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Acórdãos STA Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo

Processo: 021/07
Data do Acordão: 04-11-2008
Tribunal: CONFLITOS
Relator: ADÉRITO SANTOS
Descritores: CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA
CONFLITO DE JURISDIÇÃO
COMPETÊNCIA DOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS
CÂMARA MUNICIPAL
DELIBERAÇÃO
OBRAS DE CONSERVAÇÃO E LIMPEZA
Sumário: Compete aos tribunais administrativos conhecer de acção administrativa
comum na qual os autores pedem a declaração de nulidade de
deliberação camarária que lhes impõe a realização de obras de
conservação de um prédio urbano de que são possuidores.
Nº Convencional: JSTA00065346
Nº do Documento: SAC20081104021
Data de Entrada: 03-10-2007
Recorrente: MINISTÉRIO PÚBLICO NO CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO ENTRE O
TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE PORTIMÃO E O TAF DE LOULÉ
Recorrido 1: *
Votação: UNANIMIDADE
Meio Processual: CONFLITO.
Objecto: NEGATIVO COMPETÊNCIA TAF LOULÉ - TRIBUNAL JUDICIAL DE PORTIMÃO.
Decisão: DECL COMPETENTE TAF LOULÉ.
Área Temática 1: DIR ADM CONT - ACTO.
Área Temática 2: DIR JUDIC - ORG COMP TRIB.
Legislação Nacional: LAL99 ART2 N2.
CPA91 ART3 ART4 ART5 N2 ART120.
CONST97 ART211 N1 ART212 N3 RGEU51 ART10.
Referência a Doutrina: GOMES CANOTILHO E OUTRO CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA
ANOTADA 3ED PAG812.
VIEIRA DE ANDRADE A JUSTIÇA ADMINISTRATIVA 8ED PAG57 PAG58.
Aditamento:

Texto Integral

Texto Integral: Acordam, no Tribunal de Conflitos:


1. A Magistrada do Ministério Público junto do Supremo Tribunal
Administrativo veio requerer, ao abrigo do disposto nos artigos 115, 116
e 117 do Código do Processo Civil (CPC), a resolução do conflito
negativo de jurisdição entre o Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de
Loulé e o Tribunal Judicial da comarca de Portimão – 1º Juízo Cível.
Para o efeito, alegou que, por decisões já transitadas em julgado, ambos
os Tribunais se declararam incompetentes para conhecer do pedido de
declaração de nulidade da deliberação da Câmara Municipal de Lagoa,
que impôs aos herdeiros de A… a realização de obras no prédio urbano
sito na Rua … , em Lagoa, pelo facto de o mesmo prédio se encontrar
em mau estado de conservação geral.
Notificadas a entidades em conflito, nos termos do art. 118/1 CPC,
responderam no sentido da reafirmação das razões em que, cada qual,
fundamentou a respectiva decisão de incompetência para a apreciação
daquele pedido. O Juiz do TAF de Loulé, baseou-se, essencialmente, na
consideração de que a Câmara Municipal demandada «não praticou
actos administrativos, … sendo os mesmos de índole pública, mas de
natureza fiscalizadora, traduzindo uma actuação munida dos deveres
atinentes e de características contra-ordenacionais». O Juiz da comarca
de Portimão, por seu turno, entendeu, em suma, que a deliberação
impugnada é um acto administrativo, praticado no exercício de poderes
de autoridade, no âmbito de uma relação jurídica administrativa.
Cumpre decidir.
2. Com relevância para a decisão a proferir, resultam dos autos os
seguintes factos:
a) B… e C… intentaram, no TAF de Loulé, acção administrativa
especial, na qual pediram a declaração de nulidade da deliberação da
Câmara Municipal de Lagoa, que, ao abrigo do artigo 10 do
Regulamento Geral das Edificações Urbanas (RGEU), impôs aos
herdeiros de A… a realização de obras no prédio urbano, sito na Rua …,
em Lagoa; e bem assim a declaração de que, com tal deliberação, a
mesma Câmara Municipal violou o preceituado nos artigos 3, 4 e 5, nº 2,
do Código do Procedimento Administrativo (CPA) – fls. 75, dos
presentes autos;
b) Por decisão de 21.12.06, já transitada em julgado, o Juiz do TAF de
Loulé julgou este Tribunal incompetente, em razão da matéria, para
conhecer do mérito dessa acção – fls. 2/12, dos presentes autos;
c), Os Autores B…e C… requereram, em 15.1.07, a remessa dos autos
ao tribunal judicial da comarca de Portimão, a qual se efectivou, em
30.1.07 – fls. 21/23 e 39, dos presentes autos;
d) Em 11.4.07, o Juiz do tribunal judicial da comarca de Portimão – 1º
juízo cível proferiu decisão, também já transitada em julgado, na qual
declarou este Tribunal materialmente incompetente, «para conhecer de
mérito das questões colocadas» naquela acção, considerando serem
competentes, para tanto, os tribunais administrativos – fls. 73 a 76, dos
presentes autos.
3. Como é sabido, a competência dos tribunais comuns têm natureza
residual, no sentido em que, nos termos constitucionais e legais Cfr.
artigo 211 ( «1. Os tribunais judiciais são os tribunais comuns em matéria cível e
criminal e exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens
judiciais»), da Constituição da República Portuguesa, e art. 66 ( «São da
competência dos tribunais judiciais as causas que não sejam atribuídas a outra
ordem jurisdicional»), do Código de Processo Civil. Em termos idênticos a este
último preceito dispõe o art. 18, nº 1 da Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais., se
estende a todas as áreas que não sejam atribuídas a outras ordens
judiciais (G.Canotilho/V. Moreira, Constituição da República
Portuguesa Anotada, 3ª ed. rev., 812).
Por sua vez, aos tribunais administrativos cabe, segundo o preceito
constitucional e legal, apreciar os processos «que tenham por objecto
dirimir os litígios emergentes de relações jurídicas administrativas» Cfr.
artigo 212 «… 3. Compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento
das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios
emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais», da Constituição da
República Portuguesa: e art. 1 ( «1. Os tribunais da jurisdição administrativa e
fiscal são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em
nome do povo, nos litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e
fiscais») do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais..
E, na falta de classificação legislativa sobre o conceito de relação
jurídica administrativa, deverá esta ser entendida no sentido tradicional
de relação jurídica de direito administrativo, com exclusão,
nomeadamente, das relações de direito privado em que intervém a
Administração.
Assim, temos que os tribunais administrativos serão competentes para
dirimir os litígios surgidos no âmbito das relações jurídicas públicas,
devendo como tal considerar-se «aquelas em que um dos sujeitos, pelo
menos, seja uma entidade pública ou uma entidade particular no
exercício de um poder público, actuando com vista à realização de um
interesse público legalmente definido» [J.C.Vieira de Andrade, A
Justiça Administrativa (Lições), 8ª ed., 57/58].
No caso sujeito, o litígio relativamente ao qual se suscitou o conflito de
competência em apreciação emana, claramente, de uma relação jurídica
administrativa, enquanto relação jurídica pública, nos termos acabados
de enunciar.
Com efeito, na acção em causa, ao Autores pediram a declaração de
nulidade de deliberação camarária que, ao abrigo do disposto no art. 10
do RGEU Artigo 10, do Regulamento Geral das Edificações Urbanas, aprovado
pelo DL 38 382, de 7.8.51 (red. DL 44 258, de 31.3.62): Independentemente das
obras periódicas de conservação a que se refere o artigo anterior, as câmaras
poderão, em qualquer altura determinar, em edificações existentes, precedendo
vistoria realizadas nos termos do artigo 51º, § 1º, do Código Administrativo, a
execução de obras necessárias para corrigir más condições de salubridade,
solidez ou segurança contra o risco de incêndio.
§ 1º …, decidiu impor-lhes, na qualidade de herdeiros da proprietária de
determinado prédio urbano, a realização de obras de conservação nesse
mesmo prédio, por se encontrar em mau estado de conservação.
Determinação que os mesmos Autores entendem ser violadora do
preceituado nos arts 3, 4, e 5, nº 2, do CPA.
Em causa está, pois, uma decisão de uma entidade pública – como é a
Câmara Municipal, enquanto órgão representativo do Município (art.
2/2, da Lei 169/99, de 18.9) –, tomada na prossecução do interesse
público da salvaguarda de adequadas condições de salubridade, solidez e
segurança dos edifícios, conforme a previsão do citado art. 10 do
RGEU.
Trata-se de providência limitativa da propriedade, enquanto simples
medida de polícia Cfr. M. Caetano, Manual de Direito Administrativo, vol. II, 9ª
ed. (Reimp.), Liv. Almedina 1980, 1169/1170., que compete à Administração
aplicar, com o fim de evitar danos sociais, perante a mera existência
objectiva do risco de produção desses danos, independentemente da
possibilidade de imputação de qualquer facto ou actuação ilícita aquele a
quem é dirigida a tal providência administrativa Neste sentido, veja-se o
acórdão, de 3.6.03 (Rº 865/03), da Secção de Contencioso Administrativo, do
Supremo Tribunal Administrativo..
Assim, e ao invés do que considerou a indicada decisão do TAF/Loulé, a
impugnada deliberação da Câmara Municipal de Lagoa não traduz a
aplicação de contra-ordenação. Antes consubstancia um verdadeiro acto
administrativo, segundo o conceito legal definido no art. 120 Artigo 120º
(Conceito de acto administrativo): Para os efeitos da presente lei, consideram-se
actos administrativos as decisões dos órgãos da Administração que ao abrigo de
normas de direito público visem produzir efeitos jurídicos numa situação
individual e concreta., do CPA. Sendo a apreciação da validade de um tal
acto, naturalmente, da competência dos tribunais administrativos.
4. Termos em que acordam em resolver o suscitado conflito de
jurisdição, julgando competente a jurisdição administrativa,
concretamente o TAF de Loulé.
Sem custas.
Lisboa, 4 de Novembro de 2008. – Adérito da Conceição Salvador dos
Santos (relator) – Artur José Alves da Mota Miranda – António Alberto
Moreira Alves Velho – Rosendo Dias José – José Manuel da Silva
Santos Botelho – António Fernando da Silva Sousa Grandão.

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