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Tribunal da Relação de Lisboa

Processo nº 5024/10.7TBALM.L1-1

Relator: MANUEL MARQUES


Sessão: 17 Janeiro 2012
Número: RL
Votação: UNANIMIDADE
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE

CONTRATO-PROMESSA DE COMPRA E VENDA

INCUMPRIMENTO DO CONTRATO

IMPOSSIBILIDADE DO CUMPRIMENTO EMPRÉSTIMO BANCÁRIO

ESSENCIALIDADE CONDIÇÃO

Sumário

1. Para afastar a presunção de culpa estabelecida no art. 799º, n.º 1, do C.


Civil, o devedor necessita apenas de provar a existência de circunstâncias que
eliminem a censurabilidade da conduta, ou seja, que actuou com a diligência
exigível.
2. Tendo no caso concreto o devedor (promitente-comprador) provado ter
solicitado a concessão de um empréstimo bancário, a sua não concessão e a
essencialidade do financiamento para efeitos de cumprimento do contrato-
promessa, tem-se por afastada aquela presunção, sendo não culposo o
incumprimento da obrigação principal.
3. Verificando-se a impossibilidade não culposa de cumprimento, o promitente-
comprador tem direito à devolução do sinal entregue.
( Da responsabilidade do Relator)

Texto Integral

Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. A instaurou acção declarativa de condenação, sob forma de regime


processual experimental, nos termos do disposto no Decreto-Lei 108/2006,

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contra B peticionando a condenação desta no pagamento da quantia de
€50.000,00, acrescida dos juros vencidos e vincendos até efectivo e integral
pagamento.
Alegou, em síntese, que no dia 8 de Junho de 2009 celebrou com a Ré um
contrato-promessa de compra e venda de um imóvel, que identifica; que para
a aquisição do referido imóvel necessitava de um empréstimo bancário, pelo
que ficou a constar do texto do contrato que se o financiamento bancário não
fosse aprovado no prazo de 20 dias úteis, o mesmo se considerava
automaticamente resolvido, devendo ser devolvido o sinal, em singelo, em 7
dias, após o conhecimento da comprovada recusa de concessão do aludido
empréstimo bancário; que entregou à ré, a título de sinal, a quantia de
€50.000,00; que o solicitado financiamento bancário foi-lhe recusado, pelo que
comunicou tal facto à mediadora imobiliária e à ré, solicitando a esta a
devolução dos €50.000,00, o que a mesma não fez.
A Ré apresentou contestação, na qual impugnou algumas das asserções
vertidas na p.i. e alegou, em suma, que o autor lhe comunicou que não tinha
conseguido financiamento bancário após o prazo de 20 dias úteis que constava
no contrato, pelo que, quando fez tal comunicação, o contrato já se mostrava
resolvido por incumprimento do promitente-comprador, razão pela qual fez
seu o sinal entregue.
Após foi fixado o valor à causa, elaborado o despacho saneador, bem como os
factos assentes e a base instrutória.
Realizado o julgamento, foi proferida sentença, na qual se julgou a acção
parcialmente procedente, tendo-se decidido condenar a ré a pagar ao autor a
quantia de 50.000 (cinquenta mil) euros, acrescida de juros de mora, ao ano,
desde 15-08-2009 até integral pagamento, à taxa que actualmente é de 4%.
Inconformada, veio a ré interpor o presente recurso de apelação, cujas
alegações terminou com a formulação das seguintes conclusões:
1- No contrato promessa de compra e venda constava a seguinte cláusula: "Os
Outorgantes convencionam ainda que caso o financiamento bancário ao qual o
Segundo Outorgante recorrer, não for aprovado no prazo de 20 dias úteis, o
presente contrato considera-se automaticamente resolvido, devendo a
Primeira Outorgante devolver, em singelo, no prazo de 7 dias úteis após terem
conhecimento da comprovada recusa de concessão de empréstimo bancário"
(ponto C dos factos dados como provados).
2- Só em 31/07/2009 comunicou o autor à recorrente a não concessão do
empréstimo bancário, por carta por esta recebida a 05 de Agosto de 2009
(pontos F e G dos factos -dados como provados).
3- Caberia ao autor comunicar à recorrente dentro dos 20 dias úteis acordados
a impossibilidade da concessão do empréstimo bancário, o que este não fez.

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4- Nos termos do artigo 405° do Código Civil as partes têm a faculdade de
fixar livremente o conteúdo dos contratos, dentro dos limites da lei.
5- Mas mesmo que assim não fosse, a verdade é que haveria sempre culpa do
autor pois incumbe ao devedor provar que a falta de cumprimento não
procede por culpa sua (artigo 799, nº 1 do Código Civil).
6- O autor deveria ter alegado e provado que não teve culpa nem foi
responsável pela não concessão do empréstimo bancário, o que este não fez.
7- Não o tendo feito, ditam as regras da experiência e do Homem médio, que
os empréstimos bancários não são concedidos quando os clientes não possuem
capacidade financeira ou credibilidade (o facto J dos factos dados como
provados refere que o autor tinha problemas no Banco de Portugal).
8- Agiu o autor de má fé ao celebrar o contrato promessa pois sabia
antecipadamente que tendo problemas no Banco de Portugal nunca lhe seria
atribuído o empréstimo bancário.
9- O não cumprimento do contrato promessa decorreu por culpa exclusiva do
autor, pelo que tem a recorrente direito a fazer seu o sinal recebido em
singelo.
Termos em que se requer que seja concedido provimento ao presente recurso,
revogando-se a douta sentença e alterada a decisão do tribunal de primeira
instância.
Foram apresentadas contra-alegações, nas quais se propugna pela
manutenção do julgado.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
*
II. Em 1ª instância, foi dada como provada a seguinte matéria factual:
A) Em 8 de Junho de 2009, a Ré B na qualidade de primeiro outorgante,
declarou prometer vender e o ora Autor, na qualidade de segundo outorgante,
declarou prometer comprar a fracção autónoma designada pela letra “AP”,
correspondente ao R/C, Bloco 33 do prédio urbano sito na …., freguesia da ….,
concelho descrita na 2.a Conservatória do Registo Predial de ... sob o número
00000 e inscrita na respectiva matriz sob o artigo 00000-AP, conforme
documento junto aos autos de fls. 10 a 13.
B) Do referido escrito constava no n.º l da cláusula 4a que" A compra e venda
ora prometida será realizada pelo preço de € 235.000,00 (duzentos e trinta e
cinco mil euros), o qual será liquidado da seguinte forma: a) € 50.000,00
(cinquenta mil euros) através de cheque emitido pelo Segundo Outorgante a
favor da Primeira Outorgante, a entregar na data da assinatura do presente
contrato promessa a título de sinal e princípio de pagamento, quantia esta que
a Primeira Outorgante declara ter recebido e em relação à qual dá neste acto
total quitação."

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C) Do escrito constava ainda no n.º 3 da cláusula 4a que "Os Outorgantes
convencionam ainda que caso o financiamento bancário ao qual o Segundo
Outorgante recorrer, não for aprovado no prazo de 20 dias úteis, o presente
contrato considera-se automaticamente resolvido, devendo a Primeira
Outorgante devolver o sinal recebido, em singelo, no prazo de 7 dias úteis
após terem tomado conhecimento da comprovada recusa de concessão de
empréstimo bancário."
D) O Autor emitiu em 8 de Junho de 2009 um cheque sacado ao Banco Caixa
Geral de Depósitos no valor de € 6.550,00 (seis mil e quinhentos e cinquenta
euros) à ordem de …….Sociedade de Mediação Imobiliária, S.A.
E) Por carta de 15 de Julho de 2009 emitida pela Agência da ….. do Banco
Santander Totta foi comunicado ao autor que "Na sequência da vossa consulta
de 6 de Julho de 2009 sobre empréstimo habitação a formalizar por A, e após
apreciação por parte do Banco Santander Totta, lamentamos informar não nos
ser possível corresponder ao solicitado" .
F) Por escrito datado de 31/07/2009, o Autor comunicou à Ré a não concessão
do empréstimo e requereu a devolução a quantia recebida a título de sinal,
conforme documento junto a fls. 18 e que se dá aqui por integralmente
reproduzido.
G) A Ré recebeu a carta referida em F) em 5 de Agosto de 2009 [artigo 2.° da
base instrutória]
H) Após a celebração do contrato mencionado em A) o Autor, manifestou à Ré
intenção de se instalar no imóvel, alegando já ter o crédito pré-aprovado.
[artigo 3.° da base instrutória]
I) O que foi negado pela Ré. [artigo 4.° da base instrutória]
J) O Autor pediu então à Ré mais tempo para a realização da escritura pública
alegando problemas com o Banco de Portugal. [artigo 7.° da base instrutória]
K) Posteriormente o Autor propôs à Ré a celebração de um contrato de
arrendamento para o imóvel. [artigo 8.° da base instrutória]
L) O Autor comunicou a Ré que pretendia pôr termo ao contrato mencionado
em A). [artigo 5.0 da base instrutória]
***
III. Nos termos dos art.ºs 684º, n.º 3, e 685º-A, n.º 1, do C.P.Civil, o objecto do
recurso acha-se delimitado pelas conclusões da recorrente, sem prejuízo do
disposto na última parte do n.º 2 do art.º 660º do mesmo Código.
A questão a decidir resume-se, essencialmente, a saber se o autor teve culpa
no não cumprimento do contrato-promessa.
*
IV. Da questão de mérito:
No caso em apreciação é indubitável que nos encontramos em presença de um

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contrato-promessa de compra e venda, datado de 8 de Junho de 2009.
Face ao disposto no art. 410º, n.º1, do CC, que faz aplicar ao contrato-
promessa as disposições legais relativas ao contrato prometido, são aqui
aplicáveis as normas de carácter geral atinentes ao incumprimento das
obrigações, constantes dos arts. 790º e segs. do C.C.
*
Posto isto, vejamos se o incumprimento definitivo do contrato-promessa
ocorreu por razões não imputáveis ao autor, como se decidiu na sentença
recorrida, ou se, ao invés, houve culpa deste nesse incumprimento, como
sustenta a apelante.
Convencionou-se na cláusula 4ª, n.º 3, do aludido contrato que:
"Os Outorgantes convencionam ainda que caso o financiamento bancário ao
qual o Segundo Outorgante recorrer, não for aprovado no prazo de 20 dias
úteis, o presente contrato considera-se automaticamente resolvido, devendo a
Primeira Outorgante devolver o sinal recebido, em singelo, no prazo de 7 dias
úteis após terem tomado conhecimento da comprovada recusa de concessão
de empréstimo bancário."
O estabelecido nesta cláusula não é uma condição em sentido técnico, pois
que esta constitui um acontecimento futuro e incerto (art. 270º, do C. Civil) e
o facto supostamente condicionante tem de ser desencadeado por vontade de
um dos contraentes.
Trata-se, por isso, de uma condição mista, em que o evento condicionante
depende em parte da vontade de um dos sujeitos da relação condicional e em
parte de um acto de terceiro – vide Manuel Andrade, Teoria Geral da Relação
Jurídica, vol. II, pag. 368.
Efectivamente, do clausulado deriva que o promitente-comprador (autor)
assumiu a obrigação secundária de solicitar a uma instituição bancária a
concessão de um mútuo para aquisição do imóvel prometido vender, deixando
o contrato-promessa de produzir efeitos caso não fosse aprovado no prazo de
20 dias úteis o aludido financiamento.
Logicamente, tal pressupunha que o pedido de financiamento fosse feito em
tempo útil, de modo a que a instituição bancária se pudesse pronunciar sobre
o mesmo no aludido prazo.
Ora, o prazo de 20 dias úteis terminou dia 9 de Julho de 2009.
E, resulta da carta do Banco Santander Totta junta aos autos que a solicitação
foi formalmente apresentada pelo autor/apelado no dia 6 de Julho de 2009,
tendo o banco recusado o financiamento, facto que comunicou ao autor por
carta de 15/07, ou seja, em momento posterior ao termo daquele prazo de 20
dias.
Daí que, não tendo a recusa de financiamento ocorrido no prazo

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contratualmente estabelecido, não opere a consequência prevista na cláusula
4ª, n.º 3, do contrato-promessa: a resolução automática deste contrato.
Mas será que com essa actuação o autor, de forma culposa, incumpriu
definitivamente o contrato-promessa, como sustenta a apelante/ré?
Vejamos.
A solicitação de financiamento foi formalmente apresentada pelo autor/
apelado junto do Banco Santander Totta no dia 6 de Julho de 2009, ou seja, no
17º dia útil posterior ao da outorga do contrato-promessa, a apenas 3 dias do
termo do prazo contratualmente estabelecido.
Com essa actuação o mesmo revelou pouca diligência, sabido que, em termos
de normalidade, os bancos demoram cerca de 5 a 15 dias para procederem à
avaliação do imóvel, apreciarem a capacidade financeira do solicitante e
decidirem sobre o pedido de financiamento.
Pode por isso dizer-se que actuou de forma negligente, mas as consequências
da mesma apenas se reflectem na sua esfera jurídica ao não poder aproveitar-
se da cláusula resolutiva (4ª, n.º 3) estabelecida, a seu favor, no contrato-
promessa.
Tal actuação do autor não determinou o vencimento da obrigação principal (de
celebração do contrato prometido).
A obrigação que o autor objectivamente incumpriu foi a de marcar dia para a
realização da escritura pública de compra e venda no prazo máximo de 60 dias
contratualmente previsto para a sua celebração.
Ainda que se entendesse diferentemente, a falta de diligência do autor na
formalização do pedido de empréstimo bancário apenas poderia traduzir uma
situação demora e não de incumprimento definitivo.
Por outra via:
Apurou-se que por carta datada de 31/07/2009, o autor comunicou à ré a
recusa de financiamento e solicitou a devolução da quantia entregue a esta a
título de sinal.
Tal comunicação do autor consubstancia uma declaração (implícita) de
resolução contratual e a demonstração clara de que não iria cumprir o
contrato-promessa, e como tal foi entendida pela ré.
A questão está por isso em saber se esse incumprimento definitivo é ou não
imputável ao autor, sendo que a culpa deste se presume (art. 799º, n.º 1, do
CC).
O ónus da prova da ausência de culpa recai assim sobre o devedor (autor),
podendo a presunção em apreço ser afastada pelas mais variadas
circunstâncias.
Nesta sede, deriva do contrato-promessa e dos factos provados que o
cumprimento do contrato-promessa ficou dependente da concessão de um

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mútuo bancário ao promitente-adquirente.
Daqui decorre, sem qualquer dúvida, a essencialidade da concessão do mútuo
para efeitos de celebração do contrato definitivo/cumprimento do contrato-
promessa, facto que, naturalmente, era do conhecimento da promitente-
vendedora.
Ora, a não concessão do mútuo bancário nada teve a ver com qualquer atraso
na formulação do pedido perante o banco.
É que, como é sabido, a concessão de um empréstimo bancário para aquisição
de habitação depende dos valores monetários envolvidos e da análise sobre a
capacidade do solicitante para suportar os respectivos custos ou ainda de
problemas deste registados na central de responsabilidades do Banco de
Portugal.
Certo é que se ignoram as razões da não concessão ao autor do empréstimo
solicitado por este ao Banco Santander Totta, pois que apenas se apurou que o
autor pediu à ré mais tempo para a realização da escritura pública alegando
problemas com o Banco de Portugal, desconhecendo-se que problemas eram
esses e desde quando datavam.
Não se provou, assim, contrariamente ao sustentado pela apelante, que ab
initio o autor já soubesse que não lhe seria concedido o empréstimo.
Para afastar a presunção de culpa, o autor necessitava apenas de provar a
existência de circunstâncias que eliminem a censurabilidade da conduta, ou
seja, que actuou com a diligência exigível
Assim, o autor tinha apenas de provar a solicitação do empréstimo bancário, a
sua não concessão e a essencialidade do financiamento para efeitos de
cumprimento do contrato-promessa.
Repare-se que também para efeitos do preenchimento da condição constante
do mesmo contrato (a qual, a verificar-se, determinava a resolução deste
contrato) apenas se exigia essa prova, pelo que para efeitos de afastamento
daquela presunção de culpa não se deve ser mais exigente.
Não era pois exigível ao autor a prova das razões da não concessão do mútuo,
bem como a prova de que qualquer outro banco lhe não concederia o
financiamento, tanto mais que o prazo máximo de realização da escritura
pública de compra e venda era de 60 dias e esse prazo não se compadecia com
a necessidade de formular aquela solicitação sucessivamente junto de outras
instituições de crédito.
Assim, a recusa de concessão de empréstimo, nas circunstâncias do caso,
constitui “facto de terceiro”que funciona como circunstância capaz de afastar
a presunção de culpa.
Deste modo, tendo o autor provado ter diligenciado no sentido da obtenção do
empréstimo bancário e a essencialidade dessa concessão para efeitos de

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cumprimento do contrato-promessa, e não tendo o mútuo sido concedido, tem
de considerar-se não culposo o incumprimento da obrigação principal.
Verificando-se a impossibilidade não culposa de cumprimento, a obrigação
extingue-se, correlativamente se extinguindo a obrigação do outro contraente,
pois que o contrato é bilateral.
Assiste, por isso, ao autor o direito à devolução do sinal entregue – art. 795º,
do C. Civil.
Improcede por isso a apelação.
*
Sumário (da responsabilidade do relator):
1. Para afastar a presunção de culpa estabelecida no art. 799º, n.º 1, do C.
Civil, o devedor necessita apenas de provar a existência de circunstâncias que
eliminem a censurabilidade da conduta, ou seja, que actuou com a diligência
exigível.
2. Tendo no caso concreto o devedor (promitente-comprador) provado ter
solicitado a concessão de um empréstimo bancário, a sua não concessão e a
essencialidade do financiamento para efeitos de cumprimento do contrato-
promessa, tem-se por afastada aquela presunção, sendo não culposo o
incumprimento da obrigação principal.
3. Verificando-se a impossibilidade não culposa de cumprimento, o promitente-
comprador tem direito à devolução do sinal entregue.
***

V. Decisão:
Pelo acima exposto, julga-se a apelação improcedente, confirmando-se a
sentença recorrida.
Custas pela apelante.
Notifique.

Lisboa, 17 de Janeiro de 2012

Manuel Marques - Relator


Pedro Brigton - 1º Adjunto
Teresa Sousa Henriques - 2º Adjunto

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