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PROCESSO PENAL

Capítulo 7. Sujeitos Processuais

Processo Penal
2021 • Gustavo Henrique Badaró

 SUMÁRIO    

Capítulo 7. Sujeitos Processuais

7.1. Juiz
Estado, representado pelo juiz, é um
dos sujeitos da relação processual. O
juiz é um sujeito imparcial, enquanto
Ministério Público, querelante e acu-
sado são sujeitos parciais da relação
jurídica processual.

O processo, como instrumento de he-


terocomposição dos conflitos, somen-
te se justifica na medida em que é
dado a um sujeito desinteressado e
alheio ao conflito o poder de solucio-
ná-lo. A imparcialidade do juiz é da
essência do processo.

O juiz deve ser investido da jurisdição.


A investidura se dá por concurso pú-
blico ou, no caso dos ministros do STJ
e do STF, por escolha política. A in-
vestidura, porém, não é o único pres-
suposto processual subjetivo, no que
se refere ao juiz.

O juiz também deve ser imparcial e


competente. Para assegurar a impar-
cialidade, a CR estabelece garantias
(art. 95, caput) e vedações (art. 95,
parágrafo único) aos magistrados.
Além disso, o CPP prevê hipóteses de
impedimentos (art. 252), incompati-
bilidades (art. 253) e suspeições (art.
254) dos juízes.

Na organização judiciária brasileira


existem juízes monocráticos, que atu-
am a sós, e juízes colegiados, que atu-
am em grupo. Em regra, a justiça de
primeiro grau é monocrática, com ex-
ceção feita ao Tribunal do Júri e aos
conselhos de justiça da Justiça Mili-
tar.

A Lei 12.694/2012 prevê a possibilida-


de de, no caso de processos que te-
nham por objeto crime praticado por
organização criminosa, que as deci-
sões e a sentença sejam proferidas por
um colegiado formado pelo juiz com-
petente para a causa e mais dois julga-
dores escolhidos por sorteio (art. 1.º, §
2.º). Será, porém, um órgão colegiado
temporário, que atuará apenas para
aquela decisão ou sentença para qual
se formou (art. 1.º, § 3.º). De outro
lado, o novo art. 1-A da Lei
12.694/2019, acrescido pela Lei
13.964/2019, prevê a possibilidade de
criação, nas comarcas sedes de Cir-
cunscrição ou Seção Judiciária, de Va-
ras Criminais Colegiadas com compe-
tência para o processo e julgamento
dos “crimes de pertinência a organiza-
ções criminosas armadas”, de associa-
ção criminosa (CP, art. 288) e das in-
frações penais que lhes sejam cone-
xas. Nesse caso, será um órgão julga-
dor colegiado, de natureza permanen-
te, em primeiro grau.

Já em segundo grau e nos tribunais


superiores, bem como nos tribunais
do júri, a justiça é colegiada. Há, po-
rém, uma diferença. Enquanto nos
tribunais há colegiado homogêneo,
isto é, composto por juízes de igual
natureza, no júri há colegiado hetero-
gêneo, composto por um juiz togado,
e por mais 25 juízes leigos.

7.1.1. Dos impedimentos e


incompatibilidades dos juí-
zes
A distinção entre os impedimentos e
as incompatibilidades é meramente
terminológica, sendo destituída de re-
levâncias práticas. Segundo nosso en-
tendimento, o impedimento decorre
de fatores objetivos que colocam em
risco ou permitem duvidar da impar-
cialidade do juiz, porque ele ou pesso-
as a ele ligadas já exerceram ou estão
exercendo outras funções no mesmo
processo, ou têm interesse no feito
(CPP, art. 252). Já a incompatibilida-
de decorre do parentesco entre juízes
que poderiam atuar em um mesmo
órgão colegiado (CPP, art. 253, e, em
relação ao júri, arts. 448 e 450). [1]

7.1.1.1. Hipóteses de impedimentos

As hipóteses de impedimento do juiz


estão previstas no art. 252 do CPP:

“O juiz não poderá exercer jurisdição


no processo em que:

I – tiver funcionado seu cônjuge ou


parente, consanguíneo ou afim, em
linha reta ou colateral até o terceiro
grau, inclusive, como defensor ou ad-
vogado, órgão do Ministério Público,
autoridade policial, auxiliar da Justiça
ou perito;

II – ele próprio houver desempenha-


do qualquer dessas funções ou servido
como testemunha;

III – tiver funcionado como juiz de


outra instância, pronunciando-se, de
fato ou de direito, sobre a questão;

IV – ele próprio ou seu cônjuge ou pa-


rente, consanguíneo ou afim em linha
reta ou colateral até o terceiro grau,
inclusive, for parte ou diretamente in-
teressado no feito.” [2]

Antes de se analisarem tais hipóteses,


é necessário resolver uma questão
prévia sobre a taxatividade ou não de
tal rol. Para tanto, é fundamental
atentar para a distinção entre impar-
cialidade subjetiva e imparcialidade
objetiva do julgador. Nesse segundo
aspecto, não se pode aceitar que o juiz
que antecipe uma conclusão, ou mes-
mo um pré-juízo ou pré-conceito so-
bre a culpabilidade de um investiga-
do, na fase pré-processual, seja consi-
derado isento para julgá-lo. Haverá o
comprometimento da imparcialidade,
posto que será razoável suspeitar que
o juiz não será neutro, isento e equi-
distante. Segundo a teoria da aparên-
cia de imparcialidade, para preservar
a confiança que a sociedade deve ter
nos tribunais, deve ser impedido de
atuar todo juiz sobre o qual haja dúvi-
da de imparcialidade. Sem uma ga-
rantia total de imparcialidade, o julga-
dor não poderá legitimamente exercer
a função jurisdicional.

O rol legal não pode prevalecer sobre


a finalidade que tal regra pretende as-
segurar. As regras sobre impedimen-
tos apenas estabelecem situações em
que o legislador considera o juiz impe-
dido – ou suspeito – de julgar, por re-
putar que haveria risco a sua imparci-
alidade. Por certo, nada impede que,
diante de um caso não previsto em lei,
mas que também coloque em risco a
imparcialidade, se considere que o
juiz deve se abster de julgar. É inacei-
tável que se admita o julgamento por
um juiz parcial, sabidamente parcial,
apenas e tão somente porque a situa-
ção da qual se infere o risco de parcia-
lidade não esteja prevista em lei. Por
exemplo: embora a lei preveja o impe-
dimento do juiz cujo “cônjuge” seja
parte no feito (art. 252, IV, do CPP),
não seria impedido de julgar o juiz
que tivesse uma relação homoafetiva
com o acusado? A resposta positiva
parece evidente.

Em suma, é de se concluir que as hi-


póteses de impedimento e suspeição
não são numerus clausus, mas consti-
tuem um simples rol exemplificativo
ou numerus apertus. [3]

No que toca ao impedimento do inc. I


do art. 252, embora o dispositivo so-
mente se refira ao processo em que
tiver funcionado “cônjuge ou parente,
consanguíneo ou afim”, devem ser in-
cluídos os casos de união estável [4] e
de relações homoafetivas, como gera-
dores de impedimentos. Pode haver
maior dificuldade probatória, nos ca-
sos em que não haja um documento
formal, como a certidão de casamen-
to, a demonstrar tais relações, mas,
uma vez comprovada por qualquer
meio tal situação, é de reconhecer o
impedimento. Também haverá impe-
dimento no caso de parentesco decor-
rente de adoção.

Já se considerou presente a hipótese


do inc. II do art. 252, reconhecendo
haver impedimento, no caso de ma-
gistrado que atuou no mesmo proces-
so como membro do Ministério Públi-
co, tendo requisitado a instauração de
inquérito policial, e posteriormente
vem a receber a denúncia como juiz
da causa. [5]

A função de juiz é incompatível com a


de testemunha. Se o juiz presenciou o
fato, está impedido de atuar na causa.
Juiz é sujeito processual imparcial e
testemunha é fonte de prova. Por ou-
tro lado, se o juiz julgar com base em
seu conhecimento privado sobre os
fatos, sem que tenha prestado seu de-
poimento, será violado o contraditó-
rio. [6]

O inc. III do art. 252 prevê o impedi-


mento do magistrado que “tiver funci-
onado como juiz de outra instância,
pronunciando-se de fato ou de direito,
sobre a questão”. A expressão “instân-
cia” parece ter sido utilizada como
sinônimo de “grau de jurisdição”. As-
sim, por exemplo, o juiz que atuou em
primeiro grau, proferindo decisão so-
bre questão de fato ou de direito e,
principalmente, sentenciando o feito,
não poderá atuar em grau de recurso,
caso tenha sido promovido. Todavia,
diante do reconhecimento de que,
além do aspecto subjetivo, a imparcia-
lidade também envolve um aspecto
objetivo, e o juiz que tenha se pronun-
ciado sobre a causa, em etapas anteri-
ores da persecução penal, terá com-
prometida sua imparcialidade objeti-
va, a expressão “instância” merece
uma interpretação mais ampla, para
incluir as situações em que o mesmo
juiz, enquanto pessoa física, tenha se
pronunciado sobre o mérito, realizan-
do um prejulgamento sobre o crime
ou sua autoria, capaz de comprometer
sua imparcialidade.

Já se reconheceu que a atuação do juiz


em processos administrativos gera seu
impedimento para o processo judicial
sobre o mesmo fato (por exemplo, o
juiz que decide um processo adminis-
trativo para imposição de penalidade
a um servidor não poderá julgá-lo,
pelo mesmo fato, caso este constitua
crime). [7]

Em todos esses casos, será possível


reconhecer o impedimento do julga-
dor, seja admitindo pura e simples-
mente que o rol do art. 252 do CPP
não é taxativo, seja dando uma inter-
pretação mais lata à expressão “ins-
tância” do inc. IV do referido artigo.
Substancialmente, o importante é as-
segurar a denominada imparcialidade
objetiva, afastando do processo o juiz
que, previamente, já tenha se pronun-
ciado sobre o objeto do processo, emi-
tindo juízos de valor que possam indi-
car uma propensão condenatória. [8]

Nas edições anteriores, já afirmáva-


mos que também na hipótese em que
o julgador tenha atuado na fase do
inquérito policial ou qualquer outra
forma de investigação preliminar, por
exemplo, autorizando a prática de
atos instrutórios, como buscas e apre-
ensões, ou autorizando interceptação
telefônica, ou ainda decretando medi-
das cautelares, como prisão temporá-
ria ou preventiva, havia risco de perda
da imparcialidade. E concluíamos,
com fundamento em uma interpreta-
ção ampla do inciso III do art. 252 do
CPP, que nesses casos, quando se
constasse pela fundamentação dada
para a decisão, que houve um claro e
efetivo prejulgamento, seja quanto à
existência do crime, …

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