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UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO

HOSPITAL UNIVERSITÁRIO
RESIDÊNCIA MULTIPROFISSIONAL EM SAÚDE DO HUUFMA

DISCIPLINA: TANATOLOGIA
PROFESSORA: ANA CLEYDE CARNEIRO LIMA
RESIDENTE: FERNANDA DE SOUSA ALVES DA SILVA

FICHAMENTO DO ARTIGO:
Sengik, A. S. & Ramos, F. B. CONCEPÇÃO DE MORTE NA INFÂNCIA. Psicologia
& Sociedade, 25(2), 379-387. Universidade de Caxias do Sul, Brasil, 2013.

A obra é uma reflexão sobre a concepção de morte na infância, a partir de relatos de


quatro crianças, com idade entre três e quatro anos, que passaram por alguma perda algum
familiar e foram encaminhadas pelo serviço de Psicologia. A autora utiliza-se de teóricos
como Bakhtin, Piaget e Vygotsky para embasamento teórico. A abordagem é descritiva e
analítica. Aborda questões como angústia, medos e silenciamentos, especialmente quando o
assunto requer o diálogo com o sujeito. A autora descreve em linhas gerais questões
relacionadas à linguagem, visando fundamentar a discussão sobre o processamento da
morte pela criança.
Logo na introdução, a autora começa trazendo a reflexão que tratar sobre o assunto
morte e luto não é uma tarefa fácil na nossa cultura, especialmente envolvendo crianças.
Muitas vezes os adultos tendem a mentir ou ocultam a verdade da criança, devido a uma
fantasia de que tocar no assunto pode gerar sofrimento.
Entretanto, trata-se de um assunto necessário de ser conversado e discutido, pois faz
parte da vida e do desenvolvimento natural de todo ser humano, perpassando por todas as
idades.
De acordo com Bromberg (1998), autor citado no artigo, o significado dado pela
criança à morte varia conforme sua idade, conforme o vínculo que a criança tinha com a
pessoa falecida, e ao momento de seu desenvolvimento psicológico, além de como o adulto,
com quem convive a criança convive, lida com a perda. É importante lembrar que apesar de
não ser tarefa fácil lidar com perdas, falar sobre o assunto não irá aumentar a dor, ao
contrario, tende a amenizá-la, além de auxiliar a criança na elaboração de seu luto.
Vale salientar que o silêncio do adulto em relação a morte, pode causar ainda mais
questionamentos na criança, gerando frustração, desconfiança, insegurança e abandono,
além de gerar perturbação no momento inicial de elaboração do luto da criança, pois a
mesma percebe que algo está errado, porém não é falado.
A criança espera também uma resposta ou explicação do adulto, acredita que ele
seja capaz de lhe dizer o que aconteceu. É necessário, portanto, explicar de uma forma clara
e adequada a capacidade de compreensão da criança, que a morte é irreversível, que a
pessoa que morreu não irá mais voltar à vida. Diante dessa necessidade de dialogo, nota-se
a dificuldade do adulto em lidar com a palavra morte por todo o conteúdo e sentido que ela
provoca não apenas na criança, mas nele próprio.
No entanto, grande parte dos autores abordados no artigo sugerem que a conversa
com a criança aconteça de uma maneira natural e sincera, falando acerca de seus
sentimentos, dúvidas e pensamentos, lembrando que com união da família, todos podem
superar juntos as tristezas e dar suporte para prosseguir com a vida. A partir do dialogo,
gera-se a possibilidade de entender e lidar com sentimentos de tristeza, culpa ou surpresa
advindos do luto.
De acordo com Kovács (2002), o luto é bem elaborado quando a criança consegue
guardar, dentro de si, a presença da pessoa perdida mesmo na sua ausência, e é esse
processo que permite o estabelecimento de outras relações.
Os resultados da pesquisa acerca da concepção de morte na infância, revelaram que
uma das crianças (S1), de três anos de idade, que encontra-se na fase pré operacional de
Piaget, onde o pensamento já começa a se organizar, mas ainda é irreversível, já apresenta
manifestações psíquicas e comportamentais de ansiedade e agressividade, frente a perda do
avô com quem tinha um bom vínculo, e após a perda falava nele o tempo todo. Chamando
ai a atenção para a necessidade de um diálogo. No entanto, neste caso a queixa é trazida
pela mãe, que relata dificuldade de escutar a criança e de fornecer-lhe uma resposta
adequada acerca da morte.
A criança em questão já chega à sessão tocando no assunto sobre a perda do avô.
Em um dos recortes de fala, a criança diz: “eu vim pra conversar do nono... ele foi pro céu e
quando sará volta”. Ao questionar onde é o céu, a criança aponta para cima, dizendo: “o
céu fica lá em cima. Eu não quero que o vô fique lá ... eu quero que ele volte”. A fala da
criança é mesclada de pensamentos de outros e os seus, repetindo, de certa forma, palavras
e posições dos outros, no caso, dos adultos com quem convive, demonstrando a noção
errônea de reversibilidade da morte. Certamente, até aquele momento nenhum adulto havia
esclarecido para a criança que seu avô não voltaria mais, fato evidenciado pela falta de
coerência de sua fala com a realidade.
Pela falta de diálogo, o impacto e as consequências da perda eram manifestados pela
criança no seu comportamento ansioso e agressivo, referidos pelos pais.
Bakhtin (2000) chama a atenção para o fato de que a criança não compreende como
os adultos. Ela tende a pensar que a pessoa que morreu poderá voltar a viver a qualquer
momento, ou poderá fazer uso de fantasias, apresentando um entendimento irreal acerca da
morte. Portanto, o silêncio da criança que não responde frente à situação vivida implica a
necessidade da palavra do adulto para auxiliá-la no entendimento do ocorrido. Nesse caso,
a língua concretiza a necessidade humana de expressar-se, de exteriorizar-se contribuindo
para que os falantes construam o entendimento de si e do meio, inclusive sobre o assunto
morte.
A segunda criança (S2), de três anos de idade, tinha perdido o pai, porém acreditava
que o mesmo estava viajando. A avó da criança, com quem ele vivia, não tinha coragem de
contar a realidade para a criança. Logo ao chegar à sessão, a criança já demonstrava sua
necessidade: precisava de uma resposta sobre onde estava seu pai. Relatando: “o pai foi
num homem ... só que ele demora pra voltar. Onde está meu pai?” Nesse contexto, a
criança busca uma resposta do outro, que o leve a compreender o que realmente aconteceu
com o seu pai. É possível observar neste caso, que a criança necessitava de uma
comunicação verbal, de forma simples e com clareza, porém diante da omissão sobre o que
de fato aconteceu com seu pai, a criança já demonstrava distanciamento e agitação, pois
precisava de um tempo para lidar com a informação que por um longo período havia lhe
sido negada.
Na sessão seguinte, através da brincadeira e por meio de ações e de palavras, a
criança consegue verbalizar suas emoções, seu sentimento de abandono: “Sabia que a
minha mãe está em Porto Alegre e meu pai morreu?”; “Eu to triste, porque meu pai
morreu”. Gradativamente, pela interação, a criança consegue compreender o significado da
morte, elaborar o luto e processar o fato de que o pai faleceu.
A terceira criança (S3), de três anos de idade, havia perdido a mãe por infarto. A
criança apresentava “choros frequentes, além de não querer ir à creche, nem tomar banho”,
segundo o pai. As falas da criança demonstram que ela ainda não tinha um entendimento
consolidado acerca do ocorrido, pois suas concepções acerca da morte possuiam
significados e explicações alimentadas por um adulto, referendando a concepção
bakhtiniana de que tomamos as palavras emprestadas dos outros e a partir delas nos
constituímos.
Em uma das falas, a criança diz: “Eu vim aqui pra brincar ... Minha mãe morreu e
foi lá [aponta para cima]. Eles colocaram ela numa caixa grande ... Ela tava dormindo ... O
pai falou que ela não vai acorda. Certamente quando falado da morte da mãe para a criança,
foi-lhe dito que ela não deveria chorar, porque era grande, sugerindo que pessoas grandes
não choram, não sofrem, ou melhor, não demonstram sua dor. É possível constatar ainda
que não foi oportunizado um espaço para que ela expressasse seus sentimentos, pois uma
das queixas trazidas pelo pai é de que a menina chora com frequência, o que é natural para
quem está em processo de luto.
Já a quarta criança (S4), de quatro anos de idade, que havia presenciado o suicídio
da mãe, apresentava choros frequentes, além de falar o tempo todo na morte da mãe,
certamente em busca de uma elaboração do ocorrido. A criança relata com certa
naturalidade sobre a morte da mãe: “eu moro com meu pai, porque minha mãe morreu,
tomou veneno. Agora ela tá no céu. A mãe tomou remédio e foi pro céu. Eu queria visitar a
mãe lá no céu ... mas eu não quero tomar remédio”.
Neste caso, torna-se evidente o uso de pseudoconceitos, ao relatar sobre o veneno,
que ora é considerado como algo ruim, que faz mal, que mata, ora é substituído pela
palavra remédio que tem o potencial de curar as pessoas, diminuir a dor, trazêlas à vida.
Nesse sentido, o significado das palavras parece estar confuso, mas pode ser entendido
como uma estratégia discursiva para suportar ou para lidar com a dor. Ou seja, a defesa
inconsciente da criança é percebida de forma clara quando troca a palavra veneno por
remédio. Por fim, a criança encerra o assunto, não mais expressando verbalmente seus
sentimentos, ao dizer: “agora vamos brincar?”. O convite para brincar talvez seja um
pedido para sair temporariamente do tema, pois a criança ainda estava elaborando a perda
da mãe, sinalizando que o entendimento acerca da morte acontece conforme as explicações
comuns que os adultos oferecem, demonstrando que a criança ainda não formou o conceito
real, histórico e cultural do vocábulo morte.
Ao finalizar o artigo, a autora relembra que a morte é uma experiência que nos
passa, nos atravessa, independente da idade. E mesmo uma criança de 3 e 4 anos, que ainda
usa a linguagem de forma rudimentar, encontrará formas de dizer, de falar das marcas dessa
vivência na sua formação.
O modo como as famílias lidam com a morte em relação às crianças diverge ainda
que pertençam a uma mesma cultura. Há aquelas cujas crianças acompanham o ritual de
velório e enterro. Há outras que omitem a partida do morto e também existem algumas que
distorcem o ocorrido. A conduta familiar pode deixar a criança confusa, sem esperança e
frustrada quando o que lhe é dito difere daquilo que percebe à sua volta. No entanto, o
processamento do ocorrido acontece pela linguagem, seja verbal ou não e, diante da
dificuldade de falar sobre o ocorrido, eventualmente, a família recorre à ajuda de um
profissional que a apoie nesse processo de comunicação.
O artigo conclui que a morte é percebida pelas crianças numa perspectiva de
pensamento pré-lógico, de reversibilidade, como um pseudoconceito. Constatou-se que o
conceito de morte está sendo construído a partir do desenvolvimento dos sujeitos e das
informações que lhes forem disponibilizadas e percebidas no meio em que vivem e com o
qual eles interagem.
No entanto, é direito da criança ser esclarecida sobre a morte de uma pessoa
significativa em sua vida, ainda que tenha um entendimento diferente acerca da concepção
de morte do adulto. Além disso, conforme sugerido por diversos autores, é necessário que
se diga para a criança que a pessoa que morreu não volta mais, ou seja, permitir que ela
entenda a irreversibilidade da morte e que com esse entendimento lide melhor com suas
emoções e com seu processo de luto.

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