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A falta de mantimentos em Lisboa enquanto estava cercada pelos homens de Castela, foi
pormenorizadamente retratada. A escassez de mantimentos era imensa devido ao facto de
cada vez haver mais gente e dessa forma os mantimentos serem cada vez mais gastos
(«gastavom-se os mantiimentos cada vez mais, por as muitas gentes que em ela havia»).
Mesmo sabendo que o seu destino seria a morte, muitos tentavam a sua sorte, fora de portas,
para tentarem abastecer a cidade de mantimentos («alguus se tremetiam aas vezes em batees
e passavom de noite escusamente contra as partes de Ribatejo, e metendo-se em alguus
esteiros, ali carregavom de triigo que já achavon prestes, per recados que ante mandavom»).
O fornecimento de trigo já era de tal forma pouco e raro que tiverem de o multiplicar
(partindo ou cortando em partes mais pequenas) como Jesus Cristo fez aos pães («era tam
pouco e tam raramente, que houvera mester de o multiplicar como fez Jesu Cristo aos pães»).
A fome já estava de tal forma alastrada, que homens e moços andavam a esgravatar a terra a
ver se encontravam grãos de trigo e caso os encontrassem comiam-nos pois não tinham outros
mantimentos («andavom homees e moços esgaravatando a terra; e se achavom alguus grãos
de triigo, metiam-nos na boca sem teendo outro mantiimento»).
A população estava em desespero e beijando a terra rezavam a Deus para que os ajudasse
(«beijando a terra, bradavom a Deos que lhes acorresse»), mas quando tocava o sino, em sinal
de alarme, todos deixavam a fome de lado e iam à luta («quando repicavom, neuu nom
mostrava que era faminto, mas forte e rijo contra seus emigos»), demonstrando assim o seu
amor pela pátria, entregando-lhe a sua vida. Neste capítulo, Fernão Lopes mostra que a luta
travada pelos portugueses era dupla, pois não só lutavam contra a fome, devido à escassez de
mantimentos, como também lutavam contra os castelhanos, que os tinham cercado («ua dos
emigos que os cercados tiinham, e outra dos mantiimentos que minguavom, de guisa que
eram postos em cuidado de se defenderem da morte per duas guisas»).
Este capítulo retrata o estilo Lopeano, através do recurso a inúmeras marcas estético-
estilísticas.
Recursos estilísticos que ajudam na descrição detalhada dos momentos de miséria vividos:
as comparações que comprovam a miséria existente («lhes davom tamanho pam come ua
noz»), e também as sensações auditivas que recriam o ambiente vivido («bradavom a Deos»).
as anástrofes, que realçam o facto dos portugueses estarem cercados pelos castelhanos
(«ua dos emigos que os cercados tiinham»)