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A Antiguidade
Egípcia
História, Arte e Cultura

JAMES PUTNAM

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editorial Estampa
Uma edição Quantum

Este livro foi produzido por


Quantum Books Ltd.
6 Blundell Street
London N7 9BH

u Título original: An Introduciion to Egyptology


Tradução: Pedro de Azevedo
5 Composição c fotolito: b&í Gráficos
■ Impresso e acabado em Singapura

;i em Setembro de 2000
ISBN 972-33-1580-7
l
Depósito legal n.9 151866/00
Copyright: © 1991 Quintet Publishing Limited
© Editorial Estampa, Lda., Lisboa, 2000
para a língua portuguesa
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Índice

O ESTUDO DO ANTIGO EGIPTO 6

AS PIRÂMIDES 20

OS FARAÓS 30

OS DEUSES 44

AS MÚMIAS 54

O ESTILO DE VIDA 64

O NILO 76

OS HIERÓGLIFOS 86

O LEGADO 98

ÍNDICE REMISSIVO 110

___
A ANTIGU1DAPE EGÍPCIA

T7 mbora o conhecimento da civilização e da


C/ língua dos antigos Egípcios se tivesse perdido
durante muitos séculos, os seus impressionantes
monumentos permaneceram como um motivo de
CAPÍTULO U M
espanto e de curiosidade para todos os Europeus
que visitaram o Egipto. Os escritores gregos e ro­
manos relataram as suas viagens e, durante os
tempos medievais, os peregrinos atravessaram o
Egipto a caminho da Terra Santa. No século XVIII,
muitos viajantes publicaram relatos das suas via­
gens, que incluíam, por vezes, ilustrações porme­

O Estudo norizadas das coisas espantosas que tinham visto.


Estas imagens do Antigo Egipto pareciam estra­
nhas aos Europeus, que estavam mais familiari­

do Antigo zados com a sua herança clássica. As línguas desta


herança, o Grego e o Latim, tinham-se mantido
e a sua arte e arquitectura conheciam um novo

5
Egipto impulso. Os misteriosos hieróglifos, os estranhos
deuses com cabeças de animais e os costumes
exóticos do Antigo Egipto pareceram muito
estranhos aos Europeus do passado, como acon­
I tece ainda nos nossos dias.
i
O primeiro estudo importante da civilização
do Antigo Egipto foi empreendido por um grupo
de eruditos franceses que acompanhou a campa­
nha egípcia de Napoleão, em 1798. Levaram con­
sigo artistas para registar aquilo que viam e
acabaram por publicar uma série de volumes,
artisticamente ilustrados, com o título Desaiption
de 1’Egypte. Nessa altura, o exército francês des­
cobriu uma pedra num lugar chamado Roseta,
que tinha o mesmo texto inscrito em grego, em
hieróglifos e numa outra fase da escrita egípcia
denominada demótica. Esta inscrição iria forne­
cer ao francês Champollion a chave para decifrar
os hieróglifos após vinte anos de dedicado estudo.
A decifração do documento, entre 1822 e 1824,
e a publicação da obra em vários volumes,
Desaiption de 1'Egypte 1809* 1830, marca o começo
da Egiptologia como disciplina autónoma.
Após o seu êxito com a decifração dos
hieróglifos, Champollion organizou uma expe­
dição conjunta com um italiano chamado
Rossellini, para registar em pormenor os monu­
mentos egípcios. Como resultado, cada um deles
apresentou belas publicações ilustradas que, jun­
tamente com Desaiption de 1’Egypte, muito con­
em cima Jean-François tribuíram para popularizar o Antigo Egipto em
Champollion (1790-1832) toda a Europa. Inspiraram também mais viajantes
- o «Pai da Egiptologia- e negociantes a visitar o Egipto, atraídos não ape­
e o decifrador dos hieróglifos.
nas por uma ardente curiosidade mas também
pela oportunidade de regressar com antiguidades
que estavam a tornar-se muito valiosas. Não nos
deveríamos esquecer que, nessa altura, viajar para
o Egipto era lento e arriscado, os autóctones não
eram particularmente amistosos para com os

6
O ESTUDO DO ANTIGO EGIPTO

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Abu-Simbel
A A N T I G UIPADE E Cí I P C I A

ção do colossal busto de Ramsés II, que trans­


portou com êxito para o Museu Britânico, em
1818. Encarregou-o deste projecto Henry Salt,
que na altura era o cônsul britânico no Egipto.
O próprio Salt tomou-se um coleccionador entu­
siasta de antiguidades egípcias e a sua colecção,
com a ajuda de Belzoni, viria a ser o núcleo da
colecção do Museu Britânico. Ambos se envol­
veram em negociações financeiras demoradas e
!
frustrantes com os curadores do museu que dis­
putaram o valor de algumas das esculturas.
! O principal problema era o facto de muitas
pessoas considerarem as estátuas egípcias muito
’ inferiores às clássicas, por as considerarem mais
! meras curiosidades do que obras de arte. Belzoni
J prosseguiu na finalização de algumas bem suce­
Europeus, enquanto o clima e o predomínio de hm cima O Templo didas escavações no Egipto, descobrindo uma
graves doenças aumentavam a dificuldade. de Abu-Simbel pelo entrada para a Segunda Pirâmide e o túmulo de
5 artista e viajante escocês Seti I, no Vale dos Reis. Deslocou-se também mais
A mais destacada personalidade que nessa David Roberts (1796-
altura se envolveu com a Egiptologia foi um ita­ para sul até ao grande templo de Abu-Simbel, na
3 -IS64)- No século x/x
liano chamado Giovanni Belzoni. Fora um des­ muitos dos antigos Núbia, no qual foi o primeiro a entrar desde os
i
tacado actor no teatro londrino e viajara até ao monumentos ficaram tempos antigos. Publicou um popular relato destas
cobertos pelo movimento explorações, em quatro línguas diferentes, e orga­
Egipto para trabalhar como mecânico. Estas
das areias.
aptidões levaram-no a ver-se envolvido na remo- nizou uma espectacular exposição no Pavilhão
EM baixo Giovanni
Belzoni (1778-1823), um Egípcio, em Piccadilly, em 1821.
aventureiro e explorador Sir John Gardner Wilkinson é geralmente
italiano que foi a mais considerado o fundador da Egiptologia britânica.
bem sucedida personagem Passou muitos anos no Egipto, copiando pinturas
na Egiptologia
e inscrições e dominando a antiga língua. Foi o
U do século x/x.
primeiro a tentar ordenar cronologicamente as
EM BAIXO, À
direita Colecção de dinastias e os faraós e ofereceu ao Museu Britâ­
vasos na publicação nico muitas antiguidades importantes. Popula-
Description de 1’Egypte
(1809-22), que regista
antiguidades egípcias em
pormenor sem
precedentes.
PÁGINA
OPOSTA Frontispício da
publicação Description
de 1'Egypte (1809-22),
mostrando soldados
franceses entre as antigas
ruínas.
o ESTUDO DO ANTIGO EGIPTO

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10
O ESTUDO DO ANTIGO EGIPTO

rizou a Egiptologia com o seu conhecido livro The EM CIMA W. M. F. Petr/e fica, devidamente ordenada, foi estabelecido por
Manners and Customs o{ the Ancient Egyptians (1853'1942), ornais W. M. F. Petrie, que fez escavações por todo o
activo arqueólogo a
(1837), que se tornou um clássico sobre religião, trabalhar no Egipto, foi o Egipto e publicou um registo pormenorizado e uma
vida diária e cultura durante muitos anos. Ou­ pioneiro de novos métodos análise dos achados de quase todos os anos entre
tra figura-chave em Egiptologia nesta altura foi científicos e produziu mais 1881 e 1925.
Robert Hay que, como Wilkinson, não foi apoia­ de 1000 publicações. Entre 1870 e 1880 foi descoberto em Tebas um
do por qualquer organização. Financiou ele 2. Um desenho de
túmulo contendo as múmias de muitos dos faraós
mesmo um número de importantes expedições, Giovanni Belzoni (1778- do Império Novo. Estes tinham sido retirados
que resultaram em estudos pormenorizados. -1823) que mostra o pelos sacerdotes das suas sepulturas originais e no­
Este trabalho descritivo, sério e fundamen­ transporte de um colossal vamente sepultados, para evitar a sua violação pelos
tal acabou por despertar o interesse oficial e, busto de Ramsés II, que se assaltantes de túmulos. Os arqueólogos dirigiram a
tomou parte da colecção
entre 1842/1845, o rei da Prussia financiou uma do Museu Britânico. A sua atenção para a exploração do Vale dos Reis, em
expedição ao Nilo em grande escala. Esta foi bem-sucedida direcção de Tebas, para localizar os túmulos originais. Howard
conduzida pelo competente Karl Lepsius, que Belzoni relativamente ao Cárter, um antigo assistente de Petrie, começou a
conseguiu algumas importantes antiguidades para transporte para Inglaterra escavar ali em 1912, sob o patrocínio de Lord
de uma estátua de tal peso
o futuro Museu de Berlim e escreveu uma ex­ foi uma notável proeza.
Carnarvon. Finalmente, em 1922, descobriu o
tensa obra, em 24 volumes, intitulada Denkmàler túmulo de Tutankhamon, o primeiro túmulo de
aos Aegypten. Esta é a maior obra sobre Egip­ À DIREITA Retraio de faraó a ser descoberto perfeitamente intacto. A in­
tologia alguma vez publicada, sendo ainda um va­ Henry Salt (1780-1827), crível riqueza de ouro e os soberbos artefactos artís-
lioso trabalho de referência para os estudiosos o cônsul britânico no
Egipto, cuja importante
actuais. colecção de antiguidades
Os egiptólogos preocuparam-se largamente constituiu a base da
com datas e linguagens e fizeram-se escavações colecção egípcia do
de forma pouco científica. Foram destruídas mui­ Museu Britânico.
tas inscrições e papiros, numa procura ansiosa de
à ESQUERDA Desenho
antiguidades mais atractivas, ao mesmo tempo colorido de relevos
que negociantes pouco escrupulosos tiveram em pintados no túmulo de Seti
pouca conta a maneira como conseguiam acesso l, |x>r Henry Salt (17S0-
aos túmulos. Um francês, de nome Auguste -1827), então cônsul
britânico no Egipto. Foi
Mariette, que andava a reunir antiguidades para um coleccionador
o Museu do Louvre, teve consciência da neces­ entusiasta, responsável
sidade de prevenir o saque indiscriminado de pela obtenção de algumas
locais de interesse e organizou, para os Egípcios, das mais importantes
esculturas do Museu
um serviço oficial de antiguidades. Mariette
Britânico e também um
assegurou que as licenças para escavações fossem hábil artista amador
emitidas unicamente a favor de estudiosos qua­ (Museu Britânico).
lificados e dedicou-se à fundação do Museu do
Cairo. Um novo padrão de arqueologia cientí-

11
A ANTIGUIDADE E G í P C I A

. Cronologia Comparativa do Antigo Egipto


Data No Egipto Período Algures no Mundo

Última inscrição demótica conhecida PERÍODO Cultura clássica Maia da América do Sul

500 d. C
í GRECO-ROMANO Pilhagem de Roma
Última inscrição hieroglífica conhecida
Fundação de Constantinopla
A rainha Zenóbia, de Palmira, ocupa o Egipto Cultura média Moche na América do Sul
Começo das principais construções em Teorihuacan
Guerra Bucólica
Diáspora judaica
Distúrbios alexandrinos O Vesúvio submerge Pompeia
Cláudio invade a Bretanha
Morte de Cleópatra

Templo construído em Edfu PERÍODO Nascimento de Cristo


0
PTOLOMAICO O Budismo chega à China
Júlio César invade a Bretanha
Revolta dos governantes nativos em Tebas
Destruição de Cartago
u Aníbal atravessa os Alpes
Ptolomeu Lagos governa como faraó Começo da unificação do Império Chinês
5 XXI-XXX
Alexandre, o Grande, no Egipto Morte do imperador Asoka
* DINASTIAS

3i ÚLTIMO
Últimos faraós nativos PERÍODO Alexandre, o Grande, na índia
I
DINÁSTICO
Construção do Pártenon
Derrota dos Persas em Maratona

500 a. C. Os. Persas anexam o Egipto Nascimento de Buda


: Nabucodonosor destrói Jerusalém
Os Medos destroem Babilónia
Colónias gregas no Egipto
Levantamento de cidades na índia
Começo da Grande Muralha da China
i Invasões assírias
Fundação de Roma
Os reis cuxitas governam o Egipto Primeiros Jogos Olímpicos

Sheshonq I saqueia Jerusalém Morte de Salomão


David governa a partir de Jerusalém
Maior poder dos sumo-sacerdotes de Tebas Cultura Chavín da América do Sul (Peru)

Extensa pilhagem nos túmulos de Tebas XVIII-XX


1000 a. C.
DINASTIAS
Queda de Tróia
Ramsés III rechaça os Povos do Mar IMPÉRIO
Cultura olmcca da América Central
NOVO
Mereptah reprime as invasões Iíbias
Recontros com Hititas na Síria Principal fase de construção em Stonehenge

Tutankhamon regressa a Tebas Dinastia Chang na China


Akhenaton funda Akhetaton (TelI El-Amama)
Começo do templo de Lucsor
Queda de Cnossos e do Império Minóico
Tutmés III conquista a Síria
A rainha Hatchepsut governa como faraó
1500 a. C Primeiro túmulo no Vale dos Reis
Amosis expulsa os Hicsos XIII-XVII
DINASTIAS
Os Tebanos opõem-se aos Hicsos
Os Hicsos apoderam-se de Mênfis SEGUNDO Hamurabi codifica a lei
PERÍODO
Avaris toma-se a capital dos Hicsos
INTERMÉDIO
Comércio com a Ásia, África e ilhas
do Mediterrâneo
Começo do templo de Kamak
XI-XII
Fortalezas construídas na Núbia DINASTIAS
Nova capital em Itj-tawy IMPÉRIO MÉDIO
Mcntuhoep II reunifica o Egipto

12
O ESTUDO DO ANTIGO EO I PTO

Cronologia Comparativa do Antigo Egipto


Data No Egipto Período Algures no Mundo

2000 a. C. Guerra civil entre Tcbas c Heracleópolis Primeira cerâmica feita na América Central
VII-X
DINASTIAS
Pepi II reina durante 94 anos A mais primitiva fundição de ferro
PRIMEIRO no Médio Oriente
PERÍODO
A pirâmide de Unas, a primeira Os indo-europeus entram na Anatólia
INTERMÉDIO
a conter texto
III-VI
Sargão de Agadc
Templos do Sol em Abu Gurab DINASTIAS Culturas da índia no Vale do Indo
IMPÉRIO
Expedições a Punt (Somália) ANTIGO Arquivos de tábuas em Ebla

2500 a. C. Khufu constrói a Grande Pirâmide Inumações reais em Ur

Primeira verdadeira pirâmide cm Dahshur


DINASTIAS I-II
Pirâmide de degraus em Sakara PERÍODO
ARCAICO
Expedições ao Sinai e à Núbia

Comércio com a Ásia e a África tropical

Primeiros elementos arquitectónicos de pedra

3000 a. C. Invenção da escrita hieroglífica Primeira cerâmica na América do Sul


Egipto unificado. Fundação de Mênfis
Aparecimento da cerâmica vidrada conhecida
por pasta egípcia PERÍODO Os Sumérios introduzem a escrita
PRÉ-DINÁSTICO

Produção de recipientes de pedra


CULTURA
Cerâmica clara pintada NAGADA II

3500 a. C. Produção dos primeiros recipientes de pedra CULTURA


NAGADAI
Cerâmica gravada pintada de branco

Primeiros modelos da figura humana


CULTURA
Prática de trabalhos em metal BADARIANA

Primeira produção de cerâmica vermelha

4000 a. C. Cultura de cereais e linho IDADE


DA PEDRA
EGÍPCIA

13
ticos revelados por todo este tesouro deu lugar a em cima Howard Cárter ram também fundadas muitas sociedades especia­
uma cobertura maciça pelos meios de comunica­ (1874-1939) e o seu gripo lizadas para patrocinar escavações no Egipto e
de arqueólogos a cavalo
ção social que, na realidade, prendeu a imaginação no Vale dos Reis, publicar jornais regulares. Uma das mais famosas
das pessoas acerca do Antigo Egipto. exactamente antes da sua é a Egypt Exploration Society (Sociedade de Explo­
Além dos túmulos, os arqueólogos escavaram famosa descoberta do túmulo ração do Egipto) que tem uma história notável de
locais de residência, de forma a descobrir mais de Tutankhamon, em 1922. trabalho de campo e oferece aos seus membros um
dados sobre a vida do dia-a-dia dos Egípcios. As meio de se manterem em contacto com os últimos
descobertas mais importantes neste campo têm sido desenvolvimentos na pesquisa egiptológica.
na antiga cidade de Tell El-Amama e na aldeia de Embora os tesouros de Tutankhamon fossem
artífices de Deir el-Medina. Em Tell El-Amama, devolvidos ao Museu do Cairo, desde a sua des­
um grupo alemão dirigido por Ludwig Borchardt, coberta que o governo egípcio tem sido algo
ao escavar uma oficina de escultor, descobriu o fa­ restritivo na concessão de licenças para escava­
moso busto de Nefertiti. Os levantamentos arqueo­ ções. Estão desejosos, naturalmente, de nada mais
lógicos em grande escala têm sido de grande perder da sua herança cultural, e tanto os inves­
importância para a Egiptologia, iniciados que fo­ tigadores como os museus têm encontrado difi­
ram pelo trabalho de Norman de Garis Davies culdade quanto a patrocínios, já que não lhes é
(1865-1941). Tomou-se o maior copista de túmulos permitido ficar com aquilo que encontram.
egípcios e, só sobre estes, publicou mais de 25 vo­ A partir da década de 50, as universidades e as
lumes, enquanto sua mulher, Nina, executou lin­ organizações egípcias de antiguidades escavaram
das reproduções coloridas de pinturas murais. muitos sítios e publicaram uma quantidade cres­
O trabalho mais importante deste tipo, a seguir a cente de material de pesquisa. Contudo, na dé­
Davies, foi feito pela Universidade de Chicago, que cada de 60, os Egípcios fizeram um apelo mundial
tem uma base em Lucsor chamada The Chicago para os ajudarem a salvar da inundação os seus
Howse. Esta organização, fundada por James importantes monumentos núbios devido à cons­
•reasted, publicou um registo exaustivo dos tem- trução da barragem de Assuão. Foi constituído um
P os importantes em Medinet Habu e Abidos. Fo- consórcio internacional de empreiteiros e arqueó-

14
O ESTUDO DO ANTIGO EGIPTO

. '

EM cima Gravura colorida


da publicação épica de
Champollion Monumentos
do Egipto (1835-47),
mostrando Ramsés ll
no seu carro triunfal.

EM BAIXO Gravura colorida


mostrando uma pintura
de um túmulo tebano
da publicação de Rosellini
(1832-44), que registou
os monumentos egípcios
em grande pormenor.

15
A ANT10U!DA DE EG í PC 1 A

distribuídas pelos museus do mundo. O estudo da


língua tem sido sempre da maior importância para
os egiptólogos, que muito podem aprender com
a leitura de uma grande quantidade de textos que
sobreviveram gravados nos monumentos de pe­
dra, papiros e cerâmica c fragmentos de conchas
calcáreas. O livro de textos mais útil para os es­
tudiosos da língua é a famosa Egyptian Grammar,
por Sir Alan Gardiner. Publicada pela primeira vez
em 1927, tem permitido a gerações de egiptólogos
estudar a escrita hieroglífica. Muitos progressos se
têm feito na leitura da difícil escrita demótica e
muitos textos esperam para ser traduzidos e publi­
cados. Estes podem dar-nos algumas novas infor­
mações sobre os antigos Egípcios.
Actualmente, o Antigo Egipto pode ser es­
j
tudado a vários níveis cm universidades, facul­
r' dades, escolas e institutos de educação para
adultos. Pode considerar-se um grau de licencia­
tura independente ou combinado com o de His­
= tória da Antiguidade, Arqueologia, História de
* Arte, Estudos Clássicos ou Linguísticos. Muitos
museus, sociedades e institutos de educação para
adultos oferecem também cursos com diapositi­
vos, filmes e vídeos. O próprio Egipto está a tor-
nar-se cada vez mais popular e ao alcance dos
turistas e algumas companhias oferecem férias de
estudo especiais, com cruzeiros pelo Nilo, e con­
vidam egiptólogos e guias especializados para
acompanhar as excursões.
Os modernos egiptólogos dispõem, de longe,
de maiores fontes de estudo do que os seus pre­
decessores. Têm dicionários, listas de reis e des­
crições pormenorizadas de sítios que os ajudam
EM CIMA As pirâmides nas suas pesquisas.
de Giza (c. 2500 a. C.j.

A ESQUERDA A máscara
de ouro de Tuiankhamon
(c. 1350 a. C.)

À direita Cabeça de Cleópatra


(c. 58 a. C., Museu Britânico)

logos para transferir o enorme templo de Abu-


-Simbel e alguns outros monumentos para um ter-
reno mais elevado.
O projecto de salvamento inspirou ponneno-
rizadas inspecções de sítios sob a ameaça das águas
da inundação e maior interesse pela Núbia. Os eru-
ditos tratam agora os estudos nubianos como um
ramo separado da Egiptologia, com a investigação
concentrada nas colónias mais antigas e no Reino
de Meroé que sobreviveu até ao século IV.
O próprio trabalho no Egipto é ape nas uma ao lado Howard Cárter
e Lord Camarvan
pequena parte da Egiptologia e muito tem sido
a trabalhar no túmulo
conseguido ao estudar colecções de antiguidades de Tuiankhamon, em 1922.

16
O ESTUDO DO ANTIGO EGIPTO

EM cima Um aspecto do EM baixo Uma aguarela


Ramesseum, Tebas, no pintada pelo famoso
século XIX, por Francis Frith arqueólogo Howard Cárter
(1822-1898), um dos mais (1874-1939), que foi
notáveis fotógrafos pioneiros também um artista dotado
britânicos que viajou pelo de uma família de pintores.
Egipto.

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I A esquerda Embora haja em cima August Marietie
5 apenas uns poucos obeliscos (1821'81) organizou

3 ainda de pé no Egipto, luí


mais de 50 nas praças de
capitais da Europa e da
o serviço de Antiguidades
Egípcias e fundou o Museu
do Cairo. Dirigiu escavações
I América (Litografia de muito importantes e publicou
David Roberts, c. 1846). muitos livros sobre
I Egiptologia.
i EM BAIXO EgiptólogOS
a trabalhar com um A direita O Túmulo da
computador. A moderna rainha Nefertari - uma
tecnologia veio ajudar o cópia em aguarela por Nina
estudo da Egiptologia. Davies (I88DI965).
Registos como estes são
inestimáveis, dado que
muitas pinturas tumulares
se deterioraram muito desde
a sua descoberta.

O escudo das colecções dos museus também


tem melhorado significativamente, através de
melhor documentação dos artefactos patentes nos
computadores e arquivos fotográficos pormeno­
rizados. Pode-se conseguir, frequentemente, novos
conhecimentos pelo uso das técnicas científicas
mais recentes, que ajudam a datar e a analisar o
material. Há, internacionalmente, um maior con­
tacto entre os egiptólogos através de conferências
especializadas e da popularidade generalizada de
exposições de antiguidades egípcias.
O Antigo Egipto cobre um longo período da
História e uma vasta área geográfica. Embora já
muito tenha sido conseguido pelos egiptólogos, há
alguns períodos da História e faraós de que sabe­
mos pouco ou nada. A investigação sobre as
colecções continua, devendo haver ainda muitas
antiguidades a trazer à luz para serem estudadas.
O ESTUDO DO ANTIGO EGIPTO

19
A ANTIGUIDADE EGÍPCIA

\ yfuita gente desconhece que existem outras


IV1 pirâmides além das três de Giza. De facto,
! há restos de cerca de 80 pirâmides no Egipto,
embora haja mais de 100, posteriores e menos sig­
nificativas, no Sudão. Todavia, a superior cons­
CAPÍTULO DOIS
trução, tamanho e acessibilidade do Cairo das
pirâmides de Giza fez destas as mais famosas. E a
;
única das Sete Maravilhas do Mundo Antigo que
i ainda subsiste.
Apesar de muitas teorias fantasiosas, estas pi­
râmides foram simplesmente túmulos dos faraós.
Todas continham sarcófagos e estavam situadas
í

Pirâmides na margem ocidental do Nilo, onde os Egípcios,


tradicionalmente, sepultavam os seus mortos.
Como todas as pirâmides, foram construídas em
grupos e faziam parte de um vasto complexo
i cemiterial, que incluía templos mortuários e
túmulos de outros membros da família real e de
? cortesãos, além de numerosos sacerdotes e funcio­
nários. Embora as pirâmides de Giza sejam úni­
3 cas, a sua forma perfeita desenvolveu-se a partir
I de estruturas tumulares reais mais antigas.
*■
Até à III Dinastia, a forma tradicional do
! túmulo real era uma mastaba. Estas, na sua maio­
ria, eram grandes edificações rectangulares com
; cobertura plana e lados inclinados. Por baixo fica­
vam as câmaras fúnebres e os compartimentos,
escavados no leito da rocha. Normalmente cons­
truídas em tijolo de lama, eram como que formas
arquitecturais das elevações tumulares pré-histó­
ricas. A mais antiga pirâmide ainda subsistente,
a famosa Pirâmide de Degraus, em Sakara, foi ori-
ginariamente concebida como mastaba. Em de­
terminada fase os planos foram alterados e a
pirâmide cresceu numa série de seis terraços pro­
gressivamente diminuídos.
A Pirâmide de Degraus foi construída, por
volta de 2650 a. C., para o rei Djoser pelo seu
arquitecto Imhotep. E a edificação em blocos de
pedra mais antiga do mundo e a grande realiza­
ção de Imhotep levou-o a ser venerado pelas gera­
ções que se seguiram como um deus de sabedoria.
A Pirâmide de Degraus é a de características mais
importantes num vasto complexo de arquitectura
funerária. Estas edificações e pátios têm a função
de uma espécie de palco, onde o rei defunto de­
sempenharia os seus ritos fúnebres. São de grande
LM cima As pirâmides
importância porque, sendo de pedra, subsistiram
de Giza. onde a maioria das estruturas de tijolo mais anti­
gas se desintegraram. Originariamente, estavam
cercadas por um muro de uns 500 metros de com­
primento por 300 metros de largura. Nesse tempo,
a vista deste muro de calcário branco brilhante,
com a pirâmide a sobressair por detrás, deve ter
sido um espectáculo majestoso. Erguendo-se na
orla de um planalto sobranceiro à antiga capital

20
AS PIRÂMIDES

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' ■■- |fe

de Mênfis, deve ter representado um grande sím­ EM CIMA A Pirâmide Sakara, o rei Seneferu contruíu a chamada Pirâ­
bolo do poder eterno do seu rei-deus para os de Degraus do rei Djoser mide «Inclinada», que não é em degraus mas de
em Sakara é a pirâmide
Egípcios que a construíram. As suas arestas vivas mais antiga que sobreviveu, lados lisos, com excepção de uma curiosa
e limpas têm sido desde então marcadas pela pas­ construída por volta mudança de ângulo no meio. Construiu também
sagem do tempo e o seu revestimento de calcário, de 2650 a. C. uma outra pirâmide em Meidum que parece ter
admiravelmente trabalhado, tem sido saqueado, sido originariamente em degraus e depois modi­
apesar de se elevar a uma impressionante altura ficada para ser de lados lisos. As fiadas exteriores
de 60 metros. O corpo do rei Djoser nunca foi de alvenaria ruíram, deixando à vista a curiosa
encontrado e, como a maioria dos túmulos, a pirâ­ estrutura que hoje ainda subsiste. Esta tomou-se
mide foi pilhada em tempos antigos. Contudo, meramente um monte de areia e cascalho enci­
foram descobertos dois sarcófagos de alabastro, mado por uma alta torre que é, na realidade, o
um contendo o corpo de uma criança, enquanto cone da pirâmide. O filho e sucessor de Seneferu
no recinto também foram encontrados uns 30 000 foi provavelmente Khufu, tendo sido ele que es­
vasos de pedra. colheu o imponente local em Giza para construir
EM baixo A Pirâmide de
A pirâmide atravessou vários estágios de Degraus adjacente a uma a mais perfeita e impressionante pirâmide de
desenvolvimento no século anterior ao das pirâ­ mastaba, a partir da qual se todas, a Grande Pirâmide.
mides de Giza. A vários quilómetros a sul de desenvolveu a sua estrutura. A Grande Pirâmide, no seu estado original,
elevava-se a 160 metros e calcula-se que conte­
nha 2 300 000 blocos de pedra. O seu enorme
tamanho tem induzido as pessoas a fazer algumas
estatísticas fascinantes. A área que cobre é
suficientemente grande para conter as catedrais
de Florença, Milão e S. Pedro, em Roma, bem
como a Catedral de São Paulo e a Abadia de
Westminster, em Londres. Napoleão calculou que
m * os blocos de pedra das três pirâmides de Giza te­

J ím /- l
T*
riam sido suficientes para construir uma muralha
de 3 metros de altura e 30 cm de espessura em
redor de toda a França. Esta reivindicação foi
também verificada por um eminente matemático
uLLa ijíí&a

fcn.ii Bi francês contemporâneo.
A orientação da Grande Pirâmide é incrivel­
mente precisa. Os quatro lados, cada um com
mais de 230 metros de comprimento, estão ali-

21
A A N TI 0 UIDADE EGí PC1A
- 'í

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EM cima As pirâmides
*5
de Giza - a Grande O Complexo de Pirâmides de Giza
Pirâmide de Khufu
F (à esquerda) e as pirâmides
a de Khafré (ao centro) 4
c Menkaurc (à direita) -
Khufu &
i as três pirâmides mais ít^,
3 pequenas, à freme, C 0 C 0 00 D D “0 0
í
pertenciam a rainhas. CODOCOOOHoO UO, WtÕD* *
5 13? :
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Khafré
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Barças
SUPULTURAS
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Pirâmides* ^ D n )f
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Menkauré í
Templo
Mortuário
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Passagem

Templo
do Vale
;===:==; = = HSj1

A Grande Pirâmide do Rei Khufu

Grande Galeria

.vv; ....
Corredor Ascendente
Galeria de ;:v
Ventilação /
-. jrO
Câmara Funerária /
do Rei /

*.- •'A : Entrada «Moderna»


Escapatória .iji
\ Forçada
—.

Câmara Inacabada
Corredor Descendente

22
AS PIRÂMIDES

Construção da Pirâmide

á ESQUERDA Construção em baixo Há muitas teorias


interna: a maioria das relativamente à colocação das
verdadeiras pirâmides é formada rampas de acesso. Supondo que
por uma série de paredes de a pirâmide de degraus dentro da
suporte cobertas de alvenaria, pirâmide foi construída primeiro,
construídas em volta de um as rampas podiam ler corrido de
núcleo central. A altura das um degrau para o seguinte, em
paredes de suporte decresce do vez de se aproximarem da face
centro para fora, formando uma da pirâmide em ângulos rectos.
estrutura em degrau que
acrescenta estabilidade à
estrutura. Foram usados blocos
de entulhamento para encher
os degraus c blocos de
cobertura completaram
a transformação
À direita Rampas de construção:, numa verdadeira
os construtores de pirâmides pirâmide.
enfrentaram o problema da
elevação dos pesados blocos
de pedra até à altura reqiterula.
O único método provado usado
pelos Effpcios está baseado em
rampas. Eram de tijolos de lama
e cascalho e eram usadas zorras
para arrastar os blocos para cima
(o transporte com mias mio era
usado nesta época). À medida
que a pirâmide aumentara, o
comprimento da rampa e a largura
da sua base aumentava, jxtra não
aluir. Provavelmente eram ustulas
iánas rampas, ipie chegavam
à pirâmide por diferentes lados.
^ ^ X
..... ..
1>

V
\^

EM CIMA Precisão geométrica: à DIREITA Algumas das medidas


o mínimo erro no ângulo de das pirâmides demonstram o uso
inclinação de uma pirâmide preciso de fórmulas matemáticas
resultaria num substancial mau como jr (por exemplo, altura da
alinhamento nas arestas do pirâmide = perímetro da base.
vértice. Os princípios de zn
construção de pirâmides são-nos O conhecimento matemático dos
familiares, mas o procedimento Egípcios não linha ainda
exacto continua por conhecer. avançado o suficiente para
chegar a este cálculo, mas
podiam ter chegado aqui
*acidentalmente», através da
medição de distâncias pela
contagem das rotações de um
tambor, por exemplo.

23
A A N T 1 O IMDADE E O í P C 1 A

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«
5
\
i
AS PIRÂMIDES

Escala Comparativa das Pirâmides Com Outras Construções Famosas

Sakara-Netjerirkhet Giza-Khufu Giza-Kafré Giza-Menkauré DahchurSnofru


60 m 146 m 143,5 m 65,5 m 105 m

nhados quase exactamente sobre os verdadeiros  ESQUERDA O rei Khafré, de distância. Quase todas as pedreiras que for-
Norte, Sul, Este e Oeste. Estes alinhamentos são construtor da segunda neceram esta pedra situavam-se perto das mar­
pirâmide de Giza, reflecte no
tão precisos que os erros de bússola podem ser ve­ seu rosto altivo o poder gens do Nilo, tal como as pirâmides, o que
rificados por eles. Trata-se de um feito extraordi­ supremo do faraó no Império significa que o rio podia servir para o transporte
nário, considerando que a bússola magnética era Antigo. O falcão, da pedra por jangadas. Cada pirâmide tem uma
desconhecida pelos antigos Egípcios. Provavel­ estendendo as asas passagem que a liga ao Nilo. Esta era uma es­
protectoramente em volta da trada cortada na rocha, que se destinava à pas­
mente, conseguiram obter uma tal precisão, ob­
cabeça do faraó, representa
servando uma estrela do Norte, o nascer e o Hórus, o deus associado com sagem do cortejo fúnebre. Entretanto, tomava-se
pôr-do-sol. Os pontos cardeais, Norte e Sul, po­ a dignidade real. (c. 2540 a. uma estrada conveniente, ao longo da qual se
diam ter sido estabelecidos pela tomada de me­ C.) (Museu do Cairo.) podiam arrastar as zorras que transportavam a
didas com o fio-de-prumo. pedra para a pirâmide.
EM BAIXO A pirâmide de
Os milhões de blocos de pedra que forma­ Meidun representa o estágio
O fornecimento de tanta pedra exigia uma
ram a pirâmide são de três tipos principais, oriun­ de transição da pirâmide de intensa extracção. Os antigos Egípcios possuíam
dos de três pedreiras. O grande volume de pedra degraus para a verdadeira pouco mais do que escopros de cobre primitivos
que forma o núcleo é de calcário de baixa qua­ pirâmide. Foi concebida e, assim, devem ter desenvolvido uma técnica
originariamente como uma I
lidade, abundante nas proximidades. Os blocos especializada para extrair a pedra. Era mais fácil
pirâmide de degraus e
de calcário branco, muito mais lisos, para o re­ posteriormente tranfomuida cortar o calcário mais macio do que o duro gra­
vestimento e que originariamente cobriam toda numa verdadeira pirâmide nito. A qualidade mais baixa de calcário era ex­
a sua superfície, provinham de Tura, a norte do por intermédio de um traída muito facilmente das pedreiras a céu
Nilo. Os blocos mais pesados, alguns pesando revestimento; ))orém, as aberto, dado que ficavam à superfície. Todavia,
enormes pressões criadas
mais de 50 toneladas, usados para alinhar as levaram à sua parcial
era necessário abrir galerias para obter o calcário
câmaras interiores e as passagens, são de grani­ derrocada mais fino de Tura e o granito. Isto era provavel­
to das pedreiras de Assuão, situadas a 800 km mente feito pela aplicação de calor e água. Intro-
duziam-se cunhas de madeira em fendas na
rocha e depois ensopadas em água, o que as fa­
zia alargar e separar a pedra. Os blocos eram en­
tão esquadrados, por intermédio de cinzéis e de
malhas. Também eram usadas serras de cobre,
talvez com lascas de pedras preciosas para faci­
litar o corte. Para trabalhar o granito tinham de
o bater com bolas de uma pedra mais rija, cha­
mada dolerito. Embora a maioria dos blocos de
calcário que formavam o núcleo tivesse um aca­
bamento grosseiro, as pedras das faces tinham
de ser cortadas com grande precisão. Muitas
destas foram depois pilhadas pelos canteiros do
Cairo, mas as que ficaram na base, cobertas pela
areia, ajustam-se tão perfeitamente que as jun­
tas são quase invisíveis. Teriam sido alisadas de­
pois de colocadas no lugar, quando a construção
da pirâmide terminou.
m
A ANTI OUI O A DE EGI TC1 A

EM CIMA Fotografia da
Esfinge do séado XIX, que
) representa o rei Khafré com
. um possante corpo de leão.
Por trás está a sua pirâmide
\ túmulo.
i
J
À direita Estatueta
í de bronze de Imlwtep,
o arquitecto da primeira
pirâmide de degraus em
pÉ Sakara. Mtiís tarde, Imlwtep
foi venerado como um deus
í 1
de sabedoria.
(c. 600 a. C., Museu
Britânico).
!

Perto do local foram descobertas enormes EM CIMA Fotografia do poneses agricultores. Durante três meses por ano,
século xix que mostra
lixeiras pejadas de desperdícios dos blocos. Foi cal- turistas a serem ajudados a
na época da inundação, os homens não podiam
culado que o volume deste entulho é equivalente escalar as pedras da Grande trabalhar nos campos e, portanto, estariam inac-
a mais de metade do das pirâmides. Pirâmide. Com o passar do tivos. O esforço combinado destes camponeses
Não sobreviveu qualquer prova escrita con­ tempo, a pirâmide foi para construir o túmulo do seu faraó era justifi­
temporânea que descreva como foram construídas expoliada do seu fino cado pela crença de que ele era um deus. Pensa-
revestimento exterior,
as pirâmides. O historiador grego Heródoto, que deixando à vista os blocos de va-se que o faraó era o Filho do Sol, que tomara
visitou o Egipto no século V a. C., afirmou que encaixe, que formam uma a forma humana para conduzir o povo que con­
grupos de 100 000 trabalhadores, em turnos espécie de escadaria irregular tinuaria a ajudar no Outro Mundo.
rotativos de três meses cada, trabalharam dura­ por onde é possível subir. Os camponeses levavam a cabo o trabalho
mente durante 20 anos na construção da Grande puramente físico, mas, neste vasto projecto de
Pirâmide. Os egiptólogos crêem agora que foi construção, deve ter havido muitos trabalhado­
construída em menos tempo por menos homens. res especializados. A enorme exigência de pedra
Muita gente tem a falsa impressão que as pirâmi­ deveria requerer cabouqueiros especialistas. Tra­
des foram construídas por escravos para um faraó balhavam em grupos e muitas pedras têm ainda
tirânico. É improvável que os Egípcios tenham os seus nomes pintados, tais como «Grupo Barco»,
tido quaisquer escravos nessa época, pois a sua «Grupo Sul» e «Grupo Resistente». A pedra te­
sociedade era em larga medida composta por cam­ ria ainda de ser talhada em blocos e acabada

26
I) E S

•'
A ANTIGUIDADE E G í P C I A

_____

por canteiros. Seriam necessários homens com


habilitações para a construção, para o nive-
lamento e o assentamento dos blocos. A maior
parte da força de trabalho estava envolvida no
transporte da pedra unicamente quando não
podia trabalhar nos campos, mas os trabalhado-
res mais especializados estariam ocupados per­
manentemente na pirâmide ou nas pedreiras.
Perto da Grande Pirâmide foram escavados alo­
jamentos para 4000 homens. Pelas ferramentas
lá descobertas é provável que fossem ocupados
por empreiteiros e canteiros que trabalhavam
nas pirâmides. A nossa concepção de corno foi
construída a Grande Pirâmide só pode basear-se
em especulações. Deve ter sido necessária uma
grande dose de estudo e de trabalho de planea­
mento antes de se ter iniciado qualquer constru­
ção. Esboços sobreviventes de outras construções
sugerem que deviam ter sido feitos planos e exis­
tem modelos em calcário de diferentes pirâmi­
des que podem representar contributos para o
planeamento arquitectural. O local necessitaria
de ser completamente nivelado antes do começo
do trabalho. Provavelmente, calculavam isto
com precisão, cavando uma vala de água em
redor do perímetro quadrado. Também seriam
necessários alguns conhecimentos de matemá­
tica, geometria e astronomia para calcular os
ângulos da pirâmide. E certo que as várias fia­
das de pedra eram assentes a partir do centro
para fora, pois há casos em que os blocos do
núcleo central foram colocados por baixo dos
blocos de cobertura. Também é evidente que
alisavam estes blocos do revestimento final de
cima para baixo. Não sabemos como é que os
blocos eram elevados a partir do solo até à sua

28
AS PIRÂMIDES

EM cima Vista acrea da posição final. É provável que este fornecimento Pirâmide é constituído por uma passagem de
l)irâmide do faraó Khufu - maciço e as rampas fossem feitas em redor da aproximação e pela própria câmara fúnebre.
no vértice estão os restos da
cobertura original em pedra área de construção. Os pesados blocos teriam O tecto inclinado e as traves mestras de granito
de boa qualidade. sido arrastados pelas rampas acima, em zorras, na câmara fúnebre servem para suportar o peso
até à plataforma de trabalho. Foram descober­ colossal que se encontra por cima. A passagem
EM CIMA, À ESQUERDA Uma
figura da barca fúnebre do tos os restos de rampas na Pirâmide de Meidurn. que leva à câmara é mais larga em cima, para per­
faraó Khufu descoberta Também devem ter usado uma espécie de an­ mitir que a entrada mais estreita fosse vedada com
numa escavação perto da daimes para a revestir de calcário. blocos de granito gigantescos a servir de tampão.
Grande Pirâmide, em 1951. Através da história, o enorme volume de pe­ O desenho do interior só parece complicado por­
As suas partes componentes
foram cuidadosamente dra da Grande Pirâmide levou as pessoas a acre­ que a localização da câmara fúnebre foi mudada
desmontadas após o funeral ditar que muitos segredos jazem escondidos no seu duas vezes durante a construção. As duas
do faraó, mas foi interior. Os primeiros cristãos acreditavam que as chamadas «chaminés de ventilação» podem ter
reconstruída e está agora pirâmides eram os celeiros de José, enquanto mui­ sido um meio simbólico de saída para o espírito
exposta num museu especial do rei morto. Textos posteriores da pirâmide des­
tas gerações de Árabes estiveram convencidas de
em Giza.
que continham tesouros fantásticos. Apesar de crevem o rei a subir ao paraíso sobre raios de sol.
EM BAIXO, À ESQUERDA
várias medidas de segurança estruturais, o tesouro A própria pirâmide podia ter representado os raios
Figura de madeira pintada,
de um túmulo, representando funerário que continham foi saqueado quando os de sol cintilando sobre a Terra. Talvez tivesse sido
um trabalhador agrícola violadores de túmulos os assaltaram, provavel­ concebida, como a Torre da Babilónia, como uma
(Museu Britânico). mente antes de 2000 a. C. O interior da Grande espécie de escada para o céu.

29
A ANTIGUI D A D U E G í P C I A

A palavra faraó vem do egípcio «Per-aa», que


jl\ significa Casa Grande e que, originaria-
mente, se referia mais ao palácio do que ao pró­
prio monarca. Era usada pelos escritores bíblicos
capítulo TRÊS
e foi, a partir de então, largamente adoptada
como uma palavra especial para designar o mo­
narca do Egipto. O faraó tinha vários títulos ofi­
ciais, que estavam relacionados com o seu status
único de ser deus e governante. Era referido
como sendo filho do deus Ré e o nome de Ré
está geralmente mencionado dentro dos seus

I
Faraós dois selos reais ou carteias, juntamente com o
seu nome pessoal. Acreditava-se também ser a
encarnação do deus Hórus, filho de Osíris que,
na mitologia do Antigo Egipto foi o primeiro rei
i do mundo.
O faraó é também constantemente referido
como o senhor das Duas Terras. Nos primeiros
* tempos, o povo do Egipto encontrava-se a norte
e a sul e a unificação destas duas regiões geo­
3 gráficas sob um só faraó tornou-se um evento
i
primordial na antiga história egípcia. Embora
tivesse sido estabelecida uma nova capital em
i
Mênfis, continuou a haver um centro de admi­
nistração governamental do Norte e do Sul e
através de toda a história do Antigo Egipto há
i ;
evidências de uma consciência profunda de que
um nação se formara das Duas Terras. Os anti­
gos Egípcios alcançaram uma unidade nacional
) através do faraó, que lhes trouxe todos os be­
nefícios de uma nação centralizada e possibili­
tou uma irrigação eficiente, o cultivo das terras
e a construção de pirâmides. A Grande Pirâmide
só poderia ter sido construída por um governante
que exercesse um completo controlo dos recur­
sos económicos do país. As grandes quantidades
de pedra, a ilimitada força de trabalho e a perí­
cia dos melhores artesãos estavam todas à
disposição do faraó. Khufu deve ter sido o mais
poderoso faraó dessa época e a sua pirâmide é a
maior. O tamanho decrescente das outras duas
indica, provavelmente, a diminuição do poder
dos sucessivos faraós. Com o declínio do poder
real, no fim do Império Antigo, os faraós seguin­
tes, no Império Médio, tiveram de lutar contra
EM CIMA Uma fina figura a força e arrogância crescente dos governadores
primitiva de um faraó de pé,
em marfim, descoberta em provinciais. O país foi dividido num número de
Abidos, datando, distritos administrativos chamados «nomos», sob
provavelmente, da I Dinastia, o domínio destes governadores, que transforma­
c. 3000 a. C. O faraó usa a ram os seus cargos em principados hereditários.
coroa branca do Alto Egipto
e uma longa veste que foi
Talvez para limitar o seu poder, os faraós do
usada no seu jubileu (Museu Império Médio desenvolveram uma hierarquia
Britânico). centralizada, tendo a residência real sido
transferida de Tebas para Licht, que era um cen­
tro mais conveniente para governar todo o país.
Estas reformas permitiram ao faraó Senusert III
k
30
OS FARAÓS

Inscrições Hieroglíficas de Nomes Reais Escolhidos


Construtores de Pirâmides do Império Antigo

o t
^5= 1 uu
j

u
Narmcr Djoser
ASeneferu
0^ w
Khufu (Qucops) Khafré
V7
Menkauré
(Menés)

Império Médio XVIII Dinastia

O
<s °1 o o
SL
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Senusert Hatchepsut Tutrnés lll Amenhotep III

XVIII Dinastia XIX Dinastia

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O lll

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I I I

W —'y
O1
Akhenaton Tutankhamon Horanheb

Faraós Guerreiros Tanitas Saítas

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Ui
O
*r~y v J Kr? v®y
Raniscs II Ramsés III Psusamcs I Psamtek

Conquistadores Estrangeiros
Que se Tornaram Faraós A /O
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ÍS
3^& ]k □
g <0 ^

Si
F7 VV
Daria (persa)
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Alexandre, o Grande (grego)
NFV vry VF3/
Cleópatra VII (grega) Augusto (nmano)

31
A antiguidade e g i P C I A

criar um exército bastante grande para as suas o trabalho do bronze, o cavalo, a carroça e ou-
campanhas nubianas, quando a fronteira foi tras armas de guerra, tais como arcos de flecha
deslocada mais para sul e ficou protegida por mais potentes,
uma rede de fortalezas. Numa outra campanha Os primeiros faraós do Império Novo afas­
aumentou o domínio que o Egipto já tinha so- taram os governantes hicsos e unificaram o
bre a Palestina e a Síria. Durante os curtos rei- Estado através de uma economia bastante mo-
nados de uns 70 faraós pouco enérgicos da XIII demizada. Prosseguiram com o alargamento dos
dinastia (c. 1786-1633 a. C), a burocracia au- territórios egípcios para a Ásia Ocidental até ao
mentou e a falta de um governo forte permitiu Eufrates. O «Império» Egípcio, que incluía as
que um grupo de asiáticos, chamados Hicsos, cidades-estado da Síria e da Palestina, pagava
invadisse c controlasse o Egipto durante algumas tributo mas manteve-se autogovernado enquan-
centenas de anos. Os imigrantes hicsos introdu- to a Núbia era administrada directamente pelos
ziram algumas inovações técnicas importantes - Egípcios através de um vice-rei nomeado.

32
OS FARAÓS

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EM CIMA Ramsés II, no seu O comércio e o ouro núbio contribuíram muito em estátuas e relevos com os atributos masculi­
carro, ataca a fortaleza
para a riqueza do país e para uma posição de nos atribuídos à realeza, incluindo a barba falsa.
hilita de Dapur, na Síria -
reconstrução de um relevo força nas relações internacionais e os tesouros Durante o seu reinado, o camareiro chefe,
pintado do Ramesseum, fúnebre reais subsistentes mostram uma riqueza Senenmut, assumiu uma posição de grande po­
Tebas, c. 1270 a. C. e uma beleza estética sem precedentes. der como seu favorito e supervisionou a cons­
Os faraós do Império Novo, em particular os trução do seu magnífico templo em Deir
da XVIII dinastia, suscitaram um maior interes­ el-Bahari, em Tebas.
se popular. Um dos primeiros faraós notáveis du­ Tutmés III continuou a política de conquis­
rante este período foi, de facto, uma mulher ta com campanhas na Palestina, Síria e Núbia.
chamada Hatchepsut. Governou como parte Durante o seu reinado, foram feitas muitas cons­
dominante e com personalidade, numa co-re- truções impressionantes e construídos muitos
gência com o seu sobrinho e enteado, o jovem túmulos privados importantes, o que é um sinal
Tutmés III. Está frequentemente representada dos proveitos económicos da sua política impe-

33
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EM cima Templo da rainha


Hatchepsut, um complexo de
rialista. Mais tarde, durante o seu reinado, vol-
santuários com colunatas tou-se contra a memória de Hatchepsut e orde-
que se ergue em terraços nas nou que muitas das suas estátuas e relevos fossem
escarpas de Deir el-Bahan. desfiguradas ou usurpadas pelo seu próprio nome
e imagem. Os seus actos foram talvez devidos ao
EM BAIXO Estátua de um conceito egípcio de realeza, que era exclusi-
faraó do Império Médio - vamente masculino, mais do que ao ódio pessoal
a sua expressão pensativa para com a sua tia.
e preocupada é característica Sob a governação de Amenhotep III, o Egip-
do estilo de representação
durante este período (Museu to continuou a ser reconhecido pelos seus vizinhos
Britânico). asiáticos como uma potência superior. Na Síria,
o reino de Mitanni enviava princesas como ofer-
ta de tributo ao faraó e a paz trouxe grande pros-
peridade ao Egipto. Durante o seu reinado, houve
uma expansão sem precedentes da arquitectura
e da escultura em grande escala, muitas de sober-
ba qualidade. Sucedeu-lhe Amenhotep IV, mais
vulgarmente conhecido pelo nome de Akhenaton
devido à sua associação com o culto do Sol de
Aton. Akhnaton veio a ser considerado o «faraó
herege», visto ter quebrado com uma tradição re­
ligiosa há muito estabelecida de adoração a mui­
tos deuses e ter escolhido adoptar uma crença
singular. Acreditava que Aton era o criador uni­
versal de toda a vida e o seu símbolo visível eram
OS FARAÓS

os raios do sol. Entregou-se completamente à ex­


pansão da sua nova crença e negligenciou os as-
suntos do Estado e a desordem que reinava no
exército. Para se desligar do poderoso clero de
Tebas, construiu uma cidade completamente nova
a uns 300 km rio abaixo, em Tell El-Amama. Nesta
cidade, construiu um palácio para albergar a sua
corte e Tell El-Amama tomou-se a nova capital e
o centro religioso para o culto de Aton.
Akhenaton parece ter-se interessado muito
pelas artes e, além de ter composto vários hinos
ao deus Aton, encorajou o desenvolvimento de
um estilo de arte mais naturalista, inteiramente
novo. Infelizmente, muito pouco sobreviveu,
pois, após a sua morte foi proclamado herege, a
sua cidade foi sistematicamente destruída e os
seus monumentos desfigurados. Contudo, foram

EM CIMA Os chamados mente estabelecido. Quando Nefertiti morreu,


colossos de Memuon: pouco depois de Akhenaton, os sacerdotes de
gigantescas estátuas sentadas
do faraó Amenhotef) III, Amon aproveitaram a oportunidade para persu­
originariamente parte do seu adir o jovem faraó a renunciar à sua crença e a
templo mortuário em Tebas reinstalar em Tebas o culto dos deuses originais.
(c. 1400 a. C., Museu Em reconhecimento disto a terminação do seu
Britânico).
descobertos vários pedaços da escultura da figura nome foi mudada e tomou-se então conhecido
real, entre eles o busto de Nefertiti, considera­ como Tutankhamon. Os antigos costumes foram
do uma das mais famosas obras de arte do An­ À ESQUERDA Cabeça gradualmente restaurados e a cidade de Tell EI-
tigo Egipto. Foi também descoberta em Tell El- de quartzito de uma estátua -Amarna foi abandonada a favor de Tebas. Fo­
do faraó Amenhotep III ram feitos os preparativos usuais relativamente
-Amarna vária correspondência diplomática que (c. 1400 a. G, Museu
revela a desordem dentro do Império Egípcio. Britânico). ao túmulo do faraó no Vale dos Reis, em Tebas,
Há apelos de auxílio por parte dos reinos sob o mas ele morreu jovem, antes daquele estar con­
ataque dos Hititas que o faraó parece ter igno­ cluído. Foi necessário, portanto, sepultá-lo num
rado. túmulo provisório, cuja modéstia e localização
Depois da morte de Akhenaton, o herdeiro menos óbvia fez com que não chamasse a aten­
do trono foi Tutankhaton, cujo exacto relacio­ ção dos salteadores de túmulos. Embora tivesse
namento com ele nunca tinha sido completa- sido assaltado precipitadamente e com peque-

35
A ANTIGUIDADE EGÍPCIA

Incentivou um vasto programa de construção e


o seu Templo em Abidos contém numerosos so­
berbos baixos-relevos que são considerados por
muitos os mais belos exemplos de arte egípcia.
O estilo de escultura em relevo também foi usa­
do para decorar este túmulo, que é o maior e o
mais belo no Vale dos Reis. Para o fim do seu rei­
nado Seti I partilhou o trono com o seu filho
Ramsés II, que veio a tomar-se o maior de todos
os faraós.
Ramsés começou o seu reinado com uma
campanha militar na Síria, onde enfrentou os
Hititas na famosa batalha de Kadesh. Há nu­
merosas pinturas da batalha em relevos de
templos, que a mostram como uma grande
vitória egípcia, mas, de uma forma geral, crê-
-se ter sido uma batalha indecisa. Pouco de­
pois, houve uma trégua, que foi confirmada
pelos casamentos de Ramsés com princesas
hititas, tendo isto continuado durante mais de
50 anos. Ramsés pode ter usado a arte como
um meio de propaganda e as suas vitórias so­
bre os povos estrangeiros estão pintadas em
numerosos relevos de templo, ao mesmo tem­
po que teve mais estátuas colossais do que
qualquer outro faraó. Usou também muitas es­
tátuas já existentes, inscrevendo nestas a sua
própria carteia. Esta carteia está gravada em
todos os grupos significativos de ruínas no
Egipto e provavelmente metade dos templos
subsistentes têm acrescentos feitos por ele.
Muitos destes grandes projectos de construção
datam dos seus primeiros anos de governação
e parece que houve um considerável declínio
económico para o fim do seu longo reinado de
66 anos. Tinha quase 100 anos quando mor­
nos danos, permaneceu intacto durante mais de EM CIMA Parte superior reu e foi pai de cerca de 90 filhos de numero­
3000 anos. A imensa publicidade que a desco­ de uma grande estátua
de Akhenaton (Museu
sas esposas. Dos nove faraós seguintes que têm
berta do seu túmulo teve, em 1922, e a extre­ o mesmo nome, Ramsés III, provavelmente, é
do Cairo). Esta é uma
ma riqueza e beleza dos artefactos fizeram deste representação estilizada o mais notável. Herdou uma situação interna
jovem faraó, historicamente insignificante, o do mais misterioso estável e construiu um impressionante e belo
mais famoso de todos os faraós. e singular de todos complexo de templos em Medinet Habu. Con­
Tutankhamon não deixou herdeiro que lhe os faraós do Antigo Egipto.
seguiu malograr uma tentativa de invasão líbia
sucedesse e foi um importante e poderoso funcio­ e os renovados ataques dos chamados Povos
nário, chamado Ay, que em breve se tomou faraó. À direita Busto de gesso do Mar do Mediterrâneo. Durante todo o
Teve a segui-lo um bem sucedido general pintado da rainha Nefertiti. Império Novo a autoridade do faraó foi afec-
chamado Horemheb e, sob o seu reinado, todo o Esctdpida no estilo
tada por duas novas forças na política inter­
vestígio da heresia de Akhenaton foi erradicado naturalista usado durante
o reinado do seu marido, na do Egipto: o clero e o exército. O faraó,
da história do Egipto. A cidade de TelI El-Amama
o faraó Akhenaton, este como protector tradicional do Egipto, era as­
foi destruída e as insígnias reais de Akhnaton e é um dos mais belos sistido na política e nos assuntos militares por
Tutankhamon foram apagadas dos registos do e famosos exemplos na Arte
Templo. um exército. Os exércitos do Império Novo
Egípcia (c. 1365 a. C.,
Museu de Berlim). eram de longe maiores e mais organizados do
O primeiro faraó notável da XIX dinastia
(c. 1320-1200 a. C.) foi Seti, que consolidou o que nos tempos anteriores, com os seus car­
poder egípcio na Palestina e resistiu com êxito aos ros triunfais, infantaria e marinha. O exér­
cito estava organizado em quatro divisões de
com os quais assinou um tratado de paz.
cerca de 5000 homens cada, que, gradual-

36
i
A A N T I G I' I P A P U K G í P C I A

qualificados para ascender à realeza, em várias


ocasiões, durante a XVIII dinastia quando o
faraó não tinha herdeiros directos. Ay,
Horemheb, Ramsés I e Seti I tiveram todos
treino militar e quando o país estava a ser ar-
rastado para a anarquia, em períodos poste­
riores, os oficiais do exército intervieram para
restaurar a ordem.
Durante a XXI dinastia (c. 1085-945 a. C.)
o país ficou dividido entre duas casas reinantes.
Um grupo de faraós estabeleceu a nova capital
em Tânis, no delta, enquanto grande parte do
Alto Egipto era controlada por generais que se
autonomearam grandes sacerdotes de Tebas.
Um importante faraó durante este período foi
Psusennes I. Os belos tesouros do seu túmulo,
que foi descoberto por Pierre Montet cm Tânis,
em 1941, têm sido comparados na sua qualidade
e riqueza aos de Tutankhamon. As fraquezas
políticas em breve levaram ao domínio estran­
geiro, primeiro pelos reis líbios da XXII dinas­
tia, seguidos pelos etíopes da Núbia na XXV
dinastia. Os faraós da dinastia seguinte estabe­
leceram a nova capital em Sais e restauraram a
ordem no Egipto. Durante este período de esta­
bilidade económica e maior prosperidade
(c. 664-525 a. C.) houve um renascimento da
arte arquitcctura e literatura, influenciado
pelos períodos anteriores da história egípcia. Al­
guma da arte deste período alcançou uma per­
feição altamente estilizada e houve um tremendo
surto de escultura em pequena escala de bela
qualidade.
A governação dos faraós saítas chegou ao fim
com a invasão e domínio persa durante a XXVII
dinastia. Em 332 a. C., Alexandre, o Grande,
conquistou o Egipto e o seu principal general,
Ptolomeu, deu início a uma dinastia de faraós
sediada em Alexandria. Esta nova cidade, na
costa mediterrânica, tornou-se o mais importan­
mente, passaram a ser compostas por mais EM CIMA Rainha com um te centro comercial e os seus famoso, farol e
mercenários como os Núbios, Asiáticos, Po­ característico toucado real
«abutre*• - de um desenho
biblioteca fizeram dela uma das sete maravilhas
vos do Mar e Líbios. Os prisioneiros de guerra por Howard Caner. do Mundo Antigo. O domínio grego do Egipto
podiam obter a liberdade, alistando- se no continou até a rainha Cleópatra ter sido derro­
exército do faraó e, na batalha de Kadesh, o tada na batalha de Accio, no ano 31 a. C., e o
exército de Ramsés II incluía contigentes de Egipto tornou-se uma província do Império Ro­
soldados mediterrânicos que tinham sido cap­ mano. Através da tradição literária, Cleópatra
turados em guerra anteriores. prendeu a imaginação popular como uma linda
Embora a estratégia militar estivesse sem- e intrigante rainha. Foi a sétima rainha egípcia
pre confiada ao faraó, este teria de consultar a ter o nome de Cleópatra e, embora a sua as­
um Conselho de Guerra composto por oficiais
cendência fosse grega, falava a língua egípcia e
antes de se empenhar numa campanha. Os partilhava algumas das suas crenças religiosas.
membros desta espécie de estado-maior deve­ As suas relações, tanto com Júlio César como
riam ter larga experiência no controlo de com Marco António e, por último, o seu suicí­
grande número de homens, que provavelmen­
dio estiveram associados à sua luta para manter
te foi o motivo pelo qual foram considerados
o controlo do Egipto.

38
OS FARAÓS

39
EGÍPCIA

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OS FARAÓS

EM CIMA Figura de bronze EM cima À direita Figura EM BAIXO, À DIREITA


de um faraó ajoelhado, de um faraó em madeira Fragmento de uma estátua
oferecendo dois potes dourada, provavelmente de do faraó Akhenaton. Muitas
de unguento (c. 1420 a. G). Amenhotep III, ostentando estátuas do faraó «herege»
uma peruca entrançada foram sistematicamente
A esquerda O faraó (c. 1400 a. G, Museu quebradas ou destruídas
Tutankhamon e a sua rainha Britânico). após a sua morte (Museu
nas costas do seu trono Britânico).
dourado (c. 1360 a. C.)
(Museu do Cairo).

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EM CIMA Ccíiíí da caixa Cleópatra, a par de Hatchepsut e Nefertiti, é


pintada de Tutankliamon,
uma das rainhas mais conhecidas do Egipto.
que mostra o faraó no seu
carro, caçando leões. Algumas das principais rainhas desfrutaram de
uma posição de força na sociedade egípcia, a se-
A ESQUERDA Parte superior gunda logo a seguir ao faraó. A este era-lhe per*
de uma colossal estátua de mitido casar com várias esposas, mas a mais
Ramsés 11.
importante tinha o nome de «Nobre Esposa» e
os seus filhos eram geralmente os únicos herdei-
ros do trono. A rainha Hatchepsut era filha do
faraó Tutmés I e da sua «Nobre Esposa». A de­
signação «Mãe do Faraó» continuava a ser o seu
título quando o filho se tornava faraó, mas ficava
subordinada á principal consorte do novo
governante, a «Nobre Esposa». O filho mais ve­
lho do faraó e desta rainha principal tornava-se
frequentemente o seu herdeiro. O casamento
entre membros das famílias reais egípcias não era
tão comum como se julga e era realmente uma
união política para manter o poder dentro da fa­
mília e reforçar a sucessão.
No Antigo Egipto, a linhagem não era uma
qualificação essencial para a dignidade real e a

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natureza divina do cargo de faraó tornava secun­ À direita Cabeça,


provavelmente cia rainha
dária qualquer ligação mortal. O acesso do faraó
Hatchepsut, esculpida em
ao trono era justificada pela sua reivindicação de fino xisto verde, com uma
ser filho do rei sol, Ré, mais do que ser filho do cdta coroa branca (Museu
seu predecessor. Ao aceitar o seu verdadeiro car­ Britânico).
go de faraó, tinha, com efeito, um incontestável
direito ao trono do Egipto. Ay e Horemheb não
tinham linhagem real e, todavia, cada um deles
sucedeu a Tutankhamon e puderam justificar a
sua dignidade real através deste princípio. Certos
conquistadores estrangeiros, particularmente os
gregos macedónios, compreenderam os benefícios
de se fazerem representar a si próprios como faraós
nativos tradicionais em estátuas e monumentos
por todo o Egipto. Também tinham os seus no­
mes traduzidos e inscritos nas habituais carteias
reais e reivindicavam, deste modo, a sua ascen­
dência divina por comparação com os faraós
anteriores. Assim, ao assumir esta suprema posi­
ção de deus e rei, podiam tirar os maiores rendi­
mentos do país que eles ou os seus predecessores
haviam conquistado.

43
A ANTIGUID A D E E GÍPCI A

}
O s deuses do Antigo Egipto podem parecer
estranhos e até assustadores, mas, para os
próprios Egípcios, eram uma parte essencial e em
conformidade com a sua vida diária. A sua apa­
CAPÍTULO QUATRO
rente adoração de animais não deveria ser tomada
literalmente, pois os animais podiam ser usados
como símbolos convenientes e familiares para re­
presentar os atributos de vários deuses. Eram
!
1 colocadas cabeças de animais em corpos humanos
i como meio de mostrar deuses a representar vários
rituais e para os relacionar com acções humanas.
i A adoração de deuses sob a forma de animais
Deuses remonta aos primeiros tempos do Egipto e pode
ter sido motivada pelo medo do homem pelos
animais e a utilidade que tinham para ele. Estas
primitivas sociedades desorganizadas olhavam a
ordem natural do reino animal com receio e como
um símbolo do poder divino. As qualidades espe­
s cíficas dos animais, como a força do leão, a fero­
cidade do crocodilo ou o delicado cuidado da vaca
3 pela sua cria, eram veneradas e acabaram por
estar associadas com os ideais humanos.
Com o decorrer do tempo, muitos deuses aca­
baram por ser representados sob a forma humana,
li mas continuaram a manter a sua identificação
com determinados animais. Por volta do último
período, quase todos os animais por eles conhe­
cidos estavam associados a um ou mais deuses.
!
As criaturas sagradas, que, em tamanho, iam
desde os escaravelhos até aos touros, eram mumi­
ficadas e sepultadas com todo o cerimonial. Foram
criados vastos cemitérios para animais em vários
centros de culto e aqui as pessoas podiam mos­
trar a sua devoção a um deus, pagando o funeral
do seu animal sagrado. A oportunidade para um
homem comum de fazer ofertas aos deuses prin­
cipais só existiu na história egípcia posterior.
EM CIMA Figura de prata O acesso ao interior do templo era negado a
do deus Ré com uma cabeça todos, excepto ao clero, sendo só depois do Im­
de falcão e o disco solar
(Museu Britânico).
pério Médio (c. 2000 a. C.) que foi permitido às
pessoas privilegiadas colocar estátuas votivas nos
pátios exteriores. Em geral, as imagens dos deuses
eram inacessíveis para o povo egípcio e qualquer
comunicação com eles era exclusiva do faraó ou
dos sacerdotes que agiam por ele. Acreditava-se
que o faraó era o ser supremo que mantinha a uni­
dade e a prosperidade do Egipto. O destino do
povo egípcio estava ligado ao do seu faraó e o seu
bem-estar era também o deles. Venerar o faraó
era um meio de o encorajar a interceder junto de
outros deuses a seu favor. Os imponentes templos
egípcios não se destinavam ao culto da comuni­
dade, como as catedrais europeias, e a sua prin­
cipal função era serem a casa dos deuses.
O templo, com a sua entrada, pátios e salas era
construído em redor de um pequeno comparti-

44
OS DEUSES

mento, o santuário, onde se encontrava a está­ EM cima O templo era na prática, teriam sido normalmente desempe­
tua usada pelo deus como seu lugar de descanso. a casa dos deuses nhados por sacerdotes. Em geral, estes relevos
e precisava de ter proporções
Estas estátuas deixavam os templos para festivais foram esculpidos com grande perícia e, frequen­
sobre-luimanas. As colunas
religiosos especiais, alturas em que a gente comum do Grande Templo temente, encontram-se mesmo no topo das pa­
podia aproximar-se, mas, mesmo assim, as suas de Kamac têm 31,6 metros redes e colunas, onde não podiam ser vistos.
imagens ficavam escondidas num sacrário trans­ de altura e 4,8 metros Não tinham por finalidade embelezar o edifí­
de diâmetro na base. cio ou inspirar os crentes, mas apenas uma
portado num barco sagrado. Os rituais diários no
templo incluíam lavar e vestir esta estátua divina função inteiramente mágica. Além disso, pen-
e a apresentação perante ela de oferendas de sava-se que as colunas, tectos e pavimentos
incenso e comida. O significado deste ritual era tinham poderes mágicos, que podiam ser invo­
manter, simbolicamente, a ordem divina da vida cados pelos rituais.
diária e não representava uma óbvia adoração do O templo não era visto somente como uma
ídolo. Nos relevos esculpidos no templo, o faraó representação simbólica do mundo, mas era tam­
é sempre mostrado executando estes rituais, mas, bém construído como um modelo da sua cria-

45
A ANTI C» 0 IDADE EGí PCI A

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ção. As fiadas onduladas de paredes de tijolo de
I »I barro que cercam o recinto sagrado representam,
?I provavelmente, as águas primevas, enquanto no
interior do recinto as fileiras de colunas em
forma de papiros e de lótus simbolizavam a pri­
mitiva vegetação do pântano. Na mitologia egíp­
cia, este pântano representava a primeira
matéria sólida, ou talude, onde o deus Ré apa­
receu e criou um par de divindades, Chu e
Tefnut, por masturbação ou cuspidela. Elas, por
seu turno, produziram a deusa do céu Nut e a
deusa da terra Geb cujos filhos foram os mais
familiares Osíris, Isis, Néftis e Set. Este grupo de
nove deuses, «enéada», era venerado em
Heliópolis, tendo outros centros grupos de
deuses semelhantes. Heliópolis era também o
centro mais importante do culto do deus-sol Ré, EM CIMA Ramsés II ajoelha- a sua morte, se juntaria ao pai Ré no paraíso.
mencionado cm muitos textos como o criador -se perante o deus supremo Outra das crenças era a de que o deus-sol nas­
de todas as coisas. Amon-Ré na presença de cia todas as manhãs, crescia e morria, viajava de­
seu pai Seti I e do deus-lua
O sol representou um papel central nas cren­ Khonsu e da deusa mãe Mut. pois através do mundo dos mortos durante a
ças religiosas através de toda a história egípcia. noite, o que era visto como o modelo de toda a
O deus-sol Ré tornou-se importante já a partir EM baixo Estátuas de regeneração. Ré ligou-se a um deus menor de
da II dinastia (c. 2700 a. C.) e quase certamente Ramsés II no pálio fronteiro Tebas, chamado Amon, para dar origem a
do Templo de Lucsor.
teve alguma ligação com a construção das pirâ­ Amon-Ré que se tornou o deus supremo do
mides. Por volta da V dinastia, (c. 2400 a. C.) À DIREITA O deus Osíris - Estado no Império Novo. Desde os primeiros
tinha-se tornado o deus supremo do Estado, es­ Rei da Morte, protegido por tempos que Ré também esteve associado com o
falcões - de uma pintura
treitamente associado ao faraó. O faraó tomou deus-falcão Hórus e o deus-compósito Ré-
num caixão (c. 1050 a. C.,
o título de Filho de Ré e acreditava-se que, após Museu Britânico). -Horakhti representava Hórus do horizonte.

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EM CIMA, À ESQUERDA O deus do sol matinal era Khepri, identificado de Aton eram arquitecturalmente diferentes dos
Figura de Osíris de madeira com o escaravelho. Acreditava-se que o escara­ de tipo habitual, abertos para o céu e sem um
pintada que deveria ter
contido um rolo de papiro velho sagrado se criara por si mesmo a partir da sacrário para uma estátua divina. Foi Amenhotep
do Livro dos Mortos própria matéria tal como o Sol parecia criar- III, pai de Akhenaton, quem primeiro levou o
(c. 1300 a. C, Museu -se todas as manhãs. culto de Aton à sua proeminência, mas
Britânico). O Sol está normalmente visível no céu do Akhenaton ordenou a exclusão completa de to*
Egipto e não é de surpreender que acabasse por dos os outros deuses. Contudo, depois da morte
EM CIMA, À DIREITA ser adorado. Com a aproximação do fim da XVIII de Akhenaton os velhos deuses foram reinstalados
Figura de prata e ouro dinastia (c. 1280 a. C.) houve no Egipto uma em Tebas e Akhenaton foi considerado um he­
do deus Amam Ré (c. 900 revolução religiosa iniciada pelo faraó Amenhotep rege.
a. C., Museu Britânico). IV, mais conhecido como Akhenaton. Esta nova Uma parte essencial da religião egípcia foi a
religião baseava-se na adoração do Sol como crença na vida depois da morte e o julgamento
fonte exclusiva de toda a vida e criação, cujo final da alma do indivíduo. O deus Osíris era
poder estava visível na dádiva de vida dos raios tanto o rei da morte como o juiz do mundo infe­
do disco solar chamado Aton. Akhenaton reivin­ rior. Na mitologia egípcia Osíris era um faraó bom,
dicava ser o único agente ou grande sacerdote de que fora morto pelo seu diabólico irmão Set, e a
Aton na Terra, o que lhe dava o direito de dis­ sua morte vingada por seu filho Hórus. Osíris foi
persar o clero local e fechar os templos das divin­ finalmente trazido de regresso à vida, não como
dades rivais. Os templos construídos para o culto um faraó humano mas como rei mumificado do

48
,
OS DEUSES

HM CIMA Khepri,
o deus-escaravelho sagrado,
de uma pintura num caixão
(c. 1050 a. C., Museu
Britânico).

EM BAIXO O faraó
Akhenaton e a rainha
Nefertiti com as suas filluis.
Por cima deles, o disco solar
com raios de sol,
simbolizando o deus Atou
que eles adoravam.
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rança de vir a tomar-se um Osíris quando morres­ EM CIMA, A ESQUERDA

sem e, desse modo, vir a gozar da vida eterna. Abi- Figura esmaltada da deusa-
-leoa Sekhmet (Museu
dos era um dos maiores centros do culto de Osíris Britânico).
e muitos Egípcios deixaram ali inscrições e ofer­
tas ao deus. Aqui, podia-se testemunhar o drama EM BAIXO, À ESQUERDA Esta

anual relativo à morte e ressurreição de Osíris, a figura de bronze dourado


de ísis e Hórus dava
maior parte do qual tinha lugar no exterior. a imagem universal de uma
Osíris era também um deus da vegetação, o mãe o fillw (Museu
que pode ter sido o seu papel original. Encarnava Britânico).
mundo inferior. Osíris teve uma qualidade impor­ o ciclo anual da renovação e do renascimento
EM CIMA, À DIREITA
tante que o tornou niais popular do que os outros da terra do Egipto após as inundações do Nilo. Estatueta de bronze
deuses. Como humano, tinha experimentado a A sua ressurreição como rei dos mortos e a sua do deus-carneiro Khnum
morte e triunfado sobre esta e podia assegurar aos renovação como um rei da vegetação estavam (Museu Britânico).
seus seguidores uma vida eterna. Acreditava-se estreitamente ligadas. A mulher de Osíris, ísis,
A esquerda O deus-chacal
que cada faraó se tomaria Osíris depois de morrer, representava a esposa devotada e mãe dedicada Anúbis, que era o guarda
enquanto o seu sucessor era a encarnação de e era uma deusa popular de magia, que conti- dos mortos - relevo pintado
Hórus, seu filho. No Império Médio (c. 2000 a. C.), nuou a ser venerada no tempo dos Romanos. do túmulo de Horcmhcb
todos os adoradores de Osíris podiam ter a espe- Osíris, ísis e Hórus representavam uma família (c. IÒ20 a. C.).

51
A ANTIGUIDADE EGÍPCIA

unida e uma tríade de deuses. Existiam, entre


muitos outros deuses egípcios, agrupamentos
!í ! semelhantes de três divindades. As outras tríades
» de deuses mais notáveis eram veneradas em
Tebas (Amon, Mut e Khonsu) e Mênfis (Ptah,
• r- ' Sekhemet e Nefertum). Osíris desfrutava de
ri uma aceitação geral em todo o Egipto e não era
apenas um deus do Estado, mas também um
deus popular com quem a gente comum podia
relacionasse.
Muitos outros deuses protegiam o egípcio
comum, que os venerava nas suas próprias
casas. Alguns dos deuses não tinham templos a
eles dedicados ou nem sequer lugar nos rituais
oficiais do templo. Um dos mais populares des-
tes deuses menores foi Bes, que era representado
como um deus simples, anão e feio. Bes era con-
siderado um portador de alegria que afastava os
maus espíritos e protegia as mulheres durante o
parto. A deusa-hipopótamo Taueret também
protegia as mulheres grávidas, tal como a deusa-
-gato Bastet e a deusa-vaca Hathor, que também
estava associada à dança e à música. As repre­
sentações destes deuses caseiros eram usadas
como elementos decorativos nos melhores uten­
sílios diários dos ricos, como as camas, descan­
sos para a cabeça, espelhos e recipientes para
cosméticos. Acreditava-se que as imagens dos
deuses tinham poderes sobrenaturais e os Egíp­
cios usavam muitos amuletos para se protege­
rem. Junto às suas múmias eram colocados
muitos pequenos amuletos de faiança, para os
proteger na sua arriscada viagem para o outro

52
OS DEUSES

NA PÁGINA AO LADO,
À esquerda Figura
ajoelhada de bronze de um
deus com cabeça de falcão
(Museu Britânico).

NA PÁGINA AO LADO,
À DIREITA Figura de
madeira dourada do deus
Piah do túmulo de
Tutankhamon
(c. 1350 a. C.).

EM CIMA, À ESQUERDA mundo, e os seus túmulos continham imagens,


Colher de madeira
estátuas e pinturas que desempenhavam um
de cosmética com cabo
decorado com o deus papel mágico semelhante.
doméstico Bes (c. 1300 E impossível ordenar os deuses do Antigo
a. C., Museu Britânico). Egipto em categorias bem determinadas, pois as
suas ideias religiosas eram muito complexas. E es­
EM CIMA, À DIREITA Figura pantoso o número total de deuses, mas é preciso
de bronze do touro sagrado ter em conta que a sua religião se desenvolveu du­
Ápis (Museu Britânico). rante um longo período de tempo e os Egípcios não
puseram de parte as velhas crenças quando as
novas se foram tomando populares. Desde os pri­
EM BAIXO, À DIREITA
Estatueta de bronze meiros tempos, houve deuses tribais locais em
da deusa-gato Bastei várias regiões do país e alguns destes alcançaram
(Museu Britânico). grande proeminência durante vários períodos da
História. Muitas vezes, por motivos de ordeni po­
lítica, eram também combinados entre si como
meio de consolidação dos seus poderes especiais.
A crença num poder divino, como uma força
indeterminada e impessoal universalmente pre­
sente em todos os deuses, era uma parte essencial
do pensamento religioso egípcio. Antes dos deu­
ses terem uma forma particular ou de lhes ter sido
dado um nome, os Egípcios teriam adorado o con­
ceito abstracto de poder. A sua crença no sobre­
natural estava intimamente interligada à sua vida
diária, às suas relações pessoais, aos seus anseios
e medos e à sua atitude para com a suprema auto­
ridade do faraó. Acreditava-se que os acidentes
do dia-a-dia da existência eram devidos à acção
de poderes hostis que podiam ser refreados pela
manutenção dos cultos religiosos e a salvaguarda
da ordem divina.

53

A A N T I G l’ IDADE EGíP0I A

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A s múmias são a primeira coisa em que a
maior parte das pessoas pensa ao meneio*
nar-se o Antigo Egipto, mas o que são exacta-
. mente, como e porquê foram feitas? Embora o
CAPÍTULO CINCO
termo «múmia» esteja associado com o Antigo
Egipto, também é aplicado aos corpos preserva*
dos de muitas outras culturas. A própria palavra

vem do nome árabe que designa «betume» e foi


usado para descrever estes corpos porque a sua
aparência negra sugere que foram cobertos com
alcatrão. Muitas das múmias envoltas em faixas

Múmias que sobreviveram datam do Império Novo ou da


última metade da história egípcia. Por essa altu­
ra, o processo de embalsamento, que anterior-
mente estivera destinado à realeza, tornou-se
possível para todos os que tivessem os necessá­
rios recursos.
■ •
Porquê tanto dispêndio e trabalho para pre­
servar os mortos? A resposta é: porque acredi­
n tavam que a sobrevivência do corpo era essencial
para que a alma se tornasse imortal. Pensava-se
que a vida depois da morte era uma recriação
I
dos melhores momentos da existência terrena e,
à assim, os corpos eram sepultados com os seus
haveres preferidos, um fornecimento de comida
, i e até miniaturas de trabalhadores que executas­
s sem as tarefas necessárias. Não havia nada de
í

! <: mórbido nesta perpétua preocupação com a


morte e os sarcófagos pintados com cores ale­
fi gres reflectem um optimismo e confiança na vida
eterna.
Pensa-se que, no Antigo Egipto, a crença na
vida depois da morte e o desenvolvimento do
embalsamento tenham surgido em parte como
resposta à sobrevivência de muitos corpos preser­
vados naturalmente desde os primeiros tempos no
Egipto. Neste período pré-dinástico, o corpo nu
era simplesmente sepultado numa cova pouco

EM CIMA, À DIREITA
Sarcófago interior de
madeira dourada de uma
sacerdotisa tebana (c. 1290
a. C., Museu Britânico).

À DIREITA Figura
de madeira do faraó
Amenhotel) III. Estas figuras
eram colocadas nos túmulos
EM CIMA Sarcófago de
para levar a cabo trabalhos
madeira pintada e múmia
agrícolas para o defunto na
de uma sacerdotisa tebana
outra vida (Museu
(c. 1000 a. C., Museu
Britânico).
Britânico).

EM CIMA Cabeça de uma


múmia masculina com um
olho embutido (c. 1000
a. C., Museu Britânico).

54
AS MÚMIAS

profunda no deserto. A areia quente e seca


absorvia rapidamente a humidade do corpo e evi­
tava a decomposição. Alguns destes cadáveres de­
vem ter sido desenterrados por violadores de
sepulturas ou por deslocação das areias e a sua
descoberta pode ter levado as gerações posterio­
res a acreditar numa vida depois da morte. Com
o decorrer do tempo, esta crença levou à neces­
sidade de um enterramento rnais digno, que foi
acompanhado por um progressivo aumento de
provisões para a outra vida. O túmulo substituiu
a sepultura simples, mas isto permitiu que o
corpo ficasse em contacto com o ar e se decom­
pusesse. A partir das primitivas sepulturas na areia
devem ter percebido que a melhor maneira de
preservar um corpo era desidratá-lo, o que evi­
tava o desenvolvimento de bactérias e a conse­
quente decomposição.
Havia no Egipto uma abundante disponibili­
dade de sais de sódio naturais, chamados natrão,
que é um eficaz agente de secagem e moderada-
mente anti-séptico. Com a ajuda do natrão, os
antigos egípcios desenvolveram uma elaborada
técnica de embalsamamento que podia levar até
70 dias. A primeira fase deste processo era remo­
ver todos os órgãos internos excepto o coração
(este era deixado porque se pensava ser o centro

55
A ANTIGUIDADE E G í P C I A

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56
L
AS MÚMIAS

EM CIMA À DIREITA A milis da inteligência humana, que seria necessária para


amiga múmia exisicme, julgamento no outro mundo). Os outros órgãos
do túmulo de Nefer, em
Sakara (c. 2400 a. C.).
eram secos com natrão e colocados em quatro
recipientes, chamados vasos canopos. O corpo
vazio era então lavado com vinho de palma e es-
EM baixo Chacal de peciarias e deixado a secar, coberto com sais de
madeira consagrado ao deus
natrão. O corpo já seco era envolto em pano de
Anúbis. Estas figuras eram
colocadas nos túmulos para linho e especiarias para lhe dar novamente a sua
guardarem simbolicamente o forma e depois coberto com resina derretida para
defunto (Museu Britânico). o endurecer e impermeabilizar. A múmia era
então envolta numa faixa, com grande cuidado,
dado que o aperto do envoltório ajudaria a manter
a forma do corpo (recentemente, foi desfeito o
invólucro de uma múmia que estava coberta por
uma faixa de linho de 5 km de comprimento e
7,5 cm de largura!). O envoltório sujeitava nor­
malmente os braços contra o corpo e juntava as
pernas, embora haja algumas múmias em que os
A esquerda Caixa de membros foram envoltos separadamente. Pelos
madeira pintada com figuras
*shabti». Quanto maior
envoltórios estavam distribuídos vários amuletos
o número de trabalhadores de protecção, normalmente em determinadas
representados, mais fácil posições. Um amuleto importante era o escara-
seria para o defunto a vida
no outro mundo (c. 1290
a. C., Museu Britânico).

HM CIMA, À ESQUERDA Uma


radiografia de uma múmia
do Antigo Egipto pode
revelar muitos pormenores
interessantes.
A A X T 1 O V 1 P A PH E O ]' T C I A

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AS MÚMIAS
'

Osíris. Os caixões eram pintados com uma


representação da deusa do céu Nut, que esten-
dia as suas asas de forma protectora sobre a
tampa, dado que era tradicionalmente a mãe do
falecido que estava associada com seu piedoso
filho, Osíris. Os caixões eram normalmente
feitos de tábuas delgadas, habilmente unidas, e
os braços da múmia eram mostrados muitas ve-
zes esculpidos em alto relevo e cruzados sobre o
peito. Faixas de joalharia pintadas e colares flo­
rais reproduziam os ornamentos que estavam
sobre a própria múmia. A cabeça da múmia era
frequentemente encerrada numa máscara -
camadas de linho coladas entre si e cobertas por
uma fina camada de gesso. Esta máscara era
muitas vezes extensiva ao resto do corpo e cons­
tituía uma base ideal para uma decoração ela­
borada. Às vezes, era colocada sobre o corpo,
dentro do caixão, uma tábua pintada, que era
uma maneira económica de sugerir um caixão
duplo.
No período saíta (após 600 a. C.), foram fei­
tos em pedra dura alguns soberbos sarcófagos em
forma de múmia, com esta frequentemente
coberta por uma rede de contas. Durante o último
período, muitos cadáveres não foram embalsa­
mados convenientemente, mas simplesmente pin­
tados com alcatrão e enrolados com tiras de pano.
Embora os órgãos vitais fossem deixados frequen­
temente nos corpos, os vasos canopos «espanta­
lhos» ainda lhes eram fornecidos mas com uma
função puramente simbólica. Nos tempos greco-
-romanos a máscara facial idealizada foi substi­
tuída muitas vezes por uma imagem mais realista EM CIMA Múmia de uma
vaca elaboradamente
pintada sobre um painel de madeira, enquanto as enfaixada (c. 30 a. C.).
faixas de tecido eram dispostas de formas geomé­ Os Egípcios mumificavam
tricas intrincadas. muitos dos seus animais
Poucos caixões reais subsistiram, mas a evi­ sagrados (Museu Britânico).
dência é que eram de madeira dourada, mar­
chetados com pedras e pasta de vidro. Exemplos EM baixo Um rosto
intactos que subsistem são os caixões triplos de admiravelmente esculpido,
Tutankhamon. Estavam fechados num sarcófago de um caixão, com olhos
de pedra rectangular decorado por dentro e por embutidos de lápisdazúli
e vidro (Museu Britânico).
fora com deuses funerários em relevo pintado.
Um dos mais belos sarcófagos de pedra é o do
faraó Seti I, em calcite branca embutida com
filas de figuras funerárias em pasta azul. Os faraós
da XXI e da XXII dinastias de Tânis (c. 950 a. C.)
foram sepultados em caixões em forma de mú­
mia, de madeira prateada e dourada, dois des­
tes com cabeças de falcão em prata. O lugar de
residência eterna da múmia era o túmulo. O tipo
À ESQUERDA Mâsami
de túmulo variou de acordo com o período, a de múmia, dourada, feita
área e o estrato social do seu proprietário. Não de linho ou papiro coberto
deveremos esquecer que a vasta maioria dos com gesso (Museu
antigos Egípcios pobres teria tido um simples Britânico).

61
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A A X T 1 O l 1 D A D E F. O í P C I A
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j :k sepultamento no deserto, com poucos haveres.
Os túmulos dos privilegiados, que tinham recursos
í para um sepultamento mais elaborado, eram
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construídos de pedra ou tijolo ou escavados na
íi. rocha sólida. São geralmente constituídos por duas
partes principais: a câmara funerária e a capela
funerária. Os túmulos do Império Antigo tinham
uma porta falsa que servia como uma entrada
mágica, através da qual o espírito do defunto podia
passar da câmara funerária, sobre o lado ocidental
do túmulo, para a capela, a leste. Aqui, o espírito
podia desfrutar das ofertas de comida e bebida pro-
videnciadas pelos familiares ou sacerdotes. Nos
relevos esculpidos nas paredes do túmulo, as cenas
de agricultura, de caça, de pesca, de cozedura e de
fennentação, asseguravam que as provisões para o
defunto estariam continuamente disponíveis.
A medida que o tempo passava, estas eram acres­
centadas com modelos representativos e uma EM CIMA O túmulo Livros dos Mortos, que eram cópias das inscrições
grande variedade de haveres pessoais. Os túmulos da rainha Nefertiti, esposa em pedra do anterior Império Antigo, chamadas
de Ramsés II,
reais no Vale dos Reis, em Tebas, estavam comple­ Textos das Pirâmides. A principal função mágica
é provavelmente o túmulo
tamente fechados, com escadas de entrada para mais belamente pintado destes escritos era assegurar ao defunto uma vida
quatro passagens ou corredores, um vestíbulo e do Antigo Egipto (c. 1250 satisfatória depois da morte e dar-lhe a força para
uma câmara funerária. Tudo isto tinha um signifi­ a. C.). deixar o seu túmulo, quando necessário. Incluíam
cado simbólico na viagem do espírito pelo outro descrições pintadas de Anúbis, o deus da mumi-
mundo. ficação e mostram o julgamento final perante
Esta viagem do espírito está registada em por- Osíris, o rei da morte. A personalidade da múmia
menor em papiros que eram frequente­ ou espírito está identificada com o Pássaro-Ba, que
mente colocados em túmulos a partir do Império é representado como um pássaro com cabeça hu­
Novo. Estes escritos religiosos são conhecidos como mana a pairar por cima da múmia.

62
Nos tempos antigos, os túmulos reais no Vale EM CIMA A ESQUERDA cutados. No último século, as múmias foram tam-
Caixão de madeira decorado bém reduzidas a pó para ser usado pelos artistas
dos Reis e das Rainhas, em Tebas, foram conti-
com faixas de inscrição
nuamente assaltados. Por forma a prevenir futu- que inclui uma prece para
como pigmento castanho e vendido em tubos rotu-
ras violações, as múmias foram removidas ofercas de comida. Na parte lados «múmia». Os antigos Egípcios também
secretamente pelos sacerdotes tebanos e a maio­ correspondente à cabeça, mumificavam toda a espécie de animais sagrados,
ria destas escondida num poço profundo na face dois olhos pintados permitem que eram colocados em santuários especiais por
que a múmia veja o exterior baixo dos templos e destes subsistiram grandes
do penhasco. Embora fossem finalmente des­ e uma falsa porta pintada
cobertas pelos aldeões locais no último século, que que o seu espírito possa quantidades. No virar do século, foram embarcadas
começaram a aproveitar-se da descoberta, foram passar (c. 2000 a. C., para Liverpool, para serem transformadas em
salvas pelo Serviço de Antiguidades Egípcio. Museu Britânico). adubo vendido a 4 libras esterlinas a tonelada, umas
Quando foram finalmente transportadas para o 300 000 múmias de gatos!
Museu do Cairo, em 1881, o funcionário adua­ A autópsia de múmias, em várias instituições,
em cima O corpo de um
neiro, às portas da cidade, cobrou direitos, classi­ homem preservado continua a ser levada a cabo por conceituados
ficando-as como peixe seco! naturalmente pela areia especialistas médicos, que usam as técnicas e equi­
A maior parte das centenas de múmias distri­ quente e seca em que foi pamentos mais recentes. Poderosos microscópios
sepultado. O calor da areia electrónicos, ensaios de medicina legal e raios-X
buídas pelo mundo fora, em museus e colecções, absorveu a humidade sem a
data dos últimos períodos, quando famílias intei- qual as bactérias não podem
podem muitas vezes revelar as doenças de que os
ras foram sepultadas conjuntamente em cata­ desenvolvesse e provocar a Egípcios sofriam, a causa da sua morte e a sua
cumbas comunais. Cenas religiosas ricamente decomposição. Ironicamente, dieta. O exame dos dentes das múmias pode indi­
esta modesta forma car que alimentos comiam e há provas de que pra­
pintadas nestes caixões substituíram a necessidade
de sepultamento preservou ticavam a medicina dentária. Verificou-se que
de túmulos individuais. A partir da altura em que o corpo muito melhor do que
as múmias adquiriram valor mercantil, estes os túmulos mais elaborados e
alguns dentes continham uma forma de cimento
túmulos, onde as múmias eram empilhadas, foram as mais onerosas técnicas de mineral ou foram ligados entre si com um fino fio
saqueadas pelos aldeões que viviam perto dos ce­ cmbalsamação (c. 3200 de ouro. Ao detectar grupos sanguíneos e traços
a. C., Museu Britânico). hereditários em múmias reais é também possível
mitérios tebanos. No século XVI pensava-se que as
múmias tinham propriedades curativas especiais e identificar ligações familiares. O estabelecimento da
muitas delas foram reduzidas a pó para fazer remé­ idade de certos monarcas, ao tempo da sua morte,
dios. Por forma a acompanhar a crescente procura pode também ajudar os especialistas a verificar as
para este próspero negócio, foram produzidas imi­ datas de várias dinastias ou de acontecimentos
tações, utilizando os cadáveres de criminosos exe- importantes na história egípcia.

63
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A A N T IGl'I P A PH E G í P C I A

\ A uito se pode saber acerca da vida dos aiv


:
IV1 tigos egípcios pelos utensílios do dia-a-dia
e pelas pinturas murais encontradas nos túmulos.
Eles acreditavam que estas representações de tra­
CAPÍTULO SEIS
balho e prazer ajudá-los-iam no outro mundo.
Muitos túmulos e templos sobreviveram aos tem­
i
pos antigos porque foram feitos de pedra. Poucas
casas subsistiram, pois foram feitas com materiais
•i

I
Estilo perecíveis, como os tijolos de lama que se desa­
gregam quanto envelhecem e que são agora uti­
lizados como adubo. Muitas cidades e aldeias

de Vida
í continuaram a ser habitadas até aos tempos mo­
dernos, em que, em muitos casos, as casas foram
: reconstruídas e os materiais reciclados. Muitas
1 povoações egípcias modernas assemelham-se
muito provavelmente às antigas, quer na sua
«1 construção quer no estilo de vida. Por vezes, al­
m gumas colónias foram completamente abandona­
!** das e a sua escavação pode dizer-nos muito acerca
da vida do dia-a-dia da gente comum. Os dois
i
sítios mais notáveis deste tipo são a cidade do
z faraó Akhenaton, em Tell El-Amarna, e o
aldeamento dos trabalhadores que construíram os
i túmulos no Vale dos Reis, em Deir el-Medina.
s i Esta aldeia cresceu durante mais de quatro sé­
! . culos. Originariamente, muralhas rectangulares
cercavam as ruas e as casas, que estavam dispos­
. N
tas regularmente. As casas individuais tinham
rf
fi aproximadamente o mesmo tamanho com excep-
•i • ..
ção das casas dos capatazes, maiores.
Uma casa típica tinha três divisões principais,
com um pátio, que funcionava como cozinha, e
dois celeiros para armazenagem. Havia frequen­
temente nichos abertos nas paredes para lápides
com inscrições religiosas, imagens de deuses do­
mésticos ou bustos de antepassados da família.
Muitas casas acabaram por ser modificadas para
EM CIMA Figura de madeira atender a necessidades ou actividades individuais
pintada de uma mulher e algumas tinham oficinas e lojas. Em Tell Eh
transportando um tabuleiro
de bolos (Museu Britânico).
-Amarna, as casas mais elegantes tinham dois
pisos e cave com divisões para armazenamento.
Podiam ter também uma sala de recepção, cozi­
nha e instalações para a criadagem, enquanto
outras dispunham até de casas de banho e sani­
tários. Um certo número de casas muradas tinha
um jardim com lago para peixes e árvores de som­
bra. O mobiliário era constituído por camas, pe­
quenas mesas, bancos e arcas de madeira para
utensílios e jóias. Cabides, capachos e tecidos
decoravam as divisões interiores. Como muitos
povos africanos, para dormir, os Egípcios usavam
apoios para a cabeça em vez de almofadas. Mui­
tos destes, de madeira, marfim ou pedra, sobrevi­
veram e são constituídos por uma gola curva
colocada no topo de um apoio que assenta numa
base oblonga. Tinham candeeiros, que eram sim-

64
plcs tigelas de cerâmica ou pedra, contendo óleo Sobreviveram muitos documentos legais de EM CIMA De uma pintura
e um pavio. Também usavam archotes de cerâ- Deir el-Medina relativos a crimes e julgamentos, mural num túmulo tebano,
mostrando joalheiros
mica, que podiam ser colocados em suportes heranças e transacções comerciais. Os antigos Egíp­ e carpinteiros a trabalhar.
existentes nas paredes. As cozinhas e as caves dis­ cios tinham um sistema legal de tribunais e magis­
punham de fornos de barro e de potes para guar­ trados e uma vasta gama de punições que incluíam
dar vinho, óleo e cereais. campos de trabalhos forçados. Dispunham de um
Os trabalhadores que viviam em Deir el- tipo de força policial, diferente do exército, que,
-Medina eram canteiros, estucadores, escultores, com frequência, utilizava cães amestrados. Existia
desenhadores, pintores e carpinteiros. O vale um sistema de apresentação de provas sob jura­
contém os restos das suas casas, túmulos, cape­ mento e os documentos contêm frequentemente
las, abrigos e detritos domésticos. Foram ali des­ assinaturas de testemunhas. Os documentos eram
cobertos muitos documentos escritos que tratam legalizados pela afixação de um selo e depositados
do progresso do trabalho e há até o mais antigo numa repartição de registos ou no templo. Os an­
registo de uma greve, quando de um atraso no tigos Egípcios tinham escolas, mas estas teriam sido
pagamento dos salários. Os homens teriam tra­ para ensinar fiituros escribas e funcionários desti­
balhado oito dias em cada dez, vivido em caba- nados ao sacerdócio ou à administração civil, que
nas para cima do Vale dos Reis e regressado ao eram exclusivamente do sexo masculino. A famí­
aldeamento para os dois dias de descanso. So­ lia real tinha tutores especiais e a gente comum era
breviveram algumas listas de comparência e sa­ educada em casa. Tradicionalmente, o pai trans­
bemos que o absentismo era comum. Perdiam-se mitia ao filho os conselhos e segredos profissionais
dias inteiros a fabricar cerveja, a beber e a cons­ relacionados com o seu negócio ou profissão. Os
truir casas e havia também muitos feriados reli­ artesãos, tal como os funcionários, tinham um sis­
giosos. Os salários eram pagos em cereais, peixe, tema de aprendizagem.
vegetais, óleos cosméticos, lenha, cerâmica e A experiência técnica era muito admirada, mas
roupas. Usavam o talento uns dos outros para não havia distinção entre artistas e artesãos e, por­
construir túmulos profusamente decorados para tanto, a arte é geralmente anónima. Os artesãos
si próprios e havia muitas oportunidades para se eram empregados pelo faraó ou pelos funcionários
ocuparem de trabalhos particulares para os teba- do templo e as suas realizações e perícia, utilizando
nos ricos. ferramentas simples, são notáveis.

65
A ANTI 0 IMDAPE E G í P C l A

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EM CIMA Figuras de madeira As suas realizações mais impressionantes fo-


pintada de padeiros (c. 2000 ram na escultura, tanto no alto-relevo como no
a. G, Museu Britânico).
baixo-relevo. Dominaram também a técnica de
fabrico de belos vasos de pedra desde os primeiros
EM CIMA, À ESQUERDA
Figura de madeira pintada tempos. A precisão da sua carpintaria foi também
de um homem a lavrar muito boa e as peças de madeira eram unidas por
(Museu Britânico). ensamblamento, malhetes, respiga, mecha e ca­
vilhas. O embutido e o folheado eram formas co­
EM CIMA, À DIRF.ITA Figura
muns de decoração e os Egípcios foram os primeiros
de madeira pintada de uma
mulher, trans\xjriando um usar o contraplacado. As suas ferramentas, que
tabuleiro de bolos (Museu teriam sido de cobre, incluíam machados, serras,
Britânico). enxós, cinzéis e verrumas. A madeira, grande

66
&
ESTILO DE VIDA

parte importada, era principalmente cedro,


sicômoro, acácia, ébano e palmeira. Os serralhei­
ros e os joalheiros mostram um elevado grau de
perícia no uso de técnicas como as de cinzelagem,
gravação, embutidura, trabalhos em filigrana e
esmaltagem. Conseguiam bater o ouro até obter
folhas com 0,005 mm de espessura, e as pedras
preciosas e contas eram furadas com precisão,
usando uma broca de rabeca. O cobre era fundi­
do utilizando um tipo de foles e o bronze molda­ para os sistemas de irrigação ou para os projectos EM CIMA, A ESQUERDA
Espelho de bronze que,
do pelo processo de cera perdida. Estes materiais de construção reais. Este recrutamento era exten­
originalmente, deveria ter
eram essenciais para o fabrico de ferramentas, sivo a todos, mas os funcionários privilegiados po­ sido perfeitamente polido
armas, utensílios rituais e estatuetas religiosas. diam evitá-lo, pagando a alguém para os substituir (Museu Britânico).
Outra arte característica da técnica egípcia foi nesse trabalho. Os prisioneiros de guerra estran­
o fabrico de vidro e artigos vidrados. A faiança, geiros e os criminosos também eram usados em
EM CIMA, A DIREITA
normalmente vidrada de azul-verde ou turquesa, grupos para trabalho mais pesado, como o das pe­ Caixa para artigos de beleza,
era produzida em grandes quantidades, frequen­ dreiras. Os trabalhadores recrutados não recebiam contendo uma série de
temente a partir de moldes. Os Egípcios também pagamento pelos seus serviços, apenas subsistên­ recipientes para cosméticos,
cia. Nem mesmo os camponeses trabalhadores objectos de toucador e um
produziram tecidos de linho de excelente quali­
par de chinelos (Museu
dade e um xaile, descoberto no túmulo de mais pobres nem os criados domésticos eram es­ Britânico).
Tutankhamon, é feito de linho da melhor quali­ cravos no sentido usual do termo. Todos os Egíp-
dade conhecida. Peritos têxteis calcularam que cios tinham direitos legais e podiam pôr e dispor
deve ter levado cerca de 3000 horas a fazer ou dos seus haveres. Não havia sistema de cidada­
nove meses de dez horas diárias. Aliado à tecela­ nia ou de escravatura, como claramente definido
gem estava o fabrico de capachos, cestos e cor­ na Grécia e em Roma. A sociedade egípcia nunca
das, no qual se usava o junco, linho, papiro, fibra produziu uma verdadeira classe média e a estru­
de palmeira e erva. Sobreviveu um incontável nú­ tura social era uma hierarquia de funcionários em
mero de cestos e olaria, que eram os recipientes que cada um servia fundamentalmente o faraó,
domésticos correntes. que era a personificação do Estado.
A maioria da população estava empenhada Além dos cereais, o linho era cultivado em
em trabalhar a terra e o seu labor era recrutado grandes quantidades, para ser fiado e finalmente

67
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a quantidades fixas de ouro, prata ou cobre.


Os pagamentos podiam ser feitos em determi­
nados pesos ou anéis do próprio metal (ao con­
trário das moedas, não têm marcas oficiais como
garantia de valor) ou em espécie, como produtos
agrícolas ou animais.
em cima O aldeamento tecido. Eram criadas grandes manadas de gado e A família era o centro da sociedade egípcia
de trabalhadores em Deir
as vacas puxavam a charrua e forneciam leite. e casar-se cedo e a paternidade eram encoraja­
cbMedina.
Outros dos animais criados eram as ovelhas, os dos. Muitos casamentos seriam acordados, mas a
EM CIMA, À ESQUERDA porcos e os burros. Os excedentes dos produtos natureza romântica da poesia amorosa sugere que
Adaga com punho de ouro agrícolas e do linho eram exportados pelo governo havia alguma liberdade de escolha. O casamento,
(Museu Britânico). real, que controlava o comércio. Nos mercados tendencialmente, realizava-se no mesmo grupo
EM CIMA, A DIREITA Um do país a troca era a maneira de negociar. social e eram comuns as uniões familiares entre
homem c sua mulher com Os antigos Egípcios governaram-se sem moeda tio e sobrinha ou primos. As palavras «irmão» e
um tabuleiro de ofertas durante toda a sua longa história. Tinham um sis­ «irmã» eram usadas frequentemente, meramente
de comida e vinho em tema de avaliação das provisões e dos artigos como termos de afecto nos seus escritos e leva­
recipientes próprios.
manufacturados em várias unidades equivalentes ram à ideia errada de que os Egípcios cometiam
'1
68
À esquerda Uma estatua
de calcário, belamente
esculpida, de um homem
e sua mulher, mostrando
a complexidade das suas
perucas (Museu Britânico).

EM BAIXO, A ESQUERDA
Estátua de calcário pintada
de uma mulher sentada,
mostrando um estilo típico
de vestido (Museu
Britânico).

EM BAIXO, À DIREITA Taça


em forma de lótus vidrada
de azul (Museu Britânico).


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70
I
ESTILO DE VIDA

incesto. Não havia cerimónia de casamento reli­ EM cima Grupo de mulheres mas eram redondas, enquanto outras eram
gioso ou civil, embora houvessem reuniões músicas, tocando harpa, cónicas. Eram às vezes adicionadas diferentes fa­
alaúde, flauta e lira. rinhas, mel, leite e ovos. A carne era de vaca,
familiares e festividades para celebrar a ocasião.
O casamento era um acordo legal privado e o cabra, carneiro, porco, ganso e pombo. Todavia,
direito de ambas as partes à manutenção e ha­ a carne não se conservava no clima quente e
veres era estabelecido por contrato. Conse­ tinha de ser consumida rapidamente e, assim, para
quentemente, havia uma igualdade entre homens a maior parte das pessoas, deveria ser comida
e mulheres nas suas oportunidades comuns para apenas nos dias de festa religiosa. O peixe era
ter, gerir e receber bens. Em caso de divórcio, os comido mais frequentemente, em particular
direitos da mulher e do marido eram protegidos entre as pessoas que viviam junto aos pântanos.
de maneira igual. Durante alguns períodos da Além dos cereais com os quais o pão era feito,
história egípcia até mesmo a mulher que come­ a agricultura fornecia muitas variedades de vege­
tesse adultério tinha certos direitos de manutenção tais que incluíam alhos-porros, cebolas, alhos e
por parte do anterior marido. Apesar de o con­ pepinos. Os figos, tâmaras, romãs e uvas estavam
trato legal formal de casamento facilitar o divór­ entre as quantidades de fruta disponível. As quin­
cio, os casamentos não eram normalmente pouco tas forneciam leite e produtos lácteos e incubavam
duradouros ou isentos de afeição. Muitas estátuas ovos artificialmente. O mel desempenhava uma
e pinturas murais mostram casais exibindo gestos parte importante na dieta egípcia como substituto
de afecto mútuo e a literatura que sobreviveu do açúcar e provinha da apicultura. A cerveja era
sugere muitas vezes sinceros laços emocionais. EM CIMA, A ESQUERDA a bebida mais popular e preparava-se a partir da
Muitas pinturas tumulares mostram grandes Homens a colher uvas para cevada, que era moída e amassada para obter uma
banquetes, que tinham uma função mágica e nos fazer vinho; de uma pintura pasta e ligeiramente cozida como o pão. Este pão
tumular tebana. era depois ensopado em água, talvez com a adição
dão a ilusória impressão de que as reservas de
comida eram infindáveis. O camponês egípcio de tâmaras para adoçar. Após a fermentação, o lí­
médio vivia provavelmente com alguns nacos de EM BAIXO, À ESQUERDA quido era coado para um recipiente. Também
pão, uma caneca de cerveja e algumas cebolas. Caixa de madeira com faziam vinho e várias regiões eram conhecidas pela
embutidos de marfim sua qualidade. Guardava-se em jarros de cerâmica,
O alimento principal era sempre pão e por altu­ coloridos e uma série de
ras do Império Novo havia umas 40 variedades. que tinham um rótulo com indicação da origem,
joalharia típica egípcia e
As suas formas variavam: umas eram ovais, algu- amuletos (Museu Britânico). produtor e data. Há muitos registos de casos de cnv

71
I
í
i
í
briaguez especialmente depois de lautos banque­
tes e recepções.
Sabe-se bastante acerca do vestuário que os
antigos Egípcios usavam, dado que está represen­
tado nas incontáveis esculturas e pinturas. Mui­
' tos exemplos do verdadeiro vestuário têm também
: j sido descobertos entre outros artefactos dos
i túmulos. Foi encontrado um grande número de
têxteis no túmulo de Tutankhamon, entre os
I
quais mais de uma centena de tangas e cerca de
30 luvas ou guantes para condução de quadrigas.
A veste mais antiga do mundo, feita de linho
cosido, foi descoberta em Tarkhan, no Egipto, e
data de 2800 a. C. O linho branco era o material
padrão para vestuário, por ser fresco e leve.
1
Os vestidos, muitas vezes, eram franzidos cuida­
■: dosamente e mais dispostos em redor do corpo do
que talhados, com um mínimo de costuras.
As vestes eram simplesmente presas à altura das
d ancas. Durante o Império Novo foram frequen­
i temente mais franzidas e as guarnições tomaram-
-se populares. As mulheres também usavam sobre
! o vestido uma elegante capa guarnecida e profun­
damente franzida. Os homens usavam habitual­
I; i mente um saiote curto, feito de um pedaço
rectangular de linho enrolado no corpo e atado
,í :• ou preso na cintura. Este, às vezes, era engomado
na frente para fazer de avental, ou franzido. Oca­
sionalmente, podiam usar uma capa durante o
tempo mais frio. Os trabalhadores usavam apenas
uma tanga, ao passo que as crianças são frequen­
temente pintadas nuas. Os ricos tinham uma es­
pécie de serviço de lavandaria com métodos
meticulosos de lavagem e plissagem, e subsistiram
numerosas listas de lavandarias e marcas nas rou­
pas. Usavam-se as sandálias feitas de junco
entrançado ou couro, às vezes de biqueiras vira­
das para cima, como os chinelos turcos.
A joalharia, bem elaborada e colorida, con­
trastava bem com os trajos usualmente simples.
As joias eram usadas tanto para adorno pessoal
como para protecção contra o mal. A mais ca-
racterística forma de joalharia era o colar, com­
posto por numerosas fiadas de contas e com
pedras belas como a cornalina, jaspe e lápis-lazúli.
Eram usados adornos (anéis) para os braços, pul­
sos e tornozelos e os anéis para os dedos tinham
muitas vezes o sinete do proprietário. No Impé­
rio Novo, tanto os homens como as mulheres ti­
nham as orelhas furadas e uma vasta gama de
brincos sobreviveu ao seu tempo. Há muitos es­
tilos de penteados representados em esculturas e
em pinturas murais, com modas que variaram de
acordo com a época. Os homens usavam normal­
mente um estilo de corte arredondado que seguia
a linha das cabeças. Andavam geralmente de cara
ESTILO DE VIDA

rapada e as navalhas foram usadas no Egipto


desde os primeiros tempos. Os sacerdotes rapa­
vam as cabeças, tal como faziam os homens mais
ricos e as mulheres que usavam peruca. Estas
eram feitas principalmente de cabelo humano
com alguns enchumaços de fibra vegetal. Sobre­
viveram algumas perucas que são compostas por
um intrincado sortido de caracóis e tranças, às
vezes ornamentadas com contas.
Os Egípcios eram grandes apreciadores de
cosméticos e os homens, mulheres e crianças usa­
vam uma maquilhagem facial chamada «khol»
para criar uma linha escura em redor dos olhos.
Além de ser decorativo, o «khol» protegia os olhos
contra a infecção e detinha o intenso brilho do
sol. O ocre vermelho era usado para colorir as
faces e provavelmente os lábios, enquanto a hena
era usada como corante para o cabelo. Sobrevi­
veram incontáveis espelhos de bronze (que origi-
nariamente teriam sido perfeitamente polidos) e
uma grande variedade de recipientes para cosmé­
ticos, colheres e utensílios de aplicação. Os papi­
ros médicos mencionam receitas para cremes e

EM CIMA Modelo de olaria


tumular de uma casa com
janela c um telhado que
À ESQUERDA Figura de um serve de ventilador para EM BAIXO Um banco de boa
túmulo, usando uma veste apanhar a aragem. No pátio qualidade feito de ébano e
fronteiro há várias provisões marfim com um assento
elaboradamente franzida e
(c. 1900 a. C., Museu coberto de couro (Museu
uma peruca entrançada
Britânico). Britânico).
(Museu Britânico).

73
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EM cima Cena de um
banquete com músicos e
dançarinos e jarros de vinho.
P* Na cabeça, as mulheres
■j usam cones de incenso para

perfumar as perucas e o
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vestuário. De uma pintura
tumular tcbana (c. 1400

i a. C., Museu Britânico).

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EM baixo Um homem e a
sua mulher jogando uma
espécie de gamão - de um
papiro (c. 1250 a. C.,
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: íl *‘V» a- fx. Museu Britânico).
i • »
ESTILO DE VIDA

óleos para manter a pele macia e flexível depois EM CIMA, A ESQUERDA festas religiosas. A música era um acompanha-
Mulher envergando um mento essencial para a dança, mas também era
da exposição ao quente sol do Egipto. Os perfu-
vestido do estilo usado por praticada por direito próprio. Eram usadas a
mes, alguns dos quais levavam meses a preparar, [mcionários e dignitários no
eram populares e também usados pelos homens fmai j0 Império Médio. Esta harpa e a flauta, juntamente com vários instru­
durante certos festivais. Nos banquetes, as mu­ estátua é esculpida em mentos de sopro com e sem palheta, feitos de ma­
lheres usavam, em cima da cabeça, uma forma quartzito, uma das pedras deira ou metal. Provavelmente o mais antigo
mais duras das trabalhadas registo conhecido de toda uma orquestra a dar um
popular de cone de incenso para perfumar as pelos Egípcios (Museu
perucas e o vestuário. Os Egípcios pintaram nos concerto data aproximadamente do ano 250 a. C.
Britânico).
seus túmulos muitos dos seus passatempos favo­ Isto aconteceu num festival para o faraó Ptolomeu
ritos, porque queriam desfrutar destes para sem­ II, onde 600 músicos tocaram simultaneamente.
pre no outro mundo. A caça era popular entre a EM CIMA, A DIREITA Os Egípcios também jogavam jogos de mesa.
Um homem com ofertas O mais popular chamava-se «Senet» (uma espé­
nobreza e os ricos. Os jogos atléticos e os despor­ de alimentos que incluem
tos eram, com frequência, actividades de grupo e uma cabra, uma lebre
cie de gamão) e subsistiram muitas mesas alta­
incluíam luta greco-romana, boxe, jogo do pau, e um tabuleiro com ovos mente decorativas, usualmente feitas de madeira
jogos de bola, ginástica e acrobacias. Sobrevive­ de avestruz- e marfim. Algumas dessas mesas ou tabuleiros têm
ram muitas pinturas de cenas de banquetes em um jogo alternativo no lado oposto a que chama*
que actuavam acrobatas e dançarinos. A pirueta ram « Vinte Quadrados». Havia também jogos
e alguns outros movimentos de ballet eram conhe­ chamados «Serpente» e «O Cão e o Chacal». As
cidos dos antigos Egípcios e a dança com acom­ crianças divertiam-se com uma variedade de brin­
quedos que incluía bolas, piões, bonecas e figuras
panhamento rítmico de palmas, címbalos, sistros,
campainhas e cânticos também era popular nas de animais com partes móveis.

75
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í O Nilo corre através de mais de 6500 km de
terra e é um dos rios mais compridos do
mundo. E formado por dois grandes cursos, o Nilo
i
Azul, que nasce na Etiópia, e o Nilo Branco,
1 nascido no Uganda. Juntam-se em Kartum para
CAPÍTULO SETE
se tomarem no principal rio que, através do de­
■ serto, corre para norte para desaguar no Medi­
1 terrâneo. Ao longo do seu curso, o rio é
j

I
j
O Nilo interrompido em seis pontos por rápidos ou ca­
taratas, e a primeira destas, perto de Assuão,
marca a entrada do Nilo no território egípcio.
Durante os últimos 160 km, o rio abre em le­
que, em canais que correm pelas planícies pan­
I tanosas do delta. Esta região norte do Egipto,
! que inclui o delta, é conhecida como Baixo
.
Egipto. A parte para sul, chamada Alto Egipto,
!
é geograficamente muito diferente. Aqui, a terra
é mais seca e o rio é ladeado por penhascos de
*8 ambos os lados.
v* Todos os anos o curso principal do Nilo, car­
q regado com as chuvas torrenciais etíopes, distri­
bui tradicionalmente a sua água pelo Egipto.
2 Quando a água retrocede, deixa atrás de si uma

3 camada de sedimento fértil. Os antigos Egípcios


chamavam a isto a «terra negra», para a distin­
l ■]
guir da «terra vermelha» do deserto. O Nilo dava-
-lhes prosperidade enquanto o deserto pelo qual
•d corria lhes fornecia segurança e protecção con­
ri- « ' i
* i
tra a invasão. O contraste entre estas duas carac-
: V terísticas geográficas condicionava as atitudes
I• r
mentais do povo que delas dependia. Acredita­
vam que o Nilo era o centro do mundo e a mais
importante via que separava o Leste do Oeste. No
ciclo das cheias do Nilo podiam sentir a continui­
dade da vida. Por contraste, o deserto era conside­
rado a casa dos mortos e um lugar de sepulta-
mento. Desde tempos imemoriais que as desola­
EM CIMA Pôr-do-sol das zonas desérticas na margem oeste foram
no Nilo.
escolhidas para a construção de cemitérios.
Na mitologia egípcia o Nilo era como o rio
Estige dos Gregos, onde a alma era transportada
de barco da margem leste para a margem oeste.
Na sua criação mitológica, a primeira matéria viva
podia ser comparada à terra fresca depositada
depois das cheias. Os Egípcios chamavam
ao seu país «a dádiva do Nilo» e a inundação
anual era vista como a chegada de Hapi, o deus
do Nilo.
Se a cheia anual do Nilo subisse muito, o
alastramento das águas podia destruir as povoa­
ções circundantes. Se fosse demasiado baixa,
haveria menos terra agrícola disponível para cul­
tivo. Se esta pequena inundação se repetisse du­
rante vários anos consecutivos, haveria fome.
Desde o princípio que o Nilo fez dos Egípcios
•' m uma nação agrícola e a sua necessidade de se

76
:

'

EM cima Caçando nos


pântanos - de uma pintura
num túmulo tebano
(c. HOO a. C.).

EM BAIXO O Templo do Rio


de Filae.

! ■

organizarem em função do ciclo anual do rio foi aproximada mente de Março a Agosto, altura em
crucial para o desenvolvimento da sua civiliza­ que se podia fazer a colheita.
ção. Desde os primeiros tempos que trataram de Construíram diques para evitar que o rio inun­
gerir as estações do ano consoante o comporta­ dasse as colónias situadas nas elevações, que se
mento do Nilo, tendo concebido o primeiro transformavam em ilhas quando o Nilo invadia
calendário prático de 365 dias, dividido em o vale. Também conceberam uma rede de reser­
12 meses. Tinham três estações chamadas vatórios e canais para conter a água quando esta
«akhet», «peret» e «shemu». A estação da inun­ retrocedia. Era um trabalho difícil e a terra tinha
dação (akhet) começava por volta de Agosto e, de ser corrigida pelo nivelamento das elevações
por volta de Novembro, a água tinha descido o e enchimento das depressões deixadas no terreno.
suficiente para se fazerem as plantações. A es­ A água era encaminhada para canais artificiais,
tação final (shemu) era a da seca, que durava que corriam pelas colónias provinciais. Estes

77
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canais tinham de ser cavados e limpos e os seus
cursos planeados para irrigar, regularmente, o
maior número de campos possível. A água das
í j cheias, contida em reservatórios ou grandes re­
i *i- , i presas cavadas no terreno, era levada aos canais
3 I
de irrigação por mecanismos de elevação simples
■ V mas eficazes. A introdução do «shaduf» (a cego­
l• *
nha), no Império Novo, tomou o trabalho muito
mais leve e ainda hoje continua a ser utilizado no
Egipto. O «shaduf» é constituído por uma vara
com um balde numa ponta que é mergulhada na
água e depois levantada com a ajuda de um con­
trapeso na outra extremidade. No fim do Verão,
eram feitos furos nos pontos mais altos dos diques
e, quando a quantidade requerida de água lama­
centa já havia saído, estes eram tapados. Depois
da água absorvida, podia começar o trabalho e a
sementeira.
A construção e manutenção dos diques, re­
EM CIMA Gansos numa servatórios e canais prosseguiam continuamente
pintura mural em Meidum e exigiam uma grande força de trabalho, que era
(c. 2500 a. C.).
recrutada por um sistema de recenseamento (no
Império Antigo, esta grande força de trabalho
AO MEIO Pôr-do-sol organizado podia ocupar-se da construção de pi­
no Nilo. râmides durante a estação das cheias). Por for­
ma a assegurar o desenvolvimento da irrigação
EM BAIXO Depois e o aproveitamento da terra, o Egipto estava
da construção da Barragem dividido num número de províncias administra­
de Assuão, o Templo do Rio tivas chamadas «names». Quando havia crises
de Filae teve de ser removido
para outra ilha - um notável
políticas, a manutenção do sistema de forne­
feito de organização. cimento de água ficava desorganizado e, em
pouco tempo, toda a economia do país se des­
moronava. Numa terra praticamente sem chuva,

78
O NILO
J

EM CIMA Pescando no Nilo


com uma rede de arrasto; de
uma pintura num túmido
tebano (c. 1250 a. G).

AO MEIO Modelo de barco à


vela. À proa, um homem
calcula a profundidade da
água, enquanto o comprido
remo é usado como leme
(c. 1800 a. C, Museu
Britânico).

EM BAIXO Peixe de vidro


colorido usado como
recipiente para cosmético,
(c. 1600 a. C, Museu
Britânico).

só a irrigação tornava possível a agricultura e a


vida do seu povo. Para ajudar a combater as
consequências de uma fraca inundação, os ce-
reais podiam ser armazenados na previsão de um
ano mau ou de uma sucessão de anos maus,
como na história bíblica de José. Também conS'
truíram escalas para medir a subida do rio e, fi'
nalmente, colocaram «nilómetros» mais para sul
para poder prever as repercussões económicas
tão cedo quanto possível.
O Nilo era também uma perfeita via de
comunicação e, ao contrário do transporte por
terra, barata e rápida, dado que todas as cida*
des e vilas eram facilmente acessíveis por barco.

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NO TOPO Barco com vela Mesmo admitindo todos os riscos, o Nilo não é
enfunada. De uma pintura um rio particularmente terrível e, hoje em dia,
num túmulo tebano
(c. 2250 a. C.). as principais viagens de lazer no Egipto são fei-
tas em barcos de cruzeiro. Toda a força da água
necessária é fornecida pela corrente e pelo
EM CIMA Transporte de gado vento. A corrente pode fornecer força bastante
por barco. De uma pintura
num túmulo tebano. para se ser arrastado rio abaixo, enquanto o
vento, soprando de norte, pode ser aproveitado
para navegar rio acima. O registo mais antigo de
A direita Estátua de Hapi, um barco à vela está pintado num vaso egípcio
deus do Nilo abundante,
em granito preto (Museu que data de aproximadamente 3200 a. C.
Britânico). Os Egípcios foram os pioneiros do desenvolvi-
mento das embarcações fluviais e houve muitos

80
O NILO

í
i

À ESQUERDA Modelo
de barco funerário que teria
transportado o defunto na
sua viagem final pelo Nilo
até ao tumulo (c. 1900
a. C., Museu Britânico).

tipos diferentes, construídos para várias funções. linguagem do Antigo Egipto contém muitas me-
Os produtos agrícolas, tropas, gado, madeira, táforas náuticas e ir para sul significava «subir a
pedra e cortejos fúnebres, tudo era transporta' corrente».
do pelo Nilo e seus canais. Os estaleiros podiam A terra em redor do delta do Nilo era parti­
lançar à água barcos até 70 m de comprimento, cularmente fértil e a parte pantanosa estava
feitos de madeira nativa ou de coníferas do repleta de vida selvagem. Grande áreas do paul
Líbano. Sobreviveram navios completos, mode­ acabaram por ser cuidadosamente preservadas
los, desenhos pormenorizados e um vocabulário para a caça, criação de gado, frutos selvagens e
técnico, especificando os vários tipos de barcos, pesca. A pesca era uma ocupação próspera e os
com relações dos seus equipamentos. A própria que viviam nas margens dos pântanos estavam

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EM CIMA Pintura em papiro organizados em companhas para a pesca. O mé­ no rio egípcio, pois afastaram-se mais para sul,
que mostra a colheita
todo mais efectivo era puxar uma grande rede de para o interior do Sudão.
do linho (c. 1350 a. C.,
Museu Britânico). arrasto entre dois barcos e trazê-la até à margem. Nas extensas áreas pantanosas do Nilo, o
Todavia, alguns peixes eram animais sagrados de papiro enraizado na lama crescia a grande altura
certos distritos locais, onde era proibido comê-los. e alastrava em densos matagais. Os caules do
Os Egípcios foram provavelmente os primeiros a papiro eram a matéria-prima do fabrico do papel
considerar a pesca um desporto, bem como uma egípcio. Este papel era feito cortando finas tiras
fonte de alimento. Subsistiu um esboço de dese­ de medula (um tecido esponjoso contido na
nho que mostra um nobre a pescar num tanque haste de cada caule) e dispondo-as sobre uma
com cana e linha. A arpoação e a caça com pedra lisa. O papiro era então batido com
arremesso de vara eram também desportos popu­ maços de madeira até o suco natural, agindo
lares entre os ricos. como cola, ligar as tiras umas às outras. Depois,
O Nilo era também o habitat natural do hipo­ as folhas obtidas eram transformadas num
pótamo e do crocodilo e, embora ambos estives­ longo rolo. Sabe-se que os Egípcios já usavam o
sem associados aos deuses, o primeiro foi caçado papiro desde a I dinastia (c. 3100 a. C.). Em
com arpões. O belo templo de Kom Ombo foi épocas posteriores, o papiro tornou-se um
dedicado a Sobek, o deus crocodilo, havendo dispendioso monopólio do governo e o seu cul­
registos de que no ano 10 a. C., no Lago Moeris, tivo foi finalmente restringido a uma determi­
os sacerdotes egípcios tinham um crocodilo nada região. O papiro nunca mais cresceu
sagrado que domesticaram e alimentaram com naturalmente no Egipto e embora as pinturas
bolos e vinho de mel. Actualmente, nem o hipo­ vendidas nas prósperas lojas para turistas sejam
pótamo nem o crocodilo podem ser encontrados supostamente executadas sobre «papiro», o

82
O NILO

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EM CIMA Pintura em papiro,


mostrando uma vaca a sair
de um tufo de papiros que
cresciam a grande altura,
perto do Nilo (Museu
Britânico).

EM BAIXO Cartazes turísticos


da década de 20. Dado que
os sítios antigos mais
importantes são acessíveis
pelo rio, o Cruzeiro do Nilo i

tomou-se a maneira mais


calma e luxuosa de visitar
o Egipto.

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84
à esquerda Mulher
transportando um papiro -
a clássica planta florífera
do Baixo Egipto.

À direita Faraó
transportando um ramo
de flores de lótus sagrado,
que simbolizavam
o renascimento e eram um
emblema do Alto Egipto.

material utilizado é produzido a partir de casca pela barragem, submergiu povoações comple-
de banana. tas e obrigou à reinstalação de dezenas de mi-
O historiador grego Heródoto afirmava que lhares de pessoas. Perderam-se muitos restos
o primeiro faraó, Menés, tinha drenado a pla­ antigos importantes, mas foram salvos mais de
nície de Mênfis para ali construir uma nova 20 monumentos com um apoio à escala inter­
capital e, desse modo, alterara o curso do Nilo. nacional. A mais impressionante operação de
Também há provas de um imenso reservatório salvamento teve lugar em Abu-Simbel, onde os
construído na região de Faium, com uma área enormes templos de rocha foram cortados em
de 100 km2 que tinhas vastos diques e repre­ blocos de 30 toneladas e depois reagrupados
sas. Actualmente, a Grande Barragem de num sítio idêntico acima do nível do lago. De
Assuão, construída entre 1960 e 1970, com a modo semelhante, os belos templos de Filae
sua imensa albufeira, acabou com o tradicio­ foram transferidos com extremo cuidado,
nal ciclo de inundações anuais do rio Nilo. pedra por pedra, para uma ilha próxima, a sal­
O imenso reservatório, o Lago Nasser, criado vo das cheias do Nilo.

85
A A NT1GU IDADE EGíPCl A

/^\ uando olhamos os hieróglifos temos a ten-


dência natural para ver cada um dos sinais
como a representação de uma letra, dado que a
nossa linguagem escrita se baseia num alfabeto.
CAPÍTULO OITO
A ideia de um alfabeto foi algo que aconteceu
muito mais tarde na história da escrita, e a re­
dução de todos os sons possíveis e das suas com­
binações a um sistema escrito de cerca de 20
sinais, foi coisa que o Homem levou muito
te
£
Os Hieróglifos tempo a conseguir. Cada sinal hieroglífico não
representa uma letra e nem sempre representa
uma palavra. Além de serem indicações pictó­
ricas do significado de palavras (ideogramas), os
sinais hieroglíficos também representam sons de
uma, duas ou três consoantes (fonogramas).
A escrita baseada apenas em sinais pictóricos
seria impraticável dado que um vocabulário
■* i
completo requereria milhares de sinais. Seria
difícil expressar, claramente e sem ambiguidade,
palavras ou coisas não facilmente desenháveis,
r-i e foi provavelmente por isto que os sinais com
i
valor de sons (fonogramas) também foram

1 necessários. Os sinais puramente pictóricos ou


ideogramas podiam ser usados no fim de uma
palavra para indicar o significado preciso da

IN ! 'i!
.{
mesma - sistema útil na ausência de pontuação.
O egípcio antigo é a segunda mais antiga lín­
gua de que há registo. Acredita-se que o sumério
seja ligeiramente mais antigo. Os primeiros
. !■ »• hieróglifos datam, aproximadamente, de 3100
a. C., enquanto os mais recentes apareceram quase
três mil e quinhentos anos depois (c. 394 d. C.).
Pode dizer-se que a linguagem escrita sobreviveu
quase 5000 anos, visto que a sua forma final é
ainda usada durante os serviços religiosos coptas.
Um pequeno número de palavras egípcias anti­
gas abriu caminho para o vocabulário de várias
línguas modernas (ex. «oásis»). Os egiptólogos
identificaram cinco estágios no desenvolvimento
da língua: o Antigo (c. 2650-2135 a. C.), o Médio
(c. 2135-1785 a. C.) o Novo (c. 1500-700 a. G),
o Demótico (c. 700 a. C.-500 d. C.) e, final­
mente, o Copta. Este último estágio começou no
século III e continuou até à Idade Média, altura
em que foi substituído pelo árabe como língua
egípcia.
em cima Estatueta A escrita hieroglífica era um sistema alta­
de calcário pintado de um mente desenvolvido, pelo qual tudo, mesmo as
escriba real (c. 1500 a. G, formas gramaticais, podia ser expresso. Os hieró­
Museu Britânico). glifos podem ser lidos da direita para a esquerda,
da esquerda para a direita e também vertical-
mente, de cima para baixo, de acordo com a com­
posição do desenho. Uma inscrição hieroglífica
era tradicionalmente disposta em colunas. Mais
tarde, foi escrita em linhas horizontais e a parte
superior dos sinais estava sempre voltada para o

86
OS HIERÓGLIFOS

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1
P jgg II OJ

começo da frase. A sequência é contínua, sem si' EM CIMA Papiro com um


hino ao deus Ré do Livro
nais de pontuação ou espaços para indicar divi- dos Mortos. Os hieróglifos
sões entre palavras. A gramática egípcia é acabaram por ser usados
completamente diferente da das línguas europeias quase exclusivamente nos
e não pode ser reduzida a uma série de regras sim- textos religiosos e mágicos
(c. 1050 a. C., Museu
pies. O domínio da língua requer muito estudo. Britânico).
Há mais de 6000 hieróglifos documentados, que
cobrem todo um período durante o qual eram
usados os escribas, embora na sua maioria fossem
preparados por motivos de ordem religiosa
durante o período grea>romano. Em geral, na
mesma altura, havia cerca de 700 escribas em
trabalho normal.
Uma característica surpreendente da escrita
hieroglífica é a ausência de vogais. Os egiptólogos
usam as vogais «e» e «a» onde necessário para
comunicar a linguagem verbalmente. Há 24 si'
nais hieroglíficos, cada um deles representando
uma consoante que, vagamente, correspondem
aos sons do nosso alfabeto moderno. Os egip'
tólogos fazem transitar os valores dos sons
hieroglíficos para os nossos caracteres alfabéticos
modernos para permitir a pronunciação, mas as
palavras não deveriam soar da mesma maneira

87
A ANTIGUID A DE EGÍPCIA

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é constituída por três
escritas: hieróglifos em cima,
dcmótico no meio e grego em
baixo. É um decreto de todos
os sacerdotes do Egipto
a favor do faraó reinante,
Ptolomeu V (Museu
Britânico).

88
OS HIERÓGLIFOS
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O Alfabeto em Hieróglifos

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Mão Víbora cornuda Poial Vista aérea de cabana

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Linho torcido Junco florido Semelhante a serpente Cesto

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Agua Tamborete Semelhante Boca Pano dobrado
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Tanque Pão Arreata Pinto de codorniz Semelhante
a ferrolho
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O Sistema Numérico

Os números são indicados por sete sinais especiais

fl 10 ^ 100 | 1000 s 10000 100000 1000000

Quando são escritos em conjunto, para formar um único número, os valores nvais altos
são escritos à frente dos valores mais baixos. Os múltiplos são indicados pela simples
repetição do sinal:

7 = 369 =
nnniim
nnnmi
24 =
nn 142,235 = nnn

89
A A N T I 0 1' 1 D A D E E O í P C I A

: : 'vV '■i v- $? * •::v nos tempos antigos. Este sistema egípcio de sinais
alfabéticos não foi geralmente usado para palavras
%%;■ • • v. , ( completas até aos tempos greco-romanos,
quando os vários nomes reais foram transcritos
para hieróglifos. Tem sido afirmado que certos
hieróglifos acabaram por entrar no nosso próprio
pditeí Sí iiSÍ .:ííi*5í _...... alfabeto por via proto-sinaica, fenícia, grega e
latina.
Os hieróglifos estão normalmente associados
às inscrições em pedra e a própria palavra vem
is’*. do grego «ta hieroglifica», que significa «as sagra­

MmÊfmi/ m
m
das letras esculpidas». Os sinais da escrita são lar­
gamente pictóricos no seu carácter e a maioria
destes são figurações reconhecíveis de objectos
naturais ou feitos pelo Homem. Os melhores
exemplos da escrita têm uma beleza intrínseca de
* >-v&* ■ linha e cor, que alguns afirmam ser a mais bela
escrita alguma vez esboçada. Era mais do que um
simples sistema de escrita e os próprios Egípcios
se lhe referiam como a «escrita das palavras divi­
nas». Tal como as representações na sua arte, a
escrita era dotada de um significado religioso ou
mágico. Acreditava-se que o nome de uma pes­
soa inscrito em hieróglifos incorporava a sua iden­
tidade única. Se na representação faltasse um
nome, não haveria meio de continuar a exis­
tência no após vida. Assim, muitos nomes de
!( í monarcas e deuses foram desfigurados ou apa­
í:
gados dos monumentos pelos faraós posteriores
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À ESQUERDA Estátua EM CIMA, À ESQUERDA Dois


de calcário pintado de hieróglifos comuns esculpidos
um escriba na tradicional em pedra, representando
posição de pernas cruzadas, uma junco, símbolo do Alto
com o seu rolo de papiro Egipto, e a abelha, símbolo
desenrolado à sua frente do Baixo Egipto (Museu
(Museu do Cairo). Britânico).
OS HIERÓGLIFOS

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EM cima Relevo em calcário !
pintado, representando Tot,
o deus da escrita, com
cabeça de ibis (Museu |
Britânico).
À esquerda Rótulo de livro
em faiança, provável e
originalmente ligado a um EM baixo Tábuinhas
caixa de papiros na de calcário com hieróglifos
Biblioteca Real em Tell EI- inscritos com um maço
-Amama (c. 1380 a. C., de madeira e cinzéis
Museu Britânico). de cobre (Museu Britânico).

com ideais contrários. Do mesmo modo, as ins­


crições existentes nas estátuas podiam ser apa­
gadas e gravado em seguida o nome do novo
monarca.
Os hieróglifos não eram apropriados para
uma escrita rápida e, por isso, deram origem a
uma escrita fluente, mais estilizada, chamada
hierática. Esta tornou-se a escrita administrativa
e comercial normal e foi também usada para
registar documentos de natureza literária, cien­
tífica e religiosa. Era particularmente apro­
priada para escrever sobre papiro ou pedaços de
cerâmica e de calcário. O texto era escrito nor­
malmente com um pincel ou um junco afiado,
com tinta preta, embora a tinta vermelha fosse
usada às vezes para fazer sobressair partes espe­
ciais. A palavra hierática vem do grego
A A N T I C. V 1 D A D E EGíTC I A

Hieróglifos


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«hieratika» que significa «sacerdotal». Isto por­ Quando uma pessoa iletrada precisasse que lhe AO LADO, EM CIMA Relevo
em calcário pintado inscrito
que, durante o Ultimo Período, quando os Gre­ fosse lido ou escrito um documento, teria de
com os nomes e títulos
gos visitaram o Egipto, o seu uso havia ficado pagar a um escriba por esse serviço. Tradicional- de vários faraós (Museu
confinado aos documentos religiosos e o mente, um escriba levava 12 anos a aprender e Britânico).
demótico substituíra-o como principal escrita a escrever os mais ou menos 700 hieróglifos de
«comercial». O termo demótico vem do grego uso comum durante o Império Novo e o estudo
AO LADO, A ESQUERDA
«demotika» que significa «popular» e refere-se começava aos 4 anos de idade. Sobreviveram Estátua de granito
à sua função de escrita do dia-a-dia. A partir do muitos exercícios da escola antiga (completos, acocorada. Esta forma
período ptolomaico foi também usado para com­ com as correcções do professor), sendo estes fre­ «bloco» característica foi
posições literárias, bem como para textos cien­ quentemente cópias dos «clássicos egípcios» em a ideal escolhida para
tíficos e religiosos. inscrever longos textos
hierático.
(Museu Britânico).
Embora a escrita desempenhasse uma parte No período romano e cristão do Egipto,
importante na sociedade egípcia antiga, é impro­ desenvolveu-se a escrita copta à medida que as
vável que a instrução possa ter-se desenvolvido outras escritas nativas declinaram. A palavra AO LADO, À DIREITA Papiro
entre a população. A produção de escrita e o «copta» deriva do árabe «gubti», uma trans- relacionado com problemas
matemáticos e suas soluções
acesso directo a esta estava confinado a um literação da palavra grega para egípcio. Foi usada
(c. 1570 a. C., Museu
escol educado, composto pela realeza, funcioná­ pelos Árabes no século VII para designar os Britânico).
rios do estado e escribas. O escriba profissional habitantes nativos do país. O copta é constituído
era uma figura central em todos os aspectos da por 24 letras do alfabeto grego combinadas
administração do país - civil, militar e religiosa. com seis caracteres demóticos. O desenvolvi-

92
OS HIERÓGLIFOS

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OS HIERÓGLIFOS

mento desta forma padrão do alfabeto, que já

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estava bem estabelecida por volta do século IV
da nossa era, está estreitamente associada à ex-
pansão do cristianismo no Egipto. Na sua forma
mais primitiva, o copta foi usado para escrever
textos mágicos nativos e não foi inicialmente
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/ imaginado para traduzir os evangelhos. Dado
que ainda é utilizado nos serviços religiosos
«L coptas, alguns acreditam que poderia indicar
pistas para a pronunciação da língua original dos
antigos Egípcios, embora os elos, com o decor-
rer do tempo, possam ter-se tornado demasiado
distantes.
A arte da leitura dos hieróglifos esteve per­
dida durante séculos e foi um francês, chamado
Jean-François Champollion (1790-1832), o pri­
meiro a decifrá-los completamente. A chave
mais importante para esta escrita esquecida foi
a famosa pedra de Roseta, descoberta em 1799,
com um texto bilingue. Era o decreto do faraó
Ptolemeu V escrito em grego antigo (uma lín­
gua conhecida) e duas antigas escritas egípcias:
demótica e hieroglífica. Comparando estas escri­
tas e fazendo uso do seu excelente conhecimento
.• ..:r. . ’ v. - : do copta, Champollion estudou cópias de outras
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inscrições hieroglíficas. Após considerável pes­
quisa foi capaz de reconhecer não apenas algu­
mas das letras do alfabeto hieroglífico, mas

À ESQUERDA Cópia de um EM CIMA, À ESQUERDA


relevo de um temido Amuleto de faiança derivado
de Abidos, mostrando uma do hieróglifo do olho sagrado
composição típica com o seu de Hórus (Museu
cuidadoso equilíbrio entre Britânico).
as figuras e os hieróglifos.

EM cima ísis saúda Ramsés À direita Amuleto


III e o seu filho; de uma de faiança derivado
pintura tumular tebana, do hieróglifo do falcão
c. 1150 a. C. Isto mostra (Museu Britânico).
a arranjo de colunas
de hieróglifos com uma
composição pictórica.
A A NTICUIPADE EGíPC1A

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também uma série de outros hieróglifos de certos sinais hieroglíficos, enquanto a sua com' EM CIMA Escrita hierática
preensão do texto grego o ajudou a identificar numa caligrafia
carteias reais. Conseguiu decifrar 79 nomes particularmente bela de
reais diferentes, dos quais reconheceu e classifi­ os caracteres pictóricos. «O Grande Papiro de
cou todas as letras, uma por uma. Depois, usan­ Com um conhecimento da língua, estamos Harris», o mais comprido
do o «alfabeto» - todas as letras que havia agora em condições de traduzir os incontáveis papiro conhecido (Museu
recuperado progressivamente - conseguiu iden­ escritos antigos que subsistiram. Os textos erudi- Britânico).
tificar palavras. Em alguns anos apenas, compilou tos foram os mais altamente considerados, espe­ À DIREITA, EM CIMA
um dicionário e uma gramática. Embora a lei­ cialmente os mais antigos, tendo sido populares O papiro do escriba Ani, um
dos mais belos exemplos do
tura dos nomes dos faraós fornecesse a chave durante toda a história egípcia. Contêm frequen­
«Livro dos Mortos» egípcio
para o sistema de escrita, tal não teria levado à temente códigos morais e representam um ele­ (Museu Britânico).
compreensão da língua egípcia sem a ajuda do vado nível de pensamento. Além da literatura
A DIREITA, EM BAIXO
copta. Ao estudar o texto da pedra de Roseta, o religiosa e registos comerciais, os escritos do Hieróglifos pintados num
conhecimento que Champollion tinha do copta Antigo Egipto incluem assuntos tão variados caixão do Império Médio
permitiu-lhe determinar os valores fonéticos de como poesia, medicina e matemática. (Museu Britânico).

96
OS HIERÓGLIFOS

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A ANTIGUIDADE EGÍPCIA

O s monumentos impressionantes e os fasci­


nantes artefactos constituem uma prova
actual e visível da passada glória do Egipto. Con­
tudo, muitos aspectos invisíveis da nossa civili­
capítulo NOVE
zação moderna tiveram as suas origens no
Antigo Egipto. As suas ideias foram dissemina­
das na Europa através dos Gregos e dos Roma­
nos, cuja cultura se valeu profundamente deste
legado, e que ficaram impressionados com as

O Legado realizações de uma civilização muito mais velha


do que as suas. Desde então, o Antigo Egipto
tornou-se cada vez mais distante, misterioso e
fascinante. Tornou-se também um potente veí­
culo de evasão, que inspirou a arte, os romances,
a ficção policial, a ficção científica, os filmes
épicos e de terror. Além disso, muita gente ini­
ciou uma busca para descobrir algum conheci­
mento secreto ou escondido no Antigo Egipto
e imaginou teorias complexas sobre a constru­
ção e finalidade das pirâmides. Os próprios an­
tigos Egípcios nunca se afastaram do seu
caminho para espalhar a sua cultura e religião
pelo resto do mundo e a sua influência teve
lugar por força das circunstâncias.
O comércio ajudou a espalhar a cultura egíp­
cia através do mundo antigo. Os Egípcios preci­
;!
savam de madeira, metais e pedras semipreciosas,
V ao passo que o seu monopólio dos produtos afri­

•«
canos, particularmente o ouro, atraiu inúmeros
•< estrangeiros. As ideias e os conhecimentos
••
técnicos viajaram com os produtos. O intercâmbio
cultural entre a África, a Ásia e os países medi­
terrâneos aumentou durante certos períodos de
invasão e conquista. Os Fenícios, que eram mer­
cadores de longo curso, tomaram de empréstimo
e adaptaram muitos elementos arquitecturais e
artísticos egípcios e divulgaram-nos pelo Mediter­
râneo até à Grécia.
Os primeiros escritores gregos que viajaram
até ao Egipto admitiram a sua influência nos prin­
cípios gregos de arquitectura e geometria. A escul­
tura arcaica grega mais antiga reflecte tanto a pose
(com o pé esquerdo para a frente) como as pro­
porções da do Egipto. Antes de Sócrates, os segui­
dores de Pitágoras dirigiram-se ao Egipto para
completar os seus estudos de Geometria, Astrono­
mia e Teologia, e os contos egípcios tiveram
em cima Alethe - sacerdotisa também uma influência importante no desenvol­
de Uis, por Edwirt Lond vimento do romance helenístico. Além disso,
(1829-91). Esta pintura alguns aspectos da antiga religião grega podem ser
a óleo do século x/x reflecte detectados no Egipto. Os Gregos também se inspira­
uma imagem romântica
idealística do Amigo Egipto.
ram na ciência médica egípcia, tendo os médicos
egípcios sido contratados pelos Hititas e Persas.
Os eruditos têm tentado demonstrar o desen­
volvimento do nosso alfabeto a partir dos sinais
hieroglíficos, podendo certos conceitos da lei egíp-

98

O LEGADO

cia ter também chegado até nós. Contudo, tal­ EM cima Israel no Egipto, natureza, muitas vezes, fosse mal compreendida. :•?
vez o maior legado do Antigo Egipto tenha sido por Sir Lawrence Poynter Os Romanos importaram muitas estátuas egíp­
(1836-1919).
o seu calendário, que foi adoptado pelos Roma­ cias e destas fizeram muitas cópias, frequente-
nos e constituiu a base do nosso calendário mente espúrias. Levantaram-se obeliscos no
gregoriano. EM BAIXO O Achamento templo de Isis e nas praças de Roma. Dado que
Os Romanos, tal como os Gregos antes de­ de Moisés, por Sir Lawrence Roma se tornou a cidade mais importante no
Alma Tadema (1836-1912). mundo clássico e cristão, a selecção e interpre­
les, absorveram muitas crenças religiosas nativas Os assuntos bíblicos
depois de terem conquistado o Egipto. Adopta- forneceram aos artistas uma tação romana das formas egípcias influenciou
ram as práticas fúnebres egípcias, desenvolvendo desculpa para se entregarem fortemente a maneira como o resto da Europa
uma sofisticada técnica de embalsamação e apre­ a visões fantasistas encarou o Antigo Egipto. Em consequência, o
do Antigo Egipto. conhecimento transmitido à Europa Medieval e
sentação funerária. Foram também venerados
muitos deuses egípcios, embora a sua verdadeira do Renascimento foi largamente determinado por
A A N T 1 vi I l P A P K HGi rC1A

aquilo que interessava aos eruditos clássicos e EM CIMA Tempestade de


Areia no Deserto, por
bizantinos.
Davicl Robens (1796-1864),
A Bíblia constituiu durante séculos o único que visitou o Egipto em
ponto de acesso de muitos cristãos ao Egipto e 1839. Esboçou muitos
está inevitavelmente imbuída de certos precon­ monumentos e os seus
ceitos. O Velho Testamento dá uma impressão desenhos foram publicados
numa famosa série de
geral dos Egípcios como um poderoso estado litografias.
pagão, opressor de um povo nómada devoto e
mais fraco. Os Judeus, tal como muitos povos nó-
madas, foram atraídos pela abundância da terra EM baixo Figura de bronze
do deus Hónis como soldado
do Egipto e, quando a deixaram, devem ter levado
romano. Os Romanos
consigo muitas ideias nativas egípcias. Os hinos adoptaram muitos deuses
egípcios e o conhecimento literário eram conhe­ egípcios na sua própria
cidos em Canaã desde o tempo do Império Novo cultura sem compreenderem
e influenciaram certos escritos do Velho Testa­ completamente a sua função
religiosa original (Museu
mento. Entretanto, Salomão pode muito bem ter
Britânico).
sido inspirado pela eficiência da burocracia egíp­
cia ao organizar o reino judaico.
E demonstrado, frequentemente, que a reli­
gião cristã contém muitas práticas e imagens que
tiveram as suas raízes no Egipto pagão. Isto é per­
feitamente compreensível visto que, durante os
anos de formação do cristianismo, os ritos
religiosos herdados dos Romanos já estavam
À DIREITA A bem preservada
impregnados das tradições egípcias. Quando o
múmia de Ramsés III, que
poderoso Império Romano adoptou oficialmente tem fornecido o modelo para
a nova religião cristã, abraçou muitos conceitos muitos filmes de terror.

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A ANTIGUIDADE E G í P C I A

À ESQUERDA Fresco numa


igreja copia. A primitiva
igreja cristã no Egipto
adoptou muitos elementos
da antiga herança •pagã»
e a antiga língua egípcia
ainda é hoje usada no
sewiço religioso.

À direita Múmia de um
rapaz romano.
Os Romanos adoptaram
os costumes fúnebres
egípcios e adicionaram-
-lhes retratos naturalistas
(Museu Britânico).

e imagens existentes. Em especial o culto de Isis,


tão forte no primitivo Império Romano, podia
ter fornecido uma imagem protótipo da Virgem
e do Menino através das muitas representações
de Isis amamentando Hórus. Está registado que
uma antiga estátua original de Isis permaneceu
numa igreja ífancesa até ao século XVI, enquanto
numa outra igreja, também francesa, o nasci'
mento de Isis continua, ainda hoje, a ser cele­
brado. A popular representação de Cristo
triunfante sobre animais perigosos traz consigo
a surpreendente semelhança com a imagem de
Hórus triunfante sobre o crocodilo. Muitos para­
lelos semelhantes podem traçar-se entre os qua­ PÁGINA AO LADO provavelmente através do último reino etíope de
Candelabro de bronze
dros de certos santos cristãos e dos deuses pintado do século XIX
Meroé. No Egipto moderno, embora a influência
egípcios, ao mesmo tempo que os atributos no estilo egípcio. da cultura islâmica tenha sido considerável, têm
sagrados, como o halo, o báculo e a ideia de sobrevivido muitos costumes dos velhos tempos.
homens com asas serem anjos têm precedentes Nos campos, a «cegonha» continua a ser utilizada
egípcios. O emblema central cristão - a cruz - para a rega, como acontecia antigamente, e pouco
está representada muitas vezes, como o signo da mudaram muitos aspectos da vida nas aldeias.
vida egípcio - AM nos primeiros monu­ Alguns limites alteraram-se um pouco e certos
mentos coptas e ainda claramente presente nas nomes antigos de lugares continuam a ser virtual­
pedras tumulares medievais nos Balcãs. Muitos mente os mesmos. Em Lucsor, uma barca sagrada
elementos subconscientes egípcios teriam sido é transportada em honra de um santo islâmico,
trazidos do Egipto pelos bispos, que foram alta­ tal como teria sido feito para o deus Amon nos
mente influentes nos primeiros concílios da Igre­ tempos antigos. Também sobreviveram muitas su­
ja, em Roma. perstições, tais como a de levar comida ou de
A literatura egípcia também influenciou mui­ queimar incenso para os parentes mortos. Tam­
tas histórias famosas do folclore oriental, como bém subsiste o medo do «mau-olhado» e man­
Sinbad e Ali Babá, enquanto muitas frases e têm-se os sortilégios como protecção contra o
dizeres antigos sobrevivem provavelmente no demónio.
Egipto moderno e no resto da África. Certas O Antigo Egipto continua a ser uma fonte de
técnicas e práticas rituais do Antigo Egipto inspiração para os místicos e os seguidores do
sobreviveram entre os povos da África Central, oculto. A crença hermética, a Alquimia e a

102
O LEGADO
A ANTIGUIDADE E G í P C I A

Astrologia tiveram provavelmente origem em EM cima Prato de porcelana reencarnações de sacerdotes ou sacerdotisas egíp­
do séado XIX decorado com cias. Os estranhos deuses com cabeças de animais,
Alexandria, que se tomou um importante centro flores de lótus no estilo
cultural e comercial no mundo antigo. Foi aqui egípcio.
a misteriosa escrita hieroglífica, os amuletos
que muitos conhecimentos e crenças do Antigo sagrados e as crenças fúnebres do Antigo Egipto
Egipto, Grécia e Próximo Oriente se fundiram. fornecem um excelente tema a clarividentes
Escritos herméticos popularizaram a noção de que e escritores espiritas. Correm rumores de que
À direita Alimentando
os Egípcios eram possuidores do conhecimento as íbis Sagradas nos Salões
vendem genuíno pó de múmias numa farmácia
verdadeiro e puro. Embora a Astrologia tivesse de Karnak, por Sir Edward de Nova Iorque para uso em poções mágicas
chegado tarde à história egípcia, provavelmente Poynter (1836'1919). Estas secretas.
a partir da Asia Ocidental, há muitas represen­ gravuras popularizaram A influência dos antigos Egípcios sobre o
o estilo egípcio.
tações de estrelas, constelações e mapas do céu secreto é reforçada por muitas histórias de «mal­
que foram tomadas pelos místicos, e mal, como dição da múmia», que continua a prender a ima­
verdadeiros símbolos zodíacos. Os Egípcios tinham ginação pública. O mais antigo registo de uma
um sistema para determinar as influências felizes história de fantasmas, envolvendo uma múmia,
e infelizes do dia, como nos modernos horóscopos foi escrita em França, em 1699. «A Múmia»
diários que, todavia, não têm ligação com os juntamente com «Drácula» e «Frankenstein» pro­
12 símbolos do zodíaco. O carácter feliz ou infe­ vam que o tema continua bastante popular para
liz do dia derivava dos eventos mitológicos que filmes de terror. A ligação do Antigo Egipto com
tivessem lugar nesses determinados dias. Na lite­ o oculto foi publicitada pela imprensa, que atri­
ratura egípcia havia também uma crença de que buiu à chamada «Maldição de Tutankhamon» a
certos números tinham um significado mágico, morte de Lord Carnarvon. Este, patrocinador da
o que pode ter aberto o caminho para a nossa expedição, que tinha uma história de saúde
moderna superstição quanto a números felizes e débil, morreu de uma picada infecciosa de mos­
azarentos. quito pouco tempo depois da descoberta do
A história mais antiga acerca de um mágico túmulo. Contudo, os que desejavam apoiar a
encontra-se no papiro «Westcar», que data de superstição acerca da sua morte nunca chamaram
c. 1700 a. C., e muitos espiritas, adivinhos e qui- a atenção para o facto do principal responsável
romantes usam nomes egípcios ou reivindicam ser pelo famoso achado, Hovvard Cárter, ter vivido até

104
O LEGADO

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A A N TlGUI DA O E EOÍPCIA
O LEGADO

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EM CIMA Saleiro ele prata, aos sessenta e muitos anos. O The Times garantiu
aproximadamente de 1840, os direitos exclusivos de reportagem sobre a desco­
decorado no estilo
renascentista egípcio. berta do túmulo e os jornais seus rivais, não tendo
história para relatar, foram forçados a inventar
uma. E foi assim que nasceu a mítica «maldição».
À ESQUERDA Colossal Além de influenciar as ciências ocultas, o
baixo-relevo de um moderno
edifício do centro DIY em
Antigo Egipto continuou a inspirar a arte ociden­
Kensington, Londres, que tal através das suas exóticas e românticas associa­
reflccte a moda da ções. No século XIX, um grupo de pintores
arquitectura renascentista europeus foi bem sucedido na produção de algu­
egípcia na década de 90. mas reconstruções altamente imaginativas do
Antigo Egipto. Isto aconteceu em resposta a um
gosto geral, surgido nessa altura, pelos assuntos
do Médio Oriente, e muitos artistas viajaram por
todo o mundo islâmico. O tema das suas pintu­
ras incluía inevitavelmente árabes com os seus
turbantes, a azáfama dos bazares, camelos, palmei­
ras e cenas de harém levemente pornográficas.
As pirâmides e as antigas ruínas do Egipto foram
parte deste ideal romântico e são frequentemente
representadas em perspectiva exagerada, com
dramáticos ocasos. Estes elementos do fantástico,
PÁGINA AO LADO A Casa exótico e erótico faziam parte das visões fantasistas
Egípcia, Penzance. de muitos artistas acerca do Antigo Egipto. A sua
Construída no século XIX, na notável atenção quanto ao pormenor foi um
década de 30, esta estrutura reflexo dos ideais orientalistas e pré-rafaelistas
representa o estilo
renascentista egípcio
contemporâneos. Muitos artistas devem ter vi»i-
na arquitectura. tado museus de forma a fazerem estudos precisos

107
.■
A A MIOU P A P E EO1r0 I A

muitas vezes, o «Renascimento Egípcio» que foi


popular em França e em Inglaterra durante as
guerras napoleónicas, com a sua conotação egíp­
cia. Todavia, os elementos egípcios foram
estilizados para se ajustarem ao gosto contempo­
râneo e as figuras adquiriram um estilo mais cheio,
mais arredondado, reminiscência do antigo estilo
egípcio greco-romano. A «egipcianização» foi
também uma característica do mobiliário inglês
e francês dos períodos da Regência e do Império
e foi aplicada a outros objectos, como relógios,
candelabros e porcelanas. Esta mistura de formas
egípcias e clássicas também foi usada em constru­
ções tão variadas como moinhos, tribunais, lojas
maçónicas e cemitérios. No século XIX, década de
50, a inclusão de um espaço egípcio na Grande
Exposição de Londres mostrou que o Antigo
Egipto havia conquistado a imaginação do público
britânico ao reflectir o gosto vitoriano pelo orna­
mento e a decoração.
No século XX, a interpretação artística do An­
tigo Egipto tomou-se menos sensacional e elabo­
rada e mais «moderna». O carácter soberbo,
espaçoso e geométrico das fornias egípcias está mais
de acordo com o gosto moderno do que o estilo
clássico. A descoberta do túmulo de Tutankhamon,
na década de 20, teve um influência importante
no aparecimento de um novo movimento cha­
mado An Déco. Muitas formas egípcias foram
estilizadas e incorporadas na arquitectura, mobiliá­
rio, escultura e artes gráficas contemporâneas.
EM CIMA A Esfinge, como O Antigo Egipto também teve uma grande influên­
mascote de um automóvel
J k da década de 20, reflecte a
cia na recentemente formada indústria cinemato­
popularidade dos motivos gráfica de Hollywood. O desenho de muitas
egípcios a seguir a descoberta fachadas de cinemas foi inspirado pela arquitectura
do túmulo de Tutankhamon. egípcia dos templos e ajudou a realçar todo o
mundo de fantasia dos filmes. Entretanto, os
À esquerda Aida, a ópera temas egípcios antigos foram o veículo perfeito para
épica de Verdi continua as epopeias ficcionais como 7erra dos Faraós, Os Dez
a ser representada como Mandamentos e Cleópatra, que tiveram cenários

AIDA espectáculo sumptuoso


e perpetua o mito do antigo
esplendor do Egipto.
enormes e milhares de figurantes. Esta grande vi­
são do antigo esplendor do Egipto está igualmente
presente no mundo da ópera com a espectacular
Aida, de Verdi.
Os artistas modernos continuam a ser inspira­
dos pelo Antigo Egipto e talentos altamente origi­
de artefactos antigos originais. A Bíblia também nais, como Pablo Picasso e Henry Moore, admitem
forneceu temas do Antigo Egipto às pinturas, que ambos a sua influência no seu trabalho formativo.
estão frequentemente carregados de um conside­ Em anos recentes, os arquitectos mostraram um
rável sentimento e de melodrama. Muitas destas renovado interesse pelo Egipto e por fornias como
imagens tornaram-se populares através de Bíblias a pirâmide, que continuam a ser elegantemente
familiares contemporâneas e livros para crianças aplicadas em muitos edifícios públicos e comerciais.
sobre as Escrituras. O estilo egípcio é tão antigo que até parece mo­
Para as artes decorativas e a arquitectura os derno e, à medida que avançamos para o futuro,
motivos egípcios antigos forneceram uma variante mais relevante se torna o nosso conhecimento do
ao elegante estilo neoclássico. A isto chama-se, mais distante passado do Homem.

108
A ESQUERDA Uma estatueta
de bronze do período grego
do deus Amon-Ré mostra
como as formas egípcias
eram mal representadas
pelas culturas posteriores
(Museu Britânico).

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A ANTIGUIDADE EG íPC1 A

Índice Remissivo
Os números em itálico referem-se às ilustrações ou suas legendas

A
Abidos 30, 51, 94. 95.
Carpintaria 65, 66-67
Cárter, Howard 11, 15, 16,
F
Faiança, artigos de 67, 91,
ideogramas 86
nomes reais 31
templo em 15, 36 17, 38. 104 95 nomes, significado dos
Abu-Simbel, Templo de 8, Cestaria 67 Faium 85 90-91
, 8, 16, $5 Caixões 58,59, 61, 63, 63 Família, estrutura da 68, 71 pedra de Roseta 6, 95-96
Accio, Batalha de 38 Carroças 32, 33, 72 Faraós 30-43, 30 significado religioso ou
.Agricultura 66.67-68.70.71.82 Casa de Chicago 15 categoria como deus e rei mágico 90
aproveitamento de terras Casamento 6S, 71 30, 42-43, 44. 46 Hititas 35, 36, 98
30. 77 Cerâmica 67, 69, 91 coroas e insígnias reais 39 Horemheb 31, 36, 38, 43
camponeses agricultores Champollion, Jean-François Império Antigo 30, 31 túmulo de 50
26. 28, 29 6, 6. 95-96 Império Médio 30, 31, Hórus 24, 30, 46, 48, 51,
sistemas de irrigação 39, Monumentos do Egipto 14 32, 34 51,52, 100
67. 77-78, 102 Chu 46 Império Novo 32-36, 38 olho de (udjat) 58
Akhenaton 31, 34-35, 36, Ciência médica 73, 75, 9S mulheres 33, 34 Huncfer (escriba) 58
36, 41, 48, 49. 64 CleópatTa 16, 42 qualificações 43
Alexandre, o Grande 31, 3S derrota em Accio 38 rainhas 42
Alexandria 38 Cleópatra VII 31 Ferramentas 25, 65, 66-67
Alma Tadema, Sir Lawrence Clero 36, 44, 65 Filae, templos de 77, 78, 85 Imhotep 20, 27
O Achamenio de Moisés 99 Cobre, artefactos de 25, 67 Frith, Francis 17 Irrigação, sistemas de 30, 67,
Alquimia 102 Colossos de Memnon 35 77-79, 102
ísis 46, 51-52,51,95, 102
Amenhotep III 31, 34. 35,
39, 41. 4S
Comércio 68, 9S
Capta, língua 86, 95, 96 G
Colossos de Memnon 35
túmulo de 55
Amenhotep IV ier Akhenaton
Crença hermética 102
Cristianismo, influência da
cultura egípcia 100, 102,
Gardiner, Sir Alan
Gramática Egípcia 16
Great Harris, papiro de 96
J
Joalharia 65, 67, 70, 72
Amon 46, 52 102 Geb 46 Júlio César 38
Amon-Ré 46, 48, 109 Geometria 98
Ani (escriba) 97
Animais sagrados 44, 61, 63
Ankh signo de rida 102 Dario 31
D. Gira 16, 20, 21-23
Esfinge 26
Grande Pirâmide 16, 20,
K
Kadcch, Batalha de 36, 38
Anúbis 50, 57, 62 Daries, Nina 15, 19 21,22, 25, 26, 26, 28, Kamak, Grande Templo de
Apis, boi 53 Daries, Norman de Garis 29, 30 45
Armamento 32, 68 15 Pirâmide de Khafré 22, Khafré 24, 31
Arquitectos 20, 27 Deir el-Bahari, templo de 25, 26, 29 Esfinge 26
Artesãos 65-67, 65 33, 34 Pirâmide de Menkauré Pirâmide de 22, 26, 29
Artistas 65-66 Deir el-Medina 15, 64, 65, 22, 25 Khepri 48, 49
Assuão, Grande Barragem 68 Gregos Khonsu 52
de 15-16, S5 Demótica, escrita 6, 16, 86 conquista do Egipto 38, Khufu 30, 31
Astrologia 102, 104 Pedra de Roseta 95-96 43 barca fúnebre 29
Astronomia 98 Descrição do Egipto 6, 8, 9 influência da cultura Grande Pirâmide 21, 15,
Aton, culto de 34-35, 48, 49 Deuses 44-53 egípcia 98 26, 28, 29
Augusto, imperador 31 com a forma de animais Knum 51
Ay 36, 38, 43 44 Kom Ombo, Templo de 82
Dieta 71-72 H
B
Barcos 79-81, 79, 80. 81
Djoser 31
Pirâmide de degraus 20-
-21,21
Habitação 64, 73
armazenagem 64, 65 L
iluminação 64-65 Lanternas 64-65
funerários 29, 81 jardins 64 Lcpsius, Karl Denkmaeler 11
Barter; sistema de 68
Bastet 52, 53
Belzoni, Giovanni 8, 8, II
E
Educação, sistema de 65
mobiliários 64-65, 73
Hapi 76, 80
Hathor 52
Líbia 36, 38
Linho 67, 68, 72,82
Licht, mudança da
Bes 52, 53 Egipto Hatchcpsut 31, 33, 34, 42, residência real para 32
Borchardt, Ludwig 15 Alto e Baixo 76, 90 43 Livro dos Mortos 48, 58, 62,
Breasted, James 15 Sociedade de Exploração Templo de 33, 34 97
Bronze, artefactos de 32, 67, do 15 Hay, Robert 11 Lond, Edwin
67.72 unificação do 30 Heliópolis, centro religioso Alcthc - Sacerdotisa de ísis 98
Entretenimento 75 cm 46 Lótus, flores de 85

C.
Cabeça, descanso para a 64
Escultura 66
Esfinge 26
Heródoto 26, 85
Hicsos, invasão dos 32
Lucsor 15, 102
Templo de 46
Estrutura social 67 Hierática, escrita 91, 95
Caça 75, 82 Exército 36, 38 Hieróglifos 86-97, 98-99
Calendário 77, 99
Canopos, vasos 57, 58, 61
Exploração de pedreiras
25-26
disposição 86
fonogramas 86, 87
M.
Marco António 38
Camarvon, Lord II, 16, 104 Exportações 68 gramática 86, 87 Marictte, Auguste 11, 19

110
ÍNDICE REMISSIVO

Mastaba, túmulos 20, 21 Núbia 15-16, 32-33, 38 Ré 30, 43, 44, 46, 46 múmias descobertas cm
Mcdinct Habu, templo cm Templo de Abu-Simbcl Ré-Horakhti 46 11,63
15, 36 8. 8, 16, 85 Religião Ramesseum 17, 33
Meidum 78 Nut 46, 61 amuletos 52-53, 57-58, residência real transferida
Pirâmide de 21, 25 70,95 de 30, 32
Menés 31, 85 animais sagrados 44,6/, 63
Mênfis 21, 30, 52, 85
Menkauré 31
.0.
Obeliscos 18, 99
clero 36, 44, 65
crença na vida depois da
Templo de Deir el-Bahari
33. 34
Túmulos 65, 70, 77, 79,
Pirâmide de 22, 25 Ócio 74, 75 morte 48, 51, 54-55 80,81,95
Meroé, Reino de 16 Oricntalistas 107 culto de Aton 34-35,48,49 Vale dos Reis t er Vale dos
Metalurgia 67, 67 Osíris 30, 46, 47, 48, 48, deuses 44-53 Reis
Mitanni, Reino de 34 51,52, 58,61,62 faraós, adoração de 44 Tefnut 46
Mobiliário e acessórios 64-65,73 influência da religião Tell EI-Amama 15, 35, 36,
Modernas tecnologia 18 egípcia 98, 99, ICO, 102,
Moicris, Lago 82
Montet, Pierre 38
P.
Palestina, Império Egípcio
102
Livro dos Mortos 48, 58,
64
Templos, função dos 44-46,45
Terras, aproveitamento de
62, 97
Moore, Henry 108 32, 36 30, 77
Nilo, o 76
Mulheres, posição Papiro Grcat Harris 96 Tijolos de lama 20, 64
tempbs, (unção dos 44-46,45
na sociedade 71 Papiros 82, 82, 83, 85, 85, textos das pirâmides 62 Tot 91, 97
Múmias 54-63 88, 91, 96, 97 Renascimento Egípcio 103, Túmulos 53, 62-63, 64
amuletos protectorcs 57-58 Great Harris 96 104, 106, 107, 108 ladrões de 11, 21, 29
animais sagrados 61, 63 «Westcar» 104 Roberts, David modelos de 29, 55, 56,
caixões 58, 59, 61, 63, 63 Pâssaro-Ba 62 Obelisco 18 66, 73
embalsamação 54-55, 57 Perfumes 74, 75 Tempestade de Areia no múmias 54-63
envoltórios 57 Persas 38, 98 Deserto 100 pinturas 19,62, 64, 65,
escaravelho sagrado 58 Pesca 79, 81-82 O Templo de Abu-Simbel 8 70, 71, 77, 78, 79. 80,
falsas 63 Petrie, W. M. E 10, 11 Romanos 81,95
jarros canopos 57, 58, 61 Picasso, Pablo 108 Egipto, província pirâmides ver Pirâmides
órgãos de 55, 57 Pirâmides 20-29, 30 do Império Romano 38 Tutankhamon 31, 35-36, 40
pigmento feito de 63 câmaras fúnebres 29 influência da cultura túmulo de 11, 15, 16, 35-
remédios feitos de 63 construção de 21, 23, 25- egípcia 99, 100 -36, 43,61, 72, 104,
rostos, representação de -26, 28-29 Roseta, pedra de 6, 95-96 107, 108
58,61,6/ de degraus 20-21, 21 Rosscllini 6, 14 Tutmés l 42
sarcófagos 61 escala das 21, 25 Tutmés III 31, 33-34
Museu Britânico, colecção
do 8, 11
Museu de Berlim, colecção do 11
extraeção de pedra para
25-26
força de trabalho 26, 28,29
s
Sais, estabelecimento da .u
Museu do Cairo 11 Meidum 21, 25 capital cm 38 Udjat (olho de Hórus) 5S
Música 71, 75 Pirâmide «Inclinada» 21 Sakara
Mut 52 poços de ventilação 29 Pirâmide de Degraus 20-
Ré 46 21,21
túmulo de Nefer 57
V.
N
Napolcão, imperador 6, 21
saqueadores de 29
textos das pirâmides 62
ver também Giza; Vale
Salt, Henry 8, 10, 11
Sckhemet 51, 52
Vale dos Reis 15, 62, 63
Deir cl-Medina 15, 64,
65, 68
Narmcr 31 dos Reis Seneferu 31 Segunda Pirâmide 8
Nasser, Lago 85 Povoações 64 «Pirâmide Inclinada» 21 túmulo de Seti I 8, 10
Ncfertari, túmulo de 19, 62 Povos do Mar 36, 38 Scnenmut túmulo de Tukankhamon
Nefertiti 15, 35, 37, 42, 49 Poyntcr, Sir Edtvard (camareiro-chefe) 33 11, 15, 16. 35-36,43,
Nefertum 52 Alimentando as íbis Senusert 31 61. 72 104, 107,
Néftis 46 sagradas.... 105 Senusert III 32 108
Nilo, Rio 76-85 Psantck 31 Set 46 Vestuário 69, 72, 74, 75
canais 78, 81 Psuscnnes I 31, 38 Scti I 36, 38 cones de incenso 74, 75
cheia anual 76-77, 85 túmulo de 38 túmulo de 8, 10, 36, 61 cosméticos 67, 73
construção de pirâmides Ptah 52 Síria 32, 33, 34 joalharia 65, 67, 70, 72
no 25 Ptolomeu 38 Sistema legal 65, 99 penteados 72-73
Delta 76 Ptolomeu V 95 Sobek 82 perucas 69
Nilo Azul 76 Sudão 20 Vidro 67, 79
Nilo Branco 76
sistemas de irrigação 30,
67, 77-79 Rainhas 42
R T .W.
transporte e comunicação Ramsés 1 38 Tânis 38, 61 Wilkia^on, Sir John Gardner
79-81 Ramsés II 8, 11, 31, 33, 36, Taueret 52 8.1!
Nomes (províncias 38, 39,42,46 Tebas 52 Os Usos e Costumes dos
administrativas) 30, 78 Ramsés III 31, 36, 95, 101 Colossos de Memnon 35 Antigos Egípcios 11

111
A A N T 1 O l l D A PE ECíPCIA

Expressões de Consideração
e Agradecimento pela
Cedência de Fotografias

O autor deseja agradecer aos seus colegas do


Museu Britânico o seu apoio e encorajamento,
particularmente ao Dr. Stephen Quirke; também a
Peter Daniel pela sua inestimável contribuição para
as fotografias neste livro.
c = em cima; b = cm baixo; e = à esquerda;
d = à direita

H The Bridgeman Art Library: págs. 99 c, 99 b TI Cortesia


do Museu Britânico: págs. 54 ce, 55 ce, 56, 61 c, 63. 11 Peter
Daniel: págs.71 c, 21 b, 25, 27, 28 c, 28 b, 30,34 c, 34 b, 35 c,
35 b, 41 ce, 41 cd, 41 bd, 42 e, 43 d, 44, 48 ce, 48 cd, 49 c, 49
b, 51 ce, 51 cd, 51 bc, 52 e, 53 ce, 53 cd, 53 bd, 54 cd, 57 b, 58
c, 58 b. 59,60,61 b, 62 ce, 64,66,67 ce, 67 cd, 68 b, 68 ce, 69
c, 69 be, 69 bd, 70 c, 72, 73 c, 73 b, 74 c,75 c, 76, 77 c, 77 b,
78 centro, 79 centro, 79 b, 80 d, 81 b, 83 c, 83 b, 86, 87, 90 e,
90 d, 91 c, 91 b, 93, 95 e, 96. 97, 100 b, 102 d, 103, 104, 105,
107 c, 108 c, 109.11 Nina Davies: págs. 78 c, 79 c, 80 c, 80 e,
84,95 c. 11 Arquivo Wemer Forman: págs. 37, 40, 45. H Promo­
ções Kevin Jacobsen: pág. 108 b. 11 Richard Kindersley: pág.
107 b. H James Putnam: págs. 26, 32, 39 e, 39 d, 46 c, 82, 85,
94. H Galeria de Arte Russell-Cotes, Boumemouth: pág. 98.
11 Dr. Simon
Stoddart/David Dunlop: pág. 18.

DEDICATÓRIA
A Meu Pai, C. S. Putman

112
1
í
A A \ T Ui u I D A n E

• •
EM CIMA A DIREITA A llUlis da inteligência humana, que seria necessária para
antiga múmia existente, julgamento no outro mundo). Os outros órgãos
do túmulo de Nefer, em
Sakara (c. 2400 a. C.).
eram secos com natrão e colocados em quatro
recipientes, chamados vasos canopos. O corpo
vazio era então lavado com vinho de palma e es-
EM BAIXO Chacal de peciarias e deixado a secar, coberto com sais de
madeira consagrado ao deus natrão. O corpo já seco era envolto em pano de
Anúbis. Estas figuras eram
colocadas nos túmulos para linho e especiarias para lhe dar novamente a sua
guardarem simbolicamente o forma e depois coberto com resina derretida para
defunto (Museu Britânico). o endurecer e impermeabilizar. A múmia era
então envolta numa faixa, com grande cuidado,
dado que o aperto do envoltório ajudaria a manter
a forma do corpo (recentemente, foi desfeito o
invólucro de uma múmia que estava coberta por
uma faixa de linho de 5 km de comprimento e
7,5 cm de largura!). O envoltório sujeitava nor­
malmente os braços contra o corpo e juntava as
pernas, embora haja algumas múmias em que os
A esquerda Caixa de membros foram envoltos separadamente. Pelos
madeira pintada com figuras
envoltórios estavam distribuídos vários amuletos
«shabti». Quanto maior
o número de trabalhadores de protecção, normalmente em determinadas
representados, mais fácil posições. Um amuleto importante era o escara-
seria para o defunto a vida
no outro mundo (c. 1290
a. C., Museu Britânico).

EM CIMA, A ESQUERDA Uma


radiografia de uma múmia
do Amigo Egipto pode
revelar muitos pormenores
interessantes.

57
k r. im ,\

velho-sagrado, colocado no peito da múmia. EM CIMA Cena que mostra


Tinha inscrito um texto religioso, instruindo a pesagem do coração
de uma múmia como parte
o coração da pessoa para não causar embaraços do julgamento no outro
quando pesado em julgamento perante Osíris. mundo. Do Livro dos
Outro popular amuleto protector era o olho Monos do escriba Hunefer
de Hórus ou «udjat», que representava o olho de (c. 1310 a. G, Museu
um falcão, com as suas marcas características por Britânico).

baixo.
Embora a função básica do caixão fosse pro- EM BAIXO Conjunto
teger o corpo contra a violação por animais e de vasos canopos de calcário
ladrões, era também considerado a casa do espí- para conter os órgãos
miemos da múmia (c. 1000
rito. Através dos poderes mágicos das suas deco-
a. C., Museu Britânico).
rações e inscrições, podia assegurar o bem-estar exterior tinha um enorme par de olhos pintados
do defunto no outro mundo. O caixão sofreu num painel, perto do ombro esquerdo, para que
várias modificações no seu feitio, material e a múmia pudesse, do lado de dentro, olhar o
decoração durante o longo período de história do mundo exterior. Estes olhos eram frequentemente
Antigo Egipto. Alguns dos caixões mais antigos pintados por cima da representação de uma
eram pequenos e feitos de barro, de verga ou porta de entrada, através da qual o espírito da mú­
madeira, onde o corpo jazia numa posição ar­ mia podia sair à vontade e ter acesso ao resto do
queada e de lado. No Império Médio (c. 2000 a. C.) túmulo.
foram muito utilizados, caixões de madeira com Os caixões característicos, na forma do
paredes duplas, a todo o comprimento do defun­ corpo mumificado com uma máscara facial idea­
to. O interior podia ser feito com a forma da mú- A direita Alguns sarcófagos lizada, são na sua maioria datados do Império
mia, ao passo que o exterior era rectangular. No eram esculpidos em pedra, Novo ou mais tardios. Os rostos estereotipados
seu interior, este caixão era decorado com objec- como este belo exemplo em têm frequentemente uma barba falsa para sim­
, . basalto feito para um vizir (c.
tos pessoais e textos mágicos, enquanto na parte 500 a. C, Museu Britânico). bolizar a sua identificação com o falecido rei

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AS MÚMIAS

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