison tinha


contado, perguntou:

— Agrada-te de minha sobrinha e por isso quer partir veloz?

Desconcertado por sua pergunta, e mais ainda vendo como todos


o olhavam, o viking se apressou a responder:

— Não, senhor. Simplesmente me preocupo com ela.

Thomas sorriu ao ouvi-lo e, depois de intercambiar um olhar com


Demelza, que meneava a cabeça, sussurrou:

— Tudo começa preocupando-se e termina apaixonando-se...

Aborrecido, Harald franziu a testa, mas não disse nada enquanto


Thomas e Regina viravam seus cavalos para retornar à estalagem em
busca de sua comitiva.

Divertida pelo que tinha ouvido, Demelza ia falar quando o viking


sentenciou ao vê-la sorrir:

— Melhor não dizer nada.

Incapaz de evitar, Aiden e Peter riram e Harald, ao lado de


Demelza, esporeou seu cavalo de volta para a hospedaria. Lá eles iriam
reunir seus homens e, em seguida, partiriam para Saint Andrews.
O frio procedente do mar congelava as mãos e o corpo. Dia após
dia, o tempo piorava, e embora em um princípio não tivesse se
importado, Alison começava a preocupar-se.

Como iriam viver na carroça quando fizesse mais frio?

Intranquila pelo bem-estar das crianças, no interior da carroça a


jovem os abrigava com tudo o que podia. Que eles estivessem aquecidos
era o único que importava.

— Pousi também tem frio — disse Briana olhando-a.

A jovem sorriu e, pegando um pano, enrolou-o na velha boneca e


a seguir a devolveu.

— Acredito que assim Pousi estará mais quente.

Satisfeita, Briana a pegou e, olhando-a, confirmou enquanto


Matsuura e Gilroy conduziam a carroça:

— Pousi diz que gostou.

Alison sorriu e então, observando as mechas desiguais que a


pequena tinha na cabeça, sugeriu:

— O que acha se te arrumo o cabelo?


A menina rapidamente pegou um lenço e o atou à cabeça.

— Céu, o cabelo cresce — indicou Alison. — Terei que igualá-lo


e...

— Não — a cortou a pequena.

Isso lhe fez entender que a jovem ainda não estava preparada para
isso e, tomando ar, acrescentou:

— De acordo. Só o disse para que seu tio a visse mais bonita.

A menina, que estava junto de seu irmão Will, não disse nada, e
então este murmurou olhando-a:

— Briana, algum dia terá que arrumar o cabelo.

— Hoje não — insistiu a pequena.

Alison e Will intercambiaram um olhar. A menina precisava de


seu tempo.

Sigge deu um de seus gritinhos. A menina reclamava a atenção


de Alison e, pegando-a dos braços de Will, sussurrou sorrindo:

— Gambazinha, quer beijinhos?

Como sempre, Sigge sorriu. Não havia menina melhor e mais


sorridente no mundo, e quando soltou uma de suas gargalhadas,
Briana pediu:

— Eu também quero beijinhos.

Sem hesitar, Alison começou a beijocar aos três pequenos e eles,


satisfeitos, riam e gritavam de felicidade enquanto a jovem aproveitava
fazendo cócegas. Gostava daquela faceta que tinha aflorado nela com
respeito as crianças. Adorava e aproveitava. Mimar e proteger os
pequenos era o mais bonito que já tinha feito em sua vida.
De repente Gilroy enfiou a cabeça através do tecido gasto da
carroça e anunciou:

— Bug, chegamos a Saint Andrews.

Conforme ouviu, Will deixou de rir e ficou muito sério.

A carroça se deteve metros mais adiante e Gilroy perguntou:

— Will, me diga o sobrenome de seu pai. Assim poderemos


localizar seu tio.

— Sommerville. Meu pai se chamava Harre Sommerville, e meu


tio se chama Tadeu.

Gilroy assentiu e, depois de apear, começou a perguntar na


cidade.

Por muito tempo, Alison, Matsuura e os pequenos esperaram na


carroça; então ela avistou uma loja que vendia agasalhos e, sem
hesitar, disse se dirigindo a Briana:

— Vamos ver o que têm.

A menina e ela entraram no estabelecimento de mãos dadas. O


calor do interior as esquentou, e a moça que atendia perguntou:

— Que deseja, milady?

Alison olhou a seu redor. Ali tinha de tudo que alguém pudesse
precisar e, ao ver como a pequena olhava um casaco de lã grossa de
um branco imaculado, perguntou-lhe:

— Você gosta?

Briana assentiu. Era o casaco mais bonita que tinha visto na vida.

— Quanto custa? — Perguntou a jovem.


— Sete moedas, milady — respondeu a dona da loja com
amabilidade. — É de lã de ovelha de primeira categoria.

Alison assentiu. Embora Will e Briana ficassem com seu tio,


precisariam de casacos.

— Quero dois — disse sem hesitar. — Essa branca para Briana e


outra em cor verde para um menino um pouco maior.

Rapidamente a mulher alcançou o casaco que a menina


contemplava e, depois de entregar a Alison, olhou o lenço que a
pequena usava na cabeça e sugeriu:

— Tenho gorros de lã na despensa. Digo-o se por acaso se


interessa algum.

Alison assentiu. Um gorro seria estupendo para a menina. E, sem


perder tempo, provou-lhe o casaco. Comprá-lo branco era uma
temeridade, pois em dois dias estaria negro, mas, desejosa de lhe dar
esse capricho antes de deixá-la com seu tio, quando a teve abotoada
perguntou:

— O que acha?

A menina se olhou ao espelho que tinha de frente a ela com os


olhos muito arregalados. Nunca tinha tido nada tão novo e bonito.

— Eu gosto muito.

Ver sua expressão de felicidade o coração de Alison se encheu de


felicidade e, pegando um gorro de lã branca, o mostrou e, ao comprovar
que a proprietária estava de costas, sussurrou:

— Coloque e me diga se você gostar também.

Como era de esperar, a menina, ao ver que a proprietária não


olhava, tirou o lenço da cabeça muito depressa para colocar o gorro. A
mudança a favorecia uma barbaridade, e Alison cochichou
emocionada:

— Está linda, Briana. Linda.

A pequena não podia parar de sorrir. O gorro não só a abrigava,


mas além disso, era muito bonito, e quando ia falar, a proprietária,
aproximando-se com um casaco verde escuro e perguntou:

— Vocês gostam deste?

Alison olhou o casaco para Will. Era de uma excelente qualidade,


como o da Briana, e afirmou:

— É perfeito.

A proprietária, satisfeita pela alegria que via na menina, estendeu-


lhe então alguns doces e perguntou:

— Você gosta?

Briana os olhou e assentiu no ato.

— Vamos, pegue um — ela a animou.

A menina ia fazê-lo, a tentação a tomou, mas de repente retirou a


mão.

— Só se puder pegar outro para meu irmão e para Sigge.

Alison e a moça se olharam sorrindo, e proprietária lhe disse:

— É obvio, céu. Pode pegar três.

Feliz, a menina pegou os doces e Alison, satisfeita, olhou à


proprietária e sussurrou:

— Meu nome é Alison, e te agradeço pelo presente.


— Sou Maia. Me permita dizer que tem uma menina muito
educada.

Alison sorriu. Andar esclarecendo que Briana não era sua filha
era mais difícil que deixar que assim acreditassem, por isso assentiu.

Depois de comprar panos limpos para Sigge, um gorro de lã


também para a pequena e uma manta para agasalhá-la, Briana e ela
abandonaram a loja sorrindo depois de despedir-se de Maia. Poder
comprar aquilo para as crianças a tinha feito mais feliz que se tivesse
comprado para si mesma.

Pouco depois, quando chegaram ao Will e este comeu o doce que


sua irmã lhe entregou, Alison deu o casaco. A cara de agradecimento
do menino fez com que a jovem tivesse que reter as lágrimas. Ele a
abraçou e murmurou:

— É tão boa como minha mamãe. Obrigado.

Contendo a vontade de chorar, Alison olhava a um emocionado


Matsuura quando Gilroy se aproximou deles e disse:

— De acordo com um homem que conheci na taverna, há um


Tadeu Sommerville na segunda aldeia, na saída da cidade.

De repente, ao ver a expressão do menino, Matsuura perguntou:

— Você está bem, Will?

Ele assentiu enquanto pegava a mão de sua irmã. O medo e a


incerteza que Alison viu no olhar do pequeno doeram, mas consciente
de que não era bom alongar a agonia dos meninos, disse:

— Vamos, subamos de novo à carroça. Devemos encontrar o seu


tio.
Quando começaram a se movimentar, a jovem, que ia atrás com
os pequenos, comentou ao vê-los tão calados:

— Esses casacos estão muito bem. Estão muito bonitos. — Briana


e Will não responderam. Estavam nervosos, tinham medo, e Alison,
para suavizar o momento, acrescentou: — Seu tio ficará muito
contente, já verão!

Continuando, disse tudo o que lhe ocorreu para animá-los, mas


os meninos não voltaram a falar.

Um momento depois, a carroça parou e Matsuura, colocando a


cabeça pela lona, apontou dirigindo-se a ela:

— Chegamos.

Tentando sorrir, Alison assentiu, mas ao descer da carroça o


mundo cambaleou sob seus pés.

Aquela aldeia era um lugar extremamente pobre. Só teve que ver


os aldeões para saber que tipo de vida tinham ali.

Matsuura, pegando à pequena Sigge nos braços, perguntou-lhe:

— Tem certeza do que vai fazer?

Com o coração encolhido, Alison suspirou. Gostasse ou não, se os


meninos tinham um tio deviam estar com ele, por isso inspirou e
respondeu:

— Não. Mas é o que tenho que fazer.

O japonês assentiu e Gilroy, que tinha ido perguntar, aproximou-


se deles e disse:

— É a quarta casa a direita.


Ao olhar dali, Alison soprou. Por fora, a casa estava velha,
descuidada, mas assentiu inspirou de novo.

— De acordo.

Com carinho, ajudou Briana e Will a descer da carroça.


Rapidamente a menina se agarrou a sua perna e sussurrou olhando a
seu redor:

— Tenho medo.

Comovida, Alison ia falar, mas Will repreendeu sua irmã com cara
séria:

— Briana, pare já!

A tensão do momento se notava no ambiente; então Will começou


a desabotoar o casaco novo e Alison perguntou:

— O que faz? — E, enquanto ele tentava sorrir, ela o deteve e


esclareceu: — Querido, o casaco é para você. Manter-te-á quente.

O menino inspirou fundo. Tinha uma vontade louca de chorar.


Não queria separar-se deles que tanto amor e carinho lhe tinham dado
durante dias, e quando a jovem o abraçou para tranquilizá-lo,
acrescentou:

— Will, eu nunca prometo nada, mas te prometo, por minha vida,


que virei os visitar quando voltar a passar por aqui, de acordo?

O menino assentiu, engoliu as lágrimas e finalmente não chorou.

Observando-o rompeu o coração de Alison e, consciente de como


Briana se agarrava a sua perna, olhou para Gilroy e Matsuura e
declarou:
— Acredito que é melhor que se despeçam deles aqui. Eu os levarei
a casa.

Os dois homens, comovidos, abraçaram as crianças. Tinha sido


somente alguns dias, mas tinham se apegado muito a eles.

— Gilroy, Sigge e eu a esperaremos aqui — disse Matsuura por


fim enquanto se voltava contendo as lágrimas.

Alison assentiu e pegou a mão de Will, embora foi impossível


separar Briana de sua perna, e como pôde falou:

— Vamos ver seu tio!

Sem dizer mais nada, e com dificuldade por levar Briana


arrastada à perna, Alison conseguiu chegar até a porta da casa. O
coração ia a mil, mas, segura de que estava fazendo o correto, bateu
com os nódulos dos dedos.

Esperaram até que a porta se abriu e apareceu uma mulher de


cabelo loiro e vestimenta nada adequada que, ao vê-los, perguntou:

— O que querem?

Tentando ser amável, apesar da desconfiança que a mulher tinha


despertado, Alison disse com o melhor de seus sorrisos:

— Procuramos por Tadeu Sommerville.

A mulher os olhou de cima abaixo receosa.

— É meu marido. Quem o busca?

— Meu nome é Alison Wilson — se apressou a jovem em dizê-lo,


— e eles são Will e Briana. São filhos de Harre, o irmão de Tadeu. Seu
nome é...?
A mulher assentiu e, de repente, sorrindo com maldade, quis
saber:

— Você é a suja inglesa que se casou Harre e estes são seus


bastardos?

Alison não gostou nada de ouvir isso, não suportava preconceitos,


e replicou:

— Se quiser que eu seja educada contigo, pode começar a sê-lo


você conosco.

A mulher suspirou e finalmente disse:

— Sou Enke.

Alison sentia que Briana tremia enquanto apertava sua perna.

— Encantada, Enke.

A mulher, que os olhava com descaramento, apressou-se em tocar


o casaco de Will.

— Bonito e caro casaco — comentou.

Sem poder evitar, Alison afastou a mão dela imediatamente.

— Se não se importar, quero ver o Tadeu.

A mulher sorriu e, apoiando-se no marco da porta, depois de


cumprimentar um homem que passava na frente da casa com um
sorriso lascivo que indicou a Alison a que ela se dedicava, respondeu
calmamente:

— Tadeu morreu faz duas semanas. O que queria dele?

A jovem não esperava ouvir isso. Se Tadeu tinha morrido, devia


deixar os pequenos com essa mulher má?
Em seguida olhou para Will. O menino a observava angustiado e,
ao entender sua muda súplica, Alison declarou:

— Simplesmente passávamos por aqui e queríamos cumprimentá-


lo.

Enke assentiu e cuspiu olhando-a com desprezo:

— Pois você e essas malditas crianças voltem a seu país! Tadeu


se horrorizava por ter sobrinhos bastardos. Nunca gostou que seu
irmão se casasse com uma sassenach15.

Alison a olhou zangada. A mulher a tinha chamado de «inglesa»


em gaélico para humilhá-la. Acreditava que Alison era a mulher do
irmão de seu marido. Tinha-a confundido e, sem tirá-la de seu engano,
deu um passo à frente e sibilou furiosa:

— Contenha sua língua de víbora diante das crianças se não


quiser que eu mesma a arranque. Volte a nos insultar ou a desprezá-
los e te juro que esta noite dormirá junto de Tadeu.

Isso surpreendeu à mulher, que, sem vontade de ter problemas,


entrou em sua casa no ato e fechou a porta nas suas caras.

Durante segundos os três ficaram imóveis. Isso tinha sido muito


desagradável.

De novo, aqueles meninos estavam sozinhos, sem ninguém que


os pudesse cuidar. Por isso Alison olhou para Will e Briana e, tomando
rapidamente uma decisão, declarou:

— Não penso em deixá-los aqui. Virão comigo!

Os meninos suspiraram aliviados, e Briana murmurou dando um


salto de felicidade:

— Will, Pousi e eu achamos bom.


Alison sorriu e, depois de dar um beijo a cada um na cabeça,
retornou de mãos dadas à carroça. Imediatamente, ao ver a cara de
surpresa de Matsuura, esclareceu enquanto as crianças foram abraçá-
lo:

— O tio dos meninos morreu e de sua suposta tia eu não gosto


nenhum pouco. Assim, eles vêm conosco.

— Excelente decisão — afirmou o japonês piscando um olho a


Briana, que lhe sorria.

Imediatamente, todos subiram de novo na carroça e Alison


propôs:

— Procuremos um lugar onde passar a noite longe desta aldeia.


Na manhã seguinte, quando acordaram, o céu estava
terrivelmente nublado e o ar frio. O dia estava muito desagradável. E a
jovem, vendo as botas furadas dos pequeninos, disse se dirigindo a
Matsuura:

— Vou de novo à loja de Saint Andrews. Os meninos precisam de


algumas coisas e acredito que ali posso conseguir a um bom preço.

— Quer que Gilroy te acompanhe? — Perguntou ele.

Alison negou com a cabeça, mas Gilroy afirmou:

— Pois eu vou sim.

A jovem amaldiçoou. Desde que Sigge tinha chegado a sua vida,


não tinha podido estar nem um segundo a sós, e quando ia protestar,
Matsuura cortou:

— Vão juntos e a pé.

— Mas...

— Alison — insistiu o japonês, — enquanto você vai à loja de


roupas, Gilroy comprará um pouco de leite, feijão e cereais. Precisamo-
los.
A jovem finalmente aceitou e, depois de despedir-se de seu tio e
dos pequenos, que ficariam no bosque, dirigiu-se com o Gilroy para
Saint Andrews.

Quando chegaram à cidade, a jovem o olhou e disse:

— Voltarei quando terminar. Você retorna assim que compre o


que tio Matsuura pediu. Não acho bom que fique sozinho com as três
crianças.

Gilroy assentiu e partiu enquanto ela se dirigia para a loja.

— Alison... o que esqueceu? — Perguntou a proprietária com


amabilidade ao vê-la entrar.

Sem hesitar, e consciente de que já não restavam muitas moedas,


a jovem adquiriu algumas coisas para os pequenos com a ajuda de
Maia. Se iram ficar com ela, o mínimo podia fazer era cuidá-los como
era devido. Quando acabou, depois de despedir-se da moça, saiu à rua.

O vento soprava com mais força e feias nuvens negras nublavam


o céu.

No mar Alison sabia interpretar o céu, mas em terra era diferente,


e, sem poder decifrá-lo, sorriu quando ouviu:

— Esse bonito sorriso só pode ser de minha Marguerite.

Imediatamente, voltando-se e, surpreendida ao ver quem estava a


escassos metros dela, disse:

— Tio Armand... mas o que você faz aqui? Por Iemanjá!


Enlouqueceu?

O homem se aproximou dela feliz e, depois de abraçá-la, falou:

— Poderia simplesmente te dizer que passava por aqui, mas...


— Pelas barbas de Netuno... disse a Roe que partissem de Escócia.
Aqui estão em perigo.

O francês sorriu e, sem dar qualquer importância ao que ela dizia,


perguntou:

— Está bem?

— Estarei bem quando se afastarem de Escócia.

— Como está a pequenina e as outras crianças?

— Bem. — Alison soprou, mas imediatamente perguntou com


interesse: — E papai?

Armand suspirou e respondeu baixando a voz:

— Insuportável.

A jovem assentiu, e então ele disse:

— Então agora são três crianças, heim?... Por Deus, Marguerite,


a este passo formará uma família numerosa.

Sem poder evitar, ela riu.

— Buscarei um lar a todos antes de retornar.

Durante vários minutos estiveram conversando sobre o assunto,


até que ele comentou:

— Marguerite, quero que saiba que estou muito zangado porque


você enfrentou sozinha o verme do Conrad.

— Por favor, tio, não comece você também! — Grunhiu ela.

Armand soprou e, deixando um momento de lado o assunto,


apontou:
— Marco também está aqui e não pensa em partir sem vê-la e falar
contigo.

Ela o olhou boquiaberta. Mas é que todos enlouqueceram? Acaso


seus tios não pensavam em suas próprias segurança?

— Calma — se apressou a acrescentar ele ao ver seu rosto de


surpresa. — Os navios estão ancorados o suficientemente longe para
que ninguém repare neles, e quanto a Marco, entende que também se
preocupe contigo.

— Onde ele está?

Armand olhou mais à frente, onde havia uma taverna, e começou


a dizer:

— Marguerite, acredito que...

— Alison!

Ouvindo a voz que pronunciava seu nome, a jovem se enrijeceu e,


virando-se, viu que Harald a olhava e se afastou com dissimulação de
Armand enquanto este partia.

— Por Tritão! — Exclamou. — O que faz você por aqui?

Harald, que tinha ouvido que o homem que se afastava a toda


pressa a tinha chamado de Marguerite, estava confuso. Era a segunda
vez que a via falar com alguém que a chamava por um nome distinto
do que ele conhecia e, quando ia dizer isso, Peter, Aiden e Demelza
apareceram também.

— Já sei que você não promete — disse a ruiva com ironia, — mas
não pensei que fosse tanto assim.

Surpreendida por ver eles por ali, Alison não soube o que
responder, e Demelza cochichou:
— E o que é isso de que é a sobrinha do governador e não me
havia dito?

— Vamos ver... — Murmurou ela sem acreditar.

— Pois saiba que seu tio e sua tia também estão aqui —
acrescentou a ruiva.

— Onde? — Perguntou ela em uma inalação.

Peter, Harald, Demelza e Aiden se olharam. Com sua resposta,


Alison acabava de confirmar que eles eram seus tios.

— Foram diretos à hospedaria onde nos alojaremos — indicou


Aiden.

Boquiaberta, a jovem não sabia o que pensar. Por um lado,


acabava de ver seu tio Armand, que havia dito que Marco a esperava
na taberna ao fundo, e ao mesmo tempo Harald, Demelza e outros
tinham aparecido na cidade junto com Thomas e Regina, que seguiam
com o fato de que eram família. A coisa poderia ficar mais enrolada que
isso?

Incapaz de se conter, olhou para Harald, que a observava com sua


habitual seriedade. Vê-lo de novo era um autêntico prazer, mas então,
sentindo que o corpo se esquentava em um instante, olhou para
Demelza, que estava a seu lado, e esclareceu:

— Tinha que trazer as crianças a Saint Andrews para encontrarem


seu tio. — Sua amiga levantou uma sobrancelha com ironia e Alison
finalmente disse: — Ora, fiz mal. Peço-lhes desculpas.

Todos guardaram silêncio até que Aiden propôs:

— Faz frio. Vamos comer algo. Não têm fome?


Todos acenaram com a cabeça, e enquanto Peter galantemente
pegava das mãos de Alison as trouxas de roupas que ela comprara, a
jovem sugeriu:

— Poderíamos ir aquela taberna.

— Melhor aquela — retrucou Harald.

Mas ela, ao ver que apontava uma outra, insistiu disposta a ver
seu tio Marco:

— Prefiro essa.

— Me acredite — acrescentou o viking, — estive por aqui e a


comida é melhor de onde estou indicando.

Mas Alison negou novamente. Queria ir ao lugar onde sabia que


estava seu tio, e olhando para Harald, grunhiu:

— Também tem que questionar o lugar que eu proponho?

Sem entender sua reação, e percebendo que resto do grupo sorria,


ele finalmente concordou.

— Muito bem. Vamos aonde você disse.

Alison pôs-se a andar no ato. Em seu caminho, enquanto Demelza


falava, ela pensava o que fazer para aproximar-se de seu tio Marco sem
levantar suspeitas. Conhecia-o e sabia que, até que não falasse com
ela, não iria embora dali.

Ao entrar, olhou com curiosidade a seu redor e em seguida o


localizou sentado a uma mesa ao fundo à direita. Seus olhares se
encontraram e, incapaz de se conter, sorriu-lhe.
Sem separar-se dos demais, Alison se sentou em uma mesa com
eles e, quando pediram algo para beber e comer, Aiden ia perguntar-
lhe sobre Thomas quando ela começou a dizer:

— Não pude deixar as crianças com seu tio.

— Por quê? — Quis saber Demelza.

Rapidamente a jovem contou tudo, e quando terminou, Harald


murmurou:

— Os preconceitos que alguns têm vão contra até mesmo de uma


união.

Peter e Aiden assentiram, e o laird disse:

— Se já entre os escoceses, por sermos de clãs diferentes, às vezes


nos matamos, como você espera que pensemos bem de um povo como
os ingleses, que nos matam? Você mesmo odeia os Campbells—
acrescentou olhando ao Peter.

Alison o olhou e, recordando como ele tinha reagido ao conhecer


Carolina, perguntou:

— Por que odeia os Campbell?

Peter tomou um gole de sua bebida e respondeu olhando-a:

— Esses malditos tomaram de maneiras obscuras terras


adjacentes as que Aiden deu de presente a Harald. Como não vou odiá-
los?

— Quando ocorreu isso? — Perguntou Demelza curiosa.

— Antes que eu nascesse. As tiraram a meu tataravô.

Surpreendida, Alison soltou uma gargalhada, aquilo era coisa de


louco, e imediatamente perguntou:
— E que culpa têm os Campbell de hoje com o que fizeram seus
antepassados?

— Ser Campbell... — sibilou Peter. — Acha que é pouca culpa?

Demelza soprou e cochichou irritada:

— Campbell, McGregor, ingleses, escoceses, vikings... pelo amor


de Deus... O que nos separa é a procedência, o lugar onde nascemos
ou a família, quando acredito que deveria sobressair que somos
pessoas. Nem todos os escoceses são maus, nem os ingleses, nem os
vikings, nem os Campbell, nem os McGregor. As pessoas deviam se
falar, entenderem-se. Enquanto isso não ocorra, nada mudará e o povo
seguirá morrendo simplesmente por ser de outro país, outro clã ou
outra religião.

Alison assentiu. Concordava com ela.

De repente, viu Maia passar, a garota da loja. Com dissimulação,


seguiu-a com o olhar e, quando viu que entrava na cozinha,
rapidamente sorriu. Talvez isso servisse para poder encontrar-se com
seu tio a sós, e, enquanto seus amigos seguiam falando sobre o
assunto, disse ficando em pé:

— Vou pedir um pouco de água ao estalajadeiro.

— Eu pedirei — se ofereceu Peter.

Harald o olhou, e Alison respondeu com um encantador sorriso:

— Obrigada, Peter, mas Maia é minha amiga e quero lhe


perguntar algo sobre o guisado que pedimos antes de que me sirvam.

Ele assentiu e em seguida ela se afastou; nesse momento Aiden


olhou para Peter e, consciente do que ele tinha falado com ela,
perguntou com zombaria:
— Desdobrando seus encantos com Alison?

Peter sorriu e, depois de olhar para Harald, que se fazia de ter


entendido, retrucou:

— É uma mulher bonita e agradável, e como vejo que Harald não


quer nada com ela... por que não?

Conforme o disse, o viking o olhou.

— Importa-se? — Perguntou-lhe então Peter.

Irritado, Harald se revolveu em seu assento e, consciente de que


esperavam uma resposta, finalmente disse:

— Pode fazer o que tiver vontade.

Demelza nem sequer se alterou ao ouvi-lo. Cada vez tinha mais


certeza de que Alison atraía seu cunhado, mas se dissesse, ele
desmentiria.

— Que bonito casal fazem Peter e Alison, verdade? — Comentou


dirigindo-se a Aiden.

— Lindos — afirmou ele observando a carranca irritada do viking.

Estavam rindo daquilo quando Aiden se levantou de repente.

— Por São Angus, padre Murdoch, o que está fazendo aqui?!

Todos o olharam surpreendidos. O padre tinha partido com


Alastair, Zac e suas mulheres dias antes.

— Louvado seja Deus... — exclamou o religioso aproximando-se


deles — que alegria lhes encontrar por aqui! — E, depois de engolir
uma taça de vinho que pegou da mesa, acrescentou: — No caminho
soube que o padre Corwen de Saint Andrews se encontrava bastante
doente e vim visitá-lo. Por sorte, as orações e os cuidados obtiveram
que se recuperasse, e estava por partir para o Keith.

— A sorte fez com que nos encontrássemos. — Demelza sorriu.

— A sorte e as minhas orações, filha. Rezei muito para não viajar


sozinho. Já sabe que a valentia não é o meu forte.

O padre sorriu. Viajaria muito mais calmo se o fizesse em


companhia desses valorosos guerreiros. Sem dúvida, esse era seu dia
de sorte.

Quando Alison chegou ao balcão, rapidamente Maia sorriu ao


reconhecê-la. A moça lhe contou que seu marido dirigia o local e, com
prazer, Alison lhe pediu um copo de água.

— Mulher... o que tenho que te pagar pelo guisado? — Era a voz


de seu tio Marco, que estava a seu lado.

— Uma moeda, senhor — respondeu Maia.

Alison, vendo como seria difícil falar com ele ali, perguntou-lhe:

— Estava boa a comida?

Ele se apressou a olhá-la e respondeu:

— Bastante boa.

Durante segundos ambos se olharam sorrindo, e Alison disse


dirigindo-se a Maia:

— Você sabe se o guisado tem vinho?

Ela duvidou e, pedindo um segundo com um gesto, retrucou:

— Vou perguntar ao meu marido.

A jovem se afastou, e Marco, consciente de que esse era seu


momento, sussurrou:
— Isobel, amore mio... Como está?

Emocionada ouvindo aquela voz que tantas vezes a tinha ninado,


a moça se apressou a dizer:

— Pelas barbas de Netuno, tem que partir daqui. Se alguém o


recon...

— Calma, tudo está bem.

— Bem? Por Iemanjá! Julian Andersen espalhou a notícia de que


foi vocês quem matou aquelas pessoas naquela cidade. Sem falar que
Conrad, antes de morrer, começou a dizer que avistou nossos navios
perto da costa e...

— Isobel, calma.

— Como que «calma»?! Acaso não veem o perigo que correm? Esse
sujeito, Julian, sem dúvida voltará a aprontar e...

— Isso já está solucionado — a cortou Marco sorrindo.

— O que disse? — Cochichou Alison.

— O que ouviu. Nem Conrad nem ele voltarão a te incomodar


jamais.

Boquiaberta, ela piscou e, inspirando, sussurrou:

— Não voltarão...?

Marco sorriu e, antes que ela pudesse terminar, acrescentou:

— Ele, sua tripulação e seu navio descansam no fundo do mar. E


o melhor, suas mãos estão limpas de seu sangue.

Alison negou com a cabeça. Sério? Primeiro Thomas tinha feito


com o Conrad e agora eles com Julian. Acaso não sabiam que a
vingança era dela?
— Maldito seja, tio!

— Isobel...

— Mas...

— Você se ocupou de Conrad e nós de Julian. Assunto resolvido.

Maia retornou nesse instante e Marco, que não a viu, continuou:

— Isobel... Isobel... amore mio, calma.

— O guisado tem vinho — apontou a jovem surpreendendo-os.

Alison assentiu e seu tio, depois de lhe piscar um olho, partiu com
dissimulação.

Alterada pelo que Marco tinha contado e preocupada por tê-los


rondando em Escócia, Alison retornou à mesa, onde prosseguiam
falando, e ao ver o padre Murdoch o cumprimentou.

Em silêncio, e sumida em seus próprios pensamentos, a jovem os


ouviu falar durante um bom momento; quando Maia se aproximou de
sua mesa e, depois de depositar sobre ela os pratos de guisado, olhou
Alison e disse pondo frente a ela velhas luvas de lã:

— O homem que te chamava Isobel as deixou.

Todos voltaram a vista para ela.

— Isobel? — Perguntou Demelza.

Alison a olhou, e Harald, incapaz de calar, soltou:

— Orquídea, Marguerite, sobrinha do governador McBouden e...


agora também Isobel?

Alison ficou olhando-o surpreendida. Como sabia tudo aquilo?

Ver o desconcerto em seu olhar fez com que o viking esclarecesse:


— Ouvi-o. Ouvi os homens com os quais falava a chamarem
assim.

Todos a olhavam esperando uma explicação. Sabia que dizer a


verdade era extremamente complicado, mas decidiu tentá-lo para
comprovar seu efeito.

— Acreditem ou não, meu nome é assim — declarou a jovem.

— Acaso é da realeza? — Ironizou Peter.

— A mentira é a sala de espera para que o demônio entre em seu


corpo, moça — cochichou o padre Murdoch.

Aiden e Peter sorriram ao ouvi-lo. De repente, se aproximou um


homem e, depois de pedir ao padre que o acompanhasse, este se
afastou. Logo os encontrariam.

Harald observava Alison com seriedade. Sem dúvida o que tinha


soltado tinha surpreendido à moça.

— Se não vai dizer a verdade, é melhor que não diga nada —


opinou Demelza olhando-a. — É insultante contar somente mentiras,
não acha?

Alison assentiu. Como era de esperar, não acreditariam, ninguém


que não fosse filha de reis tinha tantos nomes como ela; por isso,
procurou uma mentira que pudesse ser acreditável, mas nesse
momento ouviu as suas costas:

— Querida sobrinha, que alegria te encontrar!

Voltando-se encontrou os rostos sorridentes de Thomas e Regina.


Rapidamente se levantou, abraçou-os e, inspirando, ao comprovar que
todos os observavam, perguntou:

— Mas o que fazem aqui?


— Ouvimos sobre o que ocorreu em Sambery e seu tio se inquietou
— contou Regina.

Ela os olhou sem acreditar e retrucou:

— Tio Thomas... não seja tão... preocupado.

Ele assentiu e então Alison, olhando o homem que estava atrás


deles, cumprimentou-o com um sorriso:

— Olá, Evander.

— Olá, Alison — respondeu ele satisfeito. — Me alegra voltar a


ver-te.

Imediatamente, a moça se aproximou e ambos começaram a falar


e a brincar. Nos dias que tinham estado em Lanark criaram uma boa
sintonia entre eles.

Observar a cumplicidade que tinham incomodou Harald, e


quando Alison retornou de novo à mesa e se sentou, o viking, mal-
humorado, pegou-a pela mão e perguntou:

— E por que sendo a sobrinha de quem é viaja em...?

— Porque quero, e me solte se não quiser que te arranque as


orelhas — cortou ela sem deixá-lo terminar.

Todos se olharam entre si, e então Thomas, para relaxar o


ambiente, em especial com o homem loiro, falou:

— É bom o guisado daqui?

— Muito bom — disse Alison, que, deixando de olhar para Harald,


perguntou: — Quer guisado, Evander?

O guerreiro sorriu, mas, depois de ver o olhar de Harald,


apressou-se em dizer:
— Obrigado, Alison, mas devo retornar a meus homens.

Quando ele partiu, e a cada segundo mais zangado pela dedicação


que ela dava a Evander, o viking insistiu:

— Não compreendo que queira viajar como uma mendiga nem...

— Você, precisamente você... não tem que entender nada — o


interrompeu ela de novo.

— É uma mulher. Vende joias — continuou Harald. — Acaso seus


pais não são conscientes dos perigos que pode encontrar pelo caminho?

Thomas soprou. Por muito que quisesse ajudá-la, havia coisas


que era difícil responder, mas, sem saber por que, falou:

— Vamos lá, moço, acredito que...

— Meus pais morreram — cortou Alison. — E agora, Harald, seria


amável o suficiente para deixar de preocupar-se com minha vida, ou
tenho que me levantar da mesa e partir para que me deixe em paz?

— É uma insolente sabia?

Alison assentiu.

— Melhor que não te diga o que você é.

Ele abriu a boca para protestar, Ingrid nunca o tinha respondido


assim na vida, mas Alison, gesticulando com as mãos, sibilou:

— Por Tritão, olhe para aquela mulher, ela tem um bonito cabelos
claros, como você gosta, e se esqueça de que existo!

Isso fez com que todos se olhassem. Aquilo parecia uma rixa de
apaixonados, e Demelza, tentando apaziguar os ânimos, mudou de
assunto.
— Alison, Aiden ordenou que vigiassem El Tritón Rojo e pôde
comprovar que o que dissemos era verdade.

Se fazendo de surpreendida, ela assentiu. E, evitando revelar o


que seu tio Marco tinha informado sobre Julian, ouviu com atenção o
que Aiden dizia:

— Meus homens contaram que três barcaças procedentes de El


Tritón Rojo deixaram na madrugada pelo menos três dúzias de pessoas
em uma praia. Interceptaram alguns deles que explicaram que tinham
sidos capturados em Berwick e que pensavam vendê-los na Ásia como
vocês asseguraram. Também confirmaram que nem Jack Moore nem
sua filha não tinham tido nada que ver com isso.

Thomas se engasgou ouvindo o nome, e então Demelza


acrescentou:

— O blefe que você deixou escapar para Julian ao dizer-lhe que o


governador McBouden estava vindo pelo navio dele, surtiu efeito!

Surpreso por aquilo, Thomas olhou para Alison, que afirmou:

— Não lhe contei que era meu tio, mas disse que o revistaria.

O homem sorriu. Gostava que Alison começasse ao ser presente


em sua vida, e, desviando o assunto para que a situação na mesa
relaxasse, interessou-se pelo que Aiden e os outros tinham a contar
referente ao que foi descoberto no navio de Julian Andersen.

Harald, irritado e zangado pela briga entre ele e a jovem, calou


enquanto sentia, estranhamente, como seu coração desbocava ao vê-la
sorrir.

Mas o que lhe ocorria justo com aquela mulher, que mentia com
mais frequência que respirava?
Depois da refeição, o governador e sua mulher partiram para
descansar. Estavam esgotados.

Durante um bom momento os outros seguiram conversando. A


comunicação entre Alison e Harald relaxou, e agora falavam, não
discutiam, até que ela disse levantando-se:

— Tenho que retornar. Não sei se Gilroy retornou ou se tio


Matsuura está sozinho com as crianças.

Demelza assentiu e, depois de olhar para seu marido, afirmou:

— Acompanhá-la-emos.

Ao sair da sala de jantar, Alison viu Evander e se aproximou para


falar com ele. Como sempre, a comunicação entre eles era fluída, e sua
amiga, vendo a carranca incomodada de Harald, aproximou-se dela e
indicou:

— Quando quiser podemos ir.

Com um sorriso, Alison se despediu dele e, enquanto se reunir a


com seus amigos, ouviu que Aiden dizia:

— Peter, avisa a Moisés e ao resto de que em breve retornaremos.


Peter assentiu e Harald, surpreendendo a todos, disse de repente
olhando a jovem:

— Eu levarei Alison em meu cavalo.

Alison levantou as sobrancelhas boquiaberta.

— Ouviste o mesmo que eu? — Perguntou dirigindo-se a Demelza.

Harald a olhou com recriminação e então ela, com sua habitual


maneira de ser, se aproximou e cochichou:

— Certeza que não te sairá urticárias por ter que aguentar minha
presença?

Demelza e Aiden riram. Aquela moça, com engenhosidade, era o


que seu amigo precisava.

— Vamos, sobe — disse Harald lhe estendendo a mão do alto de


seu cavalo, — que vai chover.

— Que galante! — Zombou ela enquanto a pegava.

Durante o trajeto, Harald como sempre se manteve em silêncio,


até que Alison, nervosa pelo que lhe provocava, apontou olhando ao
céu enquanto sentia as fortes rajadas de vento:

— Pois tinha razão, vai chover.

Seguiram um trecho em silêncio até que Harald, surpreendendo-


a, perguntou:

— O que há entre Evander e você?

Boquiaberta por sua pergunta, a jovem replicou:

— A você eu direi.

— Pelo que vi, parece que se dão bem.


— É um homem agradável. Não como os outros...

Harald não gostou de sua resposta e, mordendo a língua, decidiu


calar.

De novo, ficaram em silêncio, até que ela, consciente de quão


antipática tinha sido, perguntou com graça:

— Posso saber no que está pensando?

O viking olhou à frente com tranquilidade e respondeu:

— Não.

Alison soprou. Aquele homem era um osso duro de roer, mas o


olhou de novo e insistiu, retirando do rosto o cabelo que o vento
alvoroçava:

— Como um viking como você vive em Escócia? E, sobretudo, você


gosta desta terra?

Harald simplesmente assentiu, e ela murmurou:

— Vamos, homem... todo mundo tem um motivo para estar em


um lugar.

Conforme a ouvia, ele deixou de olhar o caminho e cravou seus


espetaculares olhos azuis nela.

— E você que motivo tem para estar aqui?

Alison sorriu ao ouvi-lo e, vendo em seu olhar que tinha dúvidas


sobre ela, respondeu:

— Se acredita que vou responder a sua pergunta quando você não


responde às minhas, está enganado!

Voltaram-se a silenciar, até que Harald comentou:


— Nunca teria imaginado que era sobrinha do governador
McBouden.

Ela simplesmente suspirou, e o viking acrescentou:

— Meu pai sempre dizia que os suspiros eram as respostas a


muitas das perguntas que ficavam no ar.

Alison o olhou ao ouvi-lo e, com um gesto divertido, cochichou:

— Cuidado! Acaba de confessar a mim que teve pai... Incrível! —


Isso fez o viking sorrir timidamente, e ela indicou: — Por certo, é muito
acertado o que seu pai dizia. Sabe o que diz o meu a esse respeito? Que
meus suspiros contêm todo o leite ruim que não manifesto.

Harald assentiu divertido e Alison seguiu com seu interrogatório.

— Tem irmãos? Irmãs? Cão? Gato?

— Poderia deixar de perguntar?

— Não.

— Pois deveria.

— Por quê?

— Porque perguntas muito.

Divertida, ela sorriu e, feliz por estar mantendo uma conversa com
ele, continuou:

— Sabe o que diz meu pai sobre minhas perguntas? — Desta vez
Harald negou com a cabeça, e ela endurecendo a voz para pô-la rouca
disse: — «Maldita seja, Alison, com tantas perguntas me deixa doente!
Fecha de uma vez essa boca cheia de dentes que tem, antes que eu
mande costurá-la para sempre!».

O viking sorriu e ela acrescentou:


— Mas é ainda melhor quando me diz: «Alison... Fr...! Maldita e
insuportável papagaio incapaz de calar, com tantas perguntas, que
gostaria de cortar essa língua e encerrá-la debaixo de sete chaves no
fundo do mar para toda a eternidade».

Sem se conter, Harald soltou uma gargalhada que atraiu a


atenção de Demelza e Aiden.

Não rir com a encenação dela era impossível e, sem se importar


como os outros o olhavam surpreendidos, afirmou consciente de que a
jovem falava de seu pai no presente, e não no passado, por isso supôs
que ele não estava morto como tinha contado.

— Imagino que ele fará isso quando não puder suportá-la mais —
soltou para comprová-lo.

— Acertou! — Afirmou ela feliz sem precaver-se de que tinha caído


na armadilha.

Cada vez que Harald ria, seu rosto se iluminava de uma maneira
incrível, e depois de intercambiar um divertido olhar com Demelza,
Alison falou fechando os olhos:

— Estava contando a Harald que frequentemente meu pai quer


me cortar a língua por ser tão perguntadora.

Todos riram e a ruiva, animada, contou então coisa do dela.

— Também recordo quando, por circunstâncias que não vêm ao


caso — disse Alison maravilhada, — meu pai me olhou um dia e me
disse: «Alison, hoje a vida te ensinou que existem ferida que, em vez de
te abrir a pele, abrem-lhe os olhos! Recorde disso para que não volte a
passar pelo mesmo!» — E, baixando a voz, acrescentou com pesar: — E
nunca mais passei.
Um silêncio estranho se originou a seguir. Com certeza que o que
tinha contado ainda lhe doía. Harald, aproximando a boca do ouvido
dela, sussurrou:

— Aprender dos erros é bom.

Uma forte rajada de vento, unida à sensação que lhe provocou seu
hálito perto do pescoço, fez a jovem estremecer.

— Tem frio? — Perguntou ele ao vê-lo.

— Um pouco... na verdade.

O tempo em Escócia começava a mudar advertindo da chegada do


inverno. E Harald, pegando uma manta que levava presa ao cavalo,
desatou-a e, jogando-a por cima dos ombros, cobriu-se e também a ela
e, quando os corpos de ambos ficaram protegidos pela manta, indicou:

— Isto te manterá quente.

Alison estremeceu. Gostava daquela intimidade entre eles. E,


sentindo como o corpo dele sob a manta a esquentava, sussurrou:

— Obrigada.

Harald sorriu; sentir seu corpo junto ao dele era arrebatador. Em


silêncio e durante um bom momento, aproveitou do contato que os
movimentos do cavalo lhe proporcionavam e, sobretudo, do
maravilhoso sorriso de Alison.

Indevidamente pensou em Ingrid, em que para ele seguia sendo


sua mulher. Como esquecê-la? Ela também tinha sido uma moça
sorridente e guerreira, como Alison. Mas algo as diferenciava, além de
seu físico, pois Ingrid era loira de olhos claros e Alison morena de olhos
escuros, era a personalidade. Ingrid sempre tinha sido uma mulher
paciente, meio infantil e bem-humorada. Com ela nunca tinha
discutido, pois jamais tinha se colocando contra ele, mas Alison era
justamente o contrário. Ela era inconformista e respondona entre
outras muitas coisas.

Estava pensando nisso quando a jovem, que falava com Demelza


e Aiden, disse:

— Terá que pegar a estrada da direita para chegar até o lugar onde
ficaremos noite.

Depois de tomar a rota que ela indicava, ao longe, sob um enorme


carvalho, viram a velha carroça.

— Não podem ficar aqui — apontou Harald.

— Por quê? — Quis saber Alison.

— Pelo vento, e porque vêm chuvas fortes. Essa árvore, por grande
que seja, não os cobrirá.

A jovem assentiu, certamente tinha razão, e pensando com


rapidez respondeu:

— Procuraremos outro lugar.

— Por muito que procure, essa carroça não é segura.

Quando chegaram a carroça, sem esperar para ser ajudada por


Harald para apear, depois de libertar-se da manta que entregou a ele,
Alison se afastou do cavalo e, estendendo as mãos para pequena Sigge,
que sorria, exclamou:

— Olá, gambazinha, vem comigo?

Sigge se atirou em seus braços enquanto Matsuura observava às


pessoas que tinham chegado com sua sobrinha. Com mimo, Alison
beijou na cabeça da menina e, ao ver a carranca do japonês, explicou:
— Tio Matsuura, já a conhece Demelza, e acredito que a eles
também. Mas como não tenho certeza, dir-te-ei que ele é Aiden, o
marido de Demelza, e ele Harald.

Os homens se olharam e se saudaram, e Matsuura, consciente de


que Harald era o homem de que tinha ouvido falar mais de uma vez,
perguntou em seu idioma:

— Podemos confiar neles?

Alison sorriu e respondeu em japonês sabendo que outros não os


entenderiam:

— Calma, tio. Não se angustie.

Aiden e Harald se olharam surpreendidos ao ouvi-la. Em que


idioma tinha falado?

E Demelza, que a tinha ouvido, perguntou:

— Fala japonês?

Alison, sem dar importância, afirmou trocando para o gaélico:

— Sim. Tio Matsuura me ensinou.

— Peço-lhes desculpas — disse então Matsuura em gaélico. —


Inconscientemente falei em meu idioma natal.

Todos sorriram, e Alison perguntou olhando a seu redor:

— Onde está Gilroy?

— Não sei. Pensei que retornaria contigo.

Irritada, a jovem assentiu e então, ouvindo murmúrios


procedentes do interior da carroça, entregou a pequena a Matsuura e,
depois de pedir a todos alguns segundos e pegar a trouxa com a roupa
que tinha comprado em Saint Andrews, que estavam presos no cavalo
de Harald, aproximou-se da carroça e colocou a cabeça no interior
notando como o vento a sacudia.

— Olá, Will. Olá, Briana.

O menino a cumprimentou com a mão, mas Briana estava


escondida sob uma manta; ouvir vozes estranhas a tinha assustado. E
Alison, ao ver a carranca irritada de seu irmão, piscou um olho e disse
subindo à velha carroça:

— Comprei-lhes roupa e casaco que certamente que vocês


gostarão.

Will sorriu, mas a pequena não se moveu.

Alison se apressou a tirar as roupas que tinha adquirido e Will,


surpreso ao ver calças, botas e camisas, cochichou:

— É muito bonito e que nunca tive.

Alison sorriu e olhando em direção à manta em que estava a


menina, perguntou:

— Briana, não quer ver o que tenho para você?

A menina, levantando um pouco a manta para olhar, viu que


Alison mostrava um bonito vestido cinza e também botas.

— Acredito que ficará linda — comentou, — e me parece que Pousi


adora!

Viu que a menina sorria e, deixando as roupas a um lado, falou:

— Venham, quero lhes apresentar alguns amigos.

Will assentiu e, quando foi levantar-se, a mão da Briana saiu de


debaixo da manta e a menina sussurrou:

— Não, Will... não. Pegar-nos-ão...


Comovida, Alison se aproximou deles e, sentando-se junto ao
menino, pediu:

— Briana, saia. Quero vê-la. — Mas a menina não se moveu, e ela


insistiu: — Vamos... ainda não confia em mim?

Instantes depois, a pequena saiu de debaixo da manta. Quando


seus olhos e os dela se encontraram, Briana deu a mão a seu irmão e
murmurou:

— Tenho um pouco de medo.

Alison sorriu ao ouvi-la e, depois de lhe dar um carinhoso beijo


na bochecha, colocou-lhe bem o gorro na cabeça e explicou:

— Demelza, a mulher de cabelo vermelho, já conhecem. Meus


amigos são boa gente, e nenhuma vez permitirei que nem eles nem
ninguém faça nada de mau a vocês, entendeu? — Will e Briana se
olharam e, depois de Alison lhes piscasse o olho, esta acrescentou
tirando a adaga da bota: — Mesmo assim, assegurar-me-ei por vocês.
Vamos. Me sigam.

A jovem desceu da carroça e, depois de olhar a todos, que a


observavam curiosos, lhes piscou um olho com cumplicidade.
Instantes depois, Will saiu de um salto, e atrás dele apareceu a cabeça
de Briana. Alison olhou então à pequena, que levava sua boneca nas
mãos, pegou-a nos braços para descê-la e, sem soltá-la, disse
mostrando a adaga que tinha na mão:

— São meus amigos e os respeito, mas se algum de vocês se


aproximar de Briana, Pousi ou Will com más intenções, juro que o
matarei, fica claro?
Harald, Demelza e Aiden, entendendo por que dizia aquilo,
assentiram e então Alison falou olhando para Briana:

— Se esqueça do medo. Não tem nada a temer deles.

Dito isto, soltou-a no chão e rapidamente a pequena, agarrando-


se a sua perna, ocultou-se atrás dela. Aquilo já se converteu em uma
tradição.

O menino, que estava a seu lado, ao ver como os homens


desconhecidos o olhavam, cumprimentou-os enquanto tiritava de frio:

— Eu sou Will.

Demelza piscou carinhosamente enquanto Harald e Aiden


cumprimentavam o menino magro e abatido; Alison, depois de jogar
para Briana o cobertor que o viking lhe dera, a encorajou:

— Vamos, céu, diga a Harald e Aiden como se chama.

A menina não se moveu, não tremia somente pelo frio; Harald,


surpreendendo a todos, aproximou-se, ajoelhou-se ante a pequena e,
estendendo a mão, perguntou com cavalheirismo:

— Como se chama?

A menina, assustada, não disse nada, e Alison afirmou sorrindo:

— Chama-se Briana.

Ele assentiu e a seguir declarou com graça:

— Lady Briana, aqui está Harald o seu cavalheiro para a defender


quando necessitar.

A pequena olhou para seu irmão surpreendida. Will sorriu, e


Alison, feliz pelo que ele tinha feito pela menina, perguntou olhando-a:

— Lady Briana, não vai cumprimentar seu cavalheiro Harald?


A pequena sorriu por fim e cochichou lhe mostrando a boneca:

— Esta é Pousi, e este casaco e este gorro Alison comprou para


mim, e também mais coisa.

— Encantado, lady Pousi — disse Harald. — E eu gostei de saber


que Alison comprou coisas que realçam sua beleza.

Divertida por aquilo, a pequena piscou e, saindo finalmente de


detrás das pernas de Alison, disse:

— Pousi e eu não somos ladies.

— Como que não? — Falou Demelza. E, sorrindo, afirmou jogando


sobre os ombros da menina o xale que usava: — Você e sua boneca são
lady Briana e lady Pousi, como ela é lady Alison e eu sou lady Demelza.
E estes homens, Matsuura, Aiden, Harald e Will, estão aqui para nos
proteger. São nossos cavalheiros. Nossos protetores. Ou acaso Will não
a protegeu quando estavam sozinhos?

A menina assentiu e Aiden, emocionado ao ver seu inocente olhar,


afirmou depois de pegar uma manta de seu cavalo para agasalhar a
sua mulher:

— Pois agora, minha linda lady Briana, estamos aqui para ajudar
o Will a te proteger.

A menina piscou. Aquela era uma excelente ideia e, depois de


olhar para seu irmão e Alison e ver que estes assentiam, disse com um
pouco de vergonha:

— Olá, Harald. Olá, Aiden... Sou Briana.

Satisfeito, o viking sorriu, e em seguida a menina fez algo que


surpreendeu a todos. Tirando o gorro de lã que Alison tinha comprado,
deixou o desastre que fizeram em seu cabelo descoberto e contou a
Harald:

— Umas senhoras más me fizeram isto, mas Alison, que me ama,


me disse que vai arrumar tudo.

Comovido pela devastação que as indesejáveis mulheres tinham


feito na cabeça da menina, Harald engoliu o nó de emoções que lhe
provocava a tristeza que via nos olhos da menina e, levantando a mão
para acariciar seu rosto, declarou:

— Alison a ama muito e tenho certeza que a deixará linda. E


quanto a essas mulheres, isso não voltará a ocorrer, porque eu não vou
permitir.

— Nem eu! — Afirmaram em uníssono Aiden e Demelza.

Durante segundos todos permaneceram calados observando à


menina, até que Matsuura, abrigando à pequena Sigge, apontou:

— Começa a chover. Terão que protegerem-se.

— Eu adoro a chuva — afirmou Alison olhando para o céu


enquanto ouvia Matsuura dizer as crianças que se refugiassem no
interior da carroça.

Alison sempre tinha gostado de sentir como as gotas de água


caíam sobre seu rosto, e mais ainda em terra, onde tudo a seu redor
cheirava de uma maneira especial ao molhar-se.

— Desta chuva você não gostará, lhe asseguro — retrucou Harald


observando-a.

Alison sorriu. Nunca tinha havido uma chuva que não gostasse e,
abrindo os olhos, ao ver como ele a olhava com gesto de recriminação,
replicou endurecendo o tom:
— Saberá você o que eu gosto ou não?

Harald preferiu não lhe responder e, em troca, indicou olhando o


céu:

— Avizinha-se uma forte tempestade.

— Que bom! — Zombou Alison.

Surpreso por seu intenso sentimento, o viking perguntou


olhando-a:

— Pode-se saber por que está tão feliz?

Com uma graciosa carranca, ela manifestou:

— Eu já disse: eu adoro a chuva.

— E eu disse «tempestade».

— Viva a chuva!

Harald meneou a cabeça. Sem dúvida ela estava louca.

— Aqui não podem ficar — observou. — Não é seguro. Devem se


proteger.

A jovem assentiu. Talvez ele tivesse razão, pois comprovou como


o vento agitava as copas das árvores, e, apontando para o bosque, disse
enquanto Demelza falava com Matsuura:

— Acredito que será melhor que nos translademos para lá.

Harald e Aiden se olharam. Com certeza ambos pensavam o


mesmo.

— Nem pensar — soltou Demelza. — Vêm conosco à hospedaria.


Não podem ficar aqui. É perigoso.

Alison negou e, quando ia falar, Harald afirmou:


— Estou com Demelza, acredito que...

— Proteger-nos-emos da chuva ali — replicou Alison.

Harald soprou. Aquela carroça velha terminaria em pedacinhos, e


insistiu:

— Mulher, não seja cabeça dura e obedece.

Matsuura meneou a cabeça e, suspirando, disse em japonês:

— Agora, sim, que não nos moveremos daqui.

Durante um bom momento Harald, Aiden e Demelza tentaram


convencer Alison para que mudasse de opinião. Era perigoso que
ficassem ali, mas ela, sem dar seu braço a torcer, negou-se. Tinha
vivido centenas de tormentas no mar, e finalmente, olhando para
Harald, sentenciou:

— Não insistam. É minha decisão. Não há mais que falar.

O viking amaldiçoou. Acaso essa cabeça dura não era consciente


do vento e da chuva que se avizinhava?

Finalmente, Aiden, Demelza e ele montaram em seus cavalos e,


depois de despedirem-se, empreenderam o caminho de volta.

Entretanto, ao perder de vista Alison, Harald se deteve de repente.

— Ficarei por aqui — disse. — O vento poderá derrubar a carroça


e...

Demelza assentiu. Opinava igual a ele. E quando ia falar, seu


marido interveio:

— Querida, retorne à hospedaria.

— Mas...
— Demelza — insistiu Aiden, — é necessário que vá na frente e
peça que preparem dois quartos a mais. Eu ficarei com Harald para
ajudá-lo se for necessário.

Entendendo suas palavras, ela assentiu e, rindo, cochichou:

— E diz que eu sou cabeça dura.

Aiden a beijou divertido e falou:

— Sem dúvida apareceu uma forte competidora.

Os dois riram por aquilo, mas Harald não. E, depois de dar um


beijo nos lábios de Aiden, Demelza se afastou a galope.
O vento soprava forte enquanto a chuva entrava por todos os
buracos que tinha na lona da velha carroça.

— As tormentas em terra são diferentes — comentou Matsuura.

— Isso parece.

— Acredito que Harald tinha razão — acrescentou o japonês. —


Deveríamos ter ido a um lugar mais seguro.

Alison assentiu, mas tentando parecer calma, apesar de que a


cada segundo se arrependia de não ter prestado mais atenção ao que
disse o viking, respondeu cobrindo as crianças com uma manta:

— Quando amainar riremos disso.

— Isso espero, Shensi. Isso espero.

Mas, em vez de amainar, a tormenta aumentava cada vez mais.

— Tenho medo e Pousi também — murmurou Briana apertando


sua boneca.

Will pegou a mão de sua irmã e a apertou.

— Calma. É somente o vento — disse apesar do medo que sentia.


Matsuura e Alison tentavam que os pequenos estivessem calmos,
mas era complicado, pois o vento sacudia continuamente a carroça e
os cavalos, atados ao tronco de uma árvore, estavam cada vez mais
assustados.

De repente, a carroça se inclinou. Ambos pensaram que iram


tombar, e ouvindo Briana chorar atemorizada, Alison disse:

— Tio Matsuura, fique com eles. Eu sairei e tentarei amarrar...

— Não diga tolices! — Grunhiu o japonês.

— Não diga tolices você — reprovou Alison.

Cada vez estavam mais nervosos.

— Não me faça recitar todos os seus nomes porque não há tempo


— sibilou ele. — Mas vou dizer algo muito a sério: se se mover daqui
vou zangar. — E, entregando-lhe Sigge, afirmou: — Eu sairei. Você fica
com as crianças.

Sem poder contestar, a jovem soprou e quando, segundos depois,


Matsuura saiu, olhando para Will e Briana, que a observavam
horrorizados, a jovem disse levantando a voz para que a ouvissem:

— Calma. Não vai acontecer nada.

Mas aconteceu de tudo.

Ouviram o ruído de algo que caía e, posteriormente, as maldições


de Matsuura.

Imediatamente, e sem pensar, Alison entregou à pequena Sigge a


Will.

— Volto em seguida.

— Nãooooo. Não vá! — Gritou Briana.


Alison suspirou. Seu tio precisava dela e, olhando à pequena,
falou:

— Querida, devo ajudar o tio Matsuura. Prometo-te que em breve


estarei a seu lado.

E, sem olhar para trás, desceu da carroça.

Lá fora, o forte temporal a atirou ao chão. A chuva e o vento eram


tremendos. Em terra, e rodeada por árvores que se dobravam, ficou
consciente do perigo que corriam ali; então viu Matsuura no chão com
um enorme galho de uma árvore sobre sua perna e gritou:

— Pelas barbas de Netuno, não se mova!

Alison, empapada, correu a auxiliá-lo, mas o vento voltou a jogá-


la no chão. Caiu sobre o chão, que era um lamaçal, e se arrastando
conseguiu chegar até onde estava o japonês. Buscando força, libertou-
o e, quando conseguiu, perguntou:

— Está bem, tio?

O homem, que estava empapado e enlameado como ela, assentiu.


Nesse instante uma terrível rajada de vento sacudiu a carroça e as
crianças gritaram assustados. Os cavalos, atados ao tronco de uma
árvore, relincharam, e, horrorizados e sem poder evitar, Matsuura e a
jovem viram como a carroça se sacudia com força e finalmente
tombava.

Com o coração a mil, tentaram levantar-se para auxiliar os


pequenos, que choravam e gritavam, mas de repente, e como saídos de
um nada, apareceram Harald e Aiden, empapados como eles, e o viking
ordenou olhando-a:
— Desate os cavalos da árvore e segure-os com força! Nós
tiraremos as crianças da carroça.

— Tentarei recuperar o que puder — indicou Matsuura


horrorizado ao ver a situação.

Sem tempo que perder, nem de pigarrear, Alison foi fazer aquilo
que ele tinha pedido enquanto Harald e Aiden, apesar de que a carroça
se deslocava arrastada pelo vento, entravam nela para tirar as crianças.

De repente, no meio do lamaçal, viu no chão a caixa oxidada de


joias que ela guardava com tanto amor, que continha as joias e as
lembranças de sua mãe e sua avó, e sem hesitar-se dirigiu para ela.
Não podia perdê-la.

Estava pegando-o quando ouviu um rangido e, ao levantar a vista,


viu como o galho de uma árvore cair sobre ela. E de repente sentiu
como alguém a arrastasse para terminar rolando pela lama.

Tinha sido Harald, que depois de tirar as crianças, tinha visto o


que estava a ponto de ocorrer e, sem hesitar, lançou-se para ela.

Sob o peso do corpo do viking, que estava sobre ela, com o rosto
cheia de água e de barro, Alison abriu os olhos e Harald sibilou furioso:

— Matar-te-á por ser cabeça dura e imprudente.

Ela piscou e ele, zangado, insistiu:

— Maldita seja, pretende morrer?!

— A caixa de joias...

— Que caixa de joias?

— O de minha mãe — retrucou ela.


Ao dizer isso, ficou consciente de que já não estava em suas mãos,
e, empurrando-o com todas suas forças, o tirou de cima dela. Não podia
perdê-la. Não... Não...

Desesperada, procurou a seu redor. Tudo estava enlameado,


encharcado. E quando a viu intacta, suspirando, rapidamente a pegou
junto à katana.

— Vá pelos cavalos — a apressou Harald ao ver o perigo que


corriam.

— Mas...

O viking a olhou furioso.

— Se pensa dizer outra vez «Viva a chuva!», se lamentará.

De repente, o vento fez voar pelos ares a carroça até estatelar


contra as árvores e se fez em pedacinhos em questão de segundos.

Alison a olhava horrorizada quando Harald a pegou pela mão e a


puxou.

— Vamos, monta no cavalo.

Assim que ela montou, entregou-lhe Briana. Aiden pegou Will e


Harald se encarregou da pequena Sigge, enquanto Matsuura atava
seus escassos pertences em seu cavalo.

Ao ver pequeno alforje do que seu tio tinha recuperado, Alison se


horrorizou. Onde estavam todas suas coisas? Suas joias? Suas lindas
caixas de madeira?

Matsuura, ao ver como ela o olhava, aproximou seu cavalo ao dela


e disse:
— Calma, quando amainar retornaremos e veremos o que
podemos encontrar.

— Pousi! — Gritou de repente Briana.

Alison não soube o que dizer ao ver a menina se desesperar. Sem


dúvida aquela boneca era muito especial para ela, mas se queriam
salvar a vida, deviam afastar-se dali o quanto antes.

— Prometo-te que manhã virei buscá-la — disse tratando de


acalmá-la.

— Quero Pousi... Pousi! — Gritou a pequena desconsolada.

A carranca de dor da jovem pelos acontecimentos não passou


despercebido a Harald, que exclamou:

— Vamos!

Ao galope e sem falar, afastaram-se do bosque enquanto sentiam


o vento, que arrastava tudo, sacudindo-os e a incessante chuva os
empapando.

Molhada, suja e assustada, Briana soluçava contra o peito de


Alison e esta, como podia, sussurrava:

— Calma, céu... calma.

Sem parar chegaram a porta da hospedaria, onde Demelza, que


tinha encontrado Gilroy, esperava-os preocupada junto ao padre
Murdoch. Ao vê-los aparecer, sorriu e disse dirigindo-se ao homem que
acreditava ser o irmão de Alison:

— Eu disse que eles os trariam.

Mais calmo ao vê-los, Gilroy assentiu. Sentia-se culpado por haver


ficado na cidade tomando uma cerveja. E, quando por fim chegaram a
eles, Harald desceu rapidamente do cavalo, entregou a pequena a
Demelza, ajudou Alison e a Briana a apear e, quando todos estavam
em terra, olhou para Gilroy e apontou para direita.

— Leve os cavalos ao estábulo e seque-os.

Nesse instante apareceu Evander e, ao ver Alison, perguntou


aproximando-se dela:

— Por todos os Santos, o que te aconteceu?

A jovem suspirou.

— Eu sou um desastre, Evander. Isso é o que aconteceu.

O highlander sorriu. A moça o fazia rir e, retirando o cabelo dela,


molhado do rosto, murmurou:

— Calma. Seguro que não foi para tanto.

Desesperada, ela soprou e Aiden, vendo a carranca irritada de


Harald, falou olhando ao guerreiro:

— Evander, pode acompanhar Gilroy e Matsuura ao estábulo?

O homem assentiu e se afastou em companhia deles.

— Pedirei que preparem sopa quente. Precisam-na — sentenciou


o padre.

Uma vez no interior da hospedaria, Demelza ironizou olhando-os:

— Mas como todos estão limpos!

— Perdi Pousi — se lamentou Briana.

A ruiva, ouvindo-a e vendo as lágrimas em seu rosto, depois de


olhar para Alison e sentir que não estava bem, sussurrou:

— Céu, o importante é que Will e todos estejam bem.


— Mas Pousi não está.

A cada instante mais martirizada por isso, Alison não soube o que
dizer, mas então Will interveio:

— Briana, sei que ama Pousi, mas se tivesse que salvar a ela ou a
mim, a quem escolheria?

A criança o olhou. Seu irmão nunca tinha perguntado nada


parecido, e ao vê-lo tão sério respondeu:

— A você.

— Pois Alison decidiu salvar você e a mim — acrescentou ele


assentindo.

Peter McGregor entrou nesse instante e comentou ao vê-los


empapados:

— Já ia sair para os procurar. — E, olhando Alison, disse


aproximando-se dela: — Pode ocupar meu quarto se o desejar.

Harald se meteu no meio de ambos para afastá-los e rosnou:

— Não precisa. Alison e as crianças têm quarto próprio.

Aiden sorriu e falou olhando para sua mulher:

— Acredito que o melhor será que subam tinas aos quartos e...

— Já estão esperando — retrucou ela.

Ele assentiu feliz por aquele detalhe; Harald olhou para Alison
sem reparar no sentimento de culpabilidade que ela sentia por tudo, e
perguntou furioso:

— Contente por ser teimosa?

— Harald, agora não — sussurrou Peter ao ver seu trejeito


atormentado.
Mas ele, que tinha aguentado estoicamente muitas coisas durante
dias, insistiu incapaz de calar:

— Não somente salta inconscientemente de terraço em terraço,


mas esta noite todos poderiam ter morrido por causa de sua
irresponsabilidade. As árvores poderiam tê-los esmagado. Acaso não
sabe como são as tempestades em Escócia?

Alison não soube o que dizer.

Hoje sua teimosia tinha posto em perigo as crianças e o tio


Matsuura, e isso parecia ser imperdoável.

A situação tinha escapado das suas mãos. Conhecia como era o


vento no mar, mas certamente em terra firme tudo era diferente, e
estava olhando para Harald, que com ferocidade reprovava sua
inconsciência, quando Demelza intercedeu:

— Vamos, Alison. Há um quarto para você e as crianças e outro


para Matsuura e Gilroy. Subamos. Ali poderão se banhar, se esquentar
e mudar de roupa antes que adoeçam.

Sem dizer nada, a jovem assentiu e, pegando Briana entre seus


braços, seguiu Demelza, que levava Sigge, enquanto Will vinha atrás
delas.

Quando desapareceram, Peter olhou a um atordoado Harald e


murmurou:

— Não seja tão duro com ela.

— Poderiam ter morrido. Advertimos e...

— Harald — cortou Aiden, — tem toda razão, não vou discutir por
isso. Mas acredito que agora é momento de acalmar-se e não de
reprovar. Essa moça fez errado e sabe. Não a martirize mais por isso.
O viking compreendeu o que ele dizia e assentiu, quando a porta
da entrada da hospedaria se abriu e entraram Matsuura, Evander e
Gilroy. Matsuura, por não ver Alison e as crianças, ia perguntar quando
Aiden disse:

— Subiram a seu quarto para banharem-se e mudarem de roupa,


e você deveria fazer o mesmo.

O japonês assentiu.

— Me siga — pediu Gilroy. — Te indicarei qual é nosso quarto.

De novo, o japonês assentiu, mas, antes de mover-se, olhou para


os homens que tinham arriscado suas vidas por eles e declarou:

— Agradeço-lhes muito o que fizeram por nós. — Aiden assentiu,


e Matsuura, olhando para Harald, que seguia com cara antissocial,
acrescentou: — Alison é a pessoa mais cabeça dura que há no mundo,
mas também a mais maravilhosa e de bom coração que jamais poderá
encontrar. Asseguro-te que tudo o que aconteceu a fará pensar e
perceber seu erro.

— Espero que assim seja — afirmou ele.

No fundo, o japonês se agradou ao ver sua expressão preocupada


e, depois de intercambiar um olhar cúmplice com Evander, Aiden e
Peter, falou dirigindo-se ao viking:

— Moço, acredito que tem que saber que a palavra obedece


sempre foi uma provocação e desafio para Alison. Portanto, se quer
evitar problemas no futuro, não volte a repetir.

— Bom conselho. — Evander sorriu enquanto se afastava.

Harald amaldiçoou para seus adentro e quando, segundos depois,


Matsuura e Gilroy desapareceram, Aiden se dirigiu a ele:
— Por que será que esse conselho também parece com o meu?

Ao ver seu sorriso e o de Peter, Harald voltou a amaldiçoar.

— Deixem de sorrir assim se não quiserem ficar sem dentes.

Isso os fez gargalhar-se.

Sem dúvida rir aliviava a tensão.


Depois de um banho quente no quarto de frente à lareira, Alison,
vestida com uma camisola branca que chegava até seus pés, terminava
de banhar Sigge quando a porta se abriu e apareceu Will.

Ao vê-lo limpo e asseado, com uma camisa enorme, a jovem sorriu


e ele se aproximou da cama que estava Briana, e sussurrou olhando-
a:

— Emprestou-me Harald.

— Parece-me muito bem — afirmou Alison.

Em silêncio, Will se aproximou de sua irmã e, olhando-a, ia


comentar algo quando ela falou tocando a cabeça:

— Alison cortou meu cabelo.

Alison assentiu e, vendo como a criança se olhava no espelho, e


afirmou:

— Agora todo o cabelo crescerá por igual e, antes de que se dê


conta, voltará a ter uma longa cabeleira.

Will sorriu, a menina também, e juntos deitaram na cama.

— Cheira muito bem — comentou o menino.


Briana assentiu maravilhada, mas logo, preocupada com sua
boneca, perguntou:

— Pousi estará bem?

Doía em Alison vê-la assim. Aquela boneca era a única lembrança


que Briana tinha de sua mãe, e sua perda seria irreparável. Pensou nas
joias que tinha recuperado na caixa de joia. O valor que ela lhes dava
não era econômico, mas sentimental. Se as tivesse perdido, teria
quebrado o coração. Olhando à pequena, ia responder quando Will,
entendendo a situação, disse:

— Briana, recorde do que falamos antes.

Isso chamou a atenção de Alison, e a menina murmurou olhando-


a:

— O importante é que estamos bem.

Will fez cócegas na barriga a sua irmã e ela, esquecendo-se de


tudo, começou a rir.

Com alegria por vê-los assim, Alison terminou de secar Sigge, que
não parava de fazer biquinho para que ela a acariciasse com os dedos;
sem dúvida a pequena estava mudando sua vida.

— A roupa que comprou também a perdemos, verdade? —


Perguntou então Briana.

Alison assentiu. Tinham recuperado poucos pertences. As


escassas moedas que restavam também se perderam na voragem da
tormenta, mas, não querendo fazê-los ver como tudo estava se
tornando difícil, retrucou:

— Calma. Já veremos como compraremos mais.


Os meninos se olharam e, depois de um momento cochichando
entre si Will disse:

— Alison, Briana e eu queremos te fazer uma pergunta.

— É uma pergunta boa ou ruim? — Quis saber ela divertida.

— É bonita! — Sussurrou Briana.

— Ora... bonita! — Alison riu.

Feliz por vê-los assim, a jovem se sentou na cama deles com a


pequena Sigge para terminar de colocar a fralda e a roupa, e então o
menino perguntou:

— Harald é seu marido?

— Não.

— E o pai de Sigge? — Insistiu ele.

Alison negou com a cabeça e, ao ver como a olhavam, retrucou:

— Sigge é a filha de meu tio Edberg, mas ele morreu e me pediu


que me cuidasse dela.

Os meninos assentiram e Briana perguntou:

— E cuida dela como de nós?

— Isso.

— E lhe buscará um lar como a nós? — Insistiu a pequena.

Ouvir isso a fez suspirar. Adorava Sigge, como adorava as duas


crianças, mas, depois do que aconteceu essa noite, que por sua culpa
tinham estado a ponto de morrer, respondeu:

— Simplesmente quero o melhor para ela e para vocês. E me


esforçarei para que assim seja.
Will se dispunha a dizer algo quando ouviram golpes na porta.
Instantes depois entrou Demelza, que sentando-se na cama com eles,
quis saber:

— Como estão?

— Cheiro muito bem e a cama é muito quente — afirmou Briana


maravilhada e sem mencionar pela primeira vez Pousi.

Demelza, ao ver que o cabelo da criança estava igualado,


rapidamente afirmou:

— Briana, está linda.

A menina tocou seu cabelo curto. Poucas meninas que conhecia


o usavam assim, mas por incrível que parecesse, não ter as falhas a
fazia sentir-se melhor, e afirmou:

— Eu gosto de meu cabelo.

Todos sorriram e Demelza, interessada, perguntou:

— Do que falavam quando entrei?

Briana ia responder quando Will a interrompeu:

— Alison nos dizia que quer o melhor para Sigge e para nós e por
isso quer nos encontrar um lar, mas... mas eu não entendo por que ela
acredita que não é a melhor para nós, quando é boa, carinhosa, cuida-
nos e sinto que nos ama.

Os pelos do corpo de Alison se arrepiou ouvindo isso. Cada vez


que ouvia palavras tão bonitas dirigidas a ela se emocionava, pois não
estava acostumada, e Demelza concordou olhando-a:

— Will tem razão. Por que lhes buscar um lar se já tem você?
Alison deixou então à pequena Sigge em nos braços da amiga e,
levantando-se da cama, respondeu:

— Muito simples. Porque não sei cuidá-los como merecem.

— Mas o que diz?! — Protestou sua amiga.

— Sim sabe — falou Will.

— Sim, e por isso quase os matei esta noite, verdade? — Insistiu


a jovem. Nenhum respondeu e, furiosa, murmurou a seguir
reconduzindo o assunto: — Minha vida é complicada.

— Por quê? — Perguntou Briana.

— Porque sim — disse Alison com pesar.

Demelza assentiu; sabia que sua amiga ocultava algo. Não sabia
o que era, mas sem dúvida isso a martirizava. Para fazê-la sorrir, disse:

— Entre você e Evander há alguma coisa?

Alison a olhou e ela cochichou:

— Digo isso porque sinto que um certo Viking fica desconfortável


quando vê a mesma coisa que eu.

Ela meneou então a cabeça sorrindo.

— Não invente, e quanto a esse viking, prefiro não falar.

Demelza assentiu. Sabia o que via como todos também viam, mas
voltando para assunto que anteriormente falavam, prosseguiu:

— Se tivesse um lar, as crianças ficariam contigo?

Consciente de uma verdade que não podia confirmar, Alison


respondeu:

— Provavelmente.
— Simmmmmmm — gritou Briana fazendo-os sorrir.

— Isso estaria muito bem — afirmou Will sem hesitar.

Alison os observou com o coração cheio de felicidade. Seus dias


em terra não tinham sido perfeitos, mas os melhores de sua vida, e
afirmou com segurança:

— Ter um lar e crianças como vocês a meu lado poderia ser um


bonito sonho. Mas sinto dizer que os sonhos e a realidade poucas vezes
vão de mãos dadas.

Demelza se dispunha a replicar quando chamaram de novo à


porta.

Instantes depois, Matsuura e Gilroy entraram no quarto, e


Demelza, levantando-se da cama, disse entregando a pequena a Gilroy:

— É tarde e devemos descansar. Amanhã será outro dia e


falaremos.

Com um sorriso, Alison se despediu e, quando a porta se fechou,


olhando para seu tio, pegou-o pelo braço e murmurou afastando-o dos
pequenos:

— O que vamos fazer agora? Perdemos tudo. — O japonês


assentiu, esse incidente tinha sido uma terrível calamidade, e ela
insistiu: — E, se por acaso isso for pouco, Pousi também desapareceu!

Matsuura sorriu. A sensibilidade que demonstrava não tinha


nada que ver com jovem que dava cabeçadas nos homens no navio para
demonstrar sua valentia. Em poucos dias, e com mais exatidão desde
que Briana e Will tinham aparecido em suas vidas, Alison estava
demonstrando a grande necessidade que tinha de mudar sua vida e,
em certo modo, de ter uma família. Suas ações, suas palavras e seus
olhares assim confirmavam, e disso ele gostava. Por isso, e com
carinho, acomodando uma mecha de seu cabelo escuro atrás da orelha,
falou com carinho:

— Por enquanto, esta noite vamos descansar.

— Mas, tio Matsuura, sou um desastre!

O japonês pôs então um dedo sobre seus lábios e insistiu:

— Amanhã, como disse Demelza, será outro dia, e então


valorizaremos as opções que temos.

— Opções? Que opções? Não temos carroça. Não temos moedas.


Não temos nada para vender. O que podemos fazer? O que fazemos com
as crianças? Porque, digo-te uma coisa, se eu tiver que passar fome,
passarei, mas eles não! Nego-me!

— Alison...

— Hei... pensei falar com Demelza e Aiden. Sei que têm uma filha
pequena, vivem em uma casa enorme e possivelmente poderiam cuidar
dos pequenos. Ou... ou, se não, falar com Thomas e Regina, talvez eles
pudessem.

— Shensi...

— Está decidido. Se qualquer um deles aceitar, nós retornaremos


a papai. Ele tinha razão. Meu lugar não é aqui, a não ser no mar, com
ele.

Vendo que Alison já estava se metendo em uma espiral que o


zangaria cada vez mais, o japonês finalmente a cortou:

— Shensi, mas o que diz? Basta já!


— Tio Matsuura, não soube interpretar a chuva em terra, e que
esteve a ponto de matar esses pequenos e... — Não pôde continuar.
Sentia-se péssima.

Ele a abraçou. Sabia que a única maneira de tranquilizá-la era


abraçando-a, e quando sentiu que seu corpo deixava de tremer, disse
olhando-a:

— Ao amanhecer, se a tormenta tiver amainado, retornaremos e


veremos se podemos salvar alguma coisa e, depois, com a mente fria,
decidiremos, que acha?

Ela assentiu, não podiam fazer outra coisa, e, depois de lhe dar
um beijo na bochecha do tio e este beijou as crianças na testa, Gilroy
e Matsuura partiram. De novo, a sós com as crianças, a jovem falou
olhando-os:

— Vão dormir! É tarde.

Will e Briana, que tinham ouvido, apesar de que ela tenha tentado
que não fosse assim, fecharam os olhos sem perguntar nada e,
abraçados, adormeceram.

Alison, com a pequena Sigge nos braços, ainda acordada,


aproximou-se da janela. Chovia a cântaros. Era um diluvio. E quando
sentiu que a pequena finalmente dormia, com cuidado a deixou sobre
a cama.

Em silêncio, e somente iluminada pelo resplendor da lareira,


olhou para os pequenos.

Por sua teimosia, o pouco que podia oferecer a eles se evaporou.


Pensava nisso desesperada quando ouviu de novo golpes na porta.
Quando esta se abriu Harald estava na porta.
Ambos se olharam nos olhos, enquanto ele estava consciente de
que ela vestia somente uma fina camisola branca. Observavam-se sem
falar quando Alison finalmente disse em voz baixa:

— Se vai seguir me dando bronca por tudo o que acredita que faço
de errado, tenho que te dizer que...

— Vim ver se precisavam de alguma coisa — a cortou ele.

Tentando sorrir, ela assentiu e indicou que entrasse. Ele o fez e


fechou a porta.

Harald se aproximou das camas sem fazer ruído e, ao ver os


pequenos dormir, murmurou:

— Certamente eles, neste instante, não precisam de nada.

— Pode-se dizer que por enquanto têm tudo de que precisam, sim
— afirmou a jovem.

E aproximou-se de novo da janela. A presença de Harald a


inquietava e quando sentiu que ele se aproximava dela, disse olhando-
o:

— Sinto muito não ter dando atenção a seu aviso. Por minha
culpa, coloquei as crianças e tio Matsuura em perigo. E eu... eu... Pelas
barbas de Netuno! Não poderei me perdoar por isso. E ainda por cima
perdemos Pousi...

Harald sorriu ao compreender que falava da boneca, e ela


prosseguiu:

— Pousi era a única lembrança que Briana tinha de sua mãe, e eu


a perdi. Maldito seja, Harald! Se tivesse prest...
— Heiiii... — cortou-a o viking ao vê-la tão alterada. Sabia que fora
duro com ela. Em certas ocasiões, era excessivamente resmungão, mas
procurando seu olhar, falou: — Todos estão bem.

Ela meneou então a cabeça e ele exigiu:

— Me olhe, Alison.

Ela o fez e ele, com carinho, murmurou enquanto retirava uma


mecha de seu cabelo do rosto:

— O que importa é você e que todos estejam bem.

— Ora, mas...

Harald colocou um dedo sobre seus lábios e, sentindo uma


chicotada no coração ante o contato com seu hálito, sussurrou sem
afastar os olhos dos dela:

— Sua vida é o único que importa. O resto são coisas materiais e


podem se substituir.

A jovem soprou e, com um gesto de derrota, murmurou:

— Pousi não se pode substituir.

Sua expressão o fez ver a vulnerabilidade da jovem, e acrescentou


em um tom íntimo:

— Procuraremos uma boneca que a substitua. Prometo-lhe isso.

Ouvir isso a fez sorrir com tristeza e, perdendo-se naquele olhar


azul, disse em um fio de voz:

— Obrigada.

Satisfeito, Harald assentiu, e então ela, recordando algo,


perguntou-lhe:

— Já não quer me matar?


Ele riu e, negando com a cabeça, sussurrou:

— Não. Já não quero.

Observaram-se sem falar e que fizeram com que os pelos de seus


corpos se arrepiassem. Ambos liam no olhar do outro o desejo, o temor,
a vontade de descobrir o ser que estava de frente para o outro, quando
Alison, sem poder conter o que pensava, soltou:

— Nem imagina a necessidade imperiosa que sinto de te beijar.

Harald sentia essa mesma necessidade. Desde que a tinha


encontrado, o desejo de aproximar-se dela para saber se estava bem o
martirizava.

Durante horas tinha lutado para não vir vê-la, para não ir a seu
quarto, mas tinha sido em vão. A vontade de repente lhe falhou e ali
estava. A sós com ela, naquele quarto, olhando-a e desejando-a como
a bastante tempo não desejava ninguém, por isso, dando um passo
atrás, murmurou:

— Melhor eu ir.

Alison, sem afastar os olhos dele, pegou-lhe então a mão e


murmurou:

— Assusta-se com minha imprudência, verdade?

Harald negou com a cabeça.

— Não, Alison. Assusta-me o que me faz sentir — declarou sem


medir palavras.

Isso era novo para a jovem. Acabava de admitir que se sentia


atraído por ela?
Com prazer e feliz por saber aquilo, sorriu. Por sua vida e seu
caráter, estava acostumado a tomar o que desejava, mas com Harald
era diferente. E agarrada a sua mão, não o soltou. Não desejava que se
fosse. Queria estar com ele. Falar com ele. Beijá-lo. Tocá-lo. Desejava
tudo dele, mas o viking, soltando-se de sua mão, disse em voz muito
baixa:

— Alison, não pode ser. Sinto muito.

E, virando-se, afastou-se dela e saiu do quarto.

Uma vez sozinha, levou as mãos aos lábios e os tocou. Estavam


quentes, desejosos daquele homem, e fechando os olhos cochichou:

— Com certeza meu descaramento o assustou.

Permaneceu com os olhos fechados. As coisas que desejava fazer


e o que lhe passava pela cabeça eram uma autêntica loucura. Aquele
homem, que se aproximava e ao mesmo tempo a evitava, a deixava
totalmente perturbada e estava começando a fazer com que perdesse a
razão.

Abriu os olhos e estava amaldiçoando por aquilo quando, através


do cristal da janela, viu-o cruzar a rua sob a incessante chuva.

Mas aonde se dirigia?

Com curiosidade, seguiu-o com o olhar e, ao ver que entrava nos


estábulos da hospedaria, desejou ir até ele. Com toda segurança, esse
seria um de seus últimos dias em terra. Quando Demelza e Aiden ou
Thomas e Regina ficassem com as crianças, voltaria a seu pai.

Por isso, e depois de ver que os pequenos dormiam placidamente,


saiu do quarto.
Sem fazer ruído, cruzou o corredor descalça. Todo mundo dormia
nos quartos vizinhos e, assim que chegou ao térreo, sem olhar para
trás, correu para a porta e saiu para fora. Rapidamente a chuva a
empapou. O frio a fez tremer, mas, sem deter-se, seguiu os passos de
Harald.
Alison chegou ao estábulo, empurrou a porta, entrou e a fechou,
viu Harald de frente a ela. Ele estava agachado, apoiado na parede do
fundo. Parecia pensativo, e ao vê-la se levantou lentamente. Ela estava
descalça e com a camisola empapada colada ao corpo. Harald, tentando
aparentar normalidade, perguntou:

— O que faz aqui?

Ela não respondeu. Não podia. Só se olhavam. Tentavam-se.

A atração que existia entre eles crescia a cada instante sem que
nada nem ninguém pudesse evitar e começava a ser incontrolável.

Então começou a caminhar em sua direção e, quando chegou


frente a ele, Alison colou seu corpo ao dele e o beijou com paixão sem
que ele a detivesse.

O beijo úmido e quente se prolongou, convertendo-se em um


carregado de sensualidade e desejo, até que ele, consciente do que
estava fazendo, parou-a e Alison, olhando-o nos olhos, sussurrou:

— Não pense em nada. Só se deixe levar e viva o presente.

Harald resistiu. Continuar era complicado, perigoso. Não queria


desonrar a jovem naquele lugar e que todos a olhassem com receio.
Mas o momento, a magia que ela desprendia, o desejo, a tentação
e a visão que lhe oferecia a camisola molhada colada a seu corpo o
estava enlouquecendo.

A jovem, consciente do que ele podia estar pensando, insistiu:

— Disse-te que não sou a jovenzinha inocente que acredita. Sei o


que faço aqui e o que estou pedindo.

— Alison...

Mas ela negou com a cabeça. Não queria escutá-lo. Não queria
sua rejeição. Não importava o que pensasse dela. Precisava-o como não
tinha querido a ninguém no mundo, e afirmou:

— Se o desejo que sente por mim for tão forte como o que eu sinto
por você, dificilmente poderá freá-lo.

Harald negou com a cabeça. Aquilo era uma autêntica loucura.

— Não devemos, Alison...

— Sei. Sei tão bem como você — murmurou ela em um fio de voz.
Mas sem afastar-se dele insistiu: — Mas sou uma teimosa
irresponsável e, ante isso, pouco posso fazer.

Seguiam olhando-se em silêncio. O viking fazia grandes esforços


por conter o desejo que ela manifestava livremente, e a jovem,
tremendo, sussurrou:

— Se se assusta por que acha que te cobrarei responsabilidade


por isso, calma, não o farei. Sei quem sou. Sei quem é. E sou consciente
de que entre você e eu não há mais que desejo carnal.

O corpo de Harald tremia. O desejo que sentia por tocar, beijar ou


abraçar Alison era descomunal. Nunca uma mulher, nem sequer sua
amada Ingrid, o excitou tanto com tão pouco, e, incapaz de recusar,
deu de novo um passo em sua direção e, puxando-a, atraiu-a contra
seu corpo.

O beijo de Harald foi firme, seguro, intenso, deixou-se levar pelo


que queria e desejava nesse instante, e por isso, pegando-a nos braços
declarou:

— Este não é o melhor lugar.

Excitada por sua brutal resposta, ela assentiu, mas retrucou:

— O lugar tanto faz, sempre e quando estivermos você e eu.

Suas palavras e o modo como o olhava fizeram Harald assentir, e


depois de depositá-la no chão, perguntou olhando-a aos olhos:

— Tem certeza?

Ela assentiu. Não tinha estado mais segura de nada em sua vida.

Ao ver o sinal de aceitação e sem afastar seus olhos azuis dela, o


viking soltou o cinturão e sua espada caiu ao chão. Em seguida tirou
a camisa deixando em descoberto seu varonil torso.

Alison ofegou. Se antes o desejava, agora muito mais, e, movendo-


se com rapidez, tirou-se a camisola molhada.

Ao ficar totalmente nua diante dele sentiu certo rubor. Sempre


tinha sido uma mulher ousada. Sempre tinha desfrutado do prazer do
sexo sem se importar com a opinião de ninguém, mas com ele se sentia
diferente.

Harald inspirou. Se vestida era linda, nua era um deleite de


mulher, e, sem poder aguentar um segundo mais, pegou-a entre seus
braços e, depois de soltar o cordão que segurava sua calça, meteu-se
entre suas pernas e a possuiu.
Olhando-se nos olhos e sem vergonha, deixaram-se levar pela
paixão, enquanto seus corpos aproveitavam a loucura do momento.

Para Harald, saber que ela não era uma mulher inexperiente e
sentir como se movia para lhe exigir mais, deu-lhe o beneplácito de
possui-la com deleite. O lugar não era o mais cômodo do mundo, mas
sem hesitar fizeram amor de tal maneira que, quando ambos
alcançaram o clímax, olharam-se nos olhos e sorriram.

Aquele sorriso e a cumplicidade existente entre eles os fizeram


saber que tudo estava bem, que ambos tinham aproveitado do
momento.

Harald, depois de lhe dar um último beijo nos lábios, abraçou-a


com amparo.

Durante minutos permaneceram abraçados em silêncio


fornecendo-se calor, até que ela, com a cabeça sobre o peito dele,
sussurrou:

— Ouço o batimento de seu coração.

Ambos sorriram e ele, deitando-a no chão ao notar que tremia,


sussurrou:

— Faz frio. Tem que se cobrir, mas a camisola está molhada.

— E gelada! — Exclamou ela rindo ao tocá-la.

Mesmo assim a colocou, e voltou a tremer de frio, e Harald, sem


hesitar, aproveitou para abraçá-la e fazê-la se esquentar.

De novo, ficaram em silêncio até que de repente ela começou a rir


e, sem saber por que, Harald a imitou. E assim, abraçados, Alison,
consciente do que tinha feito, murmurou olhando-o nos olhos e
precisando abrir seu coração:
— Não sei o que me ocorre, mas não posso deixar de pensar em
você. Inclusive, por mais tolo que te pareça, cheguei a sonhar como
seria uma vida contigo.

A franqueza de suas palavras fez com que Harald a olhasse com


seriedade.

E Alison, compreendendo-o, e consciente de que se deixou levar


pelo momento, soltou para tirar a importância do assunto:

— Calma, pagão, só foi sonhos...

Harald não se moveu. Mas o que dizia? E, disposto em deixar


claro, respondeu:

— Isso nunca ocorrerá.

Suas palavras.

Seu olhar.

Seu rechaço doeu em Alison no mais profundo de seu coração.

Mas como era tão tola? Por que tinha se deixado levar pelo que
sentia? Por que tinha acreditado entender nele o que não era?

E, dissimulando para não mostrar o muito que tinha doído sua


rejeição, cochichou:

— Olha como é... tolinho.

Desta vez ele esboçou um sorriso e ela, inspirando, disse:

— Sempre quis aproveitar do lado selvagem e pagão de um viking.

Harald a olhou. Estava outra vez com aquilo de pagão?

— Gostou de meu lado pagão e desinibido quando desfrutou do


meu corpo?
Ele assentiu e ela, surpreendendo-o, perguntou:

— Sente algo por mim?

— Por que é tão indiscreta?

— Por que não, se quero saber?

Espantado porque voltou para ataque, Harald foi incapaz de


responder, e ela, vendo seu desconforto, apressou-se a dizer:

— Ora, foi uma tolice te perguntar isso, quando a realidade é que


nem você me suporta nem eu a você.

— Por que não me suporta? — Perguntou ele com curiosidade.

Desejosa de enredar de novo os dedos naqueles cabelos claros,


mas, contendo-se de fazê-lo, Alison respondeu:

— Porque é um homem excessivamente responsável, resmungão


e insuportável.

— E isso não te agrada?

— Não.

— Não?!

A jovem negou com a cabeça.

— Agradam-me homens que me fazem sorrir. E você, na verdade,


de senso de humor está escasso!

Boquiaberto, ele não soube o que dizer; seu senso de humor


sempre tinha sido muito apreciado por Ingrid. Ela, com sua
transparência habitual, acrescentou:

— Sou consciente de que pensa que sou uma mulher rude e


bastante barulhenta. Só terá que ver como me olha quando digo ou
faço algo que não aprova. — Ele não respondeu. — Disse que não lhe
atraem mulheres de cabelo escuro como o meu porque você gosta das
que tem cabelos claros, Ora! Entendo-o. Mas é que, além disso, não
parou de repetir que sou uma irresponsável, uma teimosa, uma
desbocada, e se a isso somarmos que salto de terraços, enfrento
tempestades e aqui estou, oferecendo meu corpo sem decoro, acredito
que...

— Cuidado com o que vai dizer — a cortou ele.

— Por quê? Que acontece?

Com um carinho que saiu do coração, Harald retirou uma mecha


de seu cabelo escuro para colocar atrás da orelha falou:

— Porque o que acaba de ocorrer entre nós foi algo que ambos
procuramos.

Isso a fez sorrir e, recordando algo que seu tio Edberg tinha
contado a respeito dos costumes nórdicos, perguntou:

— É verdade que os noruegueses podem ter mais de uma mulher?

— Sim.

Ficaram em silêncio e ela, aventurando-se, soltou:

— E por que você não tem sequer uma?

A pergunta era incômoda para Harald, mas em vez de calar-se,


respondeu tocando o anel de prata que usava no dedo:

— Tenho mulher.

Consciente do que Demelza tinha contado, mas sem querer


revelar que sabia sua história, Alison se fez de surpreendida e
perguntou olhando seu anel:
— E sua mulher, mesmo sendo pagã, aprovaria o que acabamos
de fazer?

Cada vez mais incômodo, Harald retrucou:

— É complicado.

— Por quê?

Ele não respondeu, e Alison, precisando que falasse, insistiu:

— Se fosse meu marido eu não gostaria que desfrutasse dos


prazeres da carne com outra mulher porque só quereria que o fizesse
comigo. E, sim, admito-o, sou muito pagã para aproveitar do corpo,
mas o que é meu é meu e eu não gosto que ninguém o toque.

Harald assentiu. Ele, como homem, pensava igual, apesar de sua


cultura e seus costumes vikings, e deixando-se levar que conversa
soltou:

— Ingrid, minha mulher, morreu. — Inspirou e acrescentou: —


Era linda. Maravilhosa. A mulher mais bonita que havia na Terra. Com
um belo cabelo dourado, uma pele suave e branca e um caráter quente
e conciliador. Ela é meu amor. Minha mulher. Ninguém mais.

Que Harald contasse aquilo, reservado como era, ara inédito. E,


consciente de que sua esposa tinha sido justamente o contrário dela, e
que agora entendia por que gostava de mulheres com cabelo claro como
o sol, Alison baixou a voz e disse:

— Harald, sinto muito.

Ele assentiu e, inspirando de novo, disse depois beijar com mimo


o anel de seu dedo:

— Ela estará em minha mente, em meu coração e em minha vida


eternamente.
— É muito bonito o que diz.

Surpreso por ouvi-la dizer isso, ele indicou então com um sorriso
triste:

— Bonito, não sei, mas é minha realidade.

Depois de um longo silêncio de ambas as partes, Alison


acrescentou:

— Entendo-te, e embora me meta no que não me importa, não


acredita que «eternamente» é muito tempo?

— Por que diz isso?

— Digo-o porque, em sua vida, não pode entrar outra mulher e


ser feliz?

— Não.

Ela piscou surpresa.

— Dize-o de verdade?

— Totalmente de verdade.

— Mas por quê? — Insistiu a jovem.

Encurralado pelas perguntas, que sempre odiava responder, ele


retrucou:

— Porque me apaixonei uma vez por minha mulher e duvido que


volte a me apaixonar.

— Isso não se sabe, Harald.

— Eu sei sim — afirmou ele convencido.

Alison calou. Podia compreender o amor que sentia por Ingrid,


como podia entender que a pena por não tê-la a seu lado o tinha
bloqueado. Mas ela estava morta. Por muito que a amasse, não podia
abraçá-la, beijá-la, falar com ela.

— Isso quer dizer que estará sozinho o resto de sua vida? —


Perguntou.

— Como você diz sempre... provavelmente.

— Pois, como diz o tio Matsuura, deveria viver o presente, Harald.

Irritado por suas palavras, ele replicou então:

— Se não se importar, viverei como eu queira.

Alison soprou, mas, sem querer calar-se, insistiu:

— De verdade vai se negar a ter filhos, uma família ou amor? —


Harald assentiu e ela murmurou: — Pois é uma pena ouvi-lo dizer isso,
e pense no que te digo: sem conhecer sua mulher estou quase certa de
que não gostaria de vê-lo eternamente sozinho. Acredito que é um bom
homem que pode dar muito amor e é muito triste que não vai ser assim.

Harald suspirou.

— Possivelmente entenderia se tivesse se apaixonado alguma vez.

Ela o olhou e, disposta a justificar-se como tinha feito ele, soltou:

— Pois, olhe você, posso-te entender porque uma vez eu também


me apaixonei.

Ouvir isso, que não esperava, surpreendeu-o, e mais quando a


ouviu dizer:

— Acredite ou não, faz anos me apaixonei pelo idiota do Conrad


McEwan.

Harald piscou.

— Conrad McEwan?!
Ela assentiu.

— Incrível, mas verdade. Apaixonei-me como uma louca daquele


maldito verme, mas me acredite quando te digo que, depois de sofrer
sua aversão, jurei que nunca voltaria a permitir que meu coração
gostasse de alguém.

Um estranho ciúme se instalou no interior de Harald. Imaginá-la


amando aquele imbecil não o divertiu.

— Durante anos, e apesar de que conheci diferentes homens,


nenhum despertou um sentimento especial. Até que de repente, em
Edimburgo, quando o vi aquele dia diante de meu cavalo, meu coração
inexplicavelmente se acelerou e após, embora soe péssimo o que vou
confessar, não pude deixar de pensar em você.

Boquiaberto pela sinceridade da moça, Harald conteve o fôlego,


mas então ela soltou sorrindo com um dos seus gestos:

— Por Iemanjá... de novo estou me comportando como uma


irresponsável barulhenta admitindo que você me acelera o coração! Não
somente me entreguei a você esta noite neste horrível, pestilento e frio
estábulo, mas a cima de tudo, admito que me atrai. Certamente não
tenho jeito.

Sem sair de seu espanto, Harald não sabia o que pensar; a jovem
sem dúvida era diferente de todas as que até este momento tinha
conhecido. Tentando pôr em ordem seus pensamentos, perguntou
confundido:

— Quem é Iemanjá?
— A deusa dos mares — disse Alison, e incapaz de calar
acrescentou: — Certamente sente mais curiosidade por saber quem é
ela do que pelo que eu te acabo de dizer.

Harald, horrorizado por não saber administrar aquele momento,


e querendo ser sincero, retrucou:

— Isso não é assim.

— Calma — zombou ela. — Sou consciente de que sigo sendo


morena, barulhenta e irresponsável, e ainda por cima, bastante pagã
no que se refere à desfrute do corpo.

Aquela maneira de ser dela, sem poder evitá-lo de fazer sorrir.

— Reconheço que, depois da perda de Ingrid, é a primeira mulher


que chamou minha atenção — indicou.

— Mesmo sendo morena?

— Mesmo sendo morena — admitiu Harald.

Que ele reconhecesse aquilo, quando era um osso duro de roer,


era como pouco inédito, e Alison insistiu:

— Dize-o de verdade?

— Acabo de lhe dizer isso.

— Então tenho que me alegrar por isso?

— Nunca haverá nada entre você e eu.

De novo, a rejeição. Aquilo estava matando a jovem, mas desejosa


de que ele não se precavesse disso, cochichou com graça:

— Venha, confessa-o. Se o chamar «tolinho» foi crucial para


chamar sua atenção, não foi?
Harald riu, ninguém o conseguia como ela; não obstante,
querendo deixar as coisas claras entre ambos, acrescentou:

— Alison, atrai-me muito, mas em meu coração só há capacidade


para uma mulher, e essa é Ingrid. Com isto quero te dizer que...

— Que há um coração entre você e eu — afirmou ela cortando-o.

Indevidamente, ele assentiu. Sem dúvida, não poderia havê-lo


definido melhor. E, ao ver o desconcerto em seus olhos, o viking
insistiu:

— Lamento se o que ocorreu esta noite te deu falsas expectativas


quanto a algo pudesse existir entre nós.

Ela não disse nada em um primeiro momento; com sua segurança


ao falar, não tinha dúvida do que dizia. Imaginar que entre eles pudesse
existir algo, tendo a sua mulher tão presente, era complicado. Muito.
E, furiosa e sem medir as palavras, soltou:

— Certamente sua mulher era tão perfeita, tão ideal, tão


maravilhosa que...

Harald a pegou, então, pelo braço para que o olhasse e sibilou:

— Não fale de minha mulher.

— Só disse...

— Não fale de minha mulher! — Insistiu ele.

Ver sua expressão e ouvir seu tom fez com que a jovem se desse
conta de seu erro, e sussurrou:

— Sinto muito. Não pretendia te incomodar.

Harald a soltou consciente de que seu jeito tinha sido muito


agressivo.
— Eu também o sinto. Me desculpe — murmurou.

Ficaram em silencio durante e ambos pensavam em muitas


coisas, e finalmente Alison, ao ver sua expressão atormentada pelo que
acontecera, sussurrou:

— Harald, não pense mais nisso. Fui eu.

— Mas...

— Harald, fui eu! Eu vim atrás de você. Eu te seduzi. Eu me


entreguei e você só tomou o que te ofereci. Nada mais. Que nos
atraímos, sim! Mas está claro que entre nós não haverá nada, e não há
mais do que falar.

Ouvir isso em certo modo incomodou o viking. Mas o que lhe


ocorria? Por que, ouvindo de sua boca o mesmo ele dizia, incomodava-
o? Estava enlouquecendo?

E, afastando-se para acabar com aquela conversa, começou a atar


o cordão de sua calça. Depois pegou sua espada e, quando ia falar,
Alison sussurrou ao ver sua pressa:

— Calma, Harald, tudo está bem entre nós.

Comovido de como a moça o olhava, ele quis abraçá-la, beijá-la,


tocá-la, mas se conteve. Era melhor não fazê-lo para não seguir lhe
criando falsas expectativas.

Alison voltou a sorrir dissimulando seu mal-estar para lhe fazer


saber que estava bem, que não se importava tanto com seu rechaço;
tocou os braços e murmurou tiritando:

— Morro de frio. Acredito que retornarei ao quarto.

Harald assentiu. Sem dúvida era o melhor.


Por isso, a jovem deu a volta e, com o coração pulsando
desbocado, saiu rapidamente dos estábulos para retornar à hospedaria
com o coração quebrado.

Ao chegar a seu quarto, tirou a camisola molhada e, depois de


secar-se, colocou outra que Demelza tinha emprestado. E, sem poder
deixar de pensar no que ocorrera, deitou-se na cama com Sigge,
consciente de que nunca seria amada da maneira incondicional que
Demelza era amada e em sua má sorte no amor.

Harald saiu do estábulo com o semblante sério para dirigir-se


para seu quarto enquanto pensava no que ocorrera com Alison e a
conversa que posteriormente tinham mantido o fizera perceber que
possivelmente estivesse equivocado.
Durante horas Harald tentou dormir, mas foi impossível
recordando o que tinha falado com Alison. Tinha seu aroma colado ao
corpo e sua boca ainda tinha o gosto dela.

Saber de que no passado tinha estado apaixonada por Conrad


McEwan o tinha surpreendido e, estranhamente, também o
incomodado. Que aquele homem a tivesse beijado e a tocado não fazia
nenhuma graça. Agora entendia por que a perseguia aquela noite em
Edimburgo e, irritado, soprou.

Enquanto olhava ao teto convexo na cama, pensou em Ingrid, em


sua linda mulher, e acariciou o anel que tinha no dedo.

Tinha a conhecido quando ambos eram crianças e decidiram ficar


noivos. Os anos passaram e os sentimentos que sentiam um pelo outro
foram crescendo e amadurecendo, e no dia em que ela, fez seus votos
matrimoniais, se tornando sua esposa, sentiu-se o homem mais feliz
da Terra.

Mas, desgraçadamente, o melhor dia de sua vida se converteu no


pior em poucas horas, quando, durante o banquete de bodas, foram
invadidos e Ingrid e sua família, assassinados.
Desde sua morte muitas mulheres o tinham olhado, adulado e
compartilhado seu leito durante algumas horas para satisfazer seus
desejos carnais. Mas nenhuma o tinha feito esquecer-se de Ingrid.

Até que tinha aparecido Alison, aquela mulher tinha irrompido em


sua vida de uma maneira inesperada, que o deixava com raiva com
suas ações e sua maneira de falar, mas que tinha conseguido que
percebesse que possivelmente estava equivocado.

Pensar nela de repente o fazia sorrir, obtinha que seu coração se


acelerasse como não acontecia há muito tempo. Levantou-se da cama,
acendeu uma vela e se aproximou da janela para olhar lá fora. O
temporal amainava, as nuvens dissipavam e, como em muitas outras
noites, olhou o céu. Contemplar as estrelas era algo que ele e Ingrid
adoravam. Mas de repente Harald sentiu que desejaria que Alison
estivesse ali com ele.

Que fazia pensando de novo nela? O que lhe tinha acontecido para
chegar a esse ponto?

Nesse instante ouviu que alguém batia na porta. Seria ela de


novo?

Sem hesitar, apressou-se a abrir e ficou surpreso ao ver Demelza.

Ambos se olharam até que a ruiva revelou:

— Vi luz por debaixo de sua porta e pensei que estaria acordado.


Posso entrar?

Harald assentiu e ela entrou.

— Por que não dorme? — Perguntou Demelza depois de fechar a


porta.

— E você? — Retrucou ele.


Deixando a vela que trazia sobre a mesa que havia no quarto, a
ruiva o olhou e soltou:

— Pensa me responder com perguntas?

Ambos riram por aquilo e ela, incapaz de calar, sussurrou:

— Vi que Alison e você saíam do estábulo e intuí que...

— Acaso nos espiona? — Perguntou Harald levantando a voz.

— Não.

— Então como diabo sabe isso?

Rapidamente lhe ordenou calar com um gesto e, olhando-o,


sibilou:

— Aiden me disse que, se nos ouvir gritar ou discutir, virá e nos


matará. Portanto, baixa a voz, por que não precisa gritar.

Irritado por aquilo, ele se sentou na cama. Demelza também


sentou e, depois de segundos em silêncio, finalmente ele declarou:

— Essa mulher me confunde. Sabia que esteve apaixonada por


Conrad McEwan?

Surpreendida porque soubesse daquilo, Demelza afirmou com a


cabeça e Harald acrescentou:

— E por que não me disse isso?

— E por que deveria dizer?

Harald não respondeu e ela explicou:

— Foi algo íntimo que ela me contou. Não é para ir falando por aí.

Ele assentiu, sem dúvida tinha razão.


— Falei-lhe de Ingrid — apontou a seguir. — Essa mulher me faz
sentir vivo e precisava lhe falar de minha mulher.

Comovida pelo enorme passo que Harald tinha dado ao falar de


sua irmã, ela ia dizer algo quando ele sentenciou tocando o anel que
usava:

— Eu disse que Ingrid é a única proprietária de meu coração e


que ninguém lhe arrebatará o lugar.

— Harald...

— Não diga nada — replicou ele ao ver como o olhava. — Sei que
me disse mil vezes que tire este anel, mas não penso fazê-lo. É dela e...

Não pôde continuar. Falar de Ingrid naqueles términos o seguia


emocionando; pensando em Alison sussurrou:

— Fui sincero com Alison como ela o foi comigo. Não pretendo que
essa moça espere algo de mim que eu não estou disposto a dar.

Demelza sorriu. Era a primeira vez que via em Harald uma


mudança no qual às mulheres se referia. Nunca o tinha visto zangar-
se e preocupar-se com nenhuma mulher como o fazia com Alison. Sem
dúvida nem tudo estava perdido.

— Alison me parece uma moça excelente — murmurou ela a


seguir.

— E...?

— E... bom, com o que aconteceu, perdeu tudo. Ficou sem a


carroça. Perdeu sua mercadoria, suas coisas pessoais e, na verdade,
precisa...

— Tem o governador. Ele e sua mulher são seus tios, acaso não
vão cuidar dela?
Demelza suspirou. Ela também tinha pensado nisso, mas,
desejosa de revolver os sentimentos de seu cunhado, aventurou-se a
dizer:

— Harald... se falarmos com o padre Murdoch ele poderia casá-


los e...

— O quê?! — Exclamou ele boquiaberto.

Ela assentiu, sabia que o que havia dito era uma provocação, mas
continuou:

— Alison gosta de você. E você precisa de uma mulher em seu lar.

Sem acreditar, o viking negou com a cabeça.

— Maldita seja, Demelza. Enlouqueceu?

— Provavelmente — afirmou ela com graça.

Ao ouvi-la e ver seu sorriso, Harald murmurou:

— Está muito cheia de graça esta madrugada, não?

— Provavelmente.

Ele ia protestar ouvindo pela segunda vez aquela palavra tão


própria de Alison quando Demelza, pegando-o pelo braço, apressou-se
a acrescentar:

— Ora... ora...

Durante segundos permaneceram em silêncio, até que o viking,


sem querer revelar os pensamentos que tinha tido antes dela chegar,
adicionou:

— Que Alison me atraia como mulher não quer dizer que desejo
me casar com ela.

— Harald, já não é um menino. É um homem.


— A que vem isso? — Perguntou ele irritado.

Demelza sorriu e lhe piscou um olho.

— Vem que Alison te faz sentir vivo.

— E...?!

— E prometeu a Ingrid.

Ele soprou.

— Sei que sou terrivelmente insistente — continuou ela, — mas


quero ver-te feliz. Sabe tão bem quanto eu que quando me separei do
imprestável de meu ex-marido disse que nunca, nem morta, voltaria a
olhar em um homem, porque nenhum me faria feliz. Não obstante,
equivoquei-me. Apareceu Aiden e, embora custei em dar meu braço a
torcer, quando o fiz me dei conta de que nem todos os homens são
iguais. Há os bons e os maus. E, por sorte para mim, Aiden McAllister,
apesar de todos os pesares e do difícil que foi, abriu-me seu coração e
hoje posso dizer que me sinto a mulher mais feliz de toda Escócia. —
Harald não disse nada, e ela prosseguiu: — Se te digo isto, é porque,
quando me dei a mim mesma uma oportunidade, fui feliz. Sei que
Ingrid é insubstituível. Será para você e para mim pelo resto de nossas
vidas. Ela era boa, incrível, maravilhosa, mas se foi, Harald, e nunca
mais voltará.

— Sei — afirmou ele em um fio de voz.

— Neste meio tempo conheceste a diferentes mulheres —


continuou a jovem. — Boas, más, melhores, piores. Sei que nenhuma
se parece com Ingrid, e nenhuma parecerá porque Ingrid só houve uma.
Mas chegou Alison com sua loucura e sua irreverência, e em meu
coração há algo que me diz que ela é a mulher idônea para você.
— Seu coração está equivocado — zombou ele.

Demelza riu.

— Harald, comparar Alison com Ingrid é um erro. Não o faça. Sei


que a Ingrid é minha irmã, e sei que o resto de sua vida a levará em
seu coração. Mas apareceu Alison e ela gosta de você, atrai-te, você se
inquieta, desespera-se. Só teria que ver sua expressão quando ela está
perto e, sobretudo, terá que interpretar suas palavras e o medo que tem
que lhe aconteça algo por isso se zanga com ela. Conheço-te. Tenho
toda uma vida a seu lado e sei quando algo te desagrada e quando
agrada, e se empenha em nos fazer acreditar, e especialmente a si
mesmo, que tem razão. E dizer tudo isso, sem que milagrosamente
tenha me interrompido, e tenham se encontrado a sós esta noite e
tenham falado pode ser que...

— Que tenhamos nos encontrado esta noite não quer dizer nada.
Simplesmente ocorreu algo que ambos desejávamos, como pessoas
adultas que somos. Nada mais.

— Nada mais?

— Nada mais — repetiu ele, consciente de que mentia.

Demelza assentiu e, olhando-o, sussurrou:

— Sei que aceitou a morte como parte da vida, mas por que não
deixa Ingrid partir? Por que continua querendo tê-la segura pela mão?

— Porque ela é meu amor.

A jovem ruiva suspirou. Harald era um teimoso duro de roer.

— Muito bem — acrescentou, — pois então procure não pôr cara


de cão abandonado quando ver Alison falando com Evander ou com
outros homens.
— Mas o que diz? — Protestou ele.

— O que ouviu. Nem mais nem menos.

Em silêncio, Harald ponderou o que acabara de ouvir. Era tão


evidente? E quando ia falar, Demelza continuou:

— Alison perdeu tudo o que tinha e me confessou que, se tivesse


um lar, não procuraria família para Sigge, Will e Briana.

— E...?

— Porque falei com Aiden e estamos de acordo em lhe propor que


devia vir viver no Keith.

— Ir para Keith? — Perguntou Harald boquiaberto.

Demelza assentiu e, ao ver o olhar inquieto dele, explicou:

— Se ela viver no Keith, terá tempo para conhecê-la e saber se


essa mulher te interessa ou não, para inclui-la em sua vida.

Surpreso por aquilo, ele não soube o que responder, e sua


cunhada perguntou:

— Não acredita que é uma excelente ideia?

— Não.

— Por quê?

O viking amaldiçoou de repente, levantou-se da cama e afirmou


carrancudo:

— Porque acabo de dizer que entre Alison e eu nunca haverá nada.

— Fodido cabeça dura! — Insistiu Demelza sem baixar a guarda.


E, ao ver que ele não respondia, acrescentou: — Alison está pronta, é
carinhosa, valente, bonita e trabalhadora. E essas três crianças
precisam de um lar. Por que não se expõe a uma vida com ela?
— Mas enlouqueceste? — Grunhiu ele sem acreditar.

A jovem assentiu, sem dúvida estava louca, e insistiu:

— Alison e as crianças precisam de um lar e você precisa de uma


mulher e uma família.

— Demelza! — Cortou-a ele. — Basta já!

Ambos se olharam nos olhos e, antes de que a ruiva pudesse dizer


nada, Harald soltou tentando convencer a si mesmo:

— Nem Alison é mulher para mim nem eu sou homem para ela.
Não quero a meu lado uma moça ousada que me tire a paz e a quietude.
— Ela ia protestar, mas ele prosseguiu: — Sim, Demelza, sim. Alison é
como você. Uma louca irresponsável que me traria mais que problemas.
E não estou disposto a passar a vida preocupado com ela, como Aiden
se preocupa contigo por culpa de suas loucuras.

— Mas o que diz? — Ironizou ela sorrindo, consciente de que ele


tinha razão.

— Viu? Digo-te algo que é verdade, algo que é incômodo para seu
marido... e você ri!

Ela suspirou.

— Se quiser, começo a chorar.

— Maldita irreverente.

— Maldito cabeçudo.

Harald sacudiu a cabeça desesperado e, quando queria falar, ela


o cortou:

— Pense. Está sozinho e tem uma casa linda e enorme para que
possam viver comodamente você, ela e as crianças...
— Eu disse que não.

— Harald!

— Dem! Por todos os deuses vikings... pare de vez e não insista


mais ou Aiden virá nos matar pelos gritos que vai ouvir.

Ver sua carranca fez com que Demelza desistisse. Não obstante,
desejosa de fazê-lo ver que se estava equivocando, mudou de tática e
murmurou:

— De acordo. Não insistirei.

— Obrigado.

— Assunto resolvido.

— Agradeço-lhe isso.

E, depois de segundos em silêncio, ela respirou fundo e adicionou:

— Mesmo assim, quero ajudar Alison e a essas crianças. Ela


precisa de um lar e no Keith pode ter porque Aiden e eu podemos
oferecer.

Sem entender o que queria fazer agora, Harald ia falar quando ela
acrescentou:

— Tenho que te dizer que, imaginando sua negativa, pensamos


em outras opções para ela.

— Que opções? — Perguntou irritado.

Demelza se levantou, pegou a vela que tinha deixado sobre a mesa


e falou:

— Alison e as crianças poderão viver conosco na casa grande.

— O quê?!
— Também pensamos que, como é uma mulher bastante
independente, poderia ocupar alguma das cabanas vazias que há ao
oeste das terras. Essa seria uma excelente opção para Alison, já que
poderia conhecer algum dos homens solteiros que vivem por ali e
formar uma família.

Ouvir isso foi como um choque para Harald. Alison poderia


conhecer um McAllister? Nem pensar!!

— Na verdade — prosseguiu Demelza caminhando para a porta,


— estou convencida de que Peter McGregor adorará conhecê-la melhor.
E se não se interessar por Peter, pensei que em George, Brandal,
Charles, Bruce ou Michael. Com certeza gostarão de uma mulher como
ela. É bonita, pronta, simpática, tem um sorriso bonito e, embora tenha
três crianças para cuidar e seja irresponsável como você diz, acredito
que nenhum deles se importará com isso... Inclusive Evander poderia
vir morar no Keith se se interessar por ela.

Harald não respondeu:

Se sua cunhada queria incomodá-lo com seus planos, estava


conseguindo; ela abriu a porta e terminou:

— Não vejo o momento de propor a Alison. Espero que aceite e


tenha um bonito futuro no Keith.

E, dito isso, saiu do quarto depois de lhe piscar o olho, deixando


o viking boquiaberto e sem poder reagir.

Mas, por acaso Aiden e Demelza enlouqueceram?

Zangado e irritado, apagou a vela e voltou a deitar na cama. Devia


dormir.

Mas era impossível. A conversa com Demelza o tinha irritado.


Como iria suportar ver os McAllister, Evander ou Peter
conquistando Alison?

Por fim, voltou a levantar-se e acendeu de novo a vela antes de


aproximar-se da janela.

Não só o inquietava o futuro de Alison, mas o incomodava o que


Demelza e Aiden pretendiam provocar. Nem no pior de seus sonhos se
imaginava ver a única mulher que tinha chamado sua atenção nos
braços de outro homem.

Tentando centralizar-se, fechou os olhos e respirou fundo.

Sempre tinha admirado mulheres guerreiras. Ingrid fora uma,


embora em menor medida que sua irmã Demelza, mas era valente e
perfeita.

A diferença entre elas era que enquanto Ingrid era uma jovem fácil
de conduzir e que basicamente pensava em estar sempre bela e usar
bonitos vestidos, Demelza era uma cabeça dura intratável que tão só
tinha em mente como brigar para sobreviver vestindo calças.

Sempre tinha gostado da maneira de ser da ruiva, embora em


certos momentos o horrorizava. Ter uma mulher irresponsável e
guerreira a seu lado, dependendo do momento, podia ser uma
vantagem ou um perigo. E justamente Alison era como Demelza.

Sem saber por que, sorriu. Pensar na jovem morena, em sua


loucura ou em seu senso de humor, o fazia sorrir, mas ao mesmo tempo
o fazia sentir-se mal, pois parecia estar traindo Ingrid.

O que pensaria ela de Alison?

Não obstante, conforme fez essa pergunta, soube também a


resposta. Se Ingrid conhecesse Alison, gostaria dela. Por quê? Porque
era como a cabeça dura de Demelza, e ela sempre tinha admirado a
sua ruiva preferida por sua valentia e inclusive por sua imprudência.

Dolorido pelas lembranças, pensou nas crianças. Em Will, Briana


e Sigge. Aqueles pequenos, que não tinham pedido para vir ao mundo,
sem dúvida se apresentava um futuro incerto se Alison não aceitasse a
proposta de Demelza e Aiden e buscasse um outro lar para eles.

E se não fossem bem tratados? E se, por causa de que ele não os
aceitasse em seu lar, esses pequenos sofreriam?

Isso o inquietou, porque sabia que em sua casa seriam criados


com carinho e amor.

Feito uma confusão, voltou a olhar as estrelas. A luz brilhante de


uma delas o fez piscar e de repente murmurou tocando o anel do dedo:

— Ingrid... meu amor. Sei que te prometi ser feliz, Mas como sê-
lo sem você?

Permaneceu segundos em silêncio até que, incapaz de calar,


acrescentou pensando na proposta de Demelza:

— Alison e você não se parecem. Você era calma e ela é o bulício.


Você era prudência e ela é a loucura. Você é meu amor e ela somente...
é só uma mulher que me atrai por seu descaramento, seu arrojo, sua
insensatez. Vejo-a tão parecida com Demelza que... bem... reconheço
que me faz rir.

Harald tocou o rosto. Falar com Ingrid era algo que fazia quase
todos os dias, e prosseguiu:

— Nosso amor e nossa cumplicidade foram se forjando a fogo lento


com o passar dos anos. Foi especial. Tão especial que não sei como
soltar sua mão e deixar partir. O que faço, Ingrid? Nem imagina o muito
que precisaria que me desse um sinal.

Comovido por suas próprias palavras, Harald fechou os olhos.


Daria sua vida para que nada ocorrido no passado tivesse sido verdade.
Nada mais gostaria do que estar na Noruega com Ingrid e ser feliz
rodeado de uma bonita família. Dos filhos que tanto falou com ela e
que nunca chegariam por culpa do maldito destino.

Estava pensando nisso quando ruídos na rua atraíram sua


atenção e se surpreendeu ao ver sair do estábulo Alison e o japonês.
Mas aonde iriam?

Abrigado atrás da janela para não ser visto, ouviu a jovem


grunhir:

— A resposta é sim!

Harald piscou.

— Alison... escute... — disse então o japonês.

— Pelas barbas de Netuno, não quero te escutar!

— Alison, conheço-a e sei que não se importa — afirmou


Matsuura.

Mas a jovem, que estava alterada, sibilou:

— Falarei com eles, você ache bom ou não. Estou convencida de


que aceitarão. Cuidarão deles e lhes darão o carinho e o amor que
precisam.

— Alison, escute.

Mas então ela negou com a cabeça e retrucou:


— Tio Matsuura, é o melhor para todos. Quando as crianças
tiverem um lar, retornarei ao lugar do qual nunca deveria ter partido,
e não fale mais nisso.

E Alison, que parecia muito zangada, cravou os calcanhares em


seu belo fiorde e se afastou a galope.

Confundido, Harald a viu partir enquanto sua mente repetia a


frase que ela acabava de dizer: «Retornarei ao lugar do qual nunca
deveria ter partido».

Para aonde queria retornar, se sempre havia dito que não tinha
um lar?

— Ingrid, o «sim» de Alison é seu sinal?... — Sussurrou fechando


os olhos.

Durante segundos não se moveu. Tinha pedido um sinal a sua


esposa falecida e Alison tinha aparecido gritando a palavra: «Sim!».

Em outro momento de sua vida teria considerado um sinal. Por


que não agora?

Imediatamente, vestiu-se a toda pressa para segui-los.


Ao amanhecer, depois de uma noite em que Alison não pôde
dormir, pois sua mente e seu corpo não paravam de relembrar o que
acontecera no estábulo com Harald, ao ver que a chuva e o vento
tinham cessado, levantou-se da cama com ideias claras.

Falaria com Aiden e Demelza. Eles eram boas pessoas. Levariam


as crianças consigo, e Gilroy, Matsuura e ela se arranjariam para
retornar ao mar. Certamente nunca deveria ter saído dali.

Com o pulso acelerado, vestiu suas calças e, ao comprovar que os


pequenos continuavam dormindo, sem deixar-se levar pela pena que
provocaria pensar em separar-se deles, dirigiu-se ao quarto de
Matsuura e Gilroy.

Uma vez ali, despertou-os e fez com que Gilroy ficasse para cuidar
das crianças, enquanto ela e Matsuura retornariam ao lugar da
catástrofe.

Em silêncio, cavalgaram até onde tinha estado a carroça e,


olhando a seu redor, a jovem sussurrou:

— Isto é um desastre. Nem joias. Nem caixas. Nem equipamento


pessoais... Nada!
Ante a eles havia árvores que tinham sido arrancadas pela raiz
pelo forte vento, outras estavam quebradas e, em meio de tudo aquilo,
pedaços do que um dia foi uma carroça.

Quando desceram dos cavalos e começaram a caminhar,


Matsuura se agachou e recolheu algumas terrinas quebradas.

A jovem, ao ver as peças de cerâmica que usavam como pratos e


copos feitos pedacinhos, suspirou recordando algo que tinha ouvido:

— No final terei que matar às pessoas para utilizar seus crânios


como terrinas para sopa...

Matsuura sorriu. Ele também tinha ouvido aquela barbaridade.

Depois de rebuscar e não encontrar nada que se pudesse


aproveitar, Alison pegou do chão uma espécie de almofada e, depois de
examiná-lo com atenção, declarou:

— É Pousi.

— Mas sem cabeça e braços — terminou Matsuura.

Horrorizada, soltou a boneca imediatamente; não pensava dar


aquilo a Briana. Levou a mão à testa e murmurou:

— Como explicarei isto à menina?

Matsuura não disse nada, sabia da culpa que ela sentia pela
perda da boneca. Então viu Harald ao longe.

— Tio Matsuura — prosseguiu ela agachando-se sem precaver-se


de quem se aproximava. — Sou uma maldita desastrosa. Nada do que
faço ou proponho fazer sai bem e... e... isso é porque meu lugar não é
aqui, e sabe tão bem quanto eu!

— Alison... — murmurou o japonês.


Mas a jovem, presa em seu ciclo de raiva, insistiu:

— Não, «Alison», não! Acreditei que poderia viver aqui, mas... mas
me equivoquei, e o melhor que posso ou podemos fazer é retificar isso.

O japonês, que observava Harald se aproximando, ia falar quando


ela, com uma tristeza que encolheu seu coração, sussurrou:

— Pousi era a única recordação que Briana e Will tinham de sua


mãe. De sua vida em família. E agora por minha culpa a perderam.
Acaso acredita que essas crianças não me vão odiar?

Harald, que tinha se aproximado deles em silêncio, ouvindo isso


e vendo a cara desolada do japonês, agachou-se junto à jovem, que não
percebera sua presença, e falou:

— Will e Briana nunca a odiarão porque valorizam por ter salvo


suas vidas. — A jovem o olhou surpreendida e ele acrescentou: —
Quando não tinham nada, quando estavam sozinhos e abandonados e
não tinham ninguém que se preocupasse com eles, você os salvou.
Poderia ter olhado para o outro lado, haver partido e esquecido deles,
mas não o fez. Incluiu-os em sua vida para buscar uma melhor para
eles e isso, Alison Wilson, é o que realmente importará. Pousi é
substituível, mas você não.

Ela piscou e, olhando-o agradecida, sussurrou:

— Sabe que o que disse é muito bonito?

Harald, que como ela não tinha fechado os olhos por toda a noite,
afirmou então:

— Tão bonita como você.


Matsuura sorriu. Aquele tipo de gentileza por parte daquele
homem era o que Alison precisava e, com dissimulação, afastou-se para
lhes dar privacidade.

Surpreendida pelas palavras do viking, ela piscou e perguntou:

— O que acontece contigo?

— Nada.

— Algo aconteceu — assegurou ela boquiaberta. — Sorri e acaba


de me adular.

Harald sorriu, surpreso, e murmurou:

— Adular sempre é bom.

De repente, sentia vontade de fazer muitas coisas com Alison, de


inclui-la em sua vida, de fazer planos com ela, mas então ouviram
cascos de cavalos que se aproximavam a galope. Ao levantar a cabeça
viram que se tratava de Demelza, Aiden e Peter e, levantando-se, Harald
se apressou a dizer:

— Alison, quanto ao que ocorreu entre nós...

— Por todas as barbas mofadas e encharcadas de Netuno!! —


Interrompeu-o ela zangada. — Já falamos sobre isso. Ou pretende me
recordar de sua rejeição continuamente?

— Não.

— Pois então se cale!

Boquiaberto ao vê-la tão zangada, Harald exclamou:

— Mulher, não fale comigo assim!

Mas ela o olhou e, sem vontade de conversar, insistiu:


— Lê meus lábios: sou uma mulher irreverente e irresponsável,
falo-te como me der vontade! E agora esquece o que dissemos.

Harald blasfemou. Esquecer precisamente lhe parecia impossível


quando tinha tomado uma decisão. Tentou agarrá-la pelo braço, mas
a jovem se soltou a toda pressa. Nesse instante Demelza chegou a eles,
desceu de um salto do cavalo e exclamou olhando a seu redor:

— Que desastre!

Alison assentiu, e Peter, apeando do dele, dirigindo-se a ela:

— Se quiser posso pedir a meus homens que removam o barro


para ver se encontram algo que está buscando.

Harald o incomodou com isso.

— Demelza me disse que você não quer nada com... «ninguém» —


cochichou Aiden aproximando-se dele.

O viking não respondeu, e seu amigo, incentivando-o, insistiu:

— Como vê, pretendentes não vão faltar.

Harald amaldiçoou em silêncio. Não ia consentir o que Aiden dizia,


e quando se aproximou de Alison, esta, ignorando-o, pegou o braço de
Peter e começou a falar com ele.

Aquilo incomodou o gigante loiro. Por tolo, por idiota, de repente


percebeu que não tinha se comportado bem com ela e, ruminando para
seus adentro, não soube o que fazer.

O que tinha tido com Ingrid se forjou lentamente com o passar


dos anos, nada parecido com o que estava ocorrendo com Alison, que
estava sendo muito intenso e acelerado.
Como Demelza havia dito, compará-la com Ingrid era um engano.
Um erro que começava a ser evidente também para ele.

Durante horas o grupo esteve rebuscando entre o barro, mas nada


do que encontravam podia ser salvo ou reutilizável. A fúria da
tempestade tinha feito tudo em pedacinhos a sua passagem, e quando
finalmente Alison se deu por vencida, decidiram retornar à hospedaria.

No caminho, Harald observou que ela e Peter estavam


conversando amigavelmente, e vê-la sorrir com as coisas que o
espirituoso Peter dizia o deixava com raiva.

Ao chegar à hospedaria, Peter se desculpou e partiu e, quando se


sentaram em uma das mesas para beber algo, Alison respirou fundo e
declarou:

— Demelza, Aiden... eu gostaria de falar com vocês.

Nesse instante apareceram Thomas e Regina e a jovem, ao vê-los,


disse levantando-se para lhes oferecer um assento:

— Tio, tia... Também quero falar com vocês.

Matsuura a olhou ao ouvi-la.

— Shensi... não faça isso — falou irritado.

Seu tio só a chamava «Guerreira» em japonês quando queria


tranquilizá-la, e olhando-o retrucou:

— Tio Matsuura, já está decidido!


Ao observar a carranca incomodada dele, todos queriam saber o
que aconteceria; então Demelza, sem se importar, neste caso, a
carranca irritada de Harald, interveio:

— Alison, Aiden e eu também queríamos falar contigo.

Harald se esticou e se apressou em dizer:

— Eu também quero falar contigo.

Thomas e Regina sorriram e o governador cochichou:

— Que comunicativos todos estão esta manhã.

Alison, nervosa pelo que tinha a dizer, olhou para Harald e


perguntou com aspereza:

— Você quer falar comigo?

— Sim — assegurou o viking.

A jovem assentiu. Não pensava suportar de novo sua rejeição, por


isso, indisposta em rodeios sem sentido, falou ao ver como ele girava o
anel de seu dedo:

— Pois terá que esperar, porque primeiro quero falar com Aiden,
Demelza e meus tios.

Harald ia protestar quando ela, olhando para Regina, disse em


italiano:

— Se eles disserem que não, espero que você e Thomas digam que
sim.

A mulher perguntou então também em italiano:

— O que está acontecendo?

— O que acontece é que preciso de sua ajuda.


— Desde já digo que a tem — afirmou Regina sem hesitar.

Alison sorriu ouvindo isso, quando Harald quis saber surpreso:

— Em que idioma estão falando?

— Italiano — disse Thomas.

— Fala italiano? — Perguntou Demelza.

Alison, vendo que tinha ultrapassado os limites sem querer,


dispunha-se a responder quando seu presumido tio acrescentou:

— Também fala francês e japonês.

— O japonês eu ensinei a ela. — Matsuura sorriu ao ver a


surpresa de todos.

Boquiabertos, todos olharam para Alison e Regina afirmou:

— Embora agora goste de viver em uma carroça velha, durante


seus anos na Sicília, nossa família e Matsuura, nos encarregamos de
dar uma boa educação a nossa Alison.

Todos assentiram surpreendidos. A jovem acumulara tantas


mentiras que deveria recordar, e ia ter que esforçar-se muito para não
as esquecer; como precisava falar, disse em gaélico:

— Aiden, Demelza, tia Regina, tio Thomas... tenho uma


proposição para vocês.

— Somos todo ouvidos — retrucou Regina.

Respirando forte, Alison retirou então seus negros cabelos do


rosto e disse olhando-os:

— Vamos lá, serei sincera, são minha única esperança de que


Sigge, Briana e Will possam ter um lar.

— Caramba, moça! — Murmurou Thomas.


— Vocês possuem boas casas e gente a seu serviço, não é assim?
— Eles assentiram e a jovem soltou: — Pois preciso que proporcionem
o lar que eu não posso dar a eles ou, em não aceitá-los, busquem boas
famílias que os criem com amor em seu clã.

— Por todos os Santos, Alison, mas o que está dizendo? —


Sussurrou Thomas.

Tio Matsuura soprou.

— Fala sem pensar. Se pensasse, veria que o que diz é um grande


erro.

Alison o olhou surpreendida. O homem raramente se metia nas


conversas, era a discrição personificada, e ia intervir quando ele
insistiu em japonês:

— Essas crianças são sua tábua de salvação como você é a deles.


Sua vida pode mudar por eles, do mesmo modo que eles podem mudar
suas vidas por você. Acaso quer realmente retornar ao que tinha? De
verdade ainda não percebeu que...?

— Tio Matsuura, se cale! — Sibilou Alison.

Todos os olhavam sem entender, mas Thomas, intuindo o que o


japonês poderia haver dito, ressaltou:

— Imagino que Matsuura só quer o melhor para você, moça. Ele


te conhece melhor que nenhum dos que está aqui. Acredito que deveria
escutá-lo.

Alison amaldiçoou. Estava claro que Thomas e Matsuura se


uniram nos mesmos pensamentos.

— Alison, você mesma pode lhes dar um lar junto de nós em


Aberdeen — insistiu Regina.
— Evander estará ali — apontou Demelza ganhando um duro
olhar de Harald.

— Alison — apontou Thomas, — conosco não faltará de nada e...

— Não.

— Mas por quê? — Quis saber Regina.

A jovem soprou.

— Vocês sabem melhor que ninguém por que.

Todos ficaram em silêncio e a seguir Alison, sem olhar para


Harald, que não afastava os olhos dela, insistiu:

— Só preciso um lar para as crianças. Só para eles. Prometo que


falarei com Will e Briana para que entendam. Sigge é muito pequena e
se adaptará rapidamente a qualquer um de vocês.

Aiden e Demelza, surpreendidos pela negativa a seus tios,


intercambiaram um olhar e Harald perguntou:

— E você?

Alison retirou o cabelo do rosto e perguntou:

— Eu, o quê?

— Onde entra você, seu tio e seu irmão nessa proposição? —


Insistiu Harald.

Surpreendida, ela olhou para Matsuura, que estava sentado a seu


lado, e respondeu:

— Nós não entramos. As crianças partirão com vocês e nós


desapareceremos.

— Desaparecerão?
— Sim.

— Como que desaparecerão? — Perguntou Aiden surpreso.

Harald, que já estava cansado de tentar entender essa mulher,


finalmente disse:

— Alison... o que você esconde?

— A você, vou contar — ironizou ela.

— Sua resposta confirma, esconde algo! — Insistiu ele.

A jovem soprou e, sem se importar com o que pensasse,


sussurrou:

— Provavelmente.

Outros se olharam; com certeza ela não tinha a menor intenção


de cooperar para receber ajuda. Então Harald, incapaz de calar,
reclamou:

— Por que disse a seus tios que eles sabem melhor que ninguém
o porquê da recusa?

— A você, vou contar — repetiu a jovem.

Desesperado por ver que ela se fechava em si, o viking exclamou:

— Mulher, desespera-me!

Ela sorriu com humor e, quando ia soltar uma das suas, o loiro
insistiu:

— Se não quiser me contar o que acontece contigo, não conte! Mas


conte a Demelza; tenho certeza de que ela tentará te ajudar.

— Lê meus lábios: se cale! — Grunhiu então Alison, que estava


cada vez mais zangada.
Mas Harald, incapaz de calar, acrescentou:

— Posso sentir seu medo em dizer a verdade.

Alison apertou os olhos e, com ferocidade, respondeu:

— Eu não tenho medo de nada.

Sem intimidar-se ante sua raiva nem preocupar-se como todos os


olhavam, Harald se levantou da cadeira e insistiu:

— Mente.

— Se cale!

— Tem medo e...

Não pôde dizer mais. Com uma rapidez que deixou a todos
boquiabertos, Alison se levantou, colocou-se diante dele e sibilou
furiosa enquanto apertava os punhos:

— Repete isso e lamentará.

— Shensi! — Exclamou Matsuura.

Mas Harald repetiu sem amedrontar-se:

— Tem medo.

Foi dizer isso e o que ocorreu a seguir deixou todos sem palavras.
Enfurecida, Alison se inclinou e deu-lhe uma cabeçada no nariz que o
fez gritar de dor.

Todos se levantaram horrorizados ao ver o sangue de Harald


correr pelo rosto enquanto Matsuura sussurrava:

— Sabia. Eu sabia.

Demelza e Regina se apressaram a atender ao viking, enquanto


Thomas, pegando a jovem pelo braço, perguntou:
— Mas, moça, o que fez?

— Enlouqueceu? — Protestou Aiden sem poder acreditar.

Todos falavam, todos opinavam, exceto Matsuura, que a


observava sentado. E Alison, consciente do que tinha feito, vendo seu
tio menear a cabeça, sentou-se junto dele, tocou sua dolorida testa,
que começava a inchar, e soprou.

— Fiquei fora de controle que me fugiu das mãos.

— Um pouco, moça... um pouco — conveio o japonês.

Horrorizada pelo que tinha feito, ela não soube o que dizer. Por
que era tão bruta às vezes? Por que tinha dado uma cabeçada em
Harald?

Zangado como nunca, o viking limpava o sangue, e olhando para


Demelza sibilou:

— Ingrid nunca teria feito isto.

A ruiva assentiu, mas retrucou:

— Ela é Alison, não Ingrid.

— O medo é sua prisão — exclamou ele então furioso dirigindo-se


a Alison. Ouvir isso e vendo o sangue em seu rosto fez com que a jovem
amaldiçoasse em silêncio, e o viking, sem intimidar-se, insistiu
olhando-a: — Sua reação confirma meus pensamentos. Oculta algo que
a atemoriza, e nós sabemos disso.

A moça fechou os olhos e notou a mão de seu tio Matsuura


pegando a sua. Possivelmente tinha chegado o momento de dizer a
verdade. Mas de novo a incerteza se apoderou dela e, voltando a abrir
os olhos, respondeu com raiva:
— Fecha essa boca Santa de uma vez se não quiser que eu volte
a levantar e...

— Shensi! — Repreendeu-a Matsuura para que se calasse.

Harald grunhiu zangado enquanto todos se sentavam de novo ao


redor da mesa.

— Por Thor! A teimosia desta mulher é exaustiva.

— Sim, ela é teimosa, sim... — Thomas sorriu.

— Alison, seja sincera, o que teme? — Interrogou-a Aiden.

— Alison... — insistiu Demelza, — não é só Harald que pensa


desse modo. Eu também.

Thomas, entendendo ambas as partes, observava em silêncio.


Com certeza que para que a moça começasse uma nova vida,
primeiramente tinha que confiar nas pessoas que estavam frente a ela.

— Alison, escute-os — murmurou. — São seus amigos. Confie


neles.

Mas a jovem, por medo do que pudesse acontecer, negou com a


cabeça.

— Só estou pedindo que cuidem de três crianças... é tão difícil


entender?

— E é tão difícil entender que nós somente queremos saber a


verdade? — Replicou Harald.

De novo, o silêncio se instalou na mesa. A tensão era mais que


evidente entre eles.

— Sinto-o — soltou Demelza, — mas não conte conosco para ficar


com as crianças.
Sem acreditar, Alison exclamou então levantando a voz:

— De verdade estão me dizendo que não podem ficar com eles


sabendo que eu não posso cuidá-los? Maldita seja, são crianças
maravilhosos! Não veem isso?

Matsuura pegou sua mão para que se tranquilizasse, e Demelza,


vendo como estava nervosa, declarou:

— Aiden e eu queríamos te propor que viesse vivesse no Keith. —


O japonês e Alison se olharam surpreendidos e a ruiva acrescentou: —
Poderia viver em nossa casa ou em alguma das cabanas vazias que há
por lá.

— Outra boa opção — afirmou Regina.

Alison piscou; então Demelza prosseguiu:

— No Keith você mesma poderá dar o lar que tanto reclama para
as crianças e não terá que deixá-los. Ali há lugar para todos e...

— Mas, Demelza — a cortou Alison apesar da emoção que sentia


ao ver que sua amiga e seu marido abriam as portas de seu lar para
eles, — nós somos comerciantes... do que supõe que vamos viver?

Aiden, ao entender a preocupação da jovem, falou então olhando


para Matsuura:

— Esse assunto poderíamos resolvê-lo quando chegássemos ao


Keith.

— Além disso — começou a dizer Demelza depois de olhar para


Harald, que terminava de limpar o sangue do nariz, — ali há uma
infinidade de homens solteiros que estou convencida de que estarão
felizes de conhecê-la. — E, dirigindo-se a Matsuura, cochichou: — E
em seu caso, mulheres solteiras.
O japonês sorriu ante a carranca surpresa de Alison, e Harald
exclamou de repente:

— Nem pensar!

Conforme disse isso, todos o olharam e Alison, levantando-se


zangada, perguntou:

— Nem pensar no quê?

Ao ver que ficava de novo em pé, todos se inquietaram, e Thomas


indicou olhando para Matsuura:

— Melhor que fique sentadinha.

O japonês assentiu com um sorriso e a seguir Harald, sem deixar-


se intimidar pelo olhar dela, sussurrou:

— Nem pensar nisso.

Demelza soprou desesperada e murmurou olhando para seu


marido:

— Será que aqui vai haver algum entendimento?

— Acho que de momento não — cochichou Aiden.

Harald e Alison se observavam em silêncio e Thomas, precavendo


do poder daqueles olhares, acrescentou:

— Esse «Nem pensar nisso» é muito extenso, moço. Se intervém é


para ajudar e procurar uma solução, não para...

— Case-se comigo, Alison — soltou então o viking.

Demelza levou uma mão à boca e murmurou:

— Ai, meu Deus... Harald.


— Pois parece que chegaremos a um entendimento — zombou
Aiden.

Harald, consciente de como todos o olhavam depois do que havia


dito, declarou:

— Você precisa de um lar e eu preciso de uma família.

— O quê?! — Exclamou Alison chocada.

Harald, nervoso como nunca em sua vida pelo que acabava de


dizer, insistiu:

— Pense-o. Minha proposta pode ser benéfica para todos.

Thomas, satisfeito, e mais ainda vendo a atração que existia entre


aqueles, falou:

— Moço, isso é o que eu chamo procurar uma boa solução.

Imediatamente todos começaram a dar seu parecer, enquanto


Matsuura, olhando o gigante loiro de olhos azuis que sabia que Alison
tinha se apaixonado, dirigia-se a jovem em japonês:

— Que belo galo ficará. Como pode ser tão bruta? — Ela não
respondeu, e ele acrescentou: — A proposta do viking é a melhor que
ouvi.

— Não diga tolices — replicou ela olhando-o.

— Acaba de propor matrimônio apesar de que deste uma


cabeçada no seu nariz. Sem dúvida este homem, além de estar meio
louco, sente algo por você.

— Esse homem ainda ama sua mulher — disse ela em japonês.

— Tem mulher?!
Rapidamente Alison lhe contou o que sabia e, quando finalizou,
acrescentou:

— Além disso, não sabe quem sou em realidade. Como reagirá


quando souber quem é meu pai?

— Diga-lhe e saberemos.

— Enlouqueceu?

— Confie nele e nos que estão aqui. É a única maneira de avançar


na vida, Shensi.

Mas Alison, intimidada ao ver que todos os observavam, insistiu


falando em japonês:

— Tio Matsuura, acabo de dizer que segue amando sua mulher.

— Mas também me disse que ela morreu, e acaba de pedi-la em


matrimônio. Quem disse que não te amará?

— Mas enlouqueceu mesmo? Como me vou casar?

Matsuura sorriu.

— Louco estaria se não te dissesse que vejo nele um homem que


poderia te fazer feliz. Seu olhar é limpo, a pesar do aborrecimento que
tem neste momento pelo que lhe fez. Isso sim, os demônios levarão seu
pai quando souber.

— Como me vou casar se prometi a meu pai que retornaria a ele?

Seu tio assentiu, sabia a importância que era para a moça


cumprir suas promessas, e olhando-a replicou:

— Chegado o momento terá que falar com ele e fazê-lo entender


que...

— Impossível, não pode ser!


— Shensi, viva o presente. Sempre lhe disse isso.

De repente, Harald, irritado por não entender nada do que eles


diziam, grunhiu:

— Poderiam falar em gaélico para que nos entendêssemos?

Alison o olhou e então Aiden aproximando-se dele disse:

— Eu me sentia igual quando Demelza e você falavam em


norueguês e eu não entendia nada... Não é desagradável?

Harald lhe dirigiu um olhar feroz e, sem amedrontar-se por isso,


seu amigo insistiu:

— Eu sinto que você não vai ficar entediado com ... «ninguém».

Alison, que estava em seu mundo pela proposta dele, levantou-se


de novo da cadeira e, ao ver que todos a imitavam alertados, exclamou:

— Calma... Não vou atacar ninguém.

Outros assentiram e voltaram a sentar enquanto a viam afastar


alguns passos.

Casar-se? De verdade Harald acabava de lhe propor matrimônio?


Devia ou não lhe dizer quem era?

Levando as mãos à cabeça, afastou-se um pouco mais, e


Matsuura perguntou dirigindo-se a Harald:

— Moço, está bem?

Enquanto voltava a limpar o sangue do nariz com a mão, ele


afirmou com a cabeça, e a seguir o japonês aconselhou:

— Se quiser que Alison o escute, fale com o coração, sem


imposições nem ordens. Só assim conseguirá sua atenção.
O viking, tão surpreso como o resto pelo que tinha proposto quase
sem pensar, assentiu, e então Alison, sentando-se de novo junto a eles,
grunhiu olhando-o:

— Tua proposta não é normal.

— Dou-te toda a razão — zombou Aiden, que ganhou um beliscão


de Demelza.

— Não há quem te entenda — continuou Alison sem afastar o


olhar de Harald. — Faz poucas horas me rejeitou... diz-me que nunca
haveria nada entre nós, e agora me pede que me case contigo?

— Sim — afirmou ele.

Demelza, que não cabia em si do espanto pela proposta de Harald,


interveio com um fio de voz:

— Possivelmente tenha pensado melhor...

Alison a olhou e, com sua habitual espontaneidade, falou:

— Mas o que diz? Se este homem não me suporta.

Aiden sorriu; ver o desconcerto no rosto de Harald era divertido.


Então Regina, depois de olhar para seu marido, disse:

— Se for por isso, calma. Thomas tampouco me suportava quando


nos conhecemos.

Thomas riu, e Demelza interveio depois de inspirar:

— Alison, mas não vê suas provas de amor? — Alison olhou para


sua amiga ruiva que esclareceu: — Harald te ajuda sempre que... que
está em um perigo. E ele ficou sob a tempestade velando por você... e
quando a coisa ficou feia, salvou-os.

Harald não disse nada, e Alison perguntou:


— Isso são provas de amor?

Demelza, sem entender muito bem por que havia dito, afirmou:

— Do meu ponto de vista, sim, são.

Alison negou com a cabeça, aquilo era uma tolice. E, respirando


forte, dirigiu-se ao viking, que a observava em silêncio.

— Harald, como vai querer se casar comigo se tudo o que faço é


reprovável e... e...? Maldito seja, mas nem sequer sabe quem sou!

Ele assentiu. Entendia sua reação, da mesma forma que entendia


o modo como todos o olhavam. Não tinha parado de se contradizer
desde que tinha conhecido Alison. Aproximava-se dela para depois
afastar-se. Esse tinha sido seu jogo até o momento.

— Eu gosto de você — declarou a seguir, — e o carinho que dá as


crianças me diz que é uma mulher atenta, dedicada e carinhosa. Vi-a
saltar de terraço em terraço, enfrentar um temporal, amaldiçoar como
a pior peixeira de mercado, inclusive brigar com ladrões na rua...
Acredita que ainda há algo em você que possa me surpreender?

Incapaz de se conter, Thomas e Matsuura sorriram, e Alison,


tentando dissimular o mal-estar que sentia em seu interior pelo que
ocultava, retrucou:

— E se houver?

— É fácil: diga-me — respondeu Harald.

Ver-se observada por todos a incomodava, mais ainda o que


ocultava.

— Se acredita que há algo importante que Harald deva saber,


diga-lhe. — Pediu Matsuura em gaélico.
— Isso, moça. É o momento — a animou Thomas, fazendo-a saber
que tanto ele como o japonês e sua mulher estariam a seu lado
acontecesse o que acontecesse.

Alison soprou. O que devia fazer? Era boa ideia dizer que seu pai
era Jack Moore? Devia pôr em perigo os que a amava, por um amor
não correspondido ou seria melhor se calar?

O tempo passava e todos a observavam. Demelza, emocionada,


murmurou:

— Pense, Alison. A proposta de Harald te proporcionará um lar.

Com o coração desbocado, a jovem olhou o viking, olhou o homem


que estava propondo algo que nunca imaginou que lhe proporiam.

— Alison, minha casa é o suficientemente grande para que todos


possamos viver — o ouviu dizer a seguir, — e te asseguro que é um
bom lugar para que as crianças cresçam.

Ela o olhava sem acreditar com o coração a mil. Mas o que


acontecia com Harald? Por que lhe jogava uma pá de cal e outra de
areia? Quanto tempo demoraria para voltar atrás em suas palavras?

Casar-se com ele era o ideal, o que desejava, pois estava


apaixonada por ele. Seu coração bateu forte desde a primeira vez que
o tinha visto. Entretanto, olhando o anel que ele usava em seu dedo,
sussurrou:

— Mas você não me ama.

Harald a entendeu e, sem precaver-se de sua frieza, retrucou:

— Possivelmente não possa te dar amor, mas posso te dar um lar.


Isso fez que todos se encostassem no espaldar de suas cadeiras.
Aquela não era uma boa resposta, e Thomas, balançando a cabeça,
cochichou:

— Moço... assim não.

Alison negou com a cabeça. Ela queria ser amada, querida,


idolatrada. Não bastava somente ser desejada. Queria amor,
cumplicidade. Precisava sentir-se única e importante para assim poder
enfrentar seu pai por não cumprir a promessa de retornar a ele.
Entretanto, para Harald nunca seria única e importante, Ingrid sempre
estaria entre eles.

Então, tomando ar pelo nariz, e consciente de que ele acabava de


dar a desculpa perfeita para responder, declarou:

— Nem pensar. Não quero.

— Por que não me surpreende ouvir isso? — Grunhiu Thomas


contrariado.

Harald permaneceu imóvel.

Até o momento, tudo com Alison tinha sido um jogo. Desafiavam-


se, buscavam-se, irritavam-se. O que tinha acontecido no estábulo
aquela madrugada e os sentimentos que tinham confessado o tinha
feito perceber muitas coisas, mas o jogo tinha terminado e aquilo já
não era divertido. Quando por fim se decidiu em soltar a mão de sua
mulher... ela o rejeitava? Acabava de lhe propor matrimônio e o havia
feito diante de todos.

Estava sem saber o que dizer quando a jovem acrescentou:

— Minha resposta é não porque eu não compartilho coração,


Harald.
Ele apertou os lábios, e Demelza exclamou incentivando-o:

— Pelo amor de Deus, Harald, como te ocorreu dizer que não vai
dar amor?

O viking não respondeu. Só tentava ser sincero com ela, não


queria enganá-la.

Então Demelza, ignorando-o, aproximou-se de Alison para falar


com ela.

Aiden, olhou para seu desconcertado amigo e cochichou:

— Por não medir suas palavras te levou a esse desastre... Tinha


que ser viking!

Harald amaldiçoou e, olhando às mulheres, que falavam,


declarou:

— Só tento ser sincero e dizer o que realmente posso lhe oferecer.

Thomas, que, como todos, estava sendo testemunha daquele


desastre, dirigiu-se então a ele:

— Moço, um pouco de romantismo em um momento assim nunca


é ruim. Se quiser conquistar uma mulher tem que lhe falar com o
coração, não com a cabeça.

Desesperado, o viking não sabia o que fazer, e Aiden acrescentou


olhando-o:

— Ingrid morreu, Harald. Ela é seu passado e...

— Quem é Ingrid? — Quis saber Thomas.

Rapidamente Aiden contou, e o governador, entendendo muitas


coisas, olhou para um desconcertado Harald e disse pensando em
Francesca:
— Moço, acredite ou não, entendo o que é amar a alguém a quem
não pode ter. Mas tenho que te dizer que, embora às vezes se queria
voltar atrás e mudar tudo, terá que seguir caminhando para se dar
conta de que em certas ocasiões o que o destino tem para você pode ser
melhor. — E olhando para Regina, que falava com Demelza e com
Alison, afirmou sorrindo: — Sem dúvida, muito melhor.

— Com Ingrid tudo era calmo, fácil — sussurrou Harald


desconcertado. — E...

— Nos atalhos mais complicados estão as melhores recompensas


—cortou Matsuura.

Aiden e Thomas assentiram, e o japonês insistiu:

— A que espera para a levar em particular e falar com ela? Ela


tornará difícil. Alison é assim. Mas não baixe a guarda, seja firme e a
enfrente. É a única maneira de que o escute.

Harald a olhou. Por sua maneira de mover as mãos, a jovem


parecia muito zangada.

— O escute — falou Aiden. — Ele a conhece.

O viking finalmente assentiu e, quando ia dirigir-se a ela,


Matsuura o deteve.

— Se em algum momento observar que fecha os punhos e fica


inclinada, se jogue para trás ou voltará a lhe tirar sangue — o advertiu.

— Pois sim que nossa Alison é bruta— zombou Thomas.

Aiden riu. Desta vez Harald também riu, e afirmou:

— Calma. Não acontecerá nada.


E, desejoso de estar a sós com a jovem, levantou-se da mesa,
caminhou para onde ela estava e pediu estendendo a mão:

— Veem comigo.

— Não.

— Alison, quero falar a sós contigo.

— Mas eu não quero contigo.

Harald não se moveu. Ele também podia ser cabeçudo. E ela,


irritada, insistiu:

— O que está esperando? Eu disse que não.

O viking suspirou e, depois de um rápido movimento, agachou-se


e jogou a jovem sobre um ombro. Como era de esperar, ela começou a
gritar e espernear com fúria, por isso Harald falou olhando para todos
sem deixar-se intimidar:

— Estaremos em meu quarto conversando.

— Cuidado com seu nariz e sua testa — insistiu Matsuura.

— Maldito seja! Me solte! — Gritava Alison zangada.

Aquilo era revoltante, no mínimo teria brandido sua espada com


quem tivesse ousado fazê-lo. Mas, ao olhar para seu tio Matsuura para
pedir ajuda, este simplesmente zombou:

— Não quero mais galos.

A moça gritou sem poder acreditar e, ante os olhares espectadores


de todos com que cruzavam, Harald a levou até seu quarto sem soltá-
la.
Quando Harald fechou a porta de seu quarto e a colocou no chão,
Alison tentou lhe dar um murro que ele esquivou e sibilou furiosa:

— Saia da minha frente se não quiser lamentar.

O viking não se moveu. Ao contrário, ancorou os pés no chão e,


depois de cruzar os braços sobre o peito, pediu com calma:

— Alison, se tranquilize.

Mas ela começou a insultá-lo em seu idioma.

— Mas quem te ensinou a dizer essas horríveis palavras em


norueguês? — Perguntou ele surpreso.

— Também posso dizê-las em italiano, em japonês e em francês


— replicou ela.

Harald sorriu, mas não a jovem. O que estava ocorrendo era


revoltante para ela. Nunca tinha permitido que um homem a
conduzisse desse modo e, zangada, começou a gritar os maiores
impropérios que lhe ocorriam em todos os idiomas.

Mas de onde ela tirava tudo o que saía por sua boca? Pensou
Harald.
Tentando não perder a compostura, e disposto a aguentar o toró16,
apoiou as costas na porta sem deixar de olhá-la. Dali não ia sair até
que o escutasse.

Ela caminhava furiosa de um lado para outro enquanto


amaldiçoava e agitava as mãos com raiva.

Finalmente ele riu ao vê-la tão zangada, mas, quando comprovou


que abria a janela e olhava para baixo, correu para ela temendo o pior.

— Pelo amor de Deus, que diabos pretende fazer?

Alison soprou.

— Me afastar de você — sibilou irritada. — Isso é o que quero


fazer.

O viking sorriu de novo quando ela se inclinou zangada. Com


dissimulação, ele olhou suas mãos e, ao ver que fechava os punhos,
advertiu:

— Nem pense fazê-lo outra vez.

Consciente do que ia fazer, Alison soprou.

— Tenho três adagas que não duvidarei em usar contra você se


não me deixar sair... — De novo, ele sorriu e ela grunhiu: — E esse
sorriso?

Arrebatado pelo que essa mulher o fazia sentir, Harald confessou


falando de coração:

— O sorriso é meu, mas quem o provoca é você.

Sem acreditar, Alison sibilou:

— Pois prossiga e o apagarei com um murro.

— Mulher... não seja tão bruta.


Mas ela, fora de si, começou a amaldiçoar e a dizer coisas tão
pouco apropriadas que finalmente Harald grunhiu:

— Por Odin! Mas onde ouviu semelhantes vulgaridades?

Alison não respondeu e ele, sem mudar sua carranca, fechou a


janela e falou suavizando o tom:

— Acredito que deve se tranquilizar.

— Fá-lo-ei quando puder sair daqui.

O viking, a cada segundo mais certo do que fazia, afirmou então


seguindo o conselho de Matsuura:

— Pois só sairá quando você e eu falarmos.

Zangada e raivosa, a jovem se aproximou de novo em atitude


intimidatória e, ficando nas pontas dos pés, resmungou:

— Por menos do que você fez, outros já estariam sangrando.

— Ora... isso significa que tenho que me sentir especial?

Ao ver que não o intimidava, Alison soprou.

— É um convencido!

Ele riu de novo. Em todos os anos que tinha estado com Ingrid,
jamais havia sentido a tensão terrivelmente arrebatadora que sentia
por essa moça; então, recordando retrucou:

— Assim diz a... tolinha.

Alison, que não esperava, não soube o que responder, e ele, ao


sentir que nesse momento estava ganhando a partida, aproximou sem
hesitar seus lábios dos dela e, sem roçá-la murmurou:

— Que tal se...?


Mas não pôde continuar. Sentiu contra suas costelas algo agudo
que o oprimia. Sabia perfeitamente o que era, mas sem dar um passo
atrás afirmou:

— Vamos, tolinha... faça-o se isso é o que quer.

— Não me tente.

— Crave-me. Vá... animo-a a fazê-lo.

Alison fechou os olhos. Sua proximidade a enlouquecia, e, sem


poder continuar um segundo mais com aquele jogo, soltou a adaga,
que caiu ao chão, e, aproximando sua boca da dele, beijou-o.

Um beijo... dois...

Uma carícia... duas...

A solidão do quarto, o momento, o desejo e a tensão sexual que


existiam entre eles os fez esquecer-se de tudo e, sem pensar em nada,
começaram se despir.

As roupas voavam pelos ares e, nus, ambos caíram sobre a cama,


perderam-se no prazer do corpo e, com ímpeto, vontade e desejo,
fizeram amor sem pensar em nada mais.

Tempos depois, e quando ficaram esgotados sobre a cama olhando


o teto, Harald murmurou:

— Foi incrível.

Ela assentiu, pensava o mesmo. Na vida tinha aproveitado de


tudo, mas não querendo dar seu braço a torcer, retrucou:

— Não esteve ruim!

Harald a olhou, e ela soltou divertida:

— Não vou me casar contigo.


— Isso está por se decidir.

— É um convencido!

— E arrogante — afirmou o viking.

— Não penso mudar de opinião.

Isso provocou o sorriso de Harald, que olhando-a afirmou:

— Pelo menos se tranquilizou. Ou ainda quer me cravar uma


adaga?

Horrorizada pelo que tinha tentado fazer, ao ver que ele tocava o
nariz perguntou:

— Dói?

Ele tocou o osso nasal e assentiu e, enquanto olhava o galo que


ela tinha na testa, comentou:

— Certamente tanto quanto sua testa.

Ambos riram e a seguir o viking cravou seus olhos azuis nela e


disse:

— Se fizer uma pergunta, será sincera em sua resposta?

A jovem piscou.

— Provavelmente.

Harald sorriu de novo por sua resposta, mas, disposto a saber


mais dela, perguntou:

— Por que disse a seu tio Matsuura que devia retornar ao lugar
que nunca devia ter partido? A que lugar se referia?

Aquela pergunta, que Alison não esperava, não era fácil de


responder. Mas, vendo que ele precisava de uma resposta, mentiu:
— Referia-me à carroça.

— À carroça? — Perguntou ele surpreso.

Alison assentiu e continuou falseando a verdade:

— Quando disse isso a tio Matsuura era porque sentia que na


hospedaria não estava cômoda, e menos ainda Aiden e Demelza
pagando. Por isso dizia que, quando as crianças partissem com vocês,
nós devíamos continuar nosso caminho e tentar conseguir outra
carroça de alguma forma. Possivelmente joias, que no momento, não
poderíamos vender, mas se recolhermos madeira posso voltar a fazer
caixas e... bem, as vender.

Harald a olhou. Algo lhe dizia que seguia mentindo e, quando se


dispunha a perguntar de novo, ouviram-se golpes na porta e uma voz
que dizia:

— Senhores, trazemos uma banheira.

Ambos se surpreenderam, pois não tinham pedido, e o viking


cochichou:

— Isto é coisa de Demelza.

Mais calma, Alison se cobriu com os lençóis enquanto ele se


levantava, vestia as calças e abria a porta.

Dois homens entraram com a banheira de cobre e posteriormente


mais quatro entravam com baldes para enchê-la, Alison observou
Harald sem nenhum decoro.

Nu de cintura para acima, o viking era incrível. Era um homem


forte, poderoso, guerreiro. Mãos grandes. Pernas fornidas. Ombro e
peito largos. Olhos azuis e frios como o aço e sorriso, quando queria,
assustadores. A pele de seu corpo era clara, nada parecido com a de
Alison, que era morena, e, com curiosidade, observou as cicatrizes que
tinha em seu corpo. Não precisa perguntar para saber que eram fruto
de diversas batalhas.

Passeando o olhar pelo corpo dele, subiu até seus cabelos.


Cabelos comprido e loiro que quase sempre tinha recolhido em um
rabo-de-cavalo, mas que agora estavam soltos, fazendo com que sua
imagem fosse tremendamente selvagem e viril.

Tudo nele era incrível.

Tudo nele chamava a atenção de Alison, e mais ainda que


percebeu de que ele era de um perfeito oponente. Nem com uma adaga
nas costelas se intimidou, e isso a jovem gostou. Se algo a atraía para
um homem era que ele batalhasse com ela.

Quando terminaram de encher a banheira, ele fechou a porta e,


vendo que a atitude dela tinha mudado, tirou de novo as calças e
comentou:

— Não há nada melhor que um banho quente.

E, sem mais, entrou na banheira.

Olhavam-se em silêncio, Alison da cama e ele da banheira.

A atração que existia entre eles era difícil de explicar; então a


jovem, ainda sem entender nada, soltou:

— Por que me pediu que me case contigo?

Molhando o cabelo, Harald respondeu:

— Porque acredito que é algo que beneficia a ambos. — Ela não


disse nada, e ele continuou com segurança: — Procura uma família
para Sigge, Will e Briana, e com nossa união podemos dar.
A moça assentiu e comentou enquanto retirava o cabelo do rosto:

— Não o entendo.

— Que não entende?

— Ontem à noite disse que entre você e eu nunca haveria nada, a


que se deve essa mudança?

O viking, que desejava que se entrasse na banheira com ele,


assentiu e, disposto a lhe dar uma explicação, disse:

— Contar-lhe-ei se vier aqui comigo.

Tentando fazer-se dura, a jovem negou com a cabeça, mas Harald,


dando um tapa à água para que a salpicasse, insistiu:

— Vamos, Bug... Não seja tão teimosa.

Ela riu e, dando seu braço a torcer, levantou-se.

Quando chegou junto à banheira, depois de pegar-se à mão que


lhe estendia, sentou-se frente a ele. Queria olhá-lo nos olhos.

Harald não disse nada. Teria adorado que se recostasse nele, mas
olhando-a aos olhos, declarou:

— Ontem fui sincero contigo. Como te disse, atrai-me, mas minha


mulher segue em meu coração e aí seguirá eternamente. Entretanto,
ontem à noite, quando retornamos a nossos quartos, não podia dormir.
Pela primeira vez desde que Ingrid morreu comecei a pensar que
possivelmente não estava fazendo o que era correto. Não parava de
pensar no que ocorreu entre nós, e então Demelza, ao ver luz por
debaixo de minha porta, bateu e falamos. Ela sabia que você e eu
tínhamos nos encontrado no estábulo, e imaginou...

— Ora.
— Disse-lhe que entre você e eu nunca haveria nada. — Desta vez
Alison não disse nada, e ele prosseguiu: — Demelza me comentou que
Aiden e ela tinham falado sobre você e que, desejosos de ajudar, tinham
pensado em te oferecer um lar no Keith. No começo, por tê-la perto não
me pareceu bem. Se não queria nada contigo mesmo me sentindo
atraído por você, ver-te frequentemente poderia ser complicado. Mas
pior me pareceu quando Demelza me deu a entender que outros
homens poderiam cortejá-la no Keith. Entre eles, Peter ou Evander.

Alison piscou surpreendida e perguntou:

— E por que não acha bom que outros homens me cortejem?

Harald sorriu e, com uma segurança que a jovem nunca tinha


visto nele, afirmou:

— Porque eu, como você, não compartilho.

A cada segundo mais espantada, ela ia falar quando ele


continuou:

— Sei que me contradigo constantemente. Sei que em meu


coração está minha mulher. Mas também sei que não quero que
ninguém a corteje, porque se alguém tem que fazê-lo, esse deve ser eu.

Alison sorriu sem saber o que responder. A sua maneira, Harald


estava dizendo palavras lindas, e murmurou:

— Disse que não podia me oferecer amor, e sim um lar.

— Sei o que eu disse.

A jovem esperou que ele acrescentasse algo mais, mas quando viu
que não o fazia, insistiu:

— Quer uma mulher, mas não quer amor?


Harald soprou. A confusão que tinha na cabeça era colossal.
Embora tinha proposto soltar a mão de Ingrid, ainda lhe custava fazê-
lo, e prosseguiu:

— Alison, a verdade é que as crianças e você precisam de um lar,


e eu, embora me empenhe em negar, preciso de uma mulher em minha
casa. Atraímo-nos, e embora existam coisas que nos distanciam,
acredito que poderíamos nos entender. Se nos casarmos...

— Harald — o cortou, — sou consciente de que você já se casou


uma vez por amor e que agora não é amor o que buscas. Mas tem que
entender que, por mais rude e insolente que me veja, sempre pensei
que no dia que me casar, o farei por amor. — Entendendo suas
palavras, ele não respondeu e ela acrescentou: — As pessoas que
contraem matrimônio o fazem por toda uma vida; não acredita que é
aventuroso e perigoso que você e eu nos casemos assim, sem delongas?

O viking assentiu, mas, sem lhe dar tempo para pensar, retrucou:

— Também é perigoso enfrentar uma tormenta sem refúgio, correr


atrás de ladrões que roubaram sua mercadoria ou saltar de terraço em
terraço brincando com a vida e, entretanto, aqui está você.

Sem poder evitar, Alison riu.

— Nem tenho que dizer que, sendo minha mulher — continuou


ele, — deveria afinar suas maneiras e sua linguagem. E deve me
prometer que mudará certas coisas.

Alison não respondeu. Ela não pedia nada, por que ele tinha que
fazê-lo?
Estava pensando nisso quando Harald, notando algumas das
cicatrizes que ela tinha no corpo, ia perguntar a respeito quando ela
replicou:

— Eu nunca prometo.

— O que não promete?

— Nada.

Eles se entreolharam por alguns segundos em silêncio. Alison era


tentadora. Esse jeito de ser que Harald achava tão difícil parecia, ao
mesmo tempo, irresistível. E, aproximando-se dela, a puxou e
sussurrou ansioso por seus lábios:

— De acordo. Não me prometa nada, mas agora me beije.

Alison o fez, nada gostava mais que beijá-lo, e excitada, viu um


pedaço de tecido no chão e, pegando-o, sussurrou:

— Viking... permite-me possuí-lo?

Isso o inquietou. Por norma, ele como homem, era quem possuía
às mulheres. No prazer da carne ninguém nunca o havia possuído. E,
quando ia protestar, ela murmurou mostrando a pedaço de tecido:

— Colocá-lo-ei sobre seus olhos. Não me verá, mas me sentirá.


Deixa-me?

— Posso confiar em você?

Ela assentiu e assegurou:

— Isso sim prometo.

Enfeitiçado, ele ofegou. O jogo que ela propunha era, como


mínimo, perturbador e, quando teve o tecido sobre seus olhos, Alison
aproximou a boca a seu ouvido e sussurrou:
— Seja meu... só meu.

Harald sentiu os pelos de todo o corpo se arrepiar. A jovem se


precaveu disso e, aproximando a boca a seu ouvido, murmurou:

— Uma vez me disse que quando os pelos do corpo se arrepiam é


porque as fadas advertem de que algo vai ocorrer.

Ele sorriu e ela, sentando-se escarranchada sobre ele, pegou com


a mão seu pênis e, depois de colocá-lo na entrada de sua úmida e
quente vulva, murmurou:

— Não se mova.

O viking não se mexeu. Não podia. E então, lenta e pausadamente,


a jovem se deixou cair sobre seu pênis enquanto ambos estremeciam e
ela, em um fio de voz, exigia com descaramento:

— Estou te fazendo meu. Só meu.

Totalmente anulado e enfeitiçado pelo que essa mulher lhe fazia,


Harald desfrutou pela primeira vez em sua vida, recostado na banheira,
da sensação de ser possuído. Com as mãos na cintura de Alison,
notava-a mover-se sobre ele, provocando um sem-fim de novas e
curiosas sensações.

Estremeceu de prazer. Ela também.

Sentir como ele se abandonou a seus desejos era muito excitante;


aproximou sua boca da dele, passou a língua por seus tentadores
lábios e, separando antes que o beijo os envolvesse, Alison sussurrou:

— As fadas tinham razão.

Harald jogou a cabeça para trás e ofegou.

— Sou uma descarada, sei — disse ela então.


Tremendo de desejo, Harald rapidamente murmurou:

— Eu gosto que seja, mas só comigo.

— Só contigo?

— Só comigo — afirmou ele com o coração acelerado.

Alison sorriu e, pegando-se à banheira, rebolou os quadris para


empalar-se mais nele enquanto o viking ofegava com tesão. Procurando
também seu próprio prazer, a jovem continuou movendo-se.

Harald gemia, agitava-se e, precisando em sua vida abandonar-se


por completo, fê-lo com ela.

Segura de si mesma, a jovem se movia sobre aquele homem


aproveitando o momento. Se algo a vida tinha ensinado era aproveitar
desses pequenos instantes que apareciam magicamente quando menos
se esperava, e esse era um deles. Vê-lo entregue a enfeitiçava, a fazia
tremer de loucura e paixão, até que já não pôde mais e, antes de chegar
ao que ela considerava o prazer máximo, tirou-lhe a venda dos olhos
parar olhá-lo e um incrível e poderoso clímax os tomou.

Abraçada a ele, Alison o beijou no ombro enquanto sentia Harald


beijá-la com carinho no pescoço. Acostumar-se a esse tipo de
intimidade com ele podia ser bom. Gostava.

Então ele a levou ligeiramente para trás e, em silêncio, olharam-


se nos olhos até que ela falou com carinho:

— Céu, agora é quando deve me dizer que sou bonita, bela.

Harald sorriu sem afastar o olhar.

— Realmente precisa ouvir isso?


Alison suspirou. A resposta era «sim», mas, não estava disposta a
repetir o que tinha pedido, replicou:

— Não, se não achar.

Ver a decepção em seus olhos doeu no viking, mas, incapaz de


dizer o que pedia, declarou:

— Quando digo que não posso te dar amor, mas posso te dar um
lar, quero dizer que por enquanto posso te dar isso: prazer. Não sei se
amor algum dia existirá entre nós, mas acho que o desejo que ambos
sentimos pode ser um bom começo.

A jovem não respondeu. Ele falava de desejo, não de amor, e


insistiu:

— Pensa em Sigge, Will e Briana. Merecem um bom lar, e você e


eu podemos dar. Podemos tentá-lo por eles.

— Harald...

— Nos casaremos por uma união de mãos.

— Não.

— Um handfasting dura um ano e um dia e...

— Não.

Casar-se com alguém que não a amava e que não sabia quem
realmente ela era, não era uma boa ideia. Mas, consciente de que Sigge,
Will e Briana poderiam ter um bom lar junto de Harald quando ela
partisse, propôs sem hesitar:

— E se dissermos que nos casamos sem realmente casarmos?

— O quê?!

Alison assentiu.
— Falaremos com Peter, Aiden, Demelza e meus tios. Pediremos
a colaboração para que a mentira seja acreditável e assunto
solucionado.

— E por que mentir? — Perguntou ele.

— Será nosso segredo. Nossa mentira.

— Mas isso não é bom.

A jovem assentiu divertida. Certamente sua vida e a dele se


afastavam cada vez mais, e baixando a voz ironizou:

— Pagão... não me diga que agora é também um puritano.

— Há coisas que devemos fazer bem — replicou ele, — embora em


nosso caso já ultrapassamos certos limites. — Ela sorriu e ele se
justificou: — Durante os anos em que Ingrid e eu fomos noivos, nossa
intimidade máxima foi nos beijar.

Alison piscou boquiaberta. Ela, mesmo sendo mulher, se permitia


inúmeras licenças quando se tratava do prazer do corpo. A vida no mar
como um pirata havia lhe dado o poder de fazer o que quisesse com
quem quisesse.

— Está dizendo isso de verdade? — Perguntou incapaz de calar.

— Não tenho por que mentir — afirmou o viking.

— Pelas barbas de Netuno... Quantos anos foram noivos Ingrid e


você?

Harald retirou o cabelo que caía sobre o rosto e respondeu:

— Uns quinze. Começamos ainda crianças.

Alison arregalou os olhos e sem poder evitar exclamou:

— Me deixa morta! Quinze anos de noivado e só se beijavam?


— Sim.

A jovem soltou então uma gargalhada e, sem poder calar, afirmou:

— Por Tritão! Ouvir isso me faz sentir como uma rameira. Primeiro
te encurralei no estábulo, e agora o possuo na banheira...

Harald grunhiu irritado olhando-a:

— Não continue.

— Não exagero — disse ela. — Acontece que o puritanismo que


você tem em relação ao gozo do corpo não tem nada a ver com o que eu
sinto. Vê-se que, vivendo no mesmo mundo, nossas realidades e nossas
experiências são muito diferentes.

Ficaram em silêncio enquanto Harald processava o que ela dizia.


Tinha certeza de que Alison não era uma mulher tímida nem
envergonhada como Ingrid tinha sido, mas ouvi-la falar assim o
incomodou e diretamente lhe perguntou:

— Exerceu a profissão de prostituta?

Alison abriu a boca, e, depois de lhe lançar água no rosto, soltou-


lhe:

— Alto aí! Agora não continue você! — E, enquanto ele limpava a


água do rosto, ela acrescentou: — Nunca fiz algo assim.

Saber isso agradou Harald, e então a jovem murmurou sorrindo:

— Ora, mas que viking... E eu que acreditava que...

— Conter meus instintos carnais foi minha opção pelo bem de


Ingrid — a cortou ele incômodo. — A respeitava e...

— Não me respeita?
— Claro que sim — disse ele surpreso por sua pergunta. — O que
acontece é que você e ela são muito diferentes.

— De sorte para mim...

— Não ultrapasse — sussurrou ele.

De novo, a jovem sorriu com malicia. Não precisava perguntar o


que ele pensava para sabê-lo. Estava claro que Alison não se importava
com a opinião do povo.

— O que é uma prova de amor? — Perguntou ela então.

Harald sorriu, sabia por que perguntava.

— Em meu país é algo que se faz pela pessoa que ama. Concede-
lhe desejos sem que os peça. Isso é uma prova de amor.

Ela assentiu e sussurrou com ar sonhador:

— Sem dúvida é algo muito bonito.

— É.

Silenciaram até que o viking perguntou:

— Aceitaria viver comigo?

— Provavelmente.

— Sem estar casados?

Ela assentiu e, segura do que dizia e do tempo limitado que estaria


em terra, afirmou:

— Prefiro isso a bodas sem amor.

Harald estava tentando entender o que ele estava prestes a aceitar


quando Alison, olhando em seus olhos e ciente de que ela e Ingrid que
fora sua esposa não poderiam ser mais diferentes, sussurrou:
— Recorda o que te disse em Edimburgo que, a meu lado, a
loucura era contagiante? Pois bem, aqui tem o resultado: quer se casar
comigo!

Harald riu. Tinha mudado muito desde que tinham estado em


Edimburgo. Jamais teria imaginado comportando-se como o fazia com
ela e nem se expondo ao que queria fazer, mas Alison, surpreendendo-
o, disse:

— Se quiser se casar comigo, façamo-lo agora.

— Agora?!

Ela assentiu.

— Nos casaremos, somente você e eu, nus e na banheira.

— Mas o que diz?

— O que ouviu.

— Enlouqueceu?

— Provavelmente.

Alison sorriu, mas Harald não, e a seguir afirmou divertida:

— Afinal serei mais pagã que você. — Ele seguiu sem falar; com
essa mulher tudo era precipitado e louco. Então ela acrescentou: —
Tenhamos nossas bodas em particular. Um enlace diferente como
nunca visto antes. Tanto faz se dura uma semana, dois meses ou três
anos.

— Dizê-lo de verdade?

— Totalmente.

Harald, que estava superando tudo isso, disse sem realmente


saber por que:
— Mas se nem sequer temos anéis.

Alison assentiu e, olhando-o nos olhos, declarou:

— Você já usa um.

Rapidamente ele baixou a vista para sua mão e falou:

— Este é o anel de minha união com Ingrid.

Alison voltou a assentir e perguntou:

— Tirar-lhe-ia para substitui-lo pelo de nossa união?

Ouvindo-a cortou a respiração de Harald, a verdade era que não


tinha pensado nisso, mas a moça, lendo o que rondava pela cabeça
dele, e discretamente para que sua prova de amor para ele fosse que
continuasse com o anel no dedo, acrescentou:

— Nunca te pediria que fizesse algo assim porque isso é algo que
você tem que decidir. — Harald respirou fundo e ela, tentando que
voltasse a sorrir, disse então com graça: — Nossos anéis serão
imaginários e, se nos dermos bem, possivelmente algum dia dar-te-ei
de presente um de verdade.

Aquela maneira de ser tão irrefletida e direta de Alison era o que


enlouquecia Harald. E, sorrindo pelo que ela propunha, murmurou:

— Contigo é tudo controverso?

— Provavelmente!

— Você e o seu «provavelmente». Começo a ter medo!

Ambos soltaram uma gargalhada e ela, depois de retirar com


mimo o cabelo de seu rosto e colocar atrás da orelha, insistiu olhando-
o nos olhos:

— Casamo-nos ou não?
Sem hesitar ele assentiu e a seguir ela começou a dizer:

— Eu, Alison M...Wilson, nua como vim ao mundo e depois de


haver possuído com descaramento seu corpo e sua mente, tomo a você,
Harald o Tolinho, como meu marido. Prometo não cozinhar para não o
envenenar — ele sorriu, — mas pouco prometerei para não te
decepcionar. Só espero que o tempo que estejamos juntos seja algo
bonito e digno de recordar.

Divertido ouvindo os diferentes e originais votos que não falavam


de amor como os seus votos com Ingrid em suas bodas, depois da jovem
lhe dar um beijo na ponta do nariz, o viking disse com seriedade:

— Eu, Harald Hermansen, tomo você Alison, como minha esposa.


Embora não exista amor entre nós, prometo te cuidar, respeitar e dar
um lar quente e estável. Tentarei ser um bom marido, e oxalá o tempo
que estejamos juntos seja capaz de fazê-la sorrir.

— Esse último é muito importante — falou ela divertida.

— Tremendamente importante! — Assentiu Harald enquanto


sentia como seu coração se acelerava pelo modo como a jovem o olhava.

Uma vez pronunciados os votos particulares, beijaram-se e,


quando o quente e gostoso beijo que selava a união acabou, Harald
murmurou:

— Minha esposa, tenho que dizer que beija muito bem.

Com um maravilhoso sorriso, ela cochichou divertida:

— Meu esposo, você tampouco beija ruim.

Ambos riram e Harald, tocando as cicatrizes de seu corpo, ao ver


a que tinha no lado, que era a maior e feia, perguntou com curiosidade:

— Que vida teve para ter tantas cicatrizes?


Alison sorriu e, divertida no momento, retrucou:

— E se te dissesse que fui uma intrépida e feroz pirata que sulcou


os mares, abordados navios e viajado pelo mundo?

Agora foi Harald que riu.

— Estou falando de verdade — disse.

Alison assentiu. Realmente acreditar na verdade não seria fácil e,


cravando seus olhos negros nos azuis dele, sussurrou disposta a fazê-
lo esquecer sua pergunta antes de beijá-lo:

— Que tal deixar de perguntar e selarmos nosso enlace fazendo


amor?
Contar a mentira de suas bodas a todos durante a refeição foi
fácil. E, enquanto Aiden e Thomas viam como um problema e Peter
como uma opção, Demelza e Regina estiveram maravilhadas. O padre
Murdoch, por sua parte, preferiu não opinar. Os pagãos eram assim.

Para os guerreiros McAllister e McGregor que os acompanhavam,


Harald e Alison tinham contraído matrimônio na intimidade de uma
capela em Saint Andrews, e todos os felicitaram. Inclusive Evander o
fez com satisfação. Aquilo tranquilizou Harald.

Alison, por sua parte, foi sincera com Gilroy e Matsuura. Contou-
lhes que tinha aceitado fazer crível a mentira para assegurar um lar as
crianças junto a um bom homem e que tinha certeza de que as crianças
adorariam, embora evitasse falar de seus sentimentos para com ele.
Sabia que iludir-se com Harald não fazia muito sentido porque o
coração dele já estava ocupado.

Por último, o viking e a jovem falaram com Will e Briana. As


crianças mereciam conhecer o que tinham decidido, e não se
surpreenderam ao ver sua felicidade. Saber que viveriam com Alison e
Harald em uma casa como uma família os pequenos adoraram.
Antes de sair de Saint Andrews, Harald se empenhou em passar
pela loja de Maia. Tanto Alison como os pequenos, Matsuura e Gilroy
tinham perdido tudo no temporal e, de início, precisavam de roupas e
casacos. Emocionados por aquele detalhe, lhe agradeceram e Harald,
com um sorriso que fez incrivelmente feliz Demelza, aproveitaram.

Por fim, todos partiram para Keith e decidiram subir a costa para
acompanhar Regina e Thomas em um trecho da viagem.

A vista era maravilhosa e Alison aproveitava admirando.

As demonstrações de carinho do viking para ela surpreenderam a


todos. Harald, que normalmente era um homem frio e esquivo, de
repente era justamente o contrário com a jovem. Ele ria, falava,
brincava para manter as crianças entretidas, gostava de mexer com
Siggy e, acima de tudo, ficava de olho em Alison. De repente, aquela
família que caiu do céu se tornou o centro de sua vida. Em seu mundo.

Demelza, satisfeita por vê-lo comportar-se desse modo, afirmou


dirigindo-se a seu marido:

— Ele era assim com minha irmã. Atento, sorridente, carinhoso.


Nem imagina como estou feliz por ver que esse Harald está de novo
conosco.

Aiden assentiu. Sem dúvida assim Harald seria muito mais feliz.

Um dia, na estrada, Harald não podia afastar os olhos daquela


que todos acreditavam ser sua mulher. Alison, com sua incrível
maneira de ser e seu sorriso, estava-o fazendo rir de novo, e só desejava
que chegasse à noite para voltar a possui-la e que ela também o
possuísse.

Sua maneira de amar, sem reclamar amor, era estranha, mas


ambos se buscavam.

Então Aiden, ao ver como ele a olhava, perguntou:

— Quanto tempo pensa viver assim?

— Assim, como?

Ao ver que ninguém podia ouvi-los, seu amigo esclareceu:

— Enganando todo mundo.

Harald suspirou. Não entendia por que parecia tão complicado


Aiden seguir com a mentira. Não eram as primeiras nem tampouco as
últimas pessoas que viveriam sem passar pelo altar, mas, quando ia
falar, ressoaram as risadas de Alison, Regina, Demelza, padre Murdoch
e Peter, e Aiden falou:

— Se Demelza não fosse minha esposa, eu não viveria calmo.

Harald o olhou.

— E por que não?

— Porque sempre estaria temendo que ela partisse.

— E por que iria partir, se estou oferecendo um lar?

Aiden assentiu e, baixando a voz, observou:

— Mas não está oferecendo amor.

— Ouça...

— Poderia apaixonar-se por um homem que lhe oferecesse amor.


Harald já havia pensado nisso. Ele e Alison eram livres, mas,
tentando manter a positividade em seu companheiro de viagem, ele
respondeu:

— Você também poderia se apaixonar por outra mulher.

Aiden negou com a cabeça.

— Impossível. Se Demelza e eu estamos juntos é porque, como


dissemos em nossos votos, somos um para o outro. Amamo-nos por
cima de todas as coisas e o resto, tanto homens como mulheres,
sobram em nossas vidas. Mas em seu caso não se amam. Quem sabe
que Alison não conhecerá um homem do qual se apaixone porque possa
lhe oferecer amor?

Incômodo, e sem querer perder a segurança em si mesmo, Harald


afirmou enquanto observava que Thomas e Matsuura pareciam falar
afastados deles:

— Isso não ocorrerá.

Peter se aproximou deles e, divertido, comentou olhando-os:

— O que estou rindo com suas esposas. — Harald e Aiden


assentiram e ele acrescentou dirigindo-se ao viking: — Alison é uma
perita em adivinhações, sabia?

Ele não respondeu, o certo era que não sabia nada dela.

Aguçou o ouvido e ouviu que o padre Murdoch dizia:

— Filha, sua felicidade é contagiosa. Que alegria que venha para


Keith conosco.

Alison sorriu e cochichou:

— Mais alegre estou eu, padre.


De novo, eles gargalharam, o que provocou que Harald sorrisse, e
por fim a jovem disse:

— Sou eu agora... sou eu. — Will e Briana, que viajavam nos


cavalos com Demelza e ela, rapidamente a olharam e Alison
acrescentou: — Aqui vai minha nova adivinhação. Preparados?

— Sim! — Gritaram as crianças felizes.

Continuando, ela retirou seu negro cabelo do rosto e, com graça,


recitou:

— O céu e a terra vão se unir. A onda e a nuvem vão se misturar.


Aonde quer que vá sempre o verá, mas não importa o quanto ande,
nunca chegará lá. O que é?

Demelza e as crianças começaram a responder.

Harald de onde estava sorriu e Aiden, ao vê-lo, sussurrou:

— Com certeza «ninguém» o faz sorrir...

— E muito — afirmou o viking.

As crianças riam enquanto exigiam saber a resposta da


adivinhação, e finalmente Alison exclamou:

— O horizonte!

Encantados aplaudiram, e Will, que ia montado com Demelza,


exigiu olhando-a:

— Outra... outra adivinhação.

Alison assentiu maravilhada e, depois de dar um beijo na testa de


Briana, disse:

— O que é? Que corre muito e não tem pés.


De novo, começaram a dizer várias coisas, até que Demelza
exclamou:

— Eu seiiiiiii! — E, inspirando, soltou: — O vento!

Alison assentiu e gritou:

— Demelza acertouuuuuuuu!

As crianças aplaudiram felizes. Isso fez rir aos homens, e Aiden


falou:

— Se eu fosse você, assegurar-me-ia de que fosse minha em todos


os sentidos.

Harald sorriu, e a seguir seu amigo apontou olhando para o


escarpado:

— Esta noite haverá espessas névoas. — E, dirigindo-se a seus


homens, prosseguiu: — Ficaremos esta noite aqui, junto ao escarpado.
Moisés, ordene montem as tendas para que as crianças possam dormir,
e que alguns homens saiam para caçar algo para o jantar.

— Stefan — chamou Peter um de seus homens, — que Ben e Saul


acendam as fogueiras e preparem um caldo. Precisaremos disso esta
noite.

Como era de esperar, os homens de Aiden e Peter cumpriram a


ordem. Aqueles dois clãs, os McAllister e os McGregor,
complementavam-se à perfeição, e quando, horas depois, depois de
tomar uma excelente sopa e comer um pouco dos coelhos, deitaram as
crianças e o padre Murdoch se retirou também, outros conversavam ao
calor de uma das fogueiras.

— Morro de sono. Vou dormir — explicou Regina em um dado


momento.
Thomas assentiu e, depois de dar um beijo em sua mulher,
apontou:

— Em segundos a seguirei.

Quando ela partiu, Peter contava divertido uma de suas histórias


quando de repente soou uma espécie de assovio.

Alison ficou em alerta. Conhecia perfeitamente aquele assovio. E,


passados alguns minutos, se ouviu de novo. Desta vez, seus olhos e os
de Thomas se encontraram. Ele também tinha ouvido.

Atônita, ao ver que o resto seguiam falando calmamente, viu com


a extremidade do olho que Matsuura saía de uma das tendas e ambos
se olharam. Ele também tinha ouvido. Por isso, levantando-se, Alison
disse:

— Vou ver Sigge.

— Acompanho-te — propôs Harald.

Ela sorriu. Desde suas supostas bodas o viking estava pendente


dela a todo momento, e depois lhe piscar um olho indicou:

— Fique aqui.

Harald assentiu e, sem soltar sua mão, perguntou:

— Retornará agora?

— Provavelmente — respondeu ela sorrindo.

— Acompanhar-te-ei — disse Thomas ficando de pé. — Certeza


que Regina me espera acordada.

Harald assentiu e, depois de receber um beijo de sua mulher e ver


a carranca divertida de Aiden, continuou conversando com outros.
Com passo firme e sem demonstrar quão nervosa estava, Alison
pôs-se a andar.

— Ouvi-o — afirmou Thomas. — Seu pai está por perto.

Irritada porque seguissem em terras escoceses, a jovem grunhiu:

— Por Tritão... vou matá-lo.

Quando chegaram a Matsuura, os três entraram na tenda e ela


perguntou:

— Ouviu?

O japonês afirmou com a cabeça; então a tenda se abriu e Gilroy


disse olhando-os:

— Ouviram? — Os outros assentiram e ele continuou: — olhei


pelo escarpado e vi uma luz piscando na praia que me fez compreender
que o capitão Moore está aqui.

— Tenho que ir — informou Alison.

— Mas, moça...

— Irei vê-lo antes que ele venha aqui — insistiu acalorada.

— Moça — murmurou Thomas, — demorará horas em chegar à


praia.

— Descerei pelo escarpado.

— Mas enlouqueceste? — Exclamou ele.

A jovem sorriu e, ao ver sua inquietação, adicionou:

— Não se preocupe. Por piores escarpados desci e sigo viva e


inteira.

— Irei contigo — falou Matsuura.


— Não, tio.

— Shensi, conheço seu pai e...

— Eu também o conheço. Assim fique calmo e com as crianças.


Irei e, com um pouco de sorte, retornarei antes que alguém perceba. —
E, colocando-se sua katana nas costas enquanto olhava os homens que
a observavam em silêncio, a jovem acrescentou: — Se Harald ou
Demelza perguntam por mim, digam que adormeci com Briana. Que
ela estava inquieta e que não quero que nos incomodem, entendido?

Os homens assentiram e ela, sem fazer ruído, rasgou o tecido


traseiro da tenda para sair sem ser vista.

Com o coração a mil, caminhou para o escarpado. Ao chegar viu


a luz que Gilroy tinha falado e imediatamente soube que era seu pai.
Por isso, sem pensar, começou a descer pelo estreito e complicado
lugar. Não era a primeira vez que descia por um lugar assim. Fazê-lo
por ali lhe evitava dar uma grande volta, e isso lhe permitiria chegar
mais rápido à deserta praia.

Um bom momento depois, e com as mãos destroçadas por haver


se sustentado com força às rochas para não cair, finalmente alcançou
a areia. O ar fresco procedente do mar encheu seus pulmões e, sem
parar, Alison correu em direção à luz. Assim que chegou, rapidamente
Gus, que estava acompanhado por outros dois homens, sorriu-lhe e
exclamou:

— Bug, que alegria ver-te!

Ela sorriu a sua vez e, de repente, seu pai surgiu entre a névoa e
exigiu olhando-a:

— Me diga que não é verdade...


Alison, furiosa que ele estivesse em terras escocesas, grunhiu:

— Por Tritão, papai, que diabo faz aqui? Acaso não sabe que corre
perigo?

Mas Jack Moore sabia por que estava ali, e insistiu:

— Me diga que não é verdade, Francesca.

— Vamos lá, papai...

— Alison Francesca Isobel Marguerite Orquídea...

— Já começamos!

— Pelo amor de Deus, moça, o que é isso de que se casou?

— Papai...

— Casou-se?!

— Provavelmente.

Isso era o último que Jack Moore queria ouvir e, horrorizado,


perguntou:

— Com quem?

— Papai...

— Por Tritão! Diga-me, Francesca... Disse-te que cuidasse de seu


coração... Droga, moça! Enlouqueceu? Você não tem consciência do
que está se expondo e não consegue entender que o seu lugar é no mar
comigo e não aqui com... quem sabe algum caipira??

— Papai, Harald não é nenhum caipira.

— Harald?!

— Sim, papai, Harald!


— Pois com esse nome certeza que é um desses caipira que você
adora conduzir e que tem menos personalidade que um caracol —
zombou ele. — Francesca, por Iemanjá! Me diga que estas bodas é
simplesmente um jogo e não algo real.

Alison sorriu. Apesar de que suas bodas eram fictícia, não havia
para ela nada mais real e, olhando-o, afirmou:

— Papai, amo-o.

— O quê?! — Bradou ele consternado.

— Que o amo.

— Tolices!

— O que sinto por ele é real — retrucou a jovem. — Tão real


quanto você e eu estarmos falando nesta praia rodeados de névoa e de
frio.

Jack Moore levou as mãos à cabeça. Esperava ouvir centenas de


coisas, mas não justamente essa, e alterado perguntou:

— E ele a ama?

Alison se dispunha a responder «provavelmente», mas pela


primeira vez a palavra não saiu. Tinha a ciência certa que Harald não
a amava.

— Vamos lá, papai...

— Alison Francesca Isobel Marguerite Orquídea, está me dizendo


que se casou com alguém que não a ama?

— Provavelmente — disse ela, desta vez.

Sem acreditar, o capitão levou de novo as mãos à cabeça e


insistiu:
— Raios e centelhas... Está dizendo isso de verdade?!

— Sim, papai. Estou dizendo isso de verdade. Não me ama, mas


eu o amo sim. E... e embora não me ame, desejo pensar que isso
mudará e...

— É como sua mãe — a cortou ele. — Igualzinha a ela. Não pensa.


Simplesmente se deixa levar pelo que sente no momento e... Casou-se!
Maldita louca!

A jovem sorriu; a mentira de suas bodas também era acreditável


por seu pai.

— Acaso casar-se é um delito? — Perguntou olhando-o.

O capitão, impactado pela notícia, aproximou-se então dela e a


olhou nos olhos.

— O delito é casar-se sem amor — murmurou.

Ela assentiu, e ele acrescentou.

— Pelas barbas pestilentas de Netuno... é minha filha! Minha


única filha. E com amor ou sem amor não assisti suas bodas. Não a vi
com um bonito vestido de noiva. Não olhei seus olhos quando...

— Não houve nada disso, calma. Não perdeu nada.

— Como que não me perdi nada?

Alison sorriu e abraçou-o. Durante segundos, pai e filha se


abraçaram com carinho, até que ele, afastando-a, ia falar quando ela
insistiu:

— Pode-me dizer o que diabo faz em chão escocês quando sabe


bem que está em sua busca e captura?

— Você também.
— Pelo amor de Deus, papai, devem se afastar da costa escocesa.
Disse aos tios que, antes de morrer, o imbecil do Conrad McEwan tinha
feito correr a voz de que andavam por perto e...

— Por Deus, Francesca, casou-se sem mim! E com respeito a


Conrad, temos que falar! Como te ocorreu...?

— Papai, por favor, deixa de dramatizar!

Finalmente, Jack Moore assentiu e acrescentou baixando o tom:

— Temo que te aconteça algo, como vou me afastar de você? É


minha pequena, minha menina, minha responsabilidade, embora,
maldita seja! Tenha se casado sem minha presença... e sem amor. Que
loucura!

— Vamos lá, papai. Tio Marco me disse que tinham se


encarregado de que Julian não voltasse a incomodar-me, e eu... eu...
não corro nenhum perigo.

— Você sempre corre perigo. Casou-se!

— Papai...

— Raios e centelhas, Francesca! Olhe por onde anda, veio até a


praia. Poderia haver despencado pelo escarpado e...

— Maldito seja, papai... não seja cabeçudo! Nem que fosse a


primeira vez que desço por um escarpado. — O capitão balançou a
cabeça, sem dúvida tinha razão, e sua filha insistiu: — E não mude de
assunto. Você e toda sua tripulação correm perigo ao estar aqui, e sabe
disso.

O homem negou com a cabeça e Alison disse:

— Me escute. Sabe que sei me proteger. Tio Matsuura está a meu


lado. E agora conto também com o amparo de Harald e dos McAllister.
— McAllister? Esse é o sobrenome da família de seu marido?

Ela assentiu e, pensando nele, acrescentou:

— É um bom homem. Você gostará. E me acredite quando te digo


que...

— É loiro e de olhos claros? — Alison assentiu e ele acrescentou:


— Sabia... Eu sabia.

Incapaz de evitar, ela sorriu e seu pai perguntou:

— Esse Harald McAllister sabe quem é realmente?

A jovem não respondeu, e o capitão sibilou ao compreendê-lo:

— Alison Francesca Isobel Marguerite Orquídea, o que fez?

— Certo, papai — murmurou ela ao ver o horror no olhar de seu


pai. — Não sabe.

Ele negou com a cabeça. Mas acaso sua filha tinha perdido a razão
em terra?

— Realmente acredita que, quando o souber, seguirá te


protegendo? — Sibilou.

Ela de novo não falou e no final ele explodiu:

— Pelas barbas de Netuno, filha, como pensou se casar ocultando


algo tão importante de seu marido e de seu clã?! O que acredita que
dirão quando souberem? Quer que te eu diga o que acontecerá?

— Não, papai. Não quero que me diga.

Mas ele respondeu zangado:

— Repudiar-te-á e se afastará de seu lado. Isso, se não te entregar


à Coroa escocesa para que a enforquem.
— Papai! Harald não faria algo assim.

O homem, atordoado e preocupado igualmente, não sabia o que


pensar, e sibilou:

— Se casar não entrava em nosso acordo. Sobre a garrafa e com


a mão no coração, prometeu que passados seis meses retornaria ao
mar. Pensa não cumprir sua promessa?

Ela suspirou. Nos dias que estava casada com Harald tinha
pensado nisso em várias ocasiões, mas, como ainda faltava algum
tempo para retornar, esclareceu:

— Voltarei, claro que o farei. Mas quando expirar o prazo. Nem


um dia mais nem um dia menos. Isso foi o que prometi.

Pai e filha se olhavam quando Gus, junto de Kendall e Marc, que


observavam ao redor, anunciou:

— Maldito seja, capitão! Temos companhia.

Rapidamente Alison empunhou sua katana e sua espada, mas


nesse momento viu que diante deles apareciam Matsuura montado a
cavalo, e logo atrás estavam Harald, Aiden, Demelza, Peter e Thomas.

Sem acreditar, a jovem os observou boquiaberta. Mas o que faziam


aqui?

E quando ia falar, Matsuura interveio:

— Sinto muito, Shensi, mas não restou outro jeito que trazê-los.

A carranca zangada de Harald dizia tudo, e mais quando Aiden,


com a espada na mão como o resto, indicou:

— Nós também ouvimos os assobios. Não foi só você.

Alison amaldiçoou e, continuando, Demelza afirmou:


— Mal, Alison. Muito mal.

Acabavam de lhe mostrar que sabiam dissimular melhor que ela;


a jovem olhou para Thomas e este, com um gesto, indicou-lhe que não
dissesse nada.

Harald desceu de seu cavalo, aproximou-se dela furioso e sibilou


em seu rosto:

— Por todos os demônios... Pensava que estava me enganando?


Acaso me acredita tão idiota para não perceber a sua intranquilidade?
De verdade acredita que esse «provavelmente» que me disse não me tem
feito pensar?

Jack Moore se colocou entre ele e sua filha.

— Não fale assim com Francesca se não quiser que arranque sua
cabeça.

— Francesca? — Zombou Harald com acidez. — Outro nomezinho


novo.

Vendo a expressão zombeteira do gigante loiro, que estava


olhando para ele, o capitão se esticou ainda mais e sentenciou.

— Cuidado com suas palavras ou...

— Ou o quê?! — Bradou Harald sem medo.

O capitão Moore e ele se olhavam quando Jack sibilou:

— Moço, está brincando comigo.

— Velho — disse o viking sem intimidar-se, — me permita dizer


que possivelmente seja você quem esteja brincando comigo.
Surpreso pela força que via naquele homem, o capitão, que
pressupunha que era o marido de sua filha, ia falar quando Harald,
olhando a jovem os observava boquiaberta, disse:

— Alison, não sei o que faz aqui com esta gente, mas vai me
explicar isso.

— Harald...

— Por Tritão! Esta gente... você disse! — Zombou o capitão.

— Papai!

— Papai?! — Perguntaram Aiden, Demelza, Peter e Harald ao


uníssono.

A moça, consciente do que havia dito, ia acrescentar algo quando


Demelza acrescentou:

— Mas não nos havia dito que seu pai tinha morrido?

Aiden assentiu ouvindo sua mulher e, sem afastar o olhar


daqueles desconhecidos, falou:

— Pelo que parece não morreu.

— O morto tão vivo! — Apontou Peter.

E Demelza, olhando para Thomas, insistiu zangada:

— O que não entendo é como seu tio, o governador, seguiu seu


jogo.

Jack olhou o homem que estava sobre o cavalo para depois


perguntar a sua filha:

— Quem é esse governador e por que a mulher diz que é seu tio?

Harald, surpreso, dispunha-se a abrir a boca quando Alison olhou


para Thomas e sussurrou, vendo a que podia acontecer ali:
— Vamos lá, em primeiro lugar, baixem as espadas. TODOS. Aqui
ninguém vai brigar, entendido?

Com receio, todos obedeceram, e em seguida se ouviu chegar


outro barco à praia.

De novo, todos empunharam suas espadas e Alison, ao ver de


quem se tratava, rogou:

— Por favor, baixem as espadas. São meus tios.

— Mas quantos tios tem você? — Perguntou Peter.

Horrorizada por não saber como contar a verdade sem que


ninguém saísse ferido, a jovem repetiu:

— Baixem as espadas. Prometo-lhes por minha vida que ninguém


vai atacar.

— Você nunca promete — soltaram ao uníssono Harald e seu pai.

Isso fez com que ambos se olhassem com curiosidade.

Quando as espadas foram baixadas, e seus tios Roe, Armand e


Marco desembarcaram, Alison gritou furiosa:

— Por Iemanjá! Que diabos fazem aqui?

— Isobel... amore mio, essa sua boca!

— Olhem... agora é Isobel — zombou Aiden.

A jovem, situada no meio do grupo, não sabia o que fazer. Todos


a olhavam receosos. Todos pediam explicações à sua maneira.

A carranca de aborrecimento de Harald era considerável.

— Chegou o momento, Marguerite — disse seu tio Armand, — não


seria ruim se nos apresentasse a seus amigos.
Demelza, tão espantada pelo que via como seu marido, assegurou
olhando a jovem:

— Isso, Marguerite, seria uma excelente ideia.

Horrorizada com a perigosa armadilha que involuntariamente se


originou e na qual ela teria que dar muitas explicações, não soube o
que dizer quando o tio Roy, para ajudar sua sobrinha, se aproximou de
Demelza. Rapidamente Aiden se colocou na frente dela, o outro
estendeu a mão e se apresentou:

— Sou Roe Loewe, tio de Orquídea.

— Por todos os Santos... agora é Orquídea! — Zombou Peter.

Demelza, depois de olhar para Aiden para que se afastasse de sua


frente, deu um passo e, pegando a mão do cavalheiro, disse:

— Prazer em conhecê-lo, Roe. Sou Demelza McAllister. Ele é meu


marido, Aiden, e eles são Harald, Peter e o governador Thomas
McBouden.

Todos se olhavam com desconfiança quando Peter, sem saber o


que dizer, estreitou a mão do homem e disse:

— Imagino que também é o tio de Gilroy, o irmão de... Orquídea.

Ouvir isso fez com que Jack Moore olhasse a jovem e exclamasse:

— Raios e centelhas, Francesca, disse que o caipira do Gilroy é


seu irmão?!

— Papai...

— Pelas barbas enegrecidas de Netuno, o que terei mais que ouvir!


Harald, cujo raiva por tudo aquilo aumentava a cada segundo,
não sabia a quem olhar, e Peter, tão surpreso quanto o resto, perguntou
olhando para uma perturbada Alison:

— Gilroy não é seu irmão?

Ela finalmente negou com a cabeça, quando Aiden, observado


alguém, perguntou:

— O governador McBouden não é seu tio?

Thomas, que observava a situação em silêncio e em um terceiro


plano, aproximou seu cavalo deles e apeou. Aproximou-se de Alison e,
quando sentiu que esta segurava sua mão para protegê-lo, disse
tirando o capuz que usava.

— É obvio que sou seu tio.

Aquelas simples palavras e a visão que ofereceu fizeram que Jack


Moore, Roe, Marco e Armand o observassem durante segundos com
curiosidade, até que Marco sussurrou:

— Não pode ser...

— Impossível — afirmou Roe.

— Mon Dieu — sussurrou Armand.

Alison, que via como eles olhavam para Thomas, finalmente


declarou olhando seu pai:

— Você sempre disse que em certas ocasiões o impossível pode


ser possível, e esta é uma delas. Ele é o governador Thomas McBouden,
embora vocês o conhecessem com o nome de Robert Williamson.

— Como?! — Exclamou Aiden.

— O quê?! — Murmuraram Demelza, Harald e Peter.


O homem, ouvindo-os, olhou-os e, entendendo que devia uma
explicação a eles que em Escócia o conheciam como Thomas, disse:

— Se não se importar, logo explicarei isso.

Todos se olhavam sem acreditar quando Armand sussurrou:

— Robert Williamson...

Alison observou com curiosidade seu pai, que ainda não tinha
reagido, e precisando ser sincera, declarou:

— Papai, tios, Robert é o governador das Highlands. E no tempo


que estou em Escócia contou a todo mundo que sou sua sobrinha para
me proteger e me criar uma nova vida.

— O quê?! — Exclamou Harald atônito.

Alison, sem querer olhá-lo, prosseguiu:

— Quando decidi matar Conrad McEwan...

— O quê?! — Exclamaram a seguir Harald e Peter.

— Não posso acreditar — sussurrou isso Aiden e, ao ver que sua


mulher não dizia nada, perguntou com incredulidade: — Você sabia?

Demelza não disse nada, e Alison finalizou:

— Foi Thomas quem o matou para que eu não manchasse as mãos


de sangue.

Sem mover-se de seu lugar, Jack Moore o olhava desafiante. Os


anos tinham passado para Robert como para ele. Já não eram os jovens
impetuosos que, vinte e cinco anos atrás, despediram-se com rancor
depois da perda de Francesca. Ambos se olhavam em silêncio quando
Alison exclamou:

— Pelas barbas de Netuno, papai, tios... ouviram-me?!


Eles assentiram. Encontrarem-se tinha sido um choque para
todos, e Thomas, consciente de que era ele quem devia dizer algo,
declarou:

— Durante todo este tempo tive notícias de vocês e, é obvio,


também de Alison. Por isso, quando a vi sozinha em Edimburgo, soube
que tinha que ajudá-la. — Nenhum disse nada, e ele prosseguiu: —
Quero explicar que durante o tempo que estive com ela tenho feito de
tudo o que estava em minha mão para protegê-la, cuidá-la e mantê-la
a salvo, embora seja complicado, porque é tão impetuosa e atrevida
como foi sua mãe. — Isso fez sorrir o capitão. — E se matei Conrad
McEwan com minha espada foi para que suas mãos não se sujassem
com o sangue daquele caipira. Sei que esse ato não me redimirá do que
ocorreu no passado. Mas ao menos consegui ajudar e proteger Alison,
coisa que não pude fazer com Francesca e suas esposas.

Jack, Roe, Marco e Armand se emocionassem. As lembranças


eram dolorosas, mas, depois de olharem-se e assentir com a cabeça,
no final o capitão murmurou:

— Como o pai e os tios que somos de Alison Francesca Isobel


Marguerite Orquídea, agradeceremos eternamente, Robert.

— Obrigado — sussurrou ele emocionado.

Alison sorriu. O passado não podia ser mudado, mas sem dúvida
o futuro se podia melhorar.

Então Harald, que cada vez entendia menos, disse dando um


passo adiante:

— Se é para ser sincero, seus problemas não me interessam


absolutamente nada. — E olhando Alison acrescentou: — Se importaria
em me esclarecer que diabo faz aqui e que negócios tem com estas
pessoas que chama «pai» e «tios»?

Ela assentiu e, olhando-o diretamente nos olhos, confessou:

— Meu nome completo é Alison Francesca Isobel Marguerite


Orquídea Moore, não Wilson. Estes são meus tios Roe, Armand e
Marco. E esse é meu pai, o capitão Jack Moore.

Conforme pronunciou o nome, Alison era consciente de como a


expressão de todos mudava, e não precisamente para o bem, e sem
poder mudá-lo continuou:

— E, como já devem ter imaginado, eu sou a tão famosa filha do


pirata Moore.

— A sanguinária Joia Moore? — Perguntou Peter sem poder


acreditar.

Alison assentiu sem hesitar e, ao ver como eles se olhavam


desconcertados, adicionou:

— Mas, calma, não lhes ocorrerá nada porque, apesar do que


ouviram sobre nós, não somos tão ferozes como nos desenham.

— Fale por você, Francesca. Não por mim.

— Papai! — Protestou ela ao ouvi-lo.

Aiden pegou Demelza pela mão e a colocou a suas costas.

— O que faz? — Protestou ela.

Ele a olhou com gesto duro e Alison, vendo aquilo, indicou:

— Precisamente para evitar esse tipo de reações ocultava minha


verdadeira identidade. — E olhando para Harald, que nem sequer
piscava, acrescentou: — Não temo a nada, mas temia isto, seu rechaço
quando soubesse quem em realidade sou.

Sem poder falar, o viking processava toda a informação, e ela


prosseguiu:

— Me apresentar com o nome de Alison Moore teria trazido


infinidade de perguntas e problemas, e por isso decidi mudar o
sobrenome. Eu, gostando ou não, não posso sair por aí dizendo que
meu pai é o capitão Moore. E, embora não me acreditem, porque são
livres para não acreditar, devo lhes dizer que, de todas as barbaridades
que ouvem sobre nós, nenhuma décima parte são verdade.

— Francesca... — murmurou Jack.

— Papai, por favor...

Ver a carranca de sua filha fez com que o capitão calasse e esta
prosseguiu:

— Meu pai, meus tios e eu não somos anjinhos. Não vou negar
que em algumas ocasiões abordamos algum navio e nos defendemos
quando nos atacam ou pretendem nos machucar. Mas tampouco
somos demônios como dizem. E mais, estou convencida de que vocês
tampouco seriam anjinhos se tratassem de defender suas famílias ou
seus pertences, verdade?

— Verdade — assentiu Aiden tentando compreendê-la.

— Dizer que sou Alison Wilson me deu a oportunidade de


conhecê-los sem que me julgassem. Pude ser aceita na sociedade
escocesa e até pude sentir o carinho incondicional quando me
ofereceram um lar e uma casa — acrescentou olhando um Harald que
a observava atônito. — Só em mencionar a palavra pirata o povo se
assusta. Mas, por Tritão, se simplesmente por meu cavalo se chamar
assim tinham medo...! — Demelza assentiu com um sorriso e Alison
continuou: — Entendam que não pude confessar a verdade, mas
tampouco foi fácil para mim os ouvir dizer coisas não muito agradáveis
de minha família. — E, sorrindo, olhou Aiden e falou: — Te asseguro
que nem meu pai, nem meus tios, nem eu saímos matando às pessoas
para utilizar seus crânios como terrina de sopa.

— De verdade dizem essa barbaridade? — Perguntou Armand


surpreso.

— Juro-lhe isso, tio — afirmou a jovem.

— Mon Dieu! — Exclamou o francês divertido.

— Então não é filha de uma sereia? — Zombou Peter.

Alison sorriu e, olhando-o, sussurrou:

— Parece que não, embora nade bastante bem. Mas das histórias
que contam, asseguro-te que é a que mais eu gosto.

Demelza sorriu. Por fim entendia Alison. Sua maneira de falar,


sua falta de informação a respeito de muitas coisas que para ela eram
normais, seu arrojo, sua falta de medo, sua forma de dirigir-se aos
homens, as marcas de seu corpo e, sobretudo, entendia que tivesse
ocultado tudo aquilo.

A ruiva não estava acostumada julgar ninguém. A vida tinha lhe


ensinado a não fazê-lo, mas era consciente de que, se tivesse sabido de
primeira mão quem era Alison, se tivesse sabido que se tratava da
sanguinária filha do pirata Jack Moore, a teria afastado de seu lado.
Por isso, dando um passo à frente, aproximou-se dela e declarou:
— Para mim continua sendo Alison. A mesma Alison de ontem e
desta noite quando jantávamos frente à fogueira, mas teria gostado
muito mais que, quando te perguntava, tivesse me contado isso. Mesmo
assim, entendo o que diz e quero que saiba que sigo estando aqui, agora
e sempre.

Emocionada, a moça se aproximou dela e, depois de abraçá-la


com carinho, murmurou:

— Obrigada...

Aiden assentiu e, olhando a jovem, sorriu-lhe. Peter, por sua


parte, fez o mesmo. Mas, quando ela olhou para Harald, comprovou
que ele a observava com sua habitual seriedade. Sem dúvida ele era o
que pior o estava tomando a verdade, e quando ia falar, seu pai
interveio:

— Alison Francesca Isobel Marguerite Orquídea, acredito que...

— Por Deus, papai... não me chame por todos os nomes! — Sibilou


ela ao ouvi-lo.

O capitão fez um gesto para que se aproximasse, mas esta


rejeitou:

— Um segundo, papai. — E olhando para Harald murmurou: —


Posso falar contigo?

— Com ele antes de mim? — Resmungou o capitão.

— É seu marido — interveio Thomas.

Jack o olhou e sibilou:

— Não estava falando contigo.

— Mas eu estou contigo — afirmou ele sorrindo.


— Se antes foi um tonto — grunhiu Jack, — agora, sendo
governador, sem dúvida tem que sê-lo muito mais.

— Como diria sua filha... provavelmente!

A jovem sorriu e, olhando para seu pai, protestou:

— Papai, por Tritão! Pode se calar de uma vez? Quero falar com
meu marido.

Depois de intercambiar um olhar com Marco, que lhe pediu


prudência, Jack finalmente assentiu e, embora estivesse irritado,
calou.

Harald, desconcertado pela informação recebida, depois de se


afastar alguns passos do grupo com Alison, deteve-se e ela, sem tocá-
lo, cravou seus negros olhos nele.

— Sinto-o — murmurou.

— A Joia Moore?! — Exclamou o viking ainda sem poder acreditar.

— Sim. — A carranca de desagrado de Harald era evidente, e ela


acrescentou: — Sinto não ter sido sincera contigo neste assunto. E,
antes de que siga pensando coisas terríveis sobre mim, aqui tem a
explicação a muitas coisas e de por que não me casei contigo. Sei quem
sou e...

— Pensava em me dizer isso algum dia?

Alison respirou fundo e respondeu com sinceridade:

— Não sei, Harald. Mas só teria que ver como me olha agora que
sabe que sou Alison Moore e não Alison Wilson.

Ele assentiu. Olhou em silencio a jovem que estava diante dele.


Ver seus olhos e entender o desconcerto de seu olhar o fez negar com
a cabeça, e, tentando entender, sussurrou enquanto via como o pai
dela e Thomas pareciam entrar em uma discussão:

— Lembro que disse que tinha sido uma feroz pirata que tinha
sulcado os mares e eu não acreditei. Mas se agora analiso tudo, sua
maneira de ser, sua ousadia, seu vocabulário, você...

— Tão desastrosa sou?

Harald deu um passo atrás para observá-la.

— Alison Moore... É a Joia Moore. Agora entendo tudo.

Consciente de seu jeito, ela não se moveu. Devia aceitar sua


rejeição, e perguntou:

— Agora que sabe quem sou em realidade, quer que...?

— Não.

— E quer que continuemos com nosso matrimônio?

Harald, que estava totalmente desconcertado, cravou o olhar nela


e soltou:

— Não estamos casados.

Ela assentiu. Doía-lhe que o dissesse com aquela crueldade, mas


insistiu:

— Já sei. Sei tão bem como você. Mas quer seguir estando comigo?

O viking, confundido, respondeu olhando-a:

— Não sei.

Os pelos de todo o seu corpo se arrepiaram. Como bem havia dito


seu pai, quando Harald soubesse de quem era, repudiá-la-ia. Afastá-
la-ia de seu lado. Aquilo era o final. E, olhando o braço, sussurrou ao
ver seu pelo arrepiado:
— As fadas me estão avisando. — Harald não disse nada e ela
murmurou: — Me ofereceu um lar sem amor e aceitei pelas crianças.
Elas merecem todo o bem que possa lhes dar.

— Mentiu-me. Ocultou-me quem era e...

— E quero que saiba — o cortou, consciente de que tinha que


dizê-lo antes de partir — que estes dias sentindo seu carinho e sua
dedicação comigo foram os melhores de minha vida. E... e embora o
final fosse o mesmo, voltá-los-ia a repetir uma e mil vezes mais.

Harald, com os pelos arrepiados pelo que ela dizia, assentiu, e


Alison engoliu o nó de emoções que pedia para sair de sua garganta;
vendo que ele nada tinha para lhe dizer, deu a volta e se dirigiu para o
lugar onde seu pai e Thomas falavam.

Jack Moore, ao ver que Alison se aproximava, deixou de falar com


ele e, caminhando para sua pensativa filha, perguntou preocupado:

— Francesca, está bem?

Tomando o controle de seu corpo, ela assentiu, embora em


realidade sentia justamente o contrário. Como ele imaginava, Harald a
tinha rejeitado depois de saber a verdade, e estava sumida em seus
pensamentos quando seu pai se aproximou do viking e,
surpreendendo-o, tendeu-lhe a mão.

— Não nos apresentaram formalmente. Sou Jack Moore, o pai de


sua mulher.

Harald olhou a mão que ele oferecia. Diante dele tinha o mítico e
temido pirata Jack Moore, o homem de que tinha ouvido contar
centenas de desagradáveis história; entretanto, estreitou-lhe a mão
sem medo e disse:
— Harald Hermansen.

— Mas não era McAllister? — Exclamou em voz alta.

Harald negou com a cabeça e Jack, olhando a sua filha, ia


perguntar quando esta gritou zangada:

— Papai, Harald é viking, mas...!

— Casou-se com um pagão? — Perguntou o capitão enquanto


arregalava os olhos.

— Isobel, amore mio, mas o que fez? — Lamentou-se Marco.

Harald soprou e então o capitão Moore ironizou:

— Pelas barbas de Netuno... minha filha casada com um viking!

Sua reação chamou a atenção de todos. De verdade importava a


procedência de Harald para aquele pirata?

De repente, Jack Moore começou a rir. Depois dele os tios de


Alison começaram a gargalhar, e finalmente, apertando a mão de
Harald, que o olhava com seriedade, afirmou:

— Bem-vindo a esta diversificada família. Como pai de Francesca,


lhe...

Mas o viking se soltou de repente e o interrompeu:

— Alison, Francesca ou como se chama sua filha não é minha


mulher.

— O quê?! — Exclamou Jack Moore.

Harald assentiu e, olhando à perturbada jovem, prosseguiu:

— Nunca nos casamos.


Alison fechou os olhos. Agora, inclusive, negava suas bodas. Sem
pensar sequer se a envergonhava.

E então Gus, que como o resto dos piratas ouvia o que ali diziam,
murmurou:

— Bug, como sempre... bagunçando tudo!

— Isobel? É verdade isso? Não é seu marido? — Perguntou tio


Marco.

— Marguerite! — Sussurrou Armand.

Todos olharam de novo para Harald, e este, sem afastar os olhos


da mulher que tinha bagunçado sua vida, acrescentou:

— Mentimos. Não é verdade, Alison?

Jack Moore, ao entender as palavras que sua filha lhe havia dito
antes em referência de que ele não perdeu nada, perguntou:

— Por que me mentiu, Francesca?

— Orquídea... mas por quê? — Quis saber Roe.

Demelza, em ver o desconcerto de todos, ia fazer algo quando


Aiden, entendendo o que acontecia na cabeça de Harald, deteve-a.
Demelza o olhou e este sentenciou.

— Não se mova.

— Mas, Aiden...

— Céu — sussurrou ele, — como homem te asseguro que sei como


Harald se sente. Não force algo que não te corresponde e seja
respeitosa.

Demelza finalmente assentiu. Gostasse ou não, seu marido tinha


razão.
Alison, por sua parte, estremeceu ao sentir que era o centro de
todas os olhares e, vendo a recriminação nos olhos de seu pai e de seus
tios, exclamou:

— Raios e centelhas, não me olhem assim! Embora tivesse me


casado com ele como Alison Wilson, não valeria, porque eu sou Alison
Moore. Como ia me casar?!

Seus tios assentiram, sem dúvida tinha razão, e ela, vendo como
seu pai a olhava, insistiu:

— Papai, entenda-o.

— Francesca, acaba-me de dizer que o am...

— Se cale! — Interrompeu-o.

— Mas...

— Pelo fodido Maud Roak, se cale, papai! — Exclamou.

Não queria que dissesse diante dele e dos outros que amava
Harald quando ele a estava repudiando. E, respirando forte, indicou ao
ver a expressão de seu pai:

— Papai, não queria enganá-lo mais ainda do que já estava


fazendo. Entre o falso sobrenome e que não sabia quem eu era, como
ia me casar verdadeiramente com ele?

— Acabou-se — soltou Jack Moore. — Retornará agora mesmo à


La Bruxa del Mar.

Alison deu um passo atrás e indicou:

— Nem pensar. Ainda restam dias de liberdade.

— Liberdade?! — Perguntou Demelza.

— Que liberdade?! — Interessou-se Harald.


Alison, olhando então sua amiga, declarou:

— Jurei ante uma garrafa com a mão no coração que durante seis
meses viveria em terra, e já tenho...

— Restam...

— Sei os dias que restam, papai — o cortou ela antes de que


dissesse que restavam quarenta. — E sou consciente de que, quando
acabem, devo retornar à La Bruxa del Mar.

Boquiaberto, Harald enrugou o cenho. De verdade pensava partir?


Mas acaso com ela tudo eram mentiras? E, sem poder conter-se,
perguntou:

— Pode me explicar o que pensava fazer com Sigge, Will e Briana


passados esses dias?

Alison o olhou, viu a fúria em seus olhos e, com sinceridade,


respondeu:

— Deixá-los contigo.

— Comigo?!

— Ofereceu-me um lar para eles e eu o aceitei.

Aiden e Peter se olharam surpreendidos e Harald, dando meia


volta desesperado, começou a caminhar para onde estavam os cavalos.

Aquela mulher o enlouquecia. Mentia-lhe. Enganava-o. Depois o


olhava com amor mesmo estando disposta a abandoná-lo com três
crianças.

Mas em que loucura se colocou?


Arrasado, parou ao chegar perto de seu cavalo, e Aiden, depois de
pedir a Demelza um segundo, aproximou-se dele. Ambos se olharam e
o laird perguntou:

— Quer que retornemos ao acampamento?

Harald olhou Alison mordendo o lábio inferior. A moça, rodeada


pelo que era sua família, falava com eles, e respondeu:

— Não sei. Não sei o que fazer.

Aiden, que compreendia seu desconcerto, ia falar quando ele


acrescentou:

— Não só me omite quem é, ainda vai partir e me deixar para


cuidar de três crianças... três!

— Entendo-te — assentiu seu amigo — É uma loucura.

O highlander e o viking se olharam em silencio durante segundos,


até que Aiden perguntou:

— O que vai fazer?

— Com o quê?

— Com Alison.

— Não sei.

— E com as crianças?

Pensar em Will, Briana e Sigge fez o coração de Harald retumbar.


Essas crianças mereciam o melhor, adorava-os, e com uma segurança
esmagadora declarou:

— Comigo terão um lar. Não penso abandoná-los como ela ia


fazer.

— Três crianças são uma grande responsabilidade.


Harald assentiu.

— Sei... Sei... — sussurrou fechando os olhos.

Durante segundos, ambos silenciaram, até que o viking, tentando


entender tudo o que estava ocorrendo, declarou:

— Ingrid nunca me mentiu. Sempre foi honesta e leal.

— Não as compare. Não é justo para elas.

Mas Harald, com a cabeça feita uma confusão, insistiu:

— E ainda por cima Alison é... é... Pelo amor de Deus, é a filha de
Jack Moore!

— Mesmo assim, continua sendo Alison.

Ele assentiu e seu amigo, entendendo a confusão que podia ter na


cabeça, acrescentou depois de olhar a jovem:

— Possivelmente entre onde não me chamam, mas estes últimos


dias junto Alison e as crianças o vi feliz, seguro e sereno pela primeira
vez desde que chegou a Escócia. E isso é porque todos eles, desde a
primeira até o último deles, provocam-lhe esses sentimentos.

Harald assentiu e ele prosseguiu:

— Quando conheci Demelza, ela também me mentiu. Fez-me


acreditar que era escocesa, quando em realidade não era. Nunca pensei
que eu pudesse casar com uma viking. Para mim era impensável, pois,
como bem sabe, um viking marcou meu passado. Mas me acredite
quando te digo que hoje sou eu quem não quer separar-se dela.
Demelza segue sendo a guerreira intrépida que faz com que meu
coração se desboque quando a vejo saltando pelos terraços ou quando
faz coisas inapropriadas. Mas essa é ela. Assim a conheci e isso foi o
que me fez apaixonar. E se te digo isto é porque essa moça que vê aí é
Alison. Tanto faz que seu sobrenome seja Wilson ou Moore. É Alison
e...!

— Aiden — o cortou ele. — Ingrid nunca teria me deixado. Se me


deixou foi porque...

— Sei por que te deixou — o interrompeu seu amigo. — Mas nunca


saberá o que poderia ter acontecido no futuro com ela. Não pode saber
se Ingrid o teria deixado com os anos.

— Não o teria feito.

— Isso não pode sabê-lo.

— Sei. Claro que sei — afirmou ele irritado.

Aiden calou e, olhando para a borda, onde estavam Alison e


outros, sentenciou:

— Vamos lá, Harald. O tempo passa. Ingrid é passado e Alison é


futuro. Ninguém melhor que você para saber que o tempo tem que se
aproveitar. Acredita que conhecer Alison pode valer a pena?

O viking olhou para a borda. Vê-la fazia com que seu coração se
acelerasse. Estava preparado para que partisse? Realmente queria que
o fizesse? E, seguro de sua resposta, respondeu:

— Sim. Vale a pena.

— Pois, amigo, tem alguns dias para esclarecer suas ideias e fazê-
la ver que é contigo que tem que estar e não com seu pai — retrucou
Aiden e, olhando para a praia, sublinhou: — E se não for rápido em
tomar uma decisão, Alison... Francesca... não sei o que mais, vai sentar
em uma dessas barcaças e vai desaparecer de sua vida para sempre. É
isso o que quer?

Harald negou com a cabeça.


Imaginar uma vida sem ela, depois de conhecê-la, atormentava-o.
acostumou-se a ela, mas, sem poder esquecer a sua mulher,
acrescentou:

— Em meu coração está Ingrid.

— Mas em sua cabeça está Alison, verdade? — Replicou Aiden, e


Harald assentiu. — E quem te diz que de sua cabeça não pode passar
a seu coração?

O viking levou as mãos ao rosto. O que devia fazer?

Junto à borda, perto das barcaças, o capitão Moore discutia com


sua filha.

— Alison... Francesca... Isobel... Marguerite... Orquídea... acabou-


se! — Gritou fora de si. — Te disse que, se visse algo inapropriado em
sua maneira de viver em terra, retornaria ao mar comigo. E isto que
vejo é inapropriado! O que faz com esse caipira?! Não vê que esse
homem não a quer?

— Papai, fecha essa bocarra!

Perceber a raiva na voz de sua filha lhe doeu, mas, endurecendo


o tom, ele insistiu:

— Francesca, sou seu capitão e também seu pai, vigia como me


fala!

A jovem, que em sua cabeça parecia ter uma bagunça, e sem


acreditar que Harald tivesse soltado que não estavam casados, olhou-
o; estava claro que saber que era a filha do capitão Jack Moore o tinha
feito tomar uma decisão. Ao ver que ele cobria o rosto com as mãos,
respirou, olhou para seu pai e disse virando-se:

— Tem razão. Retornemos à La Bruxa del Mar.

— Alison — reprovou Thomas, — não diga tolices. Mas que diabo


vai fazer?

— Você se cale! Não é ninguém para opinar — sibilou Jack Moore.

Mas Thomas negou com a cabeça e insistiu:

— Alison e Harald se amam... acaso não percebe, maldito capitão?

Jack o olhou.

— Sempre foste um tolo namorador — Jack soltou. — Onde você


vê amor eu somente vejo desprezo para ela ao saber que seu pai sou
eu. Portanto, minha filha retorna comigo.

— Moça... — falou Matsuura em japonês, — fale com Harald antes


de tomar essa decisão.

— Mas você viu seu rosto quando soube quem sou?

Matsuura assentiu e, incapaz de calar, respondeu:

— Surpreendeu-se, acaso não era para estranhar? Pelas barbas


de Netuno, Shensi, ponha em seu lugar...

Alison negou com a cabeça; os gestos de Harald diziam tudo.

— A decisão já está tomada — respondeu.

— Alison — insistiu Matsuura. — Como sempre te disse, terá que


viver o presente. O futuro... já verá como será.

Ao ver o desconcerto de sua filha, Jack olhou o viking, que falava


com McAllister afastado deles. Durante instantes esperou que ele se
aproximasse. Se amava sua filha do mesmo modo que ele tinha amado
sua mulher, faria qualquer coisa para retê-la. Mas, ao perceber de que
ele não se movia, depois de olhar para Matsuura afirmou:

— Como disse Francesca, a decisão já está tomada.

Demelza, alterada pelo rumo que estava tomando a situação,


apressou-se então em correr para Harald e resmungou:

— De verdade vai deixar que se vá?

— Demelza...

— Harald, maldito seja! O melhor da vida é a própria vida. — Ele


não respondeu, por isso sua cunhada continuou: — Entendo seu
desconcerto. Ocultou-te coisas importantes. Mas, pelas barbas de
Netuno, é Alison!

— É a filha do capitão Moore.

— E Alison! — Repetiu Demelza.

— Isso mesmo lhe disse — afirmou Aiden.

Confundido como tudo em sua vida, Harald insistiu:

— Ora, é Alison, mas partirá, já os ouvi!

— Maldito seja, pois impeça-o! Faço-o por você e pelas crianças —


grunhiu ela e, olhando-o, sentenciou: — De verdade vai permitir que se
vá quando sabe tão bem quanto eu que seu coração pulsa com mais
força desde que ela apareceu em sua vida? Pelo amor de Deus, Harald,
se arrisque e viva! Solte a mão de Ingrid de uma vez e o que tenha que
ser será, mas viva!

O viking olhou para Alison. Vê-la afastar-se o deixava sem


respiração.
Em poucos dias, aquela complicada mulher tinha conseguido o
que no passado Ingrid tinha obtido em anos e, ao ver que se
encaminhava para uma das barcaças, correu como se um ímã o
atraísse para ela. Tinha que detê-la.

Aiden olhou então para sua mulher e perguntou divertido:

— «Pelas barbas de Netuno?»

Demelza, vendo que Harald tinha reagido, sorriu e murmurou ao


comprovar que se aproximava de Alison:

— E se tiver que dizer «Por Tritão» ou «por Iemanjá», di-lo-ei


também.

Sem fôlego, Harald se aproximava da jovem quando seu pai,


ouvindo suas passadas, voltou-se e, empunhando sua espada para ele,
perguntou:

— Aonde diabo acredita que vai?

— Escute...

— Escute, não: capitão Moore! — Recriminou-lhe ele.

Alison se voltou e, ao ver a ponta da espada de seu pai no peito


de Harald, ficou sem respiração, e mais quando o viking disse:

— Escute, ou retira sua espada ou me verei obrigado a empunhar


a minha.

O pirata levantou uma sobrancelha. Ninguém se atrevia a lhe falar


assim, e, quando ia responder, Alison puxou seu braço e sibilou:

— Por Tritão... o que faz, papai? Baixe agora mesmo a espada.

Ele obedeceu depois de pensar e, olhando Harald com gesto feroz,


murmurou:
— Matar-te-ei...

— Se atreva! — Replicou Harald.

Todos os que estavam a seu redor começaram a falar, e dar sua


opinião; então o capitão, depois de intercambiar um olhar com Marco,
voltou a olhar para o viking e perguntou:

— Está me provocando, moço?

— Provavelmente — afirmou Harald sem medo.

Jack Moore assentiu. Logo o olhou de cima abaixo e gritou:

— Francesca, vamos!

— Vocês vão, ela não! — Soltou Harald.

Pai e filha o olharam. Sem dúvida o pagão estava se comportando


com ousadia, mas Harald, que já não se importava com nada, disse
olhando a jovem:

— Podemos falar, você e eu, a sós?

— Não! — Soltou o capitão.

Alison olhou com ferocidade para seu pai por um momento e se


dirigiu ao viking.

— Para que...? Por quê?

Harald, que sentia que seu mundo se desmoronaria se ela


partisse, finalmente respondeu:

— Porque tem que ficar.

A jovem piscou. De verdade havia dito aquilo sabendo quem ela


era?
Jack Moore, ao ouvi-lo, sentiu que todo seu corpo se
revolucionava. Aquele homem, sabendo o que ali foi revelado,
enfrentasse a ele e pedisse aquilo a sua filha era um pouco inédito.

— Enlouqueceu? — Disse então Alison.

Harald afastou a vista do capitão para ela e, tentando sorrir,


afirmou:

— Provavelmente.

Ambos riram e ele insistiu:

— Disse que a loucura era contagiosa, não foi?

— Não vou me casar contigo, Harald — declarou ela enquanto


sentia que o coração pulsava a toda pressa. — Agora que sabe a
verdade, espero que entenda que isso é impensável.

— Mas é cabeça dura — se queixou Thomas, que ganhou um duro


olhar de todos.

E a jovem, disposta que Harald não esquecesse um importante


detalhe, acrescentou:

— Só estarei um tempo em terra.

— Quanto? — Perguntou ele.

Alison o olhou. Restavam quarenta dias, mas, sem vontade de


dizer a verdade, respondeu:

— Dois meses.

Ouvindo isso, seu pai a olhou e murmurou:

— Francesca!

— Se cale, papai! — E, sem afastar o olhar do viking, acrescentou:


— Meu tempo é limitado.
— Nem pensar, Francesca! — Exclamou Jack Moore. — Seu
tempo se acabou!

Harald, ao ouvi-lo, olhou-o e gritou:

— Por Odin! Não sabe se calar uma Santa vez?

— Não fale assim comigo — o repreendeu.

O viking, a quem o medo o tinha abandonado, mesmo sabendo


quem ele era, replicou olhando-o:

— O respeito que recebo é o mesmo que dou.

Zangado, Jack deu então um passo à frente e, quando ia falar de


novo, Alison grunhiu:

— Papai... por favor.

Todos silenciaram, sabendo de que o capitão Moore não era


precisamente conhecido por ser um homem paciente. Mas para Harald
isso não importava. Se importava com Alison, não com ele. E, disposto
a fazer-se ouvir, perguntou:

— Pensa em Will, Briana e Sigge? — Ela não respondeu, e ele


insistiu: — Realmente pretende que seja eu quem lhes explique que
você partiu? Que os abandonou?

A jovem ficou ferida em ouvir isso.

— Se tiver que ficar com as crianças, ficarei! — Continuou ele. —


Dar-lhes-ei um lar e formarei uma família com eles, mas acredito que,
antes de partir, o mínimo que tem que fazer é acompanhá-los até minha
casa, acomodá-los ali e falar com eles.

— Harald, não é fácil e...


— Claro que não é — o cortou ele. — Mas eles merecem uma
explicação. Sua explicação.

A jovem, entendendo que ele tinha razão, assentiu e Harald, lhe


falando com o coração, murmurou:

— Alison, para mim não peço nada, embora não negarei que estar
contigo, como estávamos antes, seria algo bonito. Em troca, te peço que
me ajude a que as crianças vejam minha casa como seu lar e, depois,
o que tiver que ser será.

Ao sentir o olhar de seu pai, a jovem ia falar quando o viking


acrescentou:

— É Alison, não sei seus outros nomes, mais é Moore, filha do


capitão Jack Moore. Sei quem é, como você sabe quem eu sou. Sabe o
que ofereço, e agora sei o que você pode me oferecer. E, sendo sincero
e me deixando levar pelo coração, prefiro esses dois meses contigo que
ficar sem você.

— Ah, Marguerite, me emocionei — murmurou Armand ouvindo


tudo.

Alison estremeceu. Aquelas palavras, procedendo de Harald, eram


toda uma declaração de amor, e, depois de olhar para seu pai, que
parecia que iria explodir, pediu:

— Um segundo, papai.

Depois de intercambiar um olhar com Demelza, que lhe sorriu,


Alison pegou Harald pela mão, levou-o à parte para que ninguém os
ouvisse e, olhando-o, perguntou:

— Por quê? Por que sabendo que...?


Não pôde continuar. Harald, precisado dela, aproximou-a dele
para beijá-la. Aquela boca, aquele corpo, aquele aroma o tinham
totalmente enganado, e quando o beijo acabou, deixando-se levar pelo
que sentia, murmurou:

— Fique comigo esses dois meses e seja minha mulher.

Com o coração pulsando a mil, Alison sorriu.

Seu pai, ao ver que estava se emocionando tanto quanto Roe,


Armand ou Marco, exclamou de repente para descarregar a tensão no
ambiente:

— Pelas barbas de Netuno, Francesca, acaso não está percebendo


de que o que você e esse jovem pretendem fazer é uma loucura?!

E, sem afastar o olhar de Harald, ela afirmou com um sorriso:

— Provavelmente.

Jack balançou a cabeça. Sem dúvida sua filha ia sofrer por amor.
E, disposto como sempre a dizer a última palavra, declarou:

— De acordo, Francesca. Cumprirei minha promessa. Mas depois


retornará a meu lado por bem ou por mal.

Todos o olharam com surpresa. Mas acaso esse homem não


desejava a felicidade de sua filha?

— Como sempre, é um fodido egoísta — grunhiu Thomas incapaz


de calar. — Você, logo você e depois você... Acaso não pensa em Alison
e no que ela precisa?

O pirata o olhou e, sem mover-se, sibilou:

— Fecha essa boca se não quiser que...

— Papai!
O ambiente estava muito tenso. E Harald, consciente de que devia
aproveitar ao máximo de tempo com ela, pegando sua mão se
aproximou do capitão e disse:

— Só os que estão aqui conhecem a verdadeira identidade de


Alison. Ninguém mais pode sabê-lo para preservar sua segurança. E
isso implica que você e seus navios têm que se afastar da costa.
Ninguém deve lhes relacionar com ela ou correrá perigo.

O capitão, comovido e zangado em partes iguais que aquele


homem exigisse coisas em nome de sua filha, ia falar quando o viking
acrescentou:

— Cuidarei de Alison no Keith até que vocês voltem para buscá-


la.

Jack Moore observou em silêncio o rosto de sua pequena. Sua


menina sorria. Estava feliz. Aquilo que ia fazer era uma loucura. Sem
dúvida que sofreria posteriormente, mas, consciente de que devia
cumprir com o que lhe tinha prometido, declarou:

— Irei, Francesca. Mas no dia estipulado te quero na praia de


Cullen porque ali estarei para te recolher.

Ela assentiu e, soltando-se de Harald, abraçou seu pai e


assegurou:

— Ali estarei, papai. Prometo-lhe.

Poucos minutos depois, com lágrimas nos olhos e pela mão de


Harald, Alison se despedia daqueles que amava, incluindo Gilroy, que
tinha decidido retornar ao navio. Matsuura, em troca, preferiu ficar
com ela.
Harald, ainda boquiaberto pelo que tinha descoberto, ao ver a
emoção nos olhos de Alison, perguntou:

— Dois meses?

Ela o olhou. De novo, estava o enganando. Mas, sem querer


diminuir a felicidade que sentia nesse momento pelas coisas bonitas
que ele havia dito, respondeu:

— Sim.

Harald assentiu no momento em que via que Matsuura se


aproximava deles.

Em silêncio, o japonês e Alison impregnaram as mãos com pó ocre


para surpresa de todos e, posteriormente, afastando-se do grupo,
sentaram-se na areia, colocaram as palmas para fora, em frente ao
rosto e Matsuura começou a murmurar.

Demelza, Thomas, Peter, Aiden e Harald, surpreendidos por


aquele ritual que não entendiam, observaram-nos sem pronunciar uma
palavra. Com certeza que aquilo que faziam o japonês e ela era
importante, e quando acabaram e se levantaram, Matsuura esclareceu:

— É nossa maneira de dizer adeus.

Todos assentiram. Harald, por sua parte, não disse nada. Sem
dúvida tinha que aprender muitas coisas dela e, sobretudo, fazer com
que o tempo de que dispunham fosse tão especial que ela rompesse sua
promessa com seu pai.
A felicidade de Alison pela decisão que tinha tomado se refletia em
seu rosto. A jovem sorria, brincava, enquanto os enganava no referente
a sua partida. Estava disposta a aproveitar o quanto pudesse.
Ninguém, à exceção dos que tinham estado na praia, conhecia sua
verdadeira identidade, e Harald e ela decidiram prosseguir com a farsa
de suas bodas. Por que desmenti-lo?

A jovem sabia que tinha que falar com Will e Briana como tinha
pedido Harald, Sigge ainda era muito pequena para entender, mas
decidiu esperar chegar ao Keith para sentar-se com eles e contar-lhe.
Não ia ser fácil explicar as crianças que ao fim de um tempo partiria
para nunca retornar, mas faria todo o possível para que eles
entendessem. Contava com o apoio de Harald, e era agradecida.

Mas a primeira birra de Alison veio no dia em que teve que


despedir-se de Thomas e Regina. Seus caminhos se separariam. Eles
se dirigiam a Aberdeen, enquanto que ela ia ao Keith.

Ter tido e continuar tendo o carinho dos dois era primordial para
a jovem, e, olhando-os, declarou emocionada:

— Sempre os levarei em meu coração.

Regina, comovida, não podia falar, e Thomas perguntou:


— Acaso não vamos voltar a nos ver?

Alison negou com a cabeça. O tempo que restava em terra firme


queria passar com Harald e as crianças, e, segura de si, explicou:

— Quando abandonar a Escócia, não acredito que volte a


retornar. Sabe que os Moore não são muito queridos por aqui.

— Mas agora é uma McAllister. Seu marido é...

— Regina — a cortou ela. — Nem sou uma McAllister e nem estou


casada com Harald. Se menti foi para aproveitar dele tudo o que possa
e para ajudá-lo com que as crianças se instalem em seu lar. E, antes
de que prossiga, me permita te dizer que esse homem nunca me vai
querer como eu desejo, e não precisa que te diga por que, porque já o
sabe.

— Amar-te-á — replicou ela segura de si. — É impossível não te


amar, céu.

Alison sorriu enquanto dava de ombros.

— O coração de Harald está ocupado por outra mulher. Não sou


tão especial nem tão perfeita como ouvi que ela foi. Eu sou a rude e
desumana filha de quem você sabe, e contra isso pouco se pode fazer.

Thomas assentiu. Durante dias tinha pensado como solucionar


aquele assunto, como fazer para reverter todo o mau que se contou
sobre os Moore, mas, consciente de que, por muito que fizesse, sempre
haveria coisas que os reprovaria e pelas quais poderiam ser capturados
e julgados, murmurou:

— Lamento muito não poder te ajudar mais. Nem a você, nem a


seu pai e a seus tios. Mas a realidade é esta. Sinto muito, moça.

Alison assentiu comovida.


— Já nos ajudaste muito, especialmente a mim — disse, e ao ver
como ele a olhava, cochichou: — E que saiba que agora vocês são meus
tios. Vocês assim o decidiram e agora sou eu quem pede que sempre
sejam.

Regina a abraçou emocionada. Separar-se dessa moça, a que


tanto carinho tinha lhe despertado, assim como aos pequenos, era-lhe
mais difícil do que tinha imaginado.

— Estou orgulhosa de ter uma sobrinha tão valente e maravilhosa


— murmurou soluçando.

Entre risadas, ambas se beijaram, e finalmente Regina se afastou


para despedir-se das crianças. Thomas, que tinha observado a situação
em silêncio, sussurrou tão comovido como sua mulher:

— Conheço-a e sei que sentirá muitas saudades, tanto de você


como dos pequenos.

— Direi ao Harald que os leve a Aberdeen sempre que puder.


Estou convencida de que o agradará vê-los como as crianças em estar
com seus tios.

— Os mimaremos! — Zombou ele.

— Eu não gostaria mais que isso. — A jovem sorriu.

Ambos se abraçaram com carinho e Thomas, afastando-a dele,


perguntou:

— De verdade vai retornar ao mar com seu pai?

— Sim. — Alison suspirou.

— Mas, moça... você o ama.


Ela voltou a assentir. Por muito que tentasse, não podia olhá-lo
de outra maneira, e, baixando a voz, acrescentou:

— Mas ele não ama a mim, e eu não compartilho o coração.

Thomas balançou a cabeça desolado. Insistir em algo no qual ele


não podia intervir dava raiva, mas entendendo o difícil que seria para
ela viver com alguém que não a amava, murmurou:

— Se precisar de algo que necessite, agora ou no futuro, aqui


estarei.

— Obrigada — sussurrou emocionada.

Falaram-se sem pronunciar uma só palavra, e ele, olhando


Harald, que tinha sobre os ombros a Briana, disse:

— Essas crianças terão um excelente lar graças a você.

Satisfeita, a jovem seguiu a direção de seu olhar. Harald ria por


algo que Briana dizia, e, apaixonada por aquele homem, afirmou:

— Sua felicidade é também a minha, e sei que Harald será um


bom pai para eles.

Thomas assentiu, mas incapaz de partir sem dizer o que pensava,


acrescentou:

— Merece ser feliz e isso seu pai deveria entender. Imagino que,
se me custa separar de você, mais deve lhe custar a ele. Mas,
precisamente como seu pai é, deveria se animar para que lute por sua
felicidade e não exigir que você retorne a ele.

— Outra vez?

— Mas as crianças...

— As crianças — voltou a cortá-lo ela— estarão bem com Harald.


Ambos sorriram, e Thomas acrescentou:

— É tão cabeça dura como seu pai.

— Os Moore são assim. — Alison suspirou. — E eu lhe prometi


que voltaria e sempre cumpro minhas promessas.

Ele soprou e a seguir a abraçou de novo.

— É uma mulher maravilhosa, Alison Moore. Sua mãe estaria


muito orgulhosa de você.

Alison assentiu com prazer, e Thomas deu a volta e se afastou tão


emocionado quanto ela.

Sem mover-se de onde estava, Alison viu como seus maravilhosos


tios, que tinham aparecido na maturidade de sua vida partiam, e sorriu
ao ver que Evander lhe dizia adeus com a mão. Ela imitou seu gesto,
mas então sentiu que mãos rodeavam sua cintura por trás.

Sem necessidade de olhar, soube quem era; esse tipo de


intimidade gostava cada vez mais.

— Está bem? — Ouviu que lhe sussurrava ao ouvido.

Engolindo o nó de emoções que sentia, porque ela não chorava,


Alison murmurou:

— Sim.

E Harald, feliz porque ela seguisse com ele, sentenciou:

— Vamos. Devemos continuar viagem para o Keith.

A jovem assentiu e, depois de pegar a mão de Briana, que acabava


de agarrar sua perna, ladeada por ela e Harald, encaminhou-se para
seu cavalo. Deviam seguir.
A chegada à fortaleza do Keith, nas Terras Altas, foi um grande
acontecimento. As pessoas que viviam ali estavam felizes pela volta de
seus homens, e Alison aproveitava junto as crianças daquele bonito
recebimento.

Quando entraram na casa de Aiden e Demelza, a jovem ruiva


correu imediatamente para a Hilda, que tinha nos braços a sua
pequena Ingrid. Pegou-a com prazer e a beijou com todo seu amor, até
que Aiden a retirou para beijocá-la também. Depois dele Harald o fez e,
finalmente, Peter. Era evidente que a menina era o centro das atenções.

Demelza, tomando de novo a sua pequena, pegou Hilda pelo braço


e se aproximou de onde estava Alison com Will, Briana e Sigge.

— Alison — disse, — esta é minha pequena Ingrid, e ela é Hilda,


minha mãe.

Satisfeita, a jovem olhou à garotinha que sua amiga tinha nos


braços. Sabia que se chamava assim pela mulher de Harald, e com
mimo sussurrou:

— Olá, Ingrid, mas como é bonita!


A menina se revolveu inquieta, e Alison, cravando os olhos na
mulher que a observava curiosa, sorriu. Ela era a mulher que Demelza
tinha contado que, sem ser mãe, tinha exercido por vontade própria o
papel de mãe da ruiva.

— Prazer em conhecê-la, Hilda — a cumprimentou.

— O mesmo digo, Alison. Bem-vinda ao Keith — retrucou ela e, ao


ver que a pequena Ingrid começava a chorar, disse: — Já procura por
Harald. Quando o vê sozinho quer estar com ele.

Harald se aproximou delas com um sorriso e, pegando à pequena


Ingrid, colocou-a de tal maneira em seus braços que a menina deixou
de chorar. Ao vê-lo, Demelza riu olhando a sua pequena.

— Tanto que a amo e senti sua alta e só tem vontade de estar com
seu tio me parte o coração...

Imediatamente Sigge, que estava com Alison, estendeu os braços


à ruiva, que se apressou em pegá-la, adorado. E então Ingrid, ao ver,
em seguida, reclamou a atenção de sua mãe e todos puseram-se a rir.
A pequena Ingrid não era das que compartilhavam.

À hora do almoço, Aiden e Demelza não permitiram que Harald e


Alison fossem a sua casa sem comer. Rapidamente Hilda, ajudada por
Girda, a criada, organizou a comida e, enquanto a preparavam,
Demelza mostrou seu lar a sua amiga.
Alison percorreu maravilhada a incrível fortaleza. Sem dúvida era
o maior lugar e mais bonito para se viver, e escutou com prazer as
melhoras que Demelza fazia ali desde sua chegada.

Em seu passeio passaram pelo quarto do casal, um bonito e


confortável dormitório com uma grande lareira. Alison, ao vê-la,
aproximou-se e murmurou:

— Sempre quis ter uma lareira, mas em minha cabine em La


Bruxa del Mar é impossível...

Ambas riram e Demelza retrucou:

— Pois já sabe... pede uma a Harald.

— Não acredito que seja muito apropriado pedir nada.

— Por quê?

Alison a olhou. Demelza sabia perfeitamente por que dizia aquilo


e, como não respondia, a viking cochichou:

— Se eu fosse você, pediria sem hesitar!

Sua amiga sorriu e não disse mais.

Pouco depois, quando as duas mulheres retornaram ao salão,


onde todos falavam, Alison se precaveu de que Ingrid chorava.

— O que lhe ocorre?

Hilda suspirou.

— O de sempre — disse. — Acaba de comer, viu seu tio Harald e


não quer dormir porque quer estar com ele.

A seu lado, sobre um poltrona, Sigge, que também acabava de


comer como Ingrid, dormia placidamente, e Aiden, sorrindo ao ver a
pequena, perguntou:
— Por que os bebês não se comportam todos igual?

Demelza riu. Perguntaram-se isso mesmo centenas de vezes. Por


que Ingrid, depois de comer, sempre montava uma boa cena antes de
dormir?

Sorrindo como seu amigo, Harald finalmente se aproximou da


pequena Ingrid e, depois de beijá-la na testa, pegou-a da maneira que
à pequena gostava e sussurrou:

— Meu amor...

Alison gostou de ouvi-lo dizer isso. Que fosse carinhoso com a


menina era extraordinário, mas... alguma vez lhe diria algo parecido?

Morria por ouvi-lo dizer palavras de amor. Era encantador com


ela, mas nunca tinha lhe dedicado uma palavra especial, uma que a
fizesse saber que a amava.

Estava pensando nisso quando o viking disse com a menina nos


braços:

— Muito bem, carinho. Só um pouquinho e depois... vai dormir!

Nem se tem que dizer a pequena deixou de chorar no ato.

Will e Briana, por sua parte, olhavam tudo a seu redor, mas
calados que o habitual. Todo aquilo era novo. Estar em uma fortaleza
como aquela os impressionava muito porque, enquanto viveram com
seus pais, sua casa era uma cabana de barro com um teto, nada que
ver com isso. Peter McGregor, ao vê-los olhar a seu redor, aproximou-
se deles.

— O que lhes acontece?


Briana, que como sempre tentava se ocultar do mundo, sem
afastar-se de seu irmão sussurrou ao ver passar gente que não
conhecia:

— Tenho medo.

Comovido, o highlander perguntou a seguir:

— Por que, querida?

Rapidamente a menina olhou para Hilda e ao resto das mulheres


e os homens que perambulavam por ali, e Alison, ao ler em seus olhos
o medo, apressou-se a dizer:

— Não tem que temer nada, céu.

— Certeza?

Ela assentiu e, depois de olhar para Peter e ver que este sorria,
perguntou:

— Recorda do que Harald e eu lhes contamos de ser um


McAllister? — A menina afirmou com a cabeça

E Alison acrescentou:

— Pois você, Will, Harald, Demelza, Aiden e eu, e como todos os


que vê aqui, somos McAllister, e à família se protege. Portanto, os
medos têm que desaparecer quando estiver com qualquer de nós,
porque a protegeremos, entendido?

— Não esqueça que os McGregor a protegerão também, Alison —


lhe recordou Peter antes de afastar-se.

Briana, com carinha ainda de medo, assentiu e a jovem a pegou


então com carinho entre seus braços. A pequena se refugiou neles e,
depois de lhe dar um carinhoso beijo no pescoço, Alison se sentou junto
de Will e murmurou:

— Este lugar é bonito. Depois de comer iremos a casa de Harald,


que a partir de agora será também a nossa.

— E o lar de Harald é tão grande como este? — Quis saber Will.

— Meu lar — disse ele sentando-se junto a eles com a pequena


Ingrid nos braços— é agora o de todos nós. Por isso eu gostaria que se
referisse a ele como seu lar, de acordo?

Will e Briana assentiram.

— Harald — propôs Demelza, — o que acha se derem uma festa


em sua casa para que todo mundo conheça Alison, Matsuura e as
crianças?

O viking não soube o que dizer, mas Alison afirmou com prazer:

— Seria genial. Assim Briana verá que todos a amam e a


protegerá.

Aiden, Peter e Harald se olharam sorrindo e finalmente o viking


disse:

— Parece-me uma ideia excelente. Assim que tenhamos a casa


arrumada, faremos essa festa. — E, dirigindo-se a seus amigos,
acrescentou: — Corra a voz entre os clãs dos McAllister e os McGregor
de que estão todos convidados a conhecer minha família e que daremos
uma grande festa.

Demelza sorriu orgulhosa. Harald dizendo isso e vendo como


sorria, significava que Alison e as crianças eram muito mais do que se
teria imaginado. Sem dúvida, sua irmã Ingrid estaria feliz.
Depois da farta comida que Aiden e Demelza ofereceram, Harald
e a família que ele já considerava como sua cavalgavam para sua casa
quando, ao chegar a uma colina, ele se deteve e declarou apontando ao
longe:

— Bem-vindos ao lar.

Alison sorriu ao divisar mais à frente diversas edificações situadas


junto a um rio e vários cavalos que pastavam.

— A de pedra cinzenta é a casa principal — explicou ele. — Em


um princípio minha intenção era fazer algo menor, mas Aiden, Peter e
seus homens começaram a trazer pedras e, ao final, converteu-se em
uma espaçosa casa de dois andares.

— Por Tritão, é incrível! — Exclamou Alison surpreendida.

Na vida tinha querido viver em uma casa, nem grande, nem


pequena, e o que tinha diante dela era um sonho feito realidade.

Harald, satisfeito ao ver sua expressão, indicou então olhando o


japonês:

— Matsuura, à direita há uma casa menor. Foi a que utilizei


durante o tempo que demoramos para construir a casa grande, A vê?
— O japonês assentiu e ele continuou: — Tem duas opções. Ou viver
na casa grande com todos nós ou nessa casa que será sua. Você decide.

Matsuura, que como Alison nunca tinha tido nada para ele, pois
quando vivia em La Bruxa del Mar simplesmente ocupava uma parte
de chão para dormir, assentiu espantado e retrucou surpreso pelo
oferecimento:

— O que você ditar estará bem, Harald.

— Não, Matsuura — retificou ele. — O que você quiser.

Comovida por ver a felicidade no rosto do japonês, Alison


interveio:

— Tio Matsuura, acredito que deveria aproveitar do prazer de ter


uma casa só para você. — E, sem mencionar o navio para que as
crianças não o ouvissem, adicionou: — Isso, aonde você sabe, é
impossível de ter.

O japonês se emocionou ao ouvi-la.

— É tua — declarou Harald então. — Não se fala mais nisso.

Alison sorriu e o viking, ao vê-la feliz, apontou com o dedo e seguiu


contando:

— O edifício comprido que há à esquerda é a ferraria, que está


unida às cavalariças, onde criamos aos melhores cavalos que sem
dúvida há em toda Escócia. Eu trabalho na ferraria e... bom, o resto do
terreno que veem é meu por que Aiden McAllister me deu de presente.
Nossos vizinhos mais próximos são os McGregor, e pelo Noroeste os
Campbell.
— Essas terras dos Campbell são as que Peter tem inimizade com
eles? — Harald assentiu e Alison perguntou a seguir: — E conhece os
que vivem ali?

Harald negou com a cabeça.

— Não, porque estão abandonadas. Pelo que parece, na fortaleza


que há nessas terras viveu faz alguns anos Angus Campbell criando
vacas, mas ao morrer passaram a ser de seu filho, a quem nunca vi.

Alison assentiu e contemplou a amplitude dos terrenos que se


estendiam ante eles. Harald acariciou então a cabeça de Will e disse:

— O que acha? Acredita que terá suficiente espaço para correr?

— Claro que sim — se apressou a responder o menino


emocionado.

O viking sorriu e, olhando Briana, perguntou ao ver seu trejeito:

— E porque essa carinha é por que tem medo?

— Porque é muito grande e podem vir as senhoras más.

Comovido, Harald aproximou seu cavalo ao de Alison e, ao ver sua


expressão, pegou à pequena, colocou-a entre seu irmão e ele e, com
segurança, disse apontando a seu redor:

— Ninguém vai vir aqui por você, porque nem eu e nem nenhum
McAllister ou McGregor vai permitir, de acordo, céu?

— Nem eu tampouco — assegurou Alison.

— Nem eu — se uniu Matsuura.

A criança os olhou e, quando esboçou um sorriso, Harald afirmou


feliz:

— Assim eu gosto. Sorria, querida.


O viking continuou adiante com seu cavalo, Alison e Matsuura o
seguiram.

Minutos depois, quando chegaram a casa, Harald apeou. Depois


dele desceu Briana e Will, e quando todos estavam desmontados, ao
ver que Alison olhava a casa, o tio Matsuura propôs:

— Will, Briana, vamos às cavalariças ver os animais.

As crianças assentiram e, quando desapareceu com eles, Alison


se dirigiu a Harald com um sorriso:

— É muito mais do que esperava — e, olhando-o, sussurrou: —


Nunca vivi em uma casa.

— Estou feliz de que você goste.

— É linda.

Harald, comovido como ela olhava tudo, pegou-a então pela mão.

— Vamos. Mostrar-lhe-ei isso.

Entretanto, ao chegar frente à porta de entrada, ele se deteve em


seco.

— O que acontece? — Quis saber ela.

O viking, confundido pelo que tinha pensado, olhou-a. Aquilo que


estava a ponto de propor era algo que nunca tinha podido fazer com
Ingrid, embora sempre tivesse desejado. E, sentindo-se culpado por
pensar naquilo quando não era Ingrid, mas Alison que estava a seu
lado, declarou:

— Sempre ouvi dizer que traz boa sorte cruzar a soleira de sua
casa com sua mulher nos braços na primeira vez.
A jovem gostou de ouvir isso. Nem no melhor de seus sonhos tinha
imaginado que alguém fizesse algo tão romântico por ela, mas Harald,
desprezando a ideia, acrescentou:

— Embora em nosso caso é desnecessário.

Alison se sentiu doída, emocionou-se para nada, e tentando que


não notasse sua decepção, deu de ombro.

— Totalmente desnecessário.

Em seguida ele abriu a porta principal e Alison, seguiu-o.

Aquela casa de dois andares tinha uma enorme cozinha com


despensas, e um grandioso salão de jantar com uma impressionante
lareira sobre a qual se via um escudo em ferro forjado. A moça se
aproximou para examiná-lo e Harald indicou:

— Eu o fiz.

Ela o admirou satisfeita; claramente o viking era muito hábil


forjando o ferro. Ao ver uma inscrição que não entendia, perguntou:

— Está escrito em norueguês?

— Sim.

— E o que diz?

Harald se aproximou e, passando as mãos pela inscrição,


traduziu:

— «Eternamente viverei com sua lembrança».

A jovem assentiu sem necessidade de perguntar a quem foram


dirigidas aquelas palavras. E com certo mal-estar ao pensar que teria
que ver aquilo todos os dias, finalmente deu a volta e deu uma olhada
a seu redor. Olhou os diferentes móveis de madeira escura que estavam
no meio do salão.

— Os fiz trazer da Noruega — indicou Harald.

— Ora...

— Esse aparador pertencia aos pais de Ingrid e Demelza, e este —


acrescentou apontando o banco que havia frente à lareira — Ingrid e
eu o encarregamos para nossa casa.

De novo, Alison assentiu e ele, ao ver sua expressão, continuou


apontando os móveis que havia sem estar colocado em meio da casa:

— Estes os comprei alguns dias antes de partir para Edimburgo.


Hilda me disse que haviam trazido em minha ausência.

Alison se aproximou dos móveis finamente trabalhados. Com


prazer, passeou os dedos pela suave madeira e sorriu.

— São bonitos e delicados. — Harald assentiu satisfeito, e ela


adicionou: — Embora, para meu gosto, excessivamente escuros.

Surpreso por sua matização, ele se apressou a replicar então:

— Ingrid gostava desta cor.

Ouvir isso não era o que Alison esperava. Ingrid outra vez. Mas,
consciente de que não podia queixar-se, pois era a casa de Harald e
não a dela, finalmente sorriu.

De mãos dadas, ambos subiram pela escada que conduzia ao


andar de acima. Feliz e motivado, o viking mostrou os quartos. Todas
eram grandes, todos tinham cama, mas todas estavam vazias e sem
calor.
Ao chegar à última porta Harald se deteve e, olhando-a,
comentou:

— Este é meu dormitório e, se quiser, poderá ser também o teu.

— Se eu quiser?

O viking assentiu.

— Pode escolher entre dormir aqui ou fazê-lo em outro dos


quartos.

— Por quê?

Harald suspirou e, seguro do que dizia, explicou:

— Se dormir aqui, o quarto deve permanecer como está. Não quero


que toque nem mova nada de seu lugar. — Alison piscou e ele
acrescentou: — Lamento ser sincero, mas essas são as regras.

Se a jovem tinha certeza de algo era que queria compartilhar o


quarto com ele e, sem se importar com as regras, declarou
aproximando-se dele para beijá-lo:

— Desejo compartilhar o leito contigo.

Com alegria, beijaram-se na intimidade de que ia ser seu lar a


partir de então e, quando o beijo acabou, Harald comentou rindo:

— Se seguir assim, vou te possuir aqui mesmo, no corredor.

— Pois faça-o! Já sabe que sou pagã para o sexo.

O viking sorriu divertido, mas murmurou afastando dela:

— Cuidado. As crianças podem vir.

— Asseguro-te que os ouviríamos — zombou ela.


Um beijo. Dois. Quatro. O desejo que sentiam um pelo outro era
irracional; Harald, afastando-se, afirmou:

— Nem imagina os esforços que tenho que fazer para não ser tão
louco quanto você.

Ambos riram e, continuando, o viking abriu a porta do quarto.

— E esse sorriso? — Perguntou ao ver a expressão de Alison.

Satisfeita, ela se dirigiu imediatamente para a enorme lareira.


Demelza não tinha lhe contado que no dormitório de Harald havia uma
lareira tão espetacular e, feliz, afirmou:

— Sempre quis ter uma lareira no quarto.

Ele assentiu satisfeito, e quando a jovem viu a bonita banheira de


cobre que havia em uma lateral, cochichou:

— Que preciosidade.

Harald colocou então lenhas na lareira e a acendeu. A casa estava


gelada e precisava esquentar-se. Enquanto olhava os troncos, tentou
asserenar-se. Nunca tinha se imaginado compartilhando sua própria
casa com uma mulher. Entretanto, ali estava, com Alison.

Enquanto ele se ocupava do fogo, a jovem ia caminhando pelo


quarto olhando os móveis que, como os do salão, estavam sem ser
usados. Eram novos, de qualidade e escuros. Claramente Harald tinha
comprado tudo aquilo pensando em Ingrid, e de repente, ao ver uma
tapeçaria pendurada na parede que se via uma paisagem que bem
podia ser a Noruega, comentou:

— Que maravilha!

Harald a olhou e, vendo ao que se referia, contou:


— Ingrid comprou para nosso lar, concretamente para nosso
quarto. Gostava muito dele. E isso também — indicou apontando uma
velha mesa baixa que havia junto à cama. — Ela adorava essa peça
porque tinha pertencido a seus avós.

Alison assentiu irritada. A mesinha baixa estava tremendamente


velha e, olhando uma caixa de joalheiro que parecia de prata que havia
sobre ela, perguntou:

— O que é isso?

Harald olhou por segundos e por fim respondeu:

— As joias de Ingrid. Rogar-te-ia que não as tocasse.

Ela voltou a assentir. Ingrid... Ingrid... Ingrid... Mas como podia


viver rodeado de tantas lembranças?

Em seguida desviou o olhar e, ao olhar a cabeceira da cama, com


certo mal-estar perguntou sentindo que: ou se controlava ou algo não
muito bonito sairia de sua boca:

— Por Tritão, isso o que é?

Harald suspirou ao ver o que ela apontava. Tratava-se do nome


de Ingrid, que uma noite, desesperado, ele tinha gravado com sua
adaga na madeira da cabeceira.

Durante segundos se olharam em silêncio até que o viking


indicou:

— É o nome de minha mulher. Eu mesmo o gravei.

Alison assentiu, sabia ler, e, incapaz de calar, retrucou:


— A risco de receber uma má resposta por sua parte, tenho que
dizer, ou não seria eu, que não é absolutamente de meu agrado estar
em uma casa onde parece viver outra mulher e...

— Alison — a cortou ele de repente. — Te prometi um lar, não


amor. Sabe o que ofereço como eu sei o que você oferece. Não exijo
nada, e espero que você tampouco.

Ouvir isso, e em especial ver seu olhar, doeu na jovem. Como


podia beijá-la com tanto carinho e ao mesmo tempo não entender que
estar rodeada das coisas de Ingrid podia lhe incomodar?

Os dois permaneceram em um tenso silêncio, até que ele, em certo


tom azedo, acrescentou:

— Vai partir dentro de dois meses, acaso esqueceu? — Ela negou


com a cabeça. — Como te disse antes, você decide se quer dormir aqui
ou em outro quarto.

Harald tinha razão. Quem era ela para dizer aquilo quando
partiria ao fim de pouco tempo? Então, esboçando um desconcertado
sorriso, respondeu:

— Tem razão. Me desculpe.

Harald balançou a cabeça sério e ela, disposta a fazê-lo saber que


não havia mais o que falar do assunto, perguntou a seguir:

— Acredita que poderia gravar os nomes das crianças nas


cabeceiras de suas camas? Tenho certeza de que eles gostariam.

Harald assentiu. Era uma excelente ideia.

De repente, Briana entrou no quarto. A alegria de seus passos e


sua risada fizeram o viking trocar sua expressão, e mais ainda quando
exclamou emocionada olhando-o:
— Vi muitos cavalos bonitos.

— Não me diga — murmurou ele.

— Sim. E... e há um muito pequeno.

Satisfeito por ver a cara de felicidade da pequena, ele assentiu.

— É verdade, é da Eesnia. Quando parti estava para dar à luz.

— É branco e muito... muito bonito — acrescentou Briana


superexcitada.

Harald sorriu e, intercambiando um olhar cúmplice com Alison,


disse a seguir:

— Sabe? Esse potro não tem nome.

A menina não respondeu e a jovem, entendendo-o, perguntou:

— Que tal se Will e você pensassem um para ele?

— Sério?! — Exclamou a menina.

— Certamente que porá um nome que ele adorará — afirmou


Harald.

A menina saltou feliz. No tempo que estavam juntos, nem Alison


nem Harald a tinham visto tão maravilhada e, desejosa de mostrar o
animalzinho a Harald, pegou-o pela mão e puxou-o.

— Veem... é bonito! Vamos vê-lo.

Ele abandonou o quarto guiado pela pequena, deixando Alison só


pela primeira vez naquele lugar.

Durante minutos, incapaz de mover-se, seus olhos viam uma e


outra vez o nome de Ingrid. Ela estava presente na casa, e Alison não
estava disposta a competir com ninguém, menos ainda com uma
morta. O que em um princípio tinha parecido boa ideia começava a
fazê-la duvidar, e, incapaz de seguir um segundo mais ali, murmurou:

— Ingrid, sei que você não tem culpa de nada, mas por Iemanjá,
prometo-te que antes me enveneno que voltar a me queixar por nada
que tenha que ver contigo.

E, após dizê-lo, saiu do dormitório e correu atrás deles. Ela


também queria ver o potro.
A noite chegou depressa e, quando as crianças adormeceram
sobre mantas em frente à lareira do salão, que Harald tinha aceso horas
antes para esquentar o lugar, Matsuura comentou deixando sua taça
de lado:

— Vê-los dormir dá paz e tranquilidade.

Com carinho, os três adultos os olharam e o viking disse


levantando-se:

— Matsuura, pegue Briana. Eu levarei Will e você, Alison, a Sigge.

Os três saíram então com os pequenos nos braços.

Alison deitou Sigge em sua cama e, quando retornou ao salão,


voltou a olhar o escudo pendurado sobre a lareira e, incapaz de evitar,
e como se soubesse ler norueguês, murmurou depois de tomar um gole
do vinho de sua taça:

— «Eternamente viverei com sua lembrança».

Claramente Harald não queria esquecer de sua mulher. Desejava


tê-la presente em todos os aspectos de sua vida, e isso a inquietou.
Estava pensando nisso quando Matsuura e ele apareceram de novo no
salão.
— Se não se importam — disse seu tio, — retirar-me-ei para casa
para descansar.

Alison piscou um olho para o japonês e quando este saiu da casa


grande, ficou olhando a lareira em silêncio; então Harald murmurou:

— Matsuura prepara uma sopa deliciosa.

— É um excelente cozinheiro.

— Com o que você me vai surpreender amanhã? — Perguntou ele


a seguir.

Alison o olhou divertida.

— Refere-se a cozinhar?

Ele assentiu e ela respondeu:

— Acaso recorda que em nossos votos incluí que nenhuma vez


cozinharia para, assim, evitar te envenenar?

Harald riu as gargalhadas, é obvio que recordava, e, curioso,


perguntou:

— Dizia de verdade?

— Totalmente — afirmou ela enquanto recolhia o cabelo.

— As mulheres cozinham...

— Eu não. — E, sorrindo, disse: — Mas, calma, durante o tempo


que esteja aqui, tio Matsuura o fará por mim.

O viking assentiu e, como precisava falar com ela longamente,


disse a seguir:

— Agora que as crianças estão dormindo e você e eu estamos


sozinhos, quer me perguntar algo que tenha que ver com a casa ou com
minha vida?
Alison, tentada a lhe perguntar centenas de coisas, pensou.
Desejava saber tudo sobre ele. Mas, quanto mais soubesse, mais teria
saudades depois que partisse, e respondeu:

— Não.

— Não?! — Perguntou ele surpreso.

A jovem deu os ombros e respondeu com sinceridade:

— Eu adoraria saber tudo sobre você, mas acredito que as


circunstâncias não são favoráveis.

Isso incomodou ao viking. Cada vez que recordava que ela teria
que partir, ficava doente. Por isso, evitando dramatizar, retrucou:

— Posso te perguntar sobre você?

Acomodando-se no banco que em outro tempo Harald e sua


mulher tinham encarregado, a jovem afirmou:

— Sim.

— Como é viver em um navio?

Alison suspirou e tomou um gole de sua taça.

— Curioso — respondeu.

— Só curioso? — Ele sorriu.

A jovem fechou então os olhos com graça e ao abri-los respondeu:

— É úmido, em certas ocasiões pegajoso, e os lábios e qualquer


parte do nosso corpo sempre têm sabor de sal. Se tivesse se criado
como eu em um navio terminaria vendo tudo isso como algo normal.
Acostuma-se a estar rodeada de água, a ter sempre a sensação de
umidade na pele. Acostuma-se em dormir em meio de um temporal, a
morrer de calor sob o céu abrasador e a despertar em diferentes portos
do mundo. E embora tudo possa chegar a ser curioso e interessante,
para ser sincera, sempre quis saber o que era viver em terra firme. Em
uma casa como a tua, rodeada de campos verdes e não de mar.

Durante um bom momento Alison falou de suas viagens, de suas


vivencias, e embora em certas ocasiões ele risse pelas coisas divertidas
que contava, em outras, saber que tinha tido que escapar de quem a
queria morta, saltar por escarpados, permanecer horas e horas
flutuando no mar, passar sede até vomitar ou ajudar a escapar das
prisões seu pai ou a seus tios fazia com que se perguntasse como podia
ter vivido assim. Como seu pai tinha permitido que se criasse dessa
forma?

Certos detalhes de como tinha sido a vida de Alison rodeada de


piratas toscos, ferocidade e morte eram complicados de entender, mas
ao mesmo tempo entendia sua independência, sua rudeza em certas
ocasiões e, sobretudo, as marcas que tinha no corpo.

— Alguma vez temeu por sua vida?

Ela negou.

— Não. A verdade é que não.

— Nem sequer um pouquinho?

Com um gesto gracioso, enquanto pensava em certa ocasião em


que fora prisioneira de um pirata que odiava a seu pai, afirmou com
sinceridade:

— Ora, confesso que quando Ali Hafman o Caolho me teve como


prisioneira por dois dias, pensei que dessa não saía.

— Ali Hafman o Caolho?!

Ela assentiu.
— É um pirata árabe que não se dava muito bem com meu pai.
Mas, por sorte para mim, papai e sua frota o abordaram perto da
Madagascar e ele pagou a ousadia de me raptar.

Sem poder acreditar no que ouvia, Harald murmurou:

— Te raptar?

— Ser a filha do Jack Moore faz que o povo te ame ou odeie —


esclareceu ela. — É o que tem se pagar por ser a Joia Moore!

Comovido pelo que revelavam suas palavras, ele perguntou a


seguir:

— Como é ser a filha do Jack Moore?

— É complicado — disse Alison gesticulando com as mãos. —


Papai possui um caráter diabólico e tem muitos inimigos, muitos. E
acredite que não é fácil viver com isso. Mas bem, com tudo se pode se
acostumar. Por alguma razão sou a sanguinária filha do capitão Moore.

Os dois sorriram e Harald, depois de tomar um novo gole de sua


taça, revelou:

— Ainda estou surpreso que essa sanguinária mulher seja você.

Alison ironizou:

— Não me zangue ou o matarei e utilizarei seu crânio para beber


vinho.

Ambos soltaram uma gargalhada.

— Acredita que alguma vez ele pôde se equivocar? — quis saber


então Harald.

— Meu pai?

— Sim.
— Provavelmente — afirmou ela. — Você alguma vez se
equivocou?

— Mais de cem vezes.

Ambos sorriram de novo e a moça acrescentou:

— Meu pai se equivocou uma infinidade de vezes, como eu


também, você e certamente todos. Mas também tem que saber que ele
é muitas coisas mais, embora se empenhe em ocultar de todo mundo
com seus olhares sombrios, sua rudeza e seus gritos. Jack Moore, esse
temível pirata do qual todos dizem coisas horríveis, tem também um
coração, e eu morreria por ele, como sei que ele o faria por mim. E
embora saiba que ser sua filha marcou minha vida, se voltasse a nascer
quereria voltar a ter o mesmo pai.

Comovido pelo que ouvia, o viking murmurou:

— Isso a honra.

— Para mim, até com seus defeitos, é o melhor pai do mundo.


Asseguro-te que ele e os tios foram a melhor parte de minha vida.
Cuidaram-me, mimaram-me, protegeram-me. Repreenderam-me
quando fiz coisas más. Também me premiaram quando as fiz de bem.
E me ensinaram tudo o que puderam ou eu os deixei. E embora às
vezes pegaram pesados em certos aspectos, agora que eu adoro Sigge,
Will e Briana os entendo perfeitamente.

O viking sorriu e perguntou com o coração acelerado:

— Quando falará com as crianças?

— Não sei.

— Mas o falará, verdade?

Sem hesitar, a jovem assentiu.


— Prometi-lhe e o farei. Falarei com eles antes de ir e tentarei que
entendam. Embora sejam crianças, e algo me diz que me odiarão.

Olharam-se em silêncio e Harald, incapaz de calar um segundo


mais, perguntou:

— De verdade você vai partir?

A pergunta e vendo seu olhar, a jovem sentiu os pelos do corpo se


arrepiarem. Desejava dizer que, se ele lutasse por ela, moveria céu e
terra para ficar, mas calou e só sussurrou:

— Harald...

— Me responda.

E, consciente de que era ele quem devia demonstrar, sem


pressioná-la, que merecia a pena que ficasse, afirmou:

— Sim, Harald. Vou partir.

— Por quê?

— Assim o prometi. E sou uma pessoa de palavra.

— Não acredito que no navio de seu pai seja mais necessária que
aqui — retrucou ele. — Aqui estão as crianças.

Alison sorriu e suspirou.

— As crianças se acostumarão a viver sem mim em poucos dias.

— Muito segura a vejo disso.

— Sigge já não se lembra de seus pais, e Will e Briana mal


mencionam aos seus.

— E eu?
As asas do seu coração bateram acelerados. Que perguntasse
aquilo era, como pouco, inédito, e sussurrou esperançosa de que lhe
dissesse o que ela desejava:

— Você, o quê?

Consciente do que tinha perguntado, ele não respondeu, e Alison


retrucou respirando forte:

— Há um coração entre você e eu. E, como disse em certa ocasião,


eu não compartilho corações.

Harald assentiu. Em seu interior percebia como seu mundo ia


mudando dia a dia junto de Alison. Ele passara de não a necessitar
para desejar vê-la a todo momento. Mas, incapaz de dizer por sua boca
o que acontecia em sua cabeça e em seu coração, seguiu calado.

E Alison, tentando que não notasse sua decepção, acrescentou:

— Como disse, eu sei o que você oferece e também sabe o que


ofereço. Portanto, sem exigências nem recriminações, desfrutemos do
tempo que estejamos juntos e façamos com que isto seja algo bonito de
recordar.

Emocionado pela luta que havia entre sua cabeça e seu coração,
o viking se levantou e, pegando a jovem em seus braços, afirmou
enquanto se encaminhava para seu quarto:

— Tem toda a razão. Desfrutemos desse tempo.


Transcorreram vários dias e a felicidade no Keith parecia ser
plena. De uma casa silenciosa tinha passado a converter-se em um
lugar cheio de rebuliço e, sobretudo, de risadas e vozes de crianças.

De um lugar frio e gélido tinha passado a converter-se em uma


casa com o calor de um lar.

Alison aprendeu a conviver com as coisas de Ingrid a seu redor, e


tentava tocar tudo, exceto, o que sabia que tinha pertencido à mulher
de Harald para evitar problemas.

Quase todos os que viviam nas terras dos McAllister queriam


conhecer a esposa do viking e, depois de passar a cumprimentá-los,
quando partiam iam satisfeitos. Alison era encantadora.

Mas o que o povo não via era que, naquela casa, e não só no
coração de Harald, vivia também outra mulher. A casa estava cheia de
lembranças de Ingrid que ele trouxe da Noruega e, embora Alison as
apreciava, de certo modo a entristeciam, pois, em certas ocasiões vê-lo
parado diante deles, olhando-os, a fazia saber que estava pensando
nela.

Uma das tardes em que o viking estava trabalhando na ferraria e


a jovem dava um passeio pelas terras nos lombos de Pirata, estava
aproveitando da paisagem quando viu uma mulher lavando roupa no
rio e, sem parar, aproximou-se dela.

Assim que a mulher ouviu os cascos do cavalo que se aproximava


se levantou a toda pressa e, colocando-se pela cabeça o capuz da capa
que usava, ocultou-se. Alison, ao sentir que podia havê-la assustado,
indicou detendo o cavalo:

— Calma. Sou Alison, a mulher de Harald McAllister. Nada tem


que temer.

A mulher assentiu sem mostrar seu rosto, e ela, apeando, se


aproximou e, ao agachar-se para olhá-la, exclamou surpreendida:

— Pelas barbas de Netuno! Mas o que te aconteceu?

Horrorizada, a mulher não soube o que dizer, e menos ainda


quando ela tirou seu capuz com um rápido movimento. Seu rosto
estava marcado por feridas feias e recentes. Seu suposto pretendente
tinha lhe batido na noite anterior, mas a mulher se apressou a
responder:

— Oh, nada, milady, caí.

— Pois foi uma grande queda — disse Alison olhando-a aos olhos.

— É que sou muito torpe — afirmou ela tentando sorrir.

A moça, observando à mulher, que era maior que ela, de cabelo


vermelho e belos olhos azuis, acrescentou então:

— Você esteve outro dia em minha casa, verdade? — Ela assentiu.


Esteve visitando-os com seu pretendente e outros vizinhos, e Alison
acrescentou: — E se bem me recordo, acredito que a acompanhava seu
marido, não é assim?

— Não é meu marido, é apenas um conhecido, milady.


Sem afastar o olhar dela, Alison avaliava o golpe que tinha
recebido no rosto. Sem dúvida tinha sido um tremendo bofetão pelas
marcas da mão que ainda se viam, e perguntou:

— Como se chama?

— Janetta, milady — disse ela apressada.

— E seu... conhecido?

— Armstrang.

— Armstrang McAllister?

— Não, milady. É Armstrang Sutherland. McAllister sou eu.

Ela assentiu e, incapaz de calar, perguntou:

— E sua família sabe que esse Sutherland a maltrata?

A mulher negou com a cabeça. Para sua sorte ou para sua


desgraça, vivia longe de seus familiares, os evitava para não dar
explicações.

— Não, milady — sussurrou. — Está equivocada.

Alison se aproximou um pouco mais, retirou-lhe o cabelo do rosto


e, vendo as marcas que tinha também no pescoço, insistiu:

— Não, Janetta, não estou equivocada. O golpe que tem no rosto


e as marcas de seu pescoço não foi provocado por uma queda.

— Milady, por favor. — Ela soluçou. — Se Armstrang souber que


mantivemos esta conversa, me...

Sem esperar um segundo mais, Alison pegou suas geladas mãos


e, compadecendo-se, sibilou:

— Esse homem merece ser tratado com a mesma dureza com trata
você.
De repente, a mulher se ajoelhou, começou a chorar com
desconsolo, e Alison, caminhando com ela para uma rocha, fê-la
sentar-se para que se tranquilizasse. Entretanto, enquanto tentava,
descobriu novas lesões nela, e se enfureceu ainda mais.

Janetta não só tinha um olho fechado, a maçã do rosto aberto e o


lábio partido, e além disso, os dedos daquele tirano marcados no
pescoço e, por isso podia ver também, alguns hematomas em distintos
pontos dos braços.

Entre choro, contou tudo a Alison. Pelo que entendeu, a mulher


tinha enviuvado um ano antes. Seu marido, fora Sean McAllister,
morreu em uma briga e, para não incomodar seus pais com uma boca
mais, não tinha voltado para a casa da família e se deixava cortejar pelo
tal Sutherland. O problema era que ele lhe batia a cada vez que bebia.
Saber disso fez amaldiçoar Alison como o pior dos piratas, e Janetta
tentou explicar:

— É minha culpa, milady.

— Como que é sua culpa?

A mulher ruiva, tocando o olho, que doía horrores, esclareceu:

— Armstrang não é um mau homem. É que, quando bebe, perde


o controle.

— Por que o defende? Acaso seu marido Sean te batia?

A mulher fechou os olhos e sussurrou:

— Sean nunca me bateu. Nunca.

— E por que desculpa o Armstrang?

Janetta compreendeu o que queria lhe dizer, e retrucou:


— Milady, já não sou uma jovenzinha. Mal tenho recursos para
viver e ele foi o único homem que se interessou por mim.

Alison, comovida, não sabia o que dizer. Sua situação não devia
ser nada agradável, e, levantando-se, disse:

— Me acompanhe.

— Aonde, milady?

— Vamos ver Harald para contar-lhe ou, se não for ele, Aiden e
Demelza McAllister.

Horrorizada, a mulher se negou. Que seus senhores soubessem o


que lhe ocorria a envergonhava, e suplicou:

— Não. Não, por favor. Não me obriguem a ir.

— Janetta, eles precisam saber o que te ocorre. Eles podem


ajudar.

— Não, por favor. Isso enfurecerá Armstrang.

Sentir seu medo e seu desespero comoveu a jovem, que, olhando-


a, declarou:

— De acordo, não iremos vê-os. Mas vamos a sua casa e...

— Não. Não pode vir a minha casa.

— Por quê?

— Milady, se Armstrang souber que me viram nesta situação...

Alison assentiu ao entendê-la; sua situação era complicada, e o


medo que tinha daquele homem era evidente. Disposta a ajudá-la como
fosse, indicou:

— Pois não fale mais. Virá à minha.


— Mas, milady!

— Janetta — a cortou ela, — só há duas opções. Ou vou a sua


casa para te curar ou vem à minha. Assim como está não vou te deixar.
Portanto, você decide!

Finalmente, a moça, vendo que não tinha escapatória,


acompanhou-a a sua casa.

Um bom tempo depois, quando Alison cuidou de suas feridas na


cozinha, enquanto falavam, a porta se abriu e entrou Matsuura com
Sigge.

— Não sabia que tinha visita — se apressou a dizer o japonês,


que, ao ver o rosto da mulher, sussurrou: — Por Tritão... o que te
aconteceu, mulher?

Janetta, horrorizada pelo modo como aquele estranho homem de


olhos rasgados a olhava, não soube o que responder, e Alison falou:

— Tio Matsuura, apresento Janetta. Janetta, ele é meu tio


Matsuura, e a pequena que nos sorri é Sigge.

Ambos se olharam e Alison, vendo o desconcerto no rosto dele,


explicou:

— Tem um amigo que, como pode ver, não é nada afetuoso com
ela.

— Maldito animal — gritou o japonês.


Horrorizada, a mulher não sabia o que dizer; então ele se
aproximou.

— Janetta, não o permita. Ninguém deve trata-la assim. Merece


respeito, e esse homem tem que respeitá-la. Se não o fizer, se afaste
dele porque não te trará nada bem. Ou acaso pensa viver sempre
assim? — Ao ver que ela não respondia, sem querer ser mais indiscreto
finalmente acrescentou: — Se precisar de algo, aqui estou para te
ajudar.

Comovida, a mulher o olhou e sussurrou com um tímido sorriso:

— Obrigada, Matsuura.

Em seguida, ele desapareceu pela mesma porta que tinha entrado


e Alison deu-lhe razão olhando-a:

— Tio Matsuura tem razão. Não acredito que isso seja vida. Pense
sobre isso.

Janetta assentiu. Mas, sem querer seguir falando, disse ficando


em pé:

— Tenho que ir.

— Esperam-lhe?

— Não, milady — disse a mulher.

Alison assentiu e, não querendo a que ela fosse andando, apesar


de suas queixas, montou em seu cavalo com ela e a acompanhou a sua
casa. Queria ver onde vivia.

Por prudência, e para lhe evitar problemas, antes de chegar a


cabana que ela indicou, deteve o cavalo e, quando ambas apearam,
pediu:
— Amanhã quero vê-la. Preciso saber se suas feridas estão
sanando bem, por isso a espero em minha casa. — A mulher não
respondeu, e Alison, lhe entregando uma bolsinha, e acrescentou: —
Aqui estão algumas ervas. As cozinhe em abundante água e, quando
esta esteja morna, tome várias canecas ao dia. Isso fará que suas dores
aliviem, de acordo?

Com um sorriso, a mulher assentiu e a seguir murmurou:

— Muito obrigada, milady.

Alison lhe disse adeus, embora a seguiu com o olhar com


curiosidade, e quando esta desapareceu no interior de sua casa, a
jovem montou no cavalo e retornou à sua.

Essa noite, sem haver explicado a Harald o que acontecera com


Janetta, Alison estava no dormitório de Briana e Will. Os irmãos,
apesar de ter quartos separadas, tinham decidido que queriam dormir
no mesmo ambiente. Enquanto a jovem contava uma história para que
dormissem, Harald os observava da porta sem ser visto e, satisfeito,
comprovou que Will tinha nas mãos a adaga de madeira que tinha o
presenteado essa tarde.

Desde que as crianças e Alison estavam com ele, sua vida tinha
mudado em todos os sentidos. Os pequenos demandavam seu carinho
e o enlouqueciam com suas carreiras, seu vozerio e suas risadas.
Matsuura e ele se entendiam maravilhosamente bem, e Harald
percebeu a estupenda conexão que o japonês tinha com cavalos. Estava
claro que gostava. Por sua parte, Alison, com sua particular maneira
de ser, embora seguisse sem querer aprender cozinhar, não só se
ocupava da casa e das crianças, mas para além disso alegrava o dia a
dia de uma maneira que nunca teria imaginado.

Divertido, observava-a enquanto contava uma nova história aos


pequenos, que escutavam encantados, ouviu Briana perguntar:

— E a fada então o que fez?

Sorrindo, Alison assentiu e cochichou:

— A fada, consciente de que Lucanello Batiato era um velho avaro,


solitário e resmungão, deu-lhe duas opções. A primeira foi compartilhar
o trigo com seus vizinhos, que eram quem o ajudava a cultivá-lo todos
os anos, e a segunda, ele ficar com todo o trigo que tinha colhido e fazer
desaparecer seus vizinhos.

— E que opção escolheu Lucanello Batiato?

Satisfeita ao sentir que tinha a plena atenção dos pequenos,


Alison lhes piscou um olho e então sorriu.

— Isso fica suspenso para amanhã à noite... Vão dormir!

— Nãoooo — protestaram as crianças.

A jovem, divertida porque estava acostumando-se a ouvindo isso


a cada noite, ia falar quando Harald entrou no quarto e exclamou:

— Alison, por favor, não nos pode deixar assim!

Rindo ao ouvi-lo, e depois de receber um carinhoso beijo dele nos


lábios, quando viu que Harald se sentava na cama com os pequenos,
que se aconchegaram em seus braços, Alison falou suspirando:
— A opção que escolheu Lucanello Batiato foi ficar com todo o
trigo. Mas o que em um princípio pareceu uma excelente ideia, pois
tinha tudo para ele, passados alguns dias começou a lhe pesar sua
decisão.

— Por que, se era o que ele queria? — Perguntou Will.

— Porque, apesar de ser um velho solitário, tinha saudades as


risadas dos filhos de seus vizinhos e o carinho que recebia por parte de
todos eles. E porque, por eles não estar, e estando sozinho não podia
moer todo o trigo colhido e este se estragava.

— Isso lhe aconteceu por egoísta! — Declarou Briana.

Alison assentiu e, depois de intercambiar um olhar com Harald,


que sorria, afirmou:

— Exato. O egoísmo de Lucanello Batiato o fez perceber de que o


bonito da vida não era ser rico de coisas materiais, mas ser rico de
coisas do coração. Precaveu-se de que era mil vezes melhor viver com
o justo e necessário e com quem o amava do que viver nadando na
riqueza, mas só e sem carinho, ajuda e nem amor.

— E a fada fez algo para remediar sua solidão e sua dor? —


Perguntou Harald.

Ela assentiu divertida.

— A fada, vendo como Lucanello Batiato a buscava dia e noite


implorando mudar de opção, bemmmmmm... E agora sim que o resto
da história fica para amanhã anoite. Durmam!

— Nãoooo — voltaram a protestar as crianças.

Alison e Harald sorriram, e o viking, olhando para Briana, disse:

— Pequenina, tenho algo para você.


— Para mim?

— Fecha os olhos — pediu ele.

Maravilhada, a menina rapidamente obedeceu. A tranquilidade de


Briana desde que tinham chegado às terras de Harald era mais que
evidente para todos. Já não se escondia sob as mantas quando alguém
ia visitá-los e, o melhor, já não dizia «tenho medo». Todos estavam felizes
com a mudança que viam na pequena.

Alison viu que Harald tirava uma pequena boneca de trapo de


debaixo da camisa e ela levou as mãos à boca emocionada.

De verdade se recordou daquilo?

Will, feliz, pois sabia que sua irmã ia adorar, sorriu depois de dar
um abraço em Harald; então o viking falou olhando à pequena:

— Já pode abrir os olhos.

Briana abriu e, quando viu uma linda boneca de trapo, sussurrou


em um fio de voz e sem tocá-la:

— É para mim?

Comovido por sua doçura, ele assentiu e, depois de olhar Alison,


que os observava emocionada, declarou:

— Alison e eu queremos que tenha esta boneca. Sabíamos o muito


que gostava de Pousi, mas bem... já sabe o que aconteceu.

A menina observava a boneca sem acreditar. Era linda!

— Vamos, pegue-a. — A animou Harald.

Briana estendeu então as mãozinhas e pegou a boneca de trapo.


A diferença de Pousi, era que esta estava limpa e reluzente; a
aproximou do rosto, deu-lhe um beijo e murmurou:
— Cheira muito bem.

Enternecida por aquilo, enquanto a menina admirava sua nova


boneca Alison se aproximou de Harald e, passando as mãos por sua
cintura, murmurou:

— Te disse alguma vez que você é o melhor dos homens?

Ele sorriu e a beijou nos lábios.

— Eu gosto que você me considere assim — retrucou.

Feliz pelo que aquele homem a fazia sentir, ela o olhava quando
ele disse:

— Tenho algo para você também, mas está no quarto.

Divertida e saber o lugar onde a esperava seu presente, a jovem


cochichou com descaramento:

— Mmmmm... morro para tê-lo.

Ele soltou uma gargalhada, e Briana perguntou:

— Posso chamá-la Pousi?

Harald a olhou e, segurando Alison pela cintura para que não se


afastasse dele, retrucou:

— Querida, pode chamá-la como você quiser. É sua boneca.

Briana olhou Alison e esta, apoiando a cabeça no ombro do viking,


apontou:

— Pousi é um nome bonito.

Aquele instante íntimo entre os quatro emocionou Harald.


Pareciam uma família, eram uma família, e, satisfeito, beijou a testa de
Alison.
Briana os abraçou maravilhada.

— São os melhores papais do mundo — murmurou feliz.

Os pelos de todo o corpo de ambos se arrepiaram. Olharam-se


sem saber o que dizer, e Will, entendendo o aperto que estavam
passando, murmurou dirigindo-se a sua irmã:

— Briana...

A menina, sendo de repente consciente do que havia dito,


sussurrou:

— Me escapou.

Harald e Alison, surpreendidos, seguiam em silêncio quando Will


finalmente disse:

— Briana e eu conversamos e queríamos lhes perguntar se


podemos os chamar «mamãe» e «papai».

Harald e Alison permaneceram de frente a eles, atordoados. O que


as crianças propunham era sem dúvida uma das coisas mais bonitas
que lhes podiam acontecer, já que não tinham sido eles quem tinha
pedido, mas as crianças quem o reclamava.

O viking olhou para jovem. Então, ver seu jeito confundido o fez
reagir e, sorrindo, afirmou:

— Nada gostaríamos mais, Alison e eu, que ser seus pais.

As crianças se jogaram em seus braços para abraçá-los.

Quando o efusivo momento acabou, a pequena olhou para sua


boneca e afirmou:

— Pousi está muito feliz.

Alison, enternecida e confundida, como pôde falou:


— Tão feliz como nós, querida.

As crianças deitaram em suas camas contentes e Briana, olhando


Alison, pediu:

— Mamãe, pode cobrir-me?

Comovida por aquilo, a jovem o fez com carinho. Harald, por sua
vez, cobriu Will, e, depois de dar os beijos de boa noite aos pequenos,
saíram do quarto.

Caminharam pelo corredor em silêncio e, quando estiveram o


suficientemente longe, Alison grunhiu:

— Pelas barbas de Netuno, as crianças me vão odiar!

Entendendo por que o dizia, ele murmurou:

— Alison...

Mas ela, incapaz de raciocinar, insistiu retirando o cabelo do


rosto:

— Isto é uma loucura. Não deveria ter vindo. Teria que ter partido
com meu pai e, embora as crianças tivessem sentido minha falta, com
os dias teriam esquecido e... e agora... Ai, Deus, Harald! Vão sofrer de
novo quando souberem que sua nova mamãe os deixará.

— Pois não os deixe — retrucou ele.

Alison o olhou e, quando ia protestar, Harald se aproximou dela,


pegou-a pela cintura e sussurrou atraindo-a para ele:

— Recorde que te eu disse que tinha algo para você no quarto?

Alison soprou oprimida.

— Olhe, não acredito que seja um bom momento para...


— É obvio que é um bom momento — insistiu ele abrindo a porta
do dormitório.

Sem muita vontade, ela entrou e, quando Harald fechou a porta,


sorriu olhando-a.

— De verdade, Harald — protestou ela, — não estou de humor


para... — Mas, depois de olhar algo que havia junto a lareira exclamou:
— Pelas barbas do Tritão! O que é isso?

O viking, divertido por sua surpresa, respondeu:

— Não saberia te dizer se é uma almofada ou um candelabro.

Alison se aproximou cheia de felicidade ao cachorrinho branco


que dormia em uma caixa e, levando as mãos à boca, emocionou-se.
Sempre tinha desejado ter um cão, mas no navio seu pai nunca tinha
deixado. Estava contemplando-o embevecida quando ouviu:

— Ontem, quando fui à casa de Parker lhe entregar a espada que


tinha encarregado, comentou-me que sua cadela tinha parido
cachorrinhos há dois meses. Recordei que me disse que sempre tinha
querido ter um cão e, bem... já o tem!

Atônita, e sem saber o que responder, Alison o olhava e, pegando-


o entre as mãos, despertou e, quando o cão a olhou, sussurrou:

— É bonito... bonito...

Comovido pelo amor que via nos olhos dela, Harald assentiu com
a esperança de que aquele animalzinho, e as crianças, ajudasse-o de
que ela não partisse, algo que não se atrevia a dizer pessoalmente, mas
que com feitos gritava em cada atitude.

Entusiasmada por aquele bonito presente, Alison afirmou


olhando-o:
— Antes te eu disse que era o melhor dos homens e agora repito:
é o melhor dos melhores!

— Sabia que isto a faria sorrir — disse ele satisfeito.

— Quando as crianças o virem vão ficar loucos — murmurou a


jovem feliz.

Permaneceram sentados ante a enorme lareira do quarto


brincando com o cachorrinho, até que Harald lhe perguntou:

— Como o chamará?

A moça olhou então ao cachorrinho e, divertida, respondeu:

— Tolinho não posso chamá-lo porque esse é você.

— Ora, muito obrigado, tolinha!

Ambos riram e ele acrescentou:

— Posso sugerir algum nome?

— É obvio...

Harald pegou ao cachorrinho entre as mãos.

— O que acha de Tritão? Ao fim e por fim, é uma palavra que você
utiliza frequentemente.

A proposta entusiasmou Alison, que exclamou lançando-se a seus


braços:

— Eu adoro!

Um bom momento depois, ela propôs descer à cozinha para dar


um pouco de leite o Tritão; quando este bebia da terrina que lhe tinha
servido, a jovem protestou:

— Não é justo.
— O que não é justo? — Perguntou Harald.

— Você deu algo de presente a Will, Briana e a mim, e eu não


tenho nada que te dar de presente.

Satisfeito para ouvi-la, ele a atraiu então para si e a beijou.

— Você é meu presente de cada dia. Não preciso de mais.

Algo tão bonito dito assim a jovem adorou, e deu a volta para não
olhá-lo. Que tratasse com atenção as crianças, que lhe desse de
presente Tritão, era maravilhoso, mas Harald seguia sem lhe falar de
amor.

Queria que a chamasse de «querida», desejava ser para ele algo


mais que um simples presente. Estava pensando nisso frente à mesa
onde Matsuura cozinhava quando o viking perguntou:

— O que pensa?

— Não queira sabê-lo — retrucou sem olhá-lo.

Harald deu um passo à frente e de repente ela, voltando-se, olhou-


o. Queria lhe dizer o muito que o amava, o muito que desejava que lhe
dissesse coisas bonitas para que não partisse, mas consciente de que
aquilo era impossível para ele, para tentar tirar a atenção daquele
estranho e complicado momento, colocou a mão em uma terrina que
continha farinha e, antes de que ele pudesse afastar-se, Alison a
lançou.

Com o rosto e o cabelo manchados, Harald a olhou e, sorrindo,


cochichou:

— Bug está brincalhona...

— Provavelmente.
— Tolinha... — sussurrou ele a seguir com o olhar carregado de
desejo.

A jovem sorriu, e ele, em um rápido movimento, colocou a mão na


farinha e a jogou nela. Entre risadas, ambos se sujaram de farinha sem
pensar em nada mais. Aquilo era o que precisavam, simplesmente
aproveitar; então o viking, cheio de desejo, pegou-a entre seus braços
e, depois de beijá-la com autêntica devoção, sentou-a sobre a bancada
da cozinha e a possuiu olhando-a nos olhos depois de levantar sua saia
Assim passaram vários dias dos quais Harald e Alison se
acostumaram a ser chamados «papai» e «mamãe» e que Tritão se
converteu no rei da casa.

O viking, que trabalhava na ferraria e com os cavalos, aparecia na


casa sempre que podia. A necessidade de ver Alison era imperiosa, e
mais quando, evitando as crianças, corriam para o dormitório ou ao
campo para fazer o amor.

Beijar Alison ou que Alison o beijasse lhe dava vida, o fazia sentir
vivo, e embora soubesse que havia um coração entre ambos, pois Ingrid
seguia presente, e que o tempo que tinham para estar juntos era
limitado, ambos tinham decidido não falar disso e simplesmente
aproveitar. Era o melhor.

Passeavam a cavalo, caminhavam segurando as mãos, deitavam-


se para ver as estrelas juntos, e grande parte das noites ficavam
conversando diante da lareira do salão, para posteriormente ir a seu
quarto, onde faziam amor com desejo e paixão.

Cada vez que Harald ia visitar Aiden na sua fortaleza, Alison o


acompanhava para poder passar um momento com Demelza, que ao
saber de Tritão, entre risadas disse Alison que aquilo era uma prova de
amor. Entretanto, ela não entendeu.

A presença de Alison se converteu para Harald em uma


necessidade, algo que gostava e o horrorizava em partes iguais quando
Ingrid aparecia em seus pensamentos. Sentir que estava esquecendo-
a, por uma mulher que ia deixá-lo em breve o fazia dar um passo atrás.

O que estava fazendo? Realmente valia a pena centrar-se em


alguém que ia abandoná-lo?

De sua parte, Alison, sem perceber do que martirizava Harald,


aproveitava do dia a dia sem exigir nada. Dizia que seu marido era
atento, delicado, cuidadoso, gentil, mas nunca lhe dedicava palavras
de amor.

Desejava que lhe dissesse que a amava, que precisava dela, que
não queria que partisse. Ouvi-lo dizer algo assim faria com que ela
enfrentasse seu pai, mas isso não acontecia.

Uma tarde em que chovia a mares, quando a jovem e Matsuura


brincavam com as crianças frente à lareira do salão, Harald entrou e,
depois de agradar Tritão, perguntou:

— O que brincam?

Briana, feliz, rapidamente respondeu:

— De adivinhações.

O viking, ditoso por retornar a seu lar e vê-lo cheio de vida, pegou
à pequena Sigge, que lhe deu os braços imediatamente; falou-lhe em
norueguês e a pequena sorriu, e a seguir ele apontou:

— Sigge e eu também queremos brincar.

— Sigge quer brincar? — Zombou Alison.


Feliz e satisfeito, Harald se sentou junto a sua mulher e, depois
de lhe dar um carinhoso beijo nos lábios, afirmou:

— Isso ela me disse.

Divertida e entusiasmada com aquela amostra de carinho, Alison


deu então uma palmada e exclamou:

— Perfeito! Brinquemos, pois!

— Vamos, mamãe, é sua vez de dizer outra adivinhação! —


Apressou Briana.

Sorrindo por aquela palavra, que agora as crianças repetiam a


todo momento e que lhe enchia o coração, Alison se apressou a
perguntar:

— O que será, será?... O que pode ser, que quanto mais grande se
faz menos podemos ver?

— Eu sei! — Exclamou Matsuura.

Alison sorriu, mas retrucou:

— Nem pense dizê-lo. Deixa que eles pensem.

As crianças e Harald se olharam. As adivinhações que Alison dizia


quase sempre não tinham nada que ver com as quais eles conheciam,
e, depois de dizerem de tudo e como nenhum acertava, finalmente a
jovem indicou:

— A escuridão!

Todos aplaudiram encantados, e a seguir Will perguntou:

— Mamãe, de onde tira essas adivinhações tão estupendas?

Alison sorriu.

— Ensinou-me tio Matsuura. Ele sim que se sabe adivinhações.


— Tio Matsuura, é sua vez! — Apressou Briana.

O japonês, contente por sentir-se um a mais no jogo, sem


questionar, disse pegando o cachorrinho, que estava mordendo sua
mão:

— Muito bem. Lá vou eu! Adivinha quem sou: quanto mais me


lavo, mais suja estou.

As crianças rapidamente olharam Alison e esta, sorrindo,


cantarolou:

— Eu seiiiiiiii...

Matsuura riu. Harald também. Durante um bom momento as


crianças sugeriram tudo o que lhes ocorria e, quando se renderam,
finalmente o japonês disse:

— A água.

Harald, Will e Briana assentiram, e então o primeiro exclamou


divertido:

— Que horrorrrrrr! Isso era justo o que Sigge ia responder.

De novo, todos riram e Matsuura, levantando-se, colocou Tritão


no chão.

— É hora de jantar — anunciou. — Vamos, crianças, à cozinha.

Will e Briana rapidamente se levantaram, e o japonês, ao ver que


Sigge lhe dava os braços, disse pegando-a:

— Para você tenho um purê que vai gostar!

Harald e Alison o observaram partir com um sorriso.

— Contigo ele sempre foi assim? — Quis saber ele.


— Sim — afirmou ela. — Te asseguro que tenho os melhores tios
do mundo.

Harald sorriu, e Alison, desejosa de mimos, sentou-se


escarranchada sobre ele e o beijou com carinho.

— Como foi hoje na ferraria?

Satisfeito por aqueles cuidados, ele passou o nariz pelo pescoço


dela e, quando a olhou nos olhos, murmurou:

— Não tão bem como espero que seja esta noite em nosso quarto...
— Ela sorriu e ele baixou então a voz e acrescentou: — Penso encher a
banheira com água quente e aproveitar junto a minha tolinha preferida.

Divertida, Alison soltou uma gargalhada. Aqueles pequenos


momentos íntimos aproveitava uma barbaridade, e quando ele se
levantou do chão com ela nos braços, perguntou sem soltá-la:

— Acha uma boa ideia?

Ela assentiu e o beijou com paixão.

— Parece-me uma ideia excelente — disse.

Estavam beijando-se com adoração quando ouviram:

— Argggg...

Ao levantar a vista viram Will, que murmurou olhando-os com


cara de asco:

— Por que têm que se beijar tanto?

Surpreendidos, Harald não soube o que responder, e Alison,


deixando-se levar por sua atrapalhação, perguntou:

— Mas, Will, acaso não vê quão atraente Harald é?


O menino não disse nada e, quando o viking a colocou no chão,
esta acrescentou:

— Seu pai é um homem bonito, fornido e...

— Não quero ouvir maissssss! — Exclamou o menino enquanto


tampava os ouvidos.

Divertidos, eles riram quando o pequeno chamou Tritão e a seguir


acrescentou:

— Tio Matsuura disse que venham. O jantar está esfriando.

Depois deu a volta e partiu. Então Alison, introduzindo uma nova


palavra entre eles para ver como Harald recebia, afirmou:

— Querido... que conste que o que eu disse é verdade. É um


homem bonito e atraente e que eu adoro beijar.

Harald, que sorria, franziu o cenho ouvindo a palavra querido. Por


que o tinha chamado assim?

E ela, percebendo como o tinha afetado ouvir aquilo, insistiu sem


dar-se por vencida:

— Posso te perguntar algo?

— Sim.

Com um gesto que o afetou, a jovem soltou a seguir:

— Acha-me bonita?

Espantado, o viking a olhou, e ela, ficando diante dele, deu uma


volta sobre si mesma e declarou:

— Já sei que sou morena e que isso subtrai pontos a seus olhos,
mas você gosta?
Harald sorriu satisfeito. Aquela mulher morena era linda.
Maravilhosa. Seus olhos. Seu sorriso. Tudo nela era digno de
admiração. Mas, incapaz de abrir-se como ela pedia, retrucou:

— Você está bem.

Alison assentiu e, precisando que lhe dissesse algo bonito,


insistiu:

— Só bem?

Percebendo o que ela estava querendo, ele afastou então o olhar


e, fixando-o na inscrição que havia no escudo sobre a lareira que tinha
feito para Ingrid, respondeu:

— Alison... que mais quer?

Irritada por sua frieza, a jovem soltou:

— Pois eu gostaria muito te ouvir dizer algo como «está muito linda
hoje!» ou «que está muito bem hoje!». E tampouco pegaria mal que algum
dia pudesse me dizer alguma palavra carinhosa.

O viking se incomodou e que se apressou a replicar:

— Não sou de dizer palavras carinhosas.

— Isso não é certo. — Harald a olhou e ela acrescentou: — Briana,


Sigge e Ingrid não para de lhes dizer palavras muito bonitas, como
querida, céu, linda ou amor.

— Está com ciúmes do que digo as meninas? — Perguntou ele


divertido.

— Provavelmente. — Afirmou ela sem um ápice de vergonha.

Harald assentiu e franziu o cenho. Sabia que Alison tinha razão.


— É tão difícil dizer-me uma palavra carinhosa ou um galanteio?
— Insistiu ela.

Ele seguiu sem responder, e quando Alison viu para onde olhava,
afirmou sem pensar no que dizia:

— Correndo o risco de discutir, o que não me importa, é claro que,


enquanto ela continuar a ser a dona e senhora da sua casa, da sua
vida e do seu coração, nada mudará.

Sem necessidade de perguntar, Harald sabia a quem se referia.


Pelo tempo que estava vivendo ali, Alison não tinha pronunciado o
nome de Ingrid. Parecia aceitar viver sem tocar nas coisas Ingrid e
quando ia responder ela deixou de sorrir e indicou:

— Vamos, Matsuura e as crianças nos esperam para jantar.

E, sem mais, e sem roçarem-se, ambos caminharam para a


cozinha.

Essa noite, enquanto Harald estava falando com Will em seu


escritório e tio Matsuura colocava Sigge para dormir, Briana penteava
com carinho Alison em seu dormitório, onde Tritão dormia diante da
lareira. À menina adorava entrar ali e, sentadas as duas sobre a cama,
conversavam quando Briana perguntou:

— Mamãe, quando eu crescer, poderei ter o cabelo como o seu?

— Claro que sim. — Afirmou ela. — Crescerá e poderá tê-lo tão


longo quanto o meu.
— Não digo isso. Digo de sua cor. Eu gosto da cor negra de seu
cabelo e quero o meu assim.

Alison sorrir e murmurou:

— Querida, você tem um bonito cabelo vermelho.

— Mas eu quero tê-lo como você. — Insistiu ela. — Agora é minha


mamãe e quero me parecer com você.

Comovida, Alison se voltou com carinho para ela.

— Sua mamãe o tinha vermelho?

Briana afirmou com a cabeça e a seguir a jovem cochichou


sorrindo:

— Posso contar um segredo? — Briana assentiu e ela continuou:


— Eu sempre quis ter o cabelo vermelho como você e sua mamãe,
porque sempre ouvi dizer que as mulheres ruivas são as mais belas,
valentes e guerreiras.

A menina piscou e rapidamente disse:

— Você é essas três coisas.

Enternecida, Alison sorriu.

— Obrigada, querida. — Respondeu, e adicionou: — Tem o cabelo


vermelho e é bonito como foi o de sua mamãe e isso é o suficiente para
que se agrade e honre, como seguramente honrará a ela.

A menina não respondeu.

— Eu tenho o cabelo negro de minha mãe. — Prosseguiu Alison,


— e embora ela morreu quando eu era pequena como passou contigo,
eu gosto de saber que meu cabelo e o dela são idênticos, porque sinto
que isso é algo que ela e eu compartilharemos eternamente. É igual a
você, querida. Sempre compartilhará a cor de seu cabelo com sua mãe,
embora ela não esteja a seu lado, e isso tem que te fazer muito feliz,
entende? — A menina assentiu sorrindo. — E quando crescer poderá
fazer uma infinidade de penteados com ele e...

— Far-me-á você?

Alison sentiu encolher o coração. Saber que em poucas semanas


a menina choraria por sua perda fazia com que doesse até a alma; por
isso a olhou e respondeu o que sempre dizia quando não tinha certeza:

— Provavelmente. — Ambas sorriram, e acrescentou: — Mas se


por um caso eu não fizesse isso, me prometa que amará seu cabelo
vermelho como o de sua mãe e será a menina mais feliz do mundo.

— Prometo. — Declarou Briana feliz.

Alison a olhou nos olhos.

— Recorde, querida. — Sussurrou. — As promessas são para as


cumprir. Entendido?

A menina assentiu; então pequenos golpes na porta atraíram a


atenção de Alison, que, levantando-se da cama, pediu:

— Me dê um segundo.

Ao abrir, viu tio Matsuura, que sorrindo informou:

— A pequena gambazinha está adormecida.

— Estupendo.

— Mamãe, essa é sua caixa de joias? — Perguntou Briana.

Sem olhar, Alison assentiu e a menina insistiu:

— Posso provar esse anel que tanto gosto?

Ela voltou a assentir e Matsuura disse:


— Subi vários baldes de água quente para seu banho como me
pediu.

Alison se apressou a pegar dois deles e disse, então, vendo Tritão


sair do quarto:

— Enchemos a banheira. Harald gostará.

Satisfeito, o japonês a ajudou a encher a banheira de água quente


enquanto Briana brincava sobre a cama com o joalheiro.

— Agora vou dormir. — Disse Matsuura quando acabaram. —


Tudo bem por aqui?

Com prazer e feliz, Alison assentiu e, depois de lhe dar um beijo


na bochecha, respondeu:

— Tudo muito bem. Boa noite.

Quando fechou a porta, Alison se apoiou na mesma e nesse


momento ouviu Briana perguntar:

— Mamãe, estou bonita?

Mas, ao olhá-la, a jovem sentiu o sorriso se apagar. As joias que


a menina usava não eram as suas, e ao ver que se tratava do joalheiro
de Ingrid se apressou a dizer:

— Querida, está linda, mas agora tire-as.

Sem tempo a perder, antes que Harald aparecesse, Alison tirou de


Briana todas aquelas joias que ela nem sequer tinha visto antes. Não
havia tocado aquela caixa de joias para respeitar o pedido de Harald e,
assim que acabou, depois de depositá-lo sobre a mesinha, disse
pegando à pequena:

— Venha, acompanharei a sua cama.


Depois de agarrá-la nos braços, Alison a levou para cama. Will
ainda não tinha chegado, e estava falando com ela quando viu que a
pequena escondia uma em suas mãos. Consciente disso, a jovem se
apressou a perguntar:

— Briana, o que está escondendo?

A menina sorriu e disse lhe mostrando a mão:

— Mamãe, me dê de presente este brinco?

Aquilo tampouco era dela, e quando ia responder a porta se abriu


e entraram Harald e Will. Rapidamente Alison olhou à pequena e,
tirando o brinco das suas mãos, deu-lhe um beijo na cabeça e
assegurou escondendo-o na mão:

— Prometo-te que manhã te darei de presente outro muito mais


bonito.

— Ora! — Exclamou a menina com um sorriso.

Harald e Alison beijaram as crianças e, ao sair do quarto, Alison


se encaminhou para seu dormitório para deixar o brinco em seu lugar;
Harald a pegou e, aproximando-a a ele, perguntou:

— Segue irritada comigo?

Ela negou com a cabeça.

— Não... tolinho. — Cochichou.

Harald sorriu, que, pegando-a nos braços, levou-a até o quarto.


Uma vez ali, depois de empurrar o ferrolho que ele tinha instalado
alguns dias antes para ter intimidade, começou a beijá-la sem soltá-la.
Alison respondia a seus beijos maravilhada, mas precisava que a
deixasse no chão para guardar de novo o brinco que Briana tinha pego,
por isso pediu se afastando dele:

— Um segundo.

— Por quê? — Harald sorriu.

Ela tinha o punho direito fechado para esconder o que guardava,


mas ele a jogou então no ombro de repente e o brinco escapou Alison
de por causa do impulso.

Quando a joia caiu ao chão, o ruído atraiu a atenção de Harald,


que ao vê-lo se deteve. Durante segundos olhou o brinco que tão bem
conhecia, e depois de soltar Alison, se agachou e o pegou.

— O que você faz com isto?

A jovem suspirou e Harald, afastando-se dela, abriu o joalheiro de


Ingrid e sibilou:

— Por que tocou em suas coisas? Acaso não recorda o que te pedi?

— Olhe...

— Disse-te que suas coisas não se tocavam.

— Sei, mas...

Mas o viking, zangado, insistiu levantando a voz:

— Por todos os deuses, Alison, então por que o fez?

A jovem ficou paralisada. Como podia passar de repente de ser


um homem tão doce para estar tão zangado?

Harald, colérico, dirigiu-se para a porta e, retirando o ferrolho, ia


sair quando Alison o deteve.
— Sinto muito. Estava brincando com Briana, pediu-me para
abrir minha caixa de joias, eu disse que sim, sem olhar, enquanto
falava com Matsuura e ela confundiu a minha com a de... sua mulher.

— Ingrid... Ela chama-se Ingrid!

Ela assentiu e retrucou mordendo-a língua:

— Eu sei. Sei perfeitamente como se chama.

Ambos se olharam em silêncio e Alison sussurrou:

— Sempre ouvi dizer por meus tios que os vikings tomavam a


morte como parte da vida, mas sem dúvida em seu caso não é assim,
porque, se fosse, já teria superado a morte de sua mulher.

— Equivoca-te. — Sibilou ele.

— Não, não me equívoco. Se tivesse aceito sua morte, poderia


continuar com sua vida. E não é assim.

Zangado por falar daquele assunto que tanto lhe doía, Harald
grunhiu olhando a porta:

— Repito: equivoca-te. Aceitei-o. Outra coisa é que me negue a


esquecê-la. Ingrid era linda, maravilhosa. A mulher mais bonita, doce
e carinhosa que...

— Basta! — Ordenou-lhe Alison de repente.

A ordem o surpreendeu. Se olharam em silêncio, até que ela,


tentando acalmar a raiva que sentia, murmurou:

— Sinto que Briana pegou esse brinco. Tentarei que não volte a
acontecer.

— Só que tente não serve.


Isso não era justamente o que a jovem precisava, e, incapaz de
seguir contendo sua fúria, respondeu:

— Não me servem muitas coisas tuas, mas olhe, aqui estou!

A expressão de Harald mudou e ela sentenciou:

— Eu não tenho nenhum interesse nas joias que pertenceram a


Ingrid; primeiro, porque tenho as minhas próprias e, segundo, porque
são suas e eu não as quero. Mas não esqueça que agora vive em uma
casa com três pequenos, e as crianças são curiosas. Tudo olham. Tudo
querem ver. Tudo tocam.

— O que quer me dizer com isso?

— Quero dizer que se essa caixa brilhante e reluzente continuar


aí — indicou apontando a mesinha, — tenha por certo que, quando
entrarem neste quarto, chamará sua atenção e voltará a acontecer. A
vão abrir de novo você goste ou não.

Nenhum dos dois se moveu. Ambos estavam irritados pela


situação, e Alison, jogando-se por cima da camisa uma pele que era de
Harald, pegou o pomo da porta e acrescentou:

— E agora prefiro sair um momento para que tanto você como eu


nos acalmemos. Porque te digo uma coisa: tenho paciência, mas sinto
que contigo, e em relação a certos assuntos, estou a ponto de estourar.

E, abrindo a porta saiu do dormitório.

Harald, atordoado, não se moveu e, quando a porta se fechou,


percebendo o mal que fizera, aproximou sua testa desta e, zangado,
deu-lhe uma cabeçada.
Depois de dar um passeio pelos arredores abrigada com a pele de
Harald, que cheirava a ele, Alison decidiu retornar à casa, onde Tritão
saiu para recebê-la.

Ao entrar no salão, olhou em direção à lareira. Ver o escudo que


Harald fizera para recordar de sua mulher revolveu seu estômago.
Enquanto ele vivesse rodeado de todas aquelas coisas, nunca poderia
continuar um novo caminho.

Durante um momento se esquentou ante o fogo da lareira e,


quando sentiu que seus nervos por fim se acalmaram, e vendo o
cachorrinho dormindo decidiu subir ao quarto. Certamente Harald
estaria dormindo.

Entretanto, surpreendeu-se ao abrir a porta e vê-lo dentro da


banheira.

Como era de esperar, os olhos de ambos se encontraram e Alison


ficou parada na porta. Olharam-se e ele estendeu a mão e disse:

— Estava te esperando.

Sua voz...

Seu jeito...
A jovem já estava o conhecendo, e sabia que nesse instante ele
estava comedido e calmo. Como ela. Mesmo assim, não se moveu de
onde estava.

Harald, atormentado por quão mau fazia as coisas, levantou-se


nu da banheira e saiu dela. Depois de pegar um cubo de água que se
esquentava na lareira, jogou-o na banheira e, assim que o deixou no
chão, insistiu:

— Vamos... veem.

Desta vez ela não resistiu. O magnetismo que o viking desprendia


a fez caminhar para ele. Uma vez a seu lado, levantou a cabeça para
olhá-lo e ele, surpreendendo-a, sussurrou:

— Sinto muito, Alison.

Os pelos de todo o corpo se arrepiaram. Se Harald começasse a


perceber de que possivelmente errava em certas coisas era algo bom
para todos, mas especialmente para ele, e, aproximando-se, beijou-o.

Com carinho, lentidão e desejo se beijaram durante muito tempo


enquanto ela deixava cair a pele que usava ao chão. Harald tirou então
sua camisa e, quando esteve nua como ele, pegou-a em seus braços e
entrou na banheira.

Ao sentarem-se, Alison recostou as costas em seu peito.


Permaneceram assim até que de repente ele disse:

— Sei que não sou de tratamento fácil, e menos quando se trata


de Ingrid. Mas nunca te menti. Sempre fui sincero contigo no que se
referia a esse assunto.

Alison assentiu. E, sem olhá-lo, só notando suas mãos em seu


corpo, respondeu:
— Eu sei...

De novo, o silêncio entre ambos se fez eterno, e ele sussurrou


então baixando a boca até seu ouvido:

— Me possua.

A jovem gostou de seu pedido. Não queria outra coisa que possui-
lo, senti-lo seu, só dela, e, virando-se na banheira, Olhou-o nos olhos
e, pondo suas mãos molhadas sobre o rosto dele, sorriu.

Harald enlouqueceu ao vê-la sorrir. Ninguém, absolutamente


ninguém mais, tinha aquele sorriso. Pensou em dizer-lhe, em fazê-la
saber que para ele era bonita, linda, maravilhosa, mas as palavras não
saíam; então ela aproximou seus lábios dos dele e o beijou.

Um beijo...

Dois...

O que Alison o fazia sentir quando o beijava, tocava-o, olhava-o,


era tremendamente especial. Desejava possui-la, beijá-la, amá-la.
Desejava tudo dela, mas não sabia por que ainda era incapaz de fazê-
lo com tranquilidade.

A intensidade do momento subia por segundos quando o viking


fez um gesto para dar a entender que ele conduziria a relação. Não
obstante, ela se sentou de repente escarranchada sobre ele e
murmurou:

— Pediu-me que o possuísse e isso irei fazer.

Ele sorriu e ela, com prazer por ver aquele sorriso tão bonito,
sussurrou:

— Tolinho...
O sorriso do Harald se estendeu mais ainda.

Mais beijos...

Mais carícias...

Mais ofegos...

Sentada sobre ele enquanto o olhava nos olhos, Alison introduziu


seu membro e, agarrando-se a seu pescoço, começou a mover os
quadris com decisão. Harald estremeceu, aquilo o enlouquecia.

— Fecha os olhos e desfrute, meu amor... divirta-se. — A ouviu


dizer.

O viking a atendeu enquanto tremia como uma folha.

A intensidade dos movimentos de Alison aumentou, e mais


quando começou a mordiscar deliciosamente a orelha. Sabia que ele
gostava muito disso. A água da banheira se derramava pelas bordas
por causa dos movimentos da jovem, mas nenhum dos dois se
importavam. O único que contava era o momento, a diversão, o alívio.

Excitada de como gozava com o que fazia, Alison se deixou guiar.


Harald era dela. Naquele instante, naquele momento, era dela, não de
Ingrid, e desejosa de fazê-lo saber, possuiu-o com decisão.

Durante um momento, o prazer, a loucura e o êxtase se


apoderaram de ambos, até que a jovem sentiu as mãos dele se
ancorarem com força a sua cintura. Afastando a boca de sua orelha,
Alison o olhou e arrepiou-se quando ele, tomando as rédeas da
situação, sussurrou incinerando-a com seu olhar azul:

— Agora é sua vez, feche os olhos e desfruta... meu amor. Divirta-


se.
Ouvir esse «meu amor» a arrepiou de novo. Era a primeira vez que
lhe dizia e, sem poder evitá-lo, fechou os olhos e sorriu.

Ela aproveitava...

Ele aproveitava...

Ela ofegava...

Ele ofegava...

A conexão que havia entre ambos, e não só no sexo, era


maravilhosa. E quando alcançaram o clímax e seus corpos se
estremeceram ao uníssono, ao ficar abraçados na banheira, Harald,
satisfeito, sussurrou beijando o pescoço molhado da jovem:

— Deixa-me louco, Alison. Louco.

Ela sorriu. Não só tinha feito amor com gosto e deleite, mas ele a
tinha chamado de «meu amor». Por isso, olhando-o como de costume se
olha alguém a quem ama na sua vida, Alison Moore declarou incapaz
de calar:

— Amo-te...

Harald sentiu parar o coração. Tinha ouvido bem?

Alison, reconhecendo o que havia dito e da carranca de


desconcerto dele, sussurrou tentando brincar:

— Assim como nunca prometo o que não sei se poderei cumprir,


quando tenho algo a dizer ou digo ou estouro. E, sim, Harald. Te amo.
Me apaixonei por você. Mas, calma, eu sei o que você me oferece e não
vou exigir nada.

Boquiaberto por aquela revelação, que não esperava, o viking


respondeu como pôde:
— Não... não sei o que dizer.

Suspirando pela boca aberta que era, Alison assentiu. Por que não
aprendia a controlar suas palavras? E, consciente de que já não podia
contradizer-se, acrescentou:

— Há um coração entre você e eu e isso sempre será assim. Não


te peço nada. Não te exijo nada. Mas, Harald, eu não sou como você.
Eu vivo o presente, e o manhã... verá como será. Depois de te possuir
e me sentir possuída por você, necessitei te dizer o que sinto. E, embora
nosso tempo de estar juntos se esgota, quero que saiba que estes dias
contigo em sua casa, com as crianças e Tritão, serão o tesouro mais
bonito que guardarei em meu coração para o resto de minha vida.

O viking assentiu comovido. Não esperava que a jovem se


apaixonasse por ele e tampouco aquela franqueza de sua parte. Ele
sentia algo por ela, algo que ainda parecia difícil definir, e murmurou:

— Alison, eu...

— Não. Não diga nada.

— Por quê?

Com carinho, retirou o cabelo dele molhado do rosto.

— Porque será melhor.

E, sem deixar que dissesse nada mais, beijou-o com desejo e,


segundos depois, fizeram de novo amor.
Passaram vários dias depois da revelação de Alison mas não
voltaram a falar disso, já que Harald evitava. Saber que o amava lhe
agradava, mas ao mesmo tempo o desconcertava. Tinha tanto tumulto
na sua cabeça e em seu coração que começou a duvidar de tudo.
Inclusive de si mesmo.

Alison, ao notar que ele não se sentia bem e pensando que era
uma boca grande por haver dito aquilo, se calou. Era o melhor.

Uma manhã, depois de uma noite em que Harald e Alison


aproveitaram de seus corpos, primeiro na cozinha e mais tarde em seu
quarto, quando Alison despertou se encontrou sozinha naquela casa
tão bonita. Recordar a noite de paixão que tinha vivido com o viking a
fez sorrir, até que seus olhos se encontraram com a tapeçaria que
Ingrid tinha comprado em vida com ele.

Afastando a vista daquilo, que a cada dia lhe incomodava mais,


levantou-se da cama e, de repente, sentiu uma dor na perna. Ao olhar-
se viu que tinha uma lasca cravada na coxa e se apressou a tirá-la.

Depois de limpar o sangue, olhou na mesinha velha e frágil que


Harald tinha contado que pertencera aos avós de Ingrid. Em realidade
era bonita, os desenhos lavrados na madeira eram finos e delicados,
mas estava muito danificada.

Então Alison, olhando a madeira da mesinha e vendo que havia


mais estilhaços que podiam cravar-se em qualquer pessoa, murmurou
convencida:

— Arrumar-te-ei. Ficará como nova e assim evitaremos futuras


feridas.

Depois de vestir-se, desceu a tomar o desjejum. Estava faminta.

— Bom dia, Shensi. — A cumprimentou Matsuura. — Pelo seu


rosto vejo que tem fome.

Divertida por ver o rosto pícaro dele, depois de aproximar-se da


manta onde estava Sigge e ver que dormia calma, Alison retrucou:

— Só direi que... provavelmente!

Matsuura sorriu. De repente, ouviram-se golpes na porta da


cozinha e este se apressou a abrir. Era, Janetta, que os tinha visitado
em várias ocasiões nesse tempo.

— Que alegria voltar a ver-te. — Cumprimentou o japonês


sorrindo.

Ela, sobressaltada pelo cavalheirismo do homem, ruborizou-se e


sussurrou:

— Vim... ver à senhora.

Matsuura assentiu e, com uma especial galanteria que deixou


Alison sem palavras, ouviu-o dizer:

— Por favor, Janetta, entre. Ela está aqui.


A mulher entrou na cozinha e Alison, feliz de voltar a vê-la, falou
depois de abraçá-la:

— Seu rosto está melhor a cada dia. Desapareceu a dor?

A mulher sorriu.

— Milady, asseguro-lhe que as ervas que me deu para acalmar as


dores eram boas.

— Estupendo!

Sentadas à mesa, Janetta e ela estiveram conversando com


tranquilidade durante um momento, até que Alison perguntou:

— O que acha vir todos os dias para nos ajudar com a casa e as
crianças? — Surpreendida, a mulher a olhou, e Alison, pensando que
seria bom que as crianças tivessem uma mulher por perto quando se
fosse, acrescentou: — Falarei com Harald, a pagaremos. Acredito que
seria algo que beneficiaria a ambas as partes, não acha?

A mulher assentiu. Trabalhar cuidando das crianças daquele


casal sem dúvida era algo maravilhoso, e afirmou:

— Parece-me muito bom, milady.

— A mim também. — Declarou Matsuura.

Satisfeitos, continuaram conversando sobre aquilo até que


Janetta, notando o que o japonês fazia, perguntou:

— Milady, o que ele faz?

Depois de olhar e observar a que se referia, Alison rapidamente


respondeu:

— Prepara a comida.

A mulher piscou surpreendida.


— Ele prepara e não você?

Alison assentiu e, baixando a voz, acrescentou:

— Se não quisermos morrer envenenados, é melhor que ele faça.

Abertamente à mulher riu. Will e Briana entraram correndo na


cozinha seguidos de Tritão e, depois de cumprimentar com um sorriso
Janetta, que já tinham visto em outras manhãs, aproximaram-se de
Alison.

— Mamãe. — Disse a pequena, — Tio Matsuura irá pescar quando


acabar de cortar a verdura; podemos ir com ele?

Ela, com prazer ouvindo que a chamava desse modo, sorriu e


afirmou:

— Claro que sim.

As crianças aplaudiram contentes, e Alison, olhando-os, disse


pegando Tritão nos braços:

— A partir de agora Janetta virá todos os dias e nos ajudará a


cuidar de vocês. O que acham?

Will e Briana olharam à mulher e, ao ver que ela sorria, o menino


respondeu:

— Me parece bem.

E Briana, com sua boneca nas mãos, apontou:

— Pousi e eu gostamos.

A mulher se emocionou e sorriu feliz, e então Alison, soltando ao


cachorrinho no chão, quis saber:

— Will, Harald está na ferraria?

— Sim, mamãe.
Acostumar-se a ouvir isso era bonito e fácil e, vendo que eles iriam
sair, acrescentou:

— Digam-lhe que quero vê-lo. Preciso falar com ele.

— Certo! — Disse o menino saindo com sua irmã perseguidos de


novo por Tritão.

Matsuura, Janetta e Alison conversaram sobre o tempo em


Escócia, e a mulher, satisfeita ao sentir a felicidade que se respirava
naquela casa, comentou:

— Não há nada mais bonito que a risada de um menino. — E,


vendo Sigge dormir, levantou-se e sussurrou: — Milady, me permita
dizer que têm filhos bonitos.

Comovida pelo que ouvia e por que para ela supunha dizer isso,
Alison respondeu:

— Obrigada, Janetta.

Nesse instante Harald entrou na cozinha. Como sempre, sua


presença se impunha. Deteve-se surpreso ao ver a mulher que por
alguns dias tinha visto passar ao longe, e Alison falou:

— Harald, ela é Janetta. Janetta ele é...

— Seu marido, Harald. — Finalizou a mulher.

Com um sorriso, Alison assentiu, e Harald, aproximando-se dela,


perguntou:

— Por todos os deuses... o que aconteceu com seu rosto?

Janetta baixou o olhar. A cicatriz dificilmente desapareceria como


os hematomas, e Alison, para tentar dar uma mão, interveio:

— Caiu: escorregou na borda do rio e se machucou com as pedras.


— Sou muito torpe, meu senhor. — Afirmou a mulher.

Harald assentiu. Sabia que o que Alison dizia era mentira, mas
sem querer ser indiscreto, adicionou:

— Cuide bem dessas feridas, de acordo?

— Sim, meu senhor.

Alison, agradecida pela discrição do viking, olhou-o, e este,


aproximando-se dela, deu-lhe um quente beijo nos lábios e comentou
olhando-a:

— Will me disse que queria ver-me.

A jovem assentiu.

— Acabo de contratar Janetta para que venha todos os dias e nos


dê uma mão com a casa e as crianças; acha que é uma boa ideia?

— Parece-me estupendo. — Afirmou ele. Sem dúvida a ajuda da


mulher seria muito bom.

Janetta e Alison se olharam felizes e a morena comentou:

— Há um móvel que quero arrumar. Sempre gostei de trabalhar


com madeira e queria te perguntar se tinha algum inconveniente que...

— Bom dia!

Com a voz de Peter McGregor, todos se voltaram, e este, com seu


maravilhoso sorriso, comentou:

— Mmmm... Matsuura, esse caldo que está preparando cheira


muito bem.

O japonês sorriu.

— Pois quando acrescentar o peixe, melhor cheirará!


Todos riram e Peter, notando Janetta, murmurou:

— Pelo amor de Deus, mulher, o que te aconteceu?

Ela baixou a cabeça sobressaltada por seu aspecto, e Harald se


apressou a intervir:

— Escorregou no rio e se machucou com as pedras.

Peter levantou as sobrancelhas. O que ela tinha no rosto não tinha


conseguido com uma queda. Mas, entendendo o que ocorria,
finalmente murmurou olhando-a:

— Tenha mais cuidado da próxima vez que for ao rio.

— Terei, senhor. — Assegurou ela.

Alison, ao ver como ele a olhava, falou:

— Peter, apresento Janetta. A partir de agora nos ajudará com a


casa e as crianças. Janetta, ele é Peter McGregor.

— Um prazer, Janetta.

A mulher, rubra como um tomate por ser o centro da atenção,


sussurrou:

— O mesmo digo, senhor.

E, instantes depois, Peter se dirigiu a Harald:

— Nas cavalariças nos espera Alexander McDermont. Soube que


adquirimos bons fiordes em Edimburgo e quer comprar dois.

Harald assentiu.

— Pois não o façamos esperar mais. — E, quando ia sair,


acrescentou olhando Alison: — As ferramentas que necessita para
arrumar essa madeira estão na ferraria, as pegue.
Com prazer e feliz, a jovem lhe piscou um olho e, quando ele partiu
com Peter, Janetta perguntou boquiaberta apontando a Matsuura:

— Ele cozinha e você arruma os móveis?

Divertida ao ver o assombro em seu olhar, Alison ia responder


quando o japonês respondeu:

— Claro que sim. Por que não?

Durante um bom momento os três seguiram conversando na


cozinha. Falaram do tempo em Escócia, das verduras que podiam
conseguir, das flores que Janetta cultivava em seu jardim, até que
Matsuura disse retirando a panela do fogo:

— Vou pescar. Sigge fica a seu encargo.

Alison assentiu e Janetta, levantando-se, sugeriu:

— Se quiser posso te acompanhar para cuidar das crianças e de


te dizer onde a pesca é abundante.

O japonês afirmou com a cabeça. Tímida como era, que lhe propor
aquilo era toda uma proeza, e com um sorriso murmurou:

— Nada mais eu gostaria.

Boquiaberta pelo cavalheirismo que Matsuura mostrava ante a


Janetta, Alison o olhou surpreendida.

— Milady, quer que eu leve Sigge?

— Não, vão vocês. — Respondeu ela. — A pequena pode ficar


comigo.

Quando eles partiram, Alison se levantou e, olhando pela janela,


observou a seu tio. Vê-lo andar com as costas muita reta e um sorriso
nos lábios era novo para ela. Sem dúvida ele tinha gostado daquela
mulher. Will, Briana e Tritão se uniram a eles.

Aproximou-se sorrindo à manta onde estava Sigge. Continuava


adormecida. A ferraria estava perto, por isso correu até ela para pegar
as ferramentas que precisava.

Com curiosidade, olhou a seu redor. Ali não faltava de nada. Tudo
estava ordenado e em seu lugar. Sem dúvida Harald era muito
cuidadoso e metódico. Estava sorrindo quando viu pequenas
ferramentas parecidas com as que ela usava para criar suas joias e que
tinha perdido no dia da terrível tormenta. Era uma pena perder as
ferramentas a acompanhava durante tantos anos a fez suspirar.

Finalmente, depois de escolher o que precisava para reparar o


móvel, retornou à casa e viu que Sigge continuava adormecida. Sem
perca de tempo, subiu até seu dormitório. Ali pegou a pequena mesinha
e a desceu à cozinha. Quando ia começar a arrumá-la, Sigge despertou.
Durante um momento, esquecendo-se da mesa, prestou-lhe toda sua
atenção à pequena e, ao ver que ela queria caminhar, ajudou-a pegando
suas mãozinhas.

Quando a menina se cansou e se sentou no chão, com prazer e


feliz, rapidamente Alison a rodeou com várias mantas para que
estivesse quente e lhe deu alguns brinquedos para que se entretivesse.
Em seguida ela se concentrou na mesa. Estudou-a como fazia com suas
joias. Tinha que desmontá-la com cuidado, lixá-la para lhe tirar todos
os picos e as lascas que tinha e, depois, devia voltar a lavrar a madeira
com os desenhos que tinha perdido com a passagem do tempo para,
por último, lhe dar cor. Escuro, é obvio. Como Ingrid gostaria.
Pendente de que a menina estivesse cômoda enquanto trabalhava,
Alison começou a desmontar a mesinha com paciência. Quando a teve
classificada por partes, pegou uma lixa e uma das pernas e começou a
lixá-la. As lascas e as impurezas da madeira velha começaram a
desaparecer, mas, de repente, ouviu:

— Por Odin, deus de deuses!

Ao levantar a cabeça se encontrou com a carranca irritada de


Harald.

— O que acontece?

O viking, com os olhos fora de suas órbitas, sibilou:

— Como o que acontece? Que diabo está fazendo?

Ao entender que se referia a mesinha, Alison respondeu com um


sorriso:

— Estou arrumando-a. Está velha e precisa...

— Quem te pediu que fizesse?

Ela não disse nada e o viking, com os olhos ardente, exigiu:

— Quem te deu permissão para destroçar algo que é importante


para mim?

Boquiaberta de como lhe falava e pela raiva que via em seu olhar,
a jovem finalmente respondeu:

— Harald, a mesinha está velha. Precisa uma boa restauração.


Esta manhã, ao me levantar da cama, cravou-me uma lasca na perna
e...

— E por isso se acha no direito a destroçá-la?


Alison soprou. Sua paciência começava a esfumar-se, mas,
tentando fazê-lo raciocinar, retrucou:

— Não a estou destroçando. Estou a arrumando.

Mas ele, furioso ao ver a mesinha aos pedaços no chão, insistiu:

— Por que não me disse que se tratava desse móvel?

— Estava dizendo quando entrou Peter, não se recorda?

Harald, perdendo os nervos por ver aquela mesinha tão


importante para ele feita migalhas, começou a gritar. Não a escutava.
Não queria ouvi-la. Chiava de tal maneira que Sigge, assustada,
começou a chorar.

— Maldito pedaço de merda, deixa de gritar! — Ordenou-lhe


Alison de repente.

Assim que o disse, a jovem percebeu que não ia acabar bem.

— Claramente seus maus modos cedo ou tarde sairiam à luz! —


Exclamou ele atordoado.

Alison inclinou a cabeça e perguntou:

— Exatamente o que quis dizer com isso?

Harald, tão descontrolado quanto ela, sentia que o corpo tremia


e, sem medir suas palavras, sibilou:

— O que quero dizer: que você é... quem é... O que mais podia
esperar de você?

A jovem assentiu boquiaberta. Muitas vezes ao longo de sua vida


a tinham desprezado por ser quem era, mas nunca ninguém tinha lhe
machucado tanto com palavras como Harald estava fazendo.
Um rubor estranho invadiu seu corpo. Quis lançar-se sobre ele,
mas ouviu Sigge chorava. A pequena chorava poucas vezes e, depois de
levantar do chão e lavar as mãos, pegou à menina nos braços e lhe deu
um beijo para que se tranquilizasse.

— Está a assustando, não vê? — Reprovou o viking, que não se


moveu do lugar.

Harald, que respirava com dificuldade, sentiu-se mal ao ver à


pequena chorar. Sabia que não estava sendo justo nem com ela nem
com Alison, mas, incapaz de dar um passo atrás, soltou:

— Quero essa mesa como estava.

— Como estava, impossível. Quando acabar com ela estará


melhor.

Harald amaldiçoou em norueguês, como estava acostumado a


fazer quando se zangava.

— Sei o que disse — retrucou ela. — Se algo aprendi de seu idioma


são as más palavras.

— Em momentos como este sinto que tudo é um erro. — Sibilou


ele.

Alison sentiu dolorida e, sem poder calar, disse olhando-o:

— Erro ou não, aqui estou porque você me pediu.

Harald soprou e, apontando-a com o dedo, sentenciou:

— Não volte a tocar em nada dela. Ouviu-me?! Nada!

Saiu da cozinha a toda pressa enquanto Alison mimava Sigge, que


chorava desconsolada.
Ao meio-dia Harald não veio para comer, o que Matsuura
estranhou. No tempo que estava com ele, sabia que o viking gostava da
companhia de todos durante as refeições. Olhando Alison, que estava
mais calada que o normal, perguntou:

— Harald não vem?

A jovem encolheu os ombros, colocou um pedaço de peixe na boca


e respondeu enquanto observava Tritão que dormia:

— Parece que não.

Will e Briana estavam felizes. A manhã de pesca com Matsuura e


Janetta tinha sido divertida e, embora a mulher tivesse retornado com
eles, apesar da insistência da Matsuura para que ficasse para comer
partiu para sua casa. No dia seguinte retornaria para começar seu
trabalho.

Quando terminaram de comer e as crianças foram brincar,


Matsuura perguntou olhando-a:

— O que aconteceu?

Incapaz de calar, Alison soltou então apontando a despensa, onde


tinha a mesa desmontada:
— Essa mesinha está velha e suja. Ao me levantar hoje da cama
cravei uma lasca na coxa e pensava restaurá-la, mas para Harald não
foi uma boa ideia.

Olhando a mesinha, que tinha uma aparência horrível, o japonês


disse:

— Não o entendo... te conhecendo, a deixará como nova.

— Era da mulher de Harald. — Esclareceu ela.

— Moça... — Sussurrou então Matsuura, — mas como te ocorreu


tocá-la?

— Queria fazer algo bonito — se defendeu ela. — Desejava


restaurá-la para que tivesse uma nova vida. Pensei que gostaria de ver
que me preocupei com algo que pertenceu a Ingrid. Mas está claro que
não.

Seu tio assentiu. Ele, que estava no meio, podia entender a ambas
as partes, e quando ia responder, Alison, que não desejava seguir
falando do assunto, apontou:

— Pelo que ouvi as crianças dizerem, gostou muito desta manhã.


— O japonês assentiu. — Segundo Will, Janetta os levou a um lugar
incrível para pescar. — Ele afirmou de novo, e então ela quis saber: —
Se divertiu em companhia de Janetta?

Matsuura a olhou. Alison nunca tinha feito uma pergunta


parecida; por isso, ao vê-la sorrir respondeu:

— O que é em realidade quer saber?

A jovem, retirando um prato da mesa, rapidamente explicou:

— Tio Matsuura, nunca tinha te visto tão galante com uma


mulher...
Ele riu.

— Nunca tinha ficado mais de quatro dias seguidos em um mesmo


lugar para poder conhecer nenhuma mulher. — Respondeu.

— Você gosta de Janetta?

O japonês assentiu sem hesitar.

— É bonita, singela e carinhosa. Eu gosto muito que a tenha


contratado para estar com as crianças. E, por certo, pude comprovar
que tem uma interessante conversa.

— Tio Matsuura!

O homem balançou a cabeça sorrindo e ia falar quando ela


cochichou:

— Pode ser verdade o que me dizem seus olhos?

Com picardia, ele deu de ombros e respondeu:

— Provavelmente.

Alison o olhou sem acreditar. Em sua vida com ele, nunca olhou
em uma mulher, e segura do que dizia, disse olhando Tritão, que se
espreguiçava e ia para sua tigela beber água:

— Partiremos dentro de poucos dias... recorda-se?

— Vivo o presente — disse ele sem perder o sorriso. — O manhã...


se verá como virá.

Alison assentiu e não disse mais, para quê?


Durante o resto do dia Harald não apareceu e, quando caiu a
noite, depois de deitar as crianças e despedir-se de Matsuura, Alison
se aproximou da ferraria. Se estivesse ali, tinha que falar com ele sobre
o que tinha acontecido, pois sem dúvida ambos se excederam. Mas sua
surpresa foi grande quando tampouco o encontrou ali.

De verdade estava tão zangado?

Cabisbaixa, retornou para casa e se sentou diante da lareira com


Tritão. Esperou e esperou durante uma eternidade e, quando o sono
começava a vencê-la, decidiu ir para cama.

Pensativa, subiu até o primeiro andar e, depois de passar pelos


quartos onde as crianças dormiam e ver que tudo estava bem,
encaminhou-se para seu quarto. Entretanto, ao tentar abrir a porta foi
impossível. Surpreendida, tentou-o outra vez, mas rapidamente se
precaveu de que o quarto estava fechado por dentro.

— Harald, está aí? — Perguntou sem acreditar.

O viking, que estava por horas no quarto, martirizado frente à


lareira, levantou-se o ouvi-la e disse caminhando para a porta:

— Alison, vá dormir.

A jovem piscou atônita no mesmo instante em que Tritão aparecia


sonolento pelo corredor.

— Isso pretendo. Abra.

Harald fechou os olhos. Tinha-o pensado durante todo o dia, e


frente à porta indicou:

— Este é meu quarto. É melhor que a partir de agora durma em


outro quarto.

Boquiaberta, a jovem murmurou:


— Pelas barbas de Netuno, mas que diabo está dizendo?

— Alison, vai. Não faça isso ser mais difícil.

Sem acreditar, quando ele lhe havia dito que o queria, insistiu:

— De verdade me expulsa do quarto por querer arrumar uma suja


e velha mesinha?

Harald se apoiou na porta.

— Pedi-te que não tocasse em nada dela. Disse-te que queria essa
velha e suja mesinha em seu lugar e agora não está.

Zangada, mas sem querer levantar a voz para que as crianças não
despertassem, falou vendo o cachorrinho entrar no quarto dos
pequenos para dormir:

— Não está porque antes tenho que arrumá-la.

— Maldita seja, Alison! — Grunhiu ele zangado.

Apoiando a testa na porta, a jovem apontou:

— Não posso voltar a montá-la tal e como estava. Arrumarei e a


deixarei onde estava. Mas, por Tritão...! — Grunhiu. — Pensei que você
gostaria de meu trabalho em algo que tinha pertencido a Ingrid. Nunca
imaginei que tomaria isso desta forma.

Harald se sentiu péssimo. Mas, incapaz de reverter um problema


em que estivesse envolto Ingrid, sussurrou:

— Exijo-te que manhã esteja no lugar de onde nunca deveria ter


sido movida, entendeu-me?

Ficaram em silêncio, e ela ameaçou:

— Harald, se não abrir a porta agora mesmo, não espere que volte
a entrar em seu maldito quarto.
— Vá dormir!

— Fodido cabeça dura... abre!

— Eu disse que vá dormir. — Repetiu ele.

Ouvi-lo e sentir seu rechaço fez com que Alison afastasse a testa
da porta, e dando um passo atrás sentenciou:

— Assim será.

Deu a volta e, muito zangada, entrou em um dos quartos livres.


O frio da casa fez com que estremecesse. Por não utilizar-se, a lareira
não estava acesa, por isso se apressou a colocar alguns troncos. O
dormitório estava gelado, ali havia tão só uma cama. Nada que ver com
o bonito e confortável quarto de Harald ou com o que ela tinha
arrumado para as crianças.

Furiosa e apavorada, caminhava de um lado a outro.

De verdade a tinha expulsado de seu quarto? Tão pouco


significava para ele? Tentar fazer algo bom, algo bonito, com um objeto
que tinha pertencido a Ingrid ele via como algo tão terrível?

Sua cabeça continuava girando enquanto ela se sentava na cama


tiritando. Que frio fazia!

Ninguém jamais tinha ousado lhe fazer uma afronta tão feia como
essa, nunca. Na sua vida apenas esse homem a tinha expulsado de seu
quarto e, depois de sentir que ia ser incapaz de dormir por quão furiosa
estava e o frio que fazia no quarto, abriu a porta com cuidado para não
ser ouvida e saiu.

Quando chegou ao salão, por fim recebeu calor, mas precisando


desafogar-se, ao ver os móveis de Ingrid amaldiçoou de novo e saiu para
a noite
A noite nas Highlands era tremendamente fria. Mas Alison,
acalorada pela fúria que mexia em seu interior, dirigiu-se às
cavalariças sem estar abrigada e, depois de pegar seu cavalo, montou
e se afastou da casa.

Na escuridão da noite, trotou pelos caminhos que conhecia


pensando em sua vida. Tinha recordado a Harald que ficavam poucas
semanas de estarem juntos, mas ele não parecia haver se importado.
Isso lhe doía, martirizava-a, e ao sentir a necessidade de gritar, fê-lo.

Não soube quanto tempo cavalgou por aquelas terras, até que
sentiu que o corpo inteiro tremia por causa do frio. Até os dentes
tocavam castanholas, e decidiu retornar.

Depois de deixar o Pirata nas cavalariças, entrou de novo na casa.


O calor rapidamente envolveu seu corpo congelado e, aproximando-se
da lareira, murmurou:

— Pelas barbas do Tritão... que frio!

Ao olhar as mãos as viu azuladas. Era tanto o frio que tinha


passado em sua excursão noturna que durante um bom momento
tiritou descontroladamente frente a lareira. Com mal-estar, olhou o
escudo com a inscrição que tinha pendurado sobre a lareira, aquela
declaração de amor que Harald fazia para sua mulher, e zangada
sibilou:

— Sem lugar a dúvidas, eternamente viverá de sua lembrança,


maldito cabeçudo...

Olhasse para onde olhasse, aquilo parecia o lar de Ingrid e não o


seu. Tudo que a rodeava era uma homenagem a ela. Tudo era como
Ingrid gostava e, zangada, afirmou agachando-se para afagar o
cachorrinho, que chegava:
— Tritão, é o melhor cão que tive em minha vida, porque
basicamente é e será o único. Mas quero que saiba que sempre o levarei
em meu coração. — Com mimo, acariciou a cabeça do animal e
sussurrou: — Tenho que partir. Prometi a meu pai que retornaria a ele
e eu nunca falto a uma promessa. Ficará com Will, Sigge e Briana e...
bem, junto ao fodido viking resmungão, mas calma, porque aqui será
feliz. As crianças o adoraram e o viking também, embora em certas
ocasiões faça de tudo difícil. — Como se a entendesse, o animal lambeu
uma mão e ela sussurrou com o coração encolhido: — Isto mesmo
tenho que dizer as crianças, mas não sei como. Não sei como fazê-lo
sem lhes romper o coração. Ah, Tritão! Como o faço? Que me odeiem
assumirei, mas não quero que sofram, e dentro de alguns dias partirei
para não retornar nunca mais.

Dito isso, e com o coração encolhido, caminhou acompanhada do


animal para a despensa da cozinha. Ali tinha a mesinha desmontada
e, sentando-se no chão, quando Tritão se deitou para dormir, começou
a lixá-la. Ou fazia isso ou subiria à quarto de Harald a lhe cortaria o
pescoço.

Durante toda a noite trabalhou sem descanso. Sentia-se mal.


Seguia tendo frio, mas a raiva a fazia trabalhar com brio, e quando ao
amanhecer a pequena mesinha estava de novo montada e colada,
Alison sussurrou olhando Tritão:

— Ia pintar a em um tom escuro, como Ingrid teria gostado, mas


vai ficar assim mesmo.

Depois de recolher as ferramentas que tinha utilizado, levou-as a


ferraria e as deixou no mesmo lugar onde as tinha encontrado. Não
queria que Harald também lhe desse uma bronca por aquilo. A seguir
retornou à despensa, pegou a mesinha, subiu-a até o primeiro andar
e, deixando-a na frente da porta dele, murmurou:

— Espero que abra a cabeça com ela quando sair.

E, sem olhar para trás, dirigiu-se para o que a partir desse


momento seria «seu quarto». Ao entrar, a sensação era diferente da
noite anterior. Agora o fogo da lareira tinha esquentado o quarto e,
depois de deixar Tritão de fora e fechar a porta por dentro para que
ninguém entrasse, despiu-se, deitou-se na cama e se agasalhou.
Estava muito cansada.
Harald despertou inquieto de madrugada e se sentou na cama. O
sonho que tinha tido com Ingrid, como em outras ocasiões, tinha sido
tão vívido que até parecia poder sentir o cheiro de seu aroma.

Fechando os olhos, deitou-se de novo enquanto as palavras que


Ingrid lhe dizia cada vez que sonhava com ela ressoavam em sua
cabeça: «Não perca o bem que encontrou. Cuide para que lhe cuidem.
Ame para que lhe amem. Seja feliz com quem se importa, e o passado,
embora não o esqueça, deixa-o ir».

Abrindo os olhos com todos os sentidos alerta, o viking olhou


então a seu redor. E, consciente de que ela, a sua maneira, estava
repreendendo-o pelo modo mau que estava se comportando,
sussurrou:

— Tem razão, Ingrid, o passado se foi...

E, chorou como um menino pequeno na solidão de seu quarto até


que finalmente adormeceu.
Quando despertou pela manhã, depois de lembrar do sonho e
sentir o coração mais leve, amaldiçoou ao ver que estava sozinho em
sua enorme cama.

Sua mente correu para Alison imediatamente, não para Ingrid. E,


recordando o que tinha sonhado, soube que Alison era o bem que tinha
encontrado, que devia cuidar e amar.

Depois de levantar-se, assear-se e vestir-se, quando abriu a porta


de seu quarto disposto a falar com ela para pedir desculpas e arrumar
a bagunça, deu de cara com a mesinha, que estava no corredor. A velha
e suja mesinha que tinha provocado a discussão entre Alison e ele.
Agachando-se para olhá-la, observou-a com atenção. A jovem não só a
tinha lixado, mas além disso tinha recuperado os desenhos que ela teve
em um passado distante. Tinha trabalhado a madeira com finura e
delicadeza e, surpreso, sorriu.

Depois de agarrá-la e levá-la para o quarto, colocou-a junto à


cama. Depois pôs sobre ela a caixa de joias de Ingrid e, ao ver a opaca
caixa em que Alison tinha suas joias e que tinha contado que tinham
pertencido a sua mãe e a sua avó, pegou-a e a colocou junto a de Ingrid.

Durante segundos ficou olhando ambas as caixas. Uma era belo


e delicado e o outro era tosco e estava oxidado pelo salitre. Duas caixas
de joias distintas para duas mulheres diferentes.

Por fim entendia o que Demelza havia dito tempo atrás. Não devia
comparar Alison com Ingrid. Cada uma era uma mulher diferente da
outra, com seus defeitos e suas virtudes. E as comparar não fazia
sentido.

Mas como tinha sido tão tolo?


Quando saiu do quarto, dirigiu-se à cozinha e cumprimentou com
um sorriso Matsuura, Janetta, Tritão e as crianças. Os pequenos, ao
vê-lo, levantaram-se para abraçá-lo e Will perguntou olhando-o:

— Papai, onde está mamãe?

Estranhou a pergunta, já que Alison sempre tomava o desjejum


com eles; olhou para Matsuura e comentou:

— Dormindo.

— Ainda?! — Perguntou o japonês surpreso.

O viking assentiu e, depois de pegar um pedaço de pão, partiu


para ferraria. Tinha que pensar como encarar o problema que ele
mesmo tinha criado com Alison.

Muito tempo depois, vendo que ela não descia, Matsuura subiu
intranquilo ao primeiro andar. Bateu na porta do quarto de Harald e,
ao ver que ninguém respondia, abriu-a. Imediatamente viu que moça
não estava ali.

Olhou nos outros quartos, até chegar a um cuja porta estava


trancada por dentro. Deu pequenos golpes com os nódulos e
perguntou:

— Alison, está aí?

A jovem despertou ao ouvi-lo e, sem levantar-se da cama,


murmurou depois de espirrar:

— Sim.

Em certo modo, ouvir sua voz tranquilizou o japonês, mas


perguntou:

— O que acontece? Por que não está em seu quarto?


Alison, que sabia que ele não partiria até receber uma resposta,
levantou-se, caminhou para a porta e, abrindo-a, disse depois de
espirrar outra vez:

— Odeio-o! Por Tritão que o odeio com todas minhas forças!

Sem necessidade de perguntar a quem odiava, Matsuura


assentiu.

— A partir de agora, e até que saiamos desta maldita casa, este


será meu quarto. — Soltou ela. Seu tio ia intervir, mas ela acrescentou:
— Ontem à noite esse... esse caipira não me deixou entrar em seu
quarto e...

— Isto foi pela mesinha?

— Exato. — Disse ela espirrando de novo. — Toquei em algo de


sua intocável mulher e... e... É um idiota!

— Alison...

— Sim, tio Matsuura, idiota! Com todas as letras. — E, apontando


a seu redor, prosseguiu: — Estou aqui e aqui ficarei. Ao menos sei que
esta cama não pertenceu a Ingrid e, como o quarto está vazio,
assegurar-me-ei de que aqui não entre nada que seja dela. Já não posso
mais. Papai tinha razão: é um caipira! Para não dizer o merda que...

— Alison!

Zangada e irritada com Harald e pelo trato recebido, a jovem


insistiu:

— É o que sinto, tio Matsuura. Conhece-me e sabe que sou de


dizer o que penso. Muito mordi a língua desde que chegamos a esta
casa no referente às coisas que não posso tocar porque pertenceram a
sua mulher. Mas, por Iemanjá, eu vivo aqui...! Acaso pretende que não
possa opinar ou tocar algo que era de sua mulher?

Matsuura não soube o que responder, e ela, desesperada,


continuou:

— Papai tinha razão. Que diabo estou fazendo aqui? Por que
complico minha vida? Isto... isto é um erro. Um grande erro! Esse
homem nunca me amará. E... e eu estou sendo uma tola como nunca
em minha vida fui antes.

Ficaram em silêncio, até que Matsuura informou:

— Harald foi à ferraria.

— Por mim que vá a...

— Shensi! — Reprovou-lhe ele.

A jovem voltou a espirrar e, levando-a mão ao nariz, murmurou:

— E agora espirro e saem catarros!

O japonês sorriu e, com carinho, disse retirando o cabelo do seu


rosto:

— Seu aspecto, seu aborrecimento, esse tom, os espirros e agora


o catarro me dizem que gripou.

— Possivelmente. — Afirmou ela. E, depois de assoar o nariz com


um lenço grunhiu: — Era o que me faltava!

Matsuura sorriu e posou uma mão em sua testa, como tinha feito
milhões de vezes desde que se converteu em seu cuidador, e disse ao
notá-la quente:
— Janetta está na cozinha com as crianças. Se deite e subirei uma
caneca de caldo com as ervas que você e eu conhecemos. Acredito que
se sentirá melhor.

— Eu também acredito. — Assentiu a jovem.

Quando ele se partiu, a jovem ia deitar-se na cama, mas parou


em seco.

Se o idiota do Harald não a queria em seu quarto, suas coisas


tampouco estaria ali.
Furiosa, Alison saiu do dormitório para dirigir-se para o que tinha
sido o seu até a noite anterior. Saber que Harald não estava ali
facilitaria a tarefa de levar suas coisas.

Ao entrar, o aroma dele alagou suas fossas nasais e sibilou


zangada:

— Por que tive que dizer que o amava? Por quê?

Sem surpreender-se muito, viu a mesinha restaurada em seu


lugar, mas ficou boquiaberta ao ver sua oxidada caixa junto a de Ingrid,
tão bonita e reluzente.

Olhou-os em silêncio e murmurou:

— Assim é, Ingrid. Você sempre brilhará mais que eu.

Aproximou-se da mesinha e, sem tocar a bonita caixa de Ingrid,


pegou a sua e a abriu. Tirou dela uma caixa redonda e retornou a seu
quarto.

Ao chegar ali, olhou onde deixar sua caixa de joias, mas em não
haver nenhum móvel à exceção da cama, finalmente o pôs sobre o
suporte da bonita lareira. A seguir olhou a caixa redonda que
sustentava e que continha os pós cor ocre que tio Matsuura e ela
utilizavam para impregnar as mãos sempre que se despediam de
alguém. Com o coração pulsando com força, fechou os olhos e,
consciente de que teria que utilizá-los, murmurou:

— Alison... é a maldita Joia Moore... deixa de suscetibilidades!

Deixou a caixa redonda junto a caixa de joia e retornou de novo


ao quarto de Harald.

Sem tempo a perder, recolheu sua roupa e os poucos objetos


pessoais e, voltou de novo a seu quarto, depois de deixá-los em um
canto, deitou-se na cama. Estava péssima.

Matsuura subiu pouco depois com uma bandeja acompanhado


pelas crianças e Janetta. Will e Briana, ao ver Alison naquele quarto
sem graça e na cama, aproximaram-se dela alarmados.

— O que aconteceu, mamãe? — Perguntou Will.

A jovem, ao ver como a olhavam, indicou para tirar a atenção:

— Estou bem. Só tomei um pouco de frio.

— E por que está aqui e não em seu quarto? — Insistiu Will.

— Este é agora meu quarto, céu.

— Mas...

— Will — o cortou ela, — dói-me a cabeça.

O menino assentiu. No tempo que fazia que se conheciam, Alison


nunca tinha falado assim com ele. Briana, que observava tudo,
sussurrou:

— Está mal.

Alison, comovida pelo modo em que as crianças a olhavam,


afirmou:
— Dentro de dois dias estarei bem, já verão! E, Will, me perdoe
por haver falado assim. Quando doente não tenho muito bom caráter...

O menino sorriu, e Matsuura, olhando Janetta, indicou:

— É melhor que eles não estejam aqui.

A mulher assentiu e se apressou a dizer:

— Meninos, vamos ao salão para brincar.

Eles assentiram; Briana se aproximou de Alison e disse


estendendo sua boneca:

— Pousi diz que quer ficar a te fazer companhia.

Alison sorriu.

— Será agradável estar com Pousi. — Afirmou pegando-a.

Assim que eles saíram do quarto, Matsuura perguntou:

— De verdade vai ficar aqui?

— Totalmente verdade.

O japonês assentiu, e ela, entendendo por que o dizia, comentou:

— Quando melhorar, farei algo para que o quarto seja mais


confortável pelos poucos dias que restam para estar aqui. De momento,
com esta cama tenho mais que suficiente.

— Subirei então uma cadeira ou algo para que coloque suas


roupas.

— De acordo. — Disse ela enquanto via passar Tritão.

O japonês pegou a bolsa dos remédios e, depois de procurar um


em concreto, jogou-as no caldo e disse depois de removê-lo com uma
colher:
— Vamos, tome-o.

Sem hesitar, Alison obedeceu. O calorzinho que aquele caldo


medicinal lhe proporcionava era reconfortante.

— Quantas vezes terei cuidado de seus resfriados? — Perguntou


ele olhando-a.

Ambos riram por aquilo e, quando a jovem terminou de tomar o


caldo, seu tio murmurou enquanto pegava a tigela:

— Agora feche os olhos e descanse. Precisa paras se repor.

— Tio Matsuura, quero ver Demelza. Tenho que falar com ela.

O japonês assentiu e, sem perguntar o porquê, respondeu:

— Avisá-la-ei.

A manhã passou e o japonês subiu várias vezes ao quarto da


jovem para jogar madeira na lareira, subir uma cadeira e ver como
estava. Como sempre, preocupava-se com ela. Sempre tinha sido sua
prioridade. Não tinha filhos, mas sem dúvida Alison era sua filha, sua
menina.

Em uma das ocasiões que Matsuura estava na cozinha, Harald


entrou e se dirigiu a ele:

— Will acaba de me dizer que Alison está doente.

— Sim.

— O que lhe ocorre? — Perguntou o viking alarmado.


Matsuura, ao ver a preocupação em seu rosto, depois de segundos
em silêncio, decidiu calar o que estava a ponto de soltar e, em seu lugar,
respondeu:

— Pegou frio e parece que tem um pouco de febre.

Harald, voltou-se para ir vê-la, mas Matsuura acrescentou:

— Se eu fosse você, não iria. — O viking se deteve e o olhou. —


Precisa descansar. Além disso, está bastante zangada. — Harald, que
compreendeu que ele sabia o ocorrido, ia falar quando Matsuura
continuou: — As despedidas mais dolorosas são as que se alongam no
tempo e nunca chegam a se fazer.

— A que vem isso? — Perguntou ele enrugando o cenho.

Matsuura deixou então o que estava fazendo e o olhou.

— Moço, sou consciente de que temos lembranças em nossas


vidas que nunca desaparecem e pessoas às que nunca esquecemos.
Mas, enquanto respirar e esteja vivo, a vida continua para você, e é
uma pena que não aproveite. Se te digo isto, é porque me dá pena que
não perceba que, se a deixasse entrar em seu coração, Alison te faria
imensamente feliz.

Espantado ao ouvi-lo quando o japonês era a discrição


personificada, Harald não sabia o que responder.

— Não sou de entrar nas vidas dos outros nem opinar sobre elas.
— Acrescentou ele. — Nunca gostei de fazê-lo porque nunca me
agradou que entrassem na minha vida. Mas, tratando-se de Alison,
vejo-me no direito e na obrigação de te dizer que essa mulher não
merece que somente use seu corpo, mas também que acaricie e a
seduza como o homem que sei que é, com sua alma e seu coração.
Sem necessidade de perguntar, Harald entendeu perfeitamente e,
virando-se, saiu da casa. Precisava tomar ar.

Essa noite, depois de fazer grandes esforços para não entrar no


quarto de Alison, o viking agasalhava os pequenos em suas camas
quando olhando Briana perguntou:

— Onde está Pousi?

— Com mamãe. A deixei para que lhe fizesse companhia.

Harald sorriu e Will, depois de ver Tritão deitar-se em sua manta,


perguntou:

— Papai, o que acontece? — Isso não era o que ele esperava, e o


menino insistiu: — Por que mamãe dorme nesse quarto e não no de
sempre?

Harald suspirou. Explicar as crianças certas coisas era


complicado, e finalmente respondeu tentando ser sincero:

— Sua mãe e eu discutimos. Mas, calma, tudo se solucionará. —


E, levantando-se para dar beijos nas testas, falou: — E agora, vão
dormir!

Briana e Will se olharam e não disseram nada.

Quando Harald saiu de seu quarto, passou pelo de Sigge. A


pequena dormia feliz e maravilhada e, depois de entreabrir sua porta,
ficou olhando para o quarto onde sabia que Alison estava.
Estava o dia todo sem vê-la, sem falar com ela, e, precisado,
aproximou-se da porta e prestou atenção. Silêncio total. Com
delicadeza, abriu-a e imediatamente ouviu o crepitar da lenha na
lareira. Com cuidado, entrou no quarto e, olhando a seu redor, viu as
roupas e os escassos pertences dela sobre uma cadeira, e amaldiçoou.

Por que tinha sido tão idiota? Por que a tinha expulsado do
quarto?

Estava olhando os troncos de madeira quando decidiu jogar dois


deles ao fogo. Fê-lo e, ao levantar-se, seus olhos se encontraram com a
caixa de joia de Alison. Permaneceu olhando-o até que descobriu junto
a ela outra caixa redonda que nunca tinha visto. Com curiosidade,
abriu-a e viu que continha o pó cor ocre que ela passara nas mãos na
noite que se despediu de seu pai na praia. Se recordava bem, Matsuura
havia dito que utilizavam sempre para se despedir.

Isso o agoniou. Acaso Alison pensava partir?

Quando deixou a caixa em seu lugar, aproximou-se dela e, como


um tolo, ficou olhando-a enquanto dormia. Era linda. A mulher mais
bonita, linda e interessante que tinha visto, embora jamais dissesse.

Sem poder reprimir-se, posou a mão em sua testa. Estava quente.


Tinha febre, mas sua respiração era regular, o que o tranquilizou.
Comovido por vê-la imóvel, quando ela era um torvelinho cheio de vida,
observou-a e sorriu ao perceber de que dormia abraçada a Pousi. Sem
dúvida a boneca estava lhe fazendo companhia.

Harald permaneceu quarto sem graça. Não queria retornar ao seu.


Seu quarto, sem ela, já não era o lugar que sempre gostara de retornar
para descansar.
Pensou no sonho que tinha tido na madrugada passada, nas
palavras que retumbavam uma e outra vez em sua cabeça, e sussurrou
olhando Alison:

— Não perca o bem encontrou. Cuide para que lhe cuidem. Ame
para que lhe amem. Seja feliz com quem se importa, e o passado, embora
não o esqueça, deixa-o ir.

Milhares de momentos bonitos, pensamentos alegres e ações


loucas e divertidas cruzaram por sua mente. E o que todos tinham em
comum era que neles sempre estava Alison. Não Ingrid.

Zangado consigo mesmo por sua deslealdade em torno das duas


mulheres, e em especial com Alison, que era quem estava a seu lado,
saiu do quarto com passo firme sentindo como se de repente tivesse
despertado de um sonho ruim.

Ingrid tinha morrido. Ele não. Teria saudades dela por toda sua
vida. A amaria sempre, mas a vida continuava e ele, como tinha
prometido, devia seguir caminhando e ser feliz.

Amar Alison não significava que não tivesse amado sua esposa.
Alison era o seu presente, enquanto que Ingrid era o seu passado. Um
passado que nunca recuperaria porque tinha terminado. Não obstante,
tinha um presente e um futuro por começar com Alison.

Atordoado, entrou em seu quarto. Olhou a seu redor e sentiu


como suas vísceras se encolhiam. Aquele lugar era feito por e pelo seu
passado, não pelo seu presente e, aproximando-se da tapeçaria que
tinha sido de Ingrid, arrancou-a de repente e murmurou com ele nas
mãos:
— Alison, meu amor, fui o homem mais tolo do mundo, mas de
algo tenho certeza, neste instante, é de que já não há um coração entre
você e eu.
No dia seguinte, quando Demelza e Aiden chegaram à casa,
Harald saiu da ferraria e os cumprimentou com um sorriso. Satisfeitos,
eles se aproximaram dele e, quando desmontaram de seus cavalos, o
viking perguntou:

— O que fazem por aqui?

Demelza lhe deu um carinhoso beijo na bochecha e se apressou a


responder:

— Vim a ver Alison. Matsuura me fez saber que não se encontrava


bem.

Harald assentiu. Essa manhã ele tinha ido vê-la, mas sua porta
estava fechada por dentro. Chamou várias vezes e, como não
respondia, decidiu retornar mais tarde. Sem dúvida seguia zangada, e
intuindo que a presença de Demelza a alegraria, comentou:

— Far-lhe-á bem em ver-te.

A ruiva assentiu e, com málica, recordando a última vez que


tinham ido visitá-los em sua casa, perguntou:

— E como tudo está por aqui, papai?

Sem lhe contar a discussão com Alison, Harald deu de ombros.


— Poderia ser melhor.

Aiden e Demelza se olharam surpreendidos. A última vez que


tinham estado com Alison e com ele, o casal não tinha parado de se
olhar de uma maneira especial, e quando Aiden se dispunha a
perguntar, Harald indicou olhando-o:

— Já que está aqui, me acompanhe. Quero que veja algumas


coisas nas cavalariças.

— Genial. Eu irei ver Alison. — Afirmou Demelza.

Quando Aiden e ela deram um beijo nos lábios e a ruiva se


afastou, este olhou para seu amigo.

— O que acontece agora? — Quis saber.

— Melhor pergunta o que é o que não acontece. — Respondeu


Harald pondo-se a andar para as cavalariças.

Demelza, que caminhava em direção à casa, vendo Will e Briana


correr com o cachorro que Harald tinha dado a Alison e que para ela
era uma linda prova de amor, sorriu. Conhecendo seu cunhado, o fato
de dar aquele presente significava mais que o que ele pudesse dizer
com palavras.

Depois de entrar e cumprimentar Janetta, que tinha Sigge nos


braços, Matsuura a acompanhou até o quarto.

— Está melhor, verdade?

O japonês assentiu, mas consciente de como se encontrava


realmente, retrucou:

— Sim, embora não de muito bom humor.


Demelza sorriu e, quando parou de frente ao dormitório principal,
o japonês indicou:

— Não está aí. — A ruiva o olhou surpreendida e ele acrescentou:


— Esse é o quarto de Harald. O de Alison é o que está ao fundo.

Boquiaberta, ela ia perguntar quando Matsuura disse:

— Melhor falar com ela.

Continuaram andando pelo corredor até chegar ao quarto do


fundo. O japonês se deteve frente à porta, chamou e, quando Alison
abriu, este falou:

— Se quiserem algo, estarei no salão com Janetta.

Quando ele partiu, Alison sorriu e Demelza perguntou


imediatamente:

— Mas o que aconteceu?

Pegando-a pela mão, a jovem a fez entrar em seu quarto. A ruiva


olhou então a seu redor e viu que ali mal havia móveis e, quando ia
falar, Alison se adiantou:

— Demelza, tanto faz ter móveis. Só estou de passagem.

Horrorizada por ouvi-la dizer isso, ela não soube o que responder.

— Veem, nos sentemos na cama. — Lhe pediu Alison.

Depois de acomodarem-se, as duas mulheres se olharam e


Demelza, precisando saber, perguntou:

— Pela deusa Freya, pode me dizer o que está acontecendo?

Alison suspirou.

— Recorda a mesinha que Harald tem em seu quarto e que era de


seus avós?
— Sim.

— Para seu gosto, estava bem ou precisava ser reparada?

Demelza buscou na lembrança e, sem hesitar, respondeu:

— Estava péssima. Ingrid gostava muito dela, mas precisava de


uma boa restauração.

Saber aquilo Alison se agradou, e indicou:

— Outro dia, ao me levantar, cravei-me em uma lasca dessa


mesinha. Decidi arrumá-la para renová-la, e isso fez com que Harald
me expulsasse de seu quarto e, por conseguinte... também de sua vida.

— O quê?!

Alison assentiu e, disposta a justificar-se, continuou:

— Desde que cheguei a esta casa há uma norma inabalável: nada


de sua irmã se pode tocar, mover de lugar e nem questionar. Tanto faz
se eu gosto ou não. Como Ingrid gostava, não há nada a falar. E... e sei
que é sua irmã, contra ela não tenho nada, mas tinha que lhe dizer
isso.

Demelza piscou sem acreditar.

— Por que não tinha me contado isso antes?

— Porque se trata de sua irmã... como ia lhe contar isso?

A ruiva, entendendo-a, assentiu, e ela acrescentou:

— Outro dia, sem que percebesse, acreditando que brincava com


minha caixa de joias, Briana pegou a de Ingrid. Como é uma menina,
se apaixonou pelas joias e, quando a levei para dormir, vi que levava
um brinco nas mãos. Depois de tirar-lhe antes que Harald notasse e
organizasse uma boa confusão, prometi a Briana que lhe daria de
presente um de meus. Mas Harald descobriu e se zangou. Reprovou-
me e que nem eu e nem ninguém devíamos tocar as joias de Ingrid e...

— Mas Harald enlouqueceu?

— Provavelmente.

Demelza, irritada porque ele se comportava assim, até sendo algo


de sua irmã, falou incapaz de calar:

— Amo Ingrid, a amarei por toda minha vida como espero que
Harald a ame. Mas ela morreu, nunca retornará, e em troca você está
aqui. De verdade me está dizendo que Harald antepõe minha irmã
acima de você, que está viva?

— Sim.

— De verdade é tão idiota que...?

— Sim. — A cortou Alison. — Incluso morta, sua irmã está mais


presente em sua vida que eu. E, olhe, vou dizer uma coisa que
possivelmente veja como ridícula: se Harald trata de dar atenção ou
dedica palavras de amor a alguém, não é a mim, a não ser para ela.

— Por todos os Santos...

— Para ele, eu sou Alison, ela é... «meu amor».

Demelza, horrorizada pelo que estava ouvindo, disse retirando o


cabelo do rosto:

— Entendo o que diz. E mais, se Ingrid vivesse e outra mulher


estivesse passando pelo mesmo que você, estou convencida de que lhe
diria: «Abra a porta e deixa que ele se vá, porque chegará outro homem
que valha a pena».

Alison sorriu.
— Neste caso quem sairá pela porta serei eu, não ele. — Retrucou.
— Estou em sua casa.

Com pena, Demelza se levantou da cama. Caminhou de um lado


para outro tentando entender o que acontecia com Harald, e por fim
apontou:

— Asseguro-te que te ama. Eu sei, Alison. Sei porque o conheço,


e seu olhar e seu sorriso quando a olha me demonstram que sente algo
por você. Inclusive, como disse, te deu de presente uma prova de amor.

Alison sorriu de novo, e retrucou:

— Acredito que o que você vê como provas de amor são simples


detalhes para ele.

— Equivoca-te.

— E me parece que o faz, mas pelo bem das crianças.

Demelza negou com a cabeça.

— Pode ser que em parte o faça por eles, mas também o faz por
você.

— Odeia quem sou...

— Não diga tolices!

— Odeia que seja a desbocada e irresponsável filha do capitão


Moore.

A ruiva, vendo a dor em seus olhos, insistiu:

— Harald te adora. Sei, me acredite.

— E por que não me diz isso?

— Não sei, Alison. Não sei. — E, irritada, grunhiu: — Maldito


cabeçudo! Quando se dará conta de que...?
— Partirei na madrugada do sábado.

— O quê?!

— Vou e preciso de sua ajuda.

Conforme a ouviu dizer, sua amiga a olhou.

— Mas não faltam ainda mais de duas semanas?

Alison negou com um sorriso triste.

— Enganei-os com o dia de minha partida. Nunca quis que nem


você nem Harald soubessem para evitar angústias e maus momentos.
E...

— Ah, não, nem pensar! Não pode ir.

Com um triste sorriso, Alison assentiu.

— Coloque-se como quiser, mas devo ir.

— Por todos os Santos, Alison! Pense!

— Demelza...

— Para sábado só restam quatro dias!

— Seu sei... Tenho um plano.

— E pretende que eu te ajude?

— Sim. Mas não pode contar nem a Aiden e nem a Harald.

— Por Thor... matar-me-ão!

Alison suspirou. Sabia que se colocasse Demelza naquilo e a


descobrissem, conduzir-lhe-ia problemas, e com pena murmurou:

— Só tenho você. E preciso de sua ajuda.

— Mas... mas... é uma loucura! Como vai retornar ao mar?


— Loucura ou não, é minha realidade. E o mar, meu único lar.

Desesperada, a ruiva não sabia o que pensar.

— Will e Briana não vão gostar — acrescentou Alison. — Temo o


desgosto que vão sentir quando eu desapareça e... e preciso que esteja
com eles.

— E Harald?

Pensar nele lhe rompia o coração, mas colocando de lado seus


sentimentos, respondeu:

— O tolinho é homem feito... Seguirá adiante sem mim. — Demelza


a olhava angustiada quando Alison prosseguiu: — Possivelmente
amanhã outra mulher mais parecida com sua irmã consiga entrar em
seu coração. Acredito que sou muito ousada e desbocada, por não dizer
que gosta das loiras e eu sou morena. — E, soprando, acrescentou: —
E isso é o que sou. Sou Alison Moore e isso sempre será um problema.

— Alison...

— Escute, Demelza — a interrompeu, — quando outra mulher


ocupar meu lugar, já que eu não estarei, se assegure de que ame as
crianças ou mate-a.

— Alison!

Ambas riram e ela adicionou:

— Está bem, não a mate, mas se assegure de que as crianças


estejam bem. Por favor... por favor...

Demelza, que tinha a cabeça como um tambor grande, não sabia


o que pensar. De verdade Alison partiria? De verdade Harald era tão
imbecil para deixar partir uma mulher como ela?
— Sei o que pensa, Demelza. Mas quando não nos ama, não nos
quer, e ante isso nada se pode fazer.

— Mas é que ele te quer. — Insistiu ela. — Sei.

— Sinto-o. — Murmurou Alison, — Mas não me serve sua maneira


de querer.

— Possivelmente não sabe como lhe dizer. Talvez...

— Demelza — a cortou, — Harald não é tolo. Precisamente o


considero um homem íntegro, valoroso e bastante preparado que,
quando quer, sabe explicar-se muito bem.

— Mas...

— Olhe, sou Alison Moore, a sanguinária filha do capitão Jack


Moore. E, embora todo mundo acredite que não tenho coração, tenho-
o, e me pede que quando for amada por um homem devo me sentir
única e especial, e Harald não me faz sentir assim.

Demelza assentiu. O que ela dizia era terrível.

— Por Thor! — Murmurou. — Matarei a esse fodido viking quando


o tiver na minha frente. Juro que o matarei...

Alison riu.

— Não o mate. Sentirá saudades dele.

— Livra-se por isso. — Zombou Demelza.

Ambas sorriram e Alison insistiu:

— Sempre soube que sua irmã Ingrid estava em seu coração. Ele
nunca me mentiu. Foi sincero comigo quanto a que me daria um lar,
mas não amor. E se alguém é aqui um problema, essa sou eu.

— Mas...
— Demelza, ele segue amando Ingrid, segue-a venerando, e eu,
me chame egoísta se quiser, mas não compartilho o coração.

— Entendo-te...

— Prometi a meu pai que passados seis meses retornaria à La


Bruxa del Mar e nunca deixo de cumprir minhas promessas.
Entretanto, quando chegasse esta ocasião estava disposta a enfrentar
meu pai, sempre e quando sentisse que sou o amor de Harald.

— Insisto: ele te ama. Conheço-o e...

— Demelza — a interrompeu com carinho, — sou consciente de


que gosta, e de que há momentos que o faço sorrir. Mas, me acredite,
isso não é suficiente para mim.

Olharam-se em silêncio e Alison perguntou:

— Poderia viver com Aiden se soubesse que ama outra mulher e


sua casa estivesse cheia de suas lembranças?

Demelza negou com a cabeça. Se Aiden amasse outra que não


fosse ela, não poderia viver junto a ele.

— Mandá-lo-ia embora. — Retrucou. — É obvio que não poderia


viver com ele.

— Pois isso é o que me ocorre.

As lágrimas correram, então pelo rosto de Demelza e, olhando sua


amiga, declarou:

— Não estou acostumada a chorar, mas tudo isto está tocando


meu coração.
Alison assentiu. Os esforços que ela fazia para não chorar, para
ser a mulher forte que sempre tinha sido, estavam-na esgotando, e
sorrindo murmurou:

— Eu não choro.

— Por quê?

Pensando em seu pai e em seus tios, Alison deu de ombros.

— Porque ensinaram a não fazê-lo.

Demelza limpou-se as lágrimas e respondeu:

— Pois, acredite ou não, em certas ocasiões é muito bom.

— Isso ouvi dizer.

Ambas sorriram e Demelza, sabendo que tinha que despedir-se


dela, murmurou:

— Vou sentir sua falta.

— Eu também de você.

Ambas se abraçaram e quando, instantes depois, separaram-se,


Alison ironizou ao ver de novo as lágrimas de Demelza:

— Pelas barbas de Netuno... que chorona está!

Com os olhos avermelhados, a ruiva secou as bochechas.

— Maldita seja, Alison Francesca não sei que mais... Está me


fazendo chorar!

Olharam-se com carinho, e Demelza tomou ar e acrescentou:

— De acordo, ajudar-te-ei. Qual é o plano?

— No sábado deve dar uma festa em sua casa. — Se apressou a


dizer Alison. — Nós iremos com as crianças e ficaremos ali para dormir.
Durante a festa, apresentaremos a Harald todas as mulheres que
possamos, e tanto você como eu o animaremos que as conheça ante
minha iminente partida e...

— Mas, Alison, ele odiará isso!

— Disso se trata, de que odeie. Assim me evitará para que não o


apresente a mais ninguém e, em um momento dado, poderei partir da
festa e ele não se dará conta. Quando se precaver, já estarei muito
longe.

Demelza, com pena e sem poder evitar, chorou de novo, enquanto


Alison continha sua tristeza e a abraçava.

Essa tarde, quando Demelza se reuniu com Aiden e Harald, que a


esperavam com os cavalos para retornar à fortaleza, o laird, ao ver os
olhos vermelhos de sua mulher, perguntou preocupado:

— Querida, sente alguma coisa?

Mas ela simplesmente retrucou tentando sorrir:

— Nada.

Harald e Aiden se olharam, e o viking insistiu:

— Pois para não sentir nada, tem os olhos e o nariz como tomates.

O olhar da Demelza se cravou no que era e sempre seria seu


cunhado. Quis lhe dizer o idiota e tolo que era, mas tentando não
levantar suspeitas, murmurou:
— Falei com Alison.

Ele, imaginando que teria contado seu problema, ia dizer algo


quando ela sentenciou levantando uma mão:

— Não quero falar contigo.

— Por quê? — Perguntou Harald.

Demelza, com vontades de agarrá-lo pelas orelhas, sibilou


mentindo:

— Porque, sinto dizer isso, mas se comporta como um caipira. Ao


final ela partirá dentro de poucas semanas e voltará a ficar sem uma
mulher em sua casa.

Aiden murmurou depois do que tinha falado com Harald:

— Calma, céu. Asseguro-te que tudo mudará nessas semanas.

Demelza o olhou. Se soubesse a verdade não sorriria assim, e


falou dirigindo-se a seu cunhado:

— No sábado daremos uma festa na fortaleza e quero você, Alison


e as crianças ali.

Aiden, surpreso, já que não sabia nada, perguntou:

— Uma festa?

Ela assentiu.

— Acredito que Alison precisa divertir-se e animar-se. E pensei


que uma festa em nossa casa com nossos vizinhos e amigos ela
gostaria. Importa-se, querido?

Aiden negou com a cabeça.

— Não, céu. Será um prazer dar essa festa.


Harald, atordoado sobre o que elas tivessem falado, e consciente
de como estava o ânimo de Alison, perguntou:

— O comentaste isso com ela?

A ruiva levantou o queixo e assentiu.

— Sim. E ela está muito animada em ir.

— Sério? — Perguntou ele surpreso.

— Dir-te-ia que pergunte a ela — replicou a jovem com irritação,


— mas é melhor que a deixe em paz.

Harald soprou, estava claro que ela ficou do lado de Alison.

— Como a festa será a noite toda — acrescentou ela, — já falei


com Alison para que fiquem para dormirem lá. Importa-se?

O viking negou com a cabeça. Muitas foram as vezes que dormiu


na fortaleza.

— Não. Se Alison achar bem, eu também concordo. — Apontou.

Com o coração encolhido, mas sem vontades de seguir falando


com ele, a jovem se aproximou e, depois de dar um rápido beijo na sua
bochecha, montou no seu cavalo.

— Pois até sábado.

Deu a volta e se afastou.

— Pois, sim, minha ruiva está zangada. — Comentou Aiden


olhando-a.

Harald assentiu; imaginar o que Alison tinha contado não era


agradável.

— Espero que daqui à sábado tudo passe. — Retrucou.


O highlander sorriu, sabia por ele o que tinha ocorrido com Alison,
e, montando a sua vez, indicou:

— Amigo, tem daqui à sábado para arrumar a ofensa que me falou


ou algo me diz que a festa será uma tortura para você...

Ambos sorriram e Aiden, cravando os talões em seu cavalo,


dirigiu-se para sua mulher.

Essa noite, enquanto todos dormiam na casa, Harald dava voltas


em seu quarto como um lobo enjaulado. Saber que Alison estava a
escassos metros dele e não poder estar e nem falar com ela o estava
martirizando.

Em duas ocasiões saiu do quarto e, sem fazer ruído, foi até sua
porta. Queria entrar, desejava falar com ela, mas ciente de que tinha
que fazer as coisas de forma diferente ou sem dúvida Alison cavalgaria
dali, retornou a seu quarto. Era o melhor.
No dia seguinte, quando Alison despertou se encontrava muito
melhor. Ainda notava que lhe faltavam as forças, mas já não sentia a
debilidade do dia anterior. Inclusive por ter falado com Demelza com
sinceridade lhe tinha feito bem. Embora pensar no que tinha que fazer
nesse dia, era contar tudo as crianças, isso a acovardava.

Como receberiam?

Da cama, olhou à janela. O dia era cinza, mas não chovia, e


decidiu sair para caçar com Pirata, algo que quando retornasse ao mar
já não poderia fazer. Quando voltasse, passaria o dia com as crianças
brincando no salão. Queria aproveitar ao máximo deles.

Respirando fundo, ela se sentou na cama e, após se alongar,


levantou-se. Caminhou para onde estavam suas coisas. Nesses dois
dias Matsuura tinha subido duas cadeiras, um bonito espelho e um
baú. Olhando para as lindas roupas que Harald comprara para ela na
época, pensou no que vestir. Harald sempre foi esplêndido com ela,
gostava de entretê-la com coisas materiais, e se ela não tinha o que
vestir quando o conheceu, agora tinha inúmeros vestidos, saias,
sapatos, corpetes e camisolas.
Com carinho, acariciou tudo aquilo que teria que abandonar ali
depois de alguns dias. Não pensava em levar e, olhando-os, tomou uma
decisão. À exceção do dia da festa que Demelza daria em sua casa, não
utilizaria nada daquilo. Só usaria suas próprias roupas. Por isso, e
como ia sair para caçar, olhou as calças que não havia usado desde
que tinha chegado aquela casa, as colocou com uma camisa e seu
colete e, depois, calçou suas botas. Depois de vestir-se, pegou as
adagas que estavam no chão e as guardou: duas na cintura e outra no
interior da bota.

Quando acabou, penteou-se de frente ao espelho e pôde


comprovar que tinha olheiras. Isso a surpreendeu; há meses não as
tinha. Recolheu o cabelo em um rabo de cavalo e depois de contemplar-
se no espelho, sorriu e murmurou convencida:

— Alison Francesca Isobel Marguerite Orquídea, fodida pirata,


volta a ser você!

Olhou a katana, aquela espada que desde que tinha chegado


aquele lar não tinha tido que empunhar. Com carinho, pegou-a
também, tocou-a, mas finalmente a deixou no lugar. Para caçar não
precisava dela, assim pegou o arco e quando ia pendurá-la as costas,
ouviu pequenos golpes na porta.

— Entre, tio Matsuura.

Olhou para a porta com um sorriso, pensando que se tratava do


tio, mas o sorriso se apagou ao ver Harald. Seu gesto era sério, tanto
quanto o dela, e mais quando o ouviu perguntar:

— O que faz assim vestida?

Imediatamente a jovem levantou o queixo e retrucou:


— Vou caçar.

Harald assentiu. Não era a primeira vez que Alison fazia aquilo,
mas o surpreendeu vê-la vestida com essas roupas que tinham
chamado tanto sua atenção. Estava linda.

Ela, em troca, imaginou justamente o contrário ao ver como a


olhava. Sem dúvida, desagradava-lhe vê-la assim vestida, e nesse
instante decidiu voltar a ser a que era e disse caminhando para ele com
gesto carrancudo:

— Se não se importa, este é meu quarto.

Depois de três dias sem falar com ela, Harald não esperava ouvir
isso e ia falar quando a porta se fechou em seu nariz de repente.

Sério?

A seguir Alison levantou o queixo, deu a volta e sorriu. Acabou-se


a doce e conciliadora Alison Wilson. Voltava a ser a ousada e descarada
Alison Moore.

Sem acreditar, o viking fechou os olhos por segundos. Aquela


faceta sua o deixava doente, mas ciente de que era parte de seu
encanto, com segurança pegou então o pomo da porta e a abriu de
novo.

— Alison...

Ouvir seu nome fez com que ela se voltasse e, semicerrando os


olhos, murmurou:

— Você tem seu quarto e eu tenho o meu, esqueceste?

Ele não respondeu. Se estavam assim tinha sido por não ter
pensado antes de agir. Era uma boca grande, e tentando reconduzir a
situação disse:
— Acredito que deveríamos falar.

Mas a jovem replicou com uma frieza que o deixou surpreso:

— Você e eu já não temos nada do que falar.

— Alison...

Ela, implacável, pois tinha se preparado para algo assim, insistiu:

— Vamos lá, restam poucas semanas para que me vá. Que tal se
vivemos em paz estas semanas?

— Não vai partir. — Murmurou ele furioso ao ver sua segurança.

— Porque você o diz?!

— Alison...

— Alison Francesca Isobel Marguerite Orquídea, esse é meu


nome!

Harald piscou.

— Acaso pretende que agora te chame assim?

Ciente de que a desesperava quando se comportava desse modo,


a moça exclamou:

— Fodido viking! Acabo de te dizer que é meu nome.

— Fodido viking?!

— Acaso é escocês, asiático ou francês? — Apontou ela com


zombaria.

Harald soprou irritado ao vê-la tão zangada quando ele precisava


falar de algo importante. Que difícil se colocava!

De repente, a Alison que tinha ante si voltava a ser a mulher fria


e esquiva que conheceu em Edimburgo. Mas, conhecendo a parte doce
de Alison, e precisando se conectar com ela, perguntou omitindo o que
pensava:

— Está melhor?

Enquanto guardava as flechas uma a uma, Alison retrucou


tentando não perder a compostura:

— À primeira vista, sim.

Ficaram em silêncio, e ela acrescentou:

— Sairei para caçar, mas quando retornar falarei com as crianças


sobre minha partida.

— Mas o que diz?...

— Quanto antes saibam, mais cedo aceitarão.

Horrorizado por aquilo, ele exclamou sem se mover do lugar:

— Alison, por Thor! Falemos antes, você e eu.

Ela o olhou e sibilou com ironia:

— Harald, por Tritão! Eu disse que não tenho nada a falar contigo.

O corpo do viking se rebelou. Quando se colocava de modo tão


impossível sentia vontades de matá-la, e sem pensar soltou:

— A que vêm essas maneiras? Por que te comporta assim?

— Minhas maneiras são as que merece. — Replicou ela sem


mudar a carranca, e a seguir cochichou: — Não esqueça que sou Alison
Moore, a Joia Moore. A pirata sanguinária que...

— É minha mulher e...

— Eu não sou sua mulher! — Cortou-o. E ao ver como a olhava,


acrescentou adoçando o tom, desejosa de importuná-lo: — Se o diz para
desfrutar do meu corpo, calma. Já sabe que sou pagã e desejo
aproveitar do seu antes de partir. E, não, não me olhe assim. Já te disse
que isso é importante para mim.

A cada instante mais surpreso por seu descaramento e seu


comportamento quando ele queria falar com ela de sentimentos, Harald
calou. Se dizia o que pensava, sem lugar a dúvidas ela se zangaria mais
ainda.

— E agora me faça um favor e desaparece de minha vista. — Disse


enquanto pegava o pomo da porta. — Que eu saiba, não te chamei e
muito menos te convidei a entrar em meu quarto.

Quando se dispunha a fechá-la, desta vez ele não o permitiu, e


Alison sibilou zangada:

— Vai!

— Não.

Incapaz de ganhá-lo em força física, pois ele era mais alto e fornido
que ela, a jovem olhou seus dedos e, sem hesitar, os mordeu.

Rapidamente Harald grunhiu dolorido.

— Sempre bruta!

Com seu típico descaramento, Alison assentiu. Cansou-se de ser


doce e gentil. Não ia permitir que ele fizesse mais machucados em seu
coração.

— Posso sê-lo muito mais. — Replicou. — Não me tente!

Durante segundos os dois se olharam com rivalidade, até que ela


disse:

— E agora vou fechar a porta.


— Não.

— Não?!

Harald negou com a cabeça e sibilou zangado:

— Se este é seu quarto, me permita te recordar que esta é minha


casa.

Sem alterar-se, a jovem balançou a cabeça. Conhecendo-o,


esperava que cedo ou tarde chegasse essa resposta, e inspirando,
respondeu:

— Muito bem. Fique com seu fodido quarto e sua fodida casa. Não
preciso nem delas nem de você.

E, saiu ao corredor, onde pôs-se a andar para dirigir-se para o


térreo e Harald, atônito por seu proceder, gritou indo atrás dela:

— Alison, pare!

— Não.

— Alison, obedece! — Disse levantando a voz.

Ouvir aquele bramido fez com que a jovem se detivesse.

— Obedecer? A você? — Zombou. Ele não respondeu, e ela


acrescentou: — Ora, não me faça rir.

Zangado pela situação, ia falar quando ela, furiosa como nunca


esteve em sua vida, sibilou enquanto Tritão se aproximava deles:

— Odeio-te. Odeio-te como nunca odiei a ninguém.

Harald negou com a cabeça e, vendo como estava nervosa,


murmurou:

— Isso não é verdade. Ama-me.


Essa verdade doeu na jovem. Ela e só ela era a culpada de que ele
soubesse e, com uma frieza que levava tempo sem usar, grunhiu:

— Não, Harald, não se equivoque. Não te amo. Acreditei sentir


algo bonito por você, mas abri os olhos e percebi que não merece meu
amor. — E, endurecendo a voz, resmungou: — Não merece nada meu,
nada!

Horrorizado pelo que ouvia e via em seu rosto, o viking se


aproximou. Tinha que tranquilizá-la, serená-la. Mas quando levantou
o braço para tocá-la, ela ergueu a mão e o advertiu:

— Nem pense me tocar.

Ele retirou a mão, mas se aproximou mais dela, e ela sem hesitar
o empurrou.

— Está acabando com minha paciência. — Afirmou então Harald


zangado enquanto Tritão começava a ladrar.

Alison assentiu sorrindo, sem precaver-se de que pela porta do


quarto das crianças apareciam as cabecinhas de Will e Briana.

— Sorte a tua, que ainda tem paciência, porque a minha já me


acabou! — Respondeu.

Com um rápido movimento, ele a pegou e a imobilizou contra a


parede, mas quando ia falar, Alison lhe deu uma cabeçada. Por sorte,
desta vez pôde esquivar-se. Furiosa por não ter conseguido o que
esperava, com sua mão livre, Alison tirou da cintura uma das adagas
e, sem pensar, a apertou contra suas costelas e murmurou:

— Me solte ou te juro que lhe cravo isso.

— Alison... solte a adaga. — Replicou ele atordoado.

Mas ela, negando-se, insistiu enquanto ignorava os latidos do cão:


— Pelo seu bem, me solte.

Estavam olhando-se como dois autênticos rivais quando de


repente se ouviu gritar:

— Nãoooooo!

Ouvindo a voz de Briana, ambos se voltaram e, ao ver as crianças


olhando-os com cara de espanto, em seguida se separaram.

Os quatro ficaram olhando-se em silencio no corredor da casa, até


que Will, depois de chamar Tritão, que estava tão nervoso quanto eles,
pegou-o e perguntou:

— Mas o que acontece com os dois? Por que seguem brigando?

Harald e Alison não souberam o que responder; que as crianças


tivessem presenciado aquele terrível espetáculo era embaraçoso para
eles. Alison, vendo o desconcerto de Harald, sussurrou:

— Sentimos muito. Estávamos discutindo e o controle saiu de


nossas mãos.

Will assentiu e Briana, assustada, começou a chorar.


Rapidamente Harald foi até ela, e, pegando-a nos braços, murmurou:

— Querida... querida... sinto muito.

— Tenho medo. — Soluçou a menina.

Alison guardou a adaga e, aproximando-se deles, acariciou a


cabecinha da menina com amor enquanto a beijava e murmurava:

— Sinto muito, minha vida. Prometo-te que não voltará a


acontecer.

Will se apressou a abraçá-la e Harald, aproveitando o momento,


passou seu braço livre por cima dos ombros de Alison e a aproximou
dele. Os quatro ficaram unidos em um emotivo abraço e quando,
segundos depois, o viking notou que todos o olhavam, assegurou:

— Prometo-lhes que isto não voltará a acontecer nunca mais.

Alison não disse nada, sua proximidade como sempre a seduzia,


e Briana falou:

— Mamãe sempre disse que se promete tem que cumprir.

Harald sorriu com uma triste careta e, depois de dar um beijo na


pequena e deixá-la no chão junto a seu irmão, declarou olhando para
Alison:

— Sem dúvida sua mãe tem razão.

A jovem sentiu os ouvi-lo irrefreáveis vontade de chorar e, incapaz


de aguentar um segundo mais, disse dirigindo-se as crianças:

— Will, Briana, tenho algo que contar.

Horrorizado, Harald a olhou.

— Alison, não. — Suplicou.

Mas já estava decidido. Nunca seria um bom momento para dizê-


lo. Agachando-se para estar a sua altura, a moça engoliu as lágrimas
e começou:

— Sabem que os amo muito, verdade? — As crianças assentiram


e prosseguiu: — Quando os encontrei, estavam sozinhos. Seus pais
tinham morrido e eu prometi que lhes buscaria um lar, recordam-no?

— Sim, mamãe. — Disse Will.

Alison assentiu.

— Pois bem, está linda casa será lar de vocês, junto a Sigge e
Harald.
Will olhou o viking que estava sem reagir, mas Briana interveio:

— Mamãe, esqueceu te falar seu nome e do tio Matsuura.

Com um triste sorriso, Alison acariciou seu rosto. A inocência das


crianças era a coisa mais bonita do mundo e, sabendo de que, dissesse
como dissesse, nunca acertaria, murmurou:

— Tio Matsuura e eu temos que partir.

O mundo cambaleou sob os pés de Harald. Alison não podia


partir. O que ele ia fazer sem ela?

— Nãoooo... — Sussurrou Will.

— Sim, querido. Dentro de alguns dias tio Matsuura e eu


partiremos.

— Mas por quê?

Alison suspirou e, sem olhar para Harald, ou a força que tinha


nesse instante se desmoronaria, respondeu:

— Porque este não é meu lar.

— Mas o que diz, mamãe? — Murmurou Will.

— Querido, eu tenho um lar. Um lugar onde me esperam e está


muito longe daqui.

— Pois vamos contigo, verdade, Will? — Sussurrou Briana em um


fio de voz.

Isso emocionou a jovem, enquanto que Harald lhe partia o


coração, mas respirou fundo e retrucou:

— Não, linda. Não podem vir. Quero que estejam seguros e a salvo,
e isso eu não posso oferecer, mas Harald sim. Com ele terão uma
maravilhosa vida nesta bonita casa, onde não lhes faltará de nada, e...
— Faltará você. — Will soluçou.

Levando-a mão ao coração, Alison assentiu e Will exigiu então


dirigindo-se a Harald:

— Diga que não parta, papai. Diga que este é seu lar.

Ele olhou para Alison, que não o olhava, e quando ia falar ela se
adiantou:

— Will entenda que Harald ama muito a Sigge, Briana e você. E


Janetta cuidará de vocês.

— E não te ama? — Perguntou Briana entre soluços.

Alison, horrorizada, dispunha-se a responder quando Harald


sussurrou as palavras saídas do fundo de seu coração:

— Claro que a amo.

A jovem ficou nervosa, mas ainda sem dirigir a vista ao viking e


omitindo seu comentário, prosseguiu olhando as crianças:

— Estando aqui poderão ver Demelza, Ingrid, Peter e Aiden.


Inclusive Harald os levará para visitar os tios Thomas e Regina e...

— Mas eu não quero que vá. — Retrucou a menina chorando.

— Briana...

— Mamãe, por favor.

Incapaz de seguir com aquilo, que só causava dor, Alison deu um


beijo na pequena na cabeça e se levantou.

— Sei que possivelmente são muito pequenos para entender o que


vou dizer. Mas não devem chorar porque tenhamos que nos despedir,
mas sim devem sorrir porque um dia chegamos a nos conhecer.
E, vendo as lágrimas no rosto das crianças, respirou, depois de
fazer um carinho com a palma da mão em cada um, sussurrou:

— Agora vou caçar.

Briana rapidamente a pegou pela mão e Alison afirmou olhando-


a:

— Prometo que retornarei para estar contigo, certo?

A menina assentiu e ela, sem olhar para Harald, que estava


destroçado, deu a volta e partiu enquanto ouvia Will e Briana soluçar
e imaginava que ele os consolava.

Uma vez fora da casa, correu até as cavalariças, onde montou o


Pirata, e assim que se afastou, gritou furiosa ao ar:

— Não vou chorar! Não!


Os dias seguintes na casa foram um pouco complicados. As
crianças dormiam mal. Não paravam de suplicar que não partisse,
enquanto Harald tentava uma e outra vez falar com ela e Matsuura
simplesmente os observava com seriedade.

Harald procurou a ajuda do japonês. Contou-lhe quais eram seus


sentimentos e ele prometeu falar com Alison. Mas fazê-lo não era fácil.
Alison se negava a falar também com seu tio sobre o assunto e embora
ele, zangado, contou-lhe tudo o que o nórdico lhe havia dito, ela nem
se alterou. Não pensava acreditar.

Para a jovem esses dias foram uma tortura. Sentia-se péssima.


Todos os que a rodeavam estavam tristes, desconsolados, enquanto ela
tentava fazê-los ver que a vida continuava e que todos estariam bem.

Seguia sem permitir-se chorar, e isso lhe provocava dores de


cabeça tremendos. A solidão se converteu de repente em sua melhor
companheira, e embora de madrugada ouvisse Harald rondar pelo
corredor, não lhe abria a porta, pois fazê-lo seria um erro.
Às quatro da madrugada da sexta-feira, a jovem estava inquieta.
Em apenas vinte e quatro horas teria que estar na praia de Cullen,
como tinha prometido a seu pai.

Levantando-se da cama, caminhou para a lareira. Durante um


momento esteve olhando o fogo sumida em seus pensamentos, até que
seu estômago rugiu e decidiu descer à cozinha para comer alguma
coisa.

Com precaução, abriu a porta e, ao comprovar que o corredor


estava vazio, descalça e vestida somente com uma fina camisa, desceu
a escada e se dirigiu à cozinha. Uma vez ali, viu sobre a mesa o bolo
que Janetta tinha levado aquela manhã e cortou um pedaço.

Deu uma dentada. Estava muito bom.

Enquanto o comia, aproximou-se da janela para contemplar as


estrelas. A noite era clara e a lua quase estava cheia. Comia com
satisfação o bolo quando a luz que desprendia pela janela, vindo da
lareira da casa em que vivia tio Matsuura lhe permitiu ver o japonês
abraçando Janetta. Isso comoveu a jovem, que sorriu. Claramente tio
Matsuura tinha encontrado sua felicidade na mulher. Mas, mesmo
assim, tinha decidido retornar à La Bruxa del Mar com ela. Seu tio era
outro cabeçudo.

Sem querer ser indiscreta, retirou-se da janela e, enquanto comia


o bolo, foi até o salão. Ao chegar, Tritão, que dormia junto a lareira,
levantou-se e foi a seu encontro. Sorrindo, Alison se agachou o
acariciou e, lhe dando uma parte de bolo, que o animal devorou,
sussurrou:

— Eu sei. Está muito bom.


Com tranquilidade, aproximou-se do cômodo banco de madeira
escura que tinha pertencido à casa que Harald e Ingrid viveriam na
Noruega. Com carinho, olhou-o e, sentando-se nele, afirmou:

— Acredite ou não, também vou sentir sua falta.

Quando terminou de comer o bolo, apoiou a cabeça no respaldo e


ficou olhando o fogo. Sem querer evitar, recordou todos os momentos
nos dias que tinha vivido nessa linda casa, e sorriu. Harald, as
crianças, Tritão e seus amigos tinham proporcionado infinidade de
inesquecíveis lembranças que sem dúvida entesouraria para sempre
em seu coração.

Com um sorriso pensava em tudo aquilo quando de repente


Harald apareceu a seu lado. Ambos se olharam, até que Alison fez gesto
de levantar-se e este, sem mover-se, disse:

— Uma vez me disse que a melhor maneira de solucionar um


problema entre um casal era olharem-se nos olhos e sorrir.
Esqueceste?

Alison negou com a cabeça. Nunca poderia esquecer nada que


tivesse que ver com ele, e respondeu:

— Não. Não esqueci.

O viking balançou a cabeça e, notando-a calma, sussurrou:

— Alegra-me que não tenha esquecido.

Permaneceram em silêncio até que finalmente Harald perguntou


apontando o banco:

— Posso me sentar?

Alison assentiu e, quando ele se acomodou, ela sentou no chão.


Harald se apressou a dizer:
— Cabe nós dois.

— Eu sei.

— Então por que...?

Sem deixá-lo terminar a frase, Alison retrucou:

— É seu assento, não o meu.

Isso doeu no viking. Tinha feito tudo terrivelmente mal. Tudo o


que ela lhe dissesse ele merecia e tinha que calar.

Sem olhá-lo para não o reprovar mais, a jovem contemplou o fogo


sem pronunciar uma palavra enquanto Harald a observava. Tinha
tantas coisas que lhe explicar, mas não sabia por onde começar; então,
precisando dizer algo, soltou:

— Esta noite você está muito bonita.

Alison levantou o olhar. Era a primeira vez que recebia um


galanteio dele e perguntou surpreendida:

— Tem febre ou algo assim?

Entendendo sua resposta, Harald sorriu.

— Não. Simplesmente digo o que vejo.

— Ah, você vê? — Zombou ela.

— Agora sim, Alison — retrucou ele. — Agora vejo.

A jovem assentiu e, sem querer deixar-se enganar por aquele


galanteio que em outro momento teria sido melhor recebido,
murmurou:

— Pois obrigada, Harald. Estou contente de que me veja.


Perceber sua frieza, quando sabia que em seu interior se escondia
um furacão cheio de amor, sentimentos, luz e vida, desesperou o viking.
Alison não chorava. Como havia dito uma vez, nunca lhe tinham
permitido fazê-lo, e isso tornava seu distanciamento ao extremo.

Harald, por sua vez, por mais inteligente que fosse em sua vida
cotidiana, era totalmente inútil quando se tratava de cortejar uma
mulher como ela. Em silêncio pensava no que dizer, o que fazer para
chamar sua atenção, quando perguntou:

— Seu pai e seus tios a esperarão onde disseram no dia acordado?

Alison assentiu e, sem esclarecer que era no dia seguinte e não no


fim de duas semanas, quando partiria, afirmou:

— É obvio.

Harald aguardou que ela dissesse algo, que tentasse falar com ele,
mas a jovem não o fez. Seguia olhando o fogo em silêncio quando ele,
com muita vontade de comunicar-se com ela, insistiu:

— A tristeza das crianças me parte a alma. — Alison assentiu sem


olhá-lo e ele prosseguiu: — Briana e Will não param de me pedir que te
convença para que não vá. Não entendem que, estando casados, você...

— Diga-lhes que não estamos casados. É fácil.

— Não posso dizer isso.

— Por que, se é a verdade? — Perguntou ela. O viking não


respondeu e a jovem acrescentou: — A verdade só tem um caminho.

— Alison, por favor, me deixe falar contigo e...

— Maldito seja, Harald! Lê meus lábios: não temos nada de que


falar!
— Mas eu preciso...

— O que você precisa não me interessa, vamos ver se entende de


uma vez!

De novo, silêncio entre ambos, e Alison sussurrou:

— Levará as crianças a Aberdeen para ver Thomas e Regina?

— Sim, fá-lo-ei. Não se preocupe.

Então ele se sentou no chão junto a ela e murmurou:

— Sinto que tudo acabe assim.

Ouvir sua voz, cheirar seu aroma e senti-lo perto, como sempre,
a seduzia, e ao olhá-lo murmurou:

— Eu também sinto, Harald... asseguro-lhe isso.

Observaram-se de novo em silêncio, até que ela, desejando fazer


amor uma última vez com ele, abraçou-o. Sem hesitar, Harald aceitou
aquele abraço tão desejado, e permaneceram assim um bom momento
sem dizer nada, até que ela soltou deixando-se levar:

— Desejo-te.

O viking não falou, não podia. E ela, sentando-se escarranchada


sobre ele, tentando esquecer todo o ocorrido nos últimos dias para
aproveitar daquele último momento íntimo entre ambos, sussurrou:

— Você me deseja... tolinho.

Harald sorriu e ela acrescentou:

— Uma vez mais, serei eu a pagã que toma a iniciativa.

Mas ele reagiu de repente e, disposto de que tudo mudasse entre


eles, cochichou olhando-a:
— Não, Alison. O pagão sou eu, e desta vez serei eu quem a
tomará.

E, aproximando sua boca a dela, beijou-a com autêntica devoção.

Nunca tinha precisado tanto de uma mulher e desejado como a


Alison. Adorou a Ingrid. O carinho que sentiu por ela foi crescendo
lentamente com o passar dos anos, mas Alison, em pouco tempo, não
só a amava, como precisava dela em sua vida.

Gostou de pensar nisso. Para trás deixava o passado para viver o


presente e construir um novo e bonito futuro. Acabava de admitir a si
mesmo, uma vez mais que a queria, que a amava. Amava essa mulher
acima de tudo, e deitando-se, colocou-a sob seu corpo e murmurou:

— É minha.

Sobressaltada pelo que ouvia, ela sorriu e, quando sentiu como


as mãos dele subiam sua camisa, desejosa de ser possuída para
recordá-lo eternamente, afirmou:

— Neste instante... sim.

Sentindo-se poderoso como há muito tempo não se sentia, Harald


tirou sua camisa, que atirou a um lado, e contemplou o corpo dela, nu,
e que adorava.

— É linda...

Excitada, Alison sorriu. Harald começou a beijar seu pescoço,


depois os seios, baixou para seu umbigo e, quando sua boca se instalou
no centro de seu ardente desejo, a jovem estremeceu. Não porque
Harald antes nunca lhe tivesse feito isso, mas porque desta vez a
sensação de posse dele era muito diferente.
Deixando-se levar pelo prazer, se entregou como nunca tinha
desfrutado daquilo que Harald fazia sem lhe importar com nada mais.
Não havia vergonha. Não havia recriminações. Não havia exigências. Só
havia gozo puro e duro, e com isso queria ficar na lembrança.

Depois de fazê-la gritar pelos agradas por vários momentos,


Harald subiu com sua boca até a dela, beijou-a com exigência e,
quando o abrasador beijo acabou, lhe introduziu seu duro pênis entre
suas pernas, sussurrando e olhando-a nos olhos:

— Se abra para mim.

Dominada, ela obedeceu e, quando o membro dele entrou


totalmente nela de uma certeira estocada, arqueou-se de prazer
enlouquecida pelo momento.

Beijos, ofegos, roce, carinhos, tudo estava permitido nesse


instante, e então ouviu Harald dizer:

— Me olhe, meu amor... me olhe.

Sem hesitar, ela o fez. Ele se arremeteu contra ela e ambos


estremeceram de prazer. O viking saiu dela e voltou a penetrá-la. Os
dedos da jovem se cravaram em suas costas, e Harald, sorrindo, voltou-
o a fazê-lo.

Enlouquecida, Alison ofegou enquanto ele, olhando-a nos olhos,


a possuía com autêntica paixão.

— É minha, meu amor. Só minha.

Tremendo de gozo pelo modo como aquele homem, a quem tanto


desejava, fazia com ela, a jovem se entregou por completo enquanto
seus corpos se encontravam uma e outra vez, enquanto davam e
recebiam todo o prazer do mundo, até que um demolidor orgasmo os
assolou ao mesmo tempo e ambos gritaram de prazer.

Convexo sobre ela, mas apoiado em uma mão para não esmagá-
la, Harald sorriu. Nem no melhor de seus sonhos tinha imaginado em
lhe fazer amor assim.

— Bonita lembrança — afirmou ela, sorrindo como ele.

Um beijo...

Dois...

Durante um momento, frente à enorme lareira do salão,


aproveitaram novamente de intimidade, mimos e carícias esquecendo-
se de tudo, até que Alison cravou os olhos no escudo que se pendurava
sobre a lareira e, sentindo que a magia do momento se rompia, de
repente perguntou:

— Possuiu-me ou a ela?

Harald a olhou boquiaberto. Sem necessidade de que tivesse


pronunciado seu nome, sabia a quem se referia, e se apressou a
responder:

— A dúvida me ofende. É obvio que a você.

Mas a receptividade de Alison já não era a mesma e, afastando-se


dele, pegou sua camisa e, enquanto a vestia, indicou recuperando sua
frieza:

— Sinto muito, mas me permita que duvide.

— Por quê?

Ela o olhou e, incapaz de calar, esclareceu:

— Chamou-me de «meu amor».


Consciente do que ela podia estar pensando, Harald se apressou
a afirmar:

— Você é meu amor.

Alison sentiu o sangue correr, levantando do chão, sibilou:

— Mentiroso! Sempre disse que...

— Sei o que disse — a cortou ele ficando também em pé. — E sei


o que acabo de te dizer agora. E, sim, Alison, meu amor é você!

Com vontade de desaparecer antes de que terminasse de afundá-


la, a jovem ia dar meia volta quando ele a segurou por um braço.

— Sei que neste tempo não fiz as coisas muito bem. Sei que por
minha culpa estamos nesta situação. Mas, por todos os deuses, não
quero que duvide nem por um instante de que foi você que possuí e fiz
amor.

Surpreendida por sua declaração, a jovem não se moveu, e ele,


soltando-a, pegou suas calças e prosseguiu enquanto a vestia:

— Sou um tolo, um caipira, um néscio, mas por fim despertei e...


e te quero, Alison. Eu te amo.

Boquiaberta, ela negou com a cabeça. Conhecendo-o, no final de


algumas horas mudaria de opinião.

— Só precisei sentir que a perdia para perceber de que preciso de


você a meu lado para viver — acrescentou Harald. Emocionada pelo
que ele dizia e sem querer acreditar, ela voltou a negar, mas Harald
murmurou: — Sinto ter perdido o controle quando vi que tinha pego a
maldita mesinha dos avós de Ingrid. Não sei o que me tomou e...

— Pois o que te tomou é que não suporta que ninguém toque o


que foi dela — o cortou ela. — Isso foi o que te tomou.
Harald balançou a cabeça, sem dúvida tinha razão.

— Posso ser totalmente sincera contigo?

— Pode.

Alison assentiu e, tomando forças, disse:

— Foi uma fatalidade que Ingrid morresse. Oxalá nada disso


tivesse ocorrido pelo bem de sua felicidade, mas por desgraça
aconteceu. Compreendo que a lembrança dela viva em você como vive
a lembrança de minha mãe em meu pai.

— Alison...

— Durante estes meses conheci diversos Harald. O que me


ignorava porque parecia que não gostava de mim; depois o Harald que
parecia preocupar-se comigo; depois o que, logo após um encontro em
um estábulo, disse-me que nunca haveria nada entre nós; mais tarde
surgiu o que incompreensivelmente me pediu em matrimônio e
ofereceu um lar, mas não amor; depois veio o Harald que, mesmo
descobrindo quem eu era, pediu-me que o acompanhasse a seu lar em
benefício das crianças, e por último, agora, aparece o que...

— Alison, por favor... me acredite. Amo-te! — Murmurou ele


martirizado.

— Raios e centelhas, não minta! Não diga tolices! Você não me


ama e nunca me amará.

Para o viking ouvir isso dela não era fácil. Sabia que suas dúvidas
e insegurança não tinham feito bem a ela; então a ouviu perguntar:

— Pode me dizer quantas Alison viu em mim?

— A que se refere?
— Eu fui tão mutável quanto você?

— Sempre foi você mesma — murmurou ele.

— Nunca te pedi nada. Nunca exigi que desaparecessem de minha


vista as coisas que foram de Ingrid porque sabia que isso causaria
problemas. Mas Harald, é muito revoltante, para não dizer frustrante,
viver em um lugar onde cada canto da casa recorda sua mulher. E
quando decidi arrumar, consertar... não jogar fora, nem destruir, nem
quebrar, algo que era dela, note aonde nos levou. Zangou-se tanto
comigo que, sem pensar em meus sentimentos ou como podia me
sentir, até mesmo sabendo que eu te amava, expulsou-me de seu
quarto e também de sua vida. Portanto, agora, não tem vergonha
porque não posso te acreditar, ao me dizer que sou seu amor e que me
quer.

Martirizado, ele assentiu, Alison voltava a ter razão, e ela, incapaz


de calar, perguntou:

— Pelas barbas de Netuno... em algum momento se pôs em meu


lugar?!

— Não.

— Poderia viver com uma mulher que não te ama, que passa o dia
inteiro o comparando com seu falecido marido e que não te permite
tocar em nada da casa em que vivem porque tudo o que o rodeia foi
dele?

Harald negou com a cabeça. Ouvir isso era terrível.

A desafortunada morte de Ingrid o tinha bloqueado de tal maneira


que, até que Alison tivesse chegado a sua vida e o tivesse feito sentir
que precisava dela para viver, não tinha sido consciente da realidade,
por muito que todos que o rodeassem o dissessem.

Ingrid estava morta. Havia falecido há anos e isso nada nem


ninguém iria mudar. E olhando Alison, a mulher que o tinha feito ver
que a vida continuava e que amava, falou:

— Alison, amo-te.

— Por Iemanjá! Seu nível de estupidez sobe por segundos!

— Por favor, querida, não vá. Fique comigo! Agora estou ciente de
todos os erros que cometi. E asseguro que, se me permitir, ressarcir-
te-ei de todos eles.

— É tarde, Harald.

— Escute, Alison. Não é tarde — insistiu ele desesperado. — Você


e eu estamos aqui. Estamos vivos. Estamo-nos olhando nos olhos e...

— Não acredito em você! Maldito seja, não acredito! — Gritou


perdendo o controle.

Ver seu aborrecimento e ouvir sua raiva fez com que Harald
calasse e ela, dando meia volta, correu para seu quarto.

Só e atordoado, o viking amaldiçoou em norueguês. Com raiva,


recolheu sua camisa, que estava no chão. Pensou em ir atrás de Alison
para seguir falando com ela, mas percebera o estado em que ela se
encontrava, e temia que os gritos despertassem as crianças e se
assustassem. Já tinha acontecido dias atrás e não queria que voltasse
a acontecer. E menos ainda depois haver prometido a Briana.

Por isso, e embora furioso, dirigiu-se para seu quarto, ciente de


que tinha mais de duas semanas para lhe demonstrar seu amor e fazer
com que mudasse de opinião, embora em realidade ignorava que não
tinha nem sequer um dia inteiro.
No sábado pela manhã, quando Alison descia a escada as crianças
correram para ela para abraçá-la. Se normalmente eram carinhosos,
nesses dias eram muito mais. Beijocou-os com prazer até que Briana
disse puxando-a:

— Mamãe, veem, corre!

Deixando-se levar pela menina, entraram no salão. Ali estava


Harald, com a pequena Sigge, e ao vê-la aparecer a cumprimentou.

— Bom dia, querida.

Alison levantou uma sobrancelha e ia soltar uma de suas ironias


quando, vendo que Will e Briana a olhavam, murmurou com um
sorriso:

— Bom dia.

Rapidamente Will pediu:

— Papai, deixe Sigge no chão para que mamãe veja o que faz.

Com um sorriso, Harald obedeceu e, soltando à pequena, indicou:

— Vamos, Sigge, vai para Will.


A menina cambaleou para os lados enquanto o viking estava
próximo dela para segurá-la se precisasse; de repente Sigge, dando um
passo atrás do outro, começou a caminhar entre risadas em direção a
seu irmão.

Alison sorriu. Era a primeira vez que a via andar sozinha e,


emocionada, exclamou olhando para Harald:

— Ah, Deus! Sabe caminhar sozinha!

O viking assentiu.

— Hoje levantou com vontade de andar.

A seguir pegou de novo à pequena e, depois de beijá-la, colocou-a


em posição e disse:

— Vamos, Sigge, vai para mamãe.

E, sem hesitar, a pequena caminhou até Alison, que, emocionada,


pegou-a e fez sons de beijos no seu pescoço, algo que à menina adorava.

Os cinco integrantes da família aproveitaram daquele maravilhoso


momento, e um pouco mais tarde Janetta entrou no salão e se dirigiu
a Alison:

— Desculpe, milady, mas Matsuura a procura.

Alison, ainda sorrindo pelos progressos da menina, saiu do salão.


Janetta e ela caminhavam em silêncio quando a mulher, parando,
sussurrou:

— Milady, posso pedir um favor?

— Claro... me diga.

Janetta, ao comprovar que ninguém podia as ouvir, apressou-se


a dizer:
— Por que não me leva com você e Matsuura?

Ciente de que seu tio lhe havia dito a verdade, Alison a ordenou
calar e, quando as duas saíram ao exterior da casa, murmurou:

— Janetta, não sei o que te disse Mat...

— Sei o que vai ocorrer esta noite.

Alison fechou os olhos, ia matar a seu tio...

— Se contares a alguém, juro que não sei o que te farei.

Ela, um pouco assustada por ouvi-la dizer isso, apressou-se a


responder:

— Antes morreria que contar alguma coisa, milady. Pode estar


segura.

Alison assentiu e, olhando a mulher que tanta ternura


despertava, retrucou:

— Sinto muito, mas não pode vir conosco.

— Mas, milady...

— Janetta, me acredite, não pode.

Angustiada, a mulher suspirou.

— Matsuura me disse isso, mas tinha a esperança de que você


tivesse piedade de mim.

Alison a abraçou com carinho e, por fim, sussurrou:

— Peço-te que fique com as crianças. Eles vão precisar de você


como não precisaram de mais ninguém em sua vida. E Harald também.
Provavelmente te ofereça que venha viver na casa que agora é de
Matsuura para tê-la por perto e deve aceitar.
Comovida, finalmente a mulher assentiu e, olhando-a,
murmurou:

— Milady, prometem-me cuidar de Matsuura?

Alison sorriu e afirmou sem hesitar:

— Prometo-lhe.

E, sem precaver-se de que Harald as observava da janela, as duas


mulheres se dirigiram para a casa de Matsuura.

Uma vez ali, o japonês deu um beijo nos lábios de Janetta e disse:

— Vá com o senhor. Está sozinho com as crianças e poderia


precisar de você.

Ela assentiu e, assim que desapareceu e ficaram sozinhos, Alison


ia perguntar quando ele falou olhando-a:

— Imagino que haverá dito que não, verdade? — Ela afirmou com
a cabeça. — Calma, Janetta não dirá nada a ninguém. Mas tive que
contar a moça. Não sei mentir e não queria desaparecer de sua vida
sem lhe dar uma explicação. É uma boa mulher, sinto algo por ela e
não queria que...

— Entendo-o. Não se preocupe.

Permaneceram em silêncio até que ele disse:

— Esse homem te ama, Alison, e...

— Por Odin! — Grunhiu ela. — Não comece você também agora


com isso.

Matsuura soprou.

— Shensi, Por Tritão!

Irritada, a jovem olhou para seu tio.


— Acabou-se! Não quero ouvir uma palavra mais referente a
Harald e a mim. É minha vida, são meus sentimentos e eu os controlos,
fica claro?

— Mas...

— Fica claro? — Insistiu levantando a voz.

Finalmente o japonês assentiu. Sabia que, quando a jovem ficava


assim, era impossível falar com ela e, dando meia volta, sussurrou:

— Quando partirem para festa de Demelza, eu irei com meu cavalo


e o teu até o lugar que combinamos da fortaleza. Ali deixarei amarrado
a uma árvore o Pirata para que possa pegá-lo e retornar aqui para me
buscar.

— De acordo, tio. — Ela suspirou.

— Recorde, antes de partir deixe as coisas que queira levar sobre


o baú de seu quarto. Assim saberei o que tenho que pegar.

— Certo.

Logo ficaram olhando-se, ambos tinham centenas de coisas na


cabeça, até que Alison sussurrou:

— Sinto muito, tio Matsuura. Sinto haver falado assim.

O japonês assentiu e, quando ia falar, ela comentou:

— Sabe que a gambazinha se levantou hoje com vontade de


andar?

Surpreso por aquilo, porque a pequena dorminhoca era bastante


preguiçosa, o japonês exclamou:

— Não me diga!

Alison assentiu tentando sorrir e, pegando-o pela mão, animou-o:


— Vamos ao salão. Assim poderá vê-la caminhar.

Minutos depois, no salão, todos riam vendo a pequena andar,


enquanto Alison sorria e a Harald lhe rompia o coração.
Como cada vez que celebravam uma festa, a fortaleza de Aiden e
Demelza se tornava suntuosa.

Quando Harald chegou com Alison, Janetta e as crianças, depois


de saudar com carinho aos anfitriões perguntou:

— Somos os primeiros?

Aiden negou com a cabeça.

— Peter, Adnerb, Alastair e alguns convidados já estão no salão.

Harald assentiu satisfeito e Demelza disse:

— Instalei-os no primeiro andar. Nos três quartos do fundo.

— Três?! — Exclamou seu marido.

Ela assentiu e, depois de olhar Alison e entender que seguiam com


o plano, declarou:

— As três crianças com Janetta em um deles, e Alison e Harald


em dois diferentes.

Isso incomodou o viking. Precisava de roce e proximidade com


Alison para que ela sentisse que o que lhe dissera era verdade.
— Com um quarto para nós dois bastará. — Apontou olhando
para Demelza.

Alison cravou os olhos nele e replicou:

— Bastará para você. — E, dirigindo-se a Demelza, pediu: — Diga


qual é meu quarto e o das crianças e Janetta, e que Harald durma onde
ele queira.

À ruiva se sentiu ferir ouvindo isso. Era claro que tudo seguia
igual entre eles, e quando elas desapareceram, Aiden murmurou
sorrindo:

— Que gênio tem... «ninguém», e eu que me queixo de minha ruiva.

Harald, vexado porque Alison continuava sendo impossível,


declarou:

— Confessei-lhe meu amor.

— Já era hora. — Retrucou Aiden satisfeito.

— Eu disse que a amo. Mas, mesmo assim, ela não acredita!

Seu amigo soprou; sabia o que era lutar contra uma mulher
teimosa.

— Dê-lhe alguns dias — indicou. — Certamente que pensará


melhor.

Harald assentiu. Embora fosse tardiamente, mas ao menos tinha


despertado.

— Isso espero — apontou suspirando. — Mas é tão cabeça dura...

Aiden riu divertido e, passando a mão pelos ombros dele, afirmou:

— Bem-vindo ao clube dos maridos pacientes.


Entre risadas e com cumplicidade, os dois amigos entraram no
salão.

Alison e Demelza, depois de acomodar as crianças no quarto com


Janetta, encaminharam-se para o que Alison ocuparia, e depois de
fechar a porta a ruiva sussurrou:

— Pelo amor de Deus, segue pensando em fazê-lo?

Rapidamente Alison abriu a janela. E, ao ver que poderia saltá-la


com facilidade para chegar ao chão, assegurou:

— É obvio.

— Alison, por favor...

— Demelza, por favor...

A ruiva soprou e então a morena acrescentou olhando-a:

— Está muito bonita. Esse vestido te senta muito bem.

Sua amiga suspirou. Claro que, dissesse o que dissesse, ela ia


prosseguir com seu plano, por isso, omitindo o que pensava,
perguntou:

— E que vestido você vai usar?

Alison deixou a bolsa que trazia consigo sobre a cama e, quando


a abriu retirou um vestido vermelho com detalhes prateados, falando:

— Comprei-o com Harald no último dia que estivemos em Forres.


Embora os adornos prateados eu os coloquei.
— Que maravilha — exclamou Demelza admirando-o.

Então ouviram golpes na porta e, quando esta se abriu, Adnerb


entrou, e exclamou ao ver o vestido:

— Morro de amorrrrr... é bonitooo!

Demelza e Alison se olharam e sorriram. Se algo fazia bem a sua


amiga, sem dúvida era morrer de amor.

As três conversaram no quarto até que Sandra se uniu a elas, que


tinha chegado com Zac. Como sempre que se viam, riam e falavam com
total tranquilidade, mas em um dado momento, ouvindo gaitas de fole
Demelza sentenciou:

— Alison, tem que se vestir. A festa vai começar.

Ela assentiu e, quando finalmente a deixaram a sós no quarto, da


mesma bolsa de onde tinha tirado o vestido extraiu suas botas, as
calças, a camisa e o colete e, guardando tudo sob o colchão para que
ninguém o visse, sorriu satisfeita.

Em seguida se despiu, asseou-se na bacia com água que havia no


quarto e, ao acabar, colocou o vestido vermelho e suspirou ao sentir
como se aderia a seu corpo.

Pela cor de sua pele, o vermelho ficava muito bem. Sempre haviam
dito seu pai e seus tios, e queria estar bonita essa noite. Queria que
Harald, se alguma vez pensasse nela, recordasse-a impressionante.

De outra bolsa menor tirou então os braceletes de prata que


tinham pertencido a sua mãe e os colocou. A seguir colocou os brincos
que eram de sua avó e, depois de deixar o cabelo solto e perfumar o
pescoço com gotas de uma essência que guardava em uma garrafa,
olhou-se no espelho e sorriu.
Quando terminou de arrumar-se, depois de assegurar-se de que
tudo o que precisava para essa noite estava a mão, saiu do quarto e se
dirigiu para ver as crianças. Parando ante sua porta, estremeceu-se;
essa seria a última vez que os veria acordados e, depois de respirar
fundo, entrou.

Sigge estava deitada sobre uma cama brincando com suas


mãozinhas, enquanto que Briana e Will brincavam com Janetta com
algumas pedras sobre o colchão. Sair de uma casa familiar, como a de
Harald e ir a de Demelza e Aiden tinham recebido muito bem e, quando
estes viram Alison aparecer, Briana se apressou a dizer:

— Mamãe... parece uma princesa.

Alison sorriu.

— Será a mais bonita da festa — assegurou Will.

Comovida pelos galanteios tão bonitos que as crianças lhe


dedicavam, com carinho se aproximou deles. Queria lhes dizer tantas
coisas em tão pouco tempo que soube que era impossível. Por isso,
aproximando-se da cama onde Sigge estava, pegou-a e, ciente de que
Will e Briana tinham voltado para jogo, aproximou o nariz ao pescoço
da pequena para cheirá-la e sussurrou muito baixinho:

— Desde o primeiro instante em que te vi, apaixonei-me por você,


pequena gambazinha. É e foste o melhor presente que a vida me deu,
e graças a você vivi os melhores seis meses de minha vida. Amo-te,
Sigge, e sempre será meu bebê, embora se esqueça de mim e seja
Harald quem te guiará e cuidará.

Contendo a vontade de chorar, beijou à pequena, que como


sempre, dedicou-lhe um de seus bonitos sorrisos. E uma vez mais,
aspirou seu aroma; precisava reter eternamente o doce aroma de Sigge.
Depois de um último beijo, deixou-a sobre a cama.

A seguir respirou, voltou-se e, sentando-se com Briana e Will,


olhou-os com carinho e perguntou:

— Estão bem?

As crianças rapidamente assentiram e Alison, tocando o cabelo


vermelho da menina, murmurou:

— Tem o cabelo mais bonito que vi em minha vida, minha querida.


— E, depois de lhe dar um carinhoso beijo que durou mais do habitual,
sussurrou: — É muito especial para mim e sempre, sempre vou te
amar.

— Eu também a você, mamãe. — Ela sorriu.

Janetta comoveu-se e, pegando Briana em seus braços, disse:

— Veem, vamos ver Sigge.

Quando a mulher passou à outra cama, Alison olhou para Will e


murmurou com carinho:

— Possui os olhos mais especiais e maravilhosos que um


homenzinho pode ter. Estou convencida de que, quando crescer,
romperá centenas de corações.

— Mamãe! — Grunhiu ele ficando vermelho.

Alison sorriu e, beijando-o com todo o amor do mundo, pediu:

— Me prometa que cuidará de suas irmãs, de acordo?

Will a olhou estranhando e ela se apressou a acrescentar então


baixando a voz:
— Digo-lhe isso porque não conhecem este quarto e possivelmente
elas tenham um pouco de medo.

— Calma, mamãe — disse ele sorrindo. — Eu cuidarei delas.

Com o coração encolhido, a jovem assentiu e se levantou. Foi até


a porta e, depois de intercambiar um olhar com Janetta, contemplou
aos pequenos uma vez mais e afirmou antes de sair do quarto:

— Amo-os muito. Nunca o esqueçam.

Disse e saiu ao corredor, levando a mão ao coração, fechou os


olhos. A dor daquela despedida estava a ponto de fazê-la chorar, mas
respirando fundo murmurou:

— Maldita seja... não é momento de chorar.

Depois de recuperar o fôlego, depois de tocar o cabelo levantou o


queixo e desceu em direção ao salão. Tinha ido a uma festa e pensava
aproveitá-la.
Quando Harald a viu aparecer se estremeceu de satisfação.
Alison, sua Alison, era a mulher mais bonita que tinha visto na vida.

Agora, que finalmente a via e a admirava era ciente de quão tolo


tinha sido todo aquele tempo. Estava pensando nisso quando Peter, ao
vê-la, murmurou:

— Por uma mulher assim, mais de um homem elevaria sua


espada.

— Alison é uma mulher muito bela — conveio Aiden enquanto


assentia.

Harald, que nem sequer podia engolir saliva, não sabia o que
dizer. Alison estava deslumbrante essa noite com aquele vestido
vermelho que realçava sua silhueta. E, ao ver que alguns McGregor a
observavam embevecidos, sibilou com ferocidade:

— Malditos sejam, o que olham?!

Os homens, ao ouvi-lo, apressaram-se a apontá-la.

— A essa linda e desejável mulher.

Irritado pelo comentário, o viking ia replicar quando Peter


McGregor interveio:
— Essa é a esposa de Harald. Portanto, se não quererem
problemas, podem afastar os sujos olhares dela.

Os outros dois assentiram rapidamente e, sem hesitar, olharam


para o outro lado. As mulheres casadas, e mais ainda se eram dos
amigos de seu senhor, eram terreno proibido.

Alison, alheia ao que Harald pensava, sorria a todo mundo que


Demelza lhe apresentava, enquanto que com a extremidade do olho
observava o viking. Estava muito bonito com aquela calça escura e o
casaco azul, e ver como a olhava a fazia sorrir. Sem dúvida tinha
conseguido o efeito que ela esperava, por isso se gabou tudo o que pôde
diante ele, para lhe mostrar o que perdera.

Como era de esperar, os homens que nunca tinham visto Alison


logo se interessaram por ela. Todos queriam saber quem era aquela
linda mulher morena, e muitos deles tinham uma decepção ao saber
de que era a mulher de Harald, o amigo íntimo de Aiden McAllister.

O enorme salão se encheu de gente pronta a divertir-se; Harald,


aproximando-se dela, pegou-a pela cintura para deixar claro aos lobos
que a olhavam que estava com ele, retirou-a do grupo em que se
encontrava e perguntou:

— Diverte-se?

Alison, com prazer, depois de sorrir aos homens com os quais


conversava, afirmou olhando o viking:

— Sim. A verdade é que sim.

Ele assentiu e, ao ver que ela sorria de novo a dois jovens que
passavam a seu lado, murmurou:

— Incomoda-me o modo como os homens olham para você.


— Por quê?

— Porque é minha mulher — sentenciou Harald cravando os olhos


nela.

Alison se divertiu o ouvindo, e este, surpreso, perguntou:

— Por que ri?

Ela, retirando o cabelo do rosto, aproximou a boca de seu ouvido


e cochichou:

— Porque sabe tão bem quanto eu que isso é mentira. Não sou
sua mulher. — E, olhando algumas moças que riam em uma lateral do
salão, comentou: — Conforme tenho entendido, a jovem da direita, a
que tem o cabelo loiro como você gosta, está solteira. Demelza me disse
que é a filha de Randall McAllister e, pelo que parece, é uma moça
encantadora e tranquila.

Harald a olhou boquiaberto.

— E por que me conta isso?

— Porque essa jovem poderia ser uma boa esposa para você
quando eu me vá. Ela parece delicada e discreta, algo que você gosta,
e acredito que as crianças poderiam gostar também.

Sem acreditar, o viking blasfemou em norueguês, e


imediatamente Alison sussurrou:

— Por Tritão! Isso que disse é muito feio.

Ele suspirou, aquela mulher o estava deixando louco. Em um


momento estava colérica, no outro lhe fazia amor, e agora lhe buscava
uma esposa. Era obvio que estava zangada e sua maneira de fazê-lo o
pagar era essa, desconcertando-o.
— Harald!

A voz da Demelza fez que ambos se voltassem, e ela, aproximando-


se deles comentou:

— Robert Sisley com sua família veio à festa. — Ele assentiu e a


ruiva, depois de olhar com dissimulação para Alison, acrescentou: —
O acompanha sua filha Lorna, aquela que da última vez que nos visitou
te agradou... Lembro que lhe mostrou os cavalos e me disse que voltaria
a se interessar por ela.

Harald amaldiçoou. Agora também Demelza? E ia protestar


quando Alison perguntou com interesse:

— Quem é essa Lorna?

Rapidamente, e ante o olhar surpreendido de Harald, a ruiva a


apontou e Alison murmurou:

— Outra com o cabelo claro como você gosta... Que maravilha! E


se se agradou da última vez que esteve com ela, é obvio que é recatada
e calma. Além disso, é muito bonita. — Alison gostou de ver a carranca
atordoada do viking e, olhando a outra mulher, perguntou: — Quem é
aquela?

Demelza, com o coração encolhido pelo que estava fazendo,


voltou-se e indicou:

— Essa é Patrícia, e que eu saiba tampouco tem pretendente


conhecido.

Alison se dirigiu a Harald.

— O que acha se o apresentamos e falas com ela? — Ele a olhou


furioso e ela, com um gesto de fingida inocência, acrescentou: — Bem,
ora. Se você gosta mais de Lorna, vai e fala com ela. Logo ficará sozinho,
e as crianças precisam de uma mãe.

Visivelmente Harald estava chateando. Ele não queria olhar


nenhuma outra mulher porque já tinha uma e, sem dizer nada,
voltando-se, se afastou.

Demelza e Alison se olharam, e a ruiva murmurou:

— Isto que estamos fazendo está muito mal. — Alison não


respondeu, e ela insistiu: — Mas não vê que ele a ama?

Ouvir isso agradou a jovem. Nada no mundo gostaria mais, mas,


consciente de que era complicado, e sem acreditar nas palavras que ele
lhe havia dito na noite anterior, retrucou olhando para sua amiga:

— Já te disse que eu não compartilho coração.

Demelza suspirou e, pegando-a pelo braço, propôs:

— Vamos procurar algo para beber.

— Excelente ideia — disse Alison tentando conter a raiva que


sentia.

O resto da noite Harald e ela bancaram o camundongo e o gato.


Cada vez que Alison se aproximava dele acompanhada de uma mulher
para apresentar-lhe o viking sentia suas vísceras se revolverem. Mas
que diabo ela se propunha?
Irritado por isso, chegou um momento no que, cada vez que via
Alison procurando-o, ele desaparecia. Tinha se cansado de seu tolo
jogo.

Aiden, que aproveitava da festa, depois de observar que em várias


ocasiões Harald se afastava de Alison se aproximou de Demelza,
perguntou para sua mulher:

— O que esses dois estão fazendo?

Com um inocente olhar, ela olhou para seu marido e respondeu


enquanto se apressava a afastar-se:

— Que eu saiba, nada.

Surpreso por sua resposta, quando Demelza diante de uma


pergunta assim já teria indagando o que ocorria, Aiden suspirou. Claro
que ela sabia perfeitamente o que acontecia. Por isso, aproximou-se de
Harald que carrancudo, bebia uma taça de vinho, e perguntou:

— O que acontece?

O viking, ciente de que ele se precaveu de que algo estranho


acontecia, respondeu:

— Sua mulher e a minha se empenharam em me buscar uma...


esposa!

— O quê?!

Harald assentiu e respondeu irritado:

— Não param de falar da partida de Alison e de que tenho que


encontrar uma mulher para meu lar. E estou farto... me apresentaram
a todas as mulheres viúvas e solteiras da festa!

— Sério? — Aiden riu.


— É como lhe digo — afirmou isso o viking. Seu amigo suspirou,
era obvio que sua ruiva estava metida nisso, e Harald acrescentou: —
Se me apresentarem a uma mulher mais, acredito que vou matá-las
por seu estranho joguinho.

Aiden olhou para Demelza, que falava no fundo do salão com


Peter, e ia dizer algo quando Harald comentou:

— Não entendo às mulheres... Ou, melhor dizendo, não entendo


Alison. Eu disse que a amo, que é o amor de minha vida, mas ela e
Demelza...

— E se fizer o jogo delas?

— Aiden o que diz?! — E ao ver como o olhava acrescentou: — Isso


agravaria mais as coisas entre Alison e eu.

— Acredita que poderia se agravar mais do que já estão? — Ele


não respondeu e Aiden sugeriu: — Jogue você também.

Harald o olhou.

— Se acredita que ela joga contigo, jogue você com ela — insistiu
seu amigo. O viking soprou e Aiden cochichou: — Harald, por ter sido
desde menino o noivo de Ingrid e não ter posto seus olhos em nenhuma
outra, perdeu o que é o jogo e o cortejo entre um homem e uma mulher.
E sem dúvida, meu amigo, Alison está nisso a frente de você.

Ele assentiu. Nunca havia flertado com mulheres. Sua única


noiva tinha sido Ingrid, até que morreu, e posteriormente só se deitou
com elas por puro prazer, até que apareceu Alison. Estava pensando
no que seu amigo propunha quando este insistiu:
— Já que Alison o anima que fale e conheça outras mulheres,
faça-o para ver sua reação! Asseguro-te que possivelmente se
surpreenderá.

— Eu não sou de joguinhos como esses — murmurou ele.

— Nem eu. Mas se estão propondo isso...

Divertido, Harald respirou e, aproximando-se de uma das jovens


da festa, começou a falar com ela. A moça, maravilhada, pestanejava
ao sentir que o viking se interessava por ela.

Alison, que tempos depois o observava da distância, mordeu-se o


lábio inferior furiosa ao vê-lo sorrir satisfeito, e Demelza, que estava a
seu lado, indicou:

— Aquela é Lorna. Sem dúvida deve gostar dela, pois dançou três
vezes com ela e não param de falar. — Alison assentiu e a ruiva
cochichou: — Te asseguro que se eu visse Aiden sorrir assim para outra
mulher, arranco-lhe a cabeça.

De novo, ela assentiu. O que Demelza dizia era o que ela sentia
vontade de fazer, mas tentando seguir com o plano, retrucou:

— Embora me doa e te asseguro que minhas vísceras se


arrebentam, o que faz me beneficia. Com um pouco de sorte se
esquecerá de que estou por aqui e então poderei aproveitar o momento
para partir.

Demelza amaldiçoou, mas Alison, sorrindo, pegou-a pela mão e,


depois de correr com ela para o centro do salão, começaram a dançar
com os outros.
Com a noite avançada, a raiva possuía Alison ao ver Harald, que
continuava falando com Lorna, mas ciente de que isso era o que
precisava para partir, aceitou. Em um dado momento em que ela
dançava com Peter McGregor, viu à moça passar com Harald dirigindo-
se para os jardins traseiros, e seu coração se acelerou.

— Estou sedenta — se apressou a dizer, — vou beber algo!

Peter assentiu e, convidando outra mulher para dançar,


continuou se divertindo.

Curiosa por ver o que acontecia, Alison seguiu com o olhar Harald
e Lorna, e de repente ouviu seu lado:

— Por todos os deuses... não vai fazer nada?

— Por Tritão, Demelza, que susto me deu!

A ruiva, incômoda com a situação, ia falar quando Alison, olhando


a lua, apontou:

— Acredito que chegou a hora.

Demelza a pegou pela mão. Não queria que partisse.

— Por favor — murmurou sua amiga. — Não faça isso mais difícil.

Finalmente a ruiva assentiu e sussurrou:

— De acordo. Vamos.

Em silêncio, dirigiram-se para a escada e, antes de subir, Alison


se deteve e olhou para trás. Com um sorriso observou a festa em que
todos se divertiam e, depois de respirar forte, ambas subiram ao
primeiro andar.

Ao chegar de frente ao quarto das crianças, as duas mulheres


entraram. Os pequenos dormiam, e Alison, aproximando-se deles,
observou-os e sorriu. Não os beijou para não despertá-los, e Janetta,
que não podia dormir, levantou-se e, sem dizer nada, abraçou-a.
Sobravam as palavras.

Quando saíram do quarto, Demelza perguntou olhando-a:

— Está bem?

Contendo suas emoções, Alison tentou sorrir. Não ia chorar, mas


a verdade era que se encontrava péssima.

Assim que entraram em seu quarto, apressou-se a despir-se.


Deixou o vestido sobre a cama e, tirando de debaixo do colchão sua
roupagem e suas botas, os vestiu. Em seguida tirou também uma caixa
e a abriu para impregnar as mãos com o pó.

— O que faz? — Perguntou Demelza ao vê-la.

Mostrando o pó, Alison sussurrou:

— Tio Matsuura e eu nos despedimos assim de nossos seres


queridos. Impregnamo-nos as palmas das mãos com este pó
iluminador de cor ocre para dizer adeus, com a esperança de voltar a
nos encontrar.

A ruiva assentiu. Recordava tê-los visto fazer aquilo na


madrugada em que seu pai e seus tios partiram, e quando ia falar,
Alison disse atormentada:

— Sinto muito, mas preciso ver as crianças uma última vez.


Entendendo-a, Demelza assentiu outra vez e, com cuidado de não
serem vistas, saíram do quarto.

Quando entraram de novo no quarto das crianças, Janetta as


olhou surpreendida e Alison, sem falar, aproximou-se de Will e Briana
e, sem apoiar-se neles, mas com carinho, beijou-os. Em seguida,
caminhou para Sigge, que, como sempre, dormia placidamente. Com
adoração a beijou no rosto e, sem poder evitar, tocou-lhe a bochecha.
Era tão bonita...

Quando deu por finalizada a despedida, sua amiga e ela saíram


do quarto para entrar de novo no seu.

— Recorde: em certas ocasiões é bom chorar — comentou


Demelza olhando-a.

Alison assentiu. A pressão que sentia no peito a estava matando,


mas, ciente do que tinha que fazer, respondeu com sua habitual frieza:

— Não tenho tempo para chorar.

Abrindo a janela para que a luz da lua entrasse na casa, colocou


as mãos frente ao rosto e, com as palmas para fora, declarou olhando
para Demelza:

— Minha alma, minha vida e meu coração ficam com vocês, só


meu corpo se vai. Espero que algum dia, seja nesta vida ou em outra,
voltemo-nos a encontrar.

Emocionada, sua amiga assentiu e Alison, tentando que a tristeza


não a invadisse, limpou o ocre das mãos e, depois de guardar a caixa
em sua bolsa de couro, tirou um papel dobrado que deixou sobre seu
vestido.
— É para Harald — indicou. — Faça com que não o descubra até
que a manhã esteja avançada.

— Tentá-lo-ei — sussurrou Demelza.

Durante segundos, e iluminadas somente pela luz da lua, as duas


mulheres se olharam em silêncio, até que Alison disse pegando sua
mão:

— Dir-te-ia muitas coisas, mas não tenho tempo a perder, por isso
simplesmente direi com todo o amor do mundo: obrigada, Demelza.
Obrigada por me ajudar, por me aceitar, por me amar. Obrigada por
tudo.

Ela assentiu emocionada e Alison a abraçou.

— Cuide-se muito. E cuide de todos.

A jovem ruiva sorriu e, quando o abraço acabou, murmurou:

— Se cuide você também.

— O prometo — assegurou ela.

Ambas foram para janela e, depois de olhar para baixo e


comprovar que não havia ninguém, Alison subiu ao batente. A seguir
desceu pela parede com uma perícia que surpreendeu Demelza, e ao
chegar ao chão a olhou, sorriu-lhe e depois desapareceu.

Sem tempo para perder, e antes que alguém sentisse sua falta, a
ruiva retornou à festa, onde falou com todo mundo, enquanto sua
mente tentava processar o fato. Sua amiga partiu para sempre e ela a
tinha ajudado a fazê-lo. Harald a mataria.

Alison, por sua parte, amparada pela escuridão da noite, correu


através do arvoredo até chegar ao lugar onde seu cavalo a esperava. Ao
vê-lo, sorriu e, montando-o, incitou ouvindo ao longe as gaitas de fole
que soavam na festa:

— Vamos, Pirata, tenho que retornar a meu lar.


Harald, que passeava com Lorna pelos jardins da fortaleza, depois
de ouvir o que ela estava contando, perguntou:

— Se é o que quer, por que não fala com seu pai?

Lorna, que era uma moça tímida, embora sempre falasse com
Harald, respondeu:

— Porque com certeza dirá que não. Ele deseja que eu despose
um McAllister.

O viking assentiu e, parando para olhá-la, insistiu:

— E esse tal Lethall McDougall não pensa em falar com seu pai?

Lorna sorriu. Seu amado há algum tempo queria fazer aquilo que
Harald sugeria, e respondeu:

— Ele quer, mas eu temo a reação de meu pai. — Harald assentiu


e a jovem acrescentou: — Se lhe conto algo, promete e guardar segredo?

Harald disse que sim e ela, depois de olhar em ambos os lados


para assegurar-se de que ninguém a escutava, cochichou:

— Dentro de dois dias, Lethall e eu nos veremos em Forres. Casar-


nos-emos e, uma vez feito, pai não poderá opor-se.
Surpreso, ele levantou as sobrancelhas e murmurou:

— Lorna, tem certeza do que vai fazer?

A jovem assentiu e deu de ombros.

— Papai se zangará comigo assim que souber, mas conhecendo-


o, sei que cedo ou tarde aceitará. Amo Lethall e ele a mim, e isto é o
único que podemos fazer para que respeitem nosso amor.

Ambos sorriram e a seguir Lorna perguntou olhando-o:

— É feliz com sua esposa?

Harald suspirou e a jovem sussurrou ficando rubra:

— Ah, Harald, acredito que fui indiscreta!

Sorrindo para tranquilizá-la, ele negou com a cabeça, mas


retrucou curioso:

— Por que me faz essa pergunta?

A jovem, olhando-o e vendo que esperava uma resposta, disse:

— Porque não entendo o que faz falando toda a noite comigo ou


com outras mulheres enquanto sua esposa está na festa. E mais, como
mulher que sou, não acredito que me agradasse ver meu marido
passeando com outra.

Harald sorriu e, tentando ser sincero com Lorna como ela fora
com ele, respondeu:

— Às vezes um casal se discutem.

— E você e sua mulher discutiram?

Harald assentiu.

— Provavelmente — respondeu sorrindo.


— Mamãe sempre diz que nos matrimônios sempre há brigas,
mal-entendidos ou ciúmes — ela suspirou, — mas que tudo isso pode
ser solucionado se verdadeiramente ambos se amam e desejam
entenderem-se.

— Sua mãe tem razão.

Estavam sorrindo quando retornaram à festa. O povo seguia


dançando, bebendo, rindo. Foram até uma das mesas para pegar algo
para beber e nesse instante Demelza se aproximou.

— Tudo bem? Divertiram-se?

Harald e Lorna assentiram, e a moça, olhando para sua irmã disse


então:

— Os deixo, Erika me chama.

Assim que partiu, o viking perguntou vendo como sua cunhada o


olhava:

— O que foi?!

Demelza, aguentando-a raiva que sentia ou de nada serviria ter


ajudado Alison, sibilou:

— Pelo que vejo, Lorna continua te agradando.

O Viking assentiu. Ele não ia contar a ela sobre o tipo de


relacionamento saudável que tinha com ela e, depois de beber de seu
copo, perguntou olhando em volta:

— Onde está Alison?

Sem perder a compostura, Demelza bebeu de seu copo e


respondeu:

— Estava falando com Adnerb.


Harald deu a volta para ir procurá-la, mas ela se apressou então
a agarrá-lo por braço.

— Veem, quero te apresentar a Jordana...

O viking soprou, mas continuando com o jogo das duas,


concordou em ir segui-la.
Quando Alison chegou a casa de Harald, seu tio Matsuura a
esperava montado em seu cavalo.

— Tudo bem, moça?

— Sim.

— E as crianças e Janetta? — Interessou-se ele.

Os latidos de Tritão se ouviam de dentro da casa, sem dúvida o


animal sabia que Alison estava ali, e respondeu:

— As crianças ficaram dormindo. E Janetta mandou dizer que te


mandava mil beijos.

Matsuura sorriu.

Janetta era uma boa mulher, maravilhosa. Se sua vida fosse


outra, não teria duvidado em seguir com ela, mas como sua sobrinha
dizia, sua vida era... a que era.

Ambos olharam a casa que durante um tempo tinha sido seu lar.

— Se quiser, entre — disse o japonês.


A jovem duvidou. Desejava entrar ali, no lar que Harald lhe tinha
devotado e onde tinha passado por todos os estados de ânimo. Mas,
consciente de que era desnecessário alongar a agonia, perguntou:

— Recolheu o que deixei sobre o baú?

Ele assentiu e ela, precisando deixar de ouvir os latidos de Tritão,


acrescentou:

— Então não tenho por que entrar. Partamos, é o melhor.

Matsuura assentiu e, esporeando a seu cavalo como Alison o fazia,


ambos se dirigiram para a praia de Cullen. Ali eram esperados.

Harald, que desde um bom momento não tinha visto Alison,


aproveitava da festa com seus amigos e olhava inquieto a seu redor. De
repente, Peter se aproximou dele.

— As convidadas são lindas mulheres especialmente Rebecca... —


comentou Peter. Harald, Aiden e Peter olharam à moça em questão. —
Acabo de passar um magnífico momento com ela... — acrescentou.

Surpreso, Aiden se aproximou e cochichou:

— Que não saiba seu prometido, ou te asseguro que terá um grave


problema. — Peter McGregor franziu o cenho e Aiden afirmou: —
Reginald McAllister, o filho de Brandon, é seu prometido.

Harald sorriu e Peter, sem poder acreditar queixou-se:

— Por são Fergus... e como ela não me contou isso?


— Porque possivelmente estava fazendo-o divertir-se muito —
retrucou o viking.

Os três homens riram; então Demelza se aproximou deles e


exclamou abanando-se com a mão:

— Que calor!

— Não para de dançar — disse Aiden pegando-a pela cintura, —


como não vai ter calor?

Sorriram satisfeitos e a jovem perguntou:

— Divertem-se?

Peter assentiu enquanto piscava um olho a uma moça que


passava em frente a ele e Harald, por sua vez, apontou:

— Sabe onde está Alison?

Demelza se encolheu ao ouvi-lo, mas respondeu dissimulando:

— A última vez que a vi, descia após ver as crianças e dançava


com o Angus.

Harald balançou a cabeça, Alison gostava de dançar. E quando


Demelza começou a olhar uma mulher, farto daquilo, sibilou:

— Nem pense me apresentar ou te juro que...

— Ora... ora... — defendeu-se ela.

Alguns escoceses se aproximaram deles e Harald e o resto,


esquecendo-se de tudo, entraram-se em uma conversa.
Alison e Matsuura chegaram à bela e solitária praia de Cullen
amparados pela escuridão. Quando desmontaram de seus cavalos, ela
aproximou seu rosto do focinho de Pirata e sussurrou:

— Agora é a vez de te dizer adeus. Foi o primeiro que conheci e


comprei e o último de quem me despeço.

O animal balançou a cabeça, e ela, sentindo que lhe faltava o ar,


murmurou:

— Encantou-me de que fosse meu cavalo. Agora, retorne a casa.


A seu lar.

Matsuura e Alison deram um palmada em Pirata e Bo e os animais


se afastaram a galope; o caminho que tomavam, com segurança
retornariam a sua casa.

O rumor das ondas rompendo na praia era um som conhecido


para eles. E, sentando-se no chão para esperar, semiescondidos depois
das dunas que percorriam a praia, Matsuura falou:

— O mar é caprichoso. Nunca deixa de beijar a costa.

Ambos sorriram, e Alison, lambendo os lábios, murmurou:

— Meus lábios já têm sabor de sal.

Matsuura assentiu e, deitando-se na areia, ficou olhando as


estrelas. Sua sobrinha o imitou.

Permaneceram ali em silêncio e durante um bom momento, até


que o japonês se levantou e disse apontando com o dedo:

— Já estão aqui.

Ao levantar-se, Alison viu os navios de seu pai ao longe. Aí estava


seu lar. Mas, franzindo o cenho, grunhiu:
— Pelas barbas pestilentas de Netuno... vieram os quatro?

— Acaso duvidava? — Retrucou Matsuura.

Incômoda porque se aproximassem tanto da costa escocesa,


expondo-se assim ao perigo, sibilou:

— Vou matá-los. Juro que vou matá-los. São uns inconscientes.

Esperaram pacientemente em silêncio ocultos depois das dunas.


Sabiam que uma barcaça iria recolhê-los e, quando esta chegou, Gus
cumprimentou olhando para Alison:

— Bug, como está bonita!

Subindo na barcaça, a jovem sorriu.

— Dir-te-ia o mesmo, mas... onde está o dente que te falta?

Gus soprou.

— O merda do Sean bebeu muito na outra noite e quando fui


agarrá-lo para que ele não caísse na água, ele deu um soco que o
arrancou.

Alison suspirou. A bestialidade deles em certas ocasiões era


incrível e, em silêncio, junto a três homens que se encarregaram de
remar, chegaram à La Bruxa del Mar.

Assim que a barcaça se colou ao casco do navio, os homens que


estavam a bordo lançaram uma rede em que se seguram e, assim que
terminaram de escalar e puseram os pés na proa do navio, viram que
cinquenta homens de aspecto nada recomendável os observavam;
então se ouviu:

— Bug, sentia saudades tuas!


Alison sorriu e, trocando seu tom de voz por outro mais grave,
respondeu:

— Uau, Ferdinald, pois eu não senti de você!

Os homens estalaram em gargalhadas; Kendrak se aproximou


dela e disse olhando-a:

— Alegra-me ver que desta vez não traz a pirralha contigo.

— Ela se alegra muito mais de não ter que ver-te — replicou a


jovem.

Todos riram de novo e então ele, aproximando-se mais dela,


grunhiu:

— Mulheres trazem má sorte no mar. Bem sabe que penso assim.

Alison o olhou. Esse imbecil nunca mudaria e, antes de que


pudesse mover-se, deu uma cabeçada no seu nariz e sibilou
aguentando a dor de sua testa:

— Pedaços de merda seca como você, sim, trazem má sorte.

Desta vez os outros aplaudiram; se algo gostavam na filha de seu


capitão era sua força. A moça, rindo como eles, levantou os braços e
exclamou:

— O que acontece?! Aqui não se bebe?!

Rapidamente todos gritaram e, tirando várias garrafas de rum e


uísque, começaram a celebrar sua volta.

Depois de saudar vários marinhos, que, como seu pai e seus tios,
tinham-na visto crescer, Alison e Matsuura se encaminharam para
onde sabia que eram esperados enquanto ele murmurava:

— Muito tempo você passou sem um galo.


Tocando a testa, ela suspirou e cochichou com gesto de dor:

— Esse Kendrak cada vez mais tem a cabeça dura.

O japonês soprou e, abrindo a porta de uma cabine, Alison ia


saudar quando ouviu:

— Mon Dieu, Marguerite, já tem um galo?

Entrando com Matsuura, ela sorriu e, olhando a seus tios,


retrucou:

— Bem sabem que, se não tenho um, não sou eu!

— Orquídea, mas que linda está com essas joias!

Dando-se conta de que ainda usava os brincos e os braceletes da


festa, a jovem ia responder quando seu tio Marco murmurou:

— Isobel, amore mio, veem aqui!

Seus tios a abraçaram com carinho e amor. Amavam, adoravam


aquela teimosa jovenzinha. Com cada abraço, com cada beijo, Alison,
sem entender o que lhe acontecia, sentiu que perdia as forças. Estava
se emocionando mais e mais, quando se ouviu:

— Alison Francesca Isobel Marguerite Orquídea, acaso não vai


falar com seu pai?

Com um sorriso nos lábios, a jovem correu para ele, mas quando
se refugiou entre seus braços, sem poder conter-se, e ciente de que já
não podia mais, rompeu a chorar.

Isso deixou a todos sem fala. Aquela moça não chorava. Desde
pequena a tinham ensinado a não fazê-lo. Sempre tinha sido dura como
uma pedra, e o capitão Moore, sem saber o que fazer, perguntou
assustado:
— Por Tritão, o que acontece contigo?

Mas Alison não pôde responder. Agora que estava em La Bruxa


del Mar, e que para ela era seu lar, sem se importar que eles vissem e
nem a proibição que havia de não chorar, permitiu-se fazê-lo.

Amava seus tios e seu pai, adorava-os, mas sendo finalmente


consciente de que sua vida voltava a ser a de antes e que nunca mais
veria as crianças, nem Harald, partiu seu coração em mil pedaços.

Seus tios, nervosos, rapidamente lhe serviram água, uísque,


rum... nada era bom para que Alison deixasse de chorar, e o capitão
Moore, olhando para Matsuura, que sabia por que chorava, perguntou:

— O que lhe acontece?

— Melhor que ela conte — retrucou ele comovido.

O capitão Moore, tão desconcertado como Armand, Roe e Marco,


não sabia o que fazer nem o que dizer. A suscetibilidade não fazia parte
da vida da jovem.

— Acaso a terra firme me devolveu uma filha e não um filho? —


Perguntou olhando-a.

Alison levantou a cabeça. Queria gritar que sempre tinha sido


uma mulher, apesar de ter sido criada como um homem. Mas, quando
ia responder, as palavras morreram em seus lábios e, sentando-se no
chão, chorou, e chorou, e chorou.
Muitos dos convidados da festa, na fortaleza, começavam a partir
quando Harald, sem poder aguentar um segundo mais, perguntou:

— Onde demônios está Alison?

Adnerb, que nesse instante se aproximava do grupo junto de


Alastair, disse ao ouvi-lo:

— A verdade é que estou grande parte da noite sem vê-la.

Incômodo, o viking olhou a seu redor e não a viu. Onde teria


metido?

— Subirei ao quarto das crianças — decidiu.

— Oh, as crianças dormem placidamente. Não suba — apressou


a intervir Demelza.

Mas Harald insistiu:

— Vou subir. Não seria a primeira vez que adormece com eles.

Quando desapareceu, Aiden, vendo que sua mulher o seguia com


o olhar enquanto retorcia as mãos, pediu:

— Querida, me olhe.

Ela o fez e rapidamente ele perguntou ao ver a dor em seus olhos:

— Aconteceu-te algo?

A jovem afastou em seguida o olhar dele.

— A mim? Não. O que teria que me acontecer?

Mas ele, não contente com sua resposta, insistiu:

— Ruiva... você sabe onde está Alison?

Demelza negou com inocência e, olhando então alguns vizinhos,


indicou:
— Cecil, leve um pouco do assado. Sobrou bastante.

Assim que sua mulher se afastou, Aiden amaldiçoou. Conhecia-a


e sabia que ocultava alguma coisa.

Harald, que tinha subido os degraus de dois em dois, ao chegar


diante do quarto das crianças, abriu a porta com supremo cuidado. A
luz de uma vela iluminava o ambiente e, aproximando-se dos pequenos
para olhá-los, sorriu.

Briana e Will, como sempre, dormiam abraçados, e metida no


meio deles estava Pousi. Estava olhando-os quando Janetta despertou
sobressaltada.

— Ocorre algo, meu senhor?

Harald a olhou e sussurrou:

— Dorme. Só vim para ver como estavam.

Janetta voltou a deitar-se e fechou os olhos. Quando o senhor


soubesse da partida de sua mulher, ia ficar furioso.

Harald se dirigiu à cama onde Sigge dormia e, com doçura,


observou-a. Aquela gordinha de olhos negros como Alison e cabelo loiro
como ele o trazia pela mão e, agachando-se, ia beijá-la quando algo em
seu rosto lhe chamou a atenção.

Tocou-a com os dedos, que se impregnaram de algo brilhante, e o


examinou pois não sabia o que era aquilo. Até que, aproximando-se da
vela, o brilho ocre das gemas dos dedos o arrepiaram.

— Não... — murmurou.

Saindo a toda pressa do quarto das crianças, abriu, sem chamar,


a porta do quarto de Alison e, ao ver o vestido dela sobre a cama, ficou
sem palavras e soube que se fora. Partiu sem lhe dizer nada.
Desesperado, olhou então a seu redor e, ao olhar de novo o vestido, viu
que sobre ele havia uma nota com seu nome.

Com mãos tremulas, pegou-a e, desdobrando-a, leu:

Harald:

Você e eu sabíamos que este dia chegaria.

A vida está cheia de recordações de pessoas incríveis e de momentos inesquecíveis que só tem que agarrar
com vontade e força para ser feliz. Só isso...

Sempre estará em meu coração e será minha bonita recordação,

Alison

Sem acreditar, leu-a várias vezes enquanto sentia que seu corpo
se decompunha; então ouviu:

— Sinto muito.

Ao voltar-se, encontrou-se com Demelza. Durante segundos


ambos se olharam nos olhos e ele murmurou com a respiração
entrecortada:

— Me diga que você não sabia.

Ela não respondeu. Nem queria e nem podia mentir. E Harald,


subindo o tom, grunhiu:

— Por Odin, Demelza, onde ela está?!

Horrorizada, a jovem se aproximou.

— Partiu, Harald — murmurou.

— Não!
— Sinto muito, mas tive que ajudá-la. Ela me pediu isso.

Com o coração pulsando com força, ele deu a volta e se aproximou


da janela. Abriu-a e olhou para baixo, e ela acrescentou:

— Implorei-lhe que não se fosse. Disse-lhe que...

— Como o permitiu? — Gritou olhando-a. — Como não me avisou?

— Harald...

— Demelza, por todos os Santos! Amo-te e sei que me ama, mas


isto não esperava de você. De você, não. — Ela não respondeu e ele,
desesperado, murmurou: — Restam ainda duas semanas para que seu
pai a recolha e...

— Mentiu-nos.

— O quê?! Se explique!

Demelza inspirou e respondeu:

— A noite de seu recolhimento é hoje, mas mentiu para todos


porque não queria que soubéssemos quando era o dia de sua partida.
E... e se não tivesse zangada, seguro que eu tampouco teria sabido e...

— Desde quando sabe?

Ela não respondeu e Harald, perdendo os nervos, gritou:

— Desde quando sabe?!

Sentindo que tinha falhado, finalmente sua cunhada respondeu:

— Há quatro dias. Da última vez que estive em sua casa.

— Demelza! — Bramou ele atordoado levantando as mãos ao céu.

A jovem, ao ver seu desespero, murmurou:

— Entendo seu aborrecimento, mas...


— Mas o quê?! — Bramou Harald apavorado.

A ruiva levantou o queixo com dignidade e soltou:

— Se zangue tudo o que queira comigo; reconheço minha falta ao


ajudá-la e não te avisar. Mas você e só você teve a culpa de que ela
partisse ao fazê-la sentir que aquele não era seu lar, a não ser de Ingrid.
— Harald amaldiçoou em norueguês e ela prosseguiu: — Uma parte de
mim adora que siga amando a minha irmã, mas outra o odeia porque
você está vivo e...

— Disse-lhe que a amava... Amo Alison. — Ouvindo-o Demelza


piscou, e ele, sentindo que o mundo se desmoronava sob seus pés,
acrescentou: — Digo a você o que disse a ela. Não fiz bem. Antepor a
lembrança de Ingrid acima de Alison sem perceber de meu erro. Mas...
mas faz alguns dias que por fim percebi de que Ingrid é meu passado e
Alison meu presente.

— Harald...

— A amo. Eu lhe disse. Tentei lhe falar de amor, mas ela estava
tão zangada comigo que não acreditou.

Demelza suspirou e, endurecendo o tom, sibilou levantando as


mãos ao céu:

— Maldita seja, Alison... por que não me disse isso?!

O viking não podia responder, e sua cunhada, olhando-o, insistiu:

— Por que não gritou? Por que não a atou à cama e o disse uma
e outra vez até que ela acreditasse?

— Porque não sou um selvagem. — Soltou ele.

Demelza o entendeu e ele perguntou então em busca de uma


solução:
— Foi à praia de Cullen?

— Sim...

— Vou...

— Não acredito que já esteja ali. Partiu faz horas.

Desesperado, e sem poder ficar ali sem fazer nada, Harald


respirou fundo, tirou o anel que usava de suas primeiras bodas e,
guardando-o no bolso, insistiu:

— Irei de todos os modos.

Ambos desceram a escada com rapidez; Peter e Aiden, ao vê-los


correr para fora, sem hesitar foram atrás deles. Ao chegar às
cavalariças, Peter pegou o viking pelo braço e perguntou:

— O que aconteceu?

Mas Harald saltou imediatamente sobre seu cavalo e exclamou


cravando os talões nele:

— Tenho que encontrar Alison!

Demelza, que estava montando para segui-lo, foi detida por Aiden,
que sibilou olhando-a:

— Sabia que você estava metida em alguma coisa...

Desesperada, ela protestou, mas então Peter e seu marido


montaram também seus cavalos e os três seguiram Harald. Tinham
que encontrar Alison.
Na La Bruxa del Mar, enquanto os tripulantes celebravam a volta
de Alison e Matsuura na coberta, a jovem não podia parar de chorar
sem consolo na cabine de seu pai.

— Isobel, amore mio, pare já. — Murmurou Marco preocupado.

— Bebe um pouco de uísque, céu. — Indicou Roe.

Pegando o copo com mãos tremulas, Alison tomou um gole; que a


bebida queimasse a garganta não se importava. Armand, preocupado
como todos, insistiu:

— Querida, nos conte o que te acontece e poderemos te ajudar.

Mas, cada vez que a jovem tentava falar, o pranto se apoderava


dela e era incapaz de fazê-lo.

Todos se olhavam desesperados quando o capitão Moore, que


estava sentado em sua cadeira, disse incapaz de calar um segundo
mais:

— Adverti-lhe, Francesca. Adverti-te que ir com esse caipira era


um erro.

Ouvir isso era o último que Alison precisava. Estava raivosa,


furiosa, zangada. Seu pai tinha razão, mas a incomodava dizer-lhe e,
sem pensar, tirou uma das adagas que usava na cintura, agachou-se
e exclamou enquanto a cravava no chão:

— Harald não é um caipira!

Todos a olharam e ela, levantando-se, caminhou para seu pai e


disse com lágrimas nos olhos:

— Se o conhecesse, veria que é um bom homem.

— Se esse pagão fosse um bom homem te amaria. — Retrucou ele


irritado, — E duvido que agora estivesse chorando como uma garota
tola.

— Jack, mon Dieu! — Queixou-se Armand.

O capitão, lançou-lhe um olhar para que se calasse, e voltando a


dirigir-se a sua filha sentenciou:

— Francesca, deixe de tolices e suscetibilidades de mulheres e se


comporte como o guerreiro duro e firme que te ensinei a ser.

Alison fechou os olhos. Precisava de carinhos e abraços, não


broncas, e Matsuura, vendo sua expressão e temendo-o pior, advertiu-
a:

— Shensi...

Alison se sentou ao ouvi-lo, e Roe disse aproximando-se de Jack:

— Acredito que...

— Você não acredita nada. — O cortou ele. — Francesca se


apaixonou por um fodido viking; disse-lhe que não fosse com ele porque
ia lhe romper o coração, mas mesmo assim, não me deu atenção. E
agora o resultado é o que vemos! Macaquices, choros e suscetibilidades!
Disse-lhe, Francesca! Adverti-lhe e não quis me escutar.
Ninguém respondeu, e Marco, aproximando-se dele, falou:

— Não te entendo, Jack. Acaso amar é algo ruim? Acaso alguma


vez amou minha irmã? — E, ignorando a carranca feroz dele,
acrescentou dirigindo-se a jovem: — Presumo que você o ame, mas ele
ama você??

Alison não respondeu. De novo, os olhos se encheram de lágrimas,


e Matsuura, incapaz de permanecer calado um segundo mais,
sentenciou:

— Sim, é obvio que a ama. Mas ela não quer acreditar.

— Orquídea, mas por quê? — Perguntou Roe.

A jovem, pegando um lenço que seu tio Armand oferecia, assoou


o nariz e, quando ia responder, o japonês acrescentou olhando-a:

— Harald, sem perceber nem querer foi se apaixonando por você.


Ama-te. Eu sei. Confessou-me isso. Eu lhe disse isso e ele também,
mas você não quis nos escutar.

— Uau, as tolices que terei que ouvir! — Murmurou o capitão.

Todos o olharam com fúria. Acaso não percebia a dor que sentia
a jovem?

— O viking não é perfeito. — Continuou Matsuura. — Se


equivocou muitas vezes. Mas você também errou. E não há nada que
ensine mais na vida que os equívocos. Harald... aprendeu e tentou
retificar. Agora só me falta saber se você aprendeu.

Ignorando o olhar de seu pai, a jovem levou as mãos ao rosto;


nesse momento seu tio Marco interveio:
— Se você acha que tomou uma má decisão ou cometeu um erro
no que diz respeito à sua vida, corrija-o, Isobel. Todos nós cometemos
erros e está em nosso poder retificar ou não.

— Vida só há uma, e alguns de nós sempre lhe dissemos que terá


que vivê-la. — Acrescentou o japonês.

— Isso mesmo eu penso. — Afirmou Armand.

— E eu! — Exclamou Roe.

Matsuura sorriu, sabia que poderia contar com eles, mas o


capitão soltou:

— Raios e centelhas...! Querem deixar de suscetibilidades?

Ouvindo seu cunhado, Marco ia falar quando Matsuura,


enfrentando pela primeira vez seu capitão desde que tinha posto os pés
em La Bruxa del Mar, sibilou olhando-o:

— Arrisco-me de que me faça andar pela prancha, mas direi que


um pouco de sensibilidade para com sua filha não te seria nada mal.
Ela sofre, acaso seu sofrimento não é também o teu?

— Matsuura... fodido olhos rasgados... Para de dizer isso, melhor


se calar!

— Papai! — Grunhiu Alison.

Instantes depois, seu pai e seus tios se encetaram em uma terrível


discussão. Em uma, como tantas vezes em que o capitão, como sempre,
pretendia fingir ter a razão.

Alison se aproximou da escotilha da cabine e olhou através dela.


Via a costa escocesa, e enquanto pensava nas palavras que seus tios
haviam dito de coração, de repente percebeu claramente a realidade.
Partir sem haver-se despedido de Harald tinha sido um grande erro.
Mas o pior era tê-lo ouvido dizer que a amava e havê-lo questionado.

Acaso havia ficado louca? De verdade era tão tola para não saber
que ele jamais diria algo assim se não o sentisse?

Os homens seguiam em sua discussão quando a jovem, ficando


de frente a seu pai, pegou-o pelo braço, fez com que a olhasse e
exclamou:

— Fodido capitão Moore... que tal se calar?!

Ouvir isso e ver a insolência no rosto de sua filha o fez saltar como
uma mola e gritar:

— Não volte a falar comigo assim ou...

— Ou o quê? — Exigiu ela.

Pai e filha se olharam fixamente até que ele disse:

— Prometeu com a mão na garrafa e no coração retornar para


mim e a La Bruxa del Mar, e o peso que vale uma pessoa é a sua
palavra.

Alison assentiu, desde pequena aquela frase tinha estado


presente em sua vida, e afirmou:

— Por isso estou aqui. Porque você me ensinou a ser uma pessoa
de palavra. — Seu pai sorriu e ela acrescentou: — Mas quero que saiba
que os últimos seis meses em Escócia, junto de Harald, Sigge, Will e
Briana, foram os mais incríveis de minha vida. Você e os tios são minha
família e os amo com todo meu ser. Mas, na Escócia, criei outro tipo de
família que adoro e pela qual daria minha vida, como daria por vocês.
Nesse tempo, fiz amigas que me aceitaram como sou. Amigos que me
respeitaram sem precisar desembainhar a espada. Três crianças
preciosas me amaram, precisaram de mim e me fizeram sentir como
uma mãe. E um homem maravilhoso que amo, e que não facilitou as
coisas para mim, e fez com que eu me sentisse mulher. E sabe, papai?
Se me desse a escolha entre ficar aqui ou voltar para a Escócia, eu
definitivamente escolheria voltar. E eu escolheria porque minha vida
aqui, com você, seria sempre o que é, e em terra poderia ser o que eu
sempre quis.

Comovidos pelas palavras que a jovem, tinham tirado do coração,


os homens se olharam. Todos sabiam o que Alison sempre tinha
desejado, embora nunca houvesse dito.

— Esqueceu de Pirata e Tritão. — Falou Matsuura.

Sorrindo, Alison indicou:

— Pirata é meu cavalo e Tritão, um cão que Harald me deu de


presente como uma prova de amor.

— Uma prova de amor? O que é isso, Orquídea? — Perguntou Roe


curioso.

Ela assentiu engolindo as lágrimas e, olhando seu tio, explicou:

— Uma prova de amor é um costume dos povos nórdicos. Consiste


em dar de presente a quem ama algo que se anseie muito, embora não
o peça. Isso é uma prova de amor.

— Oh, ma pétite. — Murmurou Armand emocionado.

Isso a fez sorrir com tristeza.

— Isobel... — Murmurou Marco, — sempre desejou ter um cão e


um cavalo.

— Sim, tio, assim mesmo.


— Pelas barbas infectas de Netuno... — queixou-se o capitão, a
quem as palavras de sua filha tinham chegado ao coração. — Demos
tudo o que pudemos. Mas como íamos colocar um cão e um cavalo em
um navio?

Todos riram. E Alison, olhando seu pai, respondeu:

— Eu sei, papai. Mas Harald... deu-me Tritão e de certo modo


também o Pirata.

Os homens se olharam entre si. Todos pensavam o mesmo,


quando Jack, ao sentir os olhares de seus amigos, grunhiu:

— Seu retorno à terra nos obrigará a renunciar de você. E eu não


quero desistir da minha filha...

Engolindo o nó de emoções que sentia, a jovem assentiu. Sabia.


Sabia que, para que ela e os que a rodeavam pudessem viver em paz,
não deveria ser relacionada com capitão Jack Moore enquanto vivesse.
Por isso, assentindo, aproximou-se de seu pai e murmurou:

— Calma, papai. Sou sua filha, a Joia Moore, e sempre estarei


contigo.

Ele assentiu satisfeito, aquilo era o único que desejava saber. E,


ignorando a carranca contrariada de outros, exigiu:

— Subamos a coberta e icemos a âncora.

Conforme o ouviu, Alison respirou e assentiu. Esse era seu


destino. Não havia outro.
Assim que Harald chegou à praia de Cullen acompanhado de
Demelza, Aiden e Peter, já amanhecia.

O viking, enlouquecido, olhava para todos lados em busca de


Alison quando deteve seu cavalo, escrutinou o horizonte e gritou:

— Não! Maldita seja! Não!

Todos seguiram a direção de seu olhar e, vendo vários navios que


se afastavam, horrorizados, não souberam o que dizer.

Harald apeou do cavalo histérico e começou a caminhar de um


lado a outro destroçado. Tinha chegado muito tarde e Alison partira.

Demelza apeou e, depois de olhar para seu marido, aproximou-se


do viking.

— Harald...

Mas ele não podia parar de mover-se enquanto exclamava


desesperado:

— Partiu, Demelza! Partiu!

Aiden desceu de seu cavalo e ia falar quando Harald disse:

— Me alistarei como tripulante em um navio e...


— Que tolice está dizendo? — Perguntou Peter.

Mas Harald, que precisava procurar soluções para encontrar


Alison, respondeu olhando para Demelza:

— Se te encontrei quando a perdi na Noruega, também


encontrarei Alison.

Comovida, sua cunhada assentiu.

— Estou convencida de que encontrará.

Desesperado, o viking dava voltas em círculos pela praia enquanto


seus amigos o observavam. Aquilo não podia estar acontecendo a ele.
Então se deteve e declarou:

— Ingrid morreu, deixou-me... E quando por fim me concedo a


oportunidade de voltar a amar, porque uma maravilhosa mulher
apareceu em minha vida enchendo-a de luz, loucura e alegria e me deu
uma bela família, faço tudo tão errado que... que...

Aiden, entendendo-o, ia intervir quando Harald, olhando os


navios que se afastavam no horizonte, gritou:

— Amo-te, Alison Francesca Isobel Marguerite Orquídea! Amo-te


e vou encontrá-la embora seja a última coisa que faça nesta vida,
porque é a mãe de meus filhos e todos nós precisamos de você!

Demelza, emocionada, sussurrou então com um sorriso:

— Por que não lhe gritou isto antes? Por quê?

Harald fechou os olhos. E, ciente de que tinha feito errado,


murmurou:

— Porque, como ela dizia, sou... um tolinho.


Peter e Aiden riam, e enquanto o viking e Demelza falavam, Peter
perguntou com curiosidade:

— Tão louco é o amor?

Aiden assentiu.

— O amor, querido amigo — disse Aiden olhando à ruiva, — é uma


palavra simples que não entendemos até que alguém chegue para lhe
dar sentido. Pode conhecer centenas de mulheres e divertir-se, mas
quando sente que uma delas te rouba o fôlego, o sonho, a paz e a vida,
sabe que ela e só ela é seu amor e sua mulher.

Peter sorriu e, ao ver como seu amigo olhava para sua esposa,
cochichou:

— E Demelza é...

— Meu amor e minha mulher. — Declarou Aiden.

Peter assentiu divertido.

— Que sorte a minha, divirto-me com mulheres sem pensar em


nada mais.

— Até que chegue a que te faça pensar... — replicou seu amigo.

Ambos sorriram e Harald, sumido em seu desespero, voltou a


gritar em direção aos navios:

— Encontrar-te-ei, ouve-me, Alison?! Por Tritão que vou te


procurar e convencê-la de que já não há um coração entre você e eu,
porque só amo você, maldita cabeça dura!

Peter, que nunca tinha visto Harald assim, aproximou-se dele e,


pegando-o para que o olhasse, assegurou-lhe:

— Prometo te ajudar. Não se preocupe porque a encontraremos.


O viking assentiu e, caminhando de novo para a borda, gritou
desesperado:

— Amo-te, Alison! Amo-te, maldita seja! Você é meu amor...! Você!

A angústia que todos viam em seu amigo era tal que não sabiam
o que dizer. Harald sempre tinha sido um homem comedido, discreto,
e vê-lo naquele estado de descontrole não era fácil, mas de repente
ouviram:

— De verdade sou seu amor... tolinho?

Imediatamente, todos se voltaram. Aquela era a voz de Alison. E,


de repente, as cabeças da jovem e de Matsuura apareceram atrás de
uma duna.

Harald, ao vê-la, correu para ela e, abraçando-a com desespero


para confirmar que não era um sonho, sussurrou:

— Você e só você é meu amor... Meu único amor.

Alison sorriu e o abraçou.

— Meu coração é teu — acrescentou Harald olhando-a nos olhos.

Fundiram-se em um maravilhoso beijo de amor enquanto


Matsuura, Demelza, Aiden e Peter sorriam satisfeitos.

Um beijo...

Dois...

Não podiam deixar de beijarem-se, de amarem-se, até que


finalmente Demelza, aproximando-se deles, olhou Alison e soltou:

— Vou matá-la! Como não me disse que Harald havia te dito que
a amava?
A moça sorriu emocionada e, afastando-se de Harald, abraçou-a.
Aquela mulher, apesar de amar com loucura o seu cunhado, tinha-a
ajudado sem pensar nas consequências, e isso era de agradecer.
Quando o abraço acabou, Demelza sussurrou ao ver que uma lágrima
lhe corria pela bochecha:

— Mas se você não chora...

Alison balançou a cabeça e, engolindo as emoções, afirmou:

— Agora choro de felicidade. De absoluta felicidade.

Aiden e Peter, depois de abraçar Matsuura, que tinha decidido


continuar junto de Alison, olharam com carinho a jovem. Que não
tivesse partido era o melhor que podia passar a Harald e, emocionados,
estreitaram-na também entre seus braços; ao mesmo tempo Harald
comovido abraçava Matsuura.

Assim estiveram um bom momento enquanto amanhecia, até que


decidiram retornar à fortaleza. As crianças e Janetta iriam despertar, e
tanto Alison como Matsuura queriam fazer uma surpresa.

Demelza, com prazer, ofereceu seu cavalo ao japonês e montou


com seu marido, enquanto Harald, ajudando Alison, montou-a diante
dele.

A volta fizeram com calma, e enquanto aproveitavam do caminho,


Alison, olhando Harald, ia falar mas este falou:

— Quando chegarmos em casa quero que faça com ela o que


gostar. Se quiser, a derrubaremos e...

— Harald, não! — Ela riu.

— Mudaremos móveis, tapeçarias, quartos... mudaremos tudo —


insistiu o viking feliz. — Meu lar é o teu, e não quero que nunca mais
volte a duvidar disso. — Alison sorriu, e a seguir o gigante loiro
sussurrou: — Prometo que sempre tentarei te fazer sorrir. Sei o quanto
isso é importante para você.

Ela o beijou satisfeita e, perguntou:

— De verdade que já não há um coração entre você e eu?

Seguro como nunca na vida, Harald assentiu e lhe mostrou sua


mão sem anel.

— Ingrid é meu passado — declarou. — E você, meu amor, é meu


presente e meu futuro. Eu amei a Ingrid e a você eu amo.

Comovida porque ele tirou o anel, ela respirou e murmurou:

— Não pretendo que a esqueça, porque isso seria muito egoísmo


de minha parte, mas...

— Alison — a cortou, — mentir-te-ia se dissesse que vou esquecê-


la. Mas acredite quando asseguro que você me fez esquecer o passado
para me fazer ver o presente. E nesse presente a mulher de minha vida
se chama Alison Francesca Isobel Marg...

— Por Tritão, Harald! Não comece como meu pai. — Ela riu
divertida.

— Tolinha — zombou ele para ouvi-la.

Ambos riram prodigalizando-se mimos, mas de repente o viking


perguntou:

— Falando de seu pai... o que fez para não partir com ele?

Ao mencioná-lo, a jovem se emocionou ante a carranca


desconcertada de Harald, mas limpando-as lágrimas, respondeu:
— Falamos. Discutimos. Desafiamo-nos. E, depois de lhe contar
como me sentia e por que estava ali, quando subimos a coberta para
zarpar, de repente me olhou, disse que me amava mais que a sua vida
e que me permitia retornar para você, era sua prova de amor por mim.
— Surpreso, Harald piscou e ela acrescentou com um sorriso: — Vendo
que tinha cumprido minha promessa de retornar apesar de que te
amava o fez entender o muito que o amo e quão importante é para mim.

Ele assentiu e Alison, consciente do que ele podia estar pensando,


continuou:

— Papai e os tios sabem que não devem aproximarem-se de mim


para me proteger. Nunca mais voltarei a ser Alison Moore aos olhos dos
outros, a não ser Alison Wilson e...

— Alison McAllister — retificou Harald. E, sorrindo, acrescentou:


— Para mim, embora não possamos dizê-lo, será Alison Hermansen.

— Será nosso segredo pagão — disse ela lhe piscando um olho, e


adicionou: — prometi a meu pai e a meus tios que sempre que for a
Edimburgo, deixarei na loja de tio Pinwi uma carta para eles.

— Tio Pinwi?! — Perguntou Harald e, sorrindo, acrescentou: —


Esse é novo.

Alison riu e, apoiando a cabeça no musculoso peito dele que tanto


amava e por quem tinha deixado tudo, não respondeu, e ele, consciente
do que podia estar pensando, falou:

— Prometo-te que procuraremos uma forma de que possa vê-los.

— Oxalá... eles são minha família.


O viking sorriu. Não conhecia muito o capitão Moore, mas pelo
pouco que tinha visto dele, algo lhe dizia que não passaria o resto de
sua vida sem ver sua única Joia; então, recordando uma coisa apontou:

— Sabe o que meu pai dizia sobre a família? — Alison o olhou. —


Dizia que o importante não é estar todo o dia juntos, nem sequer viver
juntos, mas o importante é amarem-se, respeitarem-se e nunca,
aconteça o que acontecer, perder a união.

— Muito acertado o pensamento de seu pai.

Cavalgaram em silêncio e então lhe pediu:

— Poderia parar um momento?

Ele deteve o cavalo e a jovem, olhando-o com amor, murmurou:

— Quero te perguntar algo.

Harald, consciente de que certamente ela tinha muitas perguntas,


respondeu:

— O que queira.

A moça sorriu com gosto e, sem deixar de olhá-lo nos olhos, tirou
do bolso do colete dois anéis e, mostrando-lhe declarou:

— Este anel pertenceu a minha mãe e este, a meu pai. Harald


Hermansen... quer se casar comigo?

Boquiaberto, ele piscou. De todas as perguntas do mundo aquela


era a última que esperava, e, olhando-a nos olhos, sussurrou:

— Eu ia pedir-lhe isso.

Isso a fez sorrir, e acrescentou:

— Poderíamos nos casar nos lombos deste cavalo e...


Não pôde continuar, já que Harald a beijou. Beijar à mulher que
amava e, sobretudo, tê-la a seu lado era o melhor que lhe podia
acontecer na vida. E quando o beijo acabou, afirmou:

— É obvio que me casarei contigo.

Divertida, Alison sorriu, e ele, feliz como nunca em sua vida,


enquanto esporeava o cavalo para contar a grata notícia a seus amigos,
adicionou:

— Mas desta vez faremos corretamente. Com festa, convidados e


nossos filhos.
Keith, seis meses depois

As gaitas de fole soavam e o povo dançava. Acabava-se de celebrar


uma bodas na casa do Harald e Alison e todo mundo se divertia
enquanto dançava ao redor da fogueira.

A jovem, feliz, abraçou a seu tio Matsuura e a Janetta.

— Que sejam muito felizes! — Desejou-lhes.

— Tanto quanto nós — acrescentou Harald ditoso.

Lembrar-se do casamento romântico deles há cinco meses atrás


fez os dois sorrirem. Eles se divertiram incrivelmente naquele dia.

Matsuura assentiu satisfeito. Na vida imaginou que a sorte


chegasse em sua vida e, depois de beijar com gosto a sua mulher,
afirmou olhando-os:

— Asseguro-lhes que seremos.

Demelza, Aiden e Peter, junto a várias pessoas mais,


aproximaram-se então dos noivos para felicitá-los. Bodas sempre eram
motivo de felicidade.
Harald, que tinha sobre seus ombros Sigge, beijou no pescoço
Alison e comentou apontando mais à frente:

— Viu Will?

Alison olhou para onde indicava, e ao ver o menino falando e


sorrindo com uma menina, cochichou:

— De verdade está fazendo o que acredito?

Harald soltou uma gargalhada. Sem lugar a dúvidas, Will estava


flertando com a menina, e Peter, que os tinha ouvido, interveio:

— Espero que não deem importância, mas lhe dei alguns


conselhinhos a respeito de como deslumbrar uma mulher.

— Por Tritão, Peter, ele só tem onze anos! — Exclamou Alison.

Harald e ele sorriram, e de repente ouviram uma voz a suas costas


que dizia:

— Olá, Peter McGregor.

Virando-se, eles viram a bela mais complicada Sheena, uma linda


viúva com quem Peter tinha sido visto várias vezes se divertido.

Sheena falou com eles e, quando se afastou, Peter comentou:

— Espera-me uma boa noite.

Alison sorriu e Harald perguntou olhando para seu amigo:

— De verdade vai continuar se encontrando com ela? — Peter


encolheu os ombros e ele insistiu: — Pelo que parece, faz dois dias
esteve com Moisés e na semana anterior com Gardel.

— Não sou ciumento — retrucou seu amigo, — e me consta que


ela tampouco é.
Alison sorriu, mas então, vendo algumas moças que o olhavam,
sugeriu:

— Por que não olha em outras jovens e se esquece dessa mulher?

— Porque não procuro noiva e nem mulher — disse ele enquanto


sorria para as garotas.

— Pois acredite que te faria muito bem — afirmou Harald.

Peter riu e, olhando para seu antigo companheiro de caminhada,


murmurou:

— Que você tenha caído na armadilha do amor não quer dizer que
outros desejem o mesmo.

E, afastou-se alegre enquanto Alison perguntava divertida:

— E você desde quando é fofoqueiro?

Harald sorriu, e, enquanto via Briana correr atrás de Tritão junto


de Regina e Thomas, explicou:

— Desde que Moisés e Gardel vieram à ferraria e intercambiaram


impressões com respeito a essa mulher a mim.

— E que impressões intercambiaram? — Quis saber ela; vendo


como ele a olhava, cochichou: — Querido, minha parte pagã morre por
saber...

Feliz e satisfeito, Harald a beijou e assegurou:

— Prometo-te que contarei esta noite, em nosso quarto.

Ambos riam quando o resto de seus amigos se uniram a eles e


todos começaram a conversar.
Aquela madrugada, quando a festa acabou e os convidados
partiram, Alison agasalhou as crianças e desceu ao salão.

Ali, olhou ao redor. Aquele salão, que em outro momento tinha


sido escuro e sombrio, era agora um lugar repleto de luz. Como Harald
lhe havia dito, logo que retornaram ao lar, obrigou-a a mudar tudo o
que não gostava da casa.

A primeira coisa que Alison quis desfazer-se foi da cabeceira, onde


estava gravado o nome de Ingrid, e do escudo lavrado que havia sobre
a lareira. E Harald, sem hesitar, respeitou-a. Tudo o que ela dissesse
com respeito a esse assunto estava bem.

Quanto ao resto das coisas de Ingrid, algumas Demelza as levou


e outras Alison as distribuiu pela casa. A jovem não guardava rancor a
antiga mulher de Harald. Ao contrário, sem conhecê-la, tinha-lhe
apreço, e lhe agradava deixar claro a seu marido e a todo mundo que
em seu lar e em sua família ela sempre teria seu espaço.

Com prazer e feliz por ver Tritão dormindo de frente a enorme


lareira, subiu de novo a escada e entrou em seu quarto.

Ao chegar ali, viu sobre a pele do chão que estava diante da lareira
duas taças de vinho preparadas. Isso a fez sorrir.

A relação com Harald estava indo melhor em todos os sentidos.


Agora podiam falar de qualquer coisa, nada era tabu entre eles, embora
de vez em quando discutiam se Alison se metia em algum problema por
defender a alguém, que ela considerava sofrer uma injustiça ou tirava
aquele gênio pirata que o tinha feito se apaixonar.

A jovem sorria quando a porta se abriu e apareceu Harald.


Durante uma fração de segundo se olharam, até que ele sussurrou:

— Tenho algo para você.

Alison se arrepiou e, com graça, murmurou:

— As fadas acabam de me avisar de que algo vai acontecer.

Ambos sorriram e ele tirou de detrás das costas um kransen, a


coroa de flores que usara durante as bodas de Matsuura e Janetta, e
colocando-a na sua cabeça murmurou:

— Está muito bela...

Maravilhada, Alison se aproximou dele e sorriu. Gostava que seu


marido a elogiasse.

Os beijos não demoraram para chegar...

Um...

Dois...

E quando o viking a olhou e a viu sorrir, perguntou entre divertido


e excitado:

— Imagina no que estou pensando?

Ela soltou uma gargalhada. A paixão que sentiam um pelo outro


era irrefreável, e com um gesto pícaro que fez com que o coração do
viking se acelerasse, retrucou antes de beijá-lo de novo:

— Provavelmente.
1
Bug – significa literalmente bicho, inseto. No sentido figurado é especialmente uma criança que enrola, opressora,
esmagadora, travessa, inquieta ou brincalhona
2
A katana ou em sua forma aportuguesada catana é uma tradicional espada japonesa que foi usada pelos samurais do
Japão antigo e feudal. A katana é caracterizado por sua aparência distintiva: uma lâmina curva, de um único fio com um
protetor circular ou esquadrado e um cabo longo para acomodar duas mãos.
3
La Bruxa del Mar ( A Bruxa do Mar), El Demonio de las Olas ( O Demônio das Ondas), El Fuego Infernal (O Fogo
Infernal) e La Brisa Guerrera ( A Brisa Guerreira).
4
Anfitrite (em grego clássico: Ἀμφιτρίτη), na mitologia grega, era filha da ninfa Dóris e de Nereu, portanto uma nereida.
É esposa de Posídon e deusa dos mares.
5
Bambina - criança
6
M apetite – minha querida.
7
Rheum rhabarbarum, conhecido pelo nome comum de ruibarbo, é uma planta comestível utilizada como hortaliça e
para fins fitoterápicos.
8
O Fjord ou Fiorde é um dos cavalos mais antigos do mundo e de maior pureza racial. Acredita-se que esses animais
migraram da Mongólia para a Noruega, e foram domesticados há 4000 anos. Há evidências arqueológicas de que os
Vickings já usavam esses cavalos, sua seleção racial é de quase 2000 anos.
9
Mo chridhe – meu coração
10
Niniano é um santo cristão mencionado pela primeira vez no século VIII como sendo um dos primeiros missionários
entre os povos pictos que viviam no território da moderna Escócia
11
Barlavento - Lado do navio de onde sopra o vento. Sota-vento é o lado oposto ao lado do qual sopra o vento.
12
São Columba, também conhecido como Columba de Iona, ou, em gaélico, Colm Cille ou Columcille. Foi a grande figura
missionária da Escócia. Monge irlandês, reintroduziu o Cristianismo entre os Pictos medievais.
13
Charmaemelon – pelas características medicianis, e apesar de não havermos encontrado com este nome, assemelha-
se a erva de São João.
14
Charco – brejo.
15
Sassenach – insulto dito com desprezo aos ingleses. O mesmo que estrangeiro.
16
Toró – forte pancada de chuva.

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