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UFRJ | Instituto de História

IHI221 – Turno Integral


História Medieval II
PROVA A

Estudante: Lucas Barroso


DRE: 120043948

Questão 1 – Qual é a relevância histórica de duas indagações de J. Baschet: “Como

explicar o desenvolvimento?” (p. 107); “Uma dominação total?” (p. 141)? Esclareça o

vínculo entre as respostas propostas pelo autor para as duas perguntas.

Resposta – Longe de ser resolvida, a indagação “Como explicar o desenvolvimento?”

lança luz sobre as dinâmicas conjunturais da sociedade feudal e de sua mutação.

Excluindo a explicação por uma única causa e reivindicando a adoção de um quadro

explicativo mais amplo possível, a resposta proposta por Jérôme Baschet para essa

questão relaciona, em uma lógica globalizante, o crescimento feudal entre os séculos XI

a XIII, considerado decisivo e excepcional, com uma multifatorialidade de causalidades

oriundas do próprio estabelecimento de novas estruturas sociais no período. Sobre isso,

o autor aponta alguns fatores técnicos, demográficos, econômicos, sociais e políticos,

como, por exemplo, o estabelecimento de técnicas agrícolas inovadoras, o aumento

populacional e a reorganização feudal.

Porém, como reconhecido pelo autor, um ponto a ser elucidado a partir de sua

resposta é por que a crescente pressão senhorial em torno desse desenvolvimento

europeu não gerou convulsões sociais. Nesse quesito, a indagação “Uma dominação

total?” pode fornecer-nos alguns esclarecimentos de caráter histórico. Possibilitado pelo


encelulamento, Baschet responde a essa questão afirmando que, ainda que os senhores

feudais interviessem cada vez menos na atividade produtiva em si e dominassem o

núcleo de produção de forma externa, o dominium (isto é, a imbricação feudal entre um

controle sobre terra e sobre os homens) seria uma forma de dominação total de um

poder localizado. Essa afirmação é estruturada na associação de aspectos militares,

econômicos, políticos e judiciários na mão de um ou vários senhores feudais. Esses

poderes se combinam no sentido de fundir o controle sobre a terra e a dominação sobre

os homens, a partir de um comando militarizado, do exercício de suas próprias justiças e

da importância dada à tradição.

A partir disso, o vínculo entre as duas respostas de Jérôme Baschet deve ser

compreendido a partir da existência de um laço que unia o homem medieval à terra –

um traço fundamental do sistema feudal. Com a preeminência desse vínculo, novas

estruturas sociais foram estabelecidas no período. Por conseguinte, houve também o

surgimento de novas formas de dominação determinadas, por exemplo, pelo controle e

ordenamento senhorial do quadro social e econômico de uma determinada comunidade.

De forma externa, a dominação senhorial era exercida acima e abaixo do núcleo da

atividade produtiva: acima porque os senhores feudais ordenavam o quadro social e

econômico por meio do estabelecimento de senhorios e do reforço da comunidade

aldeã; e abaixo pois havia a demanda de obrigações e pagamentos campesinos, o que

acabava gerando o endividamento e o controle dos estoques. Os trabalhadores rurais,

embora não-escravizados, eram enquadrados pela dominação senhorial. Assim, entre os

séculos XI a XIII, com a evocação de uma mutação feudal, houve um excepcional


desenvolvimento produtivo e a instauração de estratégias senhoriais de dominação total

contra possíveis convulsões sociais, como, por exemplo, o endividamento estratégico do

trabalhador rural para assegurá-lo a um determinado feudo, evitando retiradas

indesejadas.

Questão 2 – Explique a dinâmica das sociedades medievais em relação à Teoria das

Ordines e suas transformações, inclusive a respeito de outros agentes sociais como os

mercadores e os intelectuais.

Resposta – O Codex MS Sloane 24351, em seu fólio 85r, apresenta uma iluminura

histórica que remonta ao esquema das três ordens da sociedade medieval, a partir da

representação de um clérigo tonsurado, de um cavaleiro com escudo e de um

trabalhador rural com uma pá. Esse retrato medieval contribui para exemplificar a

Teoria das Ordines, que teoriza acerca do estabelecimento de uma divisão funcional na

organização feudal da Idade Média entre os oratores (“os que oram”), os bellatores (“os

que combatem”) e os laboratores (“os que trabalham”). Vale destacar que esse modelo

de três ordens é uma construção ideológica estruturada pelos próprios dominantes a fim

de garantir uma coesão social e feudal estruturada em complementaridades e

hierarquias.

A partir das transformações das dinâmicas das sociedades medievais, é possível

pensar a respeito de até outros agentes sociais, como, por exemplo, “os que pensam” e

“os que vendem”. Enquanto seres urbanos, os intelectuais medievais estavam inseridos

1
O Codex MS Sloane 2435 é um manuscrito medieval de origem francesa datado do século XIII.
Disponível em: http://www.bl.uk/manuscripts/Viewer.aspx?ref=sloane_ms_2435_fs001r.
na ordem dos oratores. Isso acontecia uma vez que para seguir o ensino universitário,

por exemplo, o status de clérigo era, geralmente, exigido. Já os mercadores compunham

a ordem dos laboratores, posto que, ainda que errantes, exerciam um ofício que, ao

longo dos anos, passaria a ser permeado por um longo processo de consolidação.

Questão 3 – Explique o crescimento feudal no mundo rural, no desenvolvimento

urbano, nas renovações do Estado e do comércio.

Resposta – Entre os séculos XI a XIII, a Europa Medieval passou por um período de

crescimento e expansão. O crescimento feudal no mundo rural pode ser explicado a

partir de um(a): i) inédito crescimento demográfico, em virtude da alta da fecundidade e

da regressão das causas de mortalidade, como a fome; e ii) alta da produtividade

agrícola, em decorrência da difusão de técnicas, como, por exemplo, o melhor uso dos

fertilizantes, a alternância do solo com pousio com rodízio trienal, escolha e seleção de

sementes.

Por conseguinte, o crescimento feudal também influenciou o desenvolvimento

urbano. A alta da produção agrícola, o aumento das aldeias e o desenvolvimento da

metalurgia impactaram as cidades medievais, a partir, por exemplo, das intensificações

das migrações em decorrência do aumento populacional e da maior disponibilidade

urbana para a execução de atividades manufatureiras.

Nessa direção, é importante pensar também nas influências no comércio a partir

de um processo de dinamização da economia medieval. O excedente de alimentos e o

artesanato estimularam práticas de negociações, trocas comerciais e intercâmbios entre


os mercadores, que, atuando em feiras urbanas e mercados abertos, iniciaram o

conhecido processo de renascimento comercial. No auge do feudalismo, o comércio foi

fundamental para o desenvolvimento das cidades medievais. Assim, é possível afirmar

que há uma urbanização acompanhada por um crescimento feudal que impactou as

cidades e o comércio. Consequentemente, tempos depois, em virtude da ascensão de

uma burguesia comercial sedenta por romper com os entraves das velhas práticas

feudais, os Estados europeus passaram por renovações em sua política e economia, o

que vai marcar a modernidade. O início dos Tempos Modernos tem sua semente na

Idade Média Central.

Questão 4 – Caracterize as relações feudo-vassálicas.

Resposta – Diferentemente do regime de servidão, as relações feudo-vassálicas eram

estruturadas no seio da classe dominante e eram apenas um dos tipos de laços

senhoriais. Sendo originadas na época carolíngia, esse laço, por certo hierárquico,

consistia na relação mútua entre um senhor e um vassalo. O primeiro forneceria

proteção e respeito, além de, geralmente, assumir a educação dos filhos do vassalo e

conceder um feudo. Já o segundo retribuiria com fidelidade, incorporação em operações

militares do senhor, ajuda financeira e com o dever de fornecer bons conselhos ao

senhor. A vassalagem era hereditária, bem como a transmissão dos feudos concedidos e

das heranças.

Apesar das diferenças regionais, uma relação feudo-vassálica era consolidada a

partir de um contrato vassálico e de um ritual, que era dinamizado entre senhores e


vassalos a partir de uma declaração verbal, do gesto de se dar às mãos, de um juramento

sobre relíquias, de um beijo de aliança e da investidura do feudo. Uma das

representações medievais desse ritual está expressa na tapeçaria de Bayeux, com o

juramento de Haroldo II, último rei saxão da Inglaterra, ao duque Guilherme da

Normandia. A relação feudo-vassálica, ainda que tivesse atingido uma parcela ínfima da

população da Europa Medieval, possibilitou a construção de um laço tanto hierárquico

quanto igualitário entre os próprios dominantes da feudalidade.

Questão 5 – Identifique e explique diferentes aspectos da chamada “crise profunda da

sociedade feudal” (BGR, p. 254) nos séculos XIV e XV e os fatores que permitem

avaliar sua “dinâmica contínua” (JB).

Resposta – Entre os séculos XIV e XV, a Europa Medieval, em um contexto de

profunda crise da sociedade feudal, foi tomada por calamidades, como a fome geral

(1315-1317), a eclosão de tumultos sociais, a peste bubônica, a Guerra dos Cem Anos

(1337-1453) e o Grande Cisma do Ocidente (1378-1417). Esses episódios resultaram

em depressão demográfica, queda notável dos rendimentos agrícolas e endividamentos

senhoriais, além de um abalo nas estruturas sociais, políticas e culturais das sociedades.

Entretanto, já no início do século XV, e, principalmente, após 1450, houve uma

franca recuperação na Europa. Nesse período, os crescimentos populacionais foram

próximos de períodos anteriores à epidemia da peste, com um aumento da margem

servil da população rural. Houve uma alta sensível da taxa de fecundidade e dos

rendimentos agrícolas em relação à Idade Média Central, com um igual


desenvolvimento do pastoreio e da horticultura. Também houve uma nova vitalidade

cultural em todo o continente, em particular nos territórios da atual Itália e dos Países

Baixos. Por esses fatores é possível falar em uma “dinâmica contínua”.

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