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CURSO DE SOLICITADORIA

FICHA DE TRABALHO N.º 2


1.º ano/1.º Sem.
Direito Administrativo I

Trabalho de grupo (2 a 4 elementos) Tempo de elaboração: 50m

Ler o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, seguidamente


identificado e transcrito:

1. Identificar, muito resumidamente, a factualidade subjacente ao acórdão.

Proposta de 2. Idem, a controvérsia jurídica que o STA vai resolver.


trabalho
3. Transcrever, do texto integral do acórdão, as frases que mais diretamente
abordam a questão da distinção entre função administrativa e função
jurisdicional do Estado.

Nota: Sublinhar as palavras cujo alcance se desconheça ou não domine e


que pretenda ver esclarecidas.

1. Proporcionar um primeiro contacto com uma decisão de um tribunal


Objetivo (s)
administrativo;
específico(s)
relacionado(s) 2. Permitir reconhecer o alcance prático da distinção conceptual entre
função administrativa e função jurisdicional do Estado.

ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO DE 03-04-2008


(PROCESSO: 0934/07)
[http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/02e183434e77ac318025742e003ca718?OpenDocument&ExpandSection=1]

Processo: 0934/07
Data do Acórdão: 03-04-2008
Tribunal: 1 SUBSECÇÃO DO CA
Relator: FREITAS CARVALHO
Descritores: CÂMARA MUNICIPAL; INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA; USURPAÇÃO DE
PODER; DOMÍNIO PÚBLICO

Sumário:
I - Uma câmara municipal carece de competência para definir, através de acto administrativo,
sobre a inclusão num terreno no domínio público, em situação em que um particular defende que
ele lhe pertence.
II - O acto administrativo que levou a cabo tal definição, dirimindo um litígio entre a
administração e um particular, que cabe aos tribunais decidir, enferma de usurpação de poder,
gerador da sua nulidade, nos termos do art. 161, nº. 2, alínea a), do CPA.

Texto integral:
Acordam em conferência na Secção de Contencioso do Supremo Tribunal Administrativo

-1-
“A…”, identificada nos autos recorre da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra
que, julgando improcedentes os vícios de incompetência absoluta, usurpação de poderes,
violação de lei por ofensa ao disposto no artigo 62 da CRP, desvio de poder e vício de forma
por incumprimento do disposto no artigo 110 do CPA, imputados à deliberação de 28-01-1998,
da Câmara Municipal de Montemor-o-Novo, negou provimento ao recurso contencioso que
interpusera daquela decisão administrativa que declarou o caminho que atravessa a herdade da
recorrente como pertencente ao domínio público.
A recorrente formula as seguintes conclusões:
1- A decisão recorrida não fixou correctamente a matéria de facto provada, pois, considera
apenas e tão só alguma factualidade respeitante às ocorrências anteriores à deliberação, sendo
que, todas as ocorrências que estão na base da mesma e por provadas nos autos e no P.A. são
relevantes para a decisão, designadamente: que, o procedimento administrativo iniciou-se a
requerimento do particular, o denunciante B…; (cf. acta de fls. 13 — 1ª página, linha 24), que -
por requerimento dirigido ao respectivo Presidente, no qual se considera prejudicado com a
actuação de C… de 13-01-2007, o denunciante pediu que a Câmara Municipal de Montemor-o-
Novo, determinasse a deslocação ao local de uma máquina daquela edilidade a fim de repor o
caminho em condições de circulação (cf. P.A.), que em 16-01-1998 o referido denunciante e a
Sociedade ...., interpuseram no Tribunal Judicial de Montemor-o-Novo uma Providência
Cautelar Não Especificada, cujo pedido é a notificação da requerida para proceder à
desobstrução e reposição do caminho público que liga a Estrada Nacional n.° 2 ao Monte da
herdade da … e às instalações agrícolas da primeira requerente e de se abster, de um modo
geral, de praticar quaisquer actos susceptíveis de impedir o trânsito normal de pessoas e bens
destinados à exploração e habitação dos requerentes. (cf. fls. 37 dos autos), que em 14-01-1998
o caminho em questão não constava do cadastro dos bens imóveis do município. (cf acta da
deliberação de fls. 13 a 17 dos autos)
2- Não sabendo se o caminho em causa era do município ou privado, e conhecendo a recorrida
o conflito existente entre a recorrente e o cidadão B…, bem como a pendência no Tribunal
Judicial de uma providência cautelar por este proposta contra a recorrente para obter decisão
que impusesse a esta adopção de determinada conduta, a recorrida na sequência e em
consequência do acto administrativo que praticou veio a ordenar à recorrente o que o
denunciante particular pretendia obter com a Providência cautelar que instaurara no Tribunal
Judicial, sendo pois manifesto que se substituiu ao Tribunal, dirimindo o conflito a favor do
referido cidadão.
3- A douta sentença sob recurso não podia deixar de relevar estes factos e deles retirar as
conclusões antecedentes, e não julgando o acto recorrido viciado de usurpação de poder violou
os artigos 111º e 202° n°2 da Constituição da República Portuguesa e o art. 133° n°2 a) do
CPA.
4- Sendo patente e reconhecida que a questão da natureza pública ou privada do caminho
objecto da deliberação recorrida é controvertida e sendo a Câmara Municipal de Montemor-o-
Novo parte interessada nesta questão, o conflito de interesses existe não só entre a recorrente e
o particular B…, como também entre a Câmara Municipal de Montemor-o-Novo que defende
que o caminho é municipal, pelo que, não podia a Entidade recorrida deliberar sobre tal
questão.
5- A deliberação recorrida representa o exercício de um poder decisório autoritário em questão
conflitual de interesses entre um particular e a entidade recorrida, em que esta é parte
interessada, pois que defende pertencer o caminho ao domínio municipal. Nesta conformidade,
é evidente que invadiu a esfera de atribuições jurisdicionais dos Tribunais, estando portanto tal
deliberação viciada de usurpação de poder que torna nulo aquele acto.
6- A determinação da natureza de um caminho, insere-se no âmbito material da função
jurisdicional.

-2-
7-Para além disso, esquece ainda a sentença recorrida, que no caso concreto, quando a
deliberação recorrida foi tomada em 28-01-1987 já a recorrente tinha notificado a entidade
recorrida em 19-01-1998, de que o caminho era particular e próprio da Herdade da …, pelo que
não lhe era legítimo decidir autoritariamente sobre tal questão. Antes a teria que ter colocado à
apreciação do poder jurisdicional.
8- A douta sentença recorrida violou os artigos 111º e 202° n°2 da Constituição da República
Portuguesa, bem como o art. 161.° n.°2 a) do CPA que não aplicou.
9- A douta sentença também julgou erradamente ao considerar não provado o vício de desvio
de poder assim violando o art. 163.° do CPA, pois, pelos antecedentes verificados e atrás
expostos no presente recurso, conclui-se que a Entidade recorrida também se determinou pelo
propósito deliberado de prosseguir um fim ilegal, com preterição do princípio da
imparcialidade e da legalidade, praticando o acto recorrido favorecendo o interesse privado de
….
10- Tendo o procedimento administrativo sido iniciado a requerimento do particular, a
Administração apenas podia pronunciar-se ou responder, mas não decidir como desde logo o
fez, primeiro através da notificação referida em C) dos Factos Provados e depois, deliberando
como o fez.
11- A douta sentença recorrida também julga erradamente ao considerar que se não verifica
vício de forma por violação do artigo 55.° do CPA, pois é evidente que no caso em apreço a
Administração tinha o dever legal de não só comunicar à recorrente o inicio do procedimento
como ainda de lhe dar a oportunidade de se pronunciar acerca da proposta da deliberação que
veio a tomar, uma vez que não é manifesto que a decisão viciada só podia, em abstracto, ter o
conteúdo que teve em concreto.
12- A omissão dessa audição constitui a preterição de uma formalidade legal conducente à
anulabilidade dessa decisão, o direito de audiência não podia deixar de ser assegurado e que
não o tendo sido se preteriu formalidade essencial, o que acarreta a anulação do acto em causa.
13- Considerando que a deliberação recorrida foi tomada, após a entidade deliberante ser
informada pela recorrente de que se arrogava a propriedade de tal caminho, tal deliberação
traduziu-se de facto em expropriação ilegal em violação do artigo 62° da CRP, pelo que,
também aqui, a douta sentença recorrida apreciou e julgou erradamente a referida questão,
assim violando ela também o art. 62° da CRP que não aplicou.
14- Os dispositivos legais invocados pelo Mmo. Juiz a quo na douta sentença recorrida não
podem ser interpretados com a extensão de abarcar a competência para qualificar a natureza
jurídica dos caminhos, pois tal não resulta da letra da lei, do seu espírito. O artigo 51° n° 4 d)
da LAL, pressupõe deliberações sobre trânsito nas ruas e demais locais públicos, ou seja, locais
relativamente aos quais não se suscitam quaisquer dúvidas acerca da sua natureza pública ou
privada e o mesmo se aplica quanto ao nº 1 c) do mencionado artigo e ao art. 2° n° 1 a) da
LAL, pelo que a douta sentença recorrida violou as mencionadas normas legais por errada
interpretação.
15- Deve pois ser revogada a douta decisão recorrida, com o que se fará Justiça!
Não houve contra alegações.
A Exmª. Procuradora Geral Adjunta emitiu o seguinte parecer.
“Em nosso entender o recurso jurisdicional merece ser provido.
Como revela o próprio teor da deliberação recorrida, a Câmara pretendeu, através desse acto,
resolver a controvérsia sobre a natureza pública ou privada do caminho identificado nos autos e
que a colocava em oposição à sociedade proprietária da herdade atravessada por esse caminho.
Foi com esse objectivo que decidiu declarar tal caminho pertencente ao domínio público do
município e integrá-lo no cadastro das vias municipais.
Acontece que, havendo conflito de interesses sobre esta matéria, era aos tribunais que cabia
dirimir esse conflito e não à própria Câmara interessada, conforme tem sido decidido por este

-3-
STA em casos semelhantes — cfr. por todos, os acórdãos de 99.01.20, no processo n° 36550, e,
de 94.11.17, no processo n° 33622.
Nestes termos, conforme defende a recorrente na sua alegação, a deliberação impugnada sofre
do vício de usurpação de poder, o qual é gerador de nulidade nos termos da alínea a) do n° 2 do
art° 161.° do CPA.
Assim, a sentença recorrida, ao julgar improcedente este vício, incorreu em erro de julgamento,
pelo que deverá ser revogada, ficando prejudicado o conhecimento dos restantes vícios que lhe
são imputados.
Em razão do exposto, emitimos parecer no sentido de que deverá ser concedido provimento ao
recurso jurisdicional, revogando-se a sentença e declarando-se nulo o acto contenciosamente
impugnado.”

II. A decisão recorrida considerou assentes os seguintes factos:


A) A Herdade da … é da propriedade da Recorrente — doc. de fls. 28-33 dos autos;
B) O caminho objecto da deliberação impugnado atravessa a Herdade da … - acordo e doc. de
fls. 59 dos autos;
C) Em 14/01/1998 o fiscal municipal informou que deslocando-se à Herdade da … a verificou
o corte de caminho, por colocação de manilhas — doc. de fls. 22 e fls. 58-59 dos autos;
D) Em 14/01/1998 o Vereador … notificou C…, sócio gerente da Recorrente para “(...) repor
imediatamente o referido caminho no estado em que se encontrava antes dos actos de
danificação ilícita a que procedeu no mesmo (...)” — doc. de fls. 21 dos autos, para que se
remete e se considera integralmente reproduzido;
E) Em 19/01/1998 a Recorrente informou a Entidade Recorrida que o caminho é particular e
próprio da Herdade da … — Acordo;
F) Em 21/01/1998, pela Informação n° 2/98 foi solicitado “(...) ao serviço de fiscalização que
proceda a diligências urgentes com vista à obtenção das seguintes informações:
1º O caminho, pelo seu aspecto e características apresenta ou não sinais de utilização? 2° As
pessoas das redondezas (quer de montes vizinhos de S. Geraldo) confirmam ou não que se trata
de um caminho livremente utilizado pelo público em geral?
3º E, em caso afirmativo, essa utilização é recente ou antes pelo contrário vem já de tempos
imemoriais?” — doc. constante dos autos, entre fls. 62 e 63;
G) Em 23/01/1998, pela Informação n° 14/98 dos serviços de fiscalização foi levado ao
conhecimento: “(...) informamos que o caminho pelo seu aspecto apresenta sinais de utilização
permanente. As pessoas dos arredores e da povoação de S. Geraldo confirmaram que o
caminho sempre existiu e foi utilizado livremente pelo público em geral. Relação das pessoas
contactadas, todas residentes em S. Geraldo e com mais de sessenta anos: …, …, …,…, …,
….” — doc. de fls. 63 dos autos;
H) Da planta de fls. 64 aparece desenhado um caminho, que liga a E.N. 114 à E.N. 2,
atravessando vários Montes e Herdades;
I) Em 23/01/1998 o Gabinete Jurídico da Entidade Recorrida emitiu o seguinte parecer:
“1. No passado dia 13 do corrente mês de Janeiro, o sr. C…, sócio gerente da sociedade A…,
levou a efeito acções que se traduziram na destruição parcial (corte) e consequente
inviabilização de utilização do caminho que liga; entre outras, as Herdades da … e da … (…)
2. Tais factos foram do conhecimento do senhor Vereador … (através de informação que lhe
foi prestada pelo Serviço de Fiscalização) que de imediato ordenou a notificação do senhor C…
com vista à reposição do caminho no estado em que se encontrava antes dos actos de
danificação operados, por considerar que se trataria de um caminho público.
3. Em resposta, o senhor C… veio, (…) através do ofício de 19.1.98, contestar a alegada
natureza pública do caminho em questão, afirmando mesmo que o dito caminho é particular e
próprio da Herdade da … (…)

-4-
4. A questão gira pois em torno de saber se o caminho em apreço reveste de facto natureza
pública ou não (…)
10.(…)
c) O caminho em questão, no seu traçado actual, encontra-se já referenciado nas cartas da
campanha cadastral de 1951/52.
d) Mas alguns moradores da zona, afiram mesmo que o seu uso, feito livremente por todas as
pessoas, sem intervenção ou oposição de outrem, excede já a memória dos vivos.
e) O caminho em causa é de grande utilidade para a vida rural da zona, como o é também para
as actividades lúdicas e de trânsito mais genéricas.
11. O caminho em apreço está pois no uso directo e imediato do público, desde tempos
imemoriais. É de uso comum e de utilidade pública. Logo, é um caminho público.
12. Sendo caminho público há-de pertencer a uma pessoa colectiva de direito público de base
territorial, isto é, ao Estado, ao município ou à freguesia, o que, de acordo com o disposto no n°
2 do art° 84° da constituição, se determina de acordo com a lei.
13. Da leitura conjugada das disposições constantes do D.L. nº477/80 de 15.10., D.L 380/83 de
26.9 e DL 34593 de 11.5.45, verificamos que o caminho em questão pertence ao domínio
público do município.
14. Por último e tendo em conta o disposto no art° 38° da Lei 2110 de 14.8.61 (Regulamento
das Estradas Municipais), o caminho uma vez considerado de interesse público e do domínio
municipal, mediante deliberação da Câmara Municipal (…), deve ser integrado no cadastro das
vias municipais.” — doc. de fls. 11-12 dos autos, que se considera integralmente reproduzido;
j) Em 28/01/1998 a Câmara Municipal de Montemor-o-Novo deliberou aprovar a Proposta n°
5/98, referente a “Assunto: Caminho público / Herdade da …”, com o seguinte teor: “Na
sequência dos actos materiais de obstrução e parcial destruição do caminho que, partindo da
EN. 2, atravessa a Herdade da … e daí segue estabelecendo a ligação entre vários prédios
rústicos e mesmo com as povoações de Ciborro e Foros de Vaie de Figueira, levados a efeito
pelo
sócio-gerente da sociedade A…; e na sequência ainda das dúvidas surgidas quanto à natureza
pública ou não do referido caminho, solicitei ao gabinete jurídico que emitisse parecer sobre o
assunto, o que foi feito e consta do documento anexo. E tendo em conta o conteúdo do referido
parecer e no sentido de dissipar as dúvidas existentes quanto à natureza do caminho em apreço,
que proponho à Câmara Municipal que seja tomada a seguinte deliberação:
“Considerando que o caminho que, partindo da Estrada Nacional 2 atravessa a Herdade da … e
segue em direcção à Herdade da …, Monte do …, Monte do …, …, Monte do …, Monte da …
e tem ligação com a Estrada Nacional 114, é usado pela generalidade das pessoas deste tempos
que excedem a memória dos vivos, se encontra referenciado nas cartas da campanha cadastral
de 1951/52, é de grande interesse para a vida rural da zona, como o é também para as
actividades lúdicas e de trânsito mais genéricas, a Câmara delibera, ao abrigo do disposto no
art° 51°, n°4 alínea e) da Lei das Autarquias Locais e do disposto no art° 38° da Lei 2110 de
19.8.61, declarar o referido caminho pertencente ao domínio público do município e integrá-lo
no cadastro das vias municipais”. — doc. de fls. 8 dos autos;
K) Em 02/02/1998 o Presidente da Câmara Municipal de Montemor-o-Novo emitiu o “Edital
de utilidade pública de caminho rural”, tornando pública a deliberação que antecede — doc, de
fls. 20 dos autos;
L) Por oficio datado de 03/02/1998 a recorrente foi notificada da deliberação assente em 3) -
doc. de fls. 23 dos autos;
M) Em 18/02/1998 foi emitida a Certidão sobre o “Caminho público da …”, constante de fls.
13-17 dos autos, para que se remete e se considera integralmente reproduzida;
N) A Recorrente interpôs o presente recurso contencioso em 03/04/1998 - doc. fls. 1 dos autos.

-5-
III. A recorrente impugnou contenciosamente a deliberação de 28-01-1998, da Câmara
Municipal de Montemor-o-Novo que ao abrigo do n.° 1, al. e), do artigo 54, da Lei das
Autarquias Locais, e do artigo 38, da Lei n.° 2110, de 19-08-1961 declarou o caminho que
atravessa a propriedade da recorrente denominada “Herdade da …” como pertencente ao
domínio público do município, e o integrou no cadastro das vias municipais, imputando-lhe os
vícios de incompetência absoluta, usurpação de poderes, violação de lei, por ofensa ao disposto
no artigo 62 da CRP e por erro nos pressupostos de facto e de direito, desvio de poder e vicio
de forma por incumprimento do disposto no artigo 55.º do CPA.
A sentença recorrida julgou improcedentes todos os vícios alegados, com excepção do de
violação de lei por erro nos pressupostos de facto e de direito, questão cuja decisão entendeu
sobrestar nos termos da al. e), do n.° 1 e 2, do artigo 4, do ETAF.
A recorrente discorda do decidido na parte em que julgou improcedentes os vícios por ele
imputados ao acto administrativo recorrido.
Assim, alega, em primeiro lugar, que, sendo controversa a natureza pública ou privada do
caminho que atravessa a sua propriedade, a deliberação recorrida ao declará-lo pertencente ao
domínio público do município, traduz o exercício de um poder decisório autoritário em questão
conflitual de interesses, a qual só pode ser dirimida pelo tribunal.
Desse modo, conclui, a entidade recorrida decidindo tal questão, ainda por cima a seu favor,
invadiu a esfera de atribuições jurisdicionais dos Tribunais, o que inquina a deliberação do
vício de usurpação de poder e a torna nula, razão por que, decidindo em contrário, a sentença
recorrida violou os artigos 111º e 202º, n.° 2, da CRP, incorrendo em erro de julgamento.
Vejamos.
A questão está em saber se estamos se o acto em causa - que, ao abrigo do artigo 54, n.° 1, al.
e), da LAL (Dec-Lei n° 100/84, de 29-03, alterado pela Lei n.° 18/91 , de 12-06) declarou o
caminho que atravessa a propriedade da recorrente como pertencente ao domínio público do
município - se insere nas atribuições e poderes da Câmara Municipal de Montemor-o-Novo ou
antes constitui a decisão de um conflito de interesses entre privados e a própria Câmara
Municipal, actividade que cabe aos tribunais judiciais, isto é, se se enquadra no exercício da
função administrativa ou da função jurisdicional. A recorrente sustenta que a decisão da
questão da natureza particular ou pública do caminho, na medida em que aquando do acto
administrativo impugnado, proferido, como bem refere, na sequência de um procedimento
administrativo iniciado pelo proprietário do prédio confinante com o seu, era controversa pelo
que a decisão de tal questão extravasa as atribuições da recorrida, inserindo-se na função
jurisdicional, da competência dos tribunais (artigo 202, n.° 2, da CRP).
A Jurisprudência tem distinguido ambas as funções conforme a natureza dos interesses em jogo
e a finalidade prosseguida com a decisão.
Assim, o Tribunal Constitucional, no seu acórdão n.° 280/99 de 9 de Março de 1989, BMJ,
385, pág. 155, considera que “a separação real entre função jurisdicional e a função
administrativa, passa pelo campo dos interesses em jogo: enquanto a jurisdição resolve litígios
em que os interesses em confronto são apenas os das partes, a Administração, embora na
presença de interesses alheios realiza o interesse público”.
Por sua vez este Supremo Tribunal Administrativo tem entendido que” haverá acto
jurisdicional, quando a sua prática se destina a realizar o próprio interesse público da
composição de conflito de interesses (entre particulares, entre estes e interesses públicos ou
entre estes, quando verificados entre entes públicos diferentes), tendo, pois, como fim
específico, a realização do direito ou da justiça; há acto administrativo, quando a composição
de interesses em causa tem por finalidade a realização de qualquer outro interesse público, que
ao ente público compete levar a cabo, representando aquela composição, por conseguinte, um
simples meio ou instrumento desse outro interesse”. — acórdão do Pleno de 18-12-91, Proc.°

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n.° 18882, in AP DR 10- 9-93, 807 (No mesmo sentido, ver os acórdãos de 16-06-1992, Proc.º
29769, in AP DR 16-4-96, 4067, de 23- 03-1995. Proc.° nº 27994, in AP DR 31-3-97, 188)
No caso em apreço verifica-se que existe uma divergência entre a recorrente, um vizinho e a
Câmara Municipal de Montemor-o-Novo sobre a natureza do caminho que atravessa a
propriedade da primeira, já que esta sustenta que o caminho em causa é particular enquanto os
segundos o consideram público.
Na verdade, conforme resulta dos autos, a situação de conflito resulta do facto de a recorrente,
porque considerava o caminho particular da Herdade de que era proprietária, o ter obstruído
junto ao limite com a propriedade do vizinho, impedindo assim a sua utilização por terceiros;
este último considerando que o caminho era público participou o facto à Câmara Municipal de
Montemor-o-Novo a fim de esta intimar o recorrente a desobstrui-lo; simultaneamente intentou
no Tribunal Judicial de Montemor uma providência cautelar não especificada com vista a
intimar o recorrente a não impedir a passagem. — cfr. doc de fls. 13, certidão de fls.37 a 46 e
251/252.
A Câmara Municipal colocada perante aquela situação de facto, porque tinha dúvidas sobre a
natureza do caminho, que não constava do cadastro municipal, iniciou um procedimento
administrativo, ordenando diligências e pedindo parecer jurídico sobre a questão controvertida,
decidindo, através da deliberação impugnada, declarar o caminho público — cfr. als. f), g) i) e
j), da matéria de facto.
Como bem nota o recorrente, a própria deliberação recorrida e parecer jurídico que a suporta,
dão nota das dúvidas existentes sobre a natureza do caminho e do controvertido da questão —
cfr. al. i) e j), da matéria de facto e documentos de fls 8 a 11, dos autos,
É, pois, manifesto que a entidade recorrida dirimiu um conflito, decidindo unilateral e
autoritariamente a questão da natureza jurídica do caminho, questão que, por força do disposto
no artigo 202, n.° 2, da CRP, compete exclusivamente aos tribunais judiciais resolver — cfr.
neste sentido em casos semelhantes, os acórdãos de 99.01.20, no Processo n° 36550, e, de
94.11.17, no Processo n° 33622, in Ap DR de 12-7-2002, 143, e Ap DR de 18-4-97, 8119,
respectivamente.
Aliás, a norma que a recorrida invoca como atributiva da competência para declarar o caminho
como público — artigo 51, nº 4, al. e), da Lei n.° 100/84 (LAL), de 29 de Março, a que
corresponde a al. d), na redacção que a Lei n.° 18/91, de 12 de Junho, deu ao referido artigo
51, em vigor à data da deliberação recorrida — não tem esse alcance.
Na verdade tal norma atribui competência à Câmara Municipal apenas para “deliberar sobre
tudo o que interesse à segurança e comodidade do trânsito nas ruas e demais lugares públicos e
não se insira na competência de outros órgãos e entidades”, o que não é o caso dos autos.
Incorreu, assim, a deliberação recorrida no vício de usurpação de poder que “consiste na
prática, por um órgão da Administração, de acto incluído nas atribuições do poder legislativo
ou judicial” (Freitas do Amaral, in “Direito Administrativo”, vol.II, pág. 295), o que torna nula
a deliberação impugnada (artigo 133, n°2, al. a), do Código de Procedimento Administrativo).
Decidindo em contrário, a sentença recorrida fez incorrecta interpretação e aplicação da
supracitada norma, bem como do artigo 202, n.°2, da CRP, pelo que não pode manter-se.
Procedem assim as conclusões 1 a 8, das alegações do recorrente, ficando prejudicado o
conhecimento das restantes.

IV. Nos termos e com os fundamentos expostos acordam em conceder provimento ao recurso,
revogando a decisão recorrida e concedendo provimento ao recurso contencioso, declarando
nula a deliberação de 28-01-1998, da Câmara Municipal de Montemor-o-Novo.
Sem custas.

Lisboa, 3 de Abril de 2008. — Freitas de Carvalho (relator) — Santos Botelho — Adérito Santos.

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