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Instituto de História
Departamento de História
Resenha
FRANCO JR., Hilário. A Idade Média: Nascimento do Ocidente. 2ª ed. São Paulo:
Brasiliense, 2006. 273 p.
O presente trabalho tem como escopo analisar o segundo capítulo do livro "A Idade
Média: Nascimento do Ocidente", de autoria do historiador Hilário Franco Júnior, intitulado
"As Estruturas Econômicas". Este capítulo, como indicado pelo título, é dedicado à análise
das estruturas que caracterizam a economia medieval — análise esta guiada pelo almejo de
definir a forma de produção dominante no medievo e suas razões de ser. Dessa forma, o
estudo empreendido pelo autor destaca elementos estruturais que caracterizam a economia do
período, manifestada através dos tipos pelos quais o meio de produção primordial da época, a
terra, onde se percebe a relação entre o ser humano e a natureza, apresentava-se. Por meio
dessa perspectiva analítica, busca-se avaliar as principais ideias apresentadas pelo autor e a
maneira como seus argumentos permitem compreender tanto a economia do período medieval
quanto sua influência na formação do ocidente.
Assim sendo, o autor decorre o tema das estruturas econômicas cronologicamente,
desenvolvendo-as em cada período que propôs antes, estratégia conveniente que constrói uma
linha narrativa que facilita a compreensão ao localizar o público, pontuando: uma retração e
estagnação que se estendeu até o séc. X (Primeira Idade Média e Alta Idade Média), durante o
qual vigorava o regime agrícola dominial; um crescimento dos séculos XI ao XIII (Idade
Média Central), onde houve a transição da agricultura dominial para a senhorial e a
emergência de um "capitalismo medieval" — tópico que será explorado em detalhes mais
adiante; e, por fim, uma
crise de final da Idade Média, estendida até fins do séc. XV no Sul e princípios do séc. XVI
no centro e no norte (Baixa Idade Média).
De início, portanto, Hilário introduz sabiamente o debate ao enfatizar a falta de dados
numéricos disponíveis para o período medieval, expondo sua reflexão de que essa ausência
não é um mero incidente, mas possui significado em seu tempo, indicando isso como fato
significativo que deve ser considerado pelo historiador. Ele argumenta que "Entendeu-se que a
limitação das fontes econômicas medievais não era mero incidente, mas fato que traduzia o
espírito da época, mais preso a imagens, palavras e gestos do que a números" (FRANCO JR.,
Hilário, 2006, p. 39). Com essa consideração inicial, ele estabelece uma perspectiva crítica e
consciente das dificuldades de abordagem das fontes para a compreensão da economia
medieval, reforçando para o leitor importância de uma análise cuidadosa e precisa do material
disponível.
Em seguida, trata da estagnação econômica ocorrida no período compreendido como
da Alta Idade Média, referindo-se a ela a partir da expressão “Escassez Endêmica”, cunhada
pela historiadora Renée Doehaerd, onde se explica que a produtividade reduzida — pelo
pequeno número de trabalhadores atuando na produção de, consequentemente, pequeno
número de bens
— gerou uma produção escassa que diminuiu a possibilidade de bens de consumo, levando a
uma retração da economia monetária. Essa designação se sustenta em um retrocesso
demográfico visto na Europa após o progressivo movimento migratório da população da
cidade para o meio rural em decorrência das invasões germânicas iniciadas no século V.
Após, Franco Júnior se volta ao primeiro setor, o principal do período, especificamente
aos tipos em que o meio de produção central da época, a terra, manifestava-se. Essa visão
sobre a terra é corroborada, por exemplo, pelo historiador Jacques Le Goff, que discorre sobre
a importância da terra na Idade Média em "A Idade Média (...) repousa sobre a terra. A Idade
Média é rural. E sobre essa ruralidade que se articula o conjunto das outras redes." (LE GOFF,
2005, p. 156) e, mais ainda, em "A terra e a economia agrária são, de fato, a base e a essência
da vida material na Idade Média e de tudo o que ela condiciona: riqueza, poder social e
político." (LE GOFF, 2016, p.152). Essa atenção dada à terra em muito auxilia quem lê a se
situar diante do "objeto" do estudo que está sendo empreendido, além de estabelecer uma
linha narrativa historicamente coesa, já que há, a partir daqui, a caracterização do modelo de
produção agrícola, os domínios, através de uma referência às villas romanas. Falando de uma
economia agrária dominial, Hilário chama atenção dentre os tipos diferentes de terras para
duas divisões centrais: a terra indominicata (ou de reserva senhorial), que era explorada pelo
senhor diretamente, e a
terra mansionaria (os mansi, ou mansus) uma pequena unidade produtiva camponesa onde os
lavradores atuavam. Hilário enfatiza a importância dessas terras na economia, pois eram nelas
que se estabelecia uma relação característica do período: a prestação de serviços dos
camponeses aos senhores no que se cunhou por corveia. O senhor, um aristocrata, exigia o
trabalho servil como moeda de troca para "doar" o manso.
Cabe citar, no entanto, o que o professor doutor Mário Jorge da Motta Bastos bem
pontua quanto a uma das justificativas que Hilário cita para a existência desse fenômeno (a de
que haveria uma "impossibilidade de pagar trabalhadores com dinheiro"): não é razoável
considerar como uma prática frequente a ponto de caracterizar um motivo para sua existência
o fato de aristocratas doarem feudos por conta de uma "falta de dinheiro", é uma falha, um
desvio interpretativo, naturalizar uma dinâmica do capitalismo quando na Idade Média não é
essa a dinâmica latente, trata-se de exceção e não de uma regra.
A ênfase dada ao tópico da mão de obra escrava, por outro lado, é eficaz — ao
apresentar dois pontos de vista, o de Marc Bloch, que considerava empecilhos para sua
existência plena, e o de Reneé Doehard, que associa a miséria da mão de obra ao aumento da
escravidão — em incluir o leitor no debate quanto a intensidade do seu uso. Ainda sobre o
setor primário, Hilário cita uma falta de inovação da agricultura quando comparada com a da
Antiguidade, apresentando como a principal inovação do período o “sistema trienal” de
cultivo, onde o revezamento de espécies cultivadas em uma mesma terra permitiu, no fim,
uma maior produtividade.
Apesar disso, a ausência da apresentação de motivos que justifiquem essa falta de
inovação técnica acaba por deixar um pouco vago, cabendo citar, por exemplo e novamente,
Jacques Le Goff
que nos apresenta um cenário que permite relacionar o egresso do clero das relações
com o exterior (LE GOFF, 2016, p.144) com o progresso técnico, demonstrando a influência,
ainda dianteira, das ordens religiosas.
É muito interessante, também, a maneira como são abordados os outros setores
econômicos na obra, expondo a baixa demografia e produção agrícola do segundo setor —
onde Hilário é muito bem articulado ao usar do artesanato urbano, elemento que acompanhou
as
dinâmicas de subsistência e debilitamento das cidades, para mostrar ao ledor que ainda que
não se conheçam as condições que o limitavam, elas existiam, inserindo-o na discussão e
atualizando-o quanto a postura hodierna referente ao seu declínio e a sua gradativa
recuperação
— e o comércio internamente limitado, mas não estagnado, do terceiro — onde apresenta
duas teses opostas na tentativa de justificar isso: uma atribuindo esse fenômeno a uma
consequência das conquistas muçulmanas e outra ao papel bizantino no mediterrâneo.
É de Hilário, assim, a crítica (muito coerente) da construção da imagem de uma villa
"fechada", que sobrevive unicamente do que produz, já que "havia certa especialização na
produção (sobretudo do vinho), o que indica a ocorrência de relações tanto entre os domínios
de um mesmo senhor quanto com o de outros proprietários" (FRANCO JR., 2006, p.45), ou
seja, há lógica em crer que a baixa produção, ao restringir trocas por conta do baixo
excedente, tornou necessária a busca por produtos em outras regiões.
Ao apresentar o período compreendido entre os séculos XI-XIII, Hilário se refere a um
"crescimento" do ponto de vista de uma expansão econômica que teria ocorrido, dedicando-se
a explicar as causas para tal.
Primeiramente, é citada uma transição da agricultura dominial para a senhorial,
justificada a partir do crescimento demográfico — observado desde o séc. X —, que criou um
cenário propício à repartição dos mansos carolíngios em lotes menores, as tenências.
Passou, logo, a haver dois tipos padrões de tenências: a censive, definida por Hilário
como a "mais comum e difundida, em troca do usufruto da terra o camponês devia uma
pequena renda fixa, o censo, pago em dinheiro ou em espécie." (FRANCO JR., 2006, p. 46) e
que ele bem salienta a questão de que a taxa cobrada não era importante para o senhor,
servindo mais como um meio simbólico por onde ele tomava para si o reconhecimento de
dono daquela terra
— necessidade de reconhecimento essa que justifica a cobrança através de outros meios,
como a transferência hereditária e a alienabilidade da tendência após o camponês, com o
tempo, agir como se a terra dele fosse — e a champart, mais associada aos senhorios laicos,
onde a renda do camponês estava atrelada a colheita.
A partir dessa distinção, o autor elucida algo de extrema importância à continuidade do
que se propôs a explicar nesse período: a diminuição das áreas de lote da reserva senhorial em
razão de fatores (os quais muito bem cita e desenvolve) como a criação de tenências, o
progresso de técnicas agrícolas, o aumento dos rendimentos senhoriais e a cessão de feudos,
iniciada no feudalismo que emergia desde o século X. Hilário, nesse momento, faz um alerta
extremamente necessário para o leitor: que não confunda senhorio com feudo, dado que
senhorio representa a
base econômica que sustenta o segundo, que é a forma político-militar do primeiro. Para tanto
e portanto, a mão-de-obra do período se distinguiu da do anterior, tendo o regime escravista
praticamente desaparecido no norte europeu, ou seja, houve uma expansão do trabalho
assalariado — motivado, mormente, pelo aumento da disponibilidade da mão de obra, fato
decorrente do crescimento da população.
Segundamente, há a citação de uma outra transformação importante do período,
possibilitada, segundo Hilário, pelo excedente agrícola que se vinha formando: o
revigoramento comercial, que alavancou o comércio para além da esfera econômica,
fazendo-o atuar como elemento crucial na vivência do Ocidente — ainda que, como
importante citação, apenas uma parcela muito pequena da população atuava diretamente nas
atividades comerciais.
Outras duas transformações citadas por Hilário são a "Revolução Industrial medieval"
(cunhada por Jean Gimpel), iniciada com o crescimento populacional e comercial e
proporcionando o desenvolvimento urbano, o surgimento de cidades por camponeses que
conseguiam romper laços servis, o avanço cultural que em conjunto com a pressão do
mercado gerou o aprimoramento de técnicas que, no fim, deixaram como dados grandes
indústrias têxteis e de construção civil, bem como grandes igrejas, mosteiros e castelos —
reflexo de uma ostentação clerical e aristocrata — e a monetização da economia como
resposta à incapacidade das antigas espécies monetárias de satisfazer tamanho avanço
econômico-industrial e diversidade de moedas senhoriais existentes.
Como indicado no início deste trabalho, houve a emergência de algo que foi cunhado
por alguns como um período de "capitalismo medieval". Conceitualmente, esse seria o nome
dado ao período de expansão econômica e tecnológica onde características do sistema
capitalista estariam presentes. Hilário, contudo, demonstra de forma objetiva e esclarecedora
os motivos para isso não ser certo em sua integridade quando diz
Essa fala é de extrema valia para solucionar dúvidas quanto a questão do capitalismo
no medievo, já que é possível, sim, vislumbrar fagulhas de um capitalismo no horizonte, mas
tendo em mente que, na totalidade da Europa, ele não era único e nem sequer dominava,
existindo junto a outros sistemas, como o senhorial. Assim Hilário propõe, para aqueles que
queiram considerar a existência de um capitalismo no medievo, que o façam na figura de uma
premissa
de um capitalismo que só se efetivaria mais à frente, um "pré-capitalismo". O "capitalismo
medieval" não possuía condições de existência, sendo impedido pelas próprias estruturas que
compunham o período em que teria existido: não havia Estado Moderno que o permitisse
constituir politicamente as classes sociais que o caracterizam em sua plenitude, menos ainda
política mercantilista para o sustentar e, por fim, a própria mentalidade do período impedia
ações capitalistas.
Por fim, Hilário exibe o cenário de crise generalizada que atingiu o último período da
Idade Média, iniciada a partir do ponto de ser um objeto de debates recentes na historiografia
— por parte daqueles que procuram encontrar um "fator principal" que reúna em si a
justificativa da crise que o atingiu nesse momento. Franco Júnior é certeiro, portanto, ao evitar
traçar o caminho que outros percorreram — esses buscando o cerne da crise, o seu ponto de
partida — indo de fato ao que interessa ao invés de tentar encontrar um único boi pra dar
nome: a essência da crise.
Retomando a explicação por setores, o autor aborda como os limites técnicos e o
crescimento demográfico (que consequentemente gerava mais consumo) foram fatores
importantes, acrescentando a baixa produtividade em decorrência do uso de áreas pouco
férteis como sendo o que levou à necessidade de mais terra que, como que em cadeia, gerou o
desflorestamento que, por sua vez afetou, no fim, a produção agrária. Assim, houve uma
crescente taxa de mortalidade atrelada às tensões sociais, atingindo o setor secundário na
medida em que cada vez mais se era gasto em produtos alimentícios e menos em industriais,
chegando, enfim, no terceiro setor. A concorrência industrial e as dificuldades vividas pela
monarquia no contexto da Guerra dos Cem Anos acertaram o setor em cheio, reduzindo a
margem de lucro e gerando ações arbitrárias e impensadas por parte dos reis — que cobravam
enormes impostos ou tomavam para si recursos, aumentando a ferida de um sistema já
fragilizado. Uma dessas fragilidades, a principal citada por Hilário são as
Referências:
ANOTAÇÕES das aulas do Prof. Dr. Mário Jorge da Motta Bastos.
FRANCO JR., Hilário. A Idade Média: Nascimento do Ocidente. 2ª ed. São Paulo:
Brasiliense, 2006. 273 p.
LE GOFF, Jacques. A civilização do Ocidente Medieval. 1. ed. Petrópolis, RJ: Vozes,
2016.
LE GOFF, Jacques. Em Busca da Idade Média. RJ: Civilização Brasileira, 2005.
FIGUEIRA, C. et al, História Medieval: Volume 1. Rio de Janeiro. CECIERJ, 2010.