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Revista Jurídica Direito, Sociedade e Justiça/RJDSJ

Curso de Direito, UEMS – Dourados/MS

PRINCÍPIO E POLÍTICA – UMA REFLEXÃO SOBRE O PRESIDENCIALISMO DE


COALIZÃO NO BRASIL
RODRIGUES DA SILVA; Natalia Carolina1; DUTRA, Cléverson Daniel2

RESUMO: Este artigo objetiva refletir sobre o presidencialismo de coalizão observado


no Brasil e suas implicâncias com a governabilidade e a democracia, bem como a relação
entre os poderes do Estado, especialmente no período da redemocratização brasileira.
Para alcançar tal propósito, realiza-se uma historicização da política brasileira a partir
do sistema representativo; destacam-se aspectos da democracia no Brasil e do sistema
de coligações partidárias; apresentam-se alguns dos desafios encontrados no
atendimento a governabilidade considerando as relações entre o legislativo e o
executivo; e reflete-se sobre a crise na judicialização da política brasileira. A abordagem
das dificuldades enfrentadas no presidencialismo de coalização será realizada a partir
das observações acerca dos desafios em conciliar ideologias partidárias distintas, além
da grande corrupção nos níveis governativos, de origem histórica.
PALAVRAS-CHAVE: Presidencialismo de Coalizão; Coligações; Corrupção; Judicialização
da Política.

ABSTRACT: This article aims to reflect on the coalition presidentialism observed in Brazil
and its implications for governability and democracy, as well as the relationship between
state powers, especially in Brazil’s redemocratization period. To achieve this purpose, a
historicization of Brazilian politics is carried out from the representative system; it
highlights the aspects of democracy in Brazil and the system of party coalitions; it
introduces some of the challenges encountered in attending to governability considering
the relations between the legislative and the executive; and is bethinks on the crisis in
Brazilian judicialization of politics. The approach of the difficulties faced in the coalition
presidentialism will be realized from the observations about the challenges in reconcile
distinct party ideologies, besides the great corruption of historical root in governmental
levels.
KEYWORDS: Coalition presidentialism; party coalitions; corruption; judicialization of
politics.

1. INTRODUÇÃO pode-se dizer que o presidencialismo de


Leituras iniciais acerca da temática coalizão representa uma forma de governo
“Presidencialismo de coalizão” possibilitam na qual a boa comunicação entre os
afirmar que o conceito deste é membros do poder Legislativo e Executivo é
relativamente novo e pouco conhecido. O imprescindível para a efetivação das
mesmo foi desenvolvido por Sérgio políticas que irão gerir o país.
Henrique Hudson de Abranches, no artigo
Presidencialismo de coalizão: o dilema A “coalizão” advém, a priori, do
institucional brasileiro, publicado em 1988. sistema de coligação política, que é um
pacto entre partidos com objetivos e ideais
Em termos bastante genéricos, semelhantes, no intuito de se eleger para

_______________________
1 Bacharel em Direito pela Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS), Unidade Universitária de

Dourados/MS. E-mail: ncarolinars@gmail.com


2 Docente dos Cursos de Graduação e Pós-Graduação em Direito da Universidade Estadual de Mato Grosso

do Sul – UEMS, Unidade universitária de Dourados/MS. E-mail: cleverson@uems.br


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COALIZÃO NO BRASIL
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governar determinado município, estado ou A partir desses desafios que se


país. Contudo, as coalizões acontecem colocam para o presidencialismo de
também dentro do próprio governo, com a coalizão, que envolvem não só o
função de concentrar esforços a fim de estabelecimento da lei como princípio, mas
promover benefícios às agendas em comum as suas motivações como políticas públicas,
dos partidos componentes. cabe observar as considerações feitas por
Ronald Dworkin (2007 apud LEITE, 2016, p.
Sérgio Abranches (1988, p. 27-28) 44), relativa à teoria dos princípios. O autor
define que a formação de coalizões ocorre faz a distinção entre políticas e princípios,
em três momentos típicos: o primeiro, na conceituando a política como um padrão
constituição da aliança eleitoral; o segundo, que estabelece um objetivo a ser alcançado,
na constituição do governo; e o terceiro, a uma melhoria econômica, político ou social;
transformação da aliança em coalizão enquanto o princípio identifica um padrão
efetivamente governante. Esse último que deve ser observado enquanto exigência
momento é aquele em que ambos, o de justiça ou equidade.
representante do poder Executivo eos
membros das câmaras legislativas, precisam Por ora, precisamos entender que a
realizar esforços coletivo a fim de garantir a reflexão acerca dos desafios encontrados no
governabilidade. Como sabemos, no Brasil, presidencialismo de coalizão torna-se cada
cabe ao poder Legislativo conduzir a criação vez mais emergente. Isso por que, na
das leis, e, por esta razão, a harmonia entre dificuldade de um equilíbrio entre as
o Legislativo e o Executivotorna-se demandas propostas pelos poderes
essencial, o que exige alianças entre os Executivo e Legislativo, faz-se necessário o
poderes. controle pelo judiciário. Um exemplo disso é
a crescente demanda dos meios de controle
Considerando o exposto e a de constitucionalidade, seja noâmbito
organização política do Brasil, encontramos formal e/ou material na formação das leis. 143
grandes desafios no estabelecimento do
presidencialismo de coalizão, entre os quais A necessidade constante de controle
destacamos: a dificuldade em conciliar as tem como consequência o crescente
ideologias partidárias na criação das leis; o fenômeno da judicialização da política, que
pluripartidarismo do nosso sistema político; nas palavras do cientista político
e o alto nível de corrupção na esfera estadunidense Chester Neal Tate (1997
governativa brasileiradecorrente de apud OLIVEIRA, Rafael Tomaz de, 2012), "é
relações marcadas pelo patrimonialismo1. o fenômeno que significa o deslocamento do
polo de decisão de certas questões que
tradicionalmente cabiam aos poderes
1 Conceito desenvolvido pelo sociólogo alemão Legislativo e Executivo para o âmbito do
Max Weber (1864-1920), no fim do século XIX. Judiciário". Isso se deve ao fato de que há
Como o próprio termo indica, patrimonialismo falhas por parte dos legisladores e do
deriva das palavras patrimônio e patrimonial e executivo em demonstrar apenas com a lei,
pode ser definido como uma concepção de poder e em respeito à estas, as políticas que devem
em que as esferas pública e privada confundem- ser seguidas pela sociedade. Essa situação
se e, muitas vezes, tornam-se quase indistintas.
faz com que o judiciário aja além de sua
(FERNANDES, Claudio., 2017). O
patrimonialismo, tal como concebido por
competência, em desrespeito ao sistema de
Raymundo Faoro, é um conceito que mantém a freios e contrapesos.
sua força operacional nos planos da existência,
da validade e da eficácia e, por isso, pode ser Neste sentido, entende-se ser de
contemporaneamente confrontado com o fundamental importância chamar atenção
potencial de governabilidade que o para a análise da temática, que é tão atual e
presidencialismo de coalizão manifesta. indispensável, a fim de buscar soluções para
(FREITAS, João Paulo Ocke de. 2017). os impasses nas relações enfrentadas neste

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contexto político. Afinal, a harmonia entre de pena”2 da República Velha, os nove anos
os poderes é a base para o efetivo exercício da ditadura Vargas (1937-1945), e os 21
do Estado democrático de direito. anosdo regime militar (1964-1985).
Considerado o exposto, este trabalho Por outro lado, condicionar o
possui como objetivo geral refletir sobre o estabelecimento da democracia ao prévio
presidencialismo de coalizão desenvolvido atendimento de requisitos, tais como a
no Brasil e suas implicâncias com a existência de um Estado capaz de arbitrar
governabilidade e a democracia, bem como imparcialmente suas disputas, ou a uma
suas relações entre os poderes do Estado, sociedade civil participativa, ou ainda a um
especialmente no período da eleitorado constituído majoritariamente de
redemocratização iniciada na década de cidadãos escolarizados e autônomos em
1980. Em termos específicos, se propõe a suas escolhas, implica em procrastiná-la a
historicizar a política brasileira a partir do um momento utópico. A democracia, assim,
sistema representativo; destacar aspectos não deve surgir após a solução dos conflitos,
da democracia no Brasil por meio das mas sim à medida que a sociedade concorda
coligações partidárias; apresentar alguns em tentar solucionar esses conflitos através
dos desafios encontrados no atendimento a do voto.
governabilidade considerando as relações
entre o legislativo e o executivo e refletir Foi o que ocorreu no Brasil, a
sobre a crise na judicialização da política exemplo dos Estados Unidos da América,
brasileira. uma vez que a independência e a opção pelo
sistema representativo aconteceram de
Para alcançar tais objetivos, utilizou- forma simultânea, embora com diferenças
se como metodologia de pesquisa o estudo no regime de governo: enquanto nos
bibliográfico, tendo como principais fontes Estados Unidos a opção foi pela República,
de pesquisa livros, artigos científicos, decorrente da própria luta pela 144
decisões dos tribunais e doutrina. A independência; no Brasil, seguiu-se o
fundamentação em artigos científicos modelo português e o que estava mais
permitirá conhecer a temática em seus evidente na Europa: a Monarquia, com o
aspectos mais gerais. Os acórdãos dos agravante do voto censitário. Essa situação
tribunais oportunizarão conhecer as se deu como decorrência lógica da transição
decisões do judiciário como sanador de do absolutismo português para a monarquia
conflitos entre os demais poderes. Já a constitucional. O que não se contava era
doutrina jurídica trará contribuições da área com a dificuldade de assegurar a garantia do
do direito constitucional para compreender direito ao voto, e o respeito ao seu
o cenário democrático atual. resultado. Tais dificuldades se davam graças
ao amplo território nacional e o respectivo
2. HISTÓRICO POLÍTICO BRASILEIRO funcionamento das relações sociais, que
E O PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO eram caracterizadas pelo aspecto
Ao analisarmos a evolução da coronelista, como cita Antônio Octávio
política brasileira, percebemos que a Cintra:
consolidação da democracia foi amplamente
celebrada. Contudo, essa celebração não se O esforço centrípeto feito no período
deu sem haver dúvidas acerca dos processos imperial não redundava, por certo, num
que sucederam o estabelecimento desta Estado onipresente, permeando todos
como conhecemos hoje. Se o ideal os setores da sociedade e estendendo
democrático era bem vindo, certamente os seu poder a todo o território [...]. Dadas
caminhos que levaram a sua implantação
possuem etapas que temos dificuldade em 2Forma de eleição praticada na República Velha
identificar. Para isto, basta observar a antes de 1930, cujo voto era aberto e não
política dos governadores e os “votos bico secreto, e havia controle dos coronéis políticos
sobre os eleitores.
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as condições da época, era natural que o que neste período o voto não era concedido
poder privado comandasse extensas aos analfabetos.
áreas das relações sociais e preenchesse
os vazios da autoridade pública na Ainda conforme Lamounier (loc.
imensidão territorial do país.(CINTRA, cit.), essas circunstâncias, implicaram no
1974, p. 62) comparecimento de apenas dois milhões de
cidadãos nas eleições de 1930, para
Sobre este prisma temos o aspecto
presidência da República. Um número que
do coronelismo3, fortemente presente na
correspondia apenas 5% da população. Isso
política dos governadores, caracterizada
indicava o atraso brasileiro em termos de
pelo rodízio de poder entre as oligarquias
democracia, visto que no final do Estado
dos estados de São Paulo e Minas Gerais.
Novo, em 1945, o eleitorado inscrito
Assim, o coronel comandava o voto nas
alcançava apenas 13,4% dos brasileiros,
localidades afastadas, onde a
enquanto em outros países democráticos,
descentralização gerava fraudes por conta
representados principalmente na Europa, os
da impossibilidade de fiscalização em
números alcançavam até metade da
grande escala. Esse arranjo de poder, que
população.
marca a República Velha, mais tarde viria a
explicar a influência política das regiões no As tensões políticas daquele período,
âmbito de formação das coligações. derivadas do conflito entre a base aliada de
Getúlio Vargas e a União Democrática
Entretanto, talvez o maior obstáculo
Nacional, permaneceram no período
no exercício da democracia durante o século
seguinte da política brasileira. De 1946 a
XIX tenha sido o lento crescimento do
1964 o país vive uma experiência de
eleitorado. Isso se deu por dois principais
redemocratização, mas com tensões e
motivos: o voto censitário4 e a exclusão das
acirramentos quanto ao projeto de país em
mulheres do processo eleitoral. Sobre o 145
disputa5, culminando por fim no golpe de
primeiro, é necessário ressaltar a
1964. Dados do IBGE apontam que com o
importância da Lei Saraiva, de 1881, que
processo de urbanização que ocorreu
condicionava o alistamento eleitoral a um
durante o regime militar, a população
requerimento por escrito, anexado de prova
urbana, que representava 31,2% dos
da renda líquida anual, que deveria ser
brasileiros em 1940, chega a 67,6% em
superior a duzentos mil réis, bem como o
1980, o que elevou o número de eleitores
registro de propriedade e prova de
para 58,6 milhões. Tal crescimento trouxe
adimplência diante do fisco. Quanto ao voto
transformações, não só infra-estruturais,
feminino, este só veio a ser contemplado
bem como políticas. O fato é que a
pelo ordenamento jurídico brasileiro em
manutenção parcial do sistema
1932, sendo que seu exercício pleno se dá
dois anos mais tarde, com o Código Eleitoral
de 1934 (Lamounier, apud AVELAR,
5 Ao longo do ano de 1963, o país foi palco de
agitações sociais que polarizaram as correntes
CINTRA, 2015, p. 19). É importante destacar
de pensamento de direita e esquerda em torno
da condução da política governamental. Em
3 Coronelismo foi um sistema que ficou 1964, a situação de instabilidade política se
conhecido durante a República Velha, onde os agravou, com o descontentamento do
coronéis (ricos fazendeiros) eram os principais empresariado nacional e das classes dominantes.
responsáveis por comandar o cenário político do Por outro lado, os movimentos sindicais e
país. populares pressionavam para que o governo
4 O voto censitário consiste na restrição do
implementasse reformas sociais e econômicas
direito de votar mediante o cumprimento de que os beneficiassem. – Disponível em
requisitos ou atendimento de padrões. Sua https://educacao.uol.com.br/disciplinas/histori
aplicabilidade não deve se dar em um Estado a-brasil/governo-joao-goulart-1961-1964-
democrático de direito, vez que fere princípios polarizacao-conduz-ao-golpe
básicos da democracia, sejam eles a soberania do
povo e a isonomia.
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representativo durante o período ditatorial, discussões que cercavam a elaboração da


aliado ao rápido desenvolvimento nacional, nova constituinte careciam de mecanismos
inflou o desejo pela busca da democracia. institucionalizados e legítimos de mediação
e arbitragem. Acrescidas dessa dificuldade
O descontentamento com as se encontravam presentes na política
medidas arbitrárias do governo militar, brasileira o sistema presidencialista, o
representada nos atos institucionais, na federalismo, o bicameralismo, o
cassação de mandatos, nasuspensão de multipartidarismo e a representação
direitos políticos, e prisões, trouxeram proporcional. Essas singularidades faziam
consequências. No ano de 1975, 16 das 22 com que as coalizõesno Brasil fossem
cadeiras disputadas pelo Senado na eleição diferentes do que acontecia em outras
do ano anterior foram ocupadas por partes do mundo, principalmente por que
políticos do MDB (Movimento Democrático nesses outros países a presença de
Brasileiro). O crescimento da popularidade múltiplos partidos em parlamentos
do partido “deveu-se as condições que lhe bicamerais estava associada ao
criaram a imagem de antigoverno e parlamentarismo, em contraposição ao
antielitismo e lhe permitiram emergir como presidencialismo6. Ademais, quando o
símbolo de um novo estado das coisas”. presidencialismo estava presente, era
(Reis, 1978, apud CINTRA, AVELAR, 2015, p. associado a governos bipartidários, como é
22) o caso dos EUA.
Bolívar Lamounier (apud AVELAR, Sobre as distinções que podem ser
CINTRA, 2015, p. 22) ainda comenta que feitas acerca desses dois exemplos de
essa situação, somada aos crescentes sistemas de governo, podemos citar Mariana
indícios de práticas de tortura pelo Estado, Batista:
trouxe parcelas importantes das classes
média e alta, antes coniventes com o regime, A principal diferença entre 146
ao bojo do MDB, assim consagrando-o na presidencialismo e parlamentarismo
luta pelo retorno do Estado de Direito. está na separação de origem e de
Nesse momento, contando com o apoio sobrevivência entre os poderes
Executivo e Legislativo (STEFAN, 1990).
popular evidenciado pelas Diretas Já, e
No parlamentarismo,o governo somente
confiando na viabilidade de um existe enquanto mantém apoio da
enfrentamento eleitoral, Tancredo Neves maioria do Legislativo e o foco do poder
obteve vitória no Colégio Eleitoral em 1985, está no gabinete. Quando nenhum
ensejando assim no rompimento do regime partido alcança status majoritário o
militar. governo é formado com apoio de uma
coalizão multipartidária. Esse é o caso
No ano de 1988, ocorreria a de grande parte das democracias
promulgação da nova Constituição da europeias. No caso do presidencialismo,
República. No mesmo ano, antes da o foco está no presidente e este é eleito
promulgação do novo texto constitucional, por voto direto e normalmente possui
Sérgio Abranches publica o artigo clássico autonomia para decidir a composição do
governo. Sua estabilidade tem por base
“Presidencialismo de coalizão: o dilema
o mandato e não depende de apoio
institucional brasileiro”. A necessidade de legislativo. O caso mais influente de
falar sobre como ocorria o presidencialismo presidencialismo é o sistema americano.
no Brasil foi observada a partir dos debates (BATISTA, 2016, p. 127)
promovidos pela Assembleia Constituinte,
entre os anos de 1987 e 1988. Assembleia
esta que contava com quatro partidos 6 Entre os países parlamentaristas que adotam o
ocupando cada um mais de 5% das cadeiras sistema bicameral em conjunto com regime
da Câmara. eleitoral proporcional, apontados no artigo de
Sérgio Abranches (1988, p. 11) estão a Áustria, a
Para Sérgio Abranches (1988), as Bélgica, a Holanda, a Itália, a Noruega e a Suécia.
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Diante disso, temos que no que diz respeito à elaboraçãode um


parlamentarismo o Primeiro-Ministro, que programa e princípios mínimos para a
representa o poder executivo, é eleito entre composição da aliança; o da
os membros do parlamento, e por estes. “constituição do governo”, que tem
relação direta com a distribuição de
Além disso, a permanência do parlamentar
cargos eos compromissos com a
como chefe de governo depende do apoio do plataforma política que deu origem à
parlamento, visto que aquele pode ser aliança eleitoral; e, por fim, o da
destituído do cargo se não agir de acordo “transformação da aliança em coalizão
com os interesses da maioria. As coalizões efetivamente governante”, quese refere
nesse sistema podem ser mais flexíveis, propriamente ao processo de
tendo em vista que há garantia que o implantação das políticas
governo sempre acompanhará as decisões governamentais. (MARTUSCELLI, 2010,
do parlamento. p. 61)

Neste sentido, acreditamos que, Conhecer a dinâmica que envolve


tratar de coalizões em um país esses três momentos da constituição da
presidencialista, onde a escolha do base de apoio dos governosé fundamental
Executivo e do Legislativo é para compreender as razões das constantes
interdependente e interpartidário, pode ser alterações nas alianças políticas e a própria
um pouco mais complicado. Quando o chefe interdependência dessas alianças entre as
de governo tem um mandato fixo, e precisa diferentes esferas de governo: municipal,
integrar seu plano de governo com o estadual e federal. Importa mencionar
exercício do poder Legislativo,composto de ainda que:
uma variedade de partidos, é preciso falar As ideias de coalizão na formação da
em uma coalizão de interesses. E é a partir aliança, coalização da formação do
desse contexto que Abranches surge com o governo, coalização governante e sua
conceito de presidencialismo de coalizão. 147
dinâmica, voto de liderança (através do
Danilo Enrico Martuscelli, em seu artigo “A qual o voto do líder do partido no
ideologia do ‘presidencialismo de coalizão’”, parlamento é computado como o voto
nos traz de forma simples o que Abranches de todos os parlamentares da
define ao tratar do tema: agremiação), fidelidade partidária,
desvalorização - no parlamento - do
[...] a especificidade do sistema político chamado “baixo clero” (parlamentares –
brasileiro, [...] combina não somente em grande quantidade - de pouca
representação proporcional, expressãopolítica e eleitos por
multipartidarismo e “presidencialismo transferência de votos), a lógica de
imperial”, como também organização do distribuição de cargos e funções
Executivo com base em grandes estratégicos, o financiamento privado de
coalizões político-partidárias e campanha (em julgamento perante o
regionais. É justamente essa Supremo Tribunal Federal), o papel
combinação que caracteriza, segundo o forte do presidente e seu determinante
autor, o regime político-institucional poder de agenda e grande atividade
brasileiro como um “presidencialismo legislativa pelas Medidas Provisórias
de coalizão”. Isso quer dizer que, no orientam os mecanismos desse sistema.
Brasil, sem base de apoio político no (SCHIER, 2014, p. 66)
Congresso Nacional, um governo não se
torna capaz de viabilizar suas iniciativas Dessa maneira, podemos inferir que
no processo de implementação da o Presidencialismo de Coalizão envolve
política estatal. Para Abranches, a manobras políticas, realizadas em conjunto
constituição dessa base de apoio político pelos poderes Legislativo e Executivo, a fim
não se dá numúnico momento e de de realizar o exercício de governança de
modo definitivo, mas é processual e uma nação.
comporta três momentosfundamentais:
o da “constituição da aliança eleitoral”,

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3. O QUADRO INSTITUCIONAL E A de vida para a população, por outro lado,


FORMAÇÃO DAS COLIGAÇÕES NO não veio acompanhado de ações que
PERÍODO DA REDEMOCRATIZAÇÃO pudessem representar os interesses e as
Tomando como referência a necessidades heterogêneas das diferentes
trajetória política e administrativa do Brasil camadas da população brasileira. A
até o estabelecimento da Nova República, dificuldade em realizar o exercício
entendemos que nessa nova fase democrático, nesse período inicial, decorreu
institucional residia a esperança na principalmente da falta de mecanismos de
população de que seus interesses solução para os problemas sociais,
fossemincorporados pelos representantes econômicos e políticos herdados da
políticos. Após o fim da ditadura, superar o ditadura militar. Tornava-se, então, cada vez
conjunto de concepções e medidas mais urgente e necessária a realização de
autoritárias que estavam presentes nos atos uma assembleia constituinte.
institucionais constituía-se em um grande
desafio da época, abrindo espaço para a Nos últimos anos do período militar,
busca pela estabilidade política e mais precisamente no final de 1979, o
econômicadurante o período de Congresso Nacional encerrou o sistema
redemocratização do país. Porém, o desejo bipartidário, e em 1980 seis novos partidos
pelo retorno do sistema representativo, haviam sido criados (PDS, PMDB, PP, PTB,
como assinala Sérgio Abranches (1988, p.8), PDT e PT). Esse encerramento tinha
mascarou a necessidade de se observar motivações no mínimo suspeitas, tendo em
como seria o atendimento das demandas vista a vitória avassaladora vitória do MDB
civis pelo poder público: nas eleições de 1974 em âmbito do Senado.
Nesse sentido, a motivação para a mudança
Todo processo de mudança de regime com a abertura de novos partidos seria
implica, em maior ou menor grau, diminuir o apoio popular ao MDB, que se
descontinuidades e desajustes entre a encontrava em iminência de desbancar o 148
composição de forças que promove o governo. (Fleischer, 2007, apud AVELAR,
trânsito imediato entre a velha e a nova
CINTRA, 2015, p. 275).
ordem e o conjunto de forças políticas
que efetivamente conduzirá a
Também com a intenção de exercer
(re)construção institucional. Além disso,
a própria mudança excita as
maior controle sobre o processo eleitoral, o
expectativas de todos que se sentiam governo militar proibiu a formação de
lesados no período anterior, suscita a coligações na regulamentação feita em
esperança de mudanças, sem a antecedência às eleições de 1982, como
consciência clara de que a comunhão de aponta David Fleischer (2007, loc. cit.), no
princípios políticos não assegura, nem artigo A composição e o funcionamento das
contém necessariamente, elementos de coligações no Brasil. O autor também
consenso sobre as políticas concretas e comenta que os primeiros registros de
as soluções a serem implementadas pelo coligações na política brasileira acontecem a
novo governo, tampouco quanto à
partir das eleições de 1950, com a vigência
direção que se dará ao processo de
mudança. Adicionalmente, há uma
da Constituição de 1946 e do Código
contradição inexorável entre a Eleitoral de 1950, que é quando o Brasil
necessidade prática de administrar o adota o sistema proporcional de lista aberta
cotidiano, com instrumentos ainda do para eleger deputados e vereadores. Nesse
passado, e a imposição política e moral modelo eleitoral as vagas conquistadas pelo
da reforma político/institucional, que partido ou coligação partidária são
requer, forçosamente, planejamento e ocupadas por seus candidatos mais votados,
complexas negociações. até o número de cadeiras destinadas à
agremiação.
Dito isto, entendemos que o fim do
regime militar que trouxe, por um lado, a Para chegar a esse número de
esperança de novas e melhores condições
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cadeirasdestinadas a cada referência ao federalismo partidário de Jairo


partido/coligação, é realizado um cálculo Marconi Nicolau (1996, apud AVELAR,
dequociente eleitoral. Ele é calculado CINTRA, 2015, p. 276-277),a fim de
através da divisão entre o número de votos caracterizar as situações em que partidos
válidos pela quantidade de cadeiras possuíam forças diferentes em estados
disponíveis (artigo 106, do Código Eleitoral diferentes. O autor também faz observações
de 1965), definindo assim o número de de como esse fenômeno se deu na prática no
votos que a agremiação deve ter para que Brasil:
possa eleger um deputado ou vereador.
Nesse sistema, não são os candidatos mais Nas eleições proporcionais de 1994, por
exemplo, várias coligações exibiam falta
votados se elegem, pois o que define quem
de consistência “ideológica” nas suas
vai ocupar as cadeiras é o número de votos composições – por exemplo: o PSDB de
recebidos pelo partido. Fernando Henrique Cardoso se aliou ao
PDT em7 estados, ao PCdoB em 6 e ao
Dessa forma, o número de votos PPS em 4; o PFL de Marco Maciel aliou-
individuais que o candidato possui define se ao PDT em 6 estados. O PT tinha uma
apenas seu lugar na lista de preferência à política de coligações mais consistente
ocupação das cadeiras destinadas ao seu naquele ano e se aliou ao PSDB em
partido. Através desses apontamentos, apenas um estado.
como considera David Fleischer (2007, apud
AVELAR, CINTRA, 2015, p. 275-276), é Essa medida, conforme o autor,
possível compreender a importância das também tinha o objetivo de impedir a
coligações para a sobrevivência parlamentar formação de coligações levando em conta as
dos partidos com baixa densidade eleitoral, preferências partidárias de cada Estado
pois uma vez alcançado o quociente individualmente (como exemplo, temos o
eleitoral da coligação, a cadeira do Rio Grande do Sul, onde o PDT detémmais
parlamentar está assegurada. Em suas apoio do eleitorado que o PSDB). Essa 149
considerações, o autor assinala também que herança histórica, advinda da Primeira
a coligação não é só vantajosa para os República, é demonstrada por Sérgio
pequenos partidos, mas serve aos interesses Abranches:
dos grandes partidos nas coligações com
A Nova República repete a de 1946 que,
agremiações menores em razão do aumento por sua vez, provavelmente manteve
do tempo disponível no horário eleitoral resquícios da República Velha,
gratuito. sobretudo no que diz respeito à
influência dos estados no governo
Nesse espírito antidemocrático, no federal, pela via da "política de
qual a formação das coligações buscava governadores". A lógica de formação das
atender aos interesses dos partidos, e não coalizões tem, nitidamente, dois eixos: o
aos interesses sociais, em fevereiro de 2002 partidário e o regional (estadual), hoje
o Tribunal Superior Eleitoral, realizou a como ontem. É isto que explica a
“verticalização das coligações”, uma medida recorrência de grandes coalizões, pois o
de judicialização da política, ao determinar cálculo relativo à base de sustentação
política do governo não é apenas
novo entendimento sobre o artigo 6º da Lei
partidárioparlamentar, mas também
Federal 9.504/1997 (Lei das Eleições), ao
regional (ABRANCHES, 1988, p. 22)
lançar a Resolução n. 21.002/2002.Essa
Resolução, que buscava uma uniformidade Vale lembrar que o entendimento do
nas ideologias presentes, determinou que as Tribunal Superior Eleitoral (TSE), também
coligações para presidente devessem ser trazia previsão do não cabimento da
replicadas em todos os outros 26 estados da uniformidade coligativa. Contudo, tal
federação e no Distrito Federal. previsão estava condicionada a não
participação do partido em nenhuma
Fleischer (2007) também faz coligação presidencial. Assim, aqueles

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partidos que não quisessem se submeter à É assegurada aos partidos políticos


verticalização, deveriam abster-se da autonomia para definir sua estrutura
participação em coligações presidenciais, interna, organização e funcionamento e
pois dessa forma, encontrar-se-iam livres da para adotar os critérios de escolha e o
regime de suas coligações eleitorais,
imposição em âmbito estadual.
sem obrigatoriedade de vinculação
entre as candidaturas em âmbito
Diante dessa decisão do TSE, cabe a
nacional, estadual, distrital ou
análise da tabela abaixo, que demonstra o municipal, devendo seus estatutos
número de coligações formadas em cada estabelecer normas de disciplina e
estado nas duas eleições anteriores à fidelidade partidária. (BRASIL, 1988)
verticalização (nos anos de 1994 e 1998) e
nas duas posteriores (2002 e 2006). Essa preocupação em retornar o
regime das coligações ao modelo anterior
Tabela 1. Número de coligações anteriores e mostra a clara insatisfação da bancada
posteriores a verticalização legislativa com a verticalização, medida que
visava o melhor interesse comum. Porém,
Ano Eleitoral 1994 1998 2002 2006
Coligações por como a maioria dos parlamentares vota
Estado segundo as determinações do partido, que
2 15 11* 0 0 consideravam a obrigatoriedade da
3 8 11 0 1 vinculação uma desvantagem, a mudança na
4 2 3 8 7 legislação acabou por retornar o regime à
5 2 1 11 10 sua forma anterior. Essa relação também é
Mais que cinco 0 1 8** 9** observada Schier (2014):
Médica de 2,67 2,93 5,19 5,19
coligações por Deveras, o modelo de democracia
estado proporcional adotado no Brasil tem
Fonte: Fleischer, 2010. possibilitado, com frequência, o 150
fenômeno da transferência de votos
* Em 1998, Acre teve uma só coligação, e o PFL, (note-se que a maioria imensa dos
PPB e PMDB concorreram sozinhos. parlamentares que conseguem vaga no
** Só o estado do Rio de Janeiro teve oito parlamento, no Brasil, é eleita com votos
coligações em 2002, e nove em 2006. transferidos pelos partidos e pelos
candidatos mais votados de sua
Percebe-se pelos dados agremiação). Logo, poucos se elegem
apresentados na tabela acima que, nos anos com os próprios votos, ficando
que sucederam a verticalização, o número devedores de favores às grandes
lideranças da legenda. Todavia, ao invés
de coligações nos estados praticamente
deste processo fortalecer e valorizar os
dobrou. Isso revela que, em uma tentativa partidos políticos, ele propicia a
de alcançar as cadeiras do Congresso valorização dos próprios políticos de
Nacional, a opção de aumentar o número de destaque no âmbito das agremiações.
coligações é preferível em detrimento de Este problema é agravado, ademais, com
fazer realizar o exercício de coligação em a adoção do voto obrigatório num
respeito às ideologias partidárias e ao contexto de multipartidarismo, que
eleitor. determina a existência de projetos de
governo muito próximos e sem
Contudo, a decisão do TSE foi identidade ideológica para que possam
prejudicada, mais tarde, com a emenda buscar a disputa de todos os votos.
constitucional número 52, de 2006, que (SCHIER, 2014, p. 65)
alterou o art. 17, parágrafo primeiro
Tendo em conta o exposto,
Constituição da República Federativa do
entendemos que as coligações, cujo suposto
Brasil que passa a vigorar com a seguinte
objetivo deveria ser o de servirde elemento
redação:
estabilizador das relações entre os
poderes,tem se constituído na própria causa
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da instabilidade no exercício de governar. eleitos eternos, que acumulam ou


Percebemos assim que, na busca pelo poder, alternam funções municipais, estaduais,
partidos deixam de cumprir com seu dever legislativas ou ministeriais, e veem a
perante os interesses e necessidades da população como elo fundamental da
representação dos interesses locais;
sociedade, colocando seus próprios
governos que fazem eles mesmos as leis;
interesses em primeiro lugar. Nesse sentido, representantes do povo maciçamente
cabe uma análise mais aprofundada dos formados em certa escola ou
desafios do nosso sistema político. administração; ministros ou assessores
de ministros realocados em empresas
4. CORRUPÇÃO NO PRESIDENCIALISMO públicas ou semipúblicas; partidos
DE COALIZÃO E A CRISE DA financiados por fraudes nos contratos
JUDICIALIZAÇÃO públicos; empresários investindo uma
Seguindo a linha de pensamento de quantidade colossal de dinheiro em
que as coligações partidárias não são busca de um mandato; donos de
formadas tendo em vista o melhor interesse impérios midiáticos privados
social, apenas integrando um jogo de poder apoderando-se do império das mídias
públicas por meio de suas funções
nas esferas estatais, temos evidente o vício
públicas. Em resumo: apropriação da
da corrupção no âmbito político. Coligações coisa pública por uma sólida aliança
formadas em amparo a ideologias marcadas entre a oliguarquia estatal e econômica.
de heterogeneidade criam obstáculos no (RANCIÈRE, 2014, p. 93)
momento da coalizão governante, conforme
expressa Schier (2014): Nesse sentido, percebemos que à
opção pela vida política nem sempre advém
Como as alianças, de acordo com o que de motivações altruístas, visando o melhor
mostram os estudos da ciência política,
interesse social. Por vezes o incentivo
não são homogêneas (isso não ocorre no
Brasil, mas as estatísticas apontam que
decorre justamente do espaço de poder que
a vida política coloca à disposição ao 151
alianças homogêneas são comuns em
outros países), o Executivo acaba indivíduo. Cabe manifestar, através das
cedendo, no plano governamental, a palavras de Wanderley Guilherme dos
interesses políticos e regionais que Santos, que na democracia “na mesma
muitas vezes são contraditórios e que extensão em que se distribui poder,
beneficiam “interesses setoriais”, e aqui distribuem-se as oportunidades de
não é preciso fazer muito esforço para corrupção nele implícitas”.
compreender em qual contexto ingressa
a corrupção. (SCHIER, 2014, p. 67) Dessa forma, quando a maioria
legislativa impõe desafios à
Aliado ao esquema de coligações, governabilidade, através, por exemplo, do
que faz com que os candidatos se elejam condicionamento da aprovação de projetos
com votos adicionais aos do próprio partido, ao repasse de renda pelo Executivo, ou
a aprovação de medidas públicas fica aprovando leis sem o necessário respeito ao
condicionada à troca de favores que processo legislativo, resta caracterizado um
permeiam as relações em âmbito governo em desrespeito à própria
governativo. Dessa forma, a democracia Constituição. Esse desrespeito gera como
encontra-se prejudicada, pois deixa de consequência atos em desconformidade
atender aos anseios da população. Podemos com a lei, como é o caso da Medida
encontrar base para essas afirmações tendo Provisória nº 366, de 2007, que criou o
em vista a recorrência na qual se dão certas Instituto Chico Mendes, aprovada no
práticas, aparentemente não relacionadas à Congresso Nacional pela Lei 11.516/2007
corrupção dos interesses dos sem ter sido apreciada por uma comissão
representantes eleitos, exemplificadas por mista de deputados e senadores, conforme
Jacques Rancière (2014), no livro “O ódio à previsão constitucional do artigo 62,
democracia”: parágrafo 9º.

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Em um primeiro momento, o Federal, guardião da Constituição da


Supremo Tribunal Federal decidiu, no República Federativa do Brasil, agiu em
julgamento da ADI (Ação Direta de claro desrespeito às suas funções, decidindo
Inconstitucionalidade) nº 4.029/2012, por através de conveniências políticas, em uma
sete votos a dois, que a criação do Instituto clara violação ao princípio de separação dos
Chico Mendes foi inconstitucional, poderes, ao realizar o que Tate já definiu
estipulando um prazo máximo de dois anos como judicialização da política.
para o Congresso aprovar nova lei, em
conformidade com a Constituição, sobpena Esse fenômeno se tornou muito mais
de extinção do referido instituto. O relator, presente em nosso ordenamento jurídico
Ministro Luiz Fux, ainda destacou a com a mudança no controle de
importância da comissão ao declarar que “é constitucionalidade, trazida pela
difícil imaginar a soberania do Congresso Constituição de 1988, comentada por
Nacional quando o parecer é oriundo de Rogério Bastos Arantes, que mostra a
uma voz unívoca do próprio relator, tendo especificidade do modelo brasileiro:
em vista que a comissão não se instalou7”.
Nosso sistema não é apenas difuso por
Assim, entende-se que o respeito ao devido que contamos com mecanismos de ação
processo da criação legal não constitui mera direta junto ao Supremo Tribunal
formalidade, mas sim a garantia de que o Federal (STF) que pode anular ou
Legislativo seja, de fato, o fiscal deste ratificar a lei em si. Desse ponto de vista,
exercício atípico do Executivo. o STF é quase uma corte constitucional.
O sistema também não é apenas
Todavia, essa decisão teve grande concentrado por que o STF não detém o
repercussão, uma vez que Advocacia Geral monopólio do controle de
da União pediu a revisão da decisão ao (in)constitucionalidade, dividindo essa
observar que centenas de outras medidas competência com os juízes e tribunais
inferiores de todo o país que, se não 152
provisórias, realizadas a partir do crescente
chegam a anular a lei, podem afastar a
fortalecimento da ação legiferante do
sua aplicação em casos concretos.
Executivo, padeciam do mesmo vício. Com (ARANTES, 2015, p. 38)
uma decisão procedente, o STF lançaria
precedentes no sentido de anular as demais Nossa Constituição trás, no artigo
medidas provisórias. 103, o rol de legitimados a propor ações
diretas de inconstitucionalidade, que é
No dia seguinte, o tribunal decidiu bastante limitado. Nas palavras de Rogério
mudar seu entendimento, no sentido de que Arante (apud AVELAR, CINTRA, 2015, p.
apenas as medidas provisórias posteriores 42), “a legitimação limitada a entidade
ao julgamento deveriam se submeter à corporativa explica por que a pauta do STF é
apreciação pela comissão mista. Essa majoritariamente centrada em direitos de
mudança representa uma ofensa direta à poucos e raramente temas mais amplos de
Constituição, tendo em vista que o próprio direitos civis alcançam a corte”.
relator afirmou que essa mudança se deu a
fim de evitar que “o país mergulhasse numa O rol de legitimados inclui os
crise institucional”. partidos políticos com representação no
congresso nacional e entre eles. Arantes
Nesse cenário, o Supremo Tribunal (loc. cit.) também mencionao uso desse
mecanismo pelos partidos de oposição no
7 A declaração foi dada pelo ministro Luiz Fux à parlamento, como algo que tem se
imprensa, e noticiada pelo Jornal Nacional, na apresentado com crescente recorrência.
edição do dia 7 de maio de 2012. Fonte: Essa forma de reverter medidas adotadas
http://g1.globo.com/jornal- por governos vigentes ou anteriores
nacional/noticia/2012/03/supremo-considera- estimula ainda mais a judicialização da
inconstitucional-criacao-do-instituto-chico-
política.
mendes.html
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A partir dessas considerações, bem sobretudo no poder legislativo, e mais


como o ocorrido no julgamento da ADI n. notadamente nas últimas décadas, o
4.029/2012, fica clara,a nosso ver,a aumento dos casos noticiados de corrupção
necessidade de seobservar as relações na política brasileira.
políticas em vista de impedir a tomada de
decisões arbitrárias por parte do STF. Vez Esta corrupção pode ser observada
que, conforme o ministro e doutrinador em âmbito governamental através dos
Gilmar Mendes, no livro Curso de Direito mecanismos adotados pelos governos em
Constitucional: exercício na tentativa de manter o poder,
com o executivo acabando por ceder às
Se ao Supremo Tribunal Federal pressões regionais, por vezes impedido de
compete, precipuamente, a guarda da aprovar políticas públicas essenciais aos
Constituição Federal, é certo que a projetos de governo, implicando na
interpretação do texto constitucional realização de uma ação atípica legiferante.
por ele fixada deve ser acompanhada
Em âmbito eletivo, o mau uso das coligações
pelos demais Tribunais e Turmas dos
Juizados Especiais, em decorrência do caracterizado pelo desrespeito às ideologias
efeito definitivo outorgado à sua partidárias, com o objetivo de conquistar
decisão. Pouco importa que a decisão do maior número de cadeiras no congresso
Tribunal de origem tenha sido proferida nacional, é o maior problema.
antes daquela do Supremo Tribunal
Federal no leading case, pois, inexistindo De toda forma, vivemos essa
o trânsito em julgado e estando a fragilidade que um governo de coalizão
controvérsia constitucional submetida à representa em uma sociedade onde a
análise deste Tribunal, não há qualquer Política ainda é vista com certa indiferença.
óbice para aplicação do entendimento Neste caso, em um governo de coalizão
fixado pelo órgão responsável pela dificulta ter um horizonte mais definido de
guarda da Constituição da República. 153
um trabalho ou da definição de políticas,
(MENDES, 2012, p. 1287)
uma vez que a coalizão se dá por acordos e
Resta demonstrado como a crise contingências. Logo, o campo da coalização
entre os poderes Legislativo e Executivo, muda conforme interesses, momentos e
estimulada pela corrupção dos conjunturas de quem participa destas
representantes do povo, leva o Judiciário ao negociações. A fragilidade momentânea
desequilíbrio, causando verdadeira crise dificulta a construção de uma agenda. Esta
institucional generalizada. Dessas medidas fragilidade está visível e se constitui no
sucedem a perda de confiança no sistema pano de fundo da crise política que
político, e a consequente decadência do vivenciamos neste momento.
modelo democrático.
Neste sentido, devido à falha
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS comunicativa entre o Legislativo e o
Ao considerarmos o histórico Executivo, ocorre uma instabilidade na
brasileiro, podemos entender que nossa relação dos poderes, que será regulada pelo
realidade institucional é completamente poder Judiciário. Ocorre que por vezes, o
marcada pelas relações patrimonialistas, controle realizado pelos tribunais acaba por
especialmente após a independência. O exceder a sua função típica, estabelecendo
lento crescimento do eleitorado, aliado ao medidas como a verticalização das
não atendimento das necessidades da coligações, proposta pelo Tribunal Superior
população, e supressão de direitos durante Eleitoral. Esse processo que pode ser
o século XX, levaram o Brasil definido como a judicialização da política.
paulatinamente à indiferença eleitoral, Esses processos devem ser observados com
trazendo como consequências a marcante atenção, pois confundem os exercícios dos
presença de políticos financiados e ou poderes, em violação a Constituição Federal.
representantes do poder econômico,
Portanto, não se trata de atribuirmos
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ao presidencialismo de coalisão a presidencialismo de coalizão. Rev. Sociol.


responsabilidade sobre os desafios da Polit., v. 24, n. 57, 2016.
democracia, a corrupção e a judicialização
da política. Trata-se, apenas, de entender em BRASIL. Constituição (1988). Constituição
um contexto de patrimonialismo histórico, da República Federativa do
como observamos no Brasil, a corrupção nas Brasil: promulgada em 5 de outubro de
relações entre os poderes encontra seu 1988. Disponível em:
espaço. Nesse sentido também é o <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Con
entendimento de Raymundo Faoro (apud stituicao/Constituicao.htm> Acesso em: 21
FREITAS, João Paulo Ocke de. 2017), vez que jul. 2016.
o presidencialismo de coalizão, entre outros
CINTRA, Antônio Otávio. A política
benefícios, “admite a atuação mediadora do
tradicional brasileira: uma interpretação
Poder Judiciário, viabiliza mecanismos para
das relações entre o centro e a periferia.
evitar o arbítrio do Executivo e gera
Cadernos DCP, Belo Horizonte: UFMG, 1974.
condições para o incremento do contrato
social da redemocratização e para o DWORKIN, Ronal. Levando os direitos a
aprimoramento das instituições políticas e sério. Trad. Nelson Boeira. 2.ed. São Paulo:
econômicas inclusivas”. Diante dessa Martins Fontes, 2007.
realidade, faz-se necessário a ampliação da
democracia, através de o maior controle FERNANDES, Cláudio. Patrimonialismo.
social dos investimentos públicos, a Brasil Escola. Disponível em
ampliação da participação de todos os <http://brasilescola.uol.com.br/politica/pat
segmentos a sociedade nas definições das rimonialismo.htm>. Acesso em 12 de
políticas e na elaboração das leis, de forma novembro de 2017.
que se alcance a vivência plena da cidadania.
FLEISCHER, David Verge. A composição e o
154
funcionamento de Coligações no Brasil.
In: AVELAR; CINTRA (Org) O sistema
REFERÊNCIAS político brasileiro: uma introdução, 3.ed. Rio
de Janeiro: Konrad AdenauerStiftung. São
ABRANCHES, Sérgio Henrique Hudson.
Paulo: Editora Unesp: 2015.
Presidencialismo de coalizão: o dilema
institucional brasileiro. Revista de FREITAS, João Paulo Ocke de. Disponível em
Ciências Sociais, Rio de Janeiro. vol. 31, n. 1, <https://sigaa.ufrn.br/sigaa/public/progra
1988. ma/noticias_desc.jsf?lc=es_ES&id=360&noti
ARANTES, Rogério Bastos. In: AVELAR, cia=123980717> Acesso em: 10.nov.2017.
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quando se constrói democracia. In: AVELAR;
introdução. 3. Ed. Rio de Janeiro: Konrad
CINTRA (Org) Sistema político brasileiro:
Adenauer Stiftung. São Paulo: Editora
uma introdução, 3.ed. Rio de Janeiro:
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Konrad AdenauerStiftung. São Paulo:
BATISTA, Mariana. O Poder no Editora Unesp: 2015.
Executivo:explicações no
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presidencialismo, parlamentarismo e
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