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Análise de Caso Clínico

Aluna: Joana Vitória Bristot Martini

Caso
O primeiro caso relatado é de um rapaz, cuja psicanálise começou aos 14 anos [Dolto 1999]. A
síntese realizada pela autora é “mãe grávida espera uma criança substituta de um morto, num
luto ainda não terminado, fazendo com que não desse a esse morto, a liberdade de estar
morto”.
O rapaz passeava com uma sacola de canhotos de cheques, vasculhando latas de lixo para
recolher recibos e canhotos. Não conseguia viver sem esse conjunto de representações de
dívidas. Além disso, o rapaz alegremente anunciava falências, dizendo "é, a grande firma tal
abriu falência".
A conduta do rapaz não causava muitas perturbações, até que o mesmo começou a agredir
verbalmente as mulheres falando de suas "tetas". Ele dizia: "Como é que são as suas tetas?
Quem me dera ver as suas tetas!". Além disso, o rapaz começou a tentar apalpar decotes das
mulheres. Após o início desse comportamento, foi indicada psicoterapia psicanalítica em
tratamento ambulatorial.
O relato do caso apresenta trechos dos diálogos entre o rapaz e a psicanalista, achei
interessante trazer alguns desses trechos. No trecho a seguir, há uma comunicação sobre os
pontos citados e uma proposta por parte do rapaz:
Psicanalista: "por trás de disso tudo deve haver uma história"
Rapaz: "há sim, e que história! mas você é a primeira pessoa que percebeu isso! você também
tem tetas?"
Psicanalista: "sim, todo mundo tem mas ... mas podemos falar da história e não das minhas
tetas" rapaz: "sim, mas e a falência?"
Psicanalista: "todo mundo vai a falência de vez em quando"
Rapaz: "sim, um desenho às vezes diz mais que qualquer outra coisa"
Assim, o rapaz propôs à psicanalista que se produzisse um desenho. O desenho apresentava
uma mulher grávida, com uma barriga enorme, andando na rua. Atrás, no ar, existia uma
espécie de polvo, cujos tentáculos alcançavam a barriga da mulher grávida. Além disso, o
rapaz escreveu algumas palavras: mulher grávida "fulana" (o nome de sua mãe), "25 anos",
"cicrana" (o polvo), "18 anos", a casa "falida". Continua outro trecho, dessa vez explicando o
desenho:
Psicanalista: e vc, onde está?
Rapaz: “ora, é visível, só se vê eu! mostrou a barriga da mãe e disse "o seio", não as tetas, o
"seio". Ele havia desenhado um sutiã sobre as tetas. Eu estou aqui (mostrando a barriga).
Psicanalista: mas e os tentáculos que querem atacar sua barriga?
Rapaz: é aquela que não queria que eu nascesse rapaz - ela faliu, então nasci

A psicanalista imaginou que o rapaz estava delirando e o questionou a respeito de uma


conversa com seus pais. Após esse acordo, a mãe conversou com a psicanalista. Contou que
perdera a primeira filha, que tinha o nome atribuído ao polvo do desenho, de uma doença
infantil. Quando ocorreu essa morte, ela estava no começo de uma segunda gravidez, mas não
fez nenhum luto, dizendo que “nem se deu conta disso”. Ela diz “eu me sentia tão consolada
por esperar outro filho, e imagine só, era outra menininha, podia-se dizer que uma cópia da
outra". Dessa forma, a mãe sentia-se plenamente consolada. A mãe ainda se questionou como
o rapaz sabia o nome da filha que havia morrido, já que ela nunca havia falado com ele sobre
isso.
A mãe também conta que a gravidez do rapaz foi uma surpresa extraordinária para ela.
Continua dizendo que, desde o momento em que soube que estava grávida, só sentia a morte
da filha mais velha, ou em suas palavras “só pensava na mais velha de quem eu me esquecera
antes". O pai relatou que de forma contrária a mãe, lamentava a perda da primeira filha durante
a Segunda gravidez, pois segundo sua segunda filha não pôde tomar o lugar da filha falecida,
pois para ele “essa filhinha ainda existe...". Também é interessante ressaltar que nos relatórios
iniciais, a mãe não havia comentado sobre essa criança que morrera. Assim, o menino foi
trazido no ventre por uma mãe que estava enlutada por essa criança mais velha desconhecida
e não mencionada pela família, que o rapaz apresentava como um polvo negro que atacava a
criança. Mas o polvo negro falira, pois ele conseguira nascer. O rapaz, para ser amado, era
preciso estar morto e ser uma menina. Mas de que forma era possível esta estar morto e vivo
ao mesmo tempo? A interpretação realizada pela psicanalista nos diz que essa era a
simbolização dos canhotos carregados e os anúncios das falências [Dolto 1999]. Assim, o
rapaz rivalizava com o outro de sua mãe, importante para ela quando estava grávida dele: a
filhinha por quem ela chorava. Além disso, também houve o envolvimento com o problema do
"seio". Pensando o Complexo de Édipo como uma organização do devir humano em torno das
diferenças dos sexos e das gerações, podemos nos questionar de que forma ocorreu a
castração nesse caso. Conforme já comentado, nos tempos do Édipo, o sujeito deseja ser o
objeto de desejo da mãe (falo) e o pai surge para cortar essa relação desejada. O pai nem
sempre é o genitor ou o companheiro da mãe, é a pessoa que tem o papel simbólico do
terceiro, isto é, de pai na díade mãe e filho. Toda a interrupção de gozo que a mãe impõe à
criança, contrariando a ordem de satisfação, será representada pelo pai. A inscrição desse
Nome-do-pai barra a certeza da mãe, possibilitando que o desejo da mesma se torne
contingente à criança. Evidentemente, podemos realizar hipóteses sobre essa inscrição nesse
rapaz. Nesse caso, o terceiro não foi o pai, mas a criança falecida. Esse terceiro induziu o
desejo da criança a se desenvolver de forma totalmente distorcida em relação a evolução
habitual.
A falência representava o fato de que sua morte fracassara, que ele resistira às forças da morte
relacionados ao terceiro. A questão de o rapaz carregar consigo símbolos de falência era a
forma encontrada de representar o fracasso de sua morte em seu corpo. Assim, na verdade,
ele vivia realmente seu Édipo. A inscrição do Nome-do-pai poderia permitir que essa falência
fosse efetivamente simbolizada, ao invés de executada.
O problema do rapaz com sua mãe, que só pensava na filha mais velha morta quando estava
grávida dele, produziu uma configuração potencialmente prejudicial à constituição psíquica do
rapaz. Esse risco foi ampliado por não haver uma interrupção, representada pela função
paterna, na troca de desejo entre a díade mãe-criança. O texto referido [Dolto 1999] não traz
maiores informações sobre o pai do rapaz. Mas, pensando que o lugar mesmo do pai na
procriação é o efeito do significante Nome-do-pai, pode-se concluir que a função paterna não
se efetuou de forma satisfatória.

Comentário: Nesse caso, nota-se que o paciente sempre sofreu com o fato da mãe o comparar
e desejar a primeira filha, mesmo que muito pequeno o menino já sentia que sua mãe o
rejeitava por não ser uma menina e nem ser a filha que havia perdido. Conforme foi crescendo
e tomando consciência dos acontecimentos ao seu redor, o menino começou a entender o
desejo da mãe, o que de certa forma era frustrante para ele, pois seu desejo era a mãe, mas o
desejo da mãe não era ele. Por isso nesse caso a figura que será a Função Paterna será
aquela irmã que veio a falecer antes do nascimento do menino. Está fará o papel que seria do
pai, cortando o laço mãe-criança, pois o menino percebeu que não teria exclusividade no amor
de sua mãe pois existia esse terceiro sujeito no meio deles, assim fez com que o menino se
desenvolvesse de uma forma distorcida do normal. O rapaz sempre quis apenas uma coisa: o
amor da mãe. Como está não conseguia separar o fato de ter perdido a primeira filha e tido
outro filho, a mesma não conseguiu dar a este rapaz a devida investida, causando nele uma
configuração psíquica prejudicial.

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