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os dois períodos democráticos experimentados
pelo nosso país. Tanto o regime populista que
vigorou entre 1946 e 1964, quanto a ordem
REVISTA TRÊS PONTOS C E N T R O A C A O Ê M I C O O E C I Ê N C I A S S O C I A I S
democrática inaugurada em 1988, foram marca- sobre a agenda legislativa impede que este tipo
dos por governos de coalizão (Abranches, 19881. de estratégia seja dominante". Os autores ar-
Visando obter maioria parlamentar que lhes per- gumentam que, além do controle sobre o acesso
mitam aprovar sua agenda, os presidentes "con- a lista de candidaturas, outros meios podem ser
vidam" os partidos, ou facções dos mesmos, para utilizados para manter as bancadas disciplinadas.
integrar sua base de apoio parlamentar já que o O principal mecanismo seria o controle da agenda
quadro multipartidário torna quase impossível exercido pelos líderes partidários que, por essa
a existência de governos unipartidários e, faz via, reduziriam as oportunidades para a ação indi-
com que, mesmo as coalizões eleitorais tenham vidualista dos parlamentares e contribuiriam para
dificuldades para conquistar amplas maiorias no o sucesso na aprovação da agenda apresentada
legislativo. pelo Executivo.
A costura da coalizão pode ser feita através A seguir, utilizaremos essas discussões como
de acordos políticos e/ou de patronagem. De toda pano de fundo para a leitura analítica do primeiro
forma, o presidente negocia com os partidos ofe- biênio do Governo Lula. Nosso argumento é que
recendo-lhes postos ministeriais e/ou nas esta- os resultados positivos obtidos pelo Governo neste
tais, em troca de apoio para a aprovação de sua período não estão só relacionados à estruturação
agenda. O bom funcionamento de tal mecanismo de sua coalizão, aos resultados eleitorais do PT
depende de bancadas disciplinadas. Portanto, para a Câmara e à popularidade alcançada pelo
a dispersão advinda do cenário eleitoral e que Presidente Lula, mas também à emergência de
dificulta a formação de bancadas governistas um novo cenário político onde o PT, figurando pela
majoritárias, podem ser contrabalançados pela primeira vez corno principal partido da situação,
distribuição de cargos políticos. Como mostra- compõe uma coalizão pragmática ampla e distribui
remos adiante, o governo Lula não se apresenta os ministérios dando ênfase à sua legenda2 .
como exceção à regra. O presente artigo desenvolve-se em torno do
Por fim, o terceiro argumento admite que conceito de Presidencialismo de Coalizão cunhado
mesmo· considerados os elementos acima, o por Sérgio Abranches. Procuraremos apresentar
arranjo institucional brasileiro, no que concerne a coligação eleitoral que elegeu o Presidente Lula
a organização dos trabalhos legislativos, conce- e a coalizão que sustentou seu primeiro biênio
de poderes de agenda ao Colégio de Líderes e de governo, de forma a identificar os principais
a Mesa Diretora. Segundo Figueiredo e Limongi atores políticos envolvidos neste processo. Utili-
(1 9991 "não é necessário que a disciplina parti- zando dois expressivos exemplos, chamaremos à
dária seja gerada fora do Congresso, na arena atenção para o sucesso obtido pelo Governo Lula
eleitoral, L .. l mesmo admitindo que a legislação · no que se refere à aprovação de sua agenda go-
eleitoral brasileira leva os parlamentares a culti- vernativa. Por fim, focaremos nossa análise nas
var 'o voto pessoal', não será ocioso lembrar que contradições existentes na formatação da coa-
as políticas de cunho distributivista que garan- lizão do Governo Lula que acabaram deflagrando
tem este tipo de conexão eleitoral dependem do uma quase paralisia do Executivo no Congresso
acesso à arena decisória. O controle centralizado nos dois últimos anos de mandato petista.
2 O PT se torna a princi-
pal figura da situação por ser
o partido do Presidente, e o
PSDB configura-se como o
principal partido da oposição
já que esta é a agremiação
que polariza a disputa elei-
toral presidencial com o PT
desde 1994.
fi
..: -
Ruim Péssimo
Tal fato não é novidade no cenar1o político
Bom ótimo Regular
brasileiro. Sérgio Abranches (19881 cunhou a
Sobre a pesquisa: pesquisa realizada de 4 a 8 de dezembro de
2003. Forma feitas 2mil entrevistas em 145 municipios do pais expressão "Presidencialis mo de Coalizão" para
com eleitores de 16 anos ou mais. A margem de erro é de 2,2 demonstrar que em decorrência das caracterís-
pontos percentuais e o grau de confiança é de 95%
ticas heterogêneas de nossa estrutura social e
Fonte: IBOPE dos elementos dispersivos de constituição· dos
órgãos decisórios, o Executivo é organizado com
No entanto, devido às características de nos- base em grandes coalizões partidárias visando
so sistema eleitoral e partidário, as regras que superar os entraves gerados na relação entre
transformam votos em cadeiras legislativas não este poder e o Legislativo. Segundo o autor, as
3 IBOPE. Pesquisas de refletiram este mesmo desejo. Diferentemente coalizões são costuradas levando-se em conside-
Opiião. 2002 e 2003 do que se observou na eleição presidencial, a ração duas dimensões: (11 a dimensão partidária,
4idem. composição de forças na Câmara dos Deputa- que envolveria aproximação de forças ideologi-
dos não conferiu maioria parlamentar em torno camente próximas; e (21 a dimensão regional I
5 Vale mencionar
verbete "Presidencialismo do projeto lançado pelo Executivo. Como mostra estadual. Explicando o Brasil de 46-64, o autor
de Coalizão" publicado na
Folha de São Paulo, caderno
a tabela 1 o PT (Partida· dos Trabalhadores) só afirma que desde aquele período o país sempre
MAIS, do dia 26/06/2005 em conseguiu ocupar 17,7% das cadeiras em tal experimentou coalizões sobre dimensionadas:
que Fabiano Santos sinaliza
a possibilidade de governos casa. Em comparação, o PFL (Partido da Frente "(. .. ) em nenhum caso, o governo sustentou-se
de minoria. Liberal) conquistou 16,4%. Ou seja, a correlação em coalizões mínimas L .. l o cálculo dominante
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de forças resultant~ das eleições proporcionais req'ueria coalizões ampliadas, seja por razões de
induzié o governo a montar uma coalizão prag- sustentação partidário-parla mentar, seja por ra-
mática, ou funcional, que lhe conferisse a. apro- zões de apoio regional" CABRANCHES, 1988).
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lembrar a hipótese desenvolvida neste artigo de para a representação proporcional. A adoção des-
que "o governo opta por montar um ministério te mecanismo de conversão de votos em cadeiras
que favoreça o PT, e assim, não cria incentivos à significa que as diversas clivagens sociais podem
cooperação dos partidos à direita da coalizão com ter acesso ao sistema político. Considerando-se
a agenda proposta pelo Executivo". Desta forma, a heterogeneidade estrutural vigente na socieda-
acreditamos que a inclusão do PMDB ao governo de brasileira, podemos perceber um alto grau de
sem levar em conta o peso proporcional de sua "inclusividade" em nosso sistema político. Pode-
bancada, gera uma certa frustração e contribui mos perceber, ainda, que a-dimensão da demo-
para a manutenção da cisão entre a ala governis- cracia relacionada à representação é fortalecida
ta liderada pelos Senadores José Sarney e Renan neste momento. Com relação ao momento de
Calheiros; e uma outra ala oposicionista tendo à funcionamento, ou da tomada de decisões, dos
frente dos descontentes o ex-governador do Rio órgãos decisórios nós podemos perceber uma
de Janeiro Anthony Garotinho, e o Deputado Fe- intensa concentração de poderes no arranjo ins-
deral Michel Temer. titucional brasileiro. A organização dos trabalhos
legislativos em torno das lideranças partidárias
pode ser apontada como exemplo para ilustrar tal
ponto. A concentração de poderes reforça o atri-
buto ou a dimensão da democracia relacionada à
estabilidade. Tal dimensão é de extrema impor-
tância se levarmos em conta o quadro de pobreza
e desigualdade social vigente no país.
A organização de governos de coalizão pare-
ce-nos fruto deste arranjo institucional peculiar
ao Brasil. O quadro multipartidário associado
à representação proporcional contribui para a
fragmentação das bancadas o que faz com que a
coligação eleitoral vencedora geralmente não ob-
tenha maioria qualificada para aprovar uma agen-
da de mudanças. Torna-se necessário a inclusão
de outros partidos ao governo. Tal inclusão se dá
através da distribuição de pastas ministeriais,
*PT, PCdoB, PSB, PDT, PPS, PV, PTB, e PL
cargos de confiança em empresas· estatais e por
**PT, PCdoB, PSB, PPS, P\1, PTB, PL e PMDB outras formas de recursos públicos.·
FONTE: Votações Nominais na Câmara dos Retomando a argumentação desenvolvida nes-
Deputados 2003-2004; te artigo, mostramos que o Governo Lula não é
Fernando Limongi e Argelina Cheibub Figueiredo,
exceção a regra, ou seja, procurou organizar uma
Banco de Dados Legislativos, CEBRAP.
Elaboração Magna Inácio (2006)
coalizão majoritária. Tal coalizão, operando em um
novo cenário onde o PT passa a ser situação e o
Tal cisão pode ser percebida nos dados de PSDB passa a ser oposição, e auxiliada pela popu-
comportamento parlamentar elencados na tabe- laridade do recém eleito Presidente da República
la 5 retirada de Inácio (2006J. A autora mede o influenciou positivamente a aprovação da agenda
apoio dos partidos da coalizão ao governo utilizan- proposta pelo Executivo.
do o índice de Rice 15 . Tal índice para o PMOB mos- Apresentamos no trabalho duas vitórias de
tra que esse partido coopera mais com o governo pontos importantes para o Executivo. Estamos
antes de entrar formalmente para a coalizão nos referindo a eleição do deputado paulista João
(88,4), do que depois que recebe os ministérios Paulo CPTJ para a Presidência da Mesa Diretora e
de Comunicação e Previdência Social (80,8). do senador José Sarney CPMOBJ para a Presidên-
Por fim, a tabela 5 serve-nos para reforçar a cia do Senado, além da aprovação da PEC 40. No
14 Na votação da
PEC 40 o líder do PMDB importância da coalizão na aprovação da agenda que se refere à eleição do deputado petista para
indica votação a favor do
governo e cerca de 70% da
do Executivo. O índice de Rice médio considerando a presidência da Câmara consideramos que a vi-
bancada vota com o líder e, os partidos que compõe a coalizão considerados gência de um "costume", de uma regra informal,
consequentemente, com o
governo. na tabela no primeiro ano de governo Lula é de que permite à maior bancada eleger o presidente
90,5 - mostrando alto apoio da base ao governo. da Casa teve peso preponderante. Deve-se levar
15 "Tal índice, que
eXpressa a diferença entre as O mesmo índice depois da primeira reforma minis- em conta também o fato de PT e PMDB terem
posições majoritárias e mino-
ritárias dos votantes, iridica a
terial é de 81 ,6, continuando alto mesmo com a "firmado" um acordo para que ambos tivessem
presença de unidades ou de insatisfação do PMOB. seus interesses . particulares garantidos. O
divergência entre as manifes-
tações de voto. Quanto mais PMDB por ter a maior bancada no Senado tinha
próximo do valor máximo
Considerações Finais interesse em eleger o presidente desta Casa. O
(1 00), maior a unidade dos
votantes no posicionamento O arranjo institucional brasileiro pode ser PT, por sua vez, que possuía a maior bancada na
favorável ou contrário numa
determinada votação, quanto caracterizado como um modelo híbrido. Contudo, Câmara dos Deputados, tinha o objetivo de con-
mais próximo do valor míni- este hibridismo se manifesta em momentos dife- trolar a Presidência da mesma. Podemos dizer
mo (1 ), maior a divisão entre
estes votantes". rentes. No momento de constituição dos órgãos então, que os partidos interessados em fazer
decisórios o modelo apresenta elementos que valer o "costume" ou a tradição trocaram apoio
possibilitam a dispersão de poder. Relacionado mútuo e o primeiro biênio continuou reproduzindo
a este ponto gostaríamos de chamar a atenção a regra informal mencionada acima.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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a reeleição dos presidentes
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MELO, Carlos Ranulfo. (20041, Retirando as cadeiras do lugar. Belo Horizonte, UFMG.
reeleição dos parlamentares
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