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E.H.Gombrich

A HISTÓRIA
DA ARTE
398 ilustrações, ÍOO em cores

Quarta edição

Tradução
Ãlvaro Cabral

EDITORA.^^/GUANABARA

Âá
Capa: Erico
Diagramação: Orlando Fernandes
Composição: Linotipia Luna - RJ
Impressão: Gráfica Editora Hamburg

Título original: The Story of Art


Traduzido da 13.* edição publicada em 1978
por Phaidon Press Limited, de Oxford, Inglaterra
®1972 by Phaidon Press Limited

Direitos exclusivos para a língua portuguesa


Copyright ® 1988 by
EDITORA GUANABARA S.A.
Travessa do Ouvidor, 11
Rio de Janeiro, RJ — CEP 20040

Reservados todos os direitos. É proibida a duplicação ou


reprodução deste volume, ou de partes do mesmo,
sob quaisquer formas ou por quaisquer meios
(eletrônico, mecânico, gravação, fotocópia, ou outros),
sem permissão expressa da Editora.
2. Arte para a Eternidade

Egito, Mesopotâmia e Creta

32. A grande
pirâmide de Gizé.
Construída cerca
de 2700 a.C.
A L G U M A F O R M A D E A R T E existe em todas as partes do globo, mas a
história da arte como u m esforço contínuo não principia nas cavernas do Sul
da F r a n ç a nem entre os índios norte-americanos. Não há u m a tradição direta
que ligue esses estranhos começos aos nossos próprios dias, mas existe u m a
tradição direta, t r a n s m i t i d a de mestre a discípulo, e de discípulo a a d m i r a d o r
ou copista, que liga a arte do nosso t e m p o , q u a l q u e r casa ou q u a l q u e r cartaz,
à arte do vale do Nilo de cerca de cinco mil anos atrás. Pois veremos que os
mestres gregos f r e q ü e n t a r a m a escola dos egípcios — e todos nós somos
discípulos dos gregos. Assim, a arte do Egito reveste-se de t r e m e n d a impor-
tância p a r a nós.
T o d o m u n d o sabe que o Egito é a t e r r a das pirâmides, essas m o n t a n h a s
de p e d r a que se erguem c o m o m a r c o s desgastados pelas intempéries no
horizonte distante da história. Por mais remotas e misteriosas que p a r e ç a m ,
elas c o n t a m - n o s muito sobre a nossa própria história. F a l a m - n o s de u m a
terra que estava tão c o m p l e t a m e n t e o r g a n i z a d a que foi possível e m p i l h a r
esses gigantescos morros t u m u l a r e s d u r a n t e a vida de u m único rei; e
falam-nos de reis que e r a m tão ricos e poderosos que p u d e r a m forçar
milhares e milhares de t r a b a l h a d o r e s ou escravos a l a b u t a r e m por eles, ano
após ano, a cortarem as p e d r a s , a a r r a s t a r e m - n a s p a r a o local da construção e
a deslocarem-nas por meios s u m a m e n t e primitivos até que o t ú m u l o ficou
pronto p a r a receber o rei. N e n h u m m o n a r c a e n e n h u m povo teria s u p o r t a d o
semelhante gasto, e p a s s a d o por t a n t a s dificuldades, caso se tratasse da
criação de u m m e r o m o n u m e n t o . D e fato, sabemos que as p i r â m i d e s t i n h a m
sua i m p o r t â n c i a prática aos olhos dos reis e seus súditos. O rei era conside-
ra<
32 3o u m ser divino que t i n h a completo domínio sobre eles e, ao p a r t i r deste
m u n d o , voltava a ascender p a r a j u n t o dos deuses d o n d e viera. As p i r â m i d e s
ARTE PARA elevando-se p a r a o céu ajudá-lo-iam provavelmente a fazer sua ascensão. E m
A todo o caso, elas preservariam seu c o r p o sagrado da decomposição. Pois os
ETERNIDADE egípcios acreditavam que o corpo deve ser preservado p a r a que a a l m a possa
c o n t i n u a r vivendo no além. P o r isso i m p e d i a m a desintegração do cadáver
m e d i a n t e u m m é t o d o e l a b o r a d o de e m b a l s a m a ç ã o e e n f a i x a m e n t o em tiras de
p a n o . E r a p a r a a m ú m i a do rei que a p i r â m i d e t i n h a sido erigida, e seu corpo
era colocado e x a t a m e n t e no centro d a gigantesca m o n t a n h a de p e d r a , n u m
esquife de p e d r a . E m t o d a a volta da c â m a r a f u n e r á r i a , f ó r m u l a s m á g i c a s e

33. Busto em
rocha calcária.
Encontrado num
túmulo em Gizé,
feito cerca de
2700 a. C. Viena,
Kunsthistorisches
Museum
encantamentos eram escritos p a r a ajudá-lo em sua j o r n a d a p a r a o outro
mundo.
Mas não são apenas essas antiqüíssimas relíquias da arquitetura h u m a n a
que nos contam o papel desempenhado por vetustas crenças na história da 33
arte. Os egípcios sustentavam a crença de que a preservação do corpo não era
ARTE PARA
bastante. Se a fiel imagem do rei t a m b é m fosse preservada, não havia dúvida
A
alguma de que ele continuaria vivendo para sempre. Assim, ordenavam aos
ETERNIDA
escultores que esculpissem a cabeça do rei em imperecível granito e a E
colocassem na t u m b a onde ninguém a via, p a r a aí exercer sua magia e a j u d a r
sua alma a manter-se viva na imagem e através desta. U m a expressão egípcia
para designar o escultor era, realmente, "Aquele que mantém vivo".
No começo, esses ritos eram reservados aos reis, mas logo os nobres da
casa real passaram a ter seus túmulos menores agrupados em filas bem
alinhadas em torno do túmulo do rei; e, gradualmente, toda pessoa que se
prezava tinha que tomar providências p a r a a vida no além, encomendando
uma dispendiosa t u m b a que abrigasse sua múmia e sua imagem, e onde sua
alma pudesse habitar e receber as oferendas de alimento e bebida que eram
feitas ao morto. Alguns desses primeiros retratos da era das pirâmides, a
quarta dinastia do "Antigo Império", estão entre as mais belas obras da arte
egípcia (fig. 33). Existe neles um ar de solenidade e simplicidade que não se
esquece facilmente. Vê-se que o escultor não estava tentando lisonjear seu
modelo nem preservar u m a expressão fugidia. Interessava-se apenas pelos
aspectos essenciais. Todos os pormenores secundários eram postos de lado.
Talvez seja por causa dessa estrita concentração nas formas básicas da cabeça
h u m a n a que esses retratos continuam sendo tão impressionantes. Pois, apesar
de sua rigidez quase geométrica, não são tão primitivos quanto as máscaras
rituais de que tratamos no Capítulo 1 (figs. 25 e 26). Nem são tão fiéis à
realidade quanto os retratos naturalistas dos artistas da Nigéria (fig. 23).
A observação da natureza e a regularidade do todo são equilibradas de um
modo tão uniforme que essas cabeças nos impressionam como reflexo fiel da
vida e, no entanto, remotas e duradouras.
Essa combinação de regularidade geométrica e aguda observação da
natureza é característica de toda a arte egípcia. Podemos estudá-la melhor
nos relevos e pinturas que adornavam as paredes dos túmulos. A palavra
" a d o r n a r " , é certo, ajusta-se mal a u m a arte que não pretendia ser vista por
ninguém, exceto a alma do morto. De fato, essas obras não tinham a
finalidade de serem objeto de deleite. T a m b é m elas se destinavam a " m a n t e r
vivo". Num passado sombrio e distante, tinha sido costume, q u a n d o morria
um homem poderoso, que seus servos e escravos o acompanhassem na
sepultura. Eles eram sacrificados p a r a que o senhor chegasse ao além com um
séquito condigno. Depois, esses horrores foram considerados excessivamente
cruéis ou excessivamente onerosos, e a arte acudiu em a j u d a . E m vez de
servos de carne e osso, aos poderosos da Terra passaram a ser oferecidas
imagens como substitutos. As pinturas e os modelos encontrados em túmulos
egípcios estavam associados à idéia de suprir a alma de ajudantes no outro
mundo.
Para nós, esses relevos e pinturas murais fornecem u m quadro extra-
ordinariamente vigoroso da vida no Egito há milhares de anos. E, no entanto,
olhando-os pela primeira vez, é muito provável que os achemos bastante
insólitos e nos causem u m a certa perplexidade. A r a z ã o é que os pintores
egípcios t i n h a m u m modo de representar a vida real muito diferente do nosso.
Talvez isso se relacione com a finalidade diferente que tinha de ser servida
34 por suas p i n t u r a s . O que mais importava não era a boniteza, mas a inteireza.
A t a r e f a do artista consistia e m preservar t u d o o mais clara e p e r n a m e n t e -
ARTE PARA mente possível. Assim, n ã o se p r o p u s e r a m b o s q u e j a r a n a t u r e z a tal como se
A
lhes apresentava sob q u a l q u e r ângulo fortuito. Eles desenhavam de m e m ó r i a ,
ETERNIDADE ^e a c 0 r d 0 c o m regras estritas que asseguravam que t u d o o que t i n h a de e n t r a r
no q u a d r o se destacaria com perfeita clareza. O método do artista, de fato,
assemelhava-se mais ao do c a r t ó g r a f o do que ao do pintor. A fig. 34
demonstra-o n u m exemplo simples, r e p r e s e n t a n d o u m j a r d i m com u m tan-
que. Se tivéssemos que desenhar tal motivo, p o n d e r a r í a m o s primeiro sob que
ângulo o focalizar. A f o r m a e as características das árvores somente p o d e r i a m
ser vistas dos lados, a f o r m a do t a n q u e somente seria visível se fosse vista de
cima. Os egípcios não t i n h a m tais escrúpulos ao a b o r d a r o p r o b l e m a .
Desenhavam simplesmente o t a n q u e como se fosse visto de cima e as árvores
de lado. Os peixes e pássaros no lago, p o r o u t r a parte, dificilmente seriam
reconhecíveis se vistos de cima, de modo que f o r a m desenhados de perfil.
N u m a cena tão simples, p o d e m o s facilmente e n t e n d e r o p r o c e d i m e n t o do
artista. U m método semelhante é u s a d o com f r e q ü ê n c i a pelas crianças. Mas
os egípcios e r a m m u i t o mais consistentes em sua aplicação desses métodos do
que as crianças j a m a i s o f o r a m . T u d o tinha que ser representado desde o seu
ângulo mais característico. A fig. 35 mostra o efeito que essa idéia teve na

34. Pintura de um
tanque. De um
túmulo em Tebas.
Cerca de
1400 a. C.
Londres, Museu
Britânico
ARTE PARA
A
ETERNIDADE

35. Retrato de Hesire,


de uma porta esculpida em seu
túmulo. Madeira trabalhada, cerca
de 2700 a. C. Cairo, Museu
representação do corpo h u m a n o . A cabeça era mais facilmente vista de perfil,
de m o d o que eles a d e s e n h a r a m lateralmente. M a s , se p e n s a m o s no olho
h u m a n o , é como se fosse visto de frente que u s u a l m e n t e o consideramos.
Portanto, u m olho de f r e n t e era p l a n t a d o na vista lateral da face. A m e t a d e
superior do corpo, os o m b r o s e o tronco, são melhor vistos de frente, pois
desse modo vemos c o m o os braços estão ligados ao corpo. M a s braços e
pernas em movimento vêem-se m u i t o mais c l a r a m e n t e de lado. Essa é a razão
pela qual os egípcios, nessas imagens, nos p a r e c e m tão e s t r a n h a m e n t e planos
e contorcidos. Além disso, os artistas egípcios achavam difícil visualizar u m
pé ou outro visto de u m p l a n o exterior. Preferiam o contorno claro desde o
dedão p a r a cima. P o r t a n t o , a m b o s os pés são vistos de dentro e o h o m e m no
releve parece ter dois pés esquerdos. Não se deve supor que os artistas
egípcios pensavam que os seres h u m a n o s t i n h a m essa a p a r ê n c i a . Seguiam
m e r a m e n t e u m a regra que lhes permitia incluir t u d o o que consideravam
i m p o r t a n t e na f o r m a h u m a n a . Talvez essa rigorosa adesão à regra tivesse algo
a ver com a finalidade mágica da representação pictórica. Pois como poderia
um h o m e m com seu braço " p o s t o em perspectiva" ou " c o r t a d o " levar ou
receber as oferendas r e q u e r i d a s ao morto?
Neste exemplo, c o m o sempre, a arte egípcia não se baseou no que o
artista podia ver n u m d a d o m o m e n t o , e sim no que ele sabia pertencer a u m a
pessoa ou cena. E r a a p a r t i r dessas formas, por ele a p r e n d i d a s e dele
conhecidas, que construía as suas representações, tal c o m o o artista tribal
constrói suas figuras a p a r t i r de f o r m a s que ele pode d o m i n a r . Não é a p e n a s o
ARTE PARA seu conhecimento de f o r m a s e contornos que o artista c o n s u b s t a n c i a em sua
A p i n t u r a , m a s t a m b é m o c o n h e c i m e n t o que ele possui do significado dessas
ETERNIDADE formas. C h a m a m o s às vezes a u m h o m e m u m big boss. Os egípcios desenha-
vam o p a t r ã o maior do que seus criados ou até do que sua esposa.
U m a vez a p r e e n d i d a s essas regras e convenções, e n t e n d e r e m o s sem
maiores dificuldades a linguagem das p i n t u r a s em que é historiada a vida dos
egípcios. A fig. 36 d á u m a b o a idéia da disposição geral de u m a p a r e d e no
t ú m u l o de u m alto dignitário egípcio do " I m p é r i o do M e i o " , cerca de
novecentos anos antes de nossa era. As inscrições em hieróglifos dizem-nos
e x a t a m e n t e q u e m era ele, e que títulos e h o n r a r i a s r e u n i r a d u r a n t e sua vida.
Seu n o m e , segundo se lê, e r a C h n e m h o t e p , A d m i n i s t r a d o r do Deserto
Oriental, Príncipe de M e n a t C h u f u , Amigo Confidencial do F a r a ó , Conviva
Real, S u p e r i n t e n d e n t e dos Sacerdotes, Sacerdote de Horo, Sacerdote de
Anúbis, Chefe de T o d o s os Segredos Divinos e — o mais impressionante de
todos os títulos — Mestre de T o d a s as T ú n i c a s . Ã e s q u e r d a , vemo-lo c a ç a n d o
aves selvagens com u m a espécie de b u m e r a n g u e , a c o m p a n h a d o de sua esposa
36. Uma parede
Cheti, sua c o n c u b i n a Jat, e u m de seus filhos, o qual, apesar de seu t a m a n h o
do túmulo de
minúsculo na p i n t u r a , ostentava o título de S u p e r i n t e n d e n t e das F r o n t e i r a s .
Chnemhotep,
perto de Beni Abaixo, no friso, vemos pescadores com seu c a p a t a z , M e n t u h o t e p , p u x a n d o
Hassan. Cerca de p a r a t e r r a u m a f a r t a pescaria. No t o p o d a p o r t a , C h n e m h o t e p é visto de
1900 a. C. novo, agora a p a n h a n d o aves a q u á t i c a s n u m a rede. C o m p r e e n d e n d o os méto-
37. Pássaros num arbusto. Detalhe da fig. 36
dos do artista egípcio, podemos facilmente ver como esse estratagema funcio-
nou. O caçador sentou-se escondido atrás de u m a cortina de juncos, segu-
rando u m a corda ligada à rede aberta (vista de cima). Q u a n d o as aves
^g acudiram à isca, ele puxou a corda e a rede fechou-se sobre elas. Atrás de
Chnemhotep está seu filho primogênito Nacht e seu Superintendente dos
ARTE PARA Tesouros, que era também o responsável pela a r r u m a ç ã o do túmulo. Do lado
A direito, Chnemhotep, que é cognominado " g r a n d e em peixe, rico em aves
ETERNIDADE selvagens, a m a n t e da deusa da caça", apresenta-se no ato de traspassar um
peixe com sua lança. Podemos observar de novo as convenções do artista
egípcio, que deixa a água subir entre os juncos a fim de nos mostrar a clareira
com o peixe. A inscrição diz: "Canoagem no leito de papiros, os tanques de
aves selvagens, os brejos e os riachos; caçando com a lança de duas pontas,
eie traspassou trinta peixes. Como é delicioso o dia de caça ao hipopótamo!"
No friso de baixo, um episódio divertido: u m homem que tinha caído n a água
está sendo pescado pelos seus companheiros. A inscrição em torno da porta
registra o dia em que as oferendas devem ser dadas ao morto e inclui preces
aos deuses.
Q u a n d o nos habituamos a olhar essas pinturas egípcias, somos tão pouco
perturbados por suas irrealidades quanto o somos pela ausência de cor n u m a
fotografia em preto e branco. Começamos, inclusive, a dar-nos conta das
grandes vantagens do método egípcio. Nada nessas_ pinturas nos dá a impres-
são de casual ou fortuito, n a d a nos sugere que pudesse ter sido igualmente
colocado em algum outro lugar. Vale a p e n a pegar n u m lápis e tentar copiar
um desses desenhos egípcios "primitivos". As nossas tentativas parecem
sempre canhestras, assimétricas e deformadas. Pelo menos, as minhas pare-
cem. Pois o sentido egípcio de ordem em todos os detalhes é tão forte que
qualquer variação, por mínima que seja, parece desorganizar inteiramente o
conjunto. O artista egípcio iniciava seu trabalho desenhando u m a rede de
linhas retas na parede e distribuía suas figuras com grande cuidado ao longo
dessas linhas. Entretanto, todo esse sentido geométrico de ordem não o
impedia de observar com surpreendente precisão os pormenores da natureza.
Cada ave ou peixe é desenhado com t a m a n h a veracidade que os zoólogos
ainda hoje podem reconhecer facilmente a espécie a que cada um pertence. A
fig. 37 mostra um detalhe da fig. 36 — as aves na árvore vizinha da rede de
Chnemhotep. Não foi apenas o seu grande conhecimento que guiou o artista,
mas também seu olhar experimentado p a r a captar padrões.
É u m a das maiores façanhas da arte egípcia que todas as estátuas,
pinturas e formas arquitetônicas parecem encaixar-se nos lugares certos,
como se obedecessem a u m a só lei. A tal lei, à qual todas as criações de um
povo parecem obedecer, c h a m a m o s um "estilo". É difícil explicar com
palavras o que produz um estilo, mas é muito menos difícil vê-lo. As regras
que governam toda a arte egípcia conferem a cada obra individual o efeito de
equilíbrio, estabilidade e austera h a r m o n i a .
O estilo egípcio englobou u m a série de leis muito rigorosas, que todo
artista tinha que aprender desde muito jovem. As estátuas sentadas tinham
que ter as mãos sobre os joelhos; os homens tinham que ser pintados com a
pele mais escura do que as mulheres; a aparência de cada deus egípcio era
rigorosamente estabelecida: Horo, o deus-sol, tinha que ser apresentado como
um falcão ou com u m a cabeça de falcão; Anúbis, o deus da morte, como um
chacal ou com u m a cabeça de chacal. Todo artista tinha que aprender
ARTE PARA
A
ETERNIDADE

38. Rei
Amenófis IV.
Relevo em
calcário. Cerca de
1370 a.C. Berlim,
Museum

t a m b é m a arte da bela escrita. T i n h a que recortar na p e d r a , de u m modo


claro e preciso, as imagens e os símbolos dos hieróglifos. M a s , assim que
dominasse todas essas regras, dava-se por e n c e r r a d a a sua a p r e n d i z a g e m .
Ninguém queria coisas diferentes, n i n g u é m lhe pedia que fosse " o r i g i n a l " .
Pelo contrário, era provavelmente considerado o melhor artista aquele que
pudesse fazer suas estátuas o mais p a r e c i d a s com os m o n u m e n t o s a d m i r a d o s
do passado. Por isso aconteceu que, no transcurso de três mil anos ou mais, a
arte egípcia m u d o u m u i t o pouco. T u d o o que era considerado b o m e belo n a
era das p i r â m i d e s era tido c o m o igualmente excelente mil anos depois. É
certo que surgiram novas m o d a s e novos t e m a s f o r a m pedidos aos artistas,
mas o m o d o de r e p r e s e n t a r e m o h o m e m e a n a t u r e z a p e r m a n e c e u essencial-
mente o mesmo.
Somente u m h o m e m abalou as b a r r a s de ferro do estilo egípcio. Foi ele
um rei da 18? Dinastia, no período conhecido c o m o o "Novo R e i n o " (ou
39. O Faraó Tutankhamen e sua esposa. Talha dourada e pintada proveniente do trono encontrado
em seu tumulo. Cerca de 1350 a.C. Cairo, Museu
Império), o qual foi f u n d a d o após u m a catastrófica invasão do Egito. Esse
rei, c h a m a d o Amenófis IV, era um herético. R o m p e u com muitos c o s t u m e s
aureolados pela antiga tradição. Não desejava r e n d e r h o m e n a g e m aos incon-
táveis deuses de e s t r a n h a s f o r m a s do seu povo. P a r a ele, somente u m deus era
supremo, Aton, de q u e m era devoto e a q u e m fez representar n a f o r m a do
Sol. Intitulou-se a si m e s m o A k h n a t o n , segundo o n o m e do seu deus, e ARTE PARA
instalou sua corte longe do alcance dos sacerdotes dos outros deuses, n u m a A
localidade que hoje se c h a m a E l - A m a r n a . ETERNIDADE
As p i n t u r a s que ele e n c o m e n d o u devem ter chocado os egípcios de seu
t e m p o pela novidade. E m n e n h u m a delas se divisava a solene e rígida
dignidade dos f a r a ó s anteriores. Preferiu fazer-se representar e r g u e n d o sua
filha p a r a os joelhos e p o n d o - a no seu colo, p a s s e a n d o com a esposa pelos
jardins, apoiado em sua b e n g a l a . Alguns de seus retratos m o s t r a m - n o c o m o
um h o m e m feio (fig. 38); talvez ele quisesse que os artistas o retratassem com
toda a sua fragilidade h u m a n a ou, q u e m sabe, estivesse tão convencido de sua
i m p o r t â n c i a í m p a r como p r o f e t a que insistisse n u m a s e m e l h a n ç a n a t u r a l e
fiel. O sucessor de A k h n a t o n foi T u t a n k h a m e n , cujo t ú m u l o com seus
tesouros foi descoberto em 1922. A l g u m a s dessas obras a i n d a são ntí estilo
m o d e r n o da religião de Aton — s o b r e t u d o o e s p a l d a r do trono do rei (fig. 39),
que nos m o s t r a o rei e a r a i n h a n u m idílio doméstico. Ele está s e n t a d o em sua
cadeira n u m a atitude que p o d e r i a ter escandalizado os rígidos conservadores
egípcios — quase refestelado, pelos padrões egípcios. Sua esposa não é
menor do que ele, e coloca gentilmente a m ã o no o m b r o do rei, e n q u a n t o o
deus-sol, r e p r e s e n t a d o c o m o u m globo d o u r a d o , estende suas m ã o s n u m a
bênção a ambos.
Não é de todo impossível que essa r e f o r m a da arte n a 18? Dinastia t e n h a
sido facilitada p a r a o rei pelo f a t o de ele p o d e r a p o n t a r o b r a s estrangeiras que
e r a m muito menos severas e rígidas do que os p r o d u t o s egípcios. N u m a ilha
do Mediterrâneo, e m Creta, h a b i t a v a u m povo talentoso cujos artistas se
c o m p r a z i a m na representação de movimentos r á p i d o s e ágeis. Q u a n d o o
palácio do rei desse povo foi escavado em Cnosso, em fins do século XIX, as
pessoas mal p o d i a m acreditar que u m estilo tão livre e gracioso pudesse ter
sido desenvolvido no segundo milênio antes de nossa era. O b r a s nesse estilo
foram t a m b é m e n c o n t r a d a s no continente grego; u m a a d a g a proveniente de
Micenas (fig. 40) revela u m sentido de m o v i m e n t o e linhas fluentes que deve
ter impressionado q u a l q u e r artífice egípcio a q u e m fosse p e r m i t i d o desviar-se
das regras c o n s a g r a d a s de seu estilo.

40. Uma adaga


proveniente de
Micenas. Cerca
de 1600 a.C.
Atenas, Museu
M a s essa a b e r t u r a da arte egípcia não d u r o u muito. Já no decorrer dü
reinado de T u t a n k h a m e n as velhas crenças f o r a m restabelecidas e a j a n e l a
p a r a o m u n d o exterior voltou a ser f e c h a d a . O estilo egípcio, tal c o m o existira
por mais de mil anos antes de seu reinado, c o n t i n u o u a existir por outros mil
anos ou mais, e os egípcios acreditavam, sem dúvida, que c o n t i n u a r i a por
ARTE PARA toda a e t e r n i d a d e . M u i t a s o b r a s egípcias em nossos m u s e u s d a t a m desse
A período mais recente, e o m e s m o p o d e ser dito de quase todas as edificações
ETERNIDADE egípcias, c o m o templos e palácios. Novos t e m a s f o r a m introduzidos, novas
tarefas executadas, m a s n a d a de essencialmente novo foi acrescentado à
realização artística.
O Egito, evidentemente, era a p e n a s u m dos grandes e poderosos impé-
rios que existiram no Oriente Próximo d u r a n t e muitos milhares de anos.
Todos sabemos pela Bíblia que a p e q u e n a Palestina se situava entre o reino
egípcio do Nilo e os impérios babilónico e assírio, os quais t i n h a m p r o s p e r a d o
no vale dos rios E u f r a t e s e Tigre. A arte da M e s o p o t â m i a , c o m o o vale
f o r m a d o pelos dois rios era designado em grego, é menos conhecida do que a
arte do Egito. Isso deve-se, e m p a r t e , a u m acidente. Não havia p e d r e i r a s
nesses vales e a maioria dos edifícios e r a m construídos com tijolo cozido que,

41. Fragmento de uma harpa. Talha


de madeira dourada e embutida,
encontrada em Ur. Feita cerca de
2800 a. C. Londres, Museu Britânico
ARTE PARA
A
ETERNIDADE

42. Monumento do Rei


Naram-Sin, encontrado em
Susa. Cerca de 2500 a. C.
Paris, Louvre

no transcurso do t e m p o , se desintegravam e convertiam em pó. A própria


escultura em p e d r a era relativamente r a r a . M a s essa não é a única explicação
p a r a o fato de c o m p a r a t i v a m e n t e p o u c a s das p r i m e i r a s obras dessa arte terem
chegado até nós. A principal r a z ã o consiste, provavelmente, em que esses
povos não c o m p a r t i l h a v a m d a crença religiosa dos egípcios de que o corpo
h u m a n o e sua representação deviam ser preservados p a r a que á a l m a sobre-
vivesse. Nos primeiros tempos, q u a n d o u m povo, os sumérios, governou na
capital de Ur, os reis a i n d a e r a m sepultados com t o d a a sua casa, escravos e
tudo, p a r a que não lhes faltasse u m séquito no m u n d o do além. F o r a m
descobertas sepulturas desse período e p o d e m o s a d m i r a r alguns dos deuses
domésticos desses antigos e b á r b a r o s reis no M u s e u Britânico. Pode-se
apreciar q u a n t o r e f i n a m e n t o e e n g e n h o artístico é capaz de a c o m p a n h a r a
superstição e c r u e l d a d e primitivas. Existia, por exemplo, u m a h a r p a em u m
43. Exército dos túmulos, d e c o r a d a com a n i m a i s fabulosos (fig. 41). Assemelham-se u m
assírio assediando pouco aos nossos animais heráldicos, não só em sua a p a r ê n c i a geral, m a s
uma fortaleza. t a m b é m n a disposição, pois os sumérios revelavam p a r t i c u l a r gosto pela
Relevo em simetria e a precisão. Não sabemos e x a t a m e n t e o que se p r e t e n d i a significar
alabastro do com esses animais fabulosos, m a s é quase certo que se tratava de figuras da
Palácio do Rei
mitologia desses r e c u a d o s tempos, e que cenas que hoje nos l e m b r a m as
Assurnasirpal II,
páginas de u m livro infantil t i n h a m u m a significação m u i t o solene e a u s t e r a .
cerca de 850 a. C.
Londres, Museu E m b o r a os artistas d a M e s o p o t â m i a n ã o fossem c h a m a d o s a decorar as
Britânico paredes dos túmulos, t a m b é m t i n h a m de se assegurar, de u m m o d o diferente,
de que a i m a g e m a j u d a v a a m a n t e r vivos os poderosos. D e s d e os primeiros
tempos, era c o s t u m e dos reis mesopotâmicos e n c o m e n d a r m o n u m e n t o s em
celebração de suas vitórias n a g u e r r a , os quais falavam das tribos que t i n h a m
sido d e r r o t a d a s e dos despojos que t i n h a m sido t o m a d o s . A fig. 42 m o s t r a - n o s
u m desses relevos, r e p r e s e n t a n d o o rei que espezinha o corpo de seu inimigo
trucidado, e n q u a n t o outros de seus inimigos i m p l o r a m misericórdia. Talvez a
idéia s u b j a c e n t e nesses m o n u m e n t o s não fosse a p e n a s conservar viva a
memória dessas vitórias. Nos primeiros tempos, pelo menos, as antigas
crenças no p o d e r da i m a g e m p o d e r i a m ter a i n d a influenciado aqueles que as
e n c o m e n d a v a m . Talvez pensassem que, e n q u a n t o a i m a g e m do rei com o pé
sobre o pescoço do inimigo p r o s t r a d o ali permanecesse, a tribo d e r r o t a d a n ã o
teria forças p a r a se rebelar de novo.
E m t e m p o s mais recentes, tais m o n u m e n t o s converteram-se em comple-
tas crônicas ilustradas d a s c a m p a n h a s do rei. A mais b e m conservada dessas
crônicas d a t a de u m período relativamente recente, o reinado de Assurna-
sirpal II da Assíria, que viveu no século IX a . C . , u m p o u c o depois do bíblico
Rei Salomão. O relevo está exposto no M u s e u Britânico. Aí vemos todos os
episódios de u m a c a m p a n h a b e m o r g a n i z a d a ; vemos o exército c r u z a n d o rios
e a t a c a n d o fortalezas (fig. 43), seus a c a m p a m e n t o s e suas refeições. O m o d o
como essas cenas são r e p r e s e n t a d a s é b a s t a n t e semelhante aos m é t o d o s
egípcios, m a s talvez u m pouco menos a r r u m a d o e rígido. Q u a n d o as olhamos,
sentimos como se estivéssemos assistindo a u m cine-jornal f i l m a d o h á 2.000
anos. T u d o parece tão real e convincente. M a s , se observarmos mais atenta-
mente, descobriremos u m f a t o curioso: é g r a n d e a p r o f u s ã o de mortos e
feridos nessas horríveis g u e r r a s . . . m a s n e n h u m deles é assírio. A arte do ARTE PARA
u f a n i s m o jactancioso e da p r o p a g a n d a j á estava b e m a v a n ç a d a nessa época. A
Mas talvez possamos a d o t a r u m a idéia algo mais tolerante a respeito desses ETERNIDADE
assírios. Talvez eles a i n d a fossem governados pela antiga superstição que
intervém com t a n t a f r e q ü ê n c i a nesta história: a superstição de que n u m a
p i n t u r a , n u m relevo, n u m a estátua, existe algo m a i s do que u m a simples
p i n t u r a , u m relevo ou u m a e s t á t u a . Talvez n ã o quisessem representar assírios
feridos por a l g u m a dessas razões. E m todo o caso, a t r a d i ç ã o q u e se iniciou
então teve u m a vida m u i t o longa. E m todos os m o n u m e n t o s que glorificam
os senhores da g u e r r a do passado, a g u e r r a n ã o chega a ser p r o b l e m a . Basta o
herói aparecer e o inimigo é dispersado c o m o p a l h a ao vento.

44. U m artífice
egípcio
trabalhando
numa esfinge
dourada. Mural
de um túmulo em
Tebas. Cerca de
1400 a. C.
3. O Grande Despertar

Grécia: Séculos VII a V a. C.

45. Um templo
dórico: o
Partenon. Atenas,
Acrópole.
Projetado por
Ictino, cerca de
450 a.C.

F O I NAS I M E N S A S terras desérticas e s p a r g i d a s de oásis, onde o sol a r d e


implacavelmente e o n d e a p e n a s o solo irrigado pelos rios fornece alimento,
que os mais antigos estilos de arte s u r g i r a m sob o domínio de d é s p o t a s
orientais, e esses estilos p e r m a n e c e r a m q u a s e inalterados p o r milhares de
anos. As condições f o r a m m u i t o diferentes nos climas mais t e m p e r a d o s do
m a r que orlava esses impérios, n a s múltiplas ilhas, g r a n d e s e p e q u e n a s , do
M e d i t e r r â n e o oriental e nas costas r e c o r t a d a s p o r i n ú m e r a s e n s e a d a s das
penínsulas d a Grécia e d a Ásia M e n o r . Essas regiões não estavam s u b m e t i d a s
a u m único senhor. E r a m os esconderijos de afoitos marinheiros, de reis-
p i r a t a s que c r u z a v a m os m a r e s até seus limites conhecidos e m a i s além,
a c u m u l a n d o g r a n d e s riquezas em seus castelos e portos de abrigo p o r meio do
comércio e das incursões m a r í t i m a s . O principal centro dessas áreas foi
originalmente a ilha de Creta, cujos reis e r a m , p o r vezes, suficientemente
ricos e poderosos p a r a enviar e m b a i x a d a s ao Egito, e cuja arte causou f u n d a
impressão até na corte f a r a ô n i c a (p. 41).
I g n o r a - s e . q u e m era e x a t a m e n t e o povo q u e reinava em C r e t a e c u j a
arte foi copiada no continente grego, s o b r e t u d o em Micenas. Descobertas
recentes levam a a d m i t i r a possibilidade de que os cretenses falassem u m a
f o r m a primitiva de grego. M a i s t a r d e , cerca de 1000 a . C . , u m a nova o n d a de
tribos guerreiras provenientes da E u r o p a penetrou n a m o n t a n h o s a p e n í n s u l a
da Grécia, avançou até ao litoral da Ãsia M e n o r , c o m b a t e u e derrotou os
antigos h a b i t a n t e s . Somente nas canções que n a r r a m essas b a t a l h a s sobrevive
algo do esplendor e beleza da arte que foi destruída nessas p r o l o n g a d a s
guerras, pois essas canções ou rapsódias constituem os p o e m a s homéricos; e
entre os recém-chegados estavam as tribos gregas que conhecemos da história.
Nos primeiros séculos de seu domínio sobre a Grécia, a arte dessas tribos
era b a s t a n t e rude, desgraciosa e primitiva. N a d a existe nessas o b r a s do alegre © GRANDE
movimento do estilo cretense; pelo contrário, p a r e c i a m s u p e r a r os egípcios em DESPERTAR
rigidez. A sua cerâmica era decorada com p a d r õ e s geométricos simples e,
q u a n d o se queria representar u m a cena, esta f o r m a v a p a r t e do desenho
austero e rigoroso. Por exemplo, a fig. 46 representa a l a m e n t a ç ã o p o r u m
h o m e m morto. Este j a z em seu esquife, e n q u a n t o as carpideiras à direita e à
e s q u e r d a levam às m ã o s à cabeça no p r a n t o ritual que é costume e m quase
todas as sociedades primitivas.
Algo dessa simplicidade e desse a r r a n j o claro e esquemático parece ter
contribuído p a r a o estilo de construção que os gregos i n t r o d u z i r a m nesses
primeiros t e m p o s e que, por e s t r a n h o que pareça, a i n d a p e r d u r a e m nossas
cidades e aldeias. A fig. 45 m o s t r a u m templo grego do antigo estilo, o qual
recebeu a designação de dórico em a t e n ç ã o à tribo do m e s m o n o m e . E r a essa
a tribo a que pertenciam os espartanos, célebres por sua austeridade. Com
efeito, n a d a existe de desnecessário nesses edifícios, n a d a , pelo menos, de que
não vejamos ou acreditemos ver a finalidade. Provavelmente, os mais antigos
desses templos f o r a m construídos de m a d e i r a e consistiam em pouco m a i s do 46. A lamentação
que u m p e q u e n o cubículo m u r a d o p a r a g u a r d a r a i m a g e m do deus, t e n d o ao pelo morto. De
redor sólidos esteios que sustentavam o peso do telhado. Por volta de 600 um vaso grego no
"Estilo
a.C., os gregos c o m e ç a r a m a imitar essas simples construções em p e d r a . O s
Geométrico",
esteios de m a d e i r a q u e escoravam os telhados f o r a m convertidos em colunas
feito cerca de
que sustentavam r o b u s t a s vigas transversais de p e d r a . Essas vigas transversais 700 a.C. Atenas,
eram c h a m a d a s arquitraves e t o d a a u n i d a d e assente nas colunas recebeu o Museu Nacional
nome de entablamento. Podemos observar reminiscências da estrutura de
madeira na parte superior, como se estivessem expostas as extremidades das
vigas. Essas extremidades eram usualmente m a r c a d a s com três sulcos e
4g foram, portanto, designadas pela palavra grega "tríglifo", que significa
justamente "três sulcos". O espaço do friso entre esses ornatos chama-se
O GRANDE " m é t o p e " . O aspecto surpreendente nesses primeiros templos, que imitam de
DESPERTAR um modo tão claro as antigas construções de madeira, é a simplicidade e
harmonia do conjunto. Se os construtores tivessem usado simples pilares
quadrados ou cilíndricos, os templos poderiam ter parecido pesados e des-
graciosos. Entretanto, eles preferiram modelar as colunas de modo que
houvesse u m a leve protuberância n a parte central e u m afuselamento em
direção ao topo. O resultado é que as colunas dóricas ganham quase u m ar de
elásticas, como se o peso do telhado as estivesse comprimindo ligeiramente
sem, no entanto, chegar a deformá-las. Dão quase a idéia de seres h u m a n o s
que sustentam suas cargas com facilidade. E m b o r a alguns desses templos
sejam vastos e imponentes, não são colossais como as construções egípcias.
Sente-se que foram edificados por seres h u m a n o s e p a r a seres h u m a n o s . De
fato, não existia u m governante divino imperando sobre os gregos que
pudesse forçar — ou tivesse forçado — todo u m povo a t r a b a l h a r como
escravos p a r a ele. As tribos gregas tinham-se instalado em várias cidades
pequenas e portos de abrigo ao longo da costa. Havia muita rivalidade e atrito
entre essas pequenas comunidades, mas n e n h u m a delas conseguiu dominar
todas as outras.
Dessas cidades-Estados gregas, Atenas, na Ãtica, tornou-se de longe a
mais famosa e a mais importante na história da arte. Foi aí, sobretudo, que a
maior e mais surpreendente revolução em toda a história da arte produziu
seus frutos. É difícil dizer q u a n d o e onde essa revolução começou — talvez
por volta da época em que os primeiros templos de pedra estavam sendo
construídos na Grécia, no século VI a.C. Sabemos que antes desse período os
artistas dos antigos impérios orientais tinham-se e m p e n h a d o em obter u m
tipo peculiar de perfeição. Procuravam emular a arte de seus antepassados
tão fielmente q u a n t o possível e aderir estritamente às regras sagradas que
haviam aprendido. Q u a n d o os artistas gregos começaram a fazer estátuas de
pedra, partiram donde egípcios e assírios t i n h a m parado. A fig. 47 mostra-
nos que eles e s t u d a r a m e i m i t a r a m modelos egípcios, e que a p r e n d e r a m deles
como fazer a figura de um jovem de pé, como marcar as divisões do corpo e
os músculos que o m a n t ê m unido. M a s t a m b é m nos mostra que o artista que
fez essas estátuas não se contentou em obedecer a qualquer fórmula, por
melhor que fosse, e começou a fazer suas próprias experiências. Ele estava
obviamente interessado em a p u r a r que aspecto os joelhos realmente têm.
Talvez não lograsse um êxito completo; talvez os joelhos de suas estátuas
sejam até menos convincentes do que os dos exemplos egípcios; mas o ponto
importante é que ele se decidira a investigar por sua conta, em vez de seguir a
velha prescrição. Já não se tratava de u m a questão de aprender u m a fórmula
consagrada p a r a representar o corpo h u m a n o . Todo escultor grego queria
saber como ele iria representar um determinado corpo. Os egípcios t i n h a m
baseado sua arte no conhecimento. Os gregos começaram a usar os próprios
olhos. U m a vez iniciada essa revolução, n a d a a sustaria. Os escultores em
suas oficinas ensaiaram novas idéias e novos modos de representação da
figura h u m a n a , e cada inovação era avidamente adotada por outros, que a
47. Estátuas de
dois jovens.
Encontradas em
Delfos, assinadas
por Polímedes de
Argos, e
representando
provavelmente os

m
irmãos Cleóbis e
Bíton. Cerca de
vm 580 a.C. Delfos,
Museu

adicionavam às suas p r ó p r i a s descobertas. U m descobriu c o m o cinzelar o


tronco, o u t r o achou que u m a estátua p o d e parecer m u i t o mais viva se os pés
não forem a m b o s f i r m e m e n t e p l a n t a d o s no chão. A i n d a o u t r o descobriria que
era possível a n i m a r u m rosto d o b r a n d o simplesmente a boca p a r a cima, de
modo a criar u m a impressão de sorriso. É claro, o m é t o d o egípcio era, sob
muitos aspectos, mais seguro. As experiências dos artistas gregos f a l h a r a m
por vezes. O sorriso p o d i a p a r e c e r u m esgar e m b a r a ç a d o ou a p o s t u r a menos
rígida era passível de criar a i m p r e s s ã o de a f e t a ç ã o . M a s os artistas gregos
não se atemorizavam facilmente diante dessas dificuldades. E n v e r e d a r a m p o r
u m c a m i n h o que não t i n h a retorno.
Os pintores seguiram em sua esteira. S a b e m o s p o u c o acerca do t r a b a l h o
deles, exceto o que os autores gregos nos c o n t a m , m a s é i m p o r t a n t e com-
48. Vaso grego no
"Estilo de Figuras
Negras" com
Aquiles e Ajax
jogando damas.
Assinado por
Exekias. Cerca de
540 a. C. Museu
do Vaticano.

p r e e n d e r que muitos pintores gregos e r a m até mais famosos em seu t e m p o do


que seus colegas escultores. A única m a n e i r a que temos de poder f o r m a r u m a
vaga idéia sobre a p i n t u r a grega é o b s e r v a n d o as decorações em cerâmica.
Esses recipientes pintados, conhecidos pelo n o m e genérico de vasos, destina-
vam-se mais f r e q ü e n t e m e n t e a conter vinho ou azeite do que flores. A p i n t u r a
desses vasos desenvolveu-se n u m a i m p o r t a n t e indústria em A t e n a s e os
h u m i l d e s artífices e m p r e g a d o s nessas oficinas estavam tão ávidos q u a n t o os
outros artistas por i n t r o d u z i r e m as mais recentes descobertas em seus pro-
dutos. Nos primeiros vasos, p i n t a d o s no século VI a . C . , a i n d a e n c o n t r a m o s
vestígios dos m é t o d o s egípcios (fig. 48). Vemos os dois heróis de H o m e r o ,
Aquiles e Ajax, j o g a n d o d a m a s n a t e n d a deles. A m b a s as figuras a i n d a são
rigorosamente m o s t r a d a s de perfil. Seus olhos a i n d a p a r e c e m ser vistos de
frente. M a s os corpos j á n ã o são desenhados à m a n e i r a egípcia, n e m os
braços e mãos estão dispostos com a m e s m a clareza e rigidez de a n t a n h o .
O pintor tinha obviamente t e n t a d o i m a g i n a r que aspecto seria, n a realidade,
o de d u a s pessoas colocadas frente a frente e absorvidas n u m jogo. Já n ã o O GRANDE
DESPERTAR
receava m o s t r a r a p e n a s u m a p e q u e n a p a r t e da m ã o e s q u e r d a de Aquiles,
estando o resto escondido a t r á s do o m b r o . Já não pensava que t u d o o que ele
sabia estar ali tinha t a m b é m que ser m o s t r a d o . U m a vez q u e b r a d a essa
antiga regra, u m a vez q u e o artista começou a confiar no q u e seus olhos viam,
desencadeou-se u m a verdadeira avalancha. Os pintores fizeram a m a i o r de
todas as descobertas — a descoberta do escorço. Foi u m t r e m e n d o m o m e n t o
na história d a arte q u a n d o , talvez u m p o u c o antes de 500 a . C . , os artistas
se atreveram pela primeira vez em t o d a a história a p i n t a r u m pé tal como é
visto de frente. E m todos os milhares de obras egípcias e assírias que 49. A despedida
do guerreiro.
c h e g a r a m até nós, n a d a desse gênero acontecera j a m a i s . U m vaso grego
Vaso no "estilo de
(fig. 49) mostra com que orgulho essa descoberta foi a d o t a d a . V e m o s u m
Figuras
jovem guerreiro vestindo sua a r m a d u r a p a r a a b a t a l h a . Seus pais, a c a d a u m Vermelhas",
dos lados, que o a j u d a m e provavelmente lhe dão b o n s conselhos, a i n d a são assinado por
representados em rígido perfil. A cabeça do jovem no meio t a m b é m é Eutímides, cerca
r e p r e s e n t a d a de perfil e percebe-se q u e o p i n t o r teve a l g u m a dificuldade e m de 500 a.C.
ajustar a cabeça ao corpo, que é visto de frente. T a m b é m o pé direito a i n d a Munique,
foi d e s e n h a d o de m a n e i r a " s e g u r a " , m a s o pé e s q u e r d o foi a g o r a "escor- Antiquarium
çado"; vemos os cinco dedos dispostos como u m a fileira de cinco pequenos
círculos. Poderá parecer exagerado alongarmo-nos tanto nesse pequeno deta-
lhe, mas isso significou realmente que a velha arte estava morta e enterrada.
52 Significou que o artista deixara de ter a pretensão de incluir tudo na pintura,
em sua forma mais claramente visível, passando a levar em conta o ângulo
O GRANDE donde via um objeto. E imediatamente ao lado do pé demonstrou o que
DESPERTAR queria. Desenhou o escudo do jovem, não na forma em que poderíamos vê-lo
em nossa imaginação, como um objeto redondo, mas visto de lado, encostado
a u m a parede.
Mas, q u a n d o observamos essa pintura e a anterior, também nos aperce-
bemos de que as lições da arte egípcia não tinham sido simplesmente
descartadas e lançadas fora. Os artistas gregos ainda procuravam fazer suas
figuras com os mais nítidos contornos possíveis e incluir tantos conhecimentos
sobre o corpo h u m a n o quantos coubessem na pintura sem violentar a sua
aparência. Ainda gostavam dos contornos firmes, bem definidos, e do plano
equilibrado. Estavam longe de tentar copiar qualquer relance fortuito da
natureza, tal como a viam. A velha fórmula, o tipo de forma h u m a n a que se
desenvolvera em todos esses séculos, ainda era o ponto de partida deles. Só
que não mais consideravam isso sagrado em todos os pormenores.
A grande revolução da arte grega, a descoberta de formas naturais e do
escorço, ocorreu n u m a época que é, de todo em todo, o mais assombroso
período da história h u m a n a . É a época em que o povo das cidades gregas
começou a contestar as antigas tradições e lendas sobre os deuses, e a
investigar sem preconceitos a natureza das coisas. É o período em que a
ciência, tal como entendemos hoje o termo, e a filosofia despertam pela
primeira vez entre os homens, e em qup o teatro se desenvolveu a partir das
cerimônias em honra de Dioniso. Não devemos imaginar, porém, que os
artistas desse tempo estavam entre as classes intelectuais da cidade. Os gregos
ricos que administravam os negócios de sua cidade, e que gastavam seu
tempo em intermináveis discussões na praça do mercado, talvez até mesmo os
poetas e filósofos, olhavam com sobranceria p a r a os escultores e pintores, a
quem consideravam pessoas inferiores. Os artistas trabalhavam com suas
próprias mãos — e trabalhavam p a r a viver. Passavam os dias l a b u t a n d o em
suas forjas, cobertos de suor e fuligem, ou como operários comuns em
pedreiras e canteiros, e por isso não eram considerados membros da socie-
dade polida. Contudo, sua participação na vida da cidade era infinitamente
superior à de um artífice egípcio ou assírio, porque a maioria das cidades
gregas, Atenas em particular, eram democracias em que a esses humildes
obreiros, alvos do desdém dos esnobes abastados, era consentido, no entanto,
participarem em certa medida dos assuntos de Governo.

Foi no período em que a democracia ateniense atingira seu nível mais


elevado que a arte grega chegou ao apogeu de seu desenvolvimento. Depois de
Atenas derrotar a invasão persa, o povo, sob a liderança de Péricles, começou
a reconstruir o que os persas haviam destruído. Em 480 a.C., os t e m p l o s x
situados no rochedo sagrado de Atenas, a Acrópole, tinham sido incendiados,
e saqueados pelos persas. Seriam agora construídos em mármore e com um
esplendor e nobreza jamais vistos (fig. 45). Péricles não era esnobe. Os
autores antigos deixam entrever que ele tratou os artistas de seu tempo como
iguais. O homem a quem ele confiou a planificação e o traçado dos templbs
foi o a r q u i t e t o Ictino, e o escultor que iria modelar as figuras dos deuses e
supervisar a decoração dos templos foi Fídias.
A celebridade de Fídias está b a s e a d a em obras que j á n ã o existem. M a s
não deixa de ser i m p o r t a n t e t e n t a r imaginar c o m o elas seriam, pois esque- 5 3
cemos com d e m a s i a d a facilidade que finalidade a arte grega a i n d a servia
nessa época. Lemos na Bíblia c o m o os profetas investiam c o n t r a a a d o r a ç ã o O GRANDE
de ídolos, m a s não relacionamos u s u a l m e n t e essas palavras a q u a i s q u e r idéias DESPERTAR
concretas. Existem m u i t a s passagens como a seguinte, de Jeremias (X, 3-5):
" A s leis dos povos são vãs: a m ã o d u m artista corta u m m a d e i r o do
bosque, t r a b a l h a n d o - o com o m a c h a d o . Adorna-o com p r a t a e com ouro;
une-o com pregos e martelo, p a r a não se d e s c o n j u n t a r . (Essas estátuas) são
e m p e r t i g a d a s como as palmeiras, m a s não f a l a m ; precisam ser c a r r e g a d a s ,
p o r q u e não p o d e m a n d a r . Não as temais; pois n ã o p o d e m fazer mal, n e m
t a m p o u c o p o d e m fazer b e m . "
O que Jeremias t i n h a em m e n t e e r a m os ídolos da M e s o p o t â m i a , feitos
de m a d e i r a e metais preciosos. M a s suas palavras aplicar-se-iam quase
e x a t a m e n t e às o b r a s de Fídias, p r o d u z i d a s a p e n a s alguns séculos depois da
vida do p r o f e t a . Q u a n d o c a m i n h a m o s ao longo das filas de e s t á t u a s de
m á r m o r e b r a n c o da antiguidade clássica nos grandes museus, esquecemos
com m u i t a freqüência que entre elas se e n c o n t r a m aqueles ídolos de que a
Bíblia fala; que as pessoas oravam diante delas, que sacrifícios e r a m levados
até elas em meio a e n c a n t a m e n t o s , e que milhares e dezenas de milhares de
adoradores se a p r o x i m a r a m delas com esperança e m e d o em seus corações —
interrogando-se, como diz o p r o f e t a , sobre se essas e s t á t u a s e ídolos n ã o
seriam realmente, ao m e s m o t e m p o , os p r ó p r i o s deuses. De fato, a r a z ã o pela
qual quase todas as estátuas f a m o s a s do m u n d o antigo p e r e c e r a m foi que,
após a vitória do Cristianismo, era considerado piedoso dever destruir qual-
quer e s t á t u a dos deuses pagãos. As esculturas em nossos m u s e u s são, em sua
maioria, cópias em s e g u n d a m ã o feitas nos tempos r o m a n o s p a r a viajantes e
colecionadores, c o m o souvenirs e c o m o decorações p a r a j a r d i n s e b a n h o s
públicos. Devemos ser muito gratos por essas réplicas, j á que nos proporcio-
n a m , pelo menos, u m a pálida idéia das f a m o s a s o b r a s - p r i m a s d a arte grega;
mas, se não u s a r m o s a imaginação, essas f r a c a s imitações t a m b é m p o d e m
fazer muito dano. Elas são l a r g a m e n t e responsáveis pela idéia generalizada de
que a arte grega é i n a n i m a d a , fria e insípida, e de que as e s t á t u a s gregas
t i n h a m aquela a p a r ê n c i a lívida e olhar vazio que nos l e m b r a m obsoletas aulas
de desenho. A cópia r o m a n a do g r a n d e ídolo de Palas A t e n a , p o r exemplo,
que Fídias realizara p a r a o seu s a n t u á r i o no P a r t e n o n (fig. 50), dificilmente
parece m u i t o interessante. Devemos recorrer a antigas descrições e t e n t a r
imaginar c o m o realmente seria: u m a gigantesca i m a g e m de m a d e i r a , de cerca
de 11 metros de altura, tão alta q u a n t o u m a árvore, t o d a recoberta de
materiais preciosos: a a r m a d u r a e as vestes de ouro, a pele de m a r f i m . Havia
t a m b é m g r a n d e p r o f u s ã o de cores fortes e brilhantes no escudo e o u t r a s
partes da a r m a d u r a , sem esquecer os olhos, feitos de p e d r a s coloridas. O
elmo d o u r a d o da deusa era e n c i m a d o por grifos e os olhos de u m a e n o r m e
serpente enroscada d e n t r o do escudo t a m b é m e r a m assinalados, sem dúvida,
por p e d r a s refulgentes. Deve ter-sido u m a visão f a n t á s t i c a , inspiradora de
p r o f u n d o e respeitoso t e m o r , q u a n d o alguém entrava no templo e subita-
mente se via frente a frente com essa estátua gigantesca. Havia, por certo,
algo quase primitivo e selvagem e m a l g u m a s de suas feições, algo que a i n d a
50. Athena
Parthenos. Cópia
romana em
mármore de uma
grande estátua de
templo feita por
Fídias entre 447 e
432 a. C. Atenas,
Museu Nacional
ligava u m ídolo dessa espécie às antigas superstições c o n t r a as quais o p r o f e t a
Jeremias lançava suas invectivas. M a s j á essas idéias primitivas sobre os
deuses c o m o formidáveis demônios que h a b i t a v a m nas e s t á t u a s t i n h a m
deixado de ser a principal coisa. Palas A t e n a , tal c o m o Fídias a viu e
modelou em sua estátua, era m a i s do que o m e r o ídolo de u m d e m ô n i o .
Baseados em todas as descrições que conhecemos, a sua estátua possuía a
dignidade que t r a n s m i t i a ao povo u m a idéia m u i t o diferente do c a r á t e r e
significado de seus deuses. A A t e n a de Fídias era c o m o u m g r a n d e ser
h u m a n o . O seu p o d e r residia m e n o s em q u a i s q u e r poderes mágicos do que
em sua beleza. As pessoas c o m p r e e n d e r a m n a época que a a r t e de Fídias dera
ao povo da G r é c i a u m a nova concepção do divino.
As d u a s g r a n d e s obras de Fídias, a Palas Atena e a sua f a m o s a estátua
de Zeus em Olímpia, perderam-se irremediavelmente, mas os templos em que
estavam colocadas a i n d a existem e, com eles, algumas das decorações que
foram feitas n a época de Fídias. O templo em Olímpia é o mais antigo; foi 5 5
talvez iniciado por volta de 470 a.C. e concluído antes de 457 a . C . Nos
intervalos q u a d r a d o s (métopes) sobre a arquitrave estavam r e p r e s e n t a d a s as o GRANDE
f a ç a n h a s de Hércules. A fig. 51 m o s t r a o episódio em que ele foi m a n d a d o DESPERTAR
colher os f r u t o s das Hespéridas. E r a u m a t a r e f a que nem m e s m o Hércules
Podia executar. Rogou a Atlas, que sustentava o céu em seus o m b r o s , p a r a
realizá-la p o r ele e Atlas concordou, na condição de que Hércules carregasse o
seu f a r d o e n t r e m e n t e s . Nesse relevo, mostra-se Atlas voltando com as m a ç ã s
d o u r a d a s p a r a Hércules, a q u e m vemos retesado sob sua carga gigantesca.
Atena, a a s t u t a auxiliar de Hércules em todas as suas f a ç a n h a s , colocou
u m a a l m o f a d a no o m b r o dele p a r a lhe t o r n a r mais fácil a ingente t a r e f a . E m
sua mão direita, ela teve outrora u m a lança de metal. A história é t o d a ela
c o n t a d a com maravilhosa simplicidade e clareza. Sentimos que o artista a i n d a
preferia m o s t r a r a figura n u m a atitude sóbria, de frente ou de lado. A t e n a
está d i r e t a m e n t e de face p a r a nós e a p e n a s sua cabeça está voltada p a r a o

51. Hércules
carregando os
Céus. Do Templo
de Zeus, em
Olímpia. Cerca de
460 a.C. Olímpia,
Museu
lado de Hércules. Não é difícil pressentir nessas figuras a prolongada influên-
cia das regras que governaram a arte egípcia. Mas sentimos que a grandeza, a
calma e a força majestosas que pertencem à escultura grega t a m b é m são
5^ devidas a essa observância de antigas regras. Pois essas regras tinham deixado
de ser um obstáculo, cerceando a liberdade do artista. A antiga idéia de que
o GRANDE era importante mostrar a estrutura do corpo — suas principais articulações,
DESPERTAR por assim dizer, que nos ajudavam a entender como o todo se m a n t i n h a unido
e coeso — instigou o artista a continuar explorando a anatomia dos ossos e
músculos, e a f o r m a r u m a imagem convincente da figura h u m a n a , a qual
permanece visível mesmo sob a ondulação das roupagens. De fato, o modo
como os artistas gregos usaram as roupagens p a r a marcar essas principais
divisões do corpo ainda mostra a importância que eles atribuíam ao conhe-
cimento da f o r m a . É esse equilíbrio entre a adesão a regras e a liberdade de
criação dentro das regras que faz com que a arte grega seja tão a d m i r a d a em
séculos subseqüentes. Por isso é que artistas de épocas mais recentes retor-
naram u m a e outra vez às obras-primas da arte grega, em busca de orien-
tação e inspiração.
O tipo de trabalho que os artistas gregos eram freqüentemente solici-
tados a realizar poderá tê-los a j u d a d o a aperfeiçoar seus conhecimentos do
corpo h u m a n o em ação. U m templo como o de Olímpia estava rodeado de
estátuas de atletas vitoriosos dedicadas aos deuses. P a r a nós, isso talvez
pareça um estranho costume, pois não esperamos, por mais populares que
sejam os nossos campeões, ver seus retratos oferecidos a u m a igreja em
agradecimento por u m a vitória obtida no último certame. Mas as grandes
reuniões esportivas dos gregos, das quais os Jogos Olímpicos eram, evidente-
mente, os mais famosos, tinham características muito diferentes das nossas
modernas competições. Estavam muito mais intimamente ligadas às crenças
religiosas e aos ritos do povo. Os que participavam delas não eram esportistas
— amadores ou profissionais — mas membros das principais famílias da
Grécia, e o vencedor nesses jogos era olhado com reverência como um homem
a quem os deuses tinham favorecido com o dom da invencibilidade. Era p a r a
descobrir sobre quem essa bênção d a vitória recaíra que se celebravam
originalmente os jogos, e era p a r a comemorar e talvez perpetuar esses sinais
de graça divina que os vencedores encomendavam suas estátuas aos mais
renomados artistas do tempo.
Escavações em Olímpia puseram a descoberto grande número dos pedes-
tais em que essas famosas estátuas estavam assentadas, mas as estátuas
desapareceram. E r a m em sua maioria feitas de bronze e foram provavelmente
fundidas q u a n d o esse metal se tornou escasso na Idade Média. Somente em
Delfos u m a dessas estátuas foi encontrada, a figura de u m auriga, cuja
cabeça mostramos na fig. 52. É surpreendentemente diferente da idéia geral
que podemos formar com facilidade sobre a arte grega q u a n d o olhamos
apenas as cópias. Os olhos, que parecem freqüentemente vazios e sem
expressão nas estátuas de m á r m o r e ou são cegos nas cabeças de bronze, estão
marcados em pedras coloridas — como sempre foram nessa época. O cabelo,
olhos e lábios são levemente dourados, o que transmite a todo o rosto u m
efeito de riqueza e calor. E, no entanto, tal cabeça nunca pareceu pretensiosa
ou vulgar. Podemos ver que o artista não pretendia imitar u m a face real, com
todas as suas imperfeições, mas a modelou a partir de seu conhecimento da
forma h u m a n a . Ignoramos se o auriga é um bom retrato — provavelmente
52. Cabeça de
estátua de bronze
de um auriga.
Encontrada em
Delfos. Cerca de
470 a.C. Delfos,
Museu

não se " p a r e c e " n a d a , no sentido e m que e n t e n d e m o s hoje a palavra


" p a r e c e n ç a " . M a s é u m a i m a g e m convincente de u m ser h u m a n o , de
maravilhosa simplicidade e beleza.
O b r a s c o m o essa, que n ã o são sequer m e n c i o n a d a s pelos autores gregos
clássicos, l e m b r a m - n o s o que devemos ter p e r d i d o n a mais f a m o s a s dessas
estátuas gregas, c o m o o " D i s c ó b o l o " , pelo escultor ateniense Myron, que
provavelmente pertenceu à m e s m a geração de Fídias. V á r i a s cópias dessa
o b r a f o r a m e n c o n t r a d a s , o que nos permite, pelo menos, f o r m a r u m a idéia
geral de como ela seria (fig. 53). O jovem atleta era r e p r e s e n t a d o no m o m e n t o
em q u e está prestes a l a n ç a r o p e s a d o disco. Ele dobra-se p a r a a f r e n t e e
projeta o b r a ç o p a r a trás de m o d o a poder lançá-lo com maior força. No
^g m o m e n t o seguinte, girará e soltará o disco, s u s t e n t a n d o o l a n ç a m e n t o com
u m a rotação de seu corpo. A atitude parece tão convincente que os atletas
O GRANDE m o d e r n o s a a d o t a r a m c o m o modelo e p r o c u r a r a m a p r e n d e r com ela o estilo
DESPERTAR grego exato de l a n ç a m e n t o do disco. M a s isso provou ser menos fácil do que

53. Discóbolo.
Cópia romana em
mármore de uma
estátua em bronze
por Myron. Cerca
de 450 a. C.
Munique,
Glyptothek
imaginavam. Tinham esquecido que a estátua de Myron não é a fotografia de
uma cena de um documentário cinematográfico, mas u m a obra de arte grega.
De fato, se a observarmos mais cuidadosamente, descobriremos que Myron
logrou esse extraordinário efeito de movimento através, sobretudo, de u m a 59
nova adaptação de métodos artísticos muito antigos. Se nos colocarmos diante
da estátua e nos concentrarmos apenas em seus contornos, damo-nos súbita- o GRANDE
mente conta de sua relação com a tradição da arte egípcia. Tal como os DESPERTAR
pintores egípcios, Myron deu-nos o tronco em vista frontal, as pernas e os
braços em vista lateral; à semelhança daqueles, compôs a imagem do corpo
de um homem segundo os planos visuais mais característicos de suas partes.
Mas, em suas mãos, essa velha e gasta fórmula tornou-se algo inteiramente
diferente. E m vez de combinar esses planos visuais na representação inconvin-
cente de u m a pose rígida, pediu a um modelo real que posasse n u m a atitude
semelhante e adaptou-o de tal modo que nos dá a impressão de ser a
reprodução convincente de um corpo em movimento. Se isso corresponde ou
não ao movimento exato mais adequado e eficaz p a r a lançar o disco pouca
importância tem. O que importa é que Myron conquistou o movimento, tal
como os pintores de seu tempo conquistaram o espaço.
De todos os originais gregos que chegaram até nós, as esculturas do
Partenon refletem essa nova liberdade talvez da maneira mais digna de
admiração. O Partenon (fig. 45) foi completado uns vinte anos depois do
templo de Olímpia e, nesse breve espaço de tempo, os artistas tinham
adquirido u m a desenvoltura e facilidade cada vez maiores n a resolução de
problemas de convincente representação. Não sabemos quem foram os escul-
tores que fizeram essas decorações do templo, mas, como Fídias foi o autor
da estátua de Atena no santuário, parece provável que a sua oficina t a m b é m
tenha fornecido as outras esculturas.
As figs. 54 e 55 mostram fragmentos do longo friso que corria em toda a
volta da parte superior interna do edifício e representava o desfile anual
durante a festa solene da deusa. Havia sempre jogos e exibições esportivas no
decorrer dessas festividades; u m a das provas consistia na perigosa proeza de
conduzir u m carro e saltar p a r a dentro e fora dele com os quatro cavalos a
todo o galope. Essa é prova que se mostra na fig. 54. No começo, o
observador poderá ter dificuldade em orientar-se nesse primeiro fragmento,
pois o relevo está seriamente danificado. Não só u m a parte da superfície está
quebrada, mas toda a cor desapareceu, o que provavelmente fazia as figuras
destacarem-se de forma brilhante contra u m f u n d o intensamente colorido.
Para nós, a cor e contextura do mármore fino é algo tão maravilhoso que
jamais desejaríamos cobri-lo de tinta, mas os gregos pintavam até seus
templos com fortes cores contrastantes, como vermelho e azul. Mas, por
muito pouco que tenha restado do trabalho original, vale sempre a pena, no
caso de esculturas gregas, esquecer o que desapareceu em troca da alegria
pura de descobrir o que sobrou. A primeira coisa que vemos em nosso
fragmento são os cavalos, em número de quatro, todos emparelhados. As
cabeças e patas estão suficientemente bem preservadas p a r a nos darem u m a
ideia da mestria com que o artista logrou mostrar a estrutura de ossos e
musculos sem que o conjunto parecesse rígido ou árido. Logo percebemos que
o mesmo deve ter acontecido t a m b é m com as figuras h u m a n a s . Podemos
imaginar, pelos vestígios que restaram, com que liberdade elas se movimen-
tavam e com que clareza se destacavam os músculos de seus corpos. O
54. Aurigas. escorço j á não apresentava g r a n d e s p r o b l e m a s p a r a o artista. O b r a ç o com o
Detalhe do friso escudo é d e s e n h a d o com perfeita desenvoltura, assim c o m o o p e n a c h o esvoa-
de mármore do çante do elmo e a c a p a e n f u n a d a pelo vento. M a s todas essas novas desco-
Partenon. Cerca bertas não " d e s c o n t r o l a r a m " o artista. Por mais que o entusiasmasse essa
de 440 a. C. conquista do espaço e do movimento, não sentimos que ele estivesse ansioso
Londres, Museu
por exibir t u d o o que p o d i a fazer. A i n d a que os g r u p o s se t o r n a s s e m vivos e
Britânico
a n i m a d o s , nem por isso deixam de se a j u s t a r bem ao a r r a n j o de u m desfile
solene que m a r c h a ao longo da p a r e d e do edifício. O artista reteve a i n d a algo
da sabedoria da disposição que a arte grega derivou dos egípcios e do
t r e i n a m e n t o em p a d r õ e s geométricos que p r e c e d e r a o G r a n d e D e s p e r t a r .
É essa s e g u r a n ç a de m ã o que t o r n a c a d a detalhe do friso do P a r t e n o n tão
lúcido e " c o r r e t o " (fig. 55).
T o d a s as o b r a s gregas desse g r a n d e período m o s t r a m essa sabedoria e
habilidade n a distribuição de figuras, m a s o que os gregos de e n t ã o apre-
ciavam a i n d a mais era o u t r o aspecto: a recém-descoberta liberdade de
representar o corpo h u m a n o em q u a l q u e r posição ou movimento podia ser
u s a d a p a r a refletir a vida interior das figuras representadas. Ouvimos de u m
de seus discípulos ser isso o que o g r a n d e filósofo Sócrates, que t i n h a sido ele
m e s m o t r e i n a d o c o m o escultor, exortava os artistas a f a z e r e m . Deveriam
representar a "atividade da a l m a " , observando m i n u c i o s a m e n t e o m o d o c o m o
"os sentimentos a f e t a m o corpo em a ç ã o " .
U m a vez mais, os artífices que p i n t a v a m vasos t e n t a r a m manter-se a p a r
dessas descobertas dos grandes mestres c u j a s obras se p e r d e r a m . A fig. 56
representa o comovente episódio da história de Ulisses em que o herói volta
p a r a casa, após dezenove anos de ausência, disfarçado de mendigo, com O GRANDE
bordão, alforje e tigela, e é reconhecido por sua velha a m a Euricléia, que n o t a DESPERTAR
na p e r n a dele a cicatriz de u m velho ferimento, e n q u a n t o lhe lavava os pés.
O artista deve ter ilustrado u m a versão ligeiramente diferente da que lemos
em H o m e r o (onde a a m a tem nome diferente do que está inscrito no vaso e
Eumaios, o g u a r d a d o r de porcos, não está presente)*; talvez ele tivesse visto

55. Detalhe do
desfile de
cavaleiros, friso
de mármore do
Partenon. Cerca
de 440 a. C.
Londres, Museu
Britânico
* Cf. Odisséia, Rapsódia XXII. (N. do T.)
56. Ulisses u m a representação teatral e m que essa cena era i n t e r p r e t a d a , pois l e m b r a m o s
reconhecido por ter sido t a m b é m nesse século q u e os d r a m a t u r g o s gregos c r i a r a m a arte do
sua velha ama. T e a t r o . M a s não necessitamos do texto exato p a r a sentir que algo d r a m á t i c o e
De um vaso de comovente está acontecendo, pois a troca de olhares entre a a m a e o herói
figuras vermelhas, quase que nos diz m a i s do que as p a l a v r a s p o d e r i a m fazê-lo. O s artistas
século Va.C.
gregos t i n h a m , de fato, d o m i n a d o os meios de t r a n s m i t i r algo dos sentimentos
Chiusi, Museu
m u d o s estabelecidos entre pessoas.
Etrusco
É essa c a p a c i d a d e p a r a nos fazer ver a " a t i v i d a d e d a a l m a " n a p o s t u r a
do corpo que converte u m a simples lápide c o m o a da fig. 57 n u m a g r a n d e
o b r a de arte. O relevo mostra-nos Hegeso, que está s e p u l t a d a sob a lápide, tal
como era em vida. U m a jovem serva está d i a n t e dela em pé e oferece-lhe u m
estojo, do qual Hegeso parece escolher u m a jóia. É u m a c e n a t r a n q ü i l a q u e
p o d e r í a m o s c o m p a r a r com a r e p r e s e n t a ç ã o egípcia de T u t a n k h a m e n em seu
trono, com a esposa a j u s t a n d o - l h e a gola (fig. 39, p. 40). T a m b é m a o b r a
egípcia é m a r a v i l h o s a m e n t e clara e m seus contornos, mas, a p e s a r do f a t o de
d a t a r de u m período excepcional d a a r t e egípcia, é b a s t a n t e rígida e a f e t a d a .
O relevo grego desfez-se de t o d a s essas e m b a r a ç o s a s limitações, m a s reteve a
lucidez e a beleza do a r r a n j o , que deixou de ser geométrico e a n g u l a r p a r a se
t o r n a r livre e descontraído. O m o d o c o m o a m e t a d e superior é e m o l d u r a d a
pela curva dos braços das d u a s mulheres, o m o d o c o m o essas linhas são
57. Pedra tumular de Hegeso. Cerca de 420 a.C. Atenas, Museu Nacional
replicadas pelas curvas do escabelo, o m é t o d o simples pelo qual a bela m ã o
de Hegesto se t o r n a o centro de atenção, o o n d e a r das vestes que envolvem as
f o r m a s do corpo, d e s p r e n d e n d o de m a n e i r a tão expressiva u m a p r o f u n d a
sensação de c a l m a — t u d o se c o m b i n a , e n f i m , p a r a p r o d u z i r aquela har-
monia simples que só veio ao m u n d o com a arte grega do século V a . C .
O GRANDE
DESPERTAR

58. Oficina de um escultor grego. Â esquerda: A fundição de bronze com esboços na


parede. Â direita: Homem trabalhando numa estátua sem cabeça, estando esta no
chão. De uma taça grega. Cerca de 480 a.C. Berlim. Museu

<
4. O Reino do Belo

A Grécia e o Mundo Grego:


do Século IV a. C. ao Século I d. C.

59. Um Templo
Jónico: o
Erecteion.
Atenas, Acrópole,
Construído depois
de 420 a.C.
O G R A N D E D E S P E R T A R da arte p a r a a liberdade ocorrera nos cem anos
entre 520 e 420 a . C . , a p r o x i m a d a m e n t e . E m fins do século V, os artistas
tinham-se t o r n a d o p l e n a m e n t e cônscios de seu poder e mestria, e o m e s m o
acontecia com o público. E m b o r a os artistas ainda fossem olhados c o m o
artífices e, talvez, desprezados pelos esnobes, u m n ú m e r o crescente de
pessoas começou a se interessar pelo t r a b a l h o deles c o m o obras de arte e n ã o
apenas por suas funções religiosas ou políticas. As pessoas c o m p a r a v a m os
méritos das várias " e s c o l a s " de arte; quer dizer, dos vários métodos, estilos e
tradições que distinguiam os mestres em diferentes cidades. Não h á dúvida de
que a c o m p a r a ç ã o e a competição e n t r e essas escolas e s t i m u l a r a m o artista
para esforços ainda maiores, e a j u d a r a m a criar aquela variedade que
admiramos na arte grega. E m arquitetura, vários estilos começaram a ser
usados lado a lado. O Partenon fora construído no estilo dórico (fig. 45), mas,
fífá nos edifícios subseqüentes da Acrópole, foram introduzidas as formas do
c h a m a d o estilo jónico. O princípio desses templos é o mesmo dos dóricos,
o REINO mas, em seu todo, a aparência e o caráter são diferentes. O edifício que o
DO BELO mostra com o máximo de perfeição é o templo c h a m a d o Erecteion (fig. 59).
As colunas do templo jónico são muito menos robustas e fortes. São como
hastes mais esguias e o capitel ou remate da coluna deixou de ser u m a simples
almofada sem ornatos p a r a se tornar ricamente decorada com volutas late-
rais, as quais parecem t a m b é m expressar a função da parte que suporta a
viga transversal em que o telhado assenta. A impressão global desses edi-
fícios, com seus detalhes finalmente lavrados, é de infinita graciosidade e
leveza.
O mesmo caráter de graciosidade e leveza marca também a escultura e
pintura desse período, que começa com a geração seguinte à de Fídias.
Atenas, durante este período, esteve envolvida n u m a cruenta guerra com
Esparta, a qual pôs fim à sua prosperidade — e à da Grécia. E m 408 a.C.,
durante um breve interregno de paz, foi erigido na Acrópole um pequeno
templo consagrado à deusa da vitória, e suas esculturas e ornamentos
mostram a m u d a n ç a de gosto, na direção da delicadeza e do refinamento, que
t a m b é m se reflete no estilo jónico. As figuras foram deploravelmente mutila-
das, mas eu gostaria, não obstante, de ilustrar u m a delas (fig. 60), a fim de
mostrar como ainda é bela essa figura destroçada, mesmo sem cabeça nem
mãos. É a figura de u m a jovem, u m a das deusas da vitória, inclinando-se
para atar u m a sandália que se lhe desprendeu enquanto caminhava. Com que
supremo encanto essa p a r a d a súbita é retratada, e com que suavidade e
opulência a túnica diáfana cai sobre o belo corpo! Podemos ver nessas obras
que o artista poderá fazer tudo o que quiser. Já não tinha qualquer difi-
culdade em representar o movimento, a perspectiva ou o escorço. Sua própria
desenvoltura e virtuosismo talvez o tornassem um pouco presunçoso, cons-
ciente de sua própria mestria. O artista do friso do Partenon (fig. 54, p. 60)
não parecia pensar excessivamente acerca de sua arte ou do que estava
fazendo. Sabia que a sua tarefa era representar um desfile e esforçou-se por
representá-lo tão claramente quanto pudesse. Dificilmente estaria cônscio do
fato de que era um grande mestre, sobre quem velhos e jovens, indistinta-
mente, ainda estariam falando milhares de anos depois. O friso do templo da
Vitória mostra-nos, talvez, o início de u m a m u d a n ç a de atitude. Esse artista
estava orgulhoso de seu imenso poder, do que era perfeitamente justo que
estivesse. E assim, gradualmente, durante o século IV, o enfoque da arte
sofreu u m a m u d a n ç a . As estátuas de deuses de Fídias tinham ficado famosas
em toda a Grécia como representações dos deuses. As estátuas dos grandes
templos do século IV g r a n j e a r a m sua reputação mais em virtude de sua
beleza como obras de arte. Os gregos educados discutiam agora pinturas e
estátuas como discutiam poemas e teatro; elogiavam sua beleza ou criticavam
sua forma e concepção.
O maior artista desse século, Praxíteles, era sobretudo célebre pelo
encanto de sua obra, a doçura e caráter insinuante de suas criações. Sua mais
renomada obra, cujo louvor foi cantado em muitos poemas, representava a
deusa do Amor, a jovem Afrodite, entrando no banho. Pensa-se que u m a
O REINO
DO BELO

60. Uma Deusa


da Vitória.
Proveniente da
balaustrada em
torno do Templo
da Vitória em
Atenas. Erigido
em 408 a.C.
obra descoberta em Olímpia no século XIX é u m original saído de suas m ã o s
(figs. 61-2). Mas n ã o p o d e m o s estar certos disso. Pode ser a p e n a s u m a cópia
fiel em m á r m o r e , b a s e a d a n u m a estátua de bronze. R e p r e s e n t a o deus
Hermes segurando o jovem Dioniso nos braços e b r i n c a n d o com ele. Se
olharmos de novo a fig. 47 (p. 49), veremos que e n o r m e distância a arte grega
percorreu em duzentos anos. Na o b r a de Praxíteles, todos os vestígios de
rigidez d e s a p a r e c e r a m . O deus apresenta-se-nos n u m a p o s t u r a solta e descon-
traída que não prejudica a sua dignidade. Mas, se m e d i t a r m o s u m pouco
acerca do modo como Praxíteles obteve esse efeito, começaremos a dar-nos
conta de que nem e n t ã o f o r a esquecida a lição da arte antiga. Praxíteles
O REINO
DO BELO

61. Praxiteles:
cabeça de
Hermes. Detalhe
da fig. 62

t a m b é m se p r e o c u p a em m o s t r a r - n o s as articulações mais i m p o r t a n t e s do
corpo, p a r a nos fazer e n t e n d e r seu f u n c i o n a m e n t o o mais c l a r a m e n t e possível.
Mas pode agora fazer t u d o isso sem m a n t e r sua estátua rígida e i n a n i m a d a .
Pode mostrar os músculos e ossos que se distendem e se movem sob a pele
macia, e d a r a impressão de u m corpo pleno de vitalidade, em toda a sua
graça e beleza. E n t r e t a n t o , é necessário e n t e n d e r que Praxíteles e os outros
artistas gregos atingiram essa beleza através do conhecimento. Não existe
corpo h u m a n o que seja tão simétrico, bem f o r m a d o e belo q u a n t o os das
estátuas gregas. As pessoas p e n s a m f r e q ü e n t e m e n t e que o método e m p r e g a d o
pelos artistas consistia em observarem muitos corpos e deixarem de fora
qualquer característica de que não gostavam; que começavam por copiar
meticulosamente a aparência de um h o m e m real e depois o embelezavam,
omitindo quaisquer irregularidades ou traços que não se h a r m o n i z a s s e m com
a idéia de u m corpo perfeito. Dizem que os artistas gregos " i d e a l i z a r a m " a
natureza, e p e n s a m nisso em termos de u m fotógrafo que retoca um retrato O REINO
eliminando p e q u e n o s defeitos. M a s u m a fotografia retocada e u m a e s t á t u a DO BELO
idealizada carecem u s u a l m e n t e de caráter e vigor. T a n t a coisa fica de fora e é
eliminada que pouco resta a não ser u m pálido e insípido espectro do modelo.
Na verdade, o e n f o q u e grego era e x a t a m e n t e o oposto. D u r a n t e todos esses
séculos, os artistas que vimos discutindo estavam e m p e n h a d o s em insuflar
cada vez mais vida nos corpulentos e s a n h u d o s modelos antigos. No t e m p o de
Praxíteles, esse método produziu seus frutos mais sazonados. Os velhos tipos
c o m e ç a r a m a se mover e a respirar sob as mãos do hábil escultor, e erguem-se
diante de nós como verdadeiros seres h u m a n o s ; mas, ao m e s m o t e m p o , c o m o
seres de u m m u n d o diferente e melhor. São, de fato, seres de u m m u n d o
diferente, não p o r q u e os gregos fossem mais sadios ou mais belos do que

62. Praxíteles:
Hermes com o
jovem Dioniso.
Cerca de 350 a. C.
Olímpia, Museu
63. (esquerda) outros h o m e n s — não existe r a z ã o a l g u m a p a r a p e n s a r que fossem — m a s
Apolo do Belveder. p o r q u e a arte, nesse m o m e n t o , atingira um p o n t o em que o típico e o
Cópia romana em individual e r a m colocados em u m novo e delicado equilíbrio.
mármore (as
mãos são M u i t a s das mais f a m o s a s obras da arte clássica que f o r a m a d m i r a d a s em
modernas), épocas mais recentes c o m o representativas dos mais perfeitos tipos de seres
segundo uma h u m a n o s são cópias ou variantes de e s t á t u a s criadas nesse período, m e a d o s
estátua grega do século IV a . C . O Apolo do Belveder (fig. 63) m o s t r a o modelo ideal do
datando corpo de u m h o m e m . Q u a n d o o temos diante dos olhos, em sua impressio-
provavelmente de
nante pose, s e g u r a n d o o arco no b r a ç o estendido e a cabeça de lado, c o m o se
350 a.C.
estivesse seguindo com a vista a trajetória da flecha, n ã o temos dificuldade
Vaticano, Museu
em reconhecer o t ê n u e eco do antigo e s q u e m a em que a c a d a p a r t e do corpo
64. (direita) A
era d a d o o seu p l a n o visual mais característico. E n t r e as f a m o s a s e s t á t u a s
Vénus de Milo.
clássicas de Vénus, a Vénus de Milo (assim c h a m a d a por ter sido e n c o n t r a d a
Estátua grega do
século I a. C. na ilha de Meios) talvez seja a mais conhecida (fig. 64). Pertenceu provavel-
Provavelmente mente a u m g r u p o de V é n u s e C u p i d o que foi realizado n u m período algo
imitação de uma mais recente, mas que usou as inovações e os métodos de Praxíteles. T a m b é m
obra do século IV. foi idealizada p a r a ser vista de lado ( V é n u s estendia os braços p a r a Cupido) e
Paris, Louvre podemos u m a vez mais a d m i r a r a clareza e simplicidade com que o artista
modelou o belo corpo, o modo como marcou suas principais divisões, sem
jamais se tornar desarmonioso ou vago.
É claro, esse método de criar beleza através da realização de u m a figura
geral e esquemática que se vai tornando cada vez mais real até a superfície do
mármore parecer animada de vida e respirar tem um inconveniente. Era
O REINO
possível criar tipos humanos convincentes por esse meio — mas tal método
DO BELO
levaria alguma vez à representação de seres humanos individuais e reais? Por
estranho que tal nos pareça, a idéia de um retrato, na acepção em que
usamos hoje a palavra, só viria a ocorrer aos gregos j á em fins do século IV.
É certo haver notícia de retratos feitos em épocas anteriores (fig. 52, p. 57),
mas essas estátuas não eram provavelmente representações muito fiéis. O
retrato de um general pouco mais era do que a imagem de qualquer soldado
de boa aparência, com um elmo e um bastão. O artista nunca reproduzia o
formato do nariz, as rugas da testa ou a expressão individual do retratado.
É um fato estranho, que ainda não examinamos, terem os artistas gregos, nas
obras que vimos, evitado dar às cabeças u m a expressão particular. Isso é
realmente mais surpreendente do que parece à primeira vista, pois é quase
impossível rabiscarmos qualquer rosto simples n u m a folha de rascunhos sem
lhe incutir alguma expressão marcada (usualmente u m a expressão divertida).
As cabeças de estátuas ou pinturas gregas do século V, é claro, não são
inexpressivas no sentido de parecerem opacas ou vazias, mas suas feições
nunca parecem expressar qualquer emoção forte. Era o corpo e seus movi-
mentos que esses mestres usavam para expressar o que Sócrates chamou " a
atividade da a l m a " (fig. 56, p p . 61-2), porquanto pressentiam que o jogo
fisionômico iria distorcer e destruir a simples regularidade da cabeça.

Na geração que se seguiu a Praxíteles, em fins do século IV, essa


limitação foi gradualmente desfeita e os artistas descobriram meios de animar
as feições sem lhes destruir a beleza. Mais do que isso; aprenderam como
captar a atividade da alma de um indivíduo, o caráter particular de u m a
fisionomia, e começaram a fazer retratos em nossa acepção da palavra. Foi na
época de Alexandre que as pessoas começaram a discutir essa nova arte
do retrato. Um autor desse período, caricaturando os hábitos irritantes de
aduladores e subservientes, menciona que eles sempre explodem em sonoros
elogios à impressionante parecença dos retratos de seus patronos e ben-
feitores. O próprio Alexandre preferia ser retratado por seu escultor pala-
ciano, Lisipo, o mais célebre artista da época, cuja fidelidade ao natural
espantava os seus contemporâneos. Pensa-se que o seu retrato de Alexandre
está refletido n u m a cópia livre (fig. 65), a qual nos mostra até que ponto a
arte tinha m u d a d o desde o tempo do auriga délfico, ou mesmo desde o tempo
de Praxíteles, que era apenas u m a geração mais velho do que Lisipo. É claro,
o problema com todos os retratos antigos é que não podemos realmente nos
pronunciar sobre a sua parecença — muito menos, de fato, do que o adulador
na história. Talvez se pudéssemos ver u m a foto de Alexandre descobríssemos
que ela era muito diferente do busio. Possivelmente, as estátuas de Lisipo
assemelhavam-se muito mais a um deus do que ao que o conquistador da
Asia era na realidade. Mas podemos dizer sem constrangimento: um homem
como Alexandre, um espírito inquieto, imensamente talentoso, mas algo
estragado pelo êxito, poderia parecer-se com esse busto, com seu supercílio
altivamente erguido e sua expressão vigorosa.
O REINO
DO BELO

65. Cabeça de
Alexandre
Magno.
Provavelmente
uma versão de um
retrato por Lisipo.
Cerca de 330 a. C.
Istambul, Museu
A f u n d a ç ã o de u m império p o r Alexandre foi u m evento s u m a m e n t e
i m p o r t a n t e p a r a a arte grega, que de ser a p r e o c u p a ç ã o de u m p u n h a d o de
p e q u e n a s cidades se converteu desse m o d o na linguagem pictórica de quase
m e t a d e do m u n d o . Referimo-nos s o b r e t u d o a essa arte do período subse-
qüente não como arte grega, m a s como arte helenística, por ser esse o n o m e
u s u a l m e n t e d a d o aos impérios f u n d a d o s pelos sucessores de Alexandre em
solo oriental. As o p u l e n t a s capitais desses impérios, Alexandria no Egito,
Antioquia n a Síria e P é r g a m o n a Ásia M e n o r , fizeram aos artistas exigências
diferentes d a q u e l a s que estavam a c o s t u m a d o s na Grécia. M e s m o n a arqui-
tetura, as f o r m a s simples e robustas do estilo dórico e a graciosidade n a t u r a l
do estilo jónico não e r a m b a s t a n t e s . Preferiu-se u m a nova f o r m a de coluna, a
qual tinha sido inventada em começos do século IV e d e n o m i n a d a em
h o m e n a g e m à rica cidade e empório mercantil de Corinto (fig, 66). No estilo
coríntio, foi adicionada folhagem às volutas espiraladas jónicas p a r a decorar
o capitel, e havia geralmente o r n a m e n t o s mais numerosos e mais ricos em
todo o edifício. Esse m o d o luxuoso harmonizava-se com as suntuosas cons- ~J ^
truções que f o r a m e s p a l h a d a s em vasta escala pelas r e c é m - f u n d a d a s cidades
do Oriente Próximo. Poucas dentre elas f o r a m preservadas, mas o que resta o REINO
de períodos subseqüentes dá-nos u m a impressão de g r a n d e magnificência e DO BELO
esplendor. Os estilos e invenções da arte grega f o r a m aplicados à escala dos
reinos orientais e de acordo com as suas tradições.
Disse eu que a arte grega, como u m todo, estava destinada a sofrer u m a
p r o f u n d a m u d a n ç a no período helenístico. Essa m u d a n ç a pode ser n o t a d a em
algumas das mais f a m o s a s esculturas dessa era. U m a delas é u m altar
proveniente da cidade de Pérgamo, o qual foi erigido por volta de 170 a.C.
(fig. 67). O grupo representa a luta entre os deuses e os gigantes. É u m
trabalho suntuoso, m a s procura-se em vão a h a r m o n i a e o r e f i n a m e n t o da
anterior escultura grega. O artista visou, obviamente, a o b t e n ç ã o de fortes
efeitos dramáticos. A b a t a l h a desenrola-se com violência terrível. Os desajei-
tados gigantes são e s m a g a d o s pelos deuses triunfantes e o l h a m p a r a o alto
num desespero agônico. T u d o está cheio de movimento desordenado e vestes
esvoaçantes. P a r a t o r n a r o efeito a i n d a mais impressionante, o relevo deixou
de ser a c h a t a d o contra o p l a n o de f u n d o p a r a se c o m p o r de figuras quase

66. Capitel
"Coríntio".
Encontrado em
Epidauro. Cerca
de 300 a.C.
Epidauro, Museu
soltas, as quais, em sua luta, p a r e c e m t r a n s b o r d a r p a r a os degraus do altar,
como se pouco lhes importasse s a b e r e m a que p e r t e n c i a m . A arte helenística
adorava tais o b r a s t u m u l t u o s a s e veementes; desejavaj>er i m p r e s s i o n a n t e . . . e
impressionante ela era, por certo.
Algumas das o b r a s da escultura clássica que d e s f r u t a r a m maior f a m a ,
O REINO em épocas ulteriores, f o r a m criadas d u r a n t e o período helenístico. Q u a n d o o
DO BELO g r u p o de Laocoonte (fig. 68) foi descoberto em 1506, seu efeito trágico causou
p r o f u n d o i m p a c t o emocional nos artistas e a m a n t e s de arte. O g r u p o repre-
senta a terrível cena que é t a m b é m descrita na Eneida, de Virgílio: o
sacerdote troiano Laocoonte advertiu seus c o m p a t r i o t a s p a r a que n ã o acei-
tassem o cavalo de m a d e i r a em que estavam escondidos os soldados gregos.
Os deuses que viram seus planos de destruição de Tróia c o n t r a r i a d o s envia-
ram d u a s gigantescas serpentes-do-mar que a p a n h a r a m o sacerdote e seus
dois infelizes filhos em seus anéis e os e s t r a n g u l a r a m . É u m a das histórias de
a b s u r d a crueldade p e r p e t r a d a pelos deuses olímpicos contra pobres mortais, e
que são m u i t o f r e q ü e n t e s nas mitologias grega e latina. G o s t a r í a m o s de saber
como a história impressionou o artista grego que concebeu esse impressio-
n a n t e g r u p o . Q u e r e r i a ele que sentíssemos o horror de u m a cena em que se
fez sofrer u m a vítima inocente por ter f a l a d o a verdade? O u quereria,
67. Os Deuses principalmente, exibir seu p r ó p r i o p o d e r de representar u m a luta a t e r r a d o r a e
combatendo os algo sensacional e n t r e h o m e m e besta? Ele tinha todas as razões p a r a se
Gigantes. Do orgulhar de sua h a b i l i d a d e . A m a n e i r a c o m o os músculos do tronco e dos
altar de Zeus em braços t r a n s m i t e m a idéia de esforço e sofrimento da luta desesperada, a
Pérgamo. Erigido
expressão de dor no rosto do sacerdote, as contorções impotentes dos dois
cerca de 170 a. C.
r a p a z e s e o m o d o que todo esse movimento e agitação foi imobilizado n u m
Berlim,
Pergamon- g r u p o p e r m a n e n t e , têm excitado a a d m i r a ç ã o constante desde então. M a s n ã o
Museum posso deixar de suspeitar, por vezes, de que era u m a arte c u j a intenção
O REINO
DO BELO

68. Laocoonte e
seus filhos. Grupo
em mármore
proveniente da
oficina de
HAGESANDRO,
ATENODORO e
POLIDORO de
Rodes. Cerca de
25 a. C. Vaticano,
Museu
consistia em atrair u m público que t a m b é m se deleitava no horrível espe-
táculo das lutas de gladiadores. Talvez seja errôneo recriminar o artista por
isso. O fato é que provavelmente nessa época, o período do Helenismo, a arte
já perdera largamente suas antigas vinculações com a magia e a religião. Os
artistas p a s s a r a m a interessar-se pelos p r o b l e m a s de seu ofício em termos de
arte pela arte, e o p r o b l e m a de como representar tão d r a m á t i c a luta com todo
o seu movimento, sua expressão e tensão, era j u s t a m e n t e o tipo de t a r e f a que
testaria a audácia e a t ê m p e r a de u m artista. Os acertos ou erros do destino
reservado a Laocoonte p o d e m não ter ocorrido sequer ao espírito do escultor.
Foi nessa época, e nessa atmosfera, que as pessoas ricas c o m e ç a r a m a
colecionar obras de arte, m a n d a n d o copiar as mais f a m o s a s se não pudessem
obter as originais, e p a g a n d o preços fabulosos pelas que p o d i a m adquirir. Os
escritores c o m e ç a r a m a interessar-se por arte e escreveram sobre as vidas de
artistas, colecionaram a n e d o t a s sobre suas excentricidades e c o m p u s e r a m

.
69. Donzela colhendo flores. Mural proveniente de Stabiae. Século I d.C. Nápoles, Museo Nazionale
guias p a r a turistas. Muitos dos mestres mais famosos entre os antigos e r a m
pintores e não escultores, e n a d a sabemos a respeito de suas obras, exceto o
que e n c o n t r a m o s naqueles excertos de livros clássicos de arte que c h e g a r a m
até nós. T a m b é m sabemos que esses pintores estavam mais interessados nos ~J~J
problemas especiais de seu ofício do que em pôr sua arte a serviço de u m a
finalidade religiosa. Ouvimos de mestres que se especializaram em t e m a s O REINO
inspirados na vida cotidiana, que p i n t a r a m b a r b e a r i a s ou cenas de peças DO BELO
teatrais, mas todas essas p i n t u r a s estão perdidas p a r a nós. A única m a n e i r a
pela qual podemos f o r m a r a l g u m a idéia sobre o caráter da antiga p i n t u r a é
observando as p i n t u r a s m u r a i s e os mosaicos que f o r a m descobertos em
Pompéia e alhures. P o m p é i a era u m a cidade de c a m p o h a b i t a d a p o r famílias
a b a s t a d a s e foi soterrada pelas cinzas do Vesúvio em 79 d.C. Q u a s e todas as
casas e villas nessa cidade t i n h a m p i n t u r a s murais, colunas e galerias
pintadas, imitações de q u a d r o s e m o l d u r a d o s e de palcos teatrais. Nem todas
essas p i n t u r a s , evidentemente, e r a m obras-primas, e m b o r a s u r p r e e n d a ver o
grande n ú m e r o de boas o b r a s que havia n u m a cidade p e q u e n a e p o u c o
i m p o r t a n t e . Dificilmente f a r í a m o s tão boa figura se u m a de nossas estâncias
litorais de veraneio viesse a ser escavada pela posteridade. O s decoradores de
interiores de Pompéia e cidades vizinhas desenhavam livremente, é claro,
apoiados no estoque de invenções dos grandes artistas helénicos. E n t r e m u i t a
coisa que é trivial descobrimos por vezes u m a figura de r e q u i n t a d a beleza e
graciosidade, como a fig. 69, que representa u m a das H o r a s colhendo u m
botão de flor como se executasse u m a d a n ç a . O u s u r p r e e n d e m o s detalhes
como a cabeça de u m f a u n o (fig. 70), de o u t r a p i n t u r a , os quais nos
propiciam u m a idéia do domínio e liberdade que esses artistas haviam
adquirido na m a n i p u l a ç ã o d a expressão.
Q u a s e todas as espécies de coisas suscetíveis de participar de u m a
p i n t u r a serão e n c o n t r a d a s nesses m u r a i s decorativos. Bonitas naturezas-
mortas, por exemplo, como dois limões n u m copo de á g u a , e cenas com
animais. Já existiam ali, inclusive, p i n t u r a s de paisagens. Talvez t e n h a sido
essa a maior inovação do período helenístico. A antiga arte oriental não t i n h a
uso p a r a as paisagens, exceto como m o l d u r a p a r a as suas cenas de vida
h u m a n a ou de c a m p a n h a s militares. Q u a n t o à arte grega, nas épocas de
Fídias ou de Praxíteles, o h o m e m continuou sendo o t e m a principal de
interesse do artista. No período helenístico, a época em que poetas c o m o
Teócrito descobriram o e n c a n t o da vida simples entre pastores, os artistas
t a m b é m t e n t a r a m evocar os prazeres da existência c a m p e s t r e p a r a os sofisti-
cados h a b i t a n t e s d a cidade. Essas p i n t u r a s não são vistas reais de determi-
n a d a s casas de c a m p o ou bonitas paisagens. São, antes, coleções de t u d o o
que se compõe u m a cena idílica, pastores e gado, e r m i d a s rústicas, palacetes
e m o n t a n h a s distantes (fig. 71). T u d o estava e n c a n t a d o r a m e n t e disposto
nesses quadros, e todas as peças c o m p o n e n t e s se a p r e s e n t a v a m em seus
melhores aspectos. Sentimos realmente estar o l h a n d o p a r a u m a cena de
p r o f u n d a serenidade. Não obstante, m e s m o essas o b r a s são m u i t o menos
realistas do que p o d e r í a m o s p e n s a r à primeira vista. Se começássemos a fazer
p e r g u n t a s e m b a r a ç o s a s , ou tentássemos desenhar u m m a p a da localidade,
não t a r d a r í a m o s em descobrir que isso era impossível de se fazer. I g n o r a m o s
que distância existirá entre o p e q u e n o s a n t u á r i o e o palacete, e se a p o n t e está
perto ou longe do s a n t u á r i o . O fato é que os artistas do período helenístico
desconheciam o que c h a m a m o s as leis da perspectiva. A f a m o s a avenida de
choupos, que se a f a s t a até u m p o n t o de f u g a e que todos d e s e n h a m o s na
escola, n ã o constituía e n t ã o u m a t a r e f a corrente. Os artistas d e s e n h a v a m as
coisas distantes p e q u e n a s e as coisas perto ou i m p o r t a n t e s grandes, m a s a lei
78 da diminuição regular de objetos à m e d i d a que ficavam mais distantes, o
e n q u a d r a m e n t o fixo e m que p o d e m o s representar u m a vista, n ã o era a d o t a d a
O REINO pela a n t i g u i d a d e clássica. Com efeito, mais de mil anos t r a n s c o r r e r i a m antes
DO BELO QUE a lei passasse a ser a p l i c a d a . Assim, m e s m o as o b r a s mais recentes, mais
inovadoras e confiantes da a r t e antiga preservam ainda, pelo menos, u m
remanescente do princípio que discutimos em nossa descrição da p i n t u r a
egípcia. O c o n h e c i m e n t o do c o n t o r n o característico de c a d a objeto a i n d a
contava t a n t o q u a n t o a impressão real recebida através dos olhos. Reconhe-
cemos há m u i t o t e m p o que essa q u a l i d a d e n ã o é u m defeito e m o b r a s de arte,
a ser l a m e n t a d o e o l h a d o com sobranceria, mas que é possível atingir a
perfeição artística d e n t r o de q u a l q u e r estilo. Os gregos r o m p e r a m os rígidos
tabus do primitivo estilo oriental e e n v e r e d a r a m por u m r u m o de descoberta a

70. Cabeça de um
fauno. Detalhe
de um mural de
Herculano.
Provavelmente
cópia de uma
pintura
pergamena
datando do século
II a. C. Nápoles,
Museo Nazionale
fim de acrescentarem às imagens tradicionais do m u n d o u m n ú m e r o c a d a vez 71. Paisagem.
maior de características obtidas através d a observação. M a s suas o b r a s n u n c a Mural. Século
se parecem com espelhos em que se refletem todos os recantos, a i n d a os mais I d.C. Roma,
casuais ou insólitos, da n a t u r e z a . O s t e n t a m sempre o c u n h o do intelecto que Villa Albani
as criou.

72. Escultor grego trabalhando.


Gema helenística. Nova York,
Metropolitan Museum of Art
5. Conquistadores do Mundo

Romanos, Budistas, Judeus e Cristãos,


Séculos I a IV d. C.

73.Um anfiteatro
romano: o Coliseu
em Roma.
Construído cerca
de 80 d. C.

JÃ V I M O S que P o m p é i a , que era u m a cidade r o m a n a , c o n t i n h a muitos


reflexos da arte helenística. Com efeito, a arte manteve-se mais ou m e n o s
inalterada e n q u a n t o os r o m a n o s conquistavam o m u n d o e f u n d a v a m seu
próprio império sobre as r u í n a s dos reinos helénicos. A maioria dos artistas
que t r a b a l h a v a m em R o m a e r a m gregos e a maior p a r t e dos colecionadores
r o m a n o s c o m p r a v a o b r a s dos g r a n d e s mestres gregos ou cópias das m e s m a s .
Não obstante, a arte m u d o u , em certa m e d i d a , q u a n d o R o m a se tornou a
senhora do m u n d o . Os artistas r e c e b e r a m novas t a r e f a s e tiveram de a d a p t a r
seus métodos nessa c o n f o r m i d a d e . A mais notável realização dos r o m a n o s foi,
provavelmente, no domínio da e n g e n h a r i a civil. C o n h e c e m o s t u d o sobre
as suas estradas, seus a q u e d u t o s , seus b a n h o s públicos. M e s m o as ruínas
dessas construções a i n d a conservam u m aspecto e x t r e m a m e n t e impressio-
n a n t e . Sentimo-nos formigas q u a n d o c a m i n h a m o s em R o m a entre seus
enormes pilares. F o r a m essas ruínas, de fato, que t o r n a r a m impossível às
gerações seguintes esquecer " a g r a n d e z a de R o m a " .
O mais f a m o s o desses edifícios r o m a n o s é, talvez, a gigantesca a r e n a
conhecida c o m o o Coliseu (fig. 73). É u m a característica edificação r o m a n a ,
que excitou g r a n d e a d m i r a ç ã o em épocas subseqüentes. E m seu todo, cons-
74. Interior do Panteão em Roma, construído por volta de 130 d.C. Pintura do
século XVIII, de autoria de G. P. Pannini. Washington, National Gallery of Art
titui u m a estrutura utilitária, com três ordens de arcos sobrepostos, a fim de
sustentarem os assentos do vasto anfiteatro interior. Mas, na frente desses
arcos, q_arquiteto romano colocou u m a espécie de cortina de formas gregas.
8 2 Com efeito, aplicou todos os três estilos de construção usados p a r a os templos
gregos. O a n d a r térreo é u m a variação do estilo dórico, sendo conservados
CONQUIS- inclusive as métopes e os tríglifos; o segundo andar é jónico, e o terceiro e o
TADORES quarto são meias colunas coríntias. Essa combinação de estruturas romanas
DO MUNDO com formas ou " o r d e n s " gregas teve u m a enorme influência nos arquitetos
subseqüentes. Se passarmos os olhos pelas nossas próprias cidades, pode-
remos ver facilmente exemplos dessa influência.
Talvez n e n h u m a dessas criações arquitetônicas tenha causado impressão
mais d u r a d o u r a do que os arcos triunfais que os romanos erigiram em todo o
império, na Itália, França (fig. 75), Norte da África e Ásia. A arquitetura
grega tinha sido geralmente composta em unidades idênticas, e o mesmo é
válido até p a r a o Coliseu; mas os arcos triunfais usam as ordens para
emoldurar e acentuar a grande portada central, e p a r a flanqueá-la com
aberturas menores. Era um arranjo que podia ser usado p a r a fins de
composição arquitetural, como u m a corda é usada em música.
A mais importante característica da arquitetura romana, entretanto, é o
uso de arcos. Essa invenção desempenhou escasso ou n e n h u m papel nas
construções gregas, embora fosse possivelmente conhecida dos arquitetos
gregos. Construir um arco com pedras separadas em forma de cunha é u m a
proeza muito difícil de engenharia. U m a vez dominada essa arte, o construtor
pode utilizá-la para projetos cada vez mais audaciosos. Pode estender os
pilares de u m a ponte ou de um aqueduto, ou fazer até uso desse recurso p a r a
construir um teto em abóbada. Os romanos tornaram-se grandes especialistas
na arte de construir abóbadas, graças a vários expedientes técnicos. O mais
extraordinário desses edifícios é o Panteão, ou templo de todos os deuses. E o
único templo da antiguidade clássica que sempre se conservou como lugar de
culto; foi convertido em igreja no início da era cristã e, portanto, nunca se
permitiu que caísse em ruínas. O seu interior (fig. 74) é u m a gigantesca
rotunda com teto em a b ó b a d a e u m a abertura circular no topo, através da
qual se vê o céu aberto. Não tem janelas, mas todo o recinto recebe luz
abundante e uniforme do alto. Conheço poucos edifícios que transmitam
semelhante impressão de serena harmonia. Não há qualquer sensação de peso
agressivo. O enorme zimbório parece pairar livremente sobre nossas cabeças
como u m a segunda a b ó b a d a celeste.
Era típico dos romanos adotarem da arquitetura grega aquilo de que
gostavam e aplicá-lo às suas próprias necessidades. Fizeram o mesmo em
todos os campos. U m a de suas principais necessidades era de bons retratos
que representassem fielmente os modelos reais. Esses retratos haviam desem-
penhado um papel na religião primitiva dos romanos. Tinha sido costume
transportar imagens em cera dos ancestrais nas procissões fúnebres. Restam
poucas dúvidas de que esse costume estivera relacionado com a crença em que
a representação em imagem preserva a alma, crença essa que j á conhecemos
do antigo Egito. Depois, q u a n d o Roma se converteu n u m império, o busto de
um imperador ainda era olhado com religioso temor. Sabemos que todos os
romanos tinham de queimar incenso diante desse busto, como símbolo de sua
lealdade e vassalagem, e que a perseguição aos cristãos se iniciou porque estes
se recusavam a cumprir tal exigência. O detalhe curioso é que, apesar da
CONQUIS-
TADORES
DO MUNDO

75. O Arco
Triunfal de
Tibério (reinou
14-37 d.C.).
Orange, Sul da
França

significação solene dos retratos, os r o m a n o s p e r m i t i r a m que seus artistas os


fizessem mais realistas e m e n o s lisonjeiros do que os gregos j a m a i s t e n t a r a m
fazê-lo. Talvez usassem, por vezes, m á s c a r a s m o r t u á r i a s e adquirissem assim
um s u r p r e e n d e n t e conhecimento da e s t r u t u r a e características da cabeça
h u m a n a . Seja como for, conhecemos P o m p e u , Augusto, Tito ou Nero, quase
como se tivéssemos visto seus rostos n u m telejornal. Não existe s o m b r a de
adulação no busto de Vespasiano (fig. 77) - n a d a que o marcasse como um
deus. Poderia ser q u a l q u e r próspero b a n q u e i r o ou proprietário de u m a
c o m p a n h i a de navegação. C o n t u d o , n a d a existe de m e s q u i n h o nesses retratos
76. Retrato de um homem. De uma múmia encontrada em Hawara (Egito), pintado
cerca de 150 d. C. Londres. Museu Britânico (em empréstimo da National Gallery)
CONQUIS-
TADORES
DO MUNDO

77. O Imperador
Vespasiano.
Busto em
tamanho superior
ao natural, cerca
de 70 d. C.
Nápoles, Museo
Nazionale

romanos. Os artistas conseguiram, de algum modo, ser n a t u r a i s sem cair no


trivial.
O u t r a t a r e f a nova de q u e os r o m a n o s i n c u m b i r a m os artistas reviveu u m
costume que conhecemos do antigo Oriente (fig. 43, p. 44). Eles t a m b é m
quiseram p r o c l a m a r suas vitórias e contar a história de suas c a m p a n h a s
militares. T r a j a n o , p o r exemplo, erigiu u m a coluna gigantesca p a r a m o s t r a r
toda a crônica ilustrada de suas guerras e vitórias na Dácia (a Romênia
moderna). Aí vemos legionários r o m a n o s e m b a r c a n d o , a c a m p a n d o e comba-
tendo (fig. 78). Todos os recursos e realizações de séculos de arte grega f o r a m
utilizados nessas verdadeiras f a ç a n h a s de reportagem de guerra. M a s a
CONQUIS-
TADORES
DO MUNDO

78. A parte
inferior da coluna
de Trajano, em
Roma.
Inaugurada em
114 d.C.

i m p o r t â n c i a que os r o m a n o s a t r i b u í a m a u m a r e p r o d u ç ã o exata de todos os


pormenores, e a u m a narrativa clara que gravasse as proezas da c a m p a n h a e
impressionasse os que t i n h a m ficado em casa, modificou o c a r á t e r da arte.
A principal finalidade deixou de ser a h a r m o n i a , a beleza da expressão
d r a m á t i c a . Os r o m a n o s e r a m u m povo prosaico, de g r a n d e sentido prático, e
pouco se i m p o r t a v a m com deuses fantasiosos. E n t r e t a n t o , seus métodos
pictóricos de n a r r a r as f a ç a n h a s do herói p r o v a r a m ser de g r a n d e valor p a r a
as religiões que e n t r a r a m em contato com o extenso império.
Nos primeiros séculos depois de Cristo, a arte helenística e r o m a n a
desalojou c o m p l e t a m e n t e as artes dos reinos orientais, até m e s m o em seus
anteriores b a l u a r t e s . Os egípcios a i n d a sepultavam seus mortos como m ú -
mias; c o n t u d o , em vez de lhes adicionarem imagens no estilo egípcio,
p a s s a r a m a pintá-las por artistas que conheciam todos os e s t r a t a g e m a s da

J
arte grega do retrato (fig. 76). Esses retratos, que e r a m c e r t a m e n t e feitos por
humildes artífices a u m baixo preço, a i n d a hoje nos s u r p r e e n d e m por seu
vigor e realismo. H á poucas obras de arte antiga que p a r e ç a m tão " m o d e r -
n a s " q u a n t o essas. 87
Os egípcios não f o r a m os únicos a a d a p t a r os novos métodos de arte às
suas necessidades religiosas. M e s m o n a distante í n d i a , o m o d o r o m a n o de CONQUIS-
contar u m a história e glorificar u m herói foi a d o t a d o por artistas que se TA DORES
DO MUNDO
Propuseram a t a r e f a de ilustrar a história de u m a conquista pacífica: a
história do B u d a .
A arte d a escultura t i n h a florescido na í n d i a muito antes dessa influência
helenística chegar ao país; m a s foi n a região fronteiriça de G â n d a r a que a
figura do B u d a foi pela primeira vez m o s t r a d a nos relevos que p a s s a r a m a ser
o modelo p a r a a arte b u d i s t a posterior. A fig. 79 representa o episódio da
lenda do B u d a conhecido pelo nome de A G r a n d e Renúncia.
O jovem príncipe G á u t a m a está deixando o palácio dos pais p a r a se fazer
eremita na floresta. Assim se dirige ao seu cavalo favorito, K a n t h a k a : " M e u
Querido K a n t h a k a , por favor, carrega-me u m a vez mais, somente por esta
noite. Q u a n d o me tiver t o r n a d o o B u d a com a tua a j u d a , trarei a salvação ao
m u n d o de deuses e h o m e n s " . Se K a n t h a k a tivesse a p e n a s relinchado ou feito
ruído com os cascos, a cidade teria a c o r d a d o e a partida do príncipe seria
descoberta. Assim, os deuses a b a f a v a m - l h e a voz e colocavam as m ã o s sob os
cascos do animal, sempre que este dava um passo.

79. Gáutama
(Buda)
abandonando sua
casa. Relevo
encontrado em
Gândara (índia
setentrional),
cerca do século
Ild.C. Calcutá,
Museu Indiano
A arte grega e r o m a n a , que e n s i n a r a o h o m e m a visualizar deuses e
heróis com belas f o r m a s , t a m b é m a j u d o u os indianos a criar u m a i m a g e m do
seu Salvador. A bela cabeça do B u d a , com sua expressão de p r o f u n d o
88 repouso e serenidade, t a m b é m foi feita nessa região fronteiriça de G â n d a r a
(fig. 8 0 ) . - 3. JJJRQrçB-
CONQUIS- Ainda o u t r a religião oriental que a p r e n d e u a representar suas histórias
TADORES sagradas p a r a instrução dos crentes foi(a j u d a i c a ? Na realidade, a j x i Judaica
DO MUNDO proibia a realização de imagens, CQM_jemo de que os judeus caíssem n a
idolatria. E n t r e t a n t o , as colônias j u d a i c a s nas c i d M e s _ x L a ^ j j s m t e i r a l e s t e

80. Cabeça de
Buda.
Encontrada em
Gândara (índia
setentrional).
Feita
aproximadamente
no século III d. C.
Londres, Victoria
and Albert
Museum

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