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MARGARET BAKOS

EGIPTOMANIA

O EGITO NO BRASIL

DOLCIOU
S

PARIS

Editorial
EGIPTOMANIA

O EGITO NO BRASIL
MARGARET BAKOS

( ORGANIZADORA )

EGIPTOMANIA

O EGITO NO BRASIL

JOCOU

PARIS

Editorial
Copyright © 2004 Margaret Bakos

Todos os direitos desta edição reservados à


Paris EDITORIAL

Projeto gráfico e diagramação: Danilo Nikolaïdis


Revisão: Luciana Salgado
Capa: Antonio Kehl

Dados internacionais de Catalogação na Publicação ( CIP)


(Camara Brasileira do Livro, sp, Brasil)

Egiptomania : 0 Egito no Brasil / Margaret Bakos, (Organizadora ). -


São Paulo : Paris Editorial, 2004.
Bibliografia.
ISBN 85-7244-261-8

1. Cultura – Egito 2. Egito – Antigüidades


3. Egito - Civilização 4. Egito - História 1. Bakos, Margaret.
04-1476 CDD -932

Indices para catálogo sistemático:


1. Egiptologia : Egito Antigo : Civilização : História 932

2004

Proibida a reprodução total ou parcial .


Os infratores serão processados na forma da lei.

Paris EDITORIAL

Rua Acopiara, 199 – Alto da Lapa


05083-110 - São Paulo - SP
PABX : ( 11 ) 3832 5838
SUMÁRIO

Introdução 7
Margaret Bakos

Como o Egito chegou ao Brasil 15


Margaret Bakos

Coleções egípcias no país 29


Antonio Brancaglion Jr.

A presença do Antigo Egito nos cemitérios 43


Thiago Nicolau de Araújo e Harry Rodrigues Bellomo

Arquitetura egípcia entre nós 55


Margaret Bakos

Obeliscos brasileiros 71
Margaret Bakos e Márcia Regina Brito

Arte e decoração egipcíaca 85


Margaret Bakos

Festas, carnaval e Egito Antigo 101


Margaret Bakos e Iris Graciela Germano

A ordem Rosacruz e a arquitetura egipcia 117


Moacir Elias Santos , Thiago José Moreira e Vivian Noite Valim Tedardi

Marketing e Egito 133


Margaret Bakos, Márcia Raquel Brito, Marcela Chechelski e Flávia M. Dexheimer

O Egito na sala de aula 145


Raquel dos Santos Funari

Egito na poesia brasileira : pequena antologia 159


Elvo Clemente

Egiptomania na literatura 173


Ciro Flamarion Cardoso
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A Pedra de Roseta, que no início do século XIX permitiu ao francês


Champollion decifrar, pela primeira vez, o conteúdo dos hieróglifos
INTRODUÇÃO

Margaret Bakos
O fascínio que o Egito exerce sobre a humanidade , com suas pirami
pirâmi
des , deuses , faraós, múmias e hieróglifos, não é um fenômeno recente .
Na realidade , é algo que existe desde a Antiguidade . Heródoto , por exem

plo , o mais importante dos historiadores gregos da época clássica , escre


veu um de seus livros mais notáveis para falar dessa instigante civilização ,
que nasceu há mais de seis mil anos , às margens do Nilo , e desenvolveu
ali uma cultura singular, marcada por uma arquitetura grandiosa e pela
crença na vida após a morte . Os romanos , que os conquistaram , e os
hebreus , que foram por eles escravizados , também compartilharam ,cada
um a seu modo e na sua própria medida , o mesmo fascínio pelos antigos
egípcios , povo que para nós ainda permanece envolto em uma aura de
mistério e magia .
Afinal, o que há no Egito que explique tamanho

fascínio, capaz de resistir - e , na realidade , crescer


ainda mais - ao longo de tantos séculos ? O que faz
uma civilização tão antiga como essa continuar
ditando modas e , seis milênios depois , prosseguir

influenciando aspectos tão diversos da vida con


temporânea , seja na arquitetura , nas artes , no
espiritualismo , na ciência e na filosofia ? E o que
faz, nos dias de hoje , movimentos sociais tão
variados, como a maçonaria e as associações de
consciência negra , reivindicarem uma relação
de descendência direta ou indireta com ela ?

Estatueta da rainha Nefertiti: seis mil anos depois,


o Egito continua ditando modas
10 EGIPTOMANIA

Este livro busca respostas para essas e muitas outras perguntas . Mais que

isso , procura identificar, no Brasil , marcas que comprovem a presença e a in


fluência egípcia em nossa vida cotidiana . Às vezes, sem percebermos, convive
mos diariamente com símbolos e objetos típicos da civilização dos faraós,
elementos que atravessaramos séculos echegaram até nós, adaptados, estilizados

ou mesmo simplesmente decalcados de seus antigos modelos originais.


Antes de mais nada , é preciso compreender que esse interesse pelo
Egito se apresenta por meio de três diferentes formas: 1 ) pela " egiptofilia " ,
que é o gosto pelo exotismo e pela posse de objetos relativos ao Egito

antigo ; 2 ) pela “ egiptomania ”; que é a reinterpretação e o re - uso de tra


ços da cultura do antigo Egito , de uma forma que lhe atribua novos sig.
nificados; e , finalmente, 3 ) pela “ egiptologia ”, o ramo da ciência que
trata de tudo aquilo relacionado ao antigo Egito ' .
Por intermédio das ferramentas conceituais da egiptologia , trataremos

neste livro mais especificamente da egiptomania, um fenômeno que tem a


característica básica de conjugar ciência e imaginação . Afinal , a
egiptomania se desenvolveu da conjunção entre as descobertas acadêmi
cas , o saber popular e os relatos de viajantes e escritores , tendo se alimen

tado continuamente do repertório ilimitado de crenças e mitos universais ?.


A egiptomania, sabe - se , tem uma longa história no Ocidente . Um fato

marcante para o seu desenvolvimento se deu quando o imperador romano


Augusto providenciou o translado de monumentos e obeliscos egípcios para
Roma, a fim de representar aos súditos o seu grande poderio . A paixão pelo
Egito ressurgiu na Renascença , graças à criação da imprensa , quando os
livros de divulgação científica se multiplicaram e os progressos técnicos
facilitaram a navegação ao Oriente. O mundo letrado dos finais do século

XV, face ao incentivo dos humanistas , também redescobriu o Egito por meio
dos relatos dos viajantes e dos historiadores antigos .
Com a expedição científica e militar de Napoleão Bonaparte ao Egi
to , no século XVIII, a egiptomania passou a representar uma verdadeira
febre na Europa . A descoberta da famosa Pedra de Roseta, encontrada

então pelos soldados franceses, proporcionaria um avanço extraordiná


rio do conhecimento que temos hoje sobre a civilização egípcia. A pedra,
de forma triangular, é o fragmento de uma estela de basalto , contendo
inscrições em três caracteres diferentes - em escrita hieroglífica, demótica
INTRODUÇÃO | 11

AL

Cientistas medem a gigantesca esfinge de Gizé, segundo ilustração de


Vivant Denon, que acompanhou a expedição de Napoleão ao Egito

e grega - , todos de um mesmo texto , o que possibilitou ao francês Jean


François Champollion , em 1821 , decifrar pela primeira vez o conteúdo
até então secreto dos hieróglifos. Na primeira metade do século XX , com
a ação de novos exploradores e o conseqüente aumento das descobertas
de túmulos e monumentos perdidos , a egiptomania ganhou força.
“ Fizemos uma descoberta maravilhosa no vale ; uma magnífica tumba
intacta . ” Com essas palavras , o arqueólogo Howard Carter encerrou uma
longa , dedicada e incansável busca nos desertos egípcios e anunciou, em

novembro de 1922 , a mais importante façanha arqueológica do século XX ,


talvez a maior de todos os tempos : O achado dos tesouros funerários do faraó
Tutankhamon . Tal descoberta desencadeou , em todo o planeta , a febril
apropriação dos elementos e símbolos ali encontrados , o que inspirou des
de fabricantes de jóias até arquitetos e decoradores , todos seduzidos pelo
encantamento característico da fabulosa cultura egípcia.
No Brasil , a origem da egiptologia e da egiptomania, apesar de antiga ,

é de fácil resgate . Como veremos , os primeiros protagonistas desse hábito


12 EGIPTOMANIA

cultural foram ilustres personagens de nossa história , os monarcas portu

gueses , que deixaram amplos registros de sua paixão e interesse pelo Egito .
Da atuação de D. Pedro I , por exemplo , resta - nos um magnífico acervo de
peças egipcias , adquiridas por ele em 1824. Três décadas depois, D. Pedro
II fortaleceu o vínculo iniciado pelo pai entre o antigo Egito e o Brasil , ao

tornar- se , em 1871 , um notório estudioso da cultura egípcia e , pode - se assim


dizer,o precursor do turismo brasileiro àquele país.
De lá para cá , o interesse pela civilização egípcia , no Brasil , só tem
crescido . O surgimento , nas universidades brasileiras , de diversos pro
gramas de pós - graduação com especialização em Egito antigo promoveu
considerável avanço no campo da egiptologia no país. Já a egiptofilia, ou
seja , o apreço por objetos e relatos do antigo Egito , é igualmente um fato
cotidiano no país , embora justamente a egiptomania , isto é , a

reinterpretação e re - elaboração de elementos daquela civilização , seja


menos evidente e , conseqüentemente , menos notada e estudada .
É inegável que se desenvolveu , no Brasil, um forte imaginário social so
bre o Egito antigo . Isso se evidencia em diversas práticas de reutilização de
elementos egípcios , que um observador mais atento e mais treinado logo
identificará. Em nossas cidades , em nossas ruas , em nossa vizinhança - e
até mesmo dentro de nossas casas - símbolos e referências à civilização egípcia

estão por toda parte . Na verdade , vive


mos cercados por eles.Doobelisco fin
cado no meio da praça pública à

imensa quantidade de placas de


lojas batizadas de “ Pirâmide ” e
“ Faraó”, por exemplo , o Egi
to está entre nós.

Esfinge de Tutmose III : a


descoberta dos tesouros
funerários dos faraós deu
grande impulso à egiptomania
em todo o mundo
INTRODUÇÃO + 13

Este livro procura chamar a atenção para isso. Para tanto , alia a cu
riosidade científica típica da egiptologia à emoção mais autêntica da

egiptomania . Foi preciso realizar uma investigação conjunta , integrada” ,


em âmbito nacional , numa espécie de pesquisa arqueológica, que valori

zou cada indício encontrado sobre a utilização de elementos egípcios no


Brasil , presentes nas mais diferentes formas e materiais , dos monumen
tos em pedra a logomarcas, quadros, poemas e festas populares.
Pela ausência absoluta de alguma publicação sobre egiptomania no
Brasil , nossa pesquisa partiu de referenciais construídos com base em
experiências realizadas em outros países , especialmente os europeus . A
fundamentação teórica foi abalizada pelos textos de Jean - Marcel
Humbert, autoridade francesa no assunto e reconhecido internacional

mente . Porém , se a metodologia de nosso trabalho seguiu à risca o rigor


acadêmico , a busca sistemática e o registro crítico dos dados , também

nos permitimos deixar levar ao sabor das contribuições espontâneas e


das descobertas imprevistas . Assim , escrever este livro foi, para nós , uma
oportunidade ímpar de unir ciência e paixão . E é assim que , esperamos ,
ele também possa vir a ser igualmente recebido por seus leitores.

NOTAS
1. J.M. Humbert (ed ) . Egyptomania: Egypt in Westem . 1730-1930 . Ottawa : Éditions e La Réunion
des Musées Nationaux , 1994.
2. Ibidem
3. O marco inicial deste trabalho foi 1995 , quando se formou um grupo de pesquisadores ,
tendo porbase o interesse de professores que , então , integravam o Laboratório de História
Antiga da Universidade Federal do Rio de Janeiro (LHIA) . A pesquisa, no entanto , apenas
se desenvolveu com a aprovação do " Projeto Egiptomania no Brasil . Séc . XIX e XX” , pelo
CNPq, em 2001 , por meio da concessão de uma Bolsa de Pesquisa de Produtividade , para o
coordenador do projeto, e outra na categoria de Iniciação Científica. Desta feita, exceto
pelo apoio da PUCRS, que disponibilizou três bolsas PIBICPUC para o projeto, ao longo
desses anos todas as contribuições que constituem o corpus documental deste livro foram
fruto da colaboração espontânea de colegas e de seus dedicados alunos . A todos o nosso
agradecimento, que está também registrado nos capítulos em que constam as suas colabora
ções , sem as quais estes não existiriam .
As grandes colunas da Sala Hipostila, em Karnak, que impressionaram
o imperador D. Pedro II, um dos pioneiros da egiptologia no Brasil
COMO O EGITO

CHEGOU AO BRASIL

Margaret Bakos
Noo Brasil , aaegiptologiachegou
Brasil, egiptologia chegou no início do século XIX
XIX ,,pelas
pelas mãos
mãos
da família real portuguesa . Deve - se à iniciativa do imperador D. Pedro

I , e a seguir a seu filho, D. Pedro II , a formação de uma grande coleção


de peças egípcias em nosso país, considerada
pelo renomado egiptólogo
inglês Keneth Kitchens como a maior e a mais importante de toda a
América Latina .

D. Pedro II , profundo estudioso de história universal, versado em


hebraico e árabe , teve condições de discutir com competentes egiptólogos

sobre os misteriosos significados dos textos em escrita hieroglífica. O im


perador brasileiro chegou a visitar o Egito por duas vezes , em 1871 e em

1876. Na segunda viagem , foi presenteado por Quediva Ismael, então


paxá egípcio, com um sarcofago da época Saíta, a célebre dinastia do
século VII a.C.

As primeiras e mais belas obras arquitetônicas com elementos egíp


cios foram erguidas no país também por iniciativa da família real. Isso
ainda no final do século XVIII , época em que o Rio de Janeiro começava

a se firmar como o principal porto da colônia portuguesa americana e


como capital do vice - reino . Diante da expressão que a cidade adquiriu
aos olhos da Coroa , foi elaborado um grande programa de urbanização
da cidade , tomando - se Lisboa como modelo . O projeto de cunho
iluminista iniciou - se com a criação do Passeio Público , construído a par
tir de 1779 e inaugurado em 1783. Por essa razão , parafraseando
Champollion quando afirmava que a rota da egiptomania passa pela Itá
lia , podemos igualmente afirmar que a rota da egiptomania brasileira
passa por Portugal, sob os auspícios da realeza .
18 EGIPTOMANIA

D. PEDRO I E A FORMAÇÃO DA COLEÇÃO EGÍPCIA

Do reinado de D. Pedro I , resta - nos um magnífico acervo de peças


egípcias . Elas encontram - se atualmente no Museu Nacional do Rio de

Janeiro , no Paço de São Cristóvão . O prédio , construído por um rico


negociante português no fim do século XVIII , foi por ele presenteado ao
rei D. João VI , em março de 1808. Até 1821 , o Paço foi residência da

família real e , após a independência , abrigou a família imperial . Quando


da proclamação da República no país, foi sede da Assembléia Constitu
inte . Desde 25 de junho de 1892 , é a sede do Museu Nacional.
O fato de o primeiro monarca brasileiro se preocupar com tal inves
timento cultural àquela época é significativo para se compreender a nova
condição em que vivia o país:

A antiga colônia americana , depois da chegada da Corte , em que pese os


problemas e dificuldades que então enfrentava, passoua viver uma experiência
nova . O progresso material , o incremento da vida intelectual e o crescente
número de estrangeiros que chegavam – cientistas alemães , comerciantes
britânicos, artistas e negociantes franceses, imigrantes suíços e a oficialidade
dos muitos navios que aportavam no Brasil – fizeram com que aparecessem
novas necessidades , tanto materiais quanto culturais , de tal maneira que ,
quando a Corte lusitana voltou para Portugal, estava muito claro que as
exigências brasileiras já não podiam satisfazer- se com facilidade. Assim , o Rei
não hesitou em deixar em terras americanas o príncipe real D. Pedro, na
condição de regente do reino , o que fazia com que os brasileiros não se sentissem
rebaixados à sua antiga condição de colônia . ( Brancato , 1999 , p . 155 ) .

A coleção egípcia , que ocupa atualmente apenas três salas , no se


gundo piso do Museu Nacional , não está exposta na íntegra . Sabe - se
que dela constam, basicamente , 55 estelas e baixos relevos , quinze sar
cófagos e fragmentos, 81 estatuetas votivas e funerárias, 216 ushabtis

(estatuetas fúnebres), 29 múmias , 54 amuletos , símbolos e escaravelhos ,


cinco papiros, 69 miscelâneas e mais cem objetos e bens funerários.
O autor do primeiro catálogo desse valioso acervo foi Alberto Childe ,

nascido em São Petersburgo, na Rússia , e falecido em 1870, em Petrópolis.


Childe foi um dos homens mais finos e cultos que o poeta Manuel Ban
COMO O EGITO CHEGOU AO BRASIL 19

deira disse já ter conhecido . Segundo Bandeira , Childe “ era dotado de


talento para tudo - literatura , pintura , ciências . Jamais se fixou em qual
quer coisa senão na egiptologia ” . Foi também Childe que , no decorrer de
vinte anos como conservador do Museu Nacional , restaurou as múmias

e resgatou as origens históricas da coleção egípcia .

D. PEDRO II E O AMOR PELO ANTIGO EGITO

D. Pedro II fortaleceu o vínculo entre o Egito antigo e o Brasil ao tor

nar- se , em 1871 , notório estudioso da cultura egípcia e precursor do turis


mo de brasileiros naquele país. A primeira jornada do imperador Pedro II à
Europa e ao Egito , junto com a esposa Teresa Cristina , realizou - se no pe
ríodo compreendido entre 25 de maio de 1871 e 30 de março de 1872. Foi
sempre um grande desejo de Dom Pedro II conhecer a Europa e a oportu
nidade se apresentou quando o imperador já contava com 45 anos , devido

a uma tragédia pessoal : o falecimento, em Viena, de sua filha Leopoldina.


Depois de visitar Portugal, Espanha , Bélgica, Alemanha , Austria e
Itália, D. Pedro e Teresa Cristina partiram do porto italiano de Brindisi
rumo ao Egito , “ com tempo sereno e mar calmo", segundo registrou o
7172

Museu Nacional, no Rio de Janeiro, que conta em seu acervo com a


coleção egipcia, considerada a maior e mais importante da América Latina
20 EGIPTOMANIA

cronista da viagem . Entretanto , logo se iniciou um dos gigantescos tem


porais que costumam ocorrer no mar Mediterrâneo : “ Tão forte foi o vento ,

tão violentas as vagas que repetidas vezes alagaram o vapor, chegando


mesmo ao pavimento em que se achavam as câmaras do Imperador e de
sua comitiva" . Apesar da intempéries , quatro dias depois eles desembar
caram em Alexandria (Marques dos Santos , 1945 , p . 77 ) .
No Egito, D. Pedro II visitou , em primeiro lugar, Suez, onde manifes
tou desejo de conhecer todos os lugares bíblicos, “ como a rocha , da qual
brotou água , ao toque da vara do condutor do povo de Deus ” ( Marques
dos Santos , 1945 , p . 79) . Cairo foi o rumo escolhido a seguir, por causa

dos planos do imperador de conhecer as pirâmides . Na companhia do


barão do Bom Retiro, do cônsul da Áustria e de “quatro robustos ára
bes”, D. Pedro II escalou a pirâmide de Quéops , a maior de todas , em 25
minutos . Após oito dias de estada na capital do Egito , a comitiva real
regressou à Itália . Nesse país , visitaram diversas cidades , a começar por

Nápoles, Roma, Florença , Genova , Torino, Genebra e Basiléia . Infeliz


mente , não se conhece nenhuma anotação do próprio D. Pedro II sobre
essa primeira viagem .
Em contrapartida, em 1876 , devido a seu fascínio pelo Egito, o monar
ca eternizou a segunda jornada em um diário , apresentado à posteridade
por Affonso d'Escragnolle Taunay com as seguintes palavras : “ Raros são
os que conhecem a existência deste diário da viagem do imperador D. Pedro
II ao Alto Nilo que , em cumprimento de paterno voto , tenho a honra de
oferecer à revista de uma das mais , se não a mais ilustre corporação cientí

fica do Brasil, o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro ".


O diário foi descoberto em 1890 , quando o comprador de uma peque

na mesa que pertencera ao imperador encontrou , no fundo de uma gaveta,


um manuscrito escrito em francês e com as páginas rasgadas. Eram justa

mente as notas e impressões de viagem de D. Pedro II ao Egito , acompanha


das de vários desenhos feitos por ele mesmo àquela ocasião . O imperador,
membro honorário do Instituto Egípcio , deixou notas com impressões pes

soais e pertinentes observações relativas a questões de egiptologia.


É possível deduzir, da leitura do diário, que D. Pedro II iniciara o
estudo da egiptologia muito antes da sua primeira viagem ao exterior,

quer pela leitura de tratados , quer pela correspondência assídua com


COMO O EGITO CHEGOU AO BRASIL 21

egiptólogos de renomados , como François Auguste Ferdinand Mariette ,


Émile Charles Adalbert Brugsh e Charles Oliver Camille de Rougé . Para

se ter uma idéia da autoridade de tais interlocutores , basta dizer que


Mariette foi um dos mais importantes egiptólogos do mundo , fundador
do Serviço de Antigüidades Egípcias. Brugsh , egiptólogo alemão , foi as
sistente de Mariette e um dosorganizadores do Museu do Cairo . E Rougé ,
egiptólogo francês, foi o primeiro a mostrar a riqueza da literatura egip
cia preservada nos papiros hieráticos . O fato de escrever o diário em
francês também significa que o imperador pretendia realmente enviá - lo
aos célebres amigos egiptólogos ( Taunay, 1909 , 219) .
Na chegada ao Cairo , em dezembro, D. Pedro II e a esposa foram
convidados a se hospedar no palácio real , mas como informa o jornal
gaúcho A Reforma, no dia 19 de dezembro , “ Suas Majestades declinaram
do convite e apearam - se na melhor hospedaria da cidade ”. O diário ini
cia no dia 11 de dezembro de 1876 , com a descrição da partida do porto

de Giza e a passagem pela pirâmide de Meydum , cuja construção foi


iniciada por Huni ( 2599-2575 a.C. ) e completada por Senefru (2575
2551 a.C. ) , e a qual D. Pedro refere, com propriedade , ser conhecida
como " falsa ”.

Ao longo do trajeto , D. Pedro II preocupa - se em visitar locais com


monumentos da história antiga do Egito , mas também dedica sua aten
ção a ocorrências da modernidade , como um dos engenhos do Quediva
Ismael , que produzia anualmente substantiva parcela do açúcar e do ál
cool necessários para a economia do país . O imperador lamenta que sua
magnífica viagem tenha sido um privilégio de poucos . E registra, no dia
rio , que essa constatação o amargura e o deixa incapaz de fazer coro ao
pensamento dos faraós: " Conserva -te alegre , durante toda a existência.
Acaso houve quem saísse do túmulo ? ” .
No decorrer da viagem , o imperador intercala jornadas em burricos
para visitar as " grutas”, como ele denomina as tumbas faraônicas nos
sopés das montanhas arenosas , com leituras , à noite , em sua cabina, da
gramática hieroglífica de Brugsch . Nessas horas , ele estuda as anotações
feitas durante o dia e confessa - se impressionado com o progresso na in

terpretação dos hieróglifos. Ele compara os avanços dos amigos egiptólogos


nesse campo de estudo : classifica Brugsch como mais sábio que Mariette ,
22 EGIPTOMANIA

a quem julga mais empreendedor, face às inúmeras descobertas arqueo


lógicas realizadas por este .

Crítico sagaz , maravilhado com a decoração das paredes do templo


do faraó Seth I , pai de Ramsés II , o imperador intercala observações

elogiosas com censuras ao que denomina de “ rígido cânone da arte egíp


cia ” . Na opinião de D. Pedro II , tais regras teriam tolhido a criatividade
dos artistas e impedido a geração de “ verdadeiras preciosidades artísticas
no Egito " ( Taunay, 1909 , p . 235 ) .
Em 17 de dezembro , o imperador e sua comitiva desembarcam em
Dendera , localizada ao sul de Abidos e local de culto da deusa Hathor,uma
das mais antigas divindades do Egito, considerada a deusa celeste , filha do
deus Sol – Rá - e esposa de Hórus . Hathor era representada com rosto de
mulher, com cornos e orelhas de vaca , e adorada como deusa do amor. A ci

dade de Dendera possui tumbas dos mais antigos períodos dinásticos , bem
como inúmeras mastabas dos monarcas locais . O sítio possui ainda ummag

nífico templo dedicado à ainda deusa Hathor, erguido depois da queda do


Novo Reino e ampliado pelos reis ptolomaicos e pelos imperadores romanos .

Para não perder tempo , D. Pedro, segundo suas próprias palavras ,


dispensou os “ lerdos burricos ” e foi a pé visitar o templo da deusa Hathor.
Ele tece aguçados comentários sobre essa visita , desde o modo de vida

dos fellahs, os camponeses egípcios , até detalhes sobre a hierarquia dos


deuses na mitologia antiga . Destaca o grande papel de Hathor na
cosmogonia daquela civilização , e explica que a divindade da harmonia ,
da beleza e do amor para os egípcios é representada pelos gregos como
Afrodite e pelos romanos, como Vênus .
A longa análise do santuário de Hathor revela os profundos conhe
cimentos do imperador brasileiro sobre a cultura egípcia :

Percorri um dos corredores , espantando uma nuvem de morcegos . Em

outra passagem do lado do Norte , descobriram - se inscrições


comprobatórias da existência , naquele local , de um santuário ereto por
Tutmosis III , da 18a dinastia ( 1700 a.C.) e igual ao outro do tempo de

Queóps , (4a dinastia , 4000 a.C. ) , cuja descrição foi achada na época de
Pepi (6a dinastia , 3700 a.C. ) .
COMO O EGITO CHEGOU AO BRASIL 23

Nos baixos relevos dessas câmaras , acham - se muitas indicações acerca das
cerimônias do templo . O quarto do fundo era o santuário de Hathor. A
procissão principal saía por ocasião do ano novo , que começava a 21 de julho,
dia em que Sothis (Sírio) nascia com o sol , coincidindo com a cheia do Nilo.

[ ... ] Um calendário regulamenta as festas processionais em que tomam


parte sacerdotes de todo o Egito e insere receitas para óleos e perfumes,
existindo também calendários resumidos para as festas de Osíris em outras
cidades ( Taunay, 1909 , p . 240-1 ) .

Impressionado com o mau estado dos monumentos históricos , que


mostravam vestígios de “ incrível vandalismo", o imperador lamentou o

fato de Quediva Ismael ser pródigo com os seus palácios , mas desleixado
na conservação dessas construções , “ tão interessantes para o estudo do

Alto Egito” . O imperador expressa sua profunda admiração pelos monu


mentos em Karnak , considerado por Mariette “ o mais admirável ajunta
mento de ruínas do mundo ” . Na segunda visita ao local , " ouvindo o
canto dos pássaros”, ele diz :

Tudo observei em Karnak com a máxima atenção [ ... ] . Almocei na sala


hipostila e durante a refeição desenhei novo esboceto . Não compreendo
nem pude saber o que vem a ser a grade de pedra que se vê nesse esboço :

Desenho feito por D. Pedro II. A legenda original, escrita de proprio punho
pelo imperador, informava: “Karnak, salle hypostile, 19 Décembre 1876 ".
24 EGIPTOMANIA

Durante a visita , o imperador faz uma emocionada referência a seus


afetos: “ Do alto dessa coluna adorei a Deus , criador de tudo quanto é

belo , voltando - me para as minhas duas pátrias , o Brasil e a França , esta ,


pátria de minha inteligência , e aquele , pátria de meu coração” ( Taunay,
1910 , p . 248 ) . Ao chegar a Luxor, uma das capitais do antigo Egito , o
imperador encontra o local movimentado por ser dia de feira. Ele infor

ma que havia camelos e jumentos em profusão e a praça da aldeia estava

“ juncada de verdes canas de açúcar”.


A visita ao templo de Deir el Bahari , construído por Hatshepsut , a
quinta governante da XVIII dinastia , sensibiliza o monarca . Impressio

na - lhe a aridez do local , a legibilidade dos nomes reais nos cartuchos , a


perfeição nas representações dos peixes do mar Vermelho, a imagem da
efígie real sugando o leite divino de Hathor, representada por uma “ figu
ra de vaca de notável realismo” e , finalmente os “ restos de múmias , cujo
cheiro rivalizava como dos vestígios dos morcegos” (Taunay,1910 , p.258 ) .
A narrativa do imperador sobre a jornada no Nilo é longa e muito inte

ressante . Nela , obtemos informações minuciosas sobre aspectos históricos e


arqueológicos da viagem :manobras cotidianas necessárias para atracarovapor,
passagens através dos canais alternativos a fim de evitar as ilhas do Nilo , as

proezas dos desembarques nas visitas aos monumentos . Entre as recordações ,


cita , por exemplo , a visita ao templo de Seth I. O monarca também alude ao

telegrama enviado a Mariette inquirindo sobre a exata localização da então


recente descoberta do egiptólogo , de que teve notícia e desejava conhecer.
D. Pedro expõe , no diário , até mesmo pensamentos românticos : “ O
luar, hoje , não está tão belo como ontem . Passei , no entanto , algumas
horas deliciosas , deixando a imaginação divagar”. ( Taunay, 1910 , p . 274 ) .
Infelizmente essa é , também , a última passagem conhecida do manuscri
to . Apesar dos esforços empreendidos por Taunay e pela princesa Isabel ,
o restante nunca foi recuperado .

O convívio de D. Pedro II com o meio intelectual internacional , de


um lado , relaciona- se com a atmosfera palaciana brasileira, que tentava ,
segundo a historiadora Lílian Schwarcz , " ajustar - se a regras de civilida
de , à arte de escrever, onde ele era a figura principal de um jovem impé
rio inundado por essa literatura de savoir -vivre, regras de etiqueta ,
elementos de moral e guias de bom -tom ".
COMO O EGITO CHEGOU AO BRASIL 25

BRASIL REQUER A PRESENÇA DO IMPERADOR

As viagens do imperador ao exterior e o amor dedicado aos estudos e


às ciências geravam artigos críticos e inspiravam caricaturas , publicadas em
folhetos e jornais satíricos , que ridicularizavam a sua postura de “monarca
itinerante ” ( Schwarcz , 1998 , p . 416) . Uma dessas caricaturas foi divulgada
na Revista Illustrada em 1871 , ano da primeira viagem do monarca ao Egi

to . Apesar da irreverência , utiliza os elementos egípcios com maestria .


A imagem publicada pela Revista Illustrada pode ser analisada como um
bom exemplo da prática de egiptomania , ou seja , de reutilização de motivos
do antigo Egito na criação de narrativas e imagens contemporâneas , com
novos objetivos , nesse caso , a sátira política . Vê - se D. Pedro representado
como a cabeça da esfinge, fabulosa criatura com face humana e corpo de
leão . Omonarca porta o característico adorno de cabeça denominado nemes,
utilizado apenas pelos reis do Egito . De tecido listrado , é encimado pelo
sagrado uraeus , a imagem da serpente, que representa o olho incandescente
de Rá e a própria natureza da Coroa , geradora de vida , pelo calor, e morte ,
pela estiagem . Na caricatura, o artista substituiu o símbolo da realeza egip
cia pelo emblema da coroa brasileira . E , no toucado, há as inscrições das
três questões que , no Brasil , precisavam ser resolvidas: a política , a econô

mica e a religiosa . Ao pé da esfinge, o caricaturista desenhou pessoas com


os braços levantados , que fitam o governante, como a exigir uma atitude .

As viagens de D. Pedro II atraíam- lhe críticas também no exterior.


Em 28 de abril , o L'Illustration anunciava que Paris havia recebido , com
satisfação, um hóspede notável e muito modesto . O artigo descreve D.

Pedro como uma pessoa melancólica , afável, que dispensa regras de eti
queta , se hospeda em albergues e aprecia muito visitar museus. Depois ,

assume um tom debochado e aventa a hipótese do imperador ter encon


trado o segredo de governar por correspondência. O texto termina com
um comentário cômico de Littré , posicionando o imperador entre dois
exemplos extremos de governantes. De um lado , Marco Aurélio , sábio

imperador romano e , de outro , Yvetot , famoso rei merovingio bonachão


do cancioneiro político francês.
A referência deve - se ao fato de D. Pedro , como governante , limitar

se a enviar, de tempos em tempos , um telegrama ao Rio de Janeiro , capi


26 EGIPTOMANIA

tal do império , com o seguinte conteúdo : “ Brasileiros, meus amigos , con


tinuem a obedecer às leis e a aproveitar a liberdade . Estou a caminho
para me juntar a vós ” .
Quando , em outubro de 1877 , D. Pedro II finalmente retornou ao
Brasil , foi recebido com festas pela população do Rio de Janeiro . Segun
do o jornal A Reforma, do dia 9 , " Sua Majestade quer que se saiba que no
correr de toda a sua ausência , nunca por telegrama se envolveu nos ne
gócios do Estado , como disseram alguns órgãos da imprensa do país”.

&
peu
D e
t

Charge publicada pela


Revista Ilustrada em 1871 :
a egiptomania utilizada
como sátira política.
COMO O EGITO CHEGOU AO BRASIL 27

D. Pedro I e D. Pedro II foram os iniciadores da aproximação do

Brasil com o Egito antigo . O primeiro deixou como legado o expressivo


acervo egípcio do Museu Nacional. O segundo , seu diário , publicado
pela Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro , e as fotos feitas
ou adquiridas nas viagens ao exterior, particularmente ao Egito .
Em 1925 , foi instalado um obelisco de origem egípcia no Bosque do
Imperador, em Petrópolis, em homenagem a D. Pedro II . ?

NOTAS
1. Uma primeira versão deste texto foi publicada em Estudos Ibero-Americanos , PUCRS, v.XXIX ,
n.1 , p . 137-150 .
2. A informação sobre o obelisco foi obtida por Carolina Machado Guedes , acadêmica de
história da Universidade Federal do Rio de Janeiro e membro do Laboratório de Pesquisas
Históricas (LHIA ) naquela universidade .

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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of Egyptologist. Cambridge, 3-9 September. Leuven Uitgeverij Peeters, 1998 , p . 87-91 .
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277 , 1910 .
Gato mumificado: nas coleções brasileiras, as múmias, humanas
e de animais, costumam ser a principal atração para o público
COLEÇÕES EGÍPCIAS NO PAÍS

Antonio Brancaglion Jr
Cont - se que um certo Nicolau Fiengo teria desembarcado no Rio
arse
onta

de Janeiro no ano de 1824 , proveniente da Europa , trazendo consigo


estranha bagagem : grandes caixotes de madeira , carregados de objetos
nunca vistos do lado de cá do Atlântico . Era uma valiosa coleção de
relíquias do antigo Egito , composta por artefatos de natureza religiosa e
algumas múmias .

Pouco se sabe sobre o tal Fiengo e existem dúvidas sobre sua nacio
nalidade . Na chegada , se declarou francês, mas pouco depois , com o

nome de Tiengo , apareceria como italiano no registro de estrangeiros. O


destino do misterioso Nicolau Fiengo e da inusitada e preciosa carga era
na verdade a Argentina .
Há versões que indicam que a coleção seria uma encomenda expres

sa do governador de Buenos Aires , Juan Manuel Ortiz de Rosas. O mais


provável , contudo , é que o então presidente argentino , Bernardo
Rivadavia, criador da Universidade de Buenos Aires e grande entusiasta
de museus , tenha sido o verdadeiro destinatário das relíquias. O fato é
que as peças não foram entregues ao seu comprador original , indepen
dentemente de quem as tenha encomendado ,
Novamente , a história aqui é cercada por controvérsias . Há quem

defenda que , temendo a epidemia de febre amarela no Rio de Janeiro ,

Fiengo desfez - se rapidamente das peças e partiu . Noutra versão , por ter
encontrado distúrbios políticos na capital argentina, voltou ao Brasil com

coleção , onde a leiloou . Já um antigo jornal carioca , o Astrea , divulgou


na edição de 29 de julho de 1826 que Fiengo trouxera os objetos de
Marselha e , devido a um bloqueio no Rio da Prata , retornara de Monte
vidéu , no Uruguai , para o Rio de Janeiro , expondo na alfândega os cai
xotes com as múmias e outras peças egípcias .
32 EGIPTOMANIA

A única certeza que se tem sobre tudo isso é que , em 1827 , a coleção
de relíquias egípcias foi arrematada pelo imperador D. Pedro I , pela quantia
de cinco contos de réis , pagas à prestação , com parcelas nos prazos de

seis , doze e dezoito meses . As peças foram doadas ao Museu Real, prova
velmente seguindo os conselhos de José Bonifácio, que era maçom , por
certo inspirado pelo notório interesse desta confraria nas questões do
Egito antigo .
De qualquer modo , aquela entraria para a história como a primeira
coleção egípcia das Américas , caracterizando a iniciativa pioneira de D.
Pedro I. Nessa mesma época , na França , era criada por decreto real uma
sala no museu do Louvre consagrada aos monumentos egípcios – que

teria Champollion , o decifrador da célebre Pedra de Roseta, nomeado


seu conservador
O interesse inicial de Pedro I pelo Egito , somado às viagens
exploratórias de seu filho, Pedro II , fizeram do acervo do Museu Nacio
nal, no Rio de Janeiro , uma coleção de fundamental relevância arqueo
lógica , a ponto de chamar a atenção de importantes pesquisadores
internacionais ' , a começar por Alberto Childe , nomeado conservador
de arqueologia do Museu Nacional em 1912 , função que ocupou até
aposentar - se em 1938 .
Entre as obras relacionadas no acervo do Museu Nacional , encontram

se belíssimos esquifes do III Período Intermediário e da Baixa Época egip


cia ( cerca de 1069-600 a.C. ) , como os dos sacerdotes de Ámon Hori , Pestjef
e Harsiese . Há também uma importante coleção de estelas votivas e fune
rárias . A maior parte data do Médio e Novo Impérios , entre as quais se
destacam as estelas de Raia e Haunefer, da XIX Dinastia ( cerca de 1295

1186 a.C. ) , que apresentam títulos de origem semítica presentes na Bíblia


e nos tabletes cuneiformes em Mari , além de uma estela inacabada , atri

buída ao imperador Tibério, do Período Romano (332-30 a.C. ) .


Igualmente interessante é a estatueta de uma jovem , em calcário
pintado , um dos raros exemplos conhecidos de escultura portando um
cone de ungüentos sobre a cabeça . Esta representação é vista quase que
exclusivamente em pinturas e relevos .

Destaca - se ainda a bela coleção de estatuetas representando servi


dores funerários chamados shabti ou ushabti que , freqüentemente
COLEÇÕES EGÍPCIAS NO PAÍS 33

mumiformes, eram feitas com diversos tipos de materiais. Postas nas tum
bas , substituíam magicamente o morto na execução dos trabalhos que
este seria chamado a realizar no Outro Mundo . Geralmente trazem nas

mãos instrumentos agrícolas e apresentam , ao longo do corpo , inscrições


do capítulo VI do Livro dos Mortos ou , simplesmente , o nome e títulos do
morto . Do acervo , algumas pertenceram ao faraó Séthi I e foram desco

bertas em sua tumba no Vale dos Reis , por Belzoni , em 1917 .


Completando a série , há vasos canopos , estatuetas de divindades em

bronze , vasos de alabastro e imagens de Ptah - Sokar -Osíris.Contudo, desde


a chegada da coleção ao Brasil , foram as múmias , tanto humanas quanto
de animais , que despertaram maior interesse do público .
São ao todo seis múmias humanas , quatro de adultos e duas de crian
ças . Além da múmia de Sha -Amun- em- su , existe ainda a de Harsiese ,
com o sudário externo e os restos da rede de contas de faiança, que
originalmente cobria toda a parte superior da múmia e sobre a qual esta
vam fixados amuletos , como o escaravelho alado e imagens dos quatro
filhos de Hórus , todos em faiança.

Em agosto de 1995 , uma forte tempestade fez com que a chuva atingis
se parte da reserva técnica , inclusive a múmia de Hori , com o sudário exter
no original . Desde então , ela e as demais múmias do acervo são submetidas

à uma série de tratamentos , sendo o mais recente a conservação em atmos


fera inerte , técnica semelhante àquela utilizada no Museu do Cairo .
Há também a raríssima múmia feminina do Período Romano ( posteri
or a 305 a.C. ) . Iguais a essa só existem outras oito em museuseuropeus . Ela
se destaca pelo tratamento externo do corpo , método semelhante ao utili
zado nas primeiras múmias datadas do Antigo Império . Membros , dedos das
mãos e dos pés foram enfaixados individualmente e , decorando o corpo,
foram pintados , nas faixas, peitoral e cinturão . Quando de sua exposição ,
por Fiengo , na alfândega do Rio de Janeiro , foi apelidada “ Princesa do Sol”.
Sobre ela , há uma série de histórias curiosas . A maioria delas ocorreu a
partir da década de 1950 , quando o professor Victor Staviarski ingressou
naquela instituição, integrando a Sociedade de Amigos do Museu Nacio

nal . Engenheiro de formação e entusiasta das ciências biológicas e da filoso


fia, durante mais de uma década Staviarski ministrou cursos no museu sobre
egiptologia e escrita hieroglífica. Interessado também em parapsicologia e
34 EGIPTOMANIA

ciências ocultas , promovia “ experiências” com seus alunos, voltando - se prin


cipalmente para a “ Princesa do Sol ”. Ao som da ópera Aida e , às vezes , uti
lizando slides sobre o Egito , tentava induzir transes aos participantes .
Certa vez , durante a sessão , uma mulher em transe teria “ revelado ”
a identidade e a história da múmia. Seria uma princesa egípcia, Kherima,

virgem assassinada a punhaladas por um cortesão que a amava , mas não


era correspondido . Esta história originou o romance O segredo da múmia
(1959), do jornalista Ewerton Ralph , membro da Sociedade Rosa Cruz .
Como resultado das sessões de Staviarski e do livro de Ralph , as salas
antigas Humboldt e Champollion , onde a coleção era exposta , passaram
a receber a visita de centenas de curiosos , que iam ao museu em busca de
contatos com os espíritos dos egípcios antigos. Em mais de uma ocasião ,
a vitrine que guardava a múmia da jovem do Período Romano apareceu
coberta por flores e com bilhetes implorando graças .

Quanto às duas curiosas múmias de criança , uma pertence ao III Pe


ríodo Intermediário (cerca de 1070-767 a.C. ) e tinha aproximadamente
seis anos de idade ao morrer, enquanto a outra , menor, é proveniente do
Período Romano ( 30 a.C - 395 d.C) e pertencia a um bebê de aproximada
mente um ano de idade . Além das múmias inteiras , há no acervo do Mu
seu Nacional quatro cabeças de adultos mumificadas, uma delas com os
cabelos trançados , e quatro pés humanos também mumificados. Um deles
apresenta restos de ataduras decoradas com motivos geométricos colori
dos . Existem ainda duas mãos e dedos ainda com bandagens.

A partir do século XVIII tornou - se lucrativo o comércio de partes de


corpos egípcios mumificados. Na busca por jóias e amuletos , as múmias eram
despedaçadas e seus restos , principalmente cabeças , pés e mãos , eram ven
didas como souvenires aos europeus , enquanto os troncos eram moídos para

a obtenção de um pó , considerado possuidor de propriedades curativas .


Esta prática é mencionada pelo médico árabe Ibn Sina ( Avicenna)
já no século XI e está presente também no trabalho de outro médico
árabe , Abd el Latif. O pó , após misturado à água, era aquecido para que
vapores fossem inalados ou dissolvidos para ingestão , com a finalidade
de curar abscessos , fraturas, paralisias , náuseas , úlceras e até epilepsia .
Opó de múmia aparece ainda nas listas de substâncias medicinais na
maioria dos textos médicos latinos . Seu uso foi tão comum que é mencio
COLEÇÕES EGÍPCIAS NO PAÍS 35

nado mesmo em textos literários, como em Romeu e Julieta ,de Shakespeare,


tendo sido utilizado até o século XIX . Quando a rainha Vitória da Ingla
terra adoeceu , recebeu do rei da Pérsia um frasco contendo pó de múmia
para ajudar em seu tratamento de saúde . Ainda no início do século XX , o

pó era amplamente utilizado também na fabricação de pigmentos utiliza


dos na pintura , pois era considerado um conservante das cores e , por meio
dele , obtinha - se uma cor chamada “marrom múmia ”.
A exposição egípcia do Museu Nacional passou por algumas remodela
ções ao longo dos anos . As mais significativas foram a realizada nos anos 1970 ,
na gestão do dr. José Lacerda de Araújo Feio e , mais recentemente, em 2001,
quando foi completamente reformulada, ganhando espaço destacado , com
novas vitrines , na gestão do prof. dr. Luiz Fernando Dias Duarte . No acervo
do Museu Nacional , além das múmias humanas , existe uma pequena cole
ção de múmias de animais :gatos , ibis, peixes e filhotes de crocodilos .

A COLEÇÃO EGÍPCIA DO MUSEU DE


ARQUEOLOGIA E ETNOLOGIA DA USP

Menos conhecidas que a do Museu Nacional , existem outras rele


vantes coleções egípcias no Brasil . Todas foram formadas com doações e
aquisições de coleções particulares , adquiridas na Europa e no Egito .
Para abrigar a coleção Mediterrânica e Médio Oriental, a Universidade

de São Paulo (USP) , em 1963 , criou o Museu de Arte e Arqueologia ,


posteriormente chamado Museu de Arqueologia e Etnologia (MAE ),
localizado no campus da Cidade Universitária . Em caráter provisório ,
localizou - se , durante muitos anos , no edifício do Departamento de His
tória e Geografia. Mais tarde , a exposição foi transferida para um dos
edifícios do centro residencial da USP, onde ocupava o 54 andar.

Parte dessa coleção egípcia é formada por 36 objetos que perten


ceram à sra.Vera Bezzi Guida , do Rio de Janeiro , que os deixou, a partir
de 1966 , aos cuidados do MAE para estudo e exposição . Esses objetos
foram herdados de seu avô , o engenheiro italiano Tommaso Gaudenzio
Bezzi , que os adquiriu no final do século XIX . Em 1976 , a coleção , que
então despertava também o interesse do Museu Britânico, foi comprada
e incorporada definitivamente ao acervo do MAE .
36 EGIPTOMANIA

A coleção é composta , especialmente , por shabtis,com destaque para


um , em madeira recoberta com resina preta , provavelmente pertencente

à mesma série encontrada por Belzoni na tumba do faraó Séthi I , fazen


do parte , portanto , do mesmo grupo das que se encontram no Museu
Nacional . Há ainda amuletos , estatuetas em bronze de divindades e um
vaso canopo em faiança, com tampa em forma de cabeça humana.
Outro grupo , composto por 27 objetos , provém da coleção do sr.
Hermann Tapajós Hipp , também formada por objetos freqüentemente
presentes em coleções particulares : escaravelhos , amuletos e shabtis . Des

taca - se , nesse grupo específico, o fragmento de um relevo com um rosto


feminino em estilo “ amarniano ” , de feições muito semelhantes às da fa
mília de Amenhotep IV – Akhenaton . Este interessante fragmento é ,
aliás , o único a possuir origem determinada representa a princesa
Maketaton, uma das filhas do faraó Akhenaton , e teria sido retirado da
Tumba Real em Tell el - Amarna , pelo egiptólogo alemão Walter Wreszinski
( 1880-1935 ) . Há ainda a tampa de esquife em madeira policromada da

XXII Dinastia , adquirida e doada pela cotização de alunos e professores


do Departamento de História da USP.

Outros objetos foram doados ao Museu pela sra . Vera Maluf , a exem
plo da máscara em cartonagem e um falcão mumificado do Período Ro
mano (332-30 a.C. ) . Outros colecionadores , como os srs . Edgardo Pires
Ferreira e Ciro Flamarion Santana Cardoso , também doaram pequenos

objetos , como amuletos e imagens votivas . Mas a maior parte dos artefa

tos da coleção do Museu de Arqueologia e Etnologia da USP foi adqui


rida com a ajuda da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São
Paulo ( FAPESP) , com a finalidade de consolidar um núcleo de pesquisas
científicas em Arqueologia Mediterrânica e Médio Oriental . Em 1989 , a
USP unificou todas as suas coleções arqueológicas e etnológicas no Mu
seu de Arqueologia e Etnologia, localizado atualmente em um edifício
próximo à prefeitura da Cidade Universitária.
Desta forma , reuniu - se a esta rica coleção egípcia o acervo adquirido ,

em 1905 , pelo Museu Paulista e a Coleção Plínio Ayrosa, do Departamen


to de Antropologia , formada por volta de 1930. A primeira conta com
aproximadamente cinqüenta objetos , incluindo amuletos , pequenos shabtis
em faiança e pequenas figuras de animais em bronze , além de terracotas do
COLEÇÕES EGÍPCIAS NO PAÍS 37

Período Romano ( 332-30 a.C. ) com representações de Bés , Ísis e


Harpócrates . A segunda compreende alguns amuletos em faiança e peque
nos escaravelhos . Aproximadamente metade da coleção egípcia encon
tra - se na exposição permanente e o restante está guardado em sua reserva .

A COLEÇÃO DE PIETRO MARIA BARDI

Ainda em São Paulo , temos uma pequena coleção egípcia no Museu de


Arte de São Paulo Assis Chateaubriand ( MASP) , que pertencia , original
mente , a seu fundador, o jornalista e marchand italiano , naturalizado brasi
leiro , Pietro Maria Bardi . Inicialmente , tais objetos eram expostos na sede

anterior da instituição , na rua 7 de Abril , onde Bardi os utilizava nos cursos


de história da arte , juntamente com painéis ilustrativos sobre arte faraôni
ca. Em 1968 , com a transferência do museu para a sede definitiva, na ave
nida Paulista , os objetos ficaram durante algum tempo expostos na entrada
da biblioteca . Em 1976 , Bardi e sua esposa , Lina Bo Bardi , oficializaram a
doação de parte desta coleção , composta por 22 objetos , a maioria datados
do III Período Intermediário até o Período Romano (332-30 a.C. ) .

Essencialmente formada por objetos religiosos , testemunhos de cren


ças pessoais , a exemplo das imagens predominantes em bronze da família

" Osiríaca ”, a estatuária divina também aparece sob a forma de animais


sagrados , em bronze . Estão presentes a estatueta do touro Ápis ; o relicário
com a imagem de Hórus em forma de falcão, usando a Cora do Alto e do
Baixo Egito; o deus Thoth sob a forma de ibis e a elegante figura da deusa
Bastet , em formade gata . Oculto aos animais é representado também pela

magnífica imagem de um babuíno hamandrias que, em basalto , original


mente com os olhos incrustados , é obra de um escultor de grande perícia .
Destaca - se também o fragmento de uma pintura tumular, em afresco
sobre gesso , ainda preso à grossa camada de limo e palha, utilizado como

revestimento para nivelar as paredes das capelas funerárias da região


tebana . Apresenta a imagem de um sacerdote com as mãos erguidas se
gurando vasos de libação .
Parte da antiga coleção particular de Bardi encontra - se guardada na
Fundação Lina Bo e Pietro Maria Bardi, na antiga residência do casal, е
junto com achados arqueológicos de outras culturas constituem um pe
38 EGIPTOMANIA

queno grupo de catorze objetos. Entre eles , amuletos com imagens de


divindades , shabtis e uma pequena estatueta em faiança, com a represen
tação erótica de um casal , muito bem preservada . Há também uma estela
funerária com o topo arredondado , provavelmente do Médio Império ,
da XII ou XIII dinastia (cerca de 1700 a.C. ) , e dois painéis em madeira
estucada , provavelmente parte de um tabernáculo , do Período Ptolomaico
ou Romano (332-30 a.C. ) . Destaca- se ainda , nessa coleção , a represen
tação , em calcário , de um casal sentado , lado a lado , belo exemplar da
grande estatuária egípcia , característica da elite tebana do Período
Ramessida (cerca de 1213-1069 a.C. ) . Estátuas desse tipo eram coloca
das nas capelas das tumbas e , diante delas , realizados ritos funerários e
feitas oferendas em favor dos espíritos dos mortos.

O EGITO NA COLEÇÃO DE Eva KLABIN RAPAPORT

Eva Klabin Rapaport , ainda muito jovem, herdou de seu pai o hábi
to de colecionar, tendo o interesse voltado para a arte clássica e o
Renascimento italiano . Contudo , formou também uma relevante cole
ção egípcia, com objetos adquiridos em sua maior parte na Suíça e dos
quais não existem , infelizmente , referências sobre a procedência origi
nal . Alguns poucos artefatos foram adquiridos da coleção do sr. Willibald
Duschnitz , de Viena, e a estátua em madeira representando um oficial
fazia parte da coleção do dr. Leo C. Collins , de Nova York .
Todo o acervo , formado ao longo de sessenta anos , encontra - se hoje
na Fundação Eva Klabin Rapaport, instituição concebida pela própria
Eva para abrigar sua coleção de arte . Fundada em 1990 , funciona na
casa em que a proprietária viveu , no bairro da Lagoa, Rio de Janeiro .

Além de centro cultural, também promove pesquisas e estudos sobre a


coleção que , no setor egípcio , é composta por 34 objetos , cobrindo prati
camente todos os períodos da história egípcia e , muitos deles , sobressa
em - se pelo grande valor arqueológico e artístico .
Destacam - se dois fragmentos de relevo . O maior deles representa uma

deusa com corpo humano e cabeça de leoa . É provavelmente uma imagem


da deusa Sekhmet , do III Período Intermediário, finamente esculpida em
calcário . O outro faz parte de uma cena da Quarta Hora do Mundo Inferi
COLEÇÕES EGÍPCIAS NO País 39

or ( Duat) , representando cinco cabeças humanas com o disco solar, cada


uma sobre uma estrela . Essa cena é característica da decoração das tumbas
reais do Vale dos Reis, mais especificamente da época dos Ramessés .
Igualmente interessante são alguns exemplares de estatuária , entre
eles a cabeça de um faraó desconhecido , em gabro , usando o toucado
nemes . São também peças importantes da coleção a grande estela fune
rária , com o topo arredondado , de um oficial chamado Tuthmés e sua
esposa Amenemopet , que viveram durante o reinado de Amenhotep III
(cerca de 1380 a.C. ) . A peça , provavelmente , é originária de Tebas, e

ainda preserva boa parte das cores originais .


Há ainda o belo esquife em forma de felino, de madeira coberta de
gesso e restos de pintura , ainda fechado, contendo a múmia de um gato .
Está datado como pertencente ao Período Romano (332-30 a.C. ) e pro
vavelmente veio das grandes necrópoles de animais do Baixo Egito . Ou
tro testemunho da devoção egípcia pelos animais é o delicado olho em
lápis lázuli,calcário e obsidiana , que originalmente fazia parte da másca
ra mortuária da múmia de um touro sagrado , datado como sendo do
Período Ptolomaico (cerca de 304 a.C. ) .

Por fim , a coleção contém duas máscaras funerárias, em gesso , do


Período Romano (332-30 a.C.) . Há restos de pintura nas peças e , em

uma delas , olhos incrustados , semelhantes às máscaras encontradas em


Tuna el- Gebel , do L- I ] séculos d.C.

A COLEÇÃO MINEIRA

No Museu Mariano Procópio , em Juiz de Fora , Minas Gerais, encon


tra - se um diminuto acervo de peças egípcias . O museu , fundado em 1921
por Alfredo Ferreira Lage , possui uma pequena estela muito bem conser
vada , de cores vivas , em que aparece o morto fazendo oferendas diante de

Osíris - Sekher, divindade mumiforme, com cabeça de falcão , característi


ca do III Período Intermediário ( cerca de 945-818 a.C.). Esta peça foi do

ada pela viscondessa de Cavalcanti ,que a comprou em 1884 , na Alemanha.


O museu conta ainda com o rosto de um esquife em madeira com restos de
pintura e um bom exemplar de shabti, em madeira , com o tradicional texto
do capítulo VI do Livro dos Mortos , datado de cerca de 664-525 a.C.
40 EGIPTOMANIA

UM BOM INVESTIMENTO FINANCEIRO E CULTURAL

Além dos acervos de museus e fundações existem também coleções


egípcias particulares , principalmente no Rio de Janeiro , São Paulo e
Paraná . As peças são adquiridas , principalmente , em leilões internacio
nais de antiguidades. Seus proprietários são movidos tanto pela beleza
estética , que ultrapassa o tempo , como pelo investimento financeiro,
modalidade cada vez mais freqüente em todo o mundo , graças à valori
zação da arte egípcia no mercado internacional .

As coleções egípcias brasileiras exercem grande poder de fascinação


sobre o público , tanto jovem quanto adulto , e estão longe de ter o seu
potencial educativo e científico esgotado. Vêm despertando , também , o
interesse crescente de estudiosos internacionais , e podem, inclusive , ser
vir de base para futuros pesquisadores de egiptologia do Brasil .

NOTAS
1. Jean Capart , pai da egiptologia belga , obteve permissão para fotografar alguns objetos da
coleção, cujas reproduções atualmente encontram- se no acervo da Fondation Égyptologique
Reine Élisabeth .
O egiptólogo alemão Hermann Ranke ( 1878-1953 ) traduziu nomes pessoais de várias estelas
da coleção e publicou no Die ägyptischen Personennamen ), enquanto seu compatriota ,
Hermann Grapow ( 1885-1967) traduziu , principalmente, as estelas do Médio Império e ,
como colaborador de Adolphe Erman ( 1854-1937 ) , publicou -as no grande dicionário
Wöterbuch der ägyptischen Sprache ( 1926-31 ) .
O egiptólogo belga Baudoin van de Walle (1901-1988) publicou as estelas de Sahi (XII-XIII
dinastias, cerca de 1991-1668 a.C.) na Revue d'Égyptologie ( 1963 , n . 3) e o egiptólogo ameri
cano Alan R. Schulman publicou o belo fragmento em baixo relevo de uma capela votiva de
Meriptah (XVIII dinastia, reinado de Amenhotep III) no JournaloftheAmerican Research Center
in Egypt ( 1963) e a estela de Bakenwer na Biblioteca Orientalis ( 1986 , n. 43) . Mas o único es
tudo sistemático da coleção foi feito pelo egiptólogo inglês Kenneth A. Kitchen com o título
Catálogo da coleção do Egito Antigo existente no Museu Nacional, Rio de Janeiro ( 1990) .

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Rio de Janeiro: Casa da Palavra /FEKR, 2002 .
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Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1919 .
COLECÕES EGÍPCIAS NO PAÍS 41

DAWSON , Warren R .; UPHILL , Eric P. Who was who in Egyptology. London : The Egypt
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KITCHEN, Kenneth A. Catálogo da coleção do Egito antigo existente no Museu Nacional, Rio de
Janeiro. Warminster: Aris & Phillips , 1988 , 2 vols .
SANTOS, Francisco Marques. " Aspectos da primeira viagem dos imperadores do Brasil à Euro
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ZIEGLER, Christiane; HUMBERT, Jean - Marcel ; PANTAZZI, Michael . Egyptomania: L'Egypte
dans l'art occidental, 1730-1930. Paris : Réunion des Musées Nationaux , 1994 .
A grande esfinge de Gizé: o monumento original egipcio serviu de
modelo para cópias e recriações, inclusive em cemitérios brasileiros
PRESENÇA DO ANTIGO EGITO

NOS CEMITÉRIOS

Thiago Nicolau de Araújo

Harry Rodrigues Bellomo


o final do século XVIII , Napoleão Bonaparte empreende uma gran
N.

de expedição arqueológica ao Oriente , iniciando a “redescoberta do anti

go Egito ”. A relação dos artefatos encontrados foi publicada na Description


de l'Égypte, junto com numerosos desenhos e textos detalhados sobre o Egito ,
causando grande impacto na sociedade da época .
Devido aos resultados obtidos , expedições desse tipo tornaram- se

moda , e a atividade científica com freqüência deu lugar a verdadeiras


' caça ao tesouro ” . Com isso surgem na Europa inúmeros museus com o
intuito de acondicionar e exibir essas peças , muitas vezes saqueadas dos
países de origem .
A exposição em museus colocou o público em contato direto com o

mundo antigo, influenciando costumes da época . Criou - se assim um


modismo que logo espalhou - se pelo mundo , chegando , inclusive , às
Américas . Livros de design e publicações sobre arqueologia divulgaram a
cultura egípcia, tornando - a popular.

Mais tarde , no início do século XX , o arqueólogo Howard Carter des


cobriu , no Vale dos Reis, a tumba do faraó Tutankamon . O túmulo estava

encoberto pelas ruínas de outro , mais recente , o que o manteve a salvo dos
ladrões de tumba , atuantes desde a Antiguidade . Dentro , o tesouro do jo
vem faraó encontrava - se intacto , desde os objetos de uso pessoal até o
sarcofago, de ouro maciço . A descoberta , devido à sua riqueza e ineditismo ,
despertou ainda mais o interesse sobre o Egito antigo e seus mistérios .
A influência dos achados arqueológicos foi verificada em vários segmen

tos , como vestuário ,decoração, arquitetura, cinema, música, pintura e tain


bém na arte cemiterial. Nos cemitérios, a inspiração vinda do Egito antigo está
presente em monumentos funerários à semelhança de pirâmides , sarcofagos,
obeliscos e colunas homenageando e engrandecendo a memória do morto .
46 EGIPTOMANIA

O arqueólogo Howard Carter na tumba de Tutankamon: a descoberta constituiu


um dos principais acontecimentos arqueológicos do século XX

Durante nossa pesquisa , foram localizados jazigos com sarcofagos,


colunas , pirâmides , obeliscos , esfinges egípcias e até mesmo um túmulo
em forma de templo egípcio . Geralmente as reproduções dos elementos
não são completas ou mesmo corretas . A maior parte encontra - se
estilizada , seja por falta de mão de obra qualificada para a execução , por
falta de recursos financeiros suficientes ou ambos.

Para entendermos melhor essas referências, é preciso antes conhe


cer alguns elementos característicos da história e da arte egipcia e seus
significados.

PIRÂMIDES E SARCÒFAGOS

Associadas às forças místicas, sobrenaturais, que estão além da compre

ensão humana em geral – segundo alguns, acessíveis apenas aos “iniciados”


na magia - , pirâmides sempre suscitaram grande interesse entre as pessoas ,
muito mais que os sarcofagos. Entretanto , ambos possuem as mesmas carac
terísticas simbólicas , atingindo o mesmo fim . No aspecto psicológico , a tum
PRESENÇA DO ANTIGO EGITO NOS CEMITÉRIOS 47

ba , por ser domicílio da morte , é também local de descanso eterno - o “ sono

damorte ” - seguro, por ser impenetrável, e de renascimento, pois a pessoa que


ali jaz será sempre lembrada pelos que visitarem o monumento funerário .
Pirâmides e sarcófagos indicam a morada dos mortos , o descanso fi
nal , sendo também uma forma de perpetuar a memória do morto , eternizada
no suntuoso túmulo de pedra . Os egípcios mantinham uma relação espe
cial com esses símbolos , e as construções representavam a tão buscada imor
talidade . Usadas como tumbas por faraós e pela aristocracia do Egito antigo,
as pirâmides foram construídas, particularmente , do Antigo ao Médio
Império, dando lugar,nos períodos seguintes , a túmulos mais seguros.
A opção por esse formato em particular está vinculada às crenças da

antiga religião egípcia . Misticamente , pirâmides simbolizavam :


colina primordial ;
caminho para o céu ;

ponto de encontro entre o espiritual e o racional ;


desejo de eternidade ;
· monte funerário ;
· raios de sol ;
· morada do Ka , a alma terrestre .

Túmulo em forma de pirâmide , numa


apropriação de um dos principais símbolos
da cultura e da religião egipcia: manifestação
da egiptomania
48 EGIPTOMANIA

As principais pirâmides do Egito são as de :

Queóps , a maior de todas , IV dinastia, 146m ;


Quefrén , IV dinastia , 135m ;
Miquerinos ( Mem- ka - u - ra) , IV dinastia , 66m ;
.
Djoser, a primeira pirâmide . Projeto de Imotep , III dinastia ;
Snefru , IV dinastia , 104m ;
.
Amenemat II , XII dinastia ;
· Amenemat III , XII dinastia , 60m ;
Sahura , V dinastia ;
Neuser- ra , V dinastia ;
.
Radof, IV dinastia ;
Menfren - ra, VI dinastia ;
Pepi I , VI dinastia ;
· Pepi II , VI dinastia ;
.
Urseten , V dinastia ;
Unas , a primeira pirâmide com texto , V dinastia .

Sarcofago moderno inspirado nas antigas tumbas egipcias:


mais do que a morada dos mortos, um simbolo de renascimento .
PRESENÇA DO ANTIGO EGITO NOS CEMITÉRIOS 49

ESFINGE

Existem dois tipos de esfinge, a grega e a egípcia . A primeira , em

geral , é representada com cabeça feminina e seios em um corpo de leão


com asas . Simboliza gênios fúnebres e espíritos maléficos, aparecendo na
Grécia antiga , pela primeira vez , na cidade de Micenas . Essa representa
ção teve origem entre hititas , fenícios, assírios e persas . Por influência de
fenícios e cipriotas , os gregos adotaram o mesmo modelo .
A esfinge egípcia também possui corpo de leão , mas a cabeça pode
ser tanto humana quanto de algum animal . Esculpidas em monólitos de
vários tamanhos , eram consagradas a Amon ou Rá , guardiões dos tem
plos e dos túmulos , simbolizando poder, sabedoria e eternidade . Na cons
trução antropozoomórfica, representa a união entre a realeza e a

invencibilidade do leão e a personalidade humana , evidenciada na ex


pressão serena , mas austera , do rosto da esfinge.

Obra do faraó Quefrén (3098 a.C. ) , restaurada na XVIII dinastia


por Tutmés IV, a esfinge de Gisé é , sem dúvida , a maior e mais conhecida

de todas . Entre as patas do imenso corpo de leão , havia um templo sub


terrâneo , onde os oráculos se reuniam .

COLUNAS

Por apoiarem toda a estrutura , as colunas são consideradas símbolo

universal de solidez e força sustentadora , ícones que representam uma


instituição ou uma sociedade .

No Egito , eram inspiradas em palmeiras , flores e outras plantas , pos


suindo , também , elementos relativos ao rio Nilo. Assim surgiram as co

lunas lotiforme, com a flor de lótus fechada, esculpida no capitel ( parte


superior da coluna ) , a papiroforme, imitando a planta do papiro no fuste
( parte central) ; e a campaniforme, com a flor de lótus aberta no capitel ,
em forma de sino .

O papiro , por ser uma planta , é visto como símbolo de renovação


cíclica, de metamorfose, pois nasce , cresce e morre , numa relação direta
com a vida humana . Abundante no delta do Nilo , era matéria -prima na
fabricação de papiros , utilizados pelos escribas , sendo associado , assim ,
50 EGIPTOMANIA

ao conhecimento e à sabedoria . Simboliza a alegria e a juventude , pois


nasce em locais adversos . Na política , representava o Baixo Egito .
A flor de lótus seria a primeira manifestação de vida sobre as águas
primordiais . Na mitologia egípcia , o sol nasceu desta flor, que simboliza o

renascimento , fechando - se à noite para reabrir no amanhecer. As oito


pétalas indicam as direções do cosmos e a harmonia universal. Na Anti
guidade , foi símbolo do Alto Egito .
Há , ainda , colunas adornadas com a flor de lírio, símbolo do sol e da
glória , que , na política , também representou o Baixo Egito ; e as folhas da
palma, ou palmeira , símbolo de vitória e imortalidade.

Os três tipos de colunas egipcias mais comuns: papiroforme, lotiforme e campaniforme.


Todas eram inspiradas em flores e palmeiras.

Nos cemitérios , colunas servem para identificar o morto como ícone


ou alicerce da família . Exemplos encontrados no Brasil apresentam ele
mentos mesclados dos estilos papiroforme ( no centro) e campaniforme

(no ápice ) . As que apresentam estilo lotiforme, flor de lótus , remetem à


concepção egípcia , mas também cristã , de morte seguida pela ressurrei
ção noutra vida .
PRESENÇA DO ANTIGO EGITO NOS CEMITÉRIOS Ta 51

OBELISCOS

Obelisco é um pilar alto de pedra , geralmente


monolítico , esculpido em forma de pirâmide no ápice . Sím
bolo do culto ao deus - sol , Rá , representa a ligação entre

céu e terra , identificando -se com a árvore da vida , o para


íso perfeito dos primórdios da civilização . Indica , como as
colunas , limites e passagens de um mundo a outro , daí o
uso de ambos ao lado dos portões e portas de entrada dos
templos . Os mais famosos são os de Heliópolis e Karnac .
Existem , também , obeliscos que foram retirados do Egito
e agora podem ser encontrados em cidades como Roma,
Paris , Londres e Nova York .

Na arte cemiterial, o obelisco é o elemento egípcio


mais encontrado pois , além da fabricação simples , seu custo
é bem menor. Nesse contexto , é usado como marco e ce

lebração da memória dos que repousam junto a ele , além


de manter o aspecto simbólico da ligação entre céu e ter
ra , em harmonia com a crença cristã na vida eterna .
Q22100060

Disco SOLAR ALADO E DISCO SOLAR


FUNERÁRIO

Encontrado comumente na entrada dos templos , o dis


co solar alado possui caráter religioso , indicando que Rá , o
deus- sol, protege aquela entrada. No centro do disco pode
vir representada tanto a figura de Rá como a de Hórus , além

da serpente . Esses símbolos possuem diferentes interpreta


ções , conforme o contexto . No Egito , a serpente é uma das
mais antigas manifestações do espírito emergente , assumindo
o caráter de transformação.

Obelisco egipcio: representação da ligação entre a terra e o céu ,era


geralmente esculpido em um único bloco de pedra .
52 EGIPTOMANIA

O disco solar alado, encontrado freqüentemente na entrada dos templos egipcios:


sob a proteção de Rá, o deus -sol.

Em cemitérios , a adoção do disco solar restringe - se aos que conhecem ,


de fato, a cultura egípcia , diferente das pirâmides e esfinges, que são de
domínio popular. Como símbolo na arte cemiterial , Rá , deus - sol egípcio
que elevou - se dos subterrâneos na forma de olho alado , representa a idéia
de ressurreição , presente também na religião cristã . A serpente , que sim
boliza , entre outras coisas , a transformação, seria o espírito a caminho de
um novo mundo , deixando a vida terrestre e passando para a eternidade .

TEMPLO

O uso tradicional do templo remete ao culto à alguma divindade ,


ou , em certos casos , ao próprio morto . Acreditava - se que , ao levar

oferendas a ele , a família garantia a proteção do mundo dos mortos . Em


nossa pesquisa , encontramos um templo com diversos elementos egípci
os , o que é raro no Brasil . Aqui , durante o final do século XIX e início do

XX , as influências predominantes vieram do período neoclássico , com


formas inspiradas nos modelos greco - romanos .

INFLUÊNCIAS ARTÍSTICAS NA. ARTE CEMITERIAL.

O período romântico influenciou diversos aspectos da cultura oci


dental e seus ideais estéticos buscaram formas exóticas e distantes no
tempo , como as culturas grega e egípcia, além do estilo gótico. Esse pe

ríodo caracteriza - se pelo profundo sentimentalismo , que , segundo o


ensaísta Edmund Burkes, originou a idéia do sublime . Nos cemitérios ,
PRESENÇA DO ANTIGO EGITO NOS CEMITÉRIOS 53

esse conceito se materializa em monumentos com estilo arquitetônico


relacionando morte e eternidade , no sentido de imortalidade , bem
identificada no simbolismo egípcio .

Equilíbrio geométrico , rigor nas linhas e demonstração de força, ca


racterísticas do período neoclássico , encontraram na arquitetura egípcia

seu ideal , embora muitas vezes mesclado à poesia do romantismo .

INFLUÊNCIA DA EGIPTOLOGIA NA ARTE CEMITERIAL

No início do século XVIII , Napoleão Bonaparte cria , em Paris , o

cemitério Pére Lachaise . A associação dos então recentes achados ar


queológicos , intimamente ligados à morte , e a arte cemiterial foi imedia
ta e inevitável .

Os túmulos inspirados no Egito surgiram inicialmente na Europa,

erguidos por famílias abastadas , dado o alto custo do empreendimento .


Datam do final do século XVIII , sendo feitos, com relativa freqüência,
até as primeiras décadas do século XX .

No Brasil, a moda foi adotada primeiro nos grandes centros urba


nos da época , São Paulo e Rio de Janeiro. Nessas cidades , túmulos com
características egípcias são registrados , com maior freqüência, na déca
da de 1920. No resto do país, ocorrências são encontradas apenas a
partir de 1930 .

É importante salientar que os elementos e símbolos egípcios encon


trados nos cemitérios brasileiros estão estritamente ligados à estética e
manifestação artísticas. Não representam as crenças das famílias pro
prietárias dos jazigos e , muitas vezes , aparecem mesclados a símbolos
religiosos cristãos .
Estátua de Ramsés II, no Egito: a monumental arquitetura egipcia
continua a influenciar engenheiros e arquitetos contemporâneos
ARQUITETURA EGÍPCIA

ENTRE NÓS

Margaret Bakos
Naa busca por manifestações da egiptomania no Brasil , fizemos algu
algu
mas descobertas deliciosas , muitas ao sabor do acaso . Afinal, até então , a
presença de elementos egipcíacos na arquitetura e na arte brasileiras não
havia sido registrada de forma sistemática , o que tornou a tarefa mais
difícil e instigante . Assim , os casos de egiptomania na arquitetura apre
sentados a seguir nem sempre têm autoria , procedência ou data de cria
ção devidamente conhecidas ” .

Como exemplo de como o acaso colaborou com nossa pesquisa , ci


tamos o modo como foram encontrados dois chafarizes, construídos no

século XVIII por Mestre Valentim , magníficos exemplos de reutilização


de elementos da cultura egípcia no mobiliário urbano brasileiro . Em visi
ta ao Rio de Janeiro , em 2001 , foram avistados ao longe, do interior do
táxi que me levava à Ipanema . O motorista deve lembrar, provavelmen
te , do tom emocionado com que pedi que parasse o carro , para o neces
sário registro fotográfico da descoberta .
Episódios assim deram tom e ritmo ao processo de busca dos elementos
egípcios na paisagem urbana brasileira . Decorativos na origem , desgastados
pelo tempo e relegados ao abandono, devido ao desconhecimento de seus

significados, muitos estão escondidos ou esquecidos , mas resistiram ao tem


po , a despeito de parecerem quase invisíveis aos olhares dos transeuntes .

O PIONEIRISMO DE MESTRE VALENTIM

A adoção de elementos de inspiração egípcia pela arquitetura brasileira


remonta aos finais do século XVIII , principalmente em construções oficiais.
Logo depois , tanto prédios públicos quanto residências e estabelecimentos

comerciais passaram a se apropriar de símbolos, linhas e formas da arquitetu


58 EGIPTOMANIA

ra típica do antigo Egito . Algumas dessas edificações evidenciam a criatividade


dos brasileiros no processo milenar de reutilização de elementos do Egito an
tigo, ou seja , naquilo que se convencionou apelidar de egiptomania ?.
Em meados do século XVIII , no início do programa de urbanização

do Rio de Janeiro - que foi levado a efeito para adequar a cidade à con
dição de capitaldo vice - reinado - destaca - se a figura de Mestre Valentim .
Ele foi o artista contratado para a execução do grande projeto de remo
delação urbana da cidade , plano que previa desde obras de abastecimen

to de água potável e saneamento básico ao embelezamento de ruas , praças


e avenidas . Filho de um fidalgote português contratador de diamantes e
de uma negra brasileira , Valentim era o proprietário da maior oficina

torêutica - arte de esculpir ou cinzelar metais , marfins e madeira – do


Rio de Janeiro , e o responsável pelas primeiras manifestações da influên
cia egípcia em construções no território brasileiro .

PIRÂMIDES NO PASSEIO PÚBLICO

O projeto de reurbanização do Rio de Janeiro iniciou - se com a cria


ção de um local de lazer, o passeio público , construído a partir de 1779 e
inaugurado em 1783. O passeio público foi planejado de forma a confi
gurar um jardim ao gosto aristocrático , em que havia largos espaços re
presentando antigas tradições paradisíacas orientais . A estrutura
hierarquizada do jardim marcava a passagem do domínio do utilitário
( espaço da rua marginalizado) para o domínio do divertimento ( espaço
da elite social) . O modelo do passeio foi inspirado nos jardins cortesãos
europeus dos séculos XVI a XVIII , que costumavam exibir obras
escultóricas e arquitetônicas figurativas e geométricas.
Tais adornos apresentavam símbolos ou referências históricas , como
pirâmides e obeliscos , e também estilizavam e davam novas formas a

elementos da natureza , como fontes e chafarizes . Assim , na composição


dos jardins do passeio público , foram colocados dois marcos divisórios de
espaço que , pelo seu caráter simbólico , tornam- se muito relevantes para

os que se dedicam a observar manifestações de egiptomania no Brasil .


Tratam -se de duas pirâmides de base triangular, em granito carioca ( es
curo ), que lhes empresta o caráter de obelisco , de marco ".
ARQUITETLIRA EGÍPCIA ENTRE NOS 59

Mestre Valentim incrustou em ambas um medalhão oval de granito

branco com as seguintes inscrições: “Ao amor do público” e “ À saudade


do Rio ” . A planta original de Mestre Valentim , mais tarde alterada , pro
jeta uma construção geométrica retilínea das áreas ajardinadas , nelas já
incluídas as pirâmides . O conjunto caracteriza o artista como o primeiro
paisagista moderno brasileiro . 6

O CHAFARIZ DA PIRÂMIDE

Em 1786 , foi construído o imponente chafariz da pirâmide , no Largo


do Paço , com a dupla função de prover água aos navios e à população .
Ele fundiu em um só corpo o reservatório e o chafariz, unindo o fazer
artístico ao utilitário, característica do pensamento iluminista e também
das muitas práticas de egiptomania européias .

RRADASRS

Numa pintura a óleo de Leandro Joaquim ,datada de 1789, vê -se em primeiro plano o
" Chafariz da Pirâmide ”: bom exemplo da união entre a arte e o objeto utilitário.
60 EGIPTOMANIA

O corpo da pirâmide do chafariz tem a base inscrita num retângulo.


As faces laterais apresentam uma movimentação em linhas sinuosas e
quebradas, côncavas e convexas , o que lhes confere efeitos surpreenden
tes de luz na superfície , agregando , aos traços finais do conjunto , ascen

são e verticalidade . A pirâmide que caracteriza o monumento está


colocada sobre uma base de madeira em forma de cubo . ?

CHAFARIZ DAS SARACURAS

Um outro chafariz ,construído em 1748 , tinha por função abastecer


de água o Convento da Ajuda , de propriedade das freiras clarissas . O mo
numento é todo lavrado em granito escuro , com detalhes funcionais e or
namentais em bronze . Um detalhe interessante são as bicas em forma do

pássaro saracura , de semelhança muito grande com o Ibis , uma das formas
do deus egipcio Thot , que teria , pelo mito de Heliópolis , ensinado a escrita
aos homens . A planta do cha
fariz obedece , em princípio , à
forma arredondada , em círcu
los concêntricos , com quatro
tanques que se alternam em

relação às quatro escadas que


levam ao último patamar. Ao

centro , ergue - se uma taça ,


que serve de pedestal para o
obelisco .

O " Chafariz das Saracuras ",


construido por Mestre Valentim :
elementos egípcios mesclam-se a
detalhes da Renascença e do Barroco.
ARQUITETURA EGÍPCIA ENTRE NÓS 61

A historiadora Anna Maria Fausto Monteiro de Carvalho, ao analisar

a obra , destaca a junção de postulados racionais da Renascença com a pompa


do Barroco , que fazem a articulação entre os múltiplos elementos
arquitetônicos – tanques , escadas e obeliscos - e os elementos escultóricos

– taça , animais e cruz – proporcionando harmonia ao conjunto . Destaca


ainda o sentido ascendente piramidal que os pontos de intersecção entre o

tanque e a escadaria formam com o vértice do obelisco , e a clara apropria


ção do monumento monolítico da arquitetura religiosa dos antigos egípci
os . Segundo ela , Mestre Valentim representou ali a idéia de centralidade/
eternidade presente na fonte de Bernini , em Roma. Ao adicionar a cruz la
tina , buscou dar um sentido de transcendência ao monumento . O chafariz

foi presenteado pelo arcebispado , em 1911 , à municipalidade do Rio de Ja


neiro , e situa- se atualmente na Praça General Osório , zona sul da cidade .

A "CASA EGÍPCIA” ( RJ )

Durante a pesquisa , muitas outras " descobertas” aconteceram por meio

de “ pistas ” de construções exóticas oferecidas por amigos, colegas e vizi


nhos . Entre elas , destaco as contribuições feitas pelo historiador André
Chevitarese , do Laboratório de História Antiga da UFRJ ( LHIA) , em 1995 .

Foi ele , por exemplo , quem lembrou , com a alegria do arqueólogo que des
cobre uma peça rara , a construção que o folclore carioca denominou de

" casa egípcia” . Trata - se de um elegante prédio , de quatro andares , locali


zado na esquina da rua do Ouvidor com a avenida Rio Branco, no centro
do Rio de Janeiro , uma das áreas de ocupação mais antigas da cidade .
A data da construção é desconhecida, mas é certo , analisando algumas
fotos, que ela já existia em 1930. A decoração sugere ter sido erguida na vira
da do século XIX , fase “ eclética " da arquitetura brasileira , em que os constru

tores reproduziam elementos colhidos em livros e álbuns trazidos do exterior.


Com exceção do térreo , todos os andares do prédio têm sacadas . No
quarto piso , são feitas de cimento, apresentando colunas de dois tama

nhos , e , nos outros dois , são de ferro, decoradas com figuras de escarave
lhos alados , emoldurados por flechas cruzadas . Enxertadas nas sacadas
do segundo piso , estão duas magníficas estátuas de ferro , retratando se
res humanos igualmente alados , que lembram as cariátides da
62 EGIPTOMANIA

Estátuas de ferro, com motivos egípcios, em fachada de casa no Rio de Janeiro:


as duas figuras aladas portam o uraeus, adorno de cabeça em forma de serpente .

Antiguidade.Um homem e uma mulher seguram sobre suas cabeças uma


espécie de taça coberta por uma tampa em forma de domo . O homem

exibe os braços depilados e a musculatura bem - definida , lembrando a


cópia feita por Denon ( 1802 ) de uma tumba de Tebas - e que também
serviu de modelo para artigos de porcelana de Sévres .
Entre as características mais importantes dessas esculturas, observa
se que , além de serem aladas , ambas usam o sagrado urdeus, adorno de
cabeça em forma de serpente, restrito aos monarcas do antigo Egito .
Vale observar que nas práticas de egiptomania os cânones artísticos
dos antigos egípcios raramente são considerados . Assim , se a regra era
colocar a perna esquerda das figuras humanas voltada para frente , o ar
tista que criou o casal da rua do Ouvidor inverteu as posições .
Pelas adaptações feitas, as esculturas da “ casa egípcia” lembram mais
as criações de um tipo muito comum de escultura de faraó em pé , seme
lhantes às expostas no Palácio de Tívoli,em Roma, do que os modelos ori
ARQUITETURA EGÍPCIA ENTRE NÓS 63

ginais dos tempos faraônicos. Na casa , tanto a figura feminina quanto a


masculina portam nemes, barrete e peitorais à moda egipcia . Fundidas em
ferro escuro , são realçadas pelo contraste que formam com as paredes do
prédio , pintadas , atualmente, de cor- de - rosa . O conjunto torna - se ainda
mais belo por ser emoldurado , no terceiro piso , pelo friso em estuque na
cor marfim , e , no segundo, por guirlandas verdes em espiral com flores de
lótus , símbolos do renascimento e da criação no antigo Egito .

UM SOBRADO NEO- EGÍPCIO ( RJ )

Situado na rua Pedro Alves , 40/42, no bairro Santo Cristo , também na

capital carioca , encontra - se um exemplo inusitado de sobrado neo - egip


cio . A organização da fachada e a divisão interna do prédio são comuns à

arquitetura domiciliar eclética do Rio de Janeiro . Entretanto , a construção


torna- se peça única pelo exotismo dos capitéis palmiformes, estuques e
serralheria com motivos alegóricos dos deuses Hórus ( asas de falcões) e Rá
(sol nascente ). Esses ornamentos arquitetônicos fazem do sobrado um
raríssimo exemplar de ornamentação neo -egípcia ingenuamente aplicada '.

Detalhe da fachada de sobrado no Rio de Janeiro:


colunas e imagens egipcias sofrem com o mau estado de conservação .
64 EGIPTOMANIA

Apesar de mal conservada , a construção seduz pelas imagens huma


nas e animais apresentadas na fachada. A figura de um homem , no an
dar superior, chama atenção por estar no centro do conjunto , funcionando
como um divisor entre as quatro janelas , cujas portas se abrem para uma
pequena balaustrada . Ladeando as portas são vistas colunas , unidas na
parte superior por uma figura feminina de braços abertos e rosto de per
fil, protegida pelas asas de Hórus , formando um conjunto harmônico .
No térreo , duas portas largas de madeira , com cortinas de ferro que po
dem ser abertas completamente , indicam o uso comercial do prédio , pro
vavelmente previsto desde a construção .

No andar superior, detalhes de alvenaria e portas de madeira escul


pidas revelam muito cuidado e uma verdadeira cruzada contra o que foi
chamado por artistas ingleses de “ vírus da feiúra” , que ameaçava as cida
des industriais na virada do século XIX10 .

CASA MODERNISTA DE VALINHOS

Construída em 1929 , com base no projeto do proprietário , o artista e


arquiteto Flávio de Carvalho ( 1899-1973 ) , a casa modernista de Valinhos,
tal como as atitudes do idealizador, foi muito comentada suscitou con
trovérsias . A residência tem 650 m² de área construída, em que se distri

buem seis quartos, cozinha , living, quatro banheiros e dois aposentos ao


fundo de cada ala . Há uma grande sala de 16,50m x 7,50m , sem divisões ,

que contém a grande porta central de 8m de altura , marcando o acesso


principal, voltado para a piscina."

Frontão da polêmica casa, hoje abandonada, construída em 1929, em Valinhos,


pelo arquiteto Flávio de Carvalho. O modernismo bebendo na fonte do antigo Egito.
ARQUITETUIRA EGÍPCIA ENTRE NÓS 65

A planta em forma de avião e a fachada assemelham - se ao frontão dos


templos egípcios , com linhas arrojadas e excêntricas, testemunhando a
irreverência do arquiteto na solução dos espaços . Atualmente abandonada,

a casa , tombada pelo Condephaat, está emmau estado de conservação, mas


em vias de ser recuperada para abrigar uma clínica de terapias alternativas.

Casa em forma de pirâmide, localizada em Pelotas, Rio Grande do Sul.

PIRÂMIDES, IMAGINÁRIO EGÍPCIO E ARQUITETURA


BRASILEIRA

Boa parte das centenas de construções contemporâneas em forma pi


ramidal procura atualizar o sentido original das pirâmides egípcias e , com
ele , passar a idéia de solidez e permanência . Tal simbologia , aliada à beleza

da forma e às potencialidades como recurso arquitetônico , tornam essa fi


gura geométrica elemento muito presente em edificações contemporâne
as em todo o mundo . A princípio pode parecer difícil perceber os vínculos
entre essas edificações modernas e os mitos egípcios . No entanto , obser
vando - as com cuidado , é possível constatar que tais vínculos estão mais
presentes do que parecem , inclusive no imaginário dos brasileiros .
66 EGIPTOMANIA

A adoção das pirâmides como símbolo evidente não só de solidez


mas também de poderio e misticismo12 é de fato facilmente observável ,
tanto em residências particulares como em estabelecimentos comerciais .
No primeiro caso , apresentamos aqui um curioso exemplo , identificado
numa casa construída em 1989 , na cidade de Pelotas, Rio Grande do

Sull3 . No segundo caso , um bom exemplo é o Pirâmide Hotel , em Natal,


que exibe no telhado uma pirâmide branca . O adorno destaca - se no lu
xuoso complexo arquitetônico de lazer, formado por bares e piscinas ,
cercado pela belíssima vegetação do Nordeste brasileiro e seus altaneiros
coqueirais . Na mesma cidade de Natal, existe também uma academia de
ginástica cujo prédio possui a forma de pirâmide , apelo extra para atrair
a atenção do público e sugerir a excelência dos serviços oferecidos.
Em Brasília , particularmente , ha grande incidência de edificações em

formato piramidal ou apresentando elementos da arquitetura egipcia . Pelo


número inusitado e qualidade desses exemplos na capital federal, bem como
pela própria história da cidade , que possui projeto urbano arrojado , Brasília

tem inspirado muitos livros sobre sua arquitetura !4. De todas as constru
ções existentes , destacamos aqui a pirâmide da Legião da Boa Vontade, que
ilustra bem a relação atual entre a forma das pirâmides e o misticismo.

PIRAMIDE FITNESS ACADEMIA

A Academia Pirâmide, em Natal: símbolo egipcio tomado


emprestado pelo mundo dos negócios para simbolizar solidez
ARQUITETURA EGÍPCIA ENTRE NÓS 67

Fundação Ecológica e Zoobotânica, em Brusque: estufa de vidro e aço em forma de pirâmide

Na cidade de Brusque , Santa Catarina , uma construção de 324 m² abri


ga a Fundação Ecológica e Zoobotânica , instituição ambiental que, de forma
pioneira no Brasil , planeja colocar em funcionamento um laboratório de re
produção da fauna, com o objetivo de multiplicar espécies nativas. Na Fun
dação , uma estufa em forma piramidal , feita de aço , com fibra de carbonato

na parte superior e sombrite na inferior, mantém temperatura e umidade na


turais , necessárias ao crescimento das plantas . A instituição mantém mais de
300 espécies de orquídeas e bromélias , com visitação aberta ao público . 15
Também em Brusque, uma floricultura adotou o formato de pirâmi
de por três motivos . O primeiro , chamar a atenção dos passantes pelo
contraste criado entre a arquitetura da loja , em estilo alemão , e a pirâmi
de . Segundo , atrair " boas energias ” , conforme a crença de que as pirâmi
des são poderosos instrumentos de captação . E terceiro , a forma
encontrada foi claramente inspirada no Parque Zoobotânico da cidade .
O exemplo da floricultura de Brusque é significativo, na medida em que
mostra a apropriação de formas egípcias motivada por uma série de fato

res aparentemente dispares, mas , na verdade , convergentes.


68 EGIPTOMANIA

No entanto , para evitar interpretações apressadas , não se pode dizer

que todas as construções que lançam mão de pirâmides em sua estrutura


sejam manifestações de egiptomania , pois é preciso que seus usuários e/
ou responsáveis assim as reconheçam . A escolha das formas pelo arqui
teto , em muitos casos , pode ser puramente estética ou funcional. Na

realidade , um inventário da arquitetura egipcíaca no país ainda está por


ser feito. Eis um campo fértil e promissor para futuros pesquisadores que
desejarem se aventurar no assunto .

NOTAS
1. Agradeço as contribuições para este capítulo de André Chevitarese (Rio de Janeiro) , Caro
lina Machado Guedes (Rio de Janeiro ), Gilvan Ventura da Silva (Espírito Santo ), Fernanda
Coimbra C. Pereira ( Espírito Santo) , Pedro Paulo Funari (São Paulo) , Nathalia Monseff
Junqueira ( São Paulo ), Welcsoner Silva da Cunha (Pelotas), Rodrigo Otávio da Silva ( Rio
Grande do Norte) , Motel Faraó (São Bernardo do Campo ).
2. A. Lant , In : J.M. Humbert, J.H. Humbert, (ed ) . Egyptomania. Egypt in Western Art 1730
1930. Ottawa : Éditions e la Réunion des Musées Nationaux , 1994 , p.588 .
3. Ibidem , p.11 .
4. Ibidem, p.17 .
5. As pirâmides , pela forma e característica não figurativa (oposto de todas as outras escultu
ras do mestre) podem ser consideradas precursoras da escultura nacional e internacional.
Franco , Maria Eugenia . "As pirâmides triangulares de Mestre Valentim” . In : O Estado de S.
Paulo, Mestre Valentim. Suplemento literário . 10 dez.1996 .
6. Ibidem .
7. A.M. Monteiro de Carvalho , op cit .
8. J.Czajkowski . (org. ) Guia da arquitetura eclética do Rio de Janeiro , Rio de Janeiro : Casa da
Palavra, 2000, p . 64 .
9. Ibidem, p. 64
10. C. Duliére. A casa como obra de arte . Correio da Unesco , ano 18 , Rio de Janeiro , nº 10 , out.
1989 .
11. E.H. Kamide e T.C.Pereira . Patrimônio cultural paulista: Condephaat: Bens tombados 1968/
1998. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo , 1998 .
12. www.estadao.com.br/ext/frances/hilario
13. As primeiras referências e fotos desta casa foram feitas pela ex-bolsista do CNPq Viviane
Adrina Saballa , em 1995. Deve - se a Welcsoner Silva , membro do grupo de pesquisa o
levantamento da data de construção .
14. Ver: I. KERN . De Akenaton a JK , das pirâmides à Brasília. Brasília : ráfica Ipiranga Ltda . ,
1985 .
15. http://www.guiainforme.com.br/turismo/brusque.
ARQLIITETLIRA EGÍPCIA ENTRE NÓS 69

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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1979

ra

Os obeliscos são as referências arquitetônicas egipcias mais presentes nas cidades brasileiras
OBELISCOS BRASILEIROS

Margaret Bakos

Márcia Raquel Brito


existem centenas,
Existem centenas , talvez milhares,, de obeliscosespalhados
talvezmilhares obeliscos espalhados pelas cidades bras
bra
sileiras. Porém , parte do significado original desse tipo de construção , tão carac
terística do antigo Egito , se perdeu ao longo dos séculos . Mais do que simples
objetos decorativos, os gigantescos blocos monolíticos – isto é , esculpidos em
uma só peça de granito - possuíam um forte sentido mitológico para os constru
tores egípcios:representavam o primeiro raio de sol que desceu pela terra, li
gando o mundo dos homens ao universo celeste .
Tekhen era o nome dado pelos antigos egípcios a tais monumentos e sig.
nificava, textualmente , “ raio de sol” . Foram os gregos que lhes deramo nome

de obeliskos que , em sua língua, significava “ agulha” ou “ pino ”. Na origem ,


o obelisco era um monumento de pedra afilado, em forma de agulha e com

o topo entalhado no formato de pirâmide , seguindo basicamente o modelo


da antiga pedra Benben, no templo do deus - sol em Heliópolis , considerada
sagrada pelos egípcios desde a primeira dinastia (3100 - 2890 a.C) .
Hoje , assim como as pirâmides , os obeliscos resistem ao tempo e ser
vem de formidáveis testemunhas da perícia e da proeza da civilização egíp
cia , que os modelava em pedra bruta e , depois, numa engenhosa operação ,

os transportava até o local de destino . A maior parte deles possui dezenas


de metros de altura e pesa centenas de toneladas , sendo surpreendente que
tenham sido esculpidos , erguidos e fincados no solo numa época em que
não havia ferramentas sofisticadas ou guindastes poderosos como os de hoje

em dia . Talvez isso explique a posterior apropriação simbólica dos obeliscos ,


vistos historicamente como emblemas inequívocos de poder !.
Com efeito, desde muito cedo os obeliscos se tornaram populares en
tre outras culturas fora do Egito , a exemplo dos cananitas , assírios , gregos

e romanos . Assurbanipal , rei assírio , parece ter sido , no século VII a.Co
primeiro a transportar obeliscos egípcios para fora do seu território de ori
74 EGIPTOMANIA

gem . Já Augusto , imperador romano , foi o primeiro governante ocidental


a ordenar o transporte de dois desses enormes monólitos de granito para
Roma: um para servir de gnomon para um colossal relógio de sol instalado
no Campus Martius; o outro para adornar o Circus Maximus . O objetivo
do monarca , segundo informa o historiador Jean -Marcel Humbert, era
justamente simbolizar seu enorme poder perante milhares de súditos . Atu
almente , Roma possui o maior número de obeliscos originais do mundo .
No Brasil , eles são as referências arquitetônicas egípcias mais pre

sentes entre nós , ainda que não haja nenhuma informação sobre a exis
tência de obeliscos egípcios autênticos no país : todos os monólitos aqui
existentes são cópias ou recriações de seus modelos originais . Assenta

dos geralmente em centros urbanos , são encontrados na maioria das ve


zes isoladamente , e não aos pares , como era comum ocorrer no antigo

Egito . Em uma busca preliminar, conseguimos catalogar cerca de uma


centena de obeliscos em território brasileiro . O número real tende a ser

muito maior e com certeza será conhecido com o prosseguimento de


nossos estudos e pesquisas na área da egiptologia .
Durante um levantamento inicial , esbarramos em alguns problemas
na localização e identificação das peças , pois mesmo fincados nas ruas ,

avenidas e praças públicas , os obeliscos nem sempre são percebidos como


tal por significativa parcela da população . A própria palavra " obelisco "
parece ter desaparecido do vocabulário coloquial ?, e diversas pessoas
entrevistadas durante a fase de pesquisa que antecedeu a publicação deste
livro não sabiam o significado .

Na busca pelos obeliscos nacionais , enviamos questionários às capitais

e às maiores cidades de todos os estados brasileiros . Em um país de dimen


sões continentais como o nosso , a coleta e sistematização de dados numé .
ricos para uma pesquisa do gênero , sem dúvida , traz alguns percalços ao
pesquisador. Como resposta , recebemos muitas vezes a indicação de que
não havia nenhum registro da existência de obeliscos em alguns desses lu
gares , embora de antemão já soubéssemos que tal informação não proce
dia . Após enviarmos fotos dos mesmos aos entrevistados , vinha então a
retificação, dando conta de que tal monumento , de fato , existia , embora
fosse conhecido na cidade por outra denominação ou simplesmente pas

sasse totalmente despercebido em meio aos demais equipamentos urbanos.


OBELISCOS BRASILEIROS 75

De todo modo , a pesquisa e a conseqüente catalogação demonstrou


que , no Brasil , assim como ocorre de resto em todo o Ocidente , os

obeliscos são erguidos por quatro motivos principais : para homenagear


personalidades e figuras públicas , para funcionar como marcos de fron
teiras , para celebrar datas e , por fim , para caracterizar e exaltar colônias
de imigrantes em determinadas regiões.
O estado brasileiro em que mais encontramos obeliscos , agora devi
damente catalogados , foi o Rio Grande do Sul , em número de 46. Tal
resultado , no entanto, também deve ser relativo , uma vez que qualquer
número encontrado nesse levantamento pode ser atribuído à maior ou
menor facilidade de acesso às informações em determinadas regiões . Na
verdade , a investigação egiptológica no Brasil apenas engatinha . Mas,
ainda assim , já é possível , entre os 96 obeliscos catalogados por nós em
todo o país , selecionar aqui alguns deles , para que o leitor tenha idéia da
diversidade das motivações que os levaram a ser construídos .

O primeiro monumento erguido na capital paulista:0 Obelisco da Memória, inaugurado em 1814

OBELISCO DA MEMÓRIA ( São Paulo )

O monumento mais antigo de toda a cidade de São Paulo localiza - se

no local conhecido como Ladeira dos Piques . Trata - se exatamente de


um obelisco , por alguns apelidado de pirâmide, em cuja base figura a
data de sua inauguração ( 1814 ) , seguida da seguinte inscrição : “ Ao zelo
76 EGIPTOMANIA

do Bem Público ". Construído para assinalar o início da estrada para

Sorocaba (atual rua da Consolação) , o monumento foi executado por


Mestre Vicentinho, conceituado pedreiro da época .

O monumento foi registrado em 1847 , em belíssima aquarela do pintor


Miguel Dutra, considerado um dos precursores das artes plásticas no país. A
tela encontra - se exposta no Museu de Arte de São Paulo . Esse obelisco tam

bém aparece em fotografia de Militão Azevedo , pioneiro desta arte no Brasil .


Em 1919 , o obelisco foi valorizado por novo projeto , elaborado para mar

car o centenário da independência do Brasil.Criou - se no Largo da Memória


um conjunto escultórico, composto por escadas,à semelhança de cascatas ,
em diversas direções , um chafariz, bancos curvos de pedra e azulejos que aco
lhem e dão destaque ao monumento de inspiração egípcia .

OBELISCO DA AVENIDA RIO BRANCO ( RIO DE JANEIRO )

Um dos melhores e mais célebres exemplos de obeliscos brasileiros


de granito está situado no Rio de Janeiro . Construído em 1906 , como
marco da abertura da avenida Rio Branco , tornou - se particularmente

famoso porque , em 1930 , após a vitória da Revolução que levaria Getú


lio Vargas ao poder, um grupo de combatentes gaúchos ataram a ele os
arreios dos cavalos , o que passou para a história como um dos símbolos
mais pitorescos e controvertidos do movimento .
A atitude é significativa do valor que era dado ao monumento , à épo
ca. O historiador Nicolau Sevcenko compara a cena à ação dos vândalos ,

que , após vencerem os romanos, destruíram monumentos erguidos pelo povo


derrotado , pois sabiam do sentido simbólico que eles guardavam . Em aná
lise arguta, Sevcenko observa que os gaúchos , igualmente conscientes de
que estavam diante de um marco de poder, viram no obelisco da Rio Bran
co o lugar ideal para simbolizar a vitória sobre o governo deposto .

OBELISCO MAUSOLÉU AO SOLDADO CONSTITUCIONALISTA

Com 81 metros de pedra marmórea, esse obelisco , inaugurado no


quarto centenário da cidade de São Paulo , guarda um forte sentido me

tafórico . A praça onde está fincado representa um coração humano e o


OBELISCOS BRASILEIROS 77

próprio obelisco , uma espada que o trespassa , simbolizando o martírio


dos combatentes da Revolução Constitucionalista de 1932 .
O obelisco tem a forma de uma espada de quatro faces, voltadas
respectivamente para cada um dos pontos cardeais – norte , sul , leste e
oeste - e adornadas com altos relevos , sintetizando a epopéia do
bandeirantismo ( leste ) e dos revolucionários de 32 ( demais faces).

OBELISCO COLÔNIA PORTUGUESA (PORTO ALEGRE /RS )

Construído em 1935 , esse obelisco com base de granito e placas em

bronze , erguido junto à zona portuária de Porto Alegre , situava - se em


posição de destaque para quem então chegava à cidade , pela via fluvial.
Nos dias de hoje , ele quase passa despercebido devido às placas de sina
lização , fios de luz e até mesmo um muro que separou a cidade do rio
Guaíba . O obelisco porta as seguintes inscrições : “ Ao Rio Grande do Sul ,
comemorando o Centenário Farroupilha , oferece a Colônia Portuguesa
- 1835 --1935 ”; “ General Marcelino de Figueiredo ( Sepúlveda) funda
dor da cidade”; “Homenagem dos escoteiros rio - grandenses aos funda
dores de Porto Alegre 1740 e à Portugal 1140 – 1640 " .
Como se vê , este obelisco tem a missão de guardar a memória de um
conjunto de fatos e comunidades importantes no contexto regional gaú
cho , com destaque para a figura histórica de José Marcelino de Figueiredo .
Sepúlveda , como era conhecido , era imigrante português , considerado

general brilhante por seu papel na expulsão dos espanhóis , que se fixaram
no Rio Grande, no século XVIII . Antigo governador da capitania , é reco
nhecido por muitos gaúchos como o verdadeiro fundador de Porto Alegre .

" OBELISCO DA DISCORDIA " ( IPANEMA - RJ )

Determinado monumento do Rio de Janeiro , conhecido como obelisco,


é um bom exemplo de como essa palavra , bem como a forma do monólito ,

foi sendo esquecida ,dissociada dos significados originais . Produto de um


projeto de reurbanização do Rio de Janeiro , iniciado em 1996 , o obelisco
de Ipanema é , na verdade , uma coluna arredondada , com trinta metros de
altura e com uma esfera no topo , em lugar da forma original , piramidal .
78 EGIPTOMANIA

Vista aérea do " Obelisco da Discórdia ”, em Ipanema: descaracterização do


termo egipcio original e motivo de protestos de moradores do famoso bairro carioca.

Para alguns cariocas, o monumento , além de ser uma obra de " mau
gosto ", atrapalha o trânsito na entrada do bairro de Ipanema . Protestos
incluem ainda o pórtico , erguido com o objetivo de ser uma passarela .
Moradores dos prédios vizinhos impediram a construção , alegando que o

interior dos apartamentos ficaria à vista de transeuntes . Por essas razões ,


o monumento ficou conhecido como " obelisco da discórdia” .

OBELISCO COMO OBRA DE ARTE

Francisco Brennand , artista plástico pernambucano , consagrado no

Brasil e no exterior, realizou extraordinária reinterpretação do monólito


egípcio . O obelisco de Brennand , de 12m de altura por 1,15m de largura ,
encontra - se no pátio da velha Estação Central de Recife . Segundo o
artista , a idéia foi construir, baseado numa figura geométrica quadrangular,
OBELISCOS BRASILEIROS 79

um obelisco emergente , embora ainda preso à base . Brennand decidiu


dividir a figura do obelisco em duas , a partir do meio da coluna , voltando
assim as duas extremidades pontiagudas , ao mesmo tempo , para cima e
para baixo . Para o artista , essa divisão acentuaria o caráter moderno do
monumento , conferindo precisão e leveza .

O interessante , especialmente para este livro sobre egiptomania , é a


explicação do escultor para a obra . Brennand afirma ter buscado não
repetir figuras convencionais de obeliscos antigos , pois , no seu entender,
dificilmente, depois dos egípcios , seria possível inovar nesse sentido . Se
gundo descrição do artista , os ornatos distribuídos nas faces duplicadas
do obelisco ( para cima e para baixo) , vistos à distância , lembram antigas
inscrições (hieróglifos), sendo na verdade grafismos, cunhados em baixo
relevo , representando linguagem peculiar ao próprio autor, ou seja , ele
mentos tipicamente ameríndios ou africanos.

Instigante releitura do
obelisco egipcio pelo artista
plástico Brennand. Elementos
amerindios e africanos no
w
lugar de hieróglifos
80 EGIPTOMANIA

De fato, o obelisco de Brennand é original ao sugerir a conquista de

todos os espaços . Esse efeito é obtido pelas duas pontas : uma apontando
para o alto (céu) , outra , para o chão ( as entranhas da terra) . O tratamento

cerâmico e as cores vibrantes também conferem distinção ao monumento .

BRASÕES COM ELEMENTOS EGÍPCIOS: OBELISCO E FÊNIX

Duas cidades brasileiras , pelo menos , inscreveram nos brasões ele


mentos do antigo Egito: Pelotas , no Rio Grande do Sul , um obelisco ; e
Campinas , em São Paulo , a figura da fênix .
O brasão de Pelotas foi instituído em 1961, depois de um concurso

promovido pela Câmara Municipal . Foram recebidos 28 trabalhos, com


vistas à comemoração dos 150 anos de fundação da cidade . O brasão
vencedor possui , no alto , uma coroa de cinco pontas que identifica a
cidade como a “ Princesa do Sul"; à esquerda , uma espiga de arroz repre

senta a maior fonte econômica da região ; à direita , um ramo de louros


simboliza “ os triunfos alcançados no decorrer dos 150 anos de história” .
No brasão propriamente dito , vê - se , acima , à esquerda , um índio
numa embarcação de couro e a pelota puxada por um nadador, tal qual
1

PR
IN
CE L
SS DO
SU

Brasão da cidade de Pelotas: no quadrante


inferior direito , o obelisco , símbolo da
estabilidade e da perenidade
OBELISCOS BRASILEIROS 81

a primitiva pelota que originou o nome da cidade . À direita , um bovino


lembra a indústria das charqueadas , primeira na região , responsável pelo
desempenho econômico da província . Embaixo, à esquerda , o símbolo
da Caridade de São Francisco de Paula , padroeiro da cidade . À direita , o
obelisco , monumento republicano , homenagem a Domingos José de
Almeida , o Patriarca de Pelotas ; sobreposta , no centro , a Cruz de Malta ,
homenagem ao português colonizador .
A presença do monumento egípcio no brasão de Pelotas é explicada

apenas como criação de um grupo de idealistas republicanos . É impor


tante lembrar, ainda , que o obelisco era muito apreciado no continente
americano , ao longo dos séculos XIX e XX , independente do país e /ou
partido político , para assinalar fatos históricos e /ou pessoas de atuação
significativa para a coletividade.

O obelisco era visto como um monumento estável , capaz de desafiar o


tempo e eternizar a homenagem . Em um concurso realizado em 1833 ,para
escolha de uma forma de honrar a memória de George Washington , presi
dente norte - americano , morto quatro anos antes , participaram vários pro
jetos ; entre eles , um que sugeria a construção de um obelisco e outro , um
mausoléu piramidal . O vencedor foi o obelisco de 167m de altura , visível,
ainda hoje, de quase todos os pontos da capital dos Estados Unidos .

Já o brasão do Município de Campinas mostra ícones que desta


cam valores caros à cidade . Os ramos de café, a cana - de - açúcar e a torre
simbolizam a potência agrícola de Campinas de Mato Grosso no século

XIX . No conjunto , chama a atenção'a presença de uma fênix ,que tam


bém está estampada na bandeira municipal .
A referência a esse pássaro fabuloso, adorado pelos egípcios antigos
por comparecer na época das cheias do Nilo , fenômeno que assinalava um
novo ciclo agrícola, explica - se , no brasão , por um fato histórico . Com a

abolição da escravatura em 1888 e a proclamação da República em 1889 ,


libertos e imigrantes que trabalhavam na lavoura vieram para a cidade , que

não tinha condições sanitárias apropriadas , o que desencadeou uma epi


demia terrível de febre amarela . A população foi reduzida de vinte para cinco
mil habitantes . Na década seguinte , a cidade recuperou a população e ,

agradecida , colocou na bandeira e no brasão a fênix, numa alusão ao fato


de o local ter renascido das cinzas após a mortal epidemia .
82 EGIPTOMANIA

LA Brasão de Campinas, que exibe a


BO
REVI CI figura mitológica da fênix egipcia:
RT VI FL
UT TA OR
E S ET simbolo herdado da renovação
originalmente representada pelas
cheias do rio Nilo .

As adoções de figuras mitológicas egípcias nos brasões brasileiros


revela a forte presença do Egito no imaginário coletivo , bem como o
conhecimento das qualidades originais desses elementos . No caso do
obelisco e da fênix , as idéias de permanência e renovação , que os

eternizaram , são a razão de escolha e reutilização dessas imagens, milêni


os e milênios após sua criação .

Ainda há muito para ser pesquisado em relação aos obeliscos brasi


leiros , investigando e registrando o que eles podem revelar sobre a pró
pria construção da história e da memória nacionais . Pelo material durável
de que são feitos, com certeza os monumentos irão sobreviver por várias

gerações . No entanto , é preciso que nos apressemos . Pela falta de regis


tros oficiais, pela inexistência de placas informativas, pelo estado de má
conservação e abandono a que muitos estão relegados, já é difícil, atual
mente , descobrir por que ou por quem foram construídos. Corre - se o
risco de , no final das contas , sabermos mais sobre os obeliscos originais ,
construídos no Egito a milhares de anos , do que sobre esses que estão
por aí, pedindo nossa atenção, espalhados pelas ruas das principais ci
dades brasileiras .
OBELISCOS BRASILEIROS 83

NOTAS
1. B.Baczko. A imaginação social.
2. A história das palavras tem conhecido épocas em que elas sofrem viragens, mudando o
significado e deslocando - se da “ periferia” para o " centro” de um campo discursivo. (B.Baczko .
A imaginação Social , p.298) .

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222

Pintura encontrada em um antigo túmulo faraônico: não são poucos os artistas que,
hoje em dia, ainda encontram inspiração na característica arte egipcia
ARTE E DECORAÇÃO EGIPCÍACA

Margaret Bakos
Pode
ode - se explicar a permanência dos elementos egipcios
egípcios na cultura
ocidental com base em dois enfoques fundamentais e interligados . O
primeiro consiste no fascínio pelos valores culturais dessa fase histórica ,
como o respeito à magia , em lugar do pensamento racional , e o culto à
imortalidade , em lugar do temor da morte .

O segundo enfoque será dado à readaptação contínua de elementos


egípcios a novos usos , ao longo dos milênios . Desde que foram
" redescobertos” nas escavações arqueológicas até hoje , as apropriações
de elementos egípcios para criação de obras acadêmicas não são muito
conhecidas . Decorações de ambientes , desenhos desvinculados dos
cânones artísticos originais egípcios com propostas de novas interpreta

ções continuaram sendo feitos, ao longo dos séculos , alguns sob formas
bizarras , indo ao encontro das fantasias dos usuários da modernidade , ao
sabor do imaginário social que as criaram e as mantém .
Outros apropriadores de símbolos egípcios foram movidos por moti
vos bem mais simples , como por exemplo os anúncios comerciais e a
busca pela estética criativa .Sabemos que determinados padrões de bele
za artística distinguiram os egípcios de outros povos contemporâneos ,
que muitas vezes os copiaram . Os hieróglifos até hoje são considerados
elementos mágicos da mais bela escrita do mundo .

Segundo Jean -Marcel Humbert, todos os países ocidentais , sem exce


ção , têm procurado adaptar a arte egípcia a seu modo . A arte em
egiptomania tem duas características básicas : a utilização de símbolos do
antigo Egito com novos objetivos e a antigüidade do tratamento dadoa estes ,
que deve apresentar elementos referencias e identificadores da época an
tiga . Por exemplo , uma esfinge sentada pode evocar o Egito antigo , mas
não será egipcíaca se não portar o nemes ; inversamente , uma esfinge alada
sentada , mais grega que egípcia , ainda assim será egipcíaca se usar o nemes . ?
88 EGIPTOMANIA

De acordo com Humbert , difusor desse conceito no ocidente , as cri


ações artísticas em egiptomania se formam na junção entre ciência e
imaginação , que une conhecimentos acadêmicos e saber popular de via
jantes e escritores , acrescida do repertório de mitos e símbolos criados .
A mitologia sobre os antigos egípcios foi largamente elaborada pelos
escritores clássicos gregos e romanos e os símbolos foram criados pelos pró
prios egípcios ao longo de três mil anos de história . São milhares de símbo
los com significados originais de ordem religiosa e laica . Entre os mais usados

no mundo inteiro estão as pirâmides , os obeliscos e as esfinges.


No Brasil , a egiptomania aparece em gêneros artísticos diversos , a
exemplo de outros países ocidentais . Modelos demostram que não se trata
apenas de “ uma simples mania ”, gosto pessoal , apreço pelo antigo Egito ,
pois com a reutilização dos símbolos antigos, foram feitas outras criações . ”

PASTOR EGÍPCIO

Esse título evoca de uma belíssima pintura de Honório Esteves do Sacra


mento ( 1860-1933 ) , um dosmais importantes artistasbrasileiros do século XIX ,
que ilustra de forma magistral a presença de obra de arte egipcíaca no país.
Opintor foi admirado pelo caráter acadêmico de suas criações e pela
preocupação e sensibilidade ao registrar cenas do cotidiano em Minas

Gerais, em de pinturas a óleo , em pastel , e em desenhos com carvão . O


quadro destacava-se, pela imponência , em uma sala da Exposição Brasil
500 Anos , em 2000 , no Parque Ibirapuera , São Paulo . Apesar da impor
tância do autor, essa obra tinha sido , até então , pouco divulgada no país.
A visão do Pastor egipcio causa impacto pelo tema, pelo contexto , pela

maestria no uso das cores deslumbrante harmonia e beleza do conjunto .


Filho de carpinteiro , Honório manteve , em sua notável produção
artística, traços reveladores da formação profissional regrada , austera ,
pautada pela humildade , religiosidade e gosto pelas tradições locais . Aos
onze anos , começou a aprender arte e desenho em Ouro Preto e , em

1880 , teve a oportunidade de visitar o Rio de Janeiro pela primeira vez .


Quatro anos mais tarde , por especial indicação de D. Pedro II , Honório

foi morar na capital do Império, onde estudou sob a orientação de mes


tres famosos como Pedro Américo e Victor Meirelles .
ARTE E DECORAÇÃO EGIPCIACA 89

1882

"O pastor Egipcio ", de Honório Esteves do Sacramento, artista brasileiro do século XIX .
90 EGIPTOMANIA

O talento de Honório Esteves foi logo reconhecido pela Academia


Imperial de Belas Artes e ele recebeu diversos prêmios . Enquanto vivia
no Rio de Janeiro , pintou o Pastor egipcio que tem por figura central um
homem negro sentado , com adereços egípcios , mas inserido em um en
torno natural do Brasil : banco e estrado de madeira , móveis de ambien
te assemelhado ao de um casebre . O nemes do pastor, um barrete no

estilo usado no Egito antigo, é apresentado em uma interpretação de


Honório : nas cores dourada e laranja. A ponta longa do barrete desce
pelas costas do personagem . Uma tanga , também em estilo oriental , co

lorida e farta, e um cajado , seguro à maneira dos egípcios antigos , embo


ra a ponta seja omitida pelo pintor, caracterizam a ligação entre o pastor
e o período da história antiga egípcia . Não obstante , a face do homem ,
com os olhos semicerrados e as sobrancelhas escondidas sob o gorro

fogem dos cânones egípcios de registro da figura humana . Inclusive o


caixote em que está sentado e o cenário apresentam o contexto brasilei
ro contemporâneo ao autor.
Para entender a presença de elementos relativos ao Egito antigo em
um pintor brasileiro do século XIX , é importante tomar conhecimento
que , entre 1870 e 1920 , muitos pintores ocidentais foram influenciados

pela arte egípcia , principalmente inspirados nas obras de sir Lawrence

Alma- Tadema ( 1836-1912 ) , holandês , mestre da pintura e muito famo


so no Reino Unido. É possível que ele tenha também influenciado pinto
res brasileiros , como o fez na Europa e nos Estados Unidos . Mas as fontes

da inspiração de Honório Esteves podem ter tido origem em estudos aca


dêmicos no Brasil ou em contatos no exterior. O que realmente importa
é o título dessa obra , bem como a postura e os detalhes da indumentária
do pastor, com referências notadamente orientais . O protagonista da tela
mostra - se sisudo e altivo , embora situado em um cenário despojado , o
que causa um certo impacto visual pelo contraste entre a pose , as vestes
e a realidade do pintor edo retratado .
É mister salientar que , além da plasticidade e da beleza dessa cria
ção , que impressionam até hoje , ela também se qualifica como exemplo
ímpar de pintura acadêmica sobre tema relativo ao antigo Egito no Bra
sil . Testemunha, com categoria excepcional , a circulação das idéias na
sociedade ocidental ao longo do século XIX .
ARTE E DECORAÇÃO EGIPCÍACA 91

SALA EGÍPCIA ( PORTO ALEGRE/ RS )

Quem passa na frente do atual prédio da Biblioteca Pública do Esta


do do Rio Grande do Sul, em Porto Alegre , construído no primeiro quar

tel do século XIX , não desconfia da decoração interna da tradicional


instituição gaúcha. Pela importância cultural, o prédio precisou ser au
mentado na década de vinte e foram construídas várias salas temáticas ,
decoradas por hábeis pintores .

O pintor Fernando Schlatter ficou responsável pela decoração do


gabinete do diretor, denominado , à época , de sala egípcia . Não se conhe
ce nenhum desenho preparatório da pintura dessa sala que possa escla
recer as razões da escolha dos elementos usados na decoração , exceto a
preocupação estética . Isso se deduz pela existência , no acervo da biblio

teca , de um livro com desenhos muito coloridos e decorativos que per


tencia ao pintorº, e que , provavelmente , serviu de inspiração para as
figuras que decoram as paredes e os tetos não apenas dessa sala , mas de
todo o interior do prédio .

Na parede à direita , chama imediatamente atenção a imagem grotes


ca de uma cabeça frontal de carneiro , inserida em um medalhão , encimado

0
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, ,
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Detalhe da decoração da " Sala Egipcia": cabeça de carneiro ladeada


por serpentes aladas, em miscelânea de elementos egipcíacos e greco -romanos
92 EGIPTOMANIA

por duas cabeças de serpentes aladas , com as bocarras escancaradas, cujas


presas à mostra completam a feição monstruosa da víbora. Essa composi
ção exótica utiliza - se de elementos decorativos egípcios e greco - romanos .

Outra imagem impressionante é a representação de uma figura fe


minina , que leva um facho na mão . À semelhança da pintura masculina ,
na parede lateral do vestíbulo do elevador, a figura feminina porta o mesmo
toucado egípcio - o nemes . Essa , na sala da direção , encontra - se sentada
sobre uma esfinge agachada , que veste um tipo semelhante de orlado . A
esfinge está rodeada por duas serpentes monstruosas , agressivas e repe
lentes como as descritas anteriormente .
Destaca - se também o friso pintado sobre duas aberturas : a janela que
dá para o pequeno pátio interno , no térreo , e a porta que conduz à sala dos

professores. A barra nos tons azul , vermelho e amarelo apresenta imagens


de escaravelhos . O inseto , como é sabido , é quase sinônimo de Egito antigo .
Chama atenção ainda na pintura do teto a presença de quatro uru

bus policrômicos.A localização dessas imagens pode tornar- se significa


tiva , se entendermos , como salienta Starnº , a importância do ato físico

de olhar para o alto : evidencia o contraste entre um mundo e outro , na


imaginação do observador. Na sala da diretoria da biblioteca , de fato,
fica claro o efeito produzido no visitante .
Contrastando com os móveis escuros ,

sóbrios e funcionais, o observador depa


ra - se com o teto pintado em cores vibran

tes . As representações mostram abutres


com asas abertas , em ângulo , demonstran

do agitação . Na moldura dos cantos , há


enfeites em gesso branco , que delimitam
as pinturas de outros elementos decorati

vos , alguns de inspiração egípcia , como


as flores de lótus .

Estátua com toucado egipcio - o nemes – tendo a


seus pés uma esfinge: mais uma vez, a fusão entre
Egito e a cultura greco- romana
ARTE E DECORAÇÃO EGIPCIACA 93

Urubu policrômico, com suas asas abertas e agitadas, força o visitante a olhar para cima:
artificio que evidencia o contraste entre um mundo misterioso e seu observador

É importante salientar a presença dessa planta na decoração , pelo

significado que possuía na antiga sociedade egípcia. Olírio da água,copmo


também é conhecido , fecha - se à noite e submerge, levantando - se e abrin
do - se novamente na alvorada . Isto o torna, à semelhança do escarave
lho , símbolo natural do Sol e da criação . O astro rei era o mais importante

elemento da religião egípcia e o símbolo mais utilizado na arte .


Na sala ainda se encontram duas representações de esfinge: a figura

pintada na parede (trompe l'oeil) e a escultura de esfinge com seios , em


pedra grés , portando o nemes , o toucado egípcio , em versão muito parti
cular, estilizada . É possível que a autoria dessa obra , que não está
especificada na imagem , seja de algum dos escultores , que assessoraram
Victor Silva , o diretor, e Schalter, o pintor, nas obras de reforma do pré
dio . Vale salientar que as esfinges da biblioteca usam o nemes real , que ,

como vimos , qualifica a obra como exemplo de prática de egiptomania .


É lugar comum que a esfingemania de origem estritamente egípcia, ou
seja , relativa às esfinges que portam o nemes, não chame a atenção da histó
ria da arte. Mas , segundo o especialista em egiptomania Jean Marcel Humbert ,
94 EGIPTOMANIA

Uma representação da " esfingemania" - uma das principais


manifestações da egiptomania - na Biblioteca Pública de Porto Alegre

as imagens de esfinges, pirâmides e obeliscos constituem os maiores símbo


los do Egito antigo e da prática da egiptomania . Ele explica que a esfinge ocupa
posição especial na sobrevivência do imaginário do antigo Egito , por ser o
único elemento a ser usado ininterruptamente no mundo ocidental e ter
gerado inúmeras interpretações, com amplo grau de liberdade de criação .

O MOTEL FARAO

Um prédio , em São Paulo, chama a atenção não só pela estrutura gi

gantesca , mas também por exibir na fachada pinturas com motivos do antigo
Egito . Trata -se do Motel Faraó , que apresenta , na entrada principal, a fi

gura sentada de um faraó, ladeada por dois cartuchos simbolizando o cír


culo solar, que têm a função proteger o nome real registrado em hieróglifos.
Ao longo das paredes externas do prédio podem ser vistos vários outros
painéis contendo sinais da escrita antiga e figuras da mitologia egípcia, como
Anúbis , o deus -chacalembalsamador. No interior, a decoração mantém essa

temática. Salienta - se a presença de uma luminária dourada em formato de


ARTE E DECORAÇÃO EGIPCÍACA 95

uraeus,a víbora do deserto , símbolo da monarquia egipcia. É interessante


salietnar também o uso da imagem de Rá , o deus- sol, presente nas suítes .

A decoração do motel exemplifica a prática de egiptomania , pois a


escolha da temática egípcia foi intencional , tendo por objetivo passar
aos usuários a idéia de riqueza associada à força e ao poder faraônicos.
Seguindo essa linha , as suítes chamam - se Miquerinos, Quefrén e Tebas,
e o cardápio oferece opções como o coquetel Nefertari, o sanduíche Vale
do Nilo e o sorvete Escaravelho do Egito .

Detalhe de uma das suites do Motel Faraó, em São Paulo:


o auto -falante é camuflado em meio à decoração com motivos egipcios

EGIPTOFILIA , EGIPTOMANIA E EGIPTOLOGIA : CAMINHOS


CRUZADOS

Muitas pessoas de talento contribuíram para a difusão e o estímulo


ao estudo da arte egipcíaca e da presença dos símbolos egípcios no Oci
dente . Merece destaque internacional o trabalho do francês Dominique
Vivant Denon ( 1747-1852 ) , antiquário , artista , escritor e cientista . Dentre
todas essas atividades , privilegiou a dedicação ao Egito antigo , desempe
nhando papel muito importante na história da egiptologia pelo registro,
em viagem ao Egito por ordem de Napoleão Bonaparte, dos monumen
tos e costumes antigos . Na Europa , ocupou- se também com a organiza
ção de coleções particulares de antigüidades .
96 EGIPTOMANIA

O egiptólogo francês Auguste Mariette ( 1821-1881 ) foi outro exem


plo notório . Fundador do Serviço de Antigüidades do Cairo , a que dedi
cou grande parte de sua vida , também desenhou , em 1871, o vestuário

da primeira encenação , no Cairo , de Aída, ópera de Giuseppe Verdi ( 1813


1901 ) . Na concepção das roupas , buscou unir a estética dos trajes origi
nais encontrados nos templo ao gosto do século XIX . O resultado foi tão
satisfatório que o figurino é utilizado até hoje como referência.
Poucas pessoas , no Brasil , têm o privilégio de lidar com peças autên
ticas . A despeito desse fato , alguns estudiosos se esmeram na reprodução
criteriosa de pinturas e esculturas e na organização de exposições , algu
mas itinerantes , com réplicas de obras arquitetônicas , objetos , imagens
de pessoas e deuses egípcios . Essas obras, de admirável execução , têm o
mérito de trazer o conhecimento sobre o Egito antigo a uma parcela da
população brasileira , a qual dificilmente teria oportunidade de visitar
não só as coleções de museus internacionais , como também auqleas ex
postas nos nos museus do Rio de Janeiro e São Paulo . Pelo entusiasmo e

persistência nesse metódico trabalho , eles estimulam a permanência do


conhecimento e interesse pelo antigo Egito no Brasil , unindo conheci
mento e imaginação .

CHARGE DE CLEOPATRA

Jean Leclant, o mais famoso egiptólogo francês da atualidade , foi


quem melhor caracterizou as práticas de egiptomania e destacou os prin
cípios para formação desse conceito na modernidade . Ele disse , certa
vez , que a egiptomania é também um lugar para o humor. Segundo
Leclant , toda criação egipcianizante possui certa cumplicidade e , por
presente que estejam as imagens do Egito antigo , sempre chegarão a nós

afetadas por um distanciamento , próprio do humor.'


Entre os temas do antigo Egito , presentes em todas as artes do Oci
dente , sem dúvida a vida de Cleópatra VII tem sido um dos mais perma
nentes . Coquete ou agonizante , ela inspirou pintores , escultores , cineastas
e apareceu em revistas e publicações de todo tipo , até mesmo em charges .

O segredo dessa permanência talvez seja o mítico poder de sedução da


rainha , ainda muito presente no imaginário popular.
ARTE E DECORAÇÃO EGIPCÍACA 97

Na Revista do Globo - que , na primeira metade do século XX , era a mais


importante do Rio Grande do Sul, com circulação nacional - , foram publicadas
duas charges da rainha egípcia tendo como tema os casos amorosos com im
portantes políticos romanos e o suicídio com auxílio de uma serpente .
O criador das tiras é o gaúcho SamPaulo , profissional respeitado e
criativo . SamPaulo uilizava as charges como poderoso meio de comuni
cação , capaz de chamar a atenção do grande público sobre qualquer as
sunto . O artista , ao destacar e reproduzir criativamente episódios da
vidade Cleópatra , popularizou uma informação histórica , com a prática
inusitada de egiptomania burlesca .

ESTÓRIAS HISTÓRICAS

122 N

‫می دهد ( اين‬ ‫ادامه‬

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Bu

Cleópatra, segundo o chargista gaúcho SamPaulo (Revista do


98 EGIPTOMANIA

Com base em dois enfoques fundamentais e interligados , pode - se re


fletir sobre a busca obsessiva do homem pela permanência dos elementos
egípcios na cultura ocidental . O primeiro consiste no fascínio pelos valo
res culturais daquela fase histórica, como o respeito à magia , em lugar do
pensamento racional , e o culto à imortalidade , em lugar do temor damor
te . O segundo supõe que a readaptação contínua de elementos egípcios a
novos usos , ao longo dos milênios , pode ser movida por coisas bem mais
simples como , por exemplo , a busca de inspiração criativa . Padrões de be
leza artística distinguiram os egípcios de outros povos contemporâneos , que
muitas vezes os copiaram . Os hieróglifos até hoje são considerados os ele
mentos mágicos da mais bela escrita do mundo .

O objetivo de nossa pesquisa sobre a egiptomania no Brasil busca


identificar as razões dessas práticas seculares , questionando seu papel na

formação e controle , no plano simbólico , da memória coletiva sobre o


passado histórico do antigo Egito . Nesse estudo , dificilmente fugiremos
da máxima de Humbert, quando refere que a egiptomania se encontra
no limite entre a ciência e a imaginação . Por essa razão , as manifestções
tendem a ser mais fenômenos individuais que coletivos, exceto quando
se caracteriza um modismo entre os que praticam o mesmo ofício , geran
do muitas cópias que podem dar a volta ao mundo . Esse pode ter sido ,
por exemplo , o destino da obra de Alma- Tadema: inspirar criações
transoceânicas , como o Pastor egipcio, de Honório Esteves . A originalida
de e a exclusividade surgidas dessa prática estão representadas com mui
ta qu idade no cartaz da exposição de peças egípcias do museu Louvre ,
feita no Casa França Brasil , no Rio de Janeiro . 10

NOTAS
1. Agradeço as contribuições de Jean-Marcel Humbert (Paris) , André Chevitarese (Rio de
Janeiro) , Rodrigo Otávio da Silva (Rio Grande do Norte) , Antonio Otávio de Paiva Moura
(Minas Gerais) , Luis Augusto de Lima (Museu Nacional de Minas Gerais) , Carolina Ma
chado Guedes (Rio de Janeiro) , Gabriele Cornelli (São Paulo ), Flavio Carramillo (São Pau
lo) , Guido Bakos (Porto Alegre) e direção do Motel Faraó (São Bernardo do Campo) .
2. J.H.Humbert (ed) . L'Égyptomanie à l'éupreuve de l'archéologie . Paris: Musée du Louvre, 1996
p.135
3. A egiptomania possui duas formas de expressão freqüentemente indistinguíveis entre si: o estilo
neo -egipcio, uma revitalização da arte egipcia antiga , que reutiliza seus temas em um novo con
texto , e o estilo neo - egipcianizante, que adapta e apropria as formas da egiptomania mais antiga .
ARTE E DECORAÇÃO EGIPCÍACA 99

4. Dolmetsch, H. 1889. Der Ornamentenschatz : ein Musterbuch Stilvoller Ornamente aus


allen Kunstepochen. 85 Tafeln mit 1200 meist farbigen Abbildungen Erläuterndem . Stuttgard :
Verlag Von Julius Hoffmann .
5. Olhando para cima , os olhos do observador logo são atraídos para as figuras de urubus
pintadas nos cantos da peça . Estão representados em poses diferentes das convencionais na
arte egípcia , que costumava mostrar a ave basicamente em quatro posições : de pé , com as
asas fechadas ou abertas , protegendo figuras ou símbolos ; voando ; de perfil, quando protege
o rei ; ou vista debaixo , como é comum nos tetos dos templos e nos santuários.
6. R.Starn , R. ( 1992 :284)
7. Revista de Bordo da Tam Classe Ano XVII , n . 93/2002 p.51 In. Bakos , M.M. Corpo e
egiptomania . Revista Phoenix, 2003. Essa imagem foi cortesia de Gabriele Cornelli.
8. Incluem- se nesse grupo : Moacir Elias dos Santos, Eduardo Vilela, Claudio Prado de Mello ,
Mauricio Schneider, entre outros . Ver: KMT 9, 41-46 , Isto é , 29 /maio / 2002 – n. 1704, 104
106 , Planeta , n . 347 e www.geocities.com/cbegipto ).
9. J.Leclant.In.:Humbert, J.M. Humbert, J.M. (ed) . Egyptomania. Egypt in Western Art 1730
1930. Ottawa : Éditions e La Réunion des Musées Nationaux, 1994. p.424 , p.18
10. M.M.Bakos . Phoinix .

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HUMBERT,J.M. (ed ) . L'Égyptomanie à l’éupreuve de l'archéologie .Paris : Musée du Louvre, 1996 .
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Revista de Bordo da Tam Classe, Ano XVII , n . 93/2002 , p.51 .
Ziegler, C. Egyptomania sur une Exposition Egyptes, 16-19 . Histoires & Cultures, Paris : Presses
du Soleil, (3 ) , 1993 .
Dançarinas egipcias, no detalhe de uma imagem que reproduz um banquete a Ísis:
historiadores defendem que assim surgiu o Carnaval
FESTAS, CARNAVAIS

E EGITO ANTIGO

Iris Graciela Germano

Margaret M. Bakos
O carnaval começou no Egito
Egito.. Sua origem mais provável está nos
cultos cíclicos à deusa Ísis , que ocorriam em períodos de plantio ou de

colheita , na abertura de um novo ciclo anual . Gregos e romanos manti


veram contato e assimilaram algumas manifestações derivadas dessas tra
dições egipcias , sendo bacanais , lupercais e saturnais algumas das primeiras
variações do culto à Ísis .Em tais cerimônias,estavam presentes a fartura

de comida e de bebida , a dança , a música e a liberação sexual . Eram ,


assim , momentos extraordinários de inversão e de suspensão das regras e
códigos sociais cotidianos , característica básica do carnaval até hoje .
A festa, aliás , como bem observa a historiadora Mary Del Priore , é
um tempo de utopias, de fantasia, de liberdade , mas também de perpetu
ação de memórias coletivas . Assim , adquire também um sentido simbó
lico , religioso ou político . É a alegria da festa que ajuda as populações a

suportar o trabalho , o perigo e a exploração , reafirmando, igualmente ,


laços de solidariedade ou permitindo que os indivíduos expressem suas
especificidades, diferenças, identidades .
Pode -se então afirmar que é nesse sentido , de ritual utópico e de

perpetuação de memórias coletivas , que o Egito e a Etiópia -- ou a África


Oriental mítica - estão presentes , recorrentemente , nas representações
dos descendentes de africanos durante o carnaval brasileiro . Nessa espé
cie de ritual de inversão , abre - se uma brecha no cotidiano para que eles

possam expressar sua negritude , ou seja , a “ reconquista do espaço ne


gro " no seio da sociedade permanentemente excludente na qual estão
inseridos . Vejamos , por exemplo , como o antigo Egito é cantado e re
apropriado no samba- reggae " Faraó: divindade do Egito ", um dos maio
res sucessos do grupo baiano Olodum .
104 EGIPTOMANIA

Deuses, divindade infinita do Universo


Predominante , esquema mitológico

A ênfase do espírito original Exu [... ]


A emersão nem Osíris sabe como aconteceu
A ordem ou submissão do olho seu
Transformou - se na verdadeira humanidade [ ... ]
Eu falei Nut
E Nut gerou as estrelas
Osíris proclamou matrimônio com Ísis
E o Morset assassinou

Imperará Hórus levando avante a vingança do pai


Derrotando o império de Morset ao grito da vitória que nos satisfaz
Cadê ? Tutankamon
Ê Gizé , Akenaton
Ê Gizé , eu falei faraó
Ê faraó
É , eu clamo Olodum , Pelourinho
Ê faraó
Pirâmide é a base do Egito
Ê faraó
Que mara , maravilha ê
Egito , Egito e

Para apreender os significados de tal letra , recheada de referências

culturais aparentemente tão distintas e que dialogam entre si , é preciso


palmilhar a ponte Egito /Madagascar / África negra /Brasil. No trajeto, com
preenderemos melhor o significado dessa busca pela recuperação da mito
logia dos negros , na exaltação do Faraó de ébano e na dilatação dos pontos
cardeais de uma cultura que foi historicamente condenada à diáspora .

COMO O CARNAVAL SE TORNOU SINÓNIMO DE BRASIL

Entre nós , brasileiros , não há dúvidas de que o carnaval representa


parte fundamental do que podemos chamar de identidade nacional . No

entanto , introduzida pelos portugueses no período da colonização , tal


festa sofreu aqui inúmeras transformações, até chegar a ser identificada
como a maior festa popular do país . Na verdade , a representação do
FESTAS , CARNAVAIS E EGITO ANTIGO 105

carnaval como ritual que mistura pobres e ricos , negros e brancos , cultu

ra popular e de elite , é um produto recente , que data dos anos 30 do


século XX . Antes disso , era uma festa de brancos , reservada a segmentos

elitistas da população . A participação do negro era então fortemente


perseguida , repreendida e tratada como caso de polícia .
O carnaval chegou ao Brasil como uma das festas anuais do calendá
rio religioso cristão . O entrudo foi a primeira forma que os festejos momescos
assumiram entre nós . No entrudo , famílias patriarcais brancas -- homens
mulheres e crianças – brincavam atirando , uns nos outros , água , farinha,
lama , ovos e limões de cera com líquidos perfumados. Aos negros estava
reservada a tarefa de apenas auxiliar seus senhores, buscando água nas
fontes, limpando a sujeira das residências , produzindo os limões de cera e
sendo alvo das “ brincadeiras” dos brancos , que lhes atiravam farinha para
vê - los embranquecidos e deles fazerem troças.Caso quisessem participar
mais ativamente do entrudo , os negros tinham que fazê- lo entre seus se
melhantes , longe dos olhares e das casas dos senhores brancos .
Com o processo de urbanização e o desenvolvimento das cidades , na

segunda metade do século XIX , o entrudo passou a se popularizar. Saiu do


espaço restrito das residências das famílias patriarcais para as ruas , becos e
arrabaldes , causando apreensão no poder público , que via na popularização
dos festejos a possibilidade de perda de controle sobre os segmentos popu
lares . Essa popularização fez com que a elite , progressivamente , se afastas
se das ruas repletas de gente , pois via ali uma “pouco saudável” mistura de
corpos e de raças , em uma festa “ decadente, selvagem e atrasada ", associ

ada ao grotesco e à barbárie . O entrudo passou a ser visto , a partir de en


tão , como uma festa do povo , constituindo o primeiro processo importante
de re -significação pelo qual passou o carnaval no Brasil .
A representação do entrudo como “decadência” dos festejos carnava
lescos tornou - se mais significativa após a abolição da escravatura ( 1888 ) e a

proclamação da República ( 1889) , quando o negro começou a fazer parte


doentrudo livremente pelas ruas e becos das cidades . No final do século XIX ,
somado ao entrudo , grupos de mascarados e foliões solitários passaram a des
filar nas ruas , ao som de tambores e de instrumentos de percussão , no co
nhecido desfiledo Zé Pereira, cujoruído era considerado “ infernal”eodesfile ,

“ uma desordem ” , para os setores mais conservadores da sociedade .


106 EGIPTOMANIA

Naquele momento , campanhas moralistas tomaram conta dos jornais ,


para reivindicar maior autoridade junto aos poderes públicos , no sentido de
reprimir os festejos populares das ruas . Foram emitidas então uma série de

proibições nos códigos de posturas municipais e a polícia passou a ser acio


nada nos casos entendidos como contribuiçãoà “ desordem social”. Enquanto
isso , a elite de nossas cidades tinha os olhos voltados para a Europa , de onde
importava modas , acessórios e costumes , entre eles o carnaval de máscaras
e de salão , animado ao som de polcas , valsas , xotes e mazurcas . Sociedades

carnavalescas foram criadas por essa elite que buscava diferenciar- se do povo ,
" atrasado e selvagem" , que nas ruas jogava o “ bárbaro " entrudo .
Para a elite , o desfile “ ordenado” pelas ruas principais passou a ser a

forma “ disciplinada”, “ civilizada", de brincar o carnaval, que terminava


em bailes de gala nos salões das sociedades . Foi o carnaval “ civilizado ”,

“ seco ”, feito à base de serpentinas , confetes, máscaras e fantasias de gala ,


em oposição ao “ bárbaro, molhado e popular " entrudo . Foi o momento
da segunda re - significação do carnaval no Brasil , quando ele volta a ser
associado à elite , composta por "distintas famílias ” , em oposição ao en
trudo , decadente , brincado pelo povo .
Mas , paralelo a essa forma " civilizada” de fazer o carnaval , as classes
subalternas continuavam brincando o entrudo nos becos , arrabaldes e ruas
pouco iluminadas, que cresciam à margem do desenvolvimento urbano da
cidade . Nesses territórios escusos , uma outra forma de fazer o carnaval

passou a se constituir, fundindo tradições e costumes de etnias variadas ,


em especial européias , indígenas e , principalmente , africanas. Assim , ou

tras formas de festejar e de se divertir somaram - se à festa carnavalesca ori


ginal (sendo ela mesma uma mescla de tradições orientais e ocidentais) .
No início do século XX , devido às inúmeras perseguições policiais
ao entrudo jogado nas ruas , segmentos populares adotaram a forma de

desfile aceito e incentivado pela imprensa da época e pelo poder público


como sinônimo de carnaval " decente ", " ordenado " e " civilizado" . Nesse

momento , houve a proliferação de inúmeros blocos, cordões e socieda

des populares , a desfilar pelas ruas , ao som dos ritmos e das danças de
origens africanas. A elite , a partir de então , retirou - se para os salões ou ,
no caso de desfilar junto ao povo , saía sempre em " destaque ", evidenci
ando sua posição social ou cultural.
FESTAS, CARNAVAIS E EGITO ANTIGO 107

É o terceiro momento de re -significação do carnaval no Brasil , quando


os segmentos populares , novamente , se apropriam do carnaval produzi
do pela elite . Esta , por sua vez, passou a ver no carnaval de rua , mais
uma vez , uma “ decadência dos antigos carnavais ”, mais familiares e res
tritos . Mas foi também o instante em que , pela primeira vez , o carnaval
passou a ser assumido como uma festa popular nacional e , em nosso
imaginário social , encarado como uma festa “ legitimamente popular",
uma das marcas mais visíveis da “ identidade nacional brasileira ”.

Com a popularização dos festejos e a associação ao povo e não mais


à elite, o negro também passou a entender o carnaval como um espaço

para ser visto e ouvido , ou seja, o carnaval passou a ser o lugar em que o
negro poderia expressar suas opiniões e sua visão de mundo . O carnaval

no Brasil passou a ter um significado especial para os descendentes de

africanos, justamente por estar associado a uma história de resistências ,


conflitos e negociações , continuamente evocada .

A ETIÓPIA É AQUI

Não por acaso , as representações associadas ao Egito ou à Etiópia


entre os afro -brasileiros estão sempre relacionadas à exuberância , fartu
ra e riqueza , mas também à resistência política e cultural . Nessas repre
sentações utópicas , um rei negro, poderoso , libertaria todo povo africano
da escravidão e do sofrimento, ou unificaria Ocidente e Oriente . É im

portante salientar que esse rei teria um corpo místico , ou seja , encarnaria
duplamente a soberania secular e religiosa , profana e sagrada . O rei , as
sim como o faraó, virtuoso e justo , seria a encarnação do próprio Deus ,
isto é , o Deus em forma terrena . O rei seria assim um administrador
supremo , como ocorreu no Egito e na Etiópia , recebendo a fidelidade
dos súditos no duplo caráter de rei e de Deus .

Podemos encontrar, na história do carnaval brasileiro, uma das primei


ras referências à Etiópia na figura de seu Lelé , o primeiro Rei Momo Negro
do Areal da Baronesa, bairro antigo e boêmio de Porto Alegre . Na abertura
do carnaval de 1948 , na capitalgaúcha,anunciava - se que seu Lelé haviache
gado diretamente da Etiópia para inaugurar os festejos no Areal, território

carnavalesco essencialmente negro na cidade , desde a época da escravidão .


108 EGIPTOMANIA

Além de seu Lelé , outro velho carnavalesco do Areal também fez

referência à Etiópia por essa época , desta feita na quadra do Bloco Afro

gaúcho Odomodé . Tratava - se de seu Pára- Quedas , que era marinheiro e


dizia conhecer vários países do mundo , inclusive alguns africanos, em
bora lamentasse nunca ter colocado os pés na Etiópia . Antes deles , em
1936 , surgiu a Sociedade Carnavalesca Piratas do Riacho, que organizou
o carnaval de coreto daquele ano , junto ao Areal da Baronesa . Os Pira
tas diziam esperar o desembarque , na Ponte do Riacho , de sua alteza real

Ras Goma , chefe da embaixada , enviado por sua majestade real Hailé
Selassié I , da Etiópia – tratado pelo grupo como “Haí É , o Seilassié ” (Lê
se : " Ai é ? Sei lá se é " ).
0 que pretendiam os Piratas do Riacho com tal trocadilho ? Pôr em

dúvida a decantada origem bíblica de Selassié , tido como descendente


da rainha de Sabá com o rei Salomão ? Ou , na verdade , numa forma

dissimulada e bem- humorada , própria da cultura afro -brasileira, queri


am afirmar a identidade negra com a evocação de uma figura histórica ,
considerada então símbolo de resistência contra a Itália fascista ? A se
gunda hipótese é mais plausível, embora os Piratas não deixassem isso

claro , o que é historicamente compreensível . Afinal, em 1936 , às véspe


ras da implantação do Estado Novo no Brasil , de base fascista, manifes

tar - se abertamente a favor da resistência etíope não seria muito


aconselhável . Principalmente se tal manifestação partisse de um grupo
carnavalesco popular, oriundo de um território negro , composto em sua
maioria por descendentes de africanos.
Da mesma forma, não foi por acaso que , ao ser nomeado Rei Momo

Negro do Areal da Baronesa , seu Lelé identificou - se com um rei negro


vencedor, representante da resistência do povo africano. Neste sentido ,
ao evocar a Etiópia como um símbolo a ser compartilhado pela comunida
de do Areal , tanto seu Lelé quanto os Piratas do Riacho, além de traçarem
uma ligação com as origens africanas, utilizaram um símbolo que remete à
idéia de resistência e de liberdade de todo um povo , oferecendo uma ima
gem positiva a quem era seguidamente associado ao atraso e à selvageria .
Desta forma, o negro afirmou -se como descendente de africano e de

limitou uma fronteira no imaginário local , pela evocação de uma origem


própria , que merece ser preservada na memória do grupo e que é por ele
FESTAS , CARNAVAIS E EGITO ANTIGO 109

compartilhada . Essa origem , que conta uma história repleta de glórias e de


resistências , traz a esperança de igualdade e liberdade para os negros do
mundo inteiro , sejam eles da Etiópia , do Egito ou do Areal da Baronesa .

O REGGAE

Mas não é apenas nos dias de carnaval que a Etiópia mítica é evocada .
O mesmo acontece , e de forma ainda mais evidente , nas letras das músi

cas de reggae, ritmo oriundo da Jamaica e popularizado por Bob Marley


na década de 70. Referências à Etiópia , à Haile Selassié , à terra prometi
da , ao rastafarianismo, à negritude , à libertação e à igualdade do povo
africano são recorrentes nas letras de reggae, ritmo musical que é consu
mido atualmente como cultura de massa , portanto com grande penetra

ção e circulação em rádios , revistas e televisão , chegando a estabelecer


um estilo de vida “ regueiro ". A letra abaixo, da banda Leão de Judá , é um

bom exemplo das referências míticas e utópicas associadas à Etiópia nas


canções de reggae::

A HISTÓRIA

Agora diga que sou Rasta


Agora diga por que Rastaman
Rastafari é cultura
Rastafari é filosofia
É a história de um povo
Muito sofrido esquecido
Um povo que foi seqüestrado
De sua terra que foi Jah que lhe deu
De sua família arrancado
Enviado pra lugares distantes
Entre eles uma ilha
Dominada pela elite inglesa
Serviço duro e obrigado
Simplesmente pra não ser massacrado
Agora diga por que Rasta
Agora diga por que Rastaman
110 EGIPTOMANIA

E muito tempo se passou


E nessa ilha um movimento se formou
Um movimento agregado
De idéias de igualdade e liberdade
E Marcus Garvey avisou
Que ele o novo Cristo voltaria
Na pele de Selassié
Assim no velho livro já dizia
E começaram a acreditar
Na força de Haile Selassié
Imperador da Etiópia
Descendente do rei Salomão
E o brasão de sua família
Era a figura de um leão
O leão de Judah
Que lá estava pra lhe mostrar
A força deste movimento
Movimento Rastaman
Um movimento Rasta
Movimento Rastaman
Rastafari era o nome
De Haile Selassié no seu batismo
Barbas e cabelos bem compridos
Pra parecer - se com o
Leão e seu rugido
Um rugido de paz
Um rugido de fraternidade
Um rugido de igualdade
Um rugido que chama liberdade
Agora digo que sou Rasta
Agora digo que sou Rastaman

A negritude evocada pelo reggae e pelo movimento rastafari, am


plamente apropriada por diferentes segmentos dos afro - descendentes,

lança mão desde as cores do rastafarianismo e do pan -africanismo, que


são as mesmas da bandeira da Etiópia – vermelho , verde e amarelo , uti
lizados em roupas e adereços - até o uso de longos cabelos trançados ,
FESTAS, CARNAVAIS E EGITO ANTIGO 111

como representação simbólica de resistência e identidade . É importante


apontar para a mescla de símbolos, mitos e tradições que envolvem essas
apropriações . ÉO
o caso de bandas e blocos carnavalescos que mesclam os

ritmos do samba , reggae e funk, fundindo fragmentos de diferentes mitos


e símbolos milenares em novas manifestações, em novos contextos his
tórico - sociais, mas sempre permanecendo como símbolos de resistência ,
memória e negritude .
Um trecho do samba- reggae " Faraó divindade do Egito ", do bloco
Olodum , é elucidativo neste sentido , pois mescla diferentes utopias e
simbolismos , associados tanto ao Egito quanto à Etiópia mítica :

Despertai-vos para a cultura egípcia no Brasil


Em vez de cabelos trançados
Teremos turbantes de Tutankamon
E as cabeças enchem- se de liberdade
O povo negro em pé de igualdade
Deixando de lado as separações

É importante observar a recorrência da imagem do rei etíope ou

do faraó egípcio como soberanos associados à unificação do povo africa


no , à liberdade , à igualdade e à resistência negra . No trecho citado , a
fusão de diversos símbolos de negritude e de resistência é evidente, como
no caso de associar os cabelos trançados com os turbantes de Tutankamon .
E , como ensina a própria canção , nessas condições, “ as cabeças enchem
se de liberdade , o povo negro [fica ] em pé de igualdade , deixando de
lado as separações”. Também no samba -reggae “ Denúncia ”, do mesmo
Olodum , percebe - se a mescla de mito e história e a referência a inúme
ros símbolos de negritude do Egito e da Etiópia como traços de resistên
cia e de libertação do povo negro :

Simplesmente ensinando , consciente


Abalando a estrutura mundial
Núbia , Axum e Etiópia resistente
União poderosa e cultural
Olodum revela à comunidade
História que opressor sempre ocultou
112 EGIPTOMANIA

Melenik II venceu a batalha


Travada em Aduá , África negra
Expulsando o italiano de Axum
Livrando - a do colonizador

A sua façanha logo se espalhou


Outro rei importante se tornou
Haile Selassié , é rastafari ê
Reinou na Etiópia , é
Virou filosofia que a Jamaica acolhia
E o reggae surgia , impondo outra forma negra de lutar
Olodum da Bahia , com a força do canto vem denunciar

CARNAVAL, EGITO , ETIÓPIA E A PERPETUAÇÃO DA


MEMORIA AFRICANA

No carnaval de 1988 , boa parte das Escolas de Samba do Rio de


Janeiro resolveu aproveitar a data dos cem anos da Lei Áurea para fazer
o carnaval . Entre elas , encontrava - se a Beija - Flor, com Joãozinho Trinta ,
o detentor de maior número de títulos do carnaval carioca. Doze vezes

campeão , premiado em todas as escolas de samba pelas quais passou ,


Joãozinho diz que, naquele ano , se inspirou no vale do Alto Nilo , nos
povos negros que habitavam a África rica , os sudaneses, os etíopes e
principalmente os egípcios. O carnavalesco teria percebido que a estru

tura da religião egipcia era basicamente a mesma dos ritos yorubás prati
cados pelos negros africanos trazidos ao Brasil como escravos e , assim ,
usou o tema para exaltar a cultura negra .

Dizia então o texto preparado pela Escola para a divulgação do enre


do : “A Beija Flor buscou dar uma outra visão dos negros . Não como pobres
e miseráveis como geralmente são vistos , mas como um povo rico , grandi
oso , que tinha cortes suntuosas e uma estética de encher os olhos de qual

quer europeu . Os objetivos dessa apropriação da cultura egípcia era seguir


a tradição da Beija Flor de trazer para a avenida o negro como um povo
exuberante , cheio de belezas , riquezas e em busca da liberdade ” .
Foi pelos mesmos motivos que a União da Vila do lapi , em Porto

Alegre , levou para a avenida o enredo “ Das orgias do Egito às folias do


Areal”, em que associava a África ao Areal da Baronesa.Na justificativa
FESTAS, CARNAVAIS E EGITO ANTIGO 113

para tal escolha , os carnavalescos da escola assinalaram : “ [ O carnaval]


teve sua origem nas orgias do Egito antigo, quando o povo comemorava
suas vitórias com festividades extravagantes, com muita bebida e comi
da , onde não faltava a dança e a sensualidade imperava livre [ ... ] nobres
e plebeus misturavam - se e se confundiam [... ] ”. Ainda no Rio Grande
do Sul , a Escola de Samba Os Astros de Alvorada levou para o desfile o
tema “ Thoth escriba dos deuses ", novamente remetendo - se à preserva
ção na memória coletiva da importância do Egito , e portanto da África ,
para a história da civilização . Vejamos alguns trechos do samba- enredo:

Tudo começou no Egito


Onde Thoth incorporou

O seu conhecimento naquele grande momento


Suas palavras já começaram a ensinar
Com linguagem divina
O seu poder todos querem observar
E Ísis já mostrava que com suas palavras
Osíris começou a recordar
E vem ...
Vem o deus Rá , senhor do sol
E a deusa Maat mostrando sua beleza
E os faraós com muita ginga desfilando sua nobreza

Na embarcação , sobre as águas do abismo primordial


Se premiava cada homem com recompensa e muita moral
[ ... ]
E chegou ...
Chegou o mensageiro do Egito
Seu nome é Hermes mais um deus de emoção
Com deus Hades no pedaço
O meu recado vai para toda essa nação .

É interessante notar que , mais uma vez , aparece o apelo à unidade


do povo africano, no caso identificado como “ toda essa nação ” . E nova
mente florescem imagens da monarquia , deuses, beleza , sensualidade ,
igualdade e faraós, estes representados como nobres justos e virtuosos ,
que premiavam " cada homem com recompensa e muita moral” .
114 EGIPTOMANIA

A monarquia , de forma mais recorrente e abrangente , está presente

em diversos momentos da festa carnavalesca e , também, em muitos sam


bas - enredo das atuais escolas de samba . Os reis e rainhas são associados
à divindade e ao mesmo tempo à justiça terrena , porém , mais do que um

rei específico, o que importa realmente é a dialética entre sacro e profa


no que a imagem da monarquia incorpora , ou seja , a relação com o sa
grado , a incorporação divina do rei e sua administração terrena justa e
igualitária , que remete a figuras míticas, como o rei Salomão , a rainha de
Sabá , o rei Baltazar, os faraós, entre outros .
Esses reis míticos , relacionados à história do povo africano , são asso

ciados muitas vezes a outros líderes que foram importantes na história


do povo africano e seus descendentes,como o rei Zumbi,Ganga - Zumba ,

o príncipe Custódio , dom Obá , rainha Ginga , Chico Rei , entre outros,
que reincorporariam esses atributos sacro - profanos e de luta pela justiça ,
igualdade e liberdade do povo africano e de seus descendentes .
É o caso também do samba - enredo “ Salomão e Sabá nas 1001 noites

de Bagdá”, levado para a avenida pela Academia de Samba Puro , do


Morro da Conceição , no carnaval de 2000. Na justificativa dos carnava
lescos para a escolha do tema , lê - se : " O romance entre o rei Salomão e
Belquis , a rainha de Sabá , envolve lendas e fatos históricos, povos envol
vidos e acontecimentos da época , servindo de motivação para o desfile.

Em seus 15 anos , a Samba Puro busca a paz que era o grande ideal do rei
judeu ”. Novamente surgem símbolos que nos remetem à Etiópia , à resis
tência, à utopia de paz , de igualdade , de liberdade do povo africano.
Desta forma temos uma África oriental mítica , utópica , milenar, presen

te na cultura afro -brasileira, mas cujos traços podem ser igualmente observa
dos em vários pontos do planeta . Temos a representação dessa África oriental
mítica desde a época da expansão do Império Romano , que expande também
o próprio cristianismo e suas utopias . Percebemos, então , a busca por um rei
negro cristão durante a Idade Média e Idade Moderna. Encontramos o pró
prio rei Salomão , que dá origem ao povo judeu da Etiópia , e visualizamos a
simples,mas profunda, relação entre a palavra Etiópia e utopia . Essa relação
engloba , no ideário do povo negro , a utopia da igualdade , da liberdade , da
unificação do povo africano , bem como do Oriente e Ocidente , na evocação
de um retorno à Idade de Ouro , à terra prometida, à unidade perdida .
FESTAS, CARNAVAIS E EGITO ANTIGO 115

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Representação de Hórus, um dos principais deuses egipcios:
a Ordem Rosacruz é abertamente inspirada no misticismo do império dos faraós
A ORDEM ROSACRUZ E

A ARQUITETURA EGÍPCIA

Moacir Elias Santos

Thiago José Moreira

Vivian Noitel Valim Tedardi


Aparent emente
parenteme , é como se estivéssemos dentro de uma
&
nte, autèntica tumbo
una autêntica tumba

do antigo Egito . Nas paredes , uma profusão de hieróglifos e pinturas com


motivos sagrados convida os visitantes do Museu Egipcio e Rosacruz, em
Curitiba , a imaginar- se em uma verdadeira viagem no tempo . São duas sa
las interligadas , que procuram reproduzir a atmosfera de uma antecâmara e
de uma câmera funerária, cenários inspirados nas construções originais da
necrópole tebana !

Porém , a maior surpresa reservada ao público que visita esse museu está
mesmo no centro da segunda sala , onde vê - se a múmia de uma mulher,
Thotmea , que teria vivido no final do Terceiro Período Intermediário ( 1070
a 712 a.C. ) ou no início do Período Tardio ( 712-332 a.C. ) . A múmia , au
têntica , chegou ao Brasil em 1995 e é a única existente em toda a região sul
do país . Ao fundo, no mural, vê - se a cena da mítica pesagem do coração dos
mortos por Maat – a deusa da Lei, da Justiça , da Ordem e da Verdade - ,
conforme a crença egípcia .

O Museu de Curitiba é um exemplo claro da forte inspiração que o antigo


Egito representa para os seguidores da Ordem Rosacruz, organização inter
nacional de caráter místico - filosófico. Sabe - se que o fundador da Rosacruz

nas Américas , Ralph Spencer Lewis , nutria manifesta admiração pela cul
tura faraônica. Seus discípulos , até hoje , realizam viagens e peregrinações
“místico - culturais” ao Egito, quando procuram se impregnar das “ emana
ções ” que supostamente recebem daquela milenar civilização.
Tão forte influência se reflete, inevitavelmente, na decoração e na

arquitetura dos templos Rosacruz espalhados pelo mundo . O próprio Museu


Egípcio , em Curitiba , é apenas uma das seis construções - todas com ele
mentos que remetem diretamente ao Egito - localizadas no chamado Bos

que Rosacruz, na capital paranaense . O conjunto arquitetônico abriga a


120 EGIPTOMANIA

...3

A múmia de Thotmea, pertencente ao acervo do Museu Egipcio e Rosacruz em Curitiba

Grande Loja do Brasil , sede nacional da Ordem , que existe no Brasil desde
1947. Essa organização surgiu , em nosso país , inicialmente em São Paulo ,
por iniciativa de um grupo de estudantes rosacruz . Em pouco tempo , no
vos núcleos se estabeleceram , especialmente no Rio de Janeiro ( 1951 ) e
em Belém ( 1954 ) . Inicialmente associados à Suprema Grande Loja, em San
José , EUA , esses grupos se organizaram e trabalharam para finalmente fun
dar, em 1956 , a Grande Loja do Brasil , cuja sede foi instalada no Rio de
Janeiro e , em 1960 , transferida para a capital paranaense , após receber como

doação dois terrenos no bairro curitibano de Bacacheri . Com a formação


da Grande Loja do Brasil , os grupos de afiliados multiplicaram - se e hoje
estão presentes , praticamente , em todo o território nacional .

O Bosque Rosacruz abriga os prédios do templo ,da sede administra


tiva , do auditório H. Spencer Lewis , do Memorial Rosacruz, do Museu
Egípcio e da Biblioteca Alexandria . Dessas edificações, o templo , o pré
dio da administração e o auditório foram planejados e construídos inspi
radas em formas egipcias. O museu e a biblioteca funcionam em casas
que já existiam antes e foram posteriormente adaptadas . Já o memorial é
um caso à parte . Trata -se de uma cópia exata do Santuário de Akenaton,
construção erguida no Parque Rosacruz em San José , Califórnia .

Se a egiptomania é a utilização de símbolos e elementos do antigo


Egito, aos quais são atribuídos novos usos e significados, essas edificações
A ORDEM ROSACRUZ E A ARQUITETURA EGÍPCIA 121

da Grande Loja , em Curitiba – bem como a sede dos organismos afilia


dos , espalhados pelo Brasil – constituem um exemplo claro . Os seis pré
dios do Bosque Rosacruz , inspirados na arquitetura egípcia , embora
contenham elementos correspondentes a padrões canônicos da arte an

tiga , possuem também representações meramente decorativas , que aca


baram servindo de modelo para os demais prédios dos Organismos
Afiliados à Grande Loja.

No memorial, a decoração das paredes , tanto externas quanto inter


nas , é feita por uma coleção de hieróglifos que atraem o olhar do visitante ,
mas não possuem nenhuma ordem semântica . Foram escolhidos aleatori

amente e , assim , não podem ser lidos mesmo por um conhecedor dos si
nais da antiga escrita egípcia. Na verdade , da forma como foram dispostos
ali , tais hieróglifos nada significam . Além disso , também são encontrados
entre eles alguns sinais que foram simplesmente criados , não

correspondendo a nenhum símbolo existente na escrita egípcia original .


O Portal de Akenaton ,uma das entradas do templo sagrado da Rosacruz
em Curitiba , apresenta cenas e hieróglifos que igualmente contêm falhas
evidentes na representação . Além disso , percebe - se um anacronismo , pois
a imagem de Akenaton, o faraó que elevou Aton à categoria de deus único
e perseguiu praticamente todas as divindades do antigo Egito , convive ali
pacificamente com outros deuses , tais como Ptah , Min e Hathor.
Ainda no portal , em meio aos hieróglifos que aparecem em pratica
mente todas as cenas , vê - se sinais estilizados e idealizados , que nova
mente não possuem qualquer significado, embora alguns hieróglifos sejam
sistematicamente mais utilizados pelos rosacruzes , a exemplo do símbolo
da " vida", ankh; do sinal do Olho de Hórus , udjat, cujo significado é
“ proteção ”; e do cetro uas , que denota “ poder ”.
Não há dúvida de que o conjunto arquitetônico Rosacruz em Curitiba
tenha realmente servido de referência para a construção dos prédios dos
demais Organismos Afiliados da Ordem , ou seja , os chamados Pronaus ,
Capítulos e Lojas. Mas a despeito disso - e do fato de que boa parte dos
locais de reunião dos rosacruzes se originaram de construções pré- exis
tentes ou foram edificados com poucos recursos – alguns destes organis
mos apresentam uma arquitetura “ inovadora ”. É o caso da Loja Goiânia ,
edificada na forma de duas mãos postas como se estivessem em oração .
122 EGIPTOMANIA

TEMPLOS SIMULAM CONSTRUÇÕES EGÍPCIAS

A arquitetura templária original no antigo Egito era bem variada . Con

tudo , o templo mais conhecido é mesmo o do tipo axial. Neste , encontra - se


umasucessão de pátios e salas internas , que culminamem um santuário , onde
a imagem de um deus permanecia guardada na capela . Na entrada desse tipo
de templo existiam os pilones , estruturas em forma de maciços trapezoidais
inclinados . Os pilones representavam as montanhas de Manu , que por sua
vez simbolizavam o horizonte oriental , onde o deus - sol surgia ao amanhecer.
Na parte superior, e também acima dos portais, era comum a presença de um
remate característico da arquitetura egípcia , a cornija, isto é , molduras côn
cavas , lisas ou gravadas , também chamadas de “gola egípcia” .

Entre as formas arquitetônicas egípcias mais adotadas pelos prédios da


Rosacruz no Brasil , está justamente o pilone , acompanhado ou não de cornijas.
Em alguns edifícios dos Organismos Afiliados, há a clara tentativa de imita

ção de cornijas, elementos arquitetônicos de difícil execução e que , talvez por


isso, freqüentemente se apresentamem formas quadradas e não côncavas como
as originais egípcias e as réplicas das construções da Grande Loja de Curitiba.

Embora os suntuosos templos faraônicos forneçam grande inspira


ção para a maioria dos prédios da Rosacruz, pode - se encontrar, ainda
que em menor número , algumas referências às construções funerárias do

antigo Egito . A estrutura da mastaba, por exemplo , muito comum du


rante o Reino Antigo , serviu de modelo para a sede da Ordem em Brasília ,
enquanto as sedes de Caxias do Sul , Feira de Santana , Tupã e Juiz de

Fora preferiram utilizar a forma de pirâmide na estrutura dos prédios .


Mastaba é uma palavra de origem árabe que significa “ banco ” , nome
dado a esse tipo de monumento devido à sua forma trapezoidal baixa . No
antigo Egito , as mastabas eram formadas por duas estruturas : a externa (ou
superestrutura) e a interna (ou infra - estrutura ). A parte externa era visí
vel , ficando acima do solo , e , muitas vezes , continha uma capela – visitada
pela família do morto , que depositava oferendas a ele . Havia também um

serdab , palavra árabe que significa " cela ”, e pode ser descrita como uma
câmara secreta, onde ficava a estátua do morto . A parte interna da tumba
era composta por um poço vertical cujo interior levava a uma câmara fu
nerária que guardava o sarcofago ou o ataúde contendo a múmia .
A ORDEM ROSACRLIZ E A ARQLIITETURA EGÍPCIA 123

Já a pirâmide era uma tumba de uso quase exclusivo do rei e de


membros de sua família. O faraó Djoser (c . 2630-2611 a.C. ) solicitou a
seu arquiteto , Imhotep , que elaborasse um complexo funerário suntuoso
com uma mastaba de três degraus ao centro . Entretanto , tal estrutura foi
alterada diversas vezes , ao longo do reinado de Djoser. As modificações
promovidas pelo arquiteto real ocasionaram ampliações que culmina
ram na criação de uma estrutura escalonada , a primeira pirâmide
construída , denominada atualmente “ Pirâmide dos Degraus”.
Os faraós que seguiram a dinastia de Djoser tomaram emprestada tal for

ma e passaram a utilizá - la em seus monumentos funerários.Essas edificações


despertam , há milênios , a atenção e a curiosidade das nações ocidentais de
vido à magnífica engenharia , sendo consideradas símbolo do antigo Egito.
Daí não ser nenhuma surpresa sua adoção pelos rosacruzes, que também lan
çam mão de obeliscos e esfinges para ornar prédios e templos.
A reutilização de símbolos e elementos arquitetônicos do antigo Egi
to nas fachadas dos edifícios rosacruzes ecoa , no presente , como uma

espécie de reverência ao passado , que aos olhos ocidentais tornou - se


sinônimo de algo grandioso e inspirador. A própria preservação dos mo
numentos em pedra construídos para a eternidade , as imensas estátuas
de seus governantes e deuses , que fitam o infinito com tão serena confi

ança , contribuíram para a formação de uma imagem de mistério , um


mundo mágico visível e ao mesmo tempo oculto nas areias do deserto ,
no imaginário popular. E foi justamente essa imaginação um dos fatores
responsáveis pelo fenômeno da egiptomania .

O TEMPLO

É o mais imponente edifício do conjunto e reproduz um templo egípcio

antigo , embora algumas adaptações e liberdades sejam evidentes . Dois


pilones -- maciços em forma de trapézio - , de dimensões monumentais ,

ladeiam a entrada principal . No centro , está o Portal de Akenaton , de


corado com diversos símbolos e cenas . Junto à cornija, há uma imagem
do disco solar alado , ladeado por duas serpentes uraeus – nome latino

usado para a cobra naja sagrada , símbolo da realeza e dos deuses , daí seu
uso constante sobre a fronte das imagens .
124 EGIPTOMANIA

Fachada do Templo Rosacruz, em Curitiba : reprodução de construção típica do Antigo Egito

Dominando a cena principal do portal , vê - se a representação de Aton ,


o deus - sol . Logo abaixo , a representação de um altar, do qual surgem seis
serpentes coroadas com discos solares , responsáveis pela sustentação de
uma pira acesa . À direita , está Akenaton , e , à esquerda , a rainha Nefertiti,
acompanhados pelas seis filhas e por duas serviçais femininas que , nuas ,
uma de cada lado , portam abanadores sobre a família do faraó.

Nas extremidades , há outras duas cenas igualmente curiosas . No


lado esquerdo, uma menina levando nas mãos o que se supõe ser uma
lira precede a imagem de um rei correndo, que traz consigo um vaso para
libação . A imagem está diretamente ligada à realização do ritual que

ocorria durante a festa hebsed , o chamado Jubileu , realizado pelos faraós


aos trinta anos de reinado e destinado a fortalecer seus poderes como
governante . A data do Jubileu , contudo , não era rígida . Alguns faraós
antecipavam a celebração , principalmente por razões de ordem política .
Acena da outra extremidade contém a imagem de um faraó com a atef,
a coroa branca do Alto Egito , ladeada por plumas de avestruzes e encimada
por chifres de carneiros, característica de Osíris, o deus que governa o ou
tro mundo . O faraó oferece um objeto a Min , deus da fertilidade. No alto ,
um abutre estende as asas sobre a divindade , em sinal de proteção .
Os quatro registros menores que estão sobre os umbrais apresentam
cenas diversas . O detalhe é que os hieróglifos ali presentes são , mais uma

vez , meramente decorativos . A primeira cena , no lado esquerdo , mostra


A ORDEM ROSACRUZ E A ARQLIITETLIRA EGÍPCIA 125

ile

BOG

O Portal de Aketanon, decorado com símbolos e cenas egipcias, com destaque para Aton
126 EGIPTOMANIA

um faraó entronizado com o cetro uas e o símbolo ankh nas mãos , que

significam respectivamente “ poder ” e “ vida”. Sobre ele , tal como ocorre


com o deus Min , há um abutre com asas abertas .
A cena inferior contém cinco imagens femininas. Ao centro , há uma

rainha , identificável somente pela coroa que traz consigo . As duas mulheres
que a precedem carregam abanadores , enquanto as duas últimas trazem nas
mãos ramos de palmeira . O outro registro apresenta seis mulheres em sinal

de adoração , sendo que a primeira e a última aparecem ajoelhadas e as de


mais , em pé . O último registro do lado esquerdo nos mostra um faraó sobre
uma biga puxada por cavalos. Às costas do rei, o deus Aton estende seus raios.
A primeira cena do lado direito contém a imagem de três deuses.Ao
centro , sentado sobre uma grande flor de lótus , está Harpócrates , nome
grego do deus Hor (ou Hórus) menino . Frente a ele , está o deus protetor
dos artesãos , Ptah , de aspecto mumiforme, coroado com o disco solar
entre chifres bovídeos. Por último , atrás de Harpócrates , encontramos
Hathor , deusa do amor e dos divertimentos. Ela aparece com o dorso nu
e com a coroa característica , idêntica à de Ptah .

Na segunda cena , abaixo , a deusa Hathor conduz uma rainha , que


usa a coroa em forma de abutre , à presença de uma figura feminina com
um toucado nemes , que se encontra sentada sobre um tamborete . No

terceiro registro estão Akenaton e Nefertiti, em pé , junto a dois servicais


que elevam as mãos em direção ao rei. Na última cena , três figuras femi
ninas estão sentadas ao chão . Uma delas , a primeira , aparece tocando
harpa . Em ambos os lados do portal , junto à base , vê - se a representação
estilizada de uma touceira com papiros .

PRÉDIO DA ADMINISTRAÇÃO

Essa construção possuiu fachada simétrica, com um grande pilone ao cen


tro . Em ambos os lados da porta, cuja parte superior apresenta uma cornija pin

tada de marrom escuro , há a figura de um faraó ou uma representação do deus


Atum, portando a coroa dupla e sustentando nas mãos o símbolo anke o cetro
uas. Na parte superior, vê - se o símbolo da Ordem Rosacruz dentro do disco

solar alado, no qual se funde a representação do deus Aton - o disco com raios
terminando em mãos. Sobre essa imagem há as iniciais da ordem : "AMORC ”.
A ORDEM ROSACRUZ E A ARQLIITETUIRA EGÍPCIA 127

ARC

Colunas papiformes decoram a fachada do prédio da administração da Ordem Rosacruz

Na fachada há ainda quatro colunas papiriformes com umbelas fecha


das , duas de cada lado , decoradas com detalhes em azul claro e escuro . Tais

colunas sustentam as laterais que surgem a partir do pilone central . Na parte


superior, de ambos os lados , há três símbolos ankh . Nas laterais da fachada ,
ao redor de todo edifício, bem como na área de separação da cornija, são
vistos ornatos cilíndricos pintados em marrom escuro . A parte superior de

todo o prédio também está emoldurada por uma cornija lisa .

O AUDITÓRIO

Esse edifício possui fachada constituída de um grande pilone , cuja parte

central contém uma reentrância em que estão dispostas seis colunas , três
de cada lado . As colunas são de estilo papiriforme e os detalhes da decora
ção foram pintados de azul - escuro e azul - claro . Na parte central há uma
porta dupla , cujos umbrais são arrematados com ornatos cilíndricos , e uma
cornija na parte superior. A superfície da porta foi decorada com as ima
gens , em relevo , de duas figuras masculinas douradas , usando saiotes com
128 EGIPTOMANIA

No auditório da Ordem Rosacruz, as colunas papiformes


mais uma vez fazem referência explícita à arquitetura egipcia

orlas curtas e portando cajados nas mãos . Logo acima das colunas obser
va- se uma moldura preenchida com uma seqüência de quarenta e nove
símbolos ankh . Está separada da cornija por um ornato cilíndrico, pintado
de marrom escuro , que também aparece nas laterais do edifício .

O MEMORIAL

O Memorial Rosacruz assemelha - se a um quiosque, pois as laterais


são completamente abertas , bem como o teto . A fachada desse edifício é

formada por uma entrada , à que se tem acesso por uma rampa , decorada
com símbolos da vida , que está sobre um pequeno lago . As paredes , nas
laterais , possuem a forma de talude , isto é , um muro cuja base é mais
larga que seu remate .
A parede externa da entrada , à direita , apresenta duas linhas com
hieróglifos, na vertical, e um encavo com a imagem do faraó Akenaton
adorando o deus Aton (cena certamente inspirada no fragmento de ba
laustrada , conservado no Museu do Cairo ). Abaixo dessa figura seguem
seis linhas horizontais , sobrepostas , com hieróglifos.
No lado esquerdo da porta a seqüência com hieróglifos se repete .

Entretanto , a figura representada não é a de Akenaton , mas da rainha


Hatshepsut ( c . 1473 - 1458 a.C. ) , protegida pelo deus Amon (cena ins
A ORDEM ROSACRLIZ E A ARQUITETURA EGÍPCIA 129

pirada em um obelisco que se encontra caído em Karnak) . Essas imagens


também se repetem nas outras laterais do edifício . Na parte interna do
memorial há doze linhas sobrepostas , contendo inscrições hieroglíficas
que , muitas vezes , reproduzem os símbolos de maneira aleatória . Nas

aberturas laterais há oito colunas em estilo papiriforme , sendo dispostas


quatro de cada lado da construção . A decoração das colunas , na base e
no capitel , foi executada em azul claro e azul escuro .
Nas laterais do edifício, bem como na área de separação da cornija, há

ornatos cilíndricos, pintados em marrom escuro . Vê - se também , na parte


superior, uma moldura formada por linhas paralelas que contornam todo o
quiosque . No cume da construção destaca - se uma cornija, que emoldura
todo o conjunto . Neste ponto há um revestimento com calhas , também
pintadas de marrom escuro . Ao centro está localizado o cume de uma pirâ
mide feita em mármore branco , cuja base forma uma câmara subterrânea ,
a que se tem acesso por uma escada . Nas laterais estão dispostas as palavras

“ amor ”, “ luz” e “ vida”, e na quarta face da pirâmide há o símbolo rosacruz .

No Memorial, como nos outros prédios da Rosacruz, hieróglifos reproduzem símbolos aleatórios
130 EGIPTOMANIA

Construção anterior à implantação da sede ganhou aspecto egipcio para abrigar o museu

O Museu EGÍPCIO E ROSACRUZ

A fachada do museu não segue a construção de um templo egipcio,


mas de um túmulo do tipo mastaba, trapezoidal . Essa forma aparece em
parte do telhado , à frente, e também na lateral esquerda do edifício . O

portal de entrada também possui estilo egípcio , com paredes em forma


de talude , emolduradas na parte superior por uma cornija.

‫הניי‬

A biblioteca também foi adaptada de construção anterior: cornija e trapézio na entrada


A ORDEM ROSACRUZ E A ARQLIITETLIRA EGÍPCIA 131

A BIBLIOTECA ALEXANDRIA

Adaptada de uma construção já existente, à fachada retangular ori


ginal foi adicionado um ornato cilíndrico nas quinas e , sobre esse , uma
cornija lisa . O toque de harmonia foi dado com a criação de uma moldu
ra trapezoidal para a porta de entrada , pintada de marrom escuro , cuja
extensão , acima do telhado, segue as linhas de uma pequena torre , tam
bém decorada com um ornato cilíndrico encimado por uma cornija .

NOTA

1. Agradecemos ao acadêmico de história e estagiário do Museu Egípcio e Rosacruz, José


Armando Basseti Neto , pelo auxílio na reunião das imagens utilizadas.Agradecemos tam
bém à profa. Rosicler Antoniácomi Alves Gomes pela revisão técnica do artigo .
as
vilh
Mara
do
doMun

ROYAL

as Pirâmides

do Egito ...

e a máquina de escrever

ROYAL

LIVRARIA DO GLOBO REPRESENTAÇÕES RUA DOS ANDRADAS, 1436


PORTO ALEGRE

A esfinge, numa alusão à sabedoria eterna, ajuda a vender até máquina de escrever.
Anúncio publicado na década de 1950. na Revista do Globo
MARKETING E EGITO

Margaret Bakos

Márcia Raquel Brito

Marcelo Chechelski

Flávia M.Dexheimer
Pira mide S / A ou Pirâmide Ltda . Existem , pelo menos, cerca de 235
irâmide
estabelecimentos comerciais no Brasil que ostentam este nome em suas

tabuletas e placas de néon. São empreiteiras , colégios , papelarias , gráfi


cas , escritórios de contabilidade , lojas , mercearias e até mesmo motéis . E
não são menos de 25 as empresas do país batizadas em homenagem a
alguns dos mais conhecidos faraós do antigo Egito , construtores de duas

das três grandes pirâmides de Gizé : Queóps e Miquerinos . Imagina - se


que , pelo mesmo motivo , sejam igualmente comuns , no Brasil , empresas
registradas com nomes de deuses egípcios. Os mais lembrados são Hórus ,
uma das representações do deus - sol ; Rá , a maior de todas as divindades

do Egito antigo ; e Anúbis , o deus representado por um chacal ' .

Tais números e informações, detalhados mais adiante , foram


coletados durante a fase de pesquisa do projeto que resultaria na publi
cação deste livro . Por meio de questionários , apurou - se também que
publicitários , proprietários de estabelecimentos comerciais e fabricantes
de produtos, quando decidem utilizar elementos egípcios na divulgação
de seus negócios , o fazem , na maioria dos casos , baseados em uma esco
lha refletida.? Procuram encontrar, nos símbolos egípcios , um eficaz apelo
de marketing, que supostamente representaria garantia extra para o su
cesso dos empreendimentos .
As figuras das esfinges e das pirâmides , por exemplo , foram apontadas
pelos entrevistados como símbolos que remetem imediatamente à solidez ,
grandeza , durabilidade , ascensão , sabedoria , perfeição, segurança , força,
fascínio , proteção , sedução , magia , energia positiva, mistério e , também ,
popularidade. Que conjunto de outros atributos poderiam ser mais ade
quados , por exemplo , para consolidar a imagem de credibilidade de uma

empresa do ramo , digamos , da construção civil ? Não é à toa , portanto , que


136 EGIPTOMANIA

além de ostentá - la no próprio nome de fantasia da firma, grandes constru


toras façam uso constante da pirâmide -- e de outras referências ao mundo
egípcio - para batizar empreendimentos imobiliários específicos.
Na cidade de Bento Gonçalves , Rio Grande do Sul , por exemplo , a
Pirâmide Empreendimentos Imobiliários nomeou alguns dos edifícios
erguidos por ela com os nomes de Quefrén, Ibis , Ramesés I , Apis , Isis ,
Amon - Rá , Hórus , Tutmosis, Queóps . Exemplos similares são encontra
dos em outras cidades , de norte a sul do Brasil . Apenas para citar mais

um exemplo , em João Pessoa, a Construtora Pirâmide batizou seus edifí


cios de la Pirâmide , 2a Pirâmide , 3a Pirâmide e assim por diante ..
No caso da construtora de Bento Gonçalves , segundo informaram
seus proprietários , buscou - se um nome que “ pudesse identificar o pro
duto e sua finalidade com a solidez e a segurança que a arquitetura das

milenares pirâmides do Egito têm legado ao mundo ”. Um dos diretores


da Pirâmides Empreendimentos afirmou que considera o Egito antigo

um exemplo excepcional para o setor, exatamente pela perenidade de


suas construções . " O conheci

mento do que foi essa cultura é


de excepcional importância para
os nossos dias”, observou.3

Assim , temos aqui um fenô


meno típico da egiptomania. A
pirâmide - que foi, na origem, o
ponto principal dos complexos
funerários dos reis egípcios – teve

sua imagem reutilizada na divul

gação de serviços e produtos con


temporâneos, atribuindo -se a ela
um sentido bem diverso do ori

A pirâmide, símbolo da resistência ao


tempo, em monumento comemorativo ag
centenário da cidade de Santiago ( RS )
MARKETING E EGITO 137

ginal . Ou seja , ao lançar mão daquele que é considerado um dos princi


pais símbolos egípcios, houve a nítida intenção de agregar aos produtos

valores como perenidade , solidez , credibilidade e sabedoria . A mesma


apropriação simbólica pode ser constatada na imagem seguinte em que a
pirâmide foi utilizada em um monumento que assinala os cem anos de
fundação da cidade gaúcha de Santiago .
Mas não é só no setor da construção civil que a pirâmide é freqüen
temente utilizada para passar ao público consumidor o conceito de soli
dez e credibilidade . Em nossa pesquisa , encontramos a mesma forma
geométrica , sempre associada à civilização egípcia, compondo logotipos
e logomarcas de diferentes estabelecimentos comerciais, das mais varia
das áreas do mercado, em pelo menos 21 estados brasileiros . Este , é lógi
co , não é um fenômeno nacional e se repete em outros países do mundo .
Segundo o especialista em marketing Gilbert Strunck4 , decisões de
compras e de contratação de serviços são muitas vezes tomadas por im
pulso , de forma irracional , quase instintiva . Nessas ocasiões , quem pos
sui dinheiro suficiente vai preferir comprar produtos ou marcas com que

se identifique ou em que confie. Tais disposições afetivas são natural


mente fortes em relação ao antigo Egito , cujas imagens de construções
grandiosas fazem parte do imaginário ocidental há séculos, sendo trans
mitidas tanto pelas escolas como pelos meios de comunicação de massa.

A propósito , o proprietário de uma lanchonete , situada na periferia


de Porto Alegre, contou , com espontaneidade , sobre a influência dos
conhecimentos adquiridos na escola a respeito da grandeza dos reis egíp
cios na hora de escolher do nome do seu estabelecimento . Não teve
dúvidas : batizou o empreendimento de “ Faraó ” e , na placa da fachada,
pôs o popular Garfield , o gato do desenho animado e das tirinhas de
jornal , devidamente paramentado em trajes egípcios .

Ainda no ramo da alimentação, um antigo anúncio do extrato de


tomate Peixe , publicado na década de 1950 na gaúcha Revista do Globo ,
exibe a imagem de uma esfinge, considerada universalmente símbolo de
durabilidade e sabedoria . Segundo o anúncio, o cozinheiro Gostofino,
figura criada especialmente para a difusão do produto , teria encontrado
no Egito o professor Sa Bidoff que , caracterizado de arqueólogo, há anos
procurava, em vão , desvendar o segredo da esfinge.
138 EGIPTOMANIA

O Cozinheiro " Gostofino "

visita o Egypto

PasoEla que Gontolino encontrou o grande profesor


Bidoff. que li annns.procurava de vendar o segredo da Ephine
Bidos cataru ezhausto e cada de solucionar o problema

IDEA ! B

2 genie ! Gostolino resolveu ausiliar o professor Sa Biol .


Preparou lhe um orcylento Spaghetti Com Extracto de
Tapete Marca PEIXEU , rumo todos sabem contes precisam
vitaminas A , B , C G d.orate maduro , e é o unico cricentrado
baixa temperatuta per poco esclusivo

EUREKA !

" OB .. ! clana S & Bidor. Con este maravilhoso


ponto chucodotrdo da Eaptinge ueber
In via Comer bem peatus .
epper to citos com Extracto de Torre Marco PEIXE ?"
TA
RECEI :
POXE AO MACARRÃO
aM E
trand PERE.
n
Te Wa rre
a
n wadada

. d.

EXTRACTO DE TOMATE

PEIXE

Na publicidade de extrato de tomate, o arqueólogo descobre o " segredo da esfinge "


.
MARKETING E EGITO 139

Gostofino, prestativo, resolveu auxiliar o eminente professor naque


la missão , preparando - lhe um suculento espaguete com molho de toma
te . Ao final, o professor Sa Bidoff agradece o cozinheiro e comenta : “ Com
este maravilhoso prato , cheguei à conclusão do segredo da Esfinge, que é

também o segredo da longa vida : comer bem , pratos saudáveis e apetito


sos , feitos com extrato de tomate Peixe ” . A mensagem é clara : associar o
produto a um conceito de alimentação saudável e , por extensão , de vida
longa, representada pela perenidade da construção milenar egípcia.
Conforme a professora Maria Helena Castro Steffens, da PUC -RS,
que analisou as publicidades na Revista do Globo, de circulação nacional
e impressa na capital gaúcha entre 1929 e 1967 , é preciso perceber nos
anúncios o papel dos discursos breves . Daí a importância da relação feita
também entre a ingestão de uma comida bem preparada e saborosa com
produtos de marca específica, e a capacidade do professor Sa -Bidoff de
decifrar um enigma que subsistira milênios a fio .

Já outro anúncio , da máquina de escrever Royal, de fabricação norte


americana , busca estabelecer uma relação de confiança entre os leitores e o
produto anunciado por meio da mesma idéia de sabedoria eterna , associada
universalmente à cultura egípcia . Publicada também na Revista do Globo, a
publicidade lembra que as pirâmides do Egito estão incluídas na lista das
Sete Maravilhas do Mundo Antigo , ao passo que a Royal seria uma das Ma
ravilhas do Mundo Moderno . A esfinge aparece , em primeiro plano , como

avalista da confiabilidade do produto , resultando num anúncio expressivo


e bem construído para os padrões do mercado publicitário da época .
A esfinge esteve presente também em um anúncio do fortificante

Emulsão Scott, publicado no jornal A Noite, em 1941 , do Rio de Janeiro . A


ilustração mostra a figura de uma criança pequena, sorridente e de aspecto

saudável , segurando uma embalagem do produto . Ao fundo, altaneira e


dominando o cenário, destaca - se a imagem emblemática da sabedoria hu
mana. O monumento está , então , visualmente associado ao conjunto, em
prestando a ele uma presença protetora , diferente da imagem da esfinge
grega : um monstro que devora suas vítimas . Para fortalecer a ligação, existe
um texto curto , enfático , cujo vocabulário era emprestado da pedagogia de
então : “ Siga o exemplo de muitas gerações e fortaleça os seus filhos com a
Emulsão de Scott".
140 EGIPTOMANIA

SIGA O

EXEMPLO

DE

MUITAS

GERAÇÕES

SCOTTS

EMULSION

ENULSAD
SCOTT

o
FRASCO
GRANDE FORTALECA OS SEUS FILHOS COM
E
MUITO
MAIS
ECONOMICO
SCOTT

No anúncio, o imaginário sobre o Egito se une ao discurso pedagógico típico da época


MARKETING E EGITO 141

O EGITO EM LOGOTIPOS

Dizem os especialistas em publicidade e propaganda que um bom


logotipo , necessariamente , terá que provocar no consumidor sugestões e
associações com valores e conceitos que se quer atribuir à empresa que o

utiliza . Mais uma vez , o imaginário em torno da civilização egípcia entra


aqui em ação , com toda a força simbólica que lhe é característica. Nossa

pesquisa também identificou 29 estabelecimentos comerciais que utili


zam o nome Osíris, 21 que fazem referência a Hórus ; 21 chamados Papi
ro , 20 Ísis , quatro Anúbis ; seis Aton ; quatro Saita ; quatro Tebas. Em
logotipos, foram identificados quatro que utilizam esfinges e quatro re
presentando obeliscos 5 .

Enviamos 343 cartas aos proprietários desses estabelecimentos e re


colhemos cerca de 10 % de respostas dos dirigentes de empresas bem
sucedidas em seu ramo de atuação. Eles confirmaram que utilizaram ele
mentos da antigüidade egípcia nos seus logotipos ou nomes fantasia ci
entes dos significados originais . Expressivo número de empresários, com
raras exceções , fizeram ainda uma ligação com a significação mágica en
tre o sucesso dos seus negócios e a carga positiva dos nomes ou símbolos
utilizados na representação. Em algumas entrevistas, o processo de esco
lha dos nomes foi explicado com simplicidade. Em outras , foram utiliza
das como referência informações históricas sobre o Egito antigo ,
adquiridas em geral na escola , mas também no contato com familiares e
na literatura especializada , buscada por iniciativa dos empresários.
A pequena coleção de cartões de visitas que se segue serve para de

monstrar a criatividade do uso das imagens e dos símbolos egípcios do ponto


de vista gráfico. Mas também para evidenciar, do ponto de vista do imagi
nário coletivo sobre o Egito , a linha tênue que separa a ciência da fantasia.
Quando iniciamos , em 1995 , a pesquisa sobre traços da cultura egípcia
antiga no imaginário brasileiro , procedendo ao levantamento de refe
rências a elementos daquela civilização em publicidades nacionais , sabi
amos que estávamos diante de um campo de investigação virgem e
promissor. Nossas expectativas se demonstraram plenamente verdadei
ras . No entanto , até por isso mesmo, há ainda um longo percurso a ser
percorrido nesse sentido.
142 EGIPTOMANIA

VIDRAÇARIA PIRÂMIDE LTDA.


IMOBILIARIA
Colocação de Vidros, Espelhos, Quadros,
Box p/ Banheiros, Vidros Temperados PIRÁMIDE S /C LTDA
Firamide
VIDRAÇARIA Jateados

ORGANIZAÇÕES

PIR MIDE Opapiro


Posto Piran DESDE 1968
Rua De Posto Pirai HORUS - Indústria de Armações de Oculos Ltda.
Posto Pirall LIVRARIA - PAPELARIA
REVISTARIA . PRESENTES

Queops Auto Posto Ltda .


JurandiFontolan Despachante Pirâmide Ltda.
EMPLACAVENTOS TRANSFERENCIAS E LICENCIAMENTOS
CREDENCIADOS SODN750 ETRANG
( Mariat issie
9981-3999
kefren Claudiomir Rocha Pereira Nismar Rocla Pervir
9991-8522 9991-3994
O QUE Rua Santos Saraiva, Sta . Safa 212 - Andar - Edilicia Continental Center
Estreita - Cx Post 12192 - CEP 81070-100 - Florianópolis - Santa Catarina
Fonn Fax:(18) 244-9333-3483135.341 5413

Além de um levantamento quantitativo exaustivo dessas apropria


ções de nomes do antigo Egito , é preciso realizar análises específicas de

cada caso , de diferentes pontos de vistas , levando em consideração des


de os contextos socioeconômicos e as expectativas das empresas até as

visões de mundo e as experiências de vida , viagens e escolaridade das


pessoas responsáveis por tais escolhas .

Apenas como exemplo da riqueza de dados que se pode obter no

aprofundamento desse tipo de pesquisa , citamos como diferentes empresas


e instituições se utilizaram de um mesmo nome de origem egípcia - no caso ,
Hórus – em busca de significados e representações tão diversas entre si .
Para o Instituto Hórus , que busca relacionar a qualidade ambiental ao
desenvolvimento econômico e à qualidade de vida , a escolha do nome foi
feita pelo fato desse deus egípcio ser historicamente associado a uma espé
cie de justiceiro , defensor das forças de equilíbrio da natureza . Já a livraria

Hórus tem no seu produto , livros , umajustificativa clara para escolher aquele
que também era considerado o deus da sabedoria e da vida pelos egípcios.
E , finalmente, no caso de uma empresa de informática também chamada

Hórus,a escolha se deu pela atualização de um conceito milenar, vindo bem


MARKETING E EGITO 143

ao encontro do que Antonia Lant , professora de cinema nova - iorquina, julga


ser a marca de atualidade que resiste nas criações egípcias antigas . Segundo
ela , o “ Egito faraônico é um antigo veículo que introduz ao moderno " .

NOTAS
1. Agradecemos a colaboração de : profa. dra . Alice Moreira (PUCRS) ; Carolina M. Guedes
(UFRJ); Rodrigo Otávio da Silva (UFRGN) ; Nathalia Junqueira (Ribeirão Preto) , Fernanda
C. da Costa Pereira ( Vitória ), Viviane Adriana Saballa (PUCRS) ; Klaus Hilbert (PUCRS) .
2. Conclusões com base nas respostas aos questionários realizados em dois estágios dessa pesqui
sa : em 1995 e em 2003 , com o uso de bolsas de iniciação científica do CNPq e PIBIC /PUCRS.
3. V.A.Saballa . Egiptologia no Rio Grande do Sul: simbologias e manifestações ( 1995-1998) , Tra
balho de Conclusão de Curso, PUCRS , 1998 , p.95 .
4. Gilberto Luiz Teixeira Leite Strunck . Como criar identidades visuais para marcas de sucesso :
um guia sobre o marketing das marcas e como representar graficamente seus valores. Rio de
Janeiro : Rio Books, 2001 .
5. A pesquisa foi feita pela internet. A primeira busca, tendo como palavra chave pirâmide
usou o site da ‘ 102 eb' e depois o da Listel. M.Chechelski . Relatório parcial de pesquisa.
CNPq, 2002.
6. A.Lant. In.: J.M.Humbert. (ed ) . L'Égyptomanie à l'épreuve de l'archéologie. Paris: Musée du
Louvre , 1996 , p.588

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co, KMT n.4, pp. 40-52 .
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STRUNCK , Gilberto Luiz Teixeira Leite . Como criar identidades visuais para marcas de sucesso :
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Janeiro: Rio Books , 2001 .
THOMPSON , John B. Ideologia e cultura moderna .– teoria social crítica na era dos meios de comu
nicação de massa . Petrópolis: Vozes, 1995 .
LANT , L'antiquité égyptienne revue par le cinémaou pourquoi filmer les pharaons . In .: HUMBERT,
J.M. (ed ) . L'Égyptomanie à l'éupreuve de l'archéologie . Paris : Musée du Louvre, 1996 .
Estátua de um escriba. O fascínio exercido pela
civilização egípcia pode ser um ótimo aliado pedagógico
O EGITO NA SALA DE AULA

Raquel dos Santos Funari


O filme A múmia
mienia, uma das maiores bilheterias de finalda década de
do final de

1990 , fascinou uma legião de pré - adolescentes em todo o mundo ao exi


bir uma profusão de efeitos especiais , em que múmias , escaravelhos , sar
cófagos e pinturas egípcias ganhavam vida na tela do cinema . Nas bancas
de jornais , faraós e esfinges também ajudam a vender dezenas de publi
cações - de histórias em quadrinhos a revistas de divulgação científica –
, a maioria delas destinada especificamente aos jovens , público fiel e cativo
quando o assunto é o antigo Egito ?.
Na tevê aberta e nos canais por assinatura , sempre é possível confe
rir algum filme de ficção ou documentário que tenha o antigo Egito como
tema . Nos jogos eletrônicos , arqueólogos , múmias e faraós protagonizam
aventuras e caçadas mirabolantes no mundo virtual . Na internet, basta
acessar qualquer site de busca para se descobrir que existem milhares de

referências e páginas sobre o assunto , desde as mantidas por pesquisado


res e instituições até as que são elaboradas por adolescentes fascinados

com o mundo das pirâmides e esfinges.


Por que então não aproveitar todo esse apelo dos meios de comuni

cação de massa , que vêem no Egito como fonte inesgotável de inspira


ção , para tornar o ensino de história mais próximo - e bem mais atraente
– para jovens e crianças ? Afinal, quanto mais o aluno compreender que
a história não é uma disciplina preocupada com fatos frios, distantes no
tempo e no espaço , e sim uma possibilidade de interagir com o mundo ?,

mais ele sentirá o desejo de conhecer, identificar, comparar, relacionar,


problematizar o passado e , também , sua própria realidade ?
Quando comecei a lecionar a disciplina história , há alguns anos ,
deparei - me com turmas de 58 série do Ensino Fundamental , nas quais
alunos de dez a doze anos de idade mostravam - se ansiosos por atividades
148 EGIPTOMANIA

que despertassem atenção e interesse . Um dos primeiros temas tratados


em sala de aula foi justamente o Egito antigo , mistério que os atraía e
fascinava. Contudo , nem sempre o material didático disponível era inte
ressante . Muitas vezes , a ênfase nas dinastias e na cronologia deixava o
tema cansativo e maçante . À época , não era muito usual sair do livro

didático e experimentar os paradidáticos , os filmes em vídeo ou outras


estratégias pedagógicas criativas . Além disso , o número de aulas , sempre
limitado , dificultava o aprofundamento da discussão .
De fato, o material didático tradicional, posto à disposição de professo
res e estudantes, nem sempre ajuda muito . Nos livros didáticos de história ,

de modo geral , os conteúdos estão organizados em ordem cronológica ou tem


poral (Antiga, Medieval, Moderna e Contemporânea), e catalogados por rí
gidos eixos temáticos (História do Brasil e História Geral ). Assim, a Educação
Infantileo Primeiro Ciclo do Ensino Fundamental (14a 4aséries) quase nunca

tratam do tema Egito antigo como conteúdo específico do currículo .


Isso não impede que a temática egípcia esteja presente mesmo nas clas
ses de alunos bem novos , inclusive na educação infantil. Com atividades
de natureza lúdica e cognitiva como ouvir, cantar e representar histórias
com encenações e jogos dramáticos , é possível exercitar a imaginação, o
processo de criação , a compreensão e a interação das narrativas, o que
comprovadamente estimula a aprendizagem da leitura e da escrita .

O Egito antigo , como conteúdo didático propriamente dito , apare


ce , em geral , nos livros de história da 5a série do ensino fundamental.

Quase sempre , entretanto , os temas abordados são bem genéricos e


enfocados de forma bastante resumida : fala -se brevemente da socieda

de , com destaque para o faraó, do rio Nilo , da escrita egípcia (hieróglifos),


da religiosidade , das pirâmides e esfinges. Depois dessa rápida e prévia
apresentação , o Egito só reaparecerá no primeiro ano do ensino médio .

Mesmo aí, em boa parte dos casos , os textos dos livros didáticos con
tinuarão a tratar do Egito de forma bastante superficial e simplificada.
Por mais complexos que sejam, os diversos tópicos abordados nesse tipo
de material resumem - se , quando muito, a apenas um parágrafo, e muitas
vezes de forma descontextualizada. A vida dos camponeses do antigo

Egito , por exemplo , é descrita com pouca ou nenhuma correlação com a


estrutura social dessa civilização .
O EGITO NA SALA DE AULA 149

A própria história do Egito , como um todo , é apresentada de forma

estanque, pouco relacionada com as outras civilizações contemporâneas


a ela , o que só reforça idéias preconcebidas ou até mesmo desprovidas de
qualquer sentido . Um bom exemplo disso constitui a célebre frase de

Heródoto sobre o rio Nilo – “ O Egito é uma dádiva do Nilo ” -, que


aparece exaustivamente em quase todos os livros didáticos , sem que se
mostre ao leitor como o ponto de vista do historiador grego derivava das
condições históricas da Grécia no século V a.C.

Essas deficiências são ainda mais alarmantes quando se tem em con


ta que a maior parte dos alunos têm apenas o livro didático como fonte

de informação bibliográfica. Um estudo feito pela professora Vera

Mazagão , para o Instituto Paulo Montenegro /Ibope, constatou que 59 %


dos livros mais comuns nas casas dos brasileiros são , de fato, os didáticos .
Apenas as Bíblias4 ( 86 % ) , os dicionários (65 % ) e os livros de receitas

( 62 % ) são mais difundidos que eles .

O EGITO E OS LIVROS DIDÁTICOS:


PROPOSTAS DE ATIVIDADES INOVADORAS

Não se pode negar, porém , que , nas últimas décadas , surgiram alguns
livros didáticos que buscam potencializar as estratégias de atividades na
sala de aula , levando o aluno a produzir o verdadeiro conhecimento. Vale
lembrar que o uso do livro didático é uma etapa importante no processo de

aprendizagem da leitura , instrumento básico de compreensão da história


como discurso sobre o passado . A história , afinal, constitui um dentre uma
série de discursos sobre o mundo e a sociedade , cujo objeto pretendido de
investigação é o passado . Um mesmo objeto de pesquisa pode ser interpre
tado de maneiras diversas , com diferentes leituras . O que se escreve e se
ensina sobre o passado , assim , está ligado à realidade dos dias de hoje .
A renovação do ensino de história , por um lado , e do estudo da
egiptomania e egiptologia , por outro , permitiu que houvesse também um
grande avanço na aprendizagem sobre Egito antigo no ensino fundamen
tal e médio . Alguns exemplos, retirados de livros didáticos atuais ilustram
esse fenômeno . No livro Navegando pela História , de Sílvia Panazzo e Ma

ria Luiza (São Paulo: Quinteto , p . 85 ), propõe - se a seguinte atividade:


150 EGIPTOMANIA

Crie com seu grupo uma agência de turismo e dê um nome para ela .
Reúna o que aprendeu sobre o Egito antigo e o atual para organizar o
roteiro de uma viagem a esse país . Faça um folheto com o nome da agência
e o mapa da África, destacando o Egito. Escreva um breve texto sobre o
Egito Antigo para despertar o interesse dos turistas pelo país . Nesse
folheto, coloque também a programação da viagem, que deve incluir um
passeio pelo rio Nilo, uma visita às pirâmides , aos templos religiosos e a
outros monumentos construídos na Idade Antiga . Você e seu grupo
deverão ilustrar o folheto com fotografias ou desenhos dos diferentes
pontos turísticos a serem visitados . Ao lado das imagens , escrevam um
pequeno texto explicando a importância histórica de cada um desses

pontos turísticos e apontando as transformações que ocorreram na


sociedade egípcia.

Essa proposta é bem interessante , pois possibilita ao aluno trabalhar


com os conceitos fundamentais de história : temporalidade , diferenças
culturais , diversidade de fontes históricas ( escrita , imagens , estatística,
entre outros). O aluno atua como construtor de um discurso e , o melhor

de tudo , faz isso de forma prazerosa e lúdica .


Já em História em documento, imagem e texto , de Joelza Rodrigues (São
Paulo : FTD, p . 115 ) , há um pequeno texto de época sobre valores.Pede

se então ao aluno que compare o conteúdo desse texto com as regras de


convívio entre as pessoas de hoje. Esse tipo de atividade favorece a
constatação de semelhanças e diferenças entre as sociedades e períodos

históricos , e estimula a expressão do ponto de vista do aluno :

Não cometi injustiças contra os homens .


Não maltratei os animais.
Não fiz o mal em lugar da justiça .
Não empobreci um pobre .
Não fiz sofrer nem chorar.
Não matei.

Frases como estas seriam ditas pelo defunto perante os deuses . Reflita
sobre cada uma : qual ou quais dessas ações são consideradas hoje passíveis
de punição ? Qual ou quais delas são normas de conduta dignas, mesmo
não estando previstas em lei ?
O EGITO NA SALA DE ALILA 151

No volume Nova história crítica , de Mario Schmidt ( São Paulo : Nova

Geração , p . 98 ; 101 ) , no item “Reflexões críticas”, há uma interessante


proposta de abordagem do tema racismo e preconceito racial com base
no antigo Egito :

A grande civilização negra .

Nos filmes do cinema e da tevê , os atores que representam os antigos

egípcios , geralmente , são brancos e até de olhos azuis . Entretanto , os


verdadeiros egípcios eram povos africanos de pele escura . Como você
observa neste mural esculpido , as duas belas jovens nobres do tempo do
faraó Amenofis IV ( século XIV a.C. ) , têm uma aparência nitidamente
africana : lábios grossos e cabelos crespos que foram trançados . Os olhos e
as sobrancelhas eram maquiados . Infelizmente, durante muito tempo , o
preconceito racial dos europeus modernos contra os negros impediu muitas
pessoas de perceber quem eram os verdadeiros criadores da maravilhosa
civilização egípcia antiga . (Hoje em dia , entretanto, o povo egípcio é
formado basicamente por árabes , que são predominantemente brancos) .

Numa sociedade , como a brasileira , em que o preconceito racial é


geralmente mascarado , a atividade possibilita uma discussão sobre a im
portância da proximidade de uma grande civilização, como a egípcia, do
continente africano, estigmatizado pela escravidão”. E também dá opor
tunidade para que se discuta como nós construímos uma imagem , às
vezes distorcida , sobre o passado .
Em termos gerais, todas essas atividades relacionam -se com as indi
cações dos Parâmetros Curriculares Nacionais , que nos seus temas trans
versais propõem que se explore , em sala de aula , os conceitos de
pluralidade cultural e cidadania . No caso da história , compreende - se
que é por meio dela que , em parte ao menos , as pessoas formam suas
identidades . Ora , a história é interpretação , obra de historiadores , assim
como também o são outros discursos sobre o passado" . Com os livros
didáticos e material de apoio paradidático ocorre a mesma coisa . E o
Egito , com inegável apelo , abre um excelente campo para se exercitar
diferentes capacidades de interpretação e de produção de conhecimento
por parte dos alunos , não apenas com base nos livros didáticos .
152 EGIPTOMANIA

Veremos, a seguir, mais algumas propostas de atividades educativas

que levam a criança a produzir conhecimento , sempre tendo como eixo


temático o Egito Antigo . São atividades que poderão perfeitamente ser
usadas e adaptadas pelos professores às situações em sala de aula .

PROPOSTAS DE ATIVIDADES

Uma primeira atividade pode explorar, em sala de aula , pesquisas


orientadas , nas quais será solicitado ao aluno a organização de um dicio
nário ilustrado temático sobre o Egito antigo, destacando - se aspectos

específicos dessa civilização , como a religião. Tal atividade possibilitará


ao aluno ter contato com diferentes autores de apoio didático , mas tam
bém enciclopédias, dicionários, livros , tanto didáticos como obras mais
aprofundadas, e mesmo textos retirados da internet .

Cabe aqui , porém , uma rápida observação . No caso das pesquisas


eletrônicas , o professor precisará ser um mediador ativo e constante , para
que o aluno não use de forma equivocada esse poderoso recurso pedagó
gico , pois , naturalmente , a simples cópia e cola de textos retirados da

internet não leva ninguém à reflexão . Ainda assim , a possibilidade de


acessar sites ligados ao Egito será muito útil , por exemplo , para que se
possa usar imagens que , devidamente contextualizadas com a ajuda do
professor, levem o aluno a uma efetiva reflexão sobre elas .
Na ilustração da página ao lado , exemplos de dicionários ilustrados ,
feitos por estudantes de duas escolas - o Centro Educacional Brandão e

o Colégio Iavne , ambos em São Paulo -, permitem observar como os


alunos se envolvem e tornam - se reais agentes do conhecimento .
Uma atividade interessante consiste na criação de histórias em qua

drinhos baseadas na civilização egípcia. Indiscutivelmente, as revistas de


HQ , por fazerem parte importante do universo de crianças e jovens , po
dem ser igualmente utilizadas como ferramenta pedagógica criativa e
eficiente. Pode -se por exemplo , pedir que o aluno crie seus próprios per
sonagens ou lance mão de outros já consagrados pelos grandes autores
das chamadas “ tirinhas” de jornal e das histórias em quadrinhos. O que
importa , em nosso caso , é que o cenário em que se desenrola a ação seja
o antigo Egito .
O EGITO NA SALA DE ALILA 153

Mb
Drário do Faraó
Abidos -47a.C.
Arruletes egipcios. Objetos feitos em metal , Colheita : A comunidade
moleira , pedra ,ceramica o material similar , cuja de agricultores de Menfis.es
a finalidade era ob to se preparando para o
ter determinados e . colheita de trigo ,cevadae
pepinos. A boa sa va cer
Suhados mágicos.Entre reu graças as cheias dotulo.
Os Amuletos mais co Oferta : Venda de caro
heados estão o f pos, po corservar 76
olho de Hórus , o Escaravelno e visceros dos moitas
cruz Ansata . Contötd : Mut
Fore :100.000

Basted - Deusa do Antigo Egito , que se


manifestava em forma de gato. Liquidacio: Andes
Esta divindade protegia Roleja- :or detrus,
As gravidas e os doentes ,patrona escoavello e crue
da música de dança , era molo . fo
Local : Batede e
considerada a pesonifica.
ção dos raios quentes do Conveniências
sol sobre o Nilo . CLEOPATRA
Lagamento !! o filme conto
o filme a história donova leiriko egip /
ca.
Não perca !! En abril nas
Cinemas

Trabalhos ilustrados, produzidos por estudantes da 50 série do ensino fundamental:


exercício de criatividade e aprendizagem com prazer

Vale dizer que , em quase todas as atividades aqui propostas , sempre

será enriquecedora a estratégia de trabalhar com professores de outras


disciplinas , como português , redação , matemática , geografia, artes etc.
No caso da construção de uma HQ , o professor de geometria ou o de
artes pode dar dicas muito úteis aos alunos , por exemplo , como calcular
o espaço dos quadrinhos na folha.
Outra parceria importante pode ser feita entre as disciplinas de his
tória e português. Os professores das duas áreas podem combinar a ado
ção de livros de literatura infanto -juvenil que permitam tratar do tema
Egito de forma multidisciplinar. Há muitas possibilidades nesse campo ,

mas basta um exemplo para ilustrar todo o potencial desse recurso didá
tico : a obra de ficção Deus me livre, de Luís Puntel. O livro , considerado
um “ clássico ” desse tipo de literatura para jovens , foi reeditado inúmeras
vezes e traz em sua trama um caso de mistério .
154 EGIPTOMANIA

Ambientada em uma cidade brasileira contemporânea , Deus me livre


aborda os problemas sociais de um bairro pobre , atingido por calamidades
relacionadas às dezpragas do Egito antigo, relato bíblicodo Antigo Testamento
sobre a escravidão e fuga dos hebreus . Desta forma, ao discutir uma civiliza
ção tão antiga , o aluno irá também analisar problemas contemporâneos , como
a falta de saneamento básico e as injustiças sociais . O Egito , que parecia tão
distante no tempo e no espaço , mostra - se assim absolutamente atual .
Ainda em parceria com a disciplina de português , pode - se sugerir
aos alunos a produção de uma redação , individual ou coletiva, sobre o
Egito antigo . Neste caso , o professor poderá levar a classe a discutir te
mas relacionados aos mais variados aspectos da civilização egípcia . O

trecho da redação abaixo, reproduzida de uma experiência similar, dá


bem a idéia de como essa atividade pode ser criativa e enriquecedora do
ponto de vista pedagógico . No caso , um antigo documento egípcio tor
na - se vivo , quando a dupla de jovens autores o inclui em sua narrativa .:

O roubo da tumba

Estávamos no Egito em um dia ensolarado . O local era completamente


deserto e a água do nosso cantil acabara . Quando encontramos um rio ,
decidimos encher o nosso cantil e , para nossa surpresa, descobrimos que
esse rio se chamava Nilo .

– Vamos fazer a oração do Nilo.


- Amanda , nós não sabemos como é a oração !
- Ora , Marcelo , é só vermos no livro de história , na página 57 .
– Tá , você está com o livro ?
-Não , mas eu decorei :
" Salve, tu , Nilo !
Que te manifestas nesta terra .
E vens dar vida ao Egito !
Misteriosa é a tua saída das trevas .

Neste dia em que é celebrada !


Ao irrigar os prados criados por Rá .
Tu fazes viver todo o gado ,
Tu – inesgotável – que dás de beber à terra ! ... '

( Amanda e Marcelo , Centro Educacional Brandão , São Paulo ).


O EGITO NA SALA DE ALILA 155

Há , ainda , muitos livros de apoio didático sobre o Egito que podem


ser utilizados pelo professor. Vale lembrar esses livros são fundamentais
para diversificar as possibilidades de desenvolvimento de atividades es
colares . Mais dois exemplos serão suficientes paras ilustrar essas possibi
lidades , a começar pelo livro Cleópatra e sua vibora (São Paulo : Companhia
das Letras , 2002 ) , de Margaret Simpson .
O livro apresenta documentos e fatos históricos que podem ser utiliza
dos pelo professor de forma bem -humorada. Mostra que a história não é es
tática e permite ao aluno , de forma agradável , ter contato com o Egito antigo .
Assim , sobre o rio Nilo , a autora apresenta o seguinte texto (pp . 32-33 ) :

Uma longa faixa do Egito era verdejante e fértil: o vale do Nilo . O Nilo é
um rio muito comprido que corre bem no meio do Egito . Recebe as águas
da Etiópia e da África central e deságua no mar Mediterrâneo . No século
passado (o XX , entenda - se) , foi construída uma enorme represa , mas
antes o rio transbordava toda a primavera , tornando - se ainda mais largo .
A água cobria quilômetros e quilômetros . Quando o nível baixava , o rio
deixava atrás de si um lodo negro em que tudo que se plantava crescia .

Os egípcios cultivaram esse vale extenso e rico por milhares de anos ,


desde os tempos dos faraós, antes deles até . Tornaram -se craques na
agricultura . Construíam canais para irrigar terras mais distantes com a
água do rio . Ao longo de todo o Nilo , até o sul , no chamado Alto Egito ,
havia aldeias , cidades e templos .

Na coleção “A vida no tempo dos deuses”, publiquei o livro O Egito


dos faraós e sacerdotes ( São Paulo : Atual , 2001 ) , voltado para a 54. série
do ensino fundamental. O texto aborda a história e a cultura do Egito
antigo , propondo a análise da vida cotidiana de diversos grupos sociais ,
como camponeses , realeza faraônica e sacerdócio . Enfoca, também , as

transformações ocorridas nessa civilização até Cleópatra , a última rai


nha independente . Na obra , o leitor tem contato com alguns aspectos
comumente menos ressaltados e pouco abordados nos livros de apoio
didático , como a vida dos trabalhadores , a moradia e a predominância
das aldeias na civilização egípcia . Outras atividades propostas no livro

podem render aulas bem movimentadas e interessantes , como a monta


156 EGIPTOMANIA

gem de jogos de percursos, palavras cruzadas , “ dominox ”, cartas enigmá


ticas , criação de painéis e até mesmo simulações de dissecação de órgãos
(com fígado, intestinos) .
Vale lembrar, contudo , que o Egito é uma das únicas civilizações
conhecidas pelos alunos antes mesmo de chegarem à sala de aula . Assim
não faltará material de apoio para que o professor crie suas próprias ati

vidades em classe : revistas como Superinteressante , Galileu , National


Geographic, filmes, suplementos infantis de jornais ( Estadinho, Folhinha ,
Gurilândia , entre outros ) , além da Bíblia , fonte permanente de referên
cias sobre o Egito . O professor terá , nesse enorme manancial , inúmeras
possibilidades de trabalho .

O importante é incentivar o aspecto lúdico da aprendizagem e desper


tar o interesse dos alunos pela história , inclusive ajudando - os a reconhe
cer a si mesmos como sujeitos históricos . A simples memorização , sempre
enganosa e temporária , será assim substituída pela produção autônoma do
aluno , essencial para que possa aprender a produzir e organizar as idéias ?.

NOTAS
1. Agradeço aos que ajudaram na pesquisa e na redação deste texto: Margaret Bakos, Juan
José Castillos, André Leonardo Chevitarese , Maria Helena Rocha Oliveira Costa , Pedro
Paulo A. Funari, Melissa Ferronato , Fekri Hassan , Lynn Meskell , Ana Piñon, Lílian Ferreira
dos Santos . Lembro, ainda , o apoio institucional da Unicamp e da Biblioteca do Museu de
Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo.
2. Cf. Jaime Pinsky e Carla Bassanezi Pinsky. Por uma história prazerosa e conseqüente . In
História na sala de aula , Leandro Karnal (org. ) São Paulo : Contexto , 2003 , p . 28 .
3. Cf. Janice Theodoro ." Educação para um mundo em transformação”. In História na sala de
aula, Leandro Karnal , (org. ) São Paulo : Contexto , 2003 , pp . 49-56 .
4. Vale a pena ressaltar que a maioria das pessoas que declaram ter livros em casa possuem
apenas a Biblia (Veja ano 36, n.29 , 23/07/2003, p.30) o que , no caso do Egito, constitui
fonte de referência , pois temas como a escravidão dos hebreus no Egito ( histórias de José e
Moisés) e a fuga de Maria , José e Jesus são bastante lidos e difundidos.
5. Sobre o tema, há muitas obras . Em português, consulte Martin Bernal, , In Pedro Paulo A.
Funari (org. ) Repensando o mundo antigo, Campinas , IFCH /Unicamp, 2003 (coleção Textos
Didáticos n.49) e, em espanhol, Juan José Castillos. Los antiguos egipcios, negros o blancos?,
Aegyptus Antiqua 5 , 1984, pp. 14-18.
6. Cf. Keith Jenkins , A história repensada . São Paulo : Contexto , 2001.
7. Pedro Paulo A. Funari . A renovação da história antiga , In Leandro Karnal (org. ) , História
na sala de aula : conceitos, práticas e propostas. São Paulo : Contexto , p . 101 .
O EGITO NA SALA DE ALILA 157

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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BAKOS , Margaret. Hieróglifos. São Paulo: Brasiliense , 1996 ( coleção Primeiros Passos).
BERNAL , Martin . Atenea negra . Barcelona : Crítica , 1996 .
CARDOSO , Ciro FS . O Egito antigo. São Paulo : Brasiliense, 1982 (coleção Tudo é História, n . 36) .
CARDOSO , Ciro F.S. Sociedades do antigo Oriente Próximo. São Paulo: Ática , 1986 ( coleção
Princípios, n . 47 ) .
DONADONI , Sérgio; CURTO , Silvio e DONADONI ROVERI, Anna Maria . Egipto del mito a
la egiptologia. Milão: Fabbri, 1990.
DONADONI , Sérgio (dir.). O homem egípcio. Lisboa : Presença, 1994.
FUNARI , Raquel dos Santos . O Egito dos faraós e sacerdotes.São Paulo : Ática, 2001 .
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PINSKY, Jaime . As primeiras civilizações. São Paulo: Contexto, 2001 .
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SIMPSON, Margaret . Cleopatra e sua vibora. São Paulo : Cia das Letras , 2002 .
VERCOUTTER , Jean. Em busca do Egito esquecido. Rio de Janeiro: Objetiva, 2002 .
KE

Hieróglifos egipcios: a aura de mistério que envolve o antigo Egito


serve de inspiração para os poetas brasileiros
O EGITO NA POESIA BRASILEIRA

PEQUENA ANTOLOGIA

Elvo Clemente
La

Ex -libris de Manuel Bandeira desenhado por Alberto Childe

MANUEL BANDEIRA

Bandeira , um dos principais poetas brasileiros , exibiu na primeira


edição de sua primeira obra , Cinza das Horas, um ex - libris pequena

estampa impressa nas páginas iniciais do livro , como marca de proprie


dade ou autoria - desenhado por seu amigo , o arqueólogo Alberto Childe.
Na imagem , vê - se um cordeiro com elementos de esfinge egípcia . É fato
que o mesmo Bandeira da célebre Pasárgada, dos lugares e fatos exóti
cos , mantinha um amor confessado pelo antigo Egito . Tudo o que lhe
recordava aquele país , terra cheia de fábulas e de histórias misteriosas,
soube transformar em poesia . Assim é que transformou a lenda hagiógrafa
de Santa Maria Egipcíaca numa maravilhosa balada .

Balada de Santa Maria Egipcíaca

Santa Maria Egípcia seguia


Em peregrinação à terra do Senhor.

Caía o crepúsculo, era como um triste sorriso de mártir...


Santa Maria Egipcíaca chegou
À beira de um grande rio.
162 EGIPTOMANIA

Era tão longe a outra margem !


E estava junto à ribanceira ,
Num barco ,
Um homem de olhar duro .

Santa Maria Egípcia rogou :


Leva - me à outra parte do rio .
Não tenho dinheiro . O Senhor te abençoe .

O homem duro fitou - a sem dó .

Caía o crepúsculo , e era como triste sorriso de mártir...

- Não tenho dinheiro . O Senhor te abençoe .


Leva- me à outra parte .

O homem duro escarneceu : - Não tens dinheiro ,


Mulher, mas tens teu corpo . Dá - me o teu corpo , e vou levar- te .
E fez um gesto . E a santa que ele fez sorriu
Na graça divina , ao gesto que ele faz.

Santa Maria Egípcia despiu


O manto , e entregou ao barqueiro
A santidade da sua nudez .

(Obra Completa – p . 137 )

MACHADO DE Assis

Impressionado pelos relatos de viajantes sobre o Egito e pela figura femi


nina de Cleópatra, cobiçada por guerreiros e imperadores , Machado de As
sis , mais conhecido por seus escritos em prosa , compôs o poema em que atribui
a si a situação de escravo . “ Cleópatra ” apareceu pela primeira vez em Crisáli
das, livro publicado em 1864. Na Obra Completa de Machado, abaixo do título
desse poema , aparece entre parêntesis o nome de Mme. Emile de Girardin . O

poema compõe - se de 12 estrofes, tendo cada uma oito heptassílabos.


al
O EGITO NA POESIA BRASILEIRA 163

Cleópatra (Canto de um escravo )


( Mme . Emile de Girardin)

Filha Pálida da noite ,


Nume feroz de inclemência ,
Sem culto nem reverência ,
Nem crentes e nem altar,
A cujos pés descarnados ...
A teus negros pés , ó morte !
Só enjeitados da sorte
Ousam frios implorar ;

Toma a tua foice aguda ,


A arma dos teus furores;
Venho c'roado de flores
É um feliz que te implora
Na madrugada da vida,
Uma cabeça perdida
E perdida por amor.

Era rainha e formosa ,


Sobre cem povos reinava ,
E tinha uma turba escrava
Dos mais poderosos reis .
Eu era apenas um servo ,
Mas amava- a tanto , tanto ,
Que nem tinha um desencanto
Nos seus desprezos cruéis .

Vivia distante dela


Sem falar -lhe nem ouvi- la ;

Só me vingava em segui - la
Para a poder contemplar ;
Era uma sombra calada
Que oculta força levava ,
E no caminho aguardava
Para saudá - la e passar.
164 EGIPTOMANIA

Um dia veio ela às fontes


Ver os trabalhos ... não pude ,
Fraqueou minha virtude,
Caí-lhe tremendo aos pés.
Todo o amor que me devora ,
Ó Vênus, o íntimo peito,
Falou naquele respeito ,
Falou naquela mudez.

Só lhe conquistam amores


o herói, o bravo, o triunfante;
E que coroa radiante
Tinha eu para oferecer?
Disse uma palavra apenas
Que um mundo inteiro continha :

- Sou um escravo , rainha ,

Amo - te e quero morrer.


E a nova Isis que o Egito
Adora curvo e humilhado
O pobre servo curvado
Olhou lânguida a sorrir ;
Vi Cleopatra , a rainha ,
Tremer pálida em meu seio ;
Morte , foi-se -me o receio ,
Aqui estou , podes ferir.

Vem ! que as glórias insensatas


Das convulsões mais lascivas ,
As fantasias mais vivas,
De mais febre a mais ardor,
Toda a ardente ebriedade
Dos seus reais pensamentos ,
Tudo gozei uns momentos
Na minha noite de amor.
O EGITO NA POESIA BRASILEIRA 165

Pronto estou para a jornada


Da estância escura e escondida;
O sangue , o futuro, a vida
Dou - te , ó morte , e vou morrer ;
Uma graça única – peço
Como última esperança :

Não me apagues a lembrança


Do amor que me fez viver.

Beleza completa e rara


Deram - lhe os numes amigos ;
Escolhe dos teus castigos

O que infundir mais terror,


Mas por ela , só por ela
Seja o meu padecimento ,
E tenha intenso tormento
Na intensidade do amor.

Deixa alimentar teus corvos


Em minhas carnes rasgadas ,
Venham rochas despenhadas
Sobre meu corpo rolar,
Mas não me tires dos lábios
Aquele nome adorado ,
E ao meu olhar encantado

Deixa essa imagem ficar.

Posso sofrer os teus golpes


Sem murmurar da sentença ;
A minha ventura é imensa
E foi em ti que eu achei ;
Mas não me apagues na fronte
Os sulcos quentes e vivos
Daqueles beijos lascivos
Que já me fizeram rei.
166 EGIPTOMANIA

CECÍLIA MEIRELES

Da produção literária de Cecília Meireles , sempre de fino sabor


poético , sobressai o fascínio pelas lendas e pelo misticismo . Inevitavel
mente , o Egito a atrairia . Os amores decantados e muitas vezes ironizados

da fulgurante Cleópatra e do guerreiro romano Antônio mereceram um


poema vigoroso e lírico, publicado em Poesia Completa – edição do cen
tenário , organizada por Antônio Carlos Secchin :

Antônio e Cleópatra

As escravas etíopes , lentamente ,


Os longos leques movem .
Pálida a augusta fronte, que tressua ,
Cerra os olhos Cleópatra , indiferente .

Sorve em êxtase o aroma, que flutua

Nas espirais do fumo, pelo ambiente ;


Dos rins tomba -lhe o manto negligente ;
Lembra as esfinges, na atitude sua .

Queima-lhe a pedraria o palpitante


Seio . Tremem - lhe pérolas à orelha ...
E , fitando - lhe o pálido semblante ,

Esplendido de régia majestade ,


Deslumbrado , ante o leito , ébrio , se ajoelha
Marco Antônio , sem forças, nem vontade .

VICTOR Silva

Victor Silva ( 1865-1922 ) , poeta e historiador da literatura rio


grandense , foi diretor da Biblioteca Pública do Estado do Rio Grande do
Sul , que por sinal é decorada com vários motivos egípcios . É deie o poe
ma “ Esfinge”, que contrapõe a vida efêmera das gerações humanas à

perpetuidade daquele símbolo egípcio .


O EGITO NA POESIA BRASILEIRA 167

Esfinge

No delta acocorada , entre as verdes lianas ,


Surge num mudo assombro a Esfinge de granito ,
E atenta , o olhar parado , espreita as caravanas ,
Que cruzam na extensão das áreas do Egito .

Tal num sonho de pedra , imoto , o horrendo mito ,


Lembrando as tradições das raças soberanas,
Parece ouvir com espanto a rolar no infinito
Os séculos que vão com as gerações humanas.

Impérios colossais , potestades divinas ,


Patriarcas e reis de infinda majestade,
Tudo desfez - se em pó e esboroou - se em ruínas...

Só a Esfinge não morre , e erguendo o estranho porte ,


Guarda , eterna , do caos das origens e da idade
O enigma da vida e o mistério da morte .

FREIRE RIBEIRO

Poeta sergipano , utilizou - se da egiptomania em pelo menos três


poemas de Sahara, publicado em 1962 pela Livraria Regina Ltda , de
Aracaju , Sergipe . São poemas lânguidos , sensuais e eróticos , que trans
formam as imagens fúnebres das pirâmides gigantescas em temas de amor
e questionamentos , na figura da Esfinge.

Kheops

Kheops enfrenta a morte .


Morre paupérrimo , quase miseravelmente , atirando contra as estrelas a

massa formidável da sua pirâmide . A pirâmide é uma EÇA de pedra


erguida no infinito deserto . O grande Faraó dorme o SEU SONO ,
AGORA, NO SEIO DO OCEANO . A sua pirâmide não lhe pertence
mais . Ela é de toda a Humanidade .
168 EGIPTOMANIA

KHEOPS , que vai morrer, enfrenta a Morte ...Assiste no faustoso apogeu


dos seus dias de glória , ao supremo esplendor da EÇA em que consiste o
momento imortal do seu nome na HISTÓRIA ! ...

Monumento sem par que aos séculos resiste ...


Livro em pedra a luzir, dizendo da memória desse Rei a sorrir nesse destino
triste do homem , - lama e pó , - na matéria corpórea !...

Quer ficar a dormir no GRANDE MONUMENTO por séculos sem fim ,


à luz do firmamento , sob o régio fulgor do áureo lothus solar ! ...

Não sabia esse Rei pela morte prostrado que , milênios depois , seria
sepultado na pirâmide azul , movediça do mar!

Sakkara

Sakkara é a pirâmide mais bela e mais espiritual do Egito . Canção em


pedra à procura do céu . Nos seus degraus , - alguns já destruídos na
passagem do Tempo, quando o luar transfigura o deserto , pousam sombras
eternas de escravos que já morreram e a pirâmide , hierática e solene ,
sente , no sagrado silêncio que a envolve , uma saudade imensa dos Faraós ...

Sakkara é solidão , misticismo e beleza


quando o sol , - AMON -RÁ , fecha os olhos do dia !...
Sakkara , ao meu olhar, possui a nostalgia dos eleitos do
Amor, do Sonho e da Tristeza !

Sakkara , a meditar, - sonâmbula Princesa -


pede as bênçãos do Céu para a melancolia
da paisagem sem fim , do areal que a crucia
no deserto em que está eternamente presa ! ...

Sakkara é irreal , quando a noite estrelada


envolve o seu perfil na refração sagrada
dos que vivem a sonhar e a sofrer a sós ! ...
O EGITO NA POESIA BRASILEIRA 169

Sakkara é o canto - chão milenar da Saudade


que do Egito se esvai buscando a eternidade
em perene louvor dos grandes Faraós ! ...

II

Sakkara é um templo azul onde o Vento oficia áureos


ritos do amor à luz do sol profundo !...
Sakkara é solidão que se fez elegia sob os olhos do céu ,
ante as dores do mundo !...

Sakkara é mausoléu !...Grande livro fecundo que um


Profeta escreveu nos papiros do dia ! ...
É Moisés , a sentir, no deserto , iracundo , do seu povo
infeliz a escravidão mais fria !

Sakkara é canto e dor dos escravos do Nilo !


É pétreo Faraó no seu sono tranqüilo,
- Zoroastro a pensar nos fulgores do Bem !

Homem-pó a chorar nas íntimas torturas


do Ser e no Não -Ser, neste Val de Amarguras
tentando decifrar os mistérios do Além ! ...

Tut Ank Amen

“ Pesadelos sufocantes, hipertensões nervosas , cavalgadas assustadoras de


ritmos taquicardíacos , auras , calafrios. Angústia de morte próxima
pressentimento do inevitável , sensação opressiva do desamparo . Insônias
estampadas nas olheiras roxas , as últimas nuvens de terrores noturnos,
que flagelavam seus minutos infinitos, no silêncio das noites de estrelas
TUT - ANK - AMEN leva para o sepulcro todos os vestígios de sua

existência , num gesto supremo de maldição à humanidade e a todos os


séculos que passam desfolhando a flor efêmera e luminosa da Vida” .
170 EGIPTOMANIA

Dentro da noite azul , o Faraó medita ...


A princesa é uma flor de graça e de ternura
que Amon - Rá fez abrir nessa imensa tortura
dos seus dias sem paz , numa angústia infinita!

Amplo céu a fulgir, no estelário palpita ...


Áureo disco lunar sobre a esfinge fulgura ! ...
Tut- Ank -Amen , a sofrer, numa imensa desdita
Sente a Morte que vem nos véus as noite pura ! ..

Lento , o Nilo se vai , buscando o vasto mar...


O Príncipe infeliz aguarda a luz solar
sobre a treva que tem na esperança perdida !

Eis chega a manhã ... Esplende o sol do Egito ,


Enquanto o Faraó , num martírio infinito,
Vê morrer dentro em si a flor da própria vida ! ...

OSWALDO DE CAMARGO

Ojornalista Oswaldo Camargo, membro da Associação Cultural do Ne


gro , é autor de livros de poemas em que manifesta a dor em busca da redenção
de seu povo e de sua alma. Seu principal trabalho é 15 Poemas Negros, de 1963 .

Meu Grito

Meu grito é estertor de um rio convulso ...


Do Nilo , ah , do Nilo é o meu grito ...
E o que me dói é fruto das raízes ,
Ai , cruas cicatrizes !
Das bruscas florestas da terra africana !

Meu grito é um espasmo que me esmaga ,


Há um punhal vibrando em mim , rasgando
Meu pobre coração que hesita
Entre erguer ou calar a voz aflita :
Ó África! Ó África!
O EGITO NA POESIA BRASILEIRA 171

Meu grito é sem cor, é um grito seco ,


É verdadeiro e triste ...
Meu Deus , porque é que existo sem mensagem ,
A não ser essa voz que me constrange ,
Sem ecos , sem lineios , desabrida ?
Senhor ! Jesus ! Cristo !
Por que é que grito ?

NOTA
1. Cabe aqui o agradecimento a Gisele Becker, mestre em história pela PUCRS, pela informa
ção sobre a poesia de Machado de Assis , e a José Carlos Teixeira, Secretário de Cultura de
Sergipe , pelo envio da obra de Freire Ribeiro.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ASSIS , Machado de . Obra Completa - Coutinho, Afrânio (org.). Rio de Janeiro: José Aguilar,
1959 .
BAKOS, Margaret Marchiori . Um olhar sobre o antigo Egito no Novo Mundo. In : Estudos Ibero
americanos - PUCRS V.XXVII n°2 dezembro - 2001. Porto Alegre : EDIPUCRS , 2001.
BALLARINI, Teodorico. Introdução à Biblia -- Pentateuco . Petrópolis: Vozes, 1975 .
BANDEIRA , Manuel. Poesia e prosa. Vol. I. Holanda , Sergio Buarque de e Barbosa , Francisco de
Assis (orgs . ) Rio de Janeiro : José Aguilar , 1958 .
BERND, Zilá (org) Poesia negra brasileira antológica, Porto Alegre : IEL/ AGE , 1993 .
BOSI , Alfredo. O ser e o tempo da poesia. São Paulo: Cia . das Letras , 2000 .
CARNEIRO, Souza . Mitos africanos no Brasil. Série 52 Brasiliana – vol . 103 Biblioteca Pedagógica
Brasileira , São Paulo : Companhia Editora Nacional , 1937 .
KITCHEN, Kenneth A. Catálogo da coleção do Egito antigo. Rio de Janeiro : Museu Nacional do
Rio de Janeiro, 1990 .
MEIRELES , Cecília. Obra poética . Damasceno , Darcy. (org. ) Rio de Janeiro : José Aguilar, 1958 .
PICCHIO, Luciana Stegagno. História da literatura brasileira. Rio de Janeiro : Nova Aguilar, 1997 .
RIBEIRO , J. Freire . Sahara. Aracaju : Livraria Regina , 1962 .
ROBERT - FEUILLET. Introdução à Biblia -- antigo testamento . São Paulo : Herder, 1967.
Estatueta da época do Médio Império. A história egipcia é alvo de
apropriações na literatura, ajudando a propagar a egiptomania .
EGIPTOMANIA NA LITERATURA

Ciro Flamarion Cardoso


Aceiptom ania surgiu muito antes da egiptologia,, pois a reinterpret
egiptomania ação
reinterpretação
e reutilização de traços específicos da cultura egípcia é muito anterior à fun
dação de uma ciência dedicada a estudar o antigo Egito .
Na opinião do egiptólogo Dimitri Meeks , a partir da Dinastia dos
Lágidas (ou dos Ptolomeus) – situada cronologicamente nos três últimos
séculos a.C. - a civilização faraônica perdeu a autonomia, por mais que

as aparências indicassemo contrário . Em contrapartida , essa civilização


milenar foi envolta numa aura de mistérios impenetráveis e , a seu respei
to , começaram a surgir histórias fantásticas, recheadas de "maravilhas ”.

O “ Egito dos sábios”, como passou a ser conhecido , originou relatos


e textos que mesclavam reminiscências autênticas e concepções que nada
tinham de genuinamente egipcias . É o caso , por exemplo , dos Mistérios ,
escrito pelo grego Jâmblico de Cálquis , no século IV a.C .. Comenta Meeks :

Neste momento nasce a egiptomania . De exegeses a sonhos , de


especulações a discursos obscuros , o Egito se dispersa numa falta de nitidez
em que a realidade se oblitera . "

Meeks defende que ao decifrar os hieróglifos - episódio que deu início à


egiptologia - , Champollion recolocou as coisas em seu devido lugar, ao per
mitir, após um hiato de quase dois milênios , o acesso aos textos autênticos
escritos pelos egípcios da Antiguidade . Entretanto , isso não decretou o fim
da egiptomania ,pelo contrário . Textos autênticos da Antiguidade faraôni
ca tiveram variadas leituras , algumas muito mais ligadas ao esoterismo do
século XIX ouàNova Era do século XX do que propriamente ao antigo Egito .

Mais de quatro décadas após a visita de Champollion ao Egito , a


britânica Amelia B. Edwards , romancista , jornalista e principal funda
dora da Egypt Exploration Fund Society, comentou a respeito de sua via
gem ao Cairo, em 1873 :
176 EGIPTOMANIA

Antes que se passem dois dias , [ o visitante ) conhece o nome de todos e a


que atividades se dedicam todos ; distingue à primeira vista um turista de
Cook e um viajante independente ; e já descobriu que nove décimos dos
que provavelmente encontrará ao subir o rio são ingleses ou norte
americanos . O resto estará principalmente composto de alemães , com umas
pitadas de belgas e franceses. Isto no geral ; mas os detalhes são ainda mais
heterogêneos . Aqui estão inválidos em busca de saúde ; artistas em busca
de temas ; esportistas interessados em crocodilos ; homens de estado em

férias ; correspondentes especiais alertas para os disse - me - disse ;


colecionadores à cata de papiros e múmias; homens de ciência cuja única
finalidade é científica; e , adicionalmente , o número habitual de pessoas
desocupadas que viajam unicamente por amor à viagem , ou para satisfazer
uma curiosidade sem propósito definido.?

Esses visitantes formavam uma multidão de “ jovens e velhos , bem e


mal vestidos , instruídos e sem instrução ” .3 Ao colocar lado a lado “ ho
mens de ciência ”, “ colecionadores à cata de papiros e múmias ” e “pes
soas desocupadas ” que buscam apenas " satisfazer uma curiosidade sem
propósito definido " , a observadora inglesa relata a coexistência entre
egiptofilia e egiptologia no Egito , na segunda metade do século XIX .

Nessa época a egiptologia estava se consolidando , graças ao Serviço de


Antiguidades , no Egito , fundado em 1858 e ao Museu de Bulaq , primeiro
núcleo do futuro Museu Egípcio , criado em 1862 e aberto em 1863. Somam
se a isso os esforços de estudiosos como François Auguste Ferdinand Mariette ,
Richard Lepsius, Emil Brugsch , Adolf Erman e William Flinders Petrie.
O Serviço de Antiguidades tinha por atribuição controlar o acesso às
antigüidades , monumentos e relíquias do país, mas a verba destinada era in

suficiente para o cumprimento da tarefa. Era fácil fazer escavações sem a li


cença do governo, ou mesmo interferir, por conta própria , nos monumentos,

entre outras irregularidades. Exemplos disso são abundantes . A própria Amelia


Edwards fez escavações ilegais no colosso de Ramsés II , em Abu Simbel , sem
sermolestada. Nessa mesma ocasião , a pedido do desenhista que a acompa

nhava , a tripulação do barco aplicou café no monumento a fim de ocultar as


marcas de gesso , remanescentes de um molde feito para o Museu Britânico .

Autores contemporâneos , ao referirem -se a Amelia Edwards , costu


mam minimizar ou mesmo louvar suas iniciativas nesse sentido , associ
EGIPTOMANIA NA LITERATLIRA ‫ב‬ 177

ando - as à uma personalidade determinada e forte, sobretudo para a épo


ca. Mas a própria autora não oculta a natureza de seus atos ao relatar:

O turista inscreve ( nos monumentos ] nomes e datas , em certos casos ,


caricaturas . O estudioso da egiptologia, pelo uso de esponjas de papel para
fazer moldes, retira todo vestígio da cor original . O “ colecionador” compra
e leva consigo todos os objetos valiosos que puder obter ; e o árabe rouba
para ele . A obra de destruição, entrementes , prossegue . Ninguém a impede ;
ninguém a desencoraja . Todos os dias , mais inscrições são mutiladas, mais
tumbas são pilhadas , mais pinturas e esculturas são desfiguradas . O Louvre
contém uma figura em tamanho naturalde Sétil , recortada das paredes de
seu sepulcro no Vale dos Reis . Os Museus de Berlim , Turime Florença estão
cheios de um butim que conta sua própria história lamentável . Se a ciência
dá o sinal , será de admirar que a ignorância a siga? [ ... ]

L. e a Autora dedicaram - se bastante à caça de antigüidades , tanto


em Luxor quanto em outros lugares , mas principalmente em Luxor. [... ]
O objeto da caça, na verdade , era proibido ; mas nós não o apreciamos
menos porque fosse ilegal . Talvez o apreciássemos ainda mais . 5

EGIPTOLOGIA , EGIPTOFILIA E EGIPTOMANIA :


ALGUMAS RELAÇÕES

Apesar da tradução da Pedra de Roseta ser considerada como marco


fundador da egiptologia , foi a expedição de Napoleão Bonaparte ao Egi

to que desencadeou a egiptofilia e a egiptomania na Europa . Com a pu


blicação , entre 1809 e 1813 , dos 24 volumes da obra Description de
l'Egypte, europeus e , logo depois , norte - americanos empreenderam uma

busca febril pela aquisição de objetos egípcios . Dentre eles encontra


vam - se tanto colecionadores particulares quanto representantes de mu
seus , o que causou o primeiro paroxismo :

Logo um fluxo contínuo de colecionadores , negociantes, turistas e pessoas


de caráter duvidoso que perceberam uma possibilidade de lucro rápido
no comércio de objetos antigos estava subtraindo do Egito milhares de

antigüidades portáteis .
178 EGIPTOMANIA

Além das " antigüidades portáteis ”, havia outras bem maiores. O


obelisco da Concórdia, de Ramsés II , foi levado a Paris em 1836 ; o obelisco
de Thotmés III , conhecido popularmente como " agulha de Cleópatra ",
transferido para Londres em 1877 e outro , similar, levado para Nova
York em 1880. Assim , muitos produtos da arte egípcia , como textos es

critos em egípcio antigo , pouco a pouco decifrados e publicados , além de


numerosas múmias e outros artefatos expostos em museus ficaram ao
alcance do público . Com as concessões para escavações científicas con

cedidas pelo Serviço de Antiguidades do Egito , a quantidade de objetos ,


na Europa e na América do Norte , só fez crescer ao longo dos anos .
Obras sobre o Egito fizeram crescer ainda mais o número de pessoas
em contato com a cultura ancestral e a iconografia, bastante vasta neste
tipo de publicação . Dentre elas destacam - se o trabalho de J. Gardner

Wilkinson, publicado em 1836 ?, que alcançou grande sucesso de públi


co , e os relatos de viajantes contendo várias ilustrações .
Estudos voltados para a egiptomania ocidental mostram que , mesmo

quando afirmavam reproduzir “ fielmente ” a arte e os monumentos egípci


os , os pintores e gravadores impregnavam as obras com elementos próprios

da cultura contemporânea a eles . Tome- se como exemplo as figuras em preto


e branco do livro de Wilkinson , as caprichadas pranchas coloridas da
Description de l'Egypte e os desenhos e aquarelas incluídos em livros que
relatam viagens , edifícios e outras obras autenticamente egípcias.
Algumas são recriações assumidas, que reproduzem o antigo Egito
segundo a visão do artista e sua época . A pintora sul - africana Winifred

Brunton , esposa de um dos conservadores do Museu Egipcio do Cairo ,


publicou um livro com seus quadros , retratando reis e personagens do an
tigo Egito . Editada em dois volumes na década de 1920 ,a obra traz pintu
ras e textos em que são nítidas as impressões pessoais da autora diante da
iconografia antiga , evidenciando a estética da época em que foi publicadas .
Mesmo as reproduções fotográficas não estão livres da influências dos au
tores. A escolha do ângulo, do enquadramento e do tratamento do tema foto
grafado determinam , muitas vezes , a impressão a ser causada no observador.
Nem sempre é fácil distinguir elementos que pertenceram de fato à
cultura egípcia de outros derivados ou simplesmente inventados . Figuras ,
textos e noções derivadas principalmente dos estudos egiptológicos tive
EGIPTOMANIA NA LITERATURA 179

ram os mais variados usos . Em certas ocasiões , deparamo - nos com obras
difíceis de classificar, por exemplo por misturarem elementos autentica
mente egiptológicos com especulações místicas que nada têm a ver com a
egiptologia. Um bom exemplo é o livro da escritora iugoslava Bika Reed,
discípula de Isha Schwaller de Lubicz , que , dada a repercussão de sua obra ,
auxiliou a produção de cineastas como Vittorio De Sica e Jean Renoir.'
A ligação entre egiptologia , egiptolofilia e egiptomania é inegável e
bastante complexa . Como mostra Humbert, há casos em que , mesmo

existindo material egiptológico (arqueológico) autêntico disponível , ou


fotografias de monumentos genuínos, artistas interessados em temas egíp
cios preferem inspirar- se em obras egipcianizantes , da Roma antiga , ou
em reproduções de artistas contemporâneos , contendo erros e deforma
ções , fruto de suas próprias interpretações .
Na egiptomania aparece com freqüência o desejo de preservar uma vi
são do antigo Egito marcada por uma aura de mistério , o que influencia es
colhas e enfoques. A egiptomania contribui em muito para tornar a
egiptologia atraente a um público muito mais amplo que o acadêmico , em
bora a proximidade entre ambas varie conforme o período e as inclinações . 10

A RECRIAÇÃO DO ANTIGO EGITO NA LITERATURA

Na literatura , existem dois grandes tipos de apropriação da figura de


Akenaton e de outros personagens egípcios . No primeiro , a narrativa se
passa em época recente e o faraó egípcio aparece na trama de forma

sobrenatural , na descoberta arqueológica de “ tumbas perdidas” ou nas


duas ocasiões ao mesmo tempo .
É o que ocorre , por exemplo , nos romances A wife out of Egypt (“Uma

esposa vinda do Egito ”, 1913 ) e There was a king in Egypt (“Houve um rei
no Egito ”, 1918 ) , de Norma Lorimer . Neles , o espectro de Akenaton se
manifesta aos protagonistas numa linguagem que mistura fragmentos de
hinos a Aton , expressões do Antigo Testamento e imagens muçulmanas.
Nessa época , início do século XX , as pessoas misturavam teosofia encon
trar Mais tarde , dessas tentativas surgiria o movimento da Nova Era .
Outro exemplo é A máscara do faraó, de Robert Silverberg, publicado
originalmente em inglês em 1965 , com edição brasileira no ano seguinte
180 EGIPTOMANIA

(São Paulo : Editora das Américas). No Sudão , arqueólogos descobrem a


tumba de Akenaton, enterrado no local por correligionários remanescen

tes que buscavam preservar a múmia de profanação pelos inimigos. A esco


lha do cenário estava diretamente relacionada com a campanha para salvar
os monumentos da antiga Núbia , ameaçados pelas águas do lago Nasser.
No romance de terror The watch gods, de Barbara Wood (" Os deuses
guardiães”, 1981 ) , a tumba de Akenaton é encontrada . Nela o rei , milê
nios após a morte , continua sendo vigiado e perseguido pelos deuses do
antigo Egito, que ele desbancara momentaneamente . Vingativos, esses
deuses impediam, pela oblitaração do nome de Akenaton , que este al
cançasse a vida eterna .

Um dos arqueólogos é abordado pelo fantasma de Nefertiti, que deseja


salvar o rei , seu marido. Ela mostra a visão gloriosa de Akenaton no apogeu
- um local tão mítico e idealizado quanto o Shangri - la tibetano do romance
de JamesHilton (Horizonte perdido, 1933 ) . Esse " paraíso " mítico alimentou
os sonhos da classe média norte americana, insegura com as ameaças de

guerra e a depressão econômica . No livro de Wood, o mesmo tema escapista


retorna, dessa vez buscando atrair desencantados com o “ sonho america

no " e com as grandes utopias, numa época marcada pela preocupação eco
lógica e em que o próprio sentido de modernidade é questionado .
A segunda modalidade de romance que se apropria de elementos
egípcios nos interessa mais de perto . São romances históricos passados
na época amarniana , estendendo - se cronologicamente até o final da XVIII
dinastia e os primórdios da seguinte .

Esse tipo de romance têm sido escrito desde o final do século XIX ,
formando, hoje corpus bastante numeroso . Preferimos, aqui , ilustrar ten
dências maiores, sem a ilusão de cobrir todas as possibilidades. Selecio
namos três tipos de fatores principais : 11
1 ) Escritores de diferentes credos e inclinações reinterpretaram a fase

amarniana e pós - amarniana do antigo Egito segundo problemáticas di


versas , típicas de fases sucessivas do mundo contemporâneo ocidental .
Dentre as questões abordadas , encontram - se : o movimento pacifista, re
voltado diante de um mundo dilacerado pelas guerras mundiais e pela in
tolerância ; a disputa , tanto ideológica quanto armada , entre diferentes
facções políticas , como fascismo e socialismo ; o feminismo; o movimento
EGIPTOMANIA NA LITERATURA 181

gay; grandes escândalos , como o caso Watergate, nos Estados Unidos , entre

outros . Esses temas , com maior ou menor intensidade , conforme a épo


ca , influenciaram os rumos da ficção histórica acerca de Amarna ;

2 ) Interpretações do que teria sido o Egito de Amarna , que se torna


ram populares , persistindo por muitas décadas e influenciando pessoas
fora do âmbito da egiptologia. Segundo uma dessas interpretações, e

seguindo a forte tendência de subordinar esse período à visão ocidental ,


muitos romancistas introduziram elementos judaico - cristãos na trama .
Isto provocou um anacronismo , pois , ao identificar Akenaton a um proto
Cristo , os autores não levaram em consideração as características do
período abordado ( antes da segunda metade do século XIII a.C. não há
qualquer possibilidade verdadeiramente histórica de falar de " Israel”,

“ hebreus ” e temas afins). Outra leitura nascida entre egiptólogos, a de


um Akenaton que teria repudiado Nefertiti para ligar - se
homoeroticamente ao seu próprio “ irmão ” Smenkhkara , mostra- se , na
ficção, extremamente renitente , sobrevivendo ao desmentido dessa teo

ria pela pesquisa recente ;


3 ) Romances sobre o período de Amarna sempre foram numerosos,
sobretudo na vigência de descobertas arqueológicas . O início do século
XIX foi marcado por dois “ tempos fortes” armanianos : a constante pre

sença da rainha de Amenotep III , Tiy, que dominou os primeiros roman


ces , e a quase coincidência da descoberta da tumba de Tutankamon , no

Vale dos Reis do oeste tebano , com novas escavações em Amarna na


década de 1920. Em função do entrecruzamento muito variado desses
fatores intervenientes , seria possível falar em “ famílias" de romances
amarnianos com certos elementos predominantes , às vezes reunindo obras
geradas ao longo de muitas décadas .

AKENATON COMO MÍSTICO PROTO - CRISTÃO

Arthur Weigall ( 1880-1934) , britânico, egiptólogo que optou pela carrei


ra de cenógrafo, crítico de cinema e romancista , publicou, em 1910 , um livro
com artigos escritos, em 1907 , para o grande público. Sua obra foi, no conjun
to , a mais marcante de todas , por influenciar um enorme número de recons
truções ficcionais de Amarna, em forma de contos ou romances . 12 Weigall, filho
182 EGIPTOMANIA

de um pastor anglicano, apresentou Akenaton como precursor do monoteismo


- em versão mais protestante que católica -‫ مه‬, um proto -Cristo cheio de virtudes
familiares, pacifista e internacionalista. A segunda edição do livro coincidiu
com a descoberta da tumba de Tutankamon em 1922 , levando a novas
reimpressões e a traduções para o francês, o alemão e o holandês.

A maioria dos romances de Amarna enquadra- se claramente como


literatura popular. As obras José no Egito ( publicada em alemão em 1936 )
e José, o provedor (em alemão , 1943 ) , são exceções . Escritas por Thomas
Mann , falam sobre o José bíblico do Gênesis. A ação se passa , em parte ,

no reinado de Akenaton . Este é representado com elementos tirados da


literatura de Weigall mesclados à teoria do egiptólogo Percy Newberry ·
Em 1928 , Newberry, interpretando a estela de Berlim (que , no entan
to , não contém nomes , seja por ter sido deixada incompleta , seja por te
rem sido os nomes pintados e não gravados , não se conservando), concluiu
ser a relação entre Akenaton e Smenkhkara similar àquela entre o impe
rador Adriano e seu favorito Antínoo3, ou seja , homossexual . Akenaton
aparece na descrição de Thomas Mann como jovem lânguido e afetado,
mas a visão política e religiosa da obra sai diretamente de Weigall.
No Brasil , o impacto da concepção de Weigall foi considerável . Aqui ,
o romance sobre esse tma que teve maior influência foi - de longe - 0
egipcio, do finlandês Mika Waltari. Publicado em finlandês em 1945 , e
traduzido para o português em 1952 ( em publicação da Gráfica Editora
Brasileira , do Rio de Janeiro) , teve muitas reimpressões em diversas lín
guas , sobretudo após ter sido filmado em Hollywood, em 1953 .

Nos romances brasileiros de Amarna - entre eles os de Chiang Sing


( 1964) e de Nélio Ronchini Lima ( 2001 ) - , a influência de Waltari, e de
Weigall, se percebe facilmente, embora mesclada a outras , diferentes em
cada caso . O Akenaton de Mika Waltari é um idealista epiléptico , infle
xível em suas convicções mas desprovido de espírito prático . No final
das contas , é traído até mesmo pela esposa , que no entanto o ama , e

pelos amigos mais chegados . A crise se dá devido a um embate político


religioso em que os sacerdotes de Amon e o ambicioso general Horemheb
representam as forças do Mal . O monoteísmo e o caráter proto - mosaico
e proto - cristão do faraó são evidentes nesta obra de ficção e foram ainda
mais explorados e explicitados no filme de Michael Curtiz .
EGIPTOMANIA NA LITERATLIRA 183

O egipcio , para um egiptólogo , é curioso por mostrar considerável pes


quisa da literatura antiga egípcia . Mas comete anacronismos ao apresen
tar, num curto período da história do Egito faraônico , temas e noções que
apareceram ao longo de milênios . Por exemplo , o episódio em que aparece

Nefernefernefer,a prostituta de origem babilônica, deriva daquele de Setne


Khaemuaset e Tabubu , contido em texto muito posterior ao Egito da XVIII
dinastia , escrito em demótico . O Lebenschmerz pessimista e nostálgico que
atravessa todo o texto , típico do autor, pode estar relacionado com o des

tino da Carélia finlandesa, de onde procede , ocupada pela Rússia , além de


condizer com o ambiente intelectual europeu do pós - guerra .

Uma variante da tese de Weigall mostra o rei Akhenaton fraco e vaci


lante , místico , poeta , sonhador de corpo enfermiço, cuja vida é conduzida
em direções opostas por duas mulheres fortes, a mãe Tiye a esposa Nefertiti.
o caso , por exemplo , do romance da brasileira Chiang Sing, Nefertiti e os
Éo

mistérios sagrados do Egito (Rio de Janeiro : Rodemar, 1964) . Flertando com


influências variadas , o texto alude - muito de passagem , afinal, estamos no

Brasil de 1964 - a que o amor por Nefertiti, finalmente correspondido ,


desviara Akenaton de uma tendência homoerótica (na p.13 lê - se , sobre o
príncipe Amenotep , futuro Akenaton : “ Contavam , também ,que ele amava
os adolescentes e chamava - os de meus queridos ...”).
Neste romance com laivos tanto esotéricos quanto feministas, é
Nefertiti a verdadeira força que sustenta a reforma amarniana e sua múmia
é destruída, no final, em conseqüência disso . A rainha Tiy também é
decidida e poderosa , mas basicamente maligna . Ao lado das influências
mais fortes, de Weigall e Waltari, o livro incorpora algumas teorias de
meados do século XX (entre outras : Nefertiti seria de origem asiática ,
mitaniana. Para Chiang Sing, seria filha da princesa Gilukhipa - , daí de
correndo a forte ligação com o culto solar. Akenaton , no final do reina
do , teria abandonado Nefertiti, idealizadora do atonismo , e abdicado para
que Smenkhara , seu co - regente , restaurasse a religião oficial).
Embora publicado em 2001 , o romance do comandante Nélio
Ronchini Lima ( Rio de Janeiro : Clube Naval) parece ater- se a concep

ções ultrapassadas. Nascido em 1923 , Lima é poeta , além de ter estuda


do belas artes . Fundou , em 1999 , o Centro de Egiptologia do Clube Naval

( Rio de Janeiro) . Seu romance, quanto à figura de Akenaton , mostra - se


184 EGIPTOMANIA

próximo ao modelo derivado de Weigall e Waltari. O enredo , entretan


to , é complicado , repleto de intrigas, substituições de pessoas , sinistros
assassinatos e tentativas de assassinato ( um dos quais planejado pela ra
inha Tiy) . Aparecem , também , episódios miraculosos similares aos do

Novo Testamento , atribuídos a um hebreu ( no livro , à semelhança do


romance de Waltari e como muitos acreditavam em meados do século

XX , os nômades hapiru da Ásia ocidental são identificados como hebreus) .


E , segundo o autor, a reforma amarniana tem tanto raízes asiáticas quan
to ligaçõs com a cidade de Iunu (Heliópolis) , próxima a Menfis.

AKENATON HOMOERÓTICO

Já vimos como, em 1928 , surgiu com Newberry a interpretação - base


ada em quase nada - de um Akenaton com inclinações homeróticas , que
teve impacto imediato , embora não determinante , sobre vários romances .

Cyril Aldred ofereceu uma versão ainda mais influente desse con
ceito , baseada numa interpretação da iconografia de Akenaton . Na pri
meira de suas sínteses sobre o faraó, incluiu todo um capítulo sobre o
que seria a “ patologia” do monarca : a síndrome de Frölich . Mas esta tem
como uma de suas conseqüências tornar o paciente “ impotente e passi
vo ”. A quem atribuir, então , a extensa prole de Akenaton ? Sabe - se que

o faraó teve seis filhas com Nefertiti, conhecidas desde o início dos estu
dos arqueológicos de Amarna ; e outras que concebeu provavelmente
casando - se com duas de suas filhas. Além destas , atualmente atribui- se
a ele um filho, que chegou a ser o segundo sucessor, Tutankamon ( 1336
1327 a.C. ) , e outra filha, com a esposa secundária Kiya .
A resposta de Aldred é que a esposa de Akenaton , Nefertiti, teria

sido engravidada pelo sogro , o faraó Amenotep III ( 1390-1352 a.C . ) . 14


Isto seria possível, no esquema montado por Aldred, por considerar uma
longa co - regência entre os monarcas . Entretanto , a maioria dos
egiptólogos se divide entre os que crêem numa co - regência muito curta
e aqueles que simplesmente a negam . Aldred defendia também que tan
to Smenkhkara quanto Tutankamon eram irmãos de Akenaton .
Além da Síndrome de Frölich , outros estados patológicos foram atri

buídos a Akenaton por diferentes autores , como , por exemplo , a síndrome


EGIPTOMANIA NA LITERATURA 185

de Marfan.15 No tocante à sexualidade do faraó, tendo em vista a suposta


moléstia , Aldred descreve assim as relações com Smenkhkara, seu genro e
co - regente ( o qual , segundo o autor, seria irmão do faraó de Amarna) :

Que Smenkh -ka -Re subiu ao trono antes da morte de Akhenaten fica
suficientemente claro a partir de vários monumentos nos quais o rei mais jovem
é mostrado com o mais velho em situações que não sugerem uma relação
póstuma. Destas cenas, a mais surpreendente é a que aparece numa estela
inacabada conservada em Berlim, que aponta para relações homossexuais entre
ambos os governantes. Tal perversão parece ser enfatizada pelo epíteto " Adorado
de Akhenaten ", que Smenkh- ka - Re incorporou a seus dois cartouches , e por
ter ele adotado o nome Nefer-neferu - Aten, que Nefert- iti havia usado desde o
Ano 6 ( do reinado de Akenaton - C.F.C . ].16

É interessante notar que , hoje em dia , acredita- se ser a figura repre


sentada na estela de Berlim ao lado de Akenaton a própria Nefertiti, ao
termo de um processo iniciado desde o início do reinado do marido e que

culminou por elevá - la a uma posição de total igualdade de poder e status


com este . Muitos egiptólogos duvidam da existência de Smenkhkara como
personagem separado. Apesar disto , a teoria homoerótica - tomada como

fato comprovado apesar de suas frágeis bases - continua a ser saudada


entusiasticamente por diversos grupos gays e até incorporada a enciclo
pédias e sites da internet destas instituições .
Semelhante estratégia é conhecida, nos estudos de gênero , como “ von
tade de descender” ou “ aquisição de poder mediante genealogia” . “ Descen
dência ” é aqui entendida como apropriação pseudo -histórica de personagens
ilustres e feitos a eles atribuídos; e “ genealogia ”, no mesmo sentido metafóri
co, hagiográfico e mítico. ' ? O prof. Montserrat conta que , após uma conferên
cia em que expôs a falta de bases sólidas da teoria relativa ao homossexualismo

de Akenaton e Smenkhkara, foi interpelado por uma pessoa do público, que


o acusou de “preconceito heterossexual ” . 18 Eis aí uma ilustração bem clara de
que , se bem que vinculadas entre si, egiptologia e egiptomania são coisas bem

diferentes e se movem segundo critérios distintos.


Aldred teve grande influência no mundo ficcional a partir da década
de 1970. Como exemplo , há a história, escrita por Allen Drury, em dois
186 EGIPTOMANIA

volumes intitulados A god against the gods ( Nova York : Doubleday, 1976 ) e
Return to Thebes (Doubleday, 1977 ) . Drury, que escrevera anteriormente
romances e livros não - ficcionais sobre o mundo da política em Washing
ton , ganhando o prêmio Pulitzer com Advise and consent, foi fiel ao modelo
estabelecido pelo livro de Cyril Aldred ( 1969) e , ao mesmo tempo , trans

portou para o antigo Egito um mundo de corrupção , intrigas e complôs que


parece muito influenciado por Watergate ! Como nos romances epistolares
do século XIX , a história vai se desenrolando pela exposição de pontos de

vista diferentes e por vezes conflitantes das diversas personagens . A linha


mestra vem neste caso de Aldred , como se disse . Tal afirmação não é só
uma inferência decorrente da leitura dos romances : ambos são precedidos
de introduções do autor e este esclarece ter mantido correspondência com
o egiptólogo inglês,além de ter lido repetidamente o seu livro de 1969. Em
dois pontos , no entanto , Drury separa- se de Aldred : primeiro , ao não ad

mitir a impotência de Akhenaton (alegando que a síndrome de Frölich em


certos casos se interrompe antes de causá - la) ; em segundo lugar - sob a

influência, parece , mais de Mika Waltari do que de Arthur Weigall, a jul


gar por certos detalhes do enredo - , decidiu manter como antagonistas da
reforma atonista aqueles já tradicionais na ficção acerca de Amarna , os
sacerdotes de Amon e o general Horemheb - este último só gradualmente
convencendo - se da necessidade de eliminar Akhenaton e Nefertiti.

Drury arroga -se o direito de decidir por si mesmo , nem sempre de acordo
com os dados que foi buscar na egiptologia, como suas personagens devem
agir e falar, “ dentro dos limites da lógica e do sentido comum ”. Isto resul
tou numa mescla de arcaísmo pomposo e artificial - sendo difícil imaginar,
na intimidade , um irmão chamar outro , mesmo sendo o faraó, de “ Filho do

Sol”, ou um co -regente aplicar a outro , também neste caso em conversa


privada , o apelativo “ Hórus vivo ” - com forte modernização anacrônica
das motivações , atitudes e modos de pensar. Por exemplo , no primeiro ro
mance, numa cena de piquenique familiar onde estão presentes Akhenaton ,
Nefertiti, as filhas do casal e a rainha Tiy, em período anterior ao repúdio
de sua esposa pelo faraó, há uma passagem que recorda uma cena da vida
de classe média norte - americana , narrada por Tiy (pp . 199-200) :

... Nefertiti interrompe de vez em quando para chamar com severidade :


"Meninas, meninas !”, quando as princesas , entendiadas pelo monólogo
EGIPTOMANIA NA LITERATLIRA 187

de seu pai , se afastam demais , descendo o lado abrupto do rochedo . (A


mãe delas orgulha - se de manter uma boa disciplina , mas não o faz. Elas
são todas mimadas sem remédio . ) Neste ponto , eu , que começava a sentir
me sonolenta , desperto de novo lentamente para o medo incômodo que
sempre me persegue , o medo acerca do que irá acontecer a este estranho
filho que eu tanto amei, e ainda amo ...

É verdade que há também belas passagens . Minha preferida é aquela

em que , no segundo romance , a velha rainha mãe Tiy, logo após o assas
sinato de Akhenaton e Nefertiti ( esta buscara em vão salvar seu marido ,
mesmo tendo sido por ele abandonada em favor da relação homoerótica
do rei com Smenkhkara) , que ajudara a planejar por razões de Estado ,
decide suicidar- se com vinho envenenado e , à janela do pequeno palá

cio construído para ela em Akhetaton pelo faraó seu filho, agora morto
com sua conivência , contempla a paisagem ( pp . 136-7 ) :

Sento - me à janela do pequeno palácio que ele construiu para mim e


contemplo pela última vez o Nilo , minhas adoradas Duas Terras e todo o
mundo agradável que no passado foi tão bom e generoso comigo . Eu
cumpri meu dever e já não posso viver. ( ... )

Sento - me sozinha junto a minha janela e olho , pela última vez , todas as
coisas adoráveis que tornam a vida tão feliz nesta terra para aqueles
abençoados com a boa sorte de gozar delas .
Não tenho sido abençoada assim há muitos anos .
O veneno cintila perto de mim na copa ; vou tomá - lo com vinho de modo
a não perceber quando ele agir.
Agora vou cessar minha contemplação e adormecer.

UMA INTEPRETAÇÃO ANTI - SEMITA

Analisarei, para terminar, um romance que escapa , no essencial , às ten

dências maiores apontadas até aqui : Akhenaton, rei do Egito ( 1924) , do ro


mancista russo Dmitri Sergueyevitch Merejkovsky, autor em 1933 indicado
para o Prêmio Nobel que , entretanto, não obteve . Contrário tanto ao regi

me czarista quanto a ambas as revoluções russas de 1917 , o escritor migrou


188 EGIPTOMANIA

para Paris em 1920. Como outros simbolistas, mesclava tendências cristãs


ao ocultismo e ao paganismo , tendo sofrido forte influência de Friedrich
Nietzsche . Embora tenha lido Weigall e sido por ele influenciado ,
Merejkovsky apresenta , mais visivelmente, uma leitura anti - semita da his

tória de Akhenaton , centrada num complô do judeu Issacar contra o rei . A


obsessão do autor com a conjuração judaica , à maneira dos Protocolos dos
sábios de Sião, era tão grande que , em seu romance , outro judeu engravida
uma das filhas de Akhenaton, Meketaton, a qual morre no parto . A agita

ção entre os escravos hebraicos , no livro , sem qualquerverossimilhança ( esta


última , aliás , prima por sua ausência neste romance ! ) , toma a forma de uma
pregação revolucionária de tipo marxista . Forçado a abdicar em favor de
Tutankhamon - cuja tumba , descoberta em 1922 , pode ter sido o elemento

que incentivou o autor a escrever o romance - , ameaçado de assassinato ,


Akhenaton decide matar- se , incendiando um dos templos de Amarna e lá -
talvez - perecendo ( permanece alguma dúvida a respeito) . Issacar, que antes
tentara mataro rei , agora o proclama como Messias . Embora Montserratveja
- com razão - ecos das lutas políticas da Rússia neste incrível romance , pare
ce - me que não atine com a dívida intelectual maior do autor.19 Muitos dos
elementos do livro derivam de obra, muito popular nos países eslavos , do po

lonês Boleslaw Prus (pseudônimo de Aleksander Glowacki), um intelectual


positivista, autor de vários livros, incluindo romances descritivos das condi

ções do campesinato e das mulheres da Polônia , o qual, em 1895 , publicou o


romance Faraó, passado, não na época de Akhenaton (século XIII a.C. ) , e

sim no final da Era Raméssida ( século XI a.C. ) , espécie de alegoria voltada


contra a ocupação russa (czarista) da Polônia: mas , também , obra marcada

por forte anti - semitismo e por um enredo repleto de complôs e traições .

CONCLUSÃO

Se a egiptomania for apropriação e reinterpretação de elementos da


cultura egípcia , ressignificados e aos quais novos usos são destinados no
mundo contemporâneo , os romances históricos de tema egípcio se en
caixam bem nesta definição .

Aos treze anos de idade , a leitura do romance O egipcio , de Mika


Waltari, foi um dos elementos a despertar- me forte interesse pelo antigo
EGIPTOMANIA NA LITERATURA 189

Egito. Isto ilustra , em forma limitada, a relação - complexa e multiforme


- existente entre egiptomania e egiptologia. Atualmente , o romance em
questão se me afigura verboso , afetado e bastante enfadonho, mas que
importa , se assim não me pareceu em 1955 e me conduziu , naquela oca
sião , a outras leituras , estas sim , egiptológicas ?
Quase todas as monografias escritas pelos egiptólogos são lidas por um

público extremamente reduzido. Muitas pessoas sentem uma grande empatia ,


uma verdadeira atração pela arte , história e cultura do antigo Egito , sem ja
mais ler tais monografias. Lêem , porém , obras de divulgação escritas para o
grande público , talvez romances cuja ação pareça transportá - los na imagi
nação ao antigo Egito e , eventualmente , podem vir a participar de diversos
aspectos da egiptofilia e da egiptomania . Vimos que isto ajuda a entender

como, sendo a egiptologia uma área de estudos que provavelmente tenha no


máximo um milhar de cultores de fato especializados em todo o planeta , apre
sente - se , não obstante , como a mais popular das disciplinas arqueológicas : 0
seu reconhecimento no âmbito de um público muito mais vasto do que aquele
que lê as publicações egiptológicas se deve , em parte , à egiptomania.

NOTAS
1. Dimitri Meeks e Jean- Jacques Fauvel. Égypte. Paris: Hachette , 1971 , p . 19 .
2. Amelia B Edwards . A thousand miles up the Nile. London: Century Publishing, 1982 (repro
dução fac - simile da segunda edição, de 1888 ) , pp . 1-2 .
3. Idem , ibidem , p . 1 .
4. Idem , ibidem, pp . 307-9 , 330-6 .
5. Idem , ibidem , pp . 353 , 449-50 ; ver também a p . 411 , no tocante a estarem proibidas as
escavações privadas .
6. FAGAN , Brian M. The rape of the Nile: Tomb robbers, tourists , and archaeologists in Egypt.
New York: Charles Scribner, 1975 , p . 85 .
7. WILKINSON, J. Gardner. A popular account of theancient Egyptians. London : Studio Editions ,
1988 (edição facsimilar que reproduz a de 1853 ) .
8. BRUNTON , Winifred. Kings and queens of ancient Egypt. London : Hodder & Stroughton,
1926 ; Great ones of ancient Egypt. London : Hodder & Stroughton , 1929.
9. REED , Bika . Rebel in the soul: A dialogue between doubt and mystical knowledge. Rochester
(Vermont): Inner Tradition International, 1987. A autora , em sua tradução de conhecido
texto egipcio , pretende estar corrigindo " inconsistências ” segundo ela presentes nas tradu
ções anteriores, feitas por egiptólogos, a partir de sua convicção - não demonstrada - de
tratar-se de um " texto iniciático" . Outro exemplo de escrito que mescla elementos autênti
cos de egiptologia com especulações esotéricas deve- se também a uma discípula de Schwaller
de Lubicz: LAMY, Lucie . Egyptian mysteries : New light on ancient knowledge. London : Thames
and Hudson, 1981 , em cuja p . 63 , a respeito do Livro de Amduat e outras composições
190 EGIPTOMANIA

funerárias do Reino Novo (segunda metade do segundo milênio a.C.) , lemos que “ a regene
ração do sol ocorre devido ao fluxo de correntes espirais que precipitam e coagulam inces
santemente a substância cósmica impalpável”.
10. HUMBERT, Jean- Marcel . “ Introduction ”. In : (org. ) . L’Egyptomanie à l'épreuve de
l'archéologie. Paris - Bruxelles : Musée du Louvre - Editions du Gram , 1996 , pp . 21-35 (especi
almente pp . 25 , 32 ) .
11. Inspiro -me, mas com muitasdivergências de detalhe, em MONTSERRAT, Dominic. Akhenaten :
History, fantasy and ancient Egypt. London -New York : Routledge, 2000, pp. 139-67 .
12. WEIGALL, Arthur. The life and times of Akhnaton, pharaoh of Egypt. London : Thornton
Butterworth, 1910.
13. NEWBERRY, Percy. “Akhenaten's eldest son - in - law 'Ankhkheprure !.” The Journal of Egyptian
Archaeology. 14, 1928 , pp. 3-9 .
14. ALDRED, Cyril . Akhenaten : Pharaoh of Egypt. London: Abacus (Sphere Books) , 1969 , pp.
100-5 ; ver, porém , na p. 105 , que alguma dúvida restava a Aldred .
15. MONTSERRAT, Dominic. Op. cit. , p. 47 .
16. ALDRED , Cyril. Op. cit . , p. 175. Devido a descobertas arqueológicas e textuais posteriores ,
Aldred recuou , em novo livro de síntese acerca de Akhenaton, de muitas de suas afirma
ções anteriores: ALDRED, Cyril . Akhenaten: King of Egypt. London : Times and Hudson ,
1988 , pp . 234, 287 , 289.
17. HOLLINGER , D. A. Postethnic America: Beyond multiculturalism . New York : Basic Books,
1995 , p . 126 .
18. Para este episódio e , mais em geral, para considerações extremamente divertidas sobre as
“ sexualidades ” atribuídas em diferentes épocas e veículos culturais às pessoas da família real
de Amarna , ver MONTSERRAT, Dominic . Op. cit. , pp . 168-82.WORTHAM , John David .
British egyptology 1549-1906 . Norman : University of Oklahoma Press , 1971 .
19. Idem , ibidem , pp. 157-60.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ASSMANN , Jan et alii ( orgs .). Problems and priorities in Egyptian archaeology. London -New York :
Kegan Paul International, 1987 .
EDWARDS, Amelia B. A thousand miles up the Nile. London : Century Publishing. 1982 .
FAGAN , Brian M. The rape of the Nile: Tomb robbers, tourists, and archaeologists in Egypt. New
York: Charles Scribner's Sons, 1975 .
HOVING, Thomas. Tutankhamun : The untold story. Harmondsworth : Penguin Books, 1980.
HUMBERT, Jean - Marcel (org. ) . L'Egyptomanie à l'épreuve de l'archéologie. Paris Bruxelles :
Musée du Louvre -Editions du Gram, 1996 .
IVERSEN , Erik. The myth of Egypt and its hieroglyphs in European tradition . Princeton (New Jersey) :
Princeton University Press , 1993 .
LECLANT, Jean et alii. Dictionnaire de l'Egypte ancienne. Paris: Albin Michel , 1998 .
MONTSERRAT, Dominic. Akhenaten: History, fantasy and ancient Egypt. London-New York :
Routledge, 2000.
SAUNERON , Serge. La egiptología. Trad. Alexandre Ferrer. Barcelona : Oikos- Tau , 1971 .
OS AUTORES

Margaret Marchiori Bakos - Doutora em História pela USP. Fez pós-doutorado em


Egiptologia no University College London . Professora Adjunta da Pontifícia Univer
sidade Católica do Rio Grande do Sul ( PUCRS ) .Coordenadora do Projeto
Egiptomania no Brasil (CNPq) .
Ciro Flamarion Cardoso - Professor Titular de História Antiga da Universidade Fede
ral Fluminense (UFF) . Doutor pela Universidade de Paris X. Membro do Centro de
Estudos Interdisciplinares da Antiguidade UFF
Antonio Brancaglion Jr - Doutor em História pela Universidade de São Paulo (USP ). Pro
fessor Adjunto do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Harry Rodrigues Bellomo - Mestre em História pela Pontifícia Universidade Católica
do Rio Grande do Sul (PUCRS ). Professor de História Antiga da mesma instituição.
Iris Graciela Germano - Mestre em História pela Universidade Federal do Rio Grande
do Sul . Professora de História do Brasil da Universidade Luterana do Brasil ( Ulbra) .
Moacir Elias Santos - Mestre em História Antiga pela Universidade Federal Fluminense
(UFF) . Professor de História Antiga e Arqueologia no Centro Universitário Cam
pos de Andrade (Uniandrade ).
Prof. Ir. Elvo Clemente - Professor de Literatura da Pontifícia Universidade Católica
do Rio Grande do Sul (PUCRS ) . Presidente da Academia Riograndense de Letras.
Raquel dos Santos Funari - Mestranda em História da Universidade de Campinas
(Unicamp).
Vivian Noitel Valim Tedardi - Historiadora . Coordenadora do Centro Cultural AMORC .
Thiago José Moreira - Pesquisador do Museu Egipcio Rosacruz . Professor de História
do Ensino Médio e Fundamental .
Thiago Nicolau de Araújo - Licenciado e Bacharel em História pela Pontifícia Uni
versidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) . Membro do Circulo de Pesqui
sas Literárias (Cipel) e da Comissão Gaúcha de Folclore.
Flávia M. Dexheimer - Acadêmica de História da Pontifícia Universidade Católica do
Rio Grande do Sul ( PUCRS) .
Marcelo Chechelski - Acadêmico de História da Pontifícia Universidade Católica do
Rio Grande do Sul (PUCRS ) .
Márcia Raquel Brito - Acadêmica de História da Pontifícia Universidade Católica do
Rio Grande do Sul ( PUCRS) .
Impressão e Acabamento
Oesp Gráfica S.A. ( Com Filmes Fornecidos pelo Editor)
Depto. Comercial: Alameda Araguaia, 1.901 - Tamboré - Barueri - SP
Tel. 4195 - 1805 Fax : 4195 - 1384
EGIPTOMANIA

O Egito é aqui. Mais de seis mil anos depois , a extraordinária


civilização dos faraós - com suas pirâmides, obeliscos, múmias
e hieróglifos - permanece bem viva ao redor do mundo, in

clusive no Brasil. Em nossas cidades, em nossas ruas, em nossa


vizinhança - e até mesmo dentro de nossas casas - símbolos

e referências à cultura egipcia estão por toda parte . Este

livro convida você, leitor, a viajar por um universo fantás


tico , cheio de mistério e magia. Você irá perceber que não

é preciso ir até as margens do Nilo para reencontrar o


fascínio da mais bela e enigmática civilização de todos
os tempos . Egiptomania se encarrega de redescobri - la
e trazê - la até nós.

ISBN 85-7244-261-8

9117 8857211442619

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