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Interpretação de texto

Eu, etiqueta
De minha anulação.
Em minha calça está grudado um nome
Não sou – vê lá - anúncio contratado.
Que não é meu de batismo ou de cartório
Eu é que mimosamente pago
Um nome... estranho
Para anunciar, para vender
Meu blusão traz lembrete de bebida
Em bares festas praias pérgulas piscinas,
Que jamais pus na boca, nessa vida,
E bem à vista exibo esta etiqueta
Em minha camiseta, a marca de cigarro
Global no corpo que desiste
Que não fumo, até hoje não fumei.
De ser veste e sandália de uma essência
Minhas meias falam de produtos
Tão viva, independente,
Que nunca experimentei
Que moda ou suborno algum a compromete.
Mas são comunicados a meus pés.
Onde terei jogado fora
Meu tênis é proclama colorido
Meu gosto e capacidade de escolher,
De alguma coisa não provada
Minhas idiossincrasias tão pessoais,
Por este provador de longa idade.
Tão minhas que no rosto se espelhavam
Meu lenço, meu relógio, meu chaveiro,
E cada gesto, cada olhar,
Minha gravata e cinto e escova e pente,
Cada vinco da roupa
Meu copo, minha xícara,
Sou gravado de forma universal,
Minha toalha de banho e sabonete,
Saio da estamparia, não de casa,
Meu isso, meu aquilo.
Da vitrine me tiram, recolocam,
Desde a cabeça ao bico dos sapatos,
Objeto pulsante mas objeto
São mensagens,
Que se oferece como signo de outros
Letras falantes,
Objetos estáticos, tarifados.
Gritos visuais,
Por me ostentar assim, tão orgulhoso
Ordens de uso, abuso, reincidências.
De ser não eu, mar artigo industrial,
Costume, hábito, premência,
Peço que meu nome retifiquem.
Indispensabilidade,
Já não me convém o título de homem.
E fazem de mim homem-anúncio itinerante,
Meu nome novo é Coisa.
Escravo da matéria anunciada.
Eu sou a Coisa, coisamente.
Estou, estou na moda.
É doce andar na moda, ainda que a moda
(Carlos Drummond de Andrade)
Seja negar minha identidade,
Trocá-lo por mil, açambarcando
Todas as marcas registradas,
Todos os logotipos do mercado.
Com que inocência demito-me de ser
Eu que antes era e me sabia
Tão diverso de outros, tão mim mesmo,
Ser pensante sentinte e solitário
Com outros seres diversos e conscientes
De sua humana, invencível condição.
Agora sou anúncio
Ora vulgar ora bizarro.
Em língua nacional ou em qualquer língua
(Qualquer, principalmente.)
E nisto me comprazo, tiro glória
Análise do poema:

01 – Quais elementos do poema você observa na vida cotidiana?

02 – Qual a ordem de importância no poema entre esses três elementos: pessoa, mercadoria e marca?

03 – O poema faz uma crítica a sociedade atual. Qual é esta crítica?

04 – O que são '' Logotipos do mercado'' Faça um levantamento dos logotipos, mais conhecidos, as empresas que
os detêm e os países de origem dessas empresas, ou seja, onde estão as suas sedes?

05 – Você daria outro título a essa poesia? Qual?

06 – Pesquise no dicionário o significado da palavra “EU”.

07 – Agora, pesquise o significado da palavra “COISA”.

08 – Qual a diferença entre “EU” e “COISA”?

09 – Você, assim como o autor da poesia, também se sente “coisificado”? Por quê?

10 – Selecione um trecho da poesia que demonstre a perda da identidade para a propaganda.

11 – Você procura “estar na moda”? Por quê?

12 – Na opinião de Carlos Drummond de Andrade, “estar na moda” significa abrir mão da identidade. E na sua
opinião?

13 – Você se julga “coisa” ou “homem”? Por quê?

14 – Na poesia há algumas palavras inventadas pelo autor. Exemplo: “coisamente”. Invente algumas palavras e
coloque em uma frase.

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