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(do início até "vieram na frota do Porto."): Cerco da cidade → fome → escassez de
mantimentos, motivado pela quantidade de pessoas existentes na cidade.
Os mantimentos existentes na cidade gastam-se cada vez mais depressa, tornando-se escassos,
devido ao facto de o número de habitantes da cidade aumentar cada vez mais, porque a ela se
recolheu muita gente (lá estavam os habitantes de Lisboa, pessoas que vieram dos arredores,
famílias inteiras e os que vieram numa frota do Porto para socorrer a capital).
1.1. Procura de trigo no Ribatejo (desde "E alguns..." até "... cinco mil homens.").
a) Motivos da procura:
- o cerco à cidade;
- a presença de muita gente na cidade;
- a falta de alimentos.
Durante a noite, os sitiados embarcam em batéis e vão buscar trigo ao Ribatejo para abastecer a
cidade, correndo enorme perigo, pois são atacados pelos castelhanos. Sempre que os sinos
repicam e tocam a rebate, a população vai em socorro das galés. Esta recolha de mantimentos
obedece, aparentemente, a um plano prévio, dado que parece existir uma partilha de tarefas e
funções distribuídas: há aqueles que vão recolher mantimentos que já estavam prontos (“… ali
carregavom de trigo que já achavom prestes, per recados que ante mandavom…”), através do Rio
Tejo; há sinais combinados para alertar para os perigos, nomeadamente os decorrentes da
presença dos castelhanos, etc.: “ali carregavom”; “Os que esperavam…”; “… repicavom logo por
lhe acorrerem.”; “… aguardando quando veesse, e os que velavom, se viiam as galees remar
contra lá, repicavom logo por lhe acorrerem…”.
Apenas uma vez os galés foram tomadas, graças à denúncia de um “homem natural d’Almadãa”,
cujo castigo pela traição foi terrível: “el foi depois tomado e preso e arrastado, e decepado e
enforcado.” (enumeração, polissíndeto e gradação). No entanto, o trigo é tão pouco e raro que
não supre as necessidades (atente-se na comparação com o milagre da multiplicação dos pães).
1.2. Expulsão da cidade da gente incapaz, fraca e pobre [("não pertencentes pera defensão",
prostitutas, judeus") – desde "Em esto gastou-se..." até "... mester sobrelo conselho."].
b) Motivos:
- não podiam lutar / não podiam contribuir para a defesa da cidade;
- consumiam os mantimentos aos defensores.
Inicialmente, os castelhanos recebem bem as pessoas expulsas da cidade, mas, quando percebem
que Lisboa beneficia com isso, dado que haveria menos pessoas para alimentar, mandam-nas
regressar.
Todos os que se recusassem a partir seriam açoitados e obrigados a retornar para a cidade. O seu
desespero é total, pois certamente não seriam acolhidos de volta, nomeadamente aqueles que
tinham saído voluntariamente, já que preferiam ser prisioneiros dos castelhanos do que morrer à
fome.
d) O Mestre ordena que se faça o levantamento do pão existente em Lisboa, tendo-se concluído
que é muito escasso.
2) Fome da população: carência de pão e carne (desde "Na cidade não havia trigo..." até
"...tam presentes tinham?").
De facto, apesar de famintos e extenuados, são solidários uns com os outros e corajosos contra os
castelhanos, continuando a manifestar uma identidade coletiva que os une num propósito comum.
Mais uma vez, a cidade é apresentada como uma personagem coletiva, um ser só: “Toda a cidade
era dada a nojo” (isto é, toda a cidade sofria, tanto os pobres como os ricos – “grandes pessoas da
cidade”). Assim, Lisboa é apresentada como um grande corpo coletivo que sofre.
A população reza, devota e desesperadamente, pedindo a Deus que a ajude, mas, vendo que as
suas preces não são atendidas e que a sua dor é cada vez maior, chega a pedir a morte.
O Mestre e os seus, sabendo que nada podem fazer, sentem-se impotentes e ignoram os lamentos
da população.
Neste passo, aparentemente Fernão Lopes critica a ação de D. João e do seu Conselho, dado que
“çarravom suas orelhas do rumor do poboo”, parecendo assim o cronista cumprir a imparcialidade
e a neutralidade enunciadas no “Prólogo” à crónica.
6) O desespero da população (desde “Como nom quereis…” até “… per duas guisas.”) –
dois inimigos: a fome e o rei de Castela levam ao desejo de morte.
7) Tentativa de superar a fome: corre o boato de que o Mestre irá expulsar da cidade todos
os que não tenham alimentos, o que intensifica o desespero das pessoas, transformado em
alívio ao saberem que tal não é verdade.
8) Justificação da situação de fome:
- excesso de população (a quantidade de pessoas que se recolheu dentro das muralhas da
cidade);
- a falta de alimentos.
. a diminuição das esmolas públicas (ll. 24-25), o que evidencia falta de solidariedade
desumanização;
. a falta de trigo para vender e consequente subida do preço de vários produtos (trigo, vinho, pão
e carne), o que origina a fome entre a população, que come qualquer coisa, e a morte de muitas
pessoas;
Fernão Lopes congratula os que viverão no futuro, porque não passarão pelos sofrimentos que
Lisboa tem de passar durante o cero.
1. Sociais:
- expulsão dos fracos e não aptos para a defesa da cidade por falta de alimentos;
- a preferência pelo cativeiro dos castelhanos, em detrimento de morrer à fome.
2. Económicas:
- a diminuição / ausência de esmolas;
- a escassez e o preço elevado dos alimentos;
- a impossibilidade de comprar mantimentos, por causa do seu preço elevado.
3. Psicológicas:
- a coragem;
- o choro;
- o desespero;
- o conforto e a solidariedade mútuos.
- o medo da vingança do rei de Castela, caso a cidade caísse nas suas mães
- luta pela sobrevivência, procurando comida de forma degradante e bebendo água até à morte
e pedindo esmola pela cidade;
- população unida, solidária na desgraça, consciente no risco, sofre no presente e receia o futuro,
mas não desiste de lutar e tenciona resistir até ao fim;
- sentimentos:
- atos: o Mestre e os do seu Conselho fecham os ouvidos "ao rumor do poboo", não por
indiferença ou hostilidade, mas porque lhes eram dolorosas "douvir taaes novas (...) a que acorrer
nom podiam";
-» o tom coloquial:
- uso da interrogação retórica: "Como nom querees que maldissessem sa vida e desejassem
morrer... da vida aa morte?"; "veede que fariam aquelles que as continuadamente tam presentes
tinham?"; “Pera que é dizer mais de taes falecimentos?”;
-» a interpelação do leitor:
- uso da adjetivação, por vezes dupla: "faminto"; "forte e rijo"; "triste e mesquinho"; "desvairados";
"desaventuirada"; "doorosas"; "cruel";
- a comparação concreta para precisar uma ideia abstrata: "assi como é natural cousa a mão ir
amiúde onde se a door, assi uus homees falando com outros, nom podiam em al departir, senom
em na mingua que cada uu padecia";
- paralelismo de construção: "Uus choravom antre si, mal dizendo (...) Outros se querelavom a seus
amigos, dizendo...";
. "Ca valia o alqueire quatro libras, e o alqueire de milho quarenta soldos, e a camada de vinho
três e quatro libras.";
. "... e pequena posta de porco valia cinco e seis libras, que eram uma dobra castelã; e a galinha
quarenta soldos; e a dúzia dos ovos, doze soldos. E se os almogávaros traziam alguus bois, valia
cada uu setenta libras, que eram catorze dobras cruzadas, valendo então a dobra cinco e seis
libras; e a cabeça e as tripas, uma dobra...";
- vocabulário relacionado com os atos de ver (“vede”) e ouvir (“ouvistes”) – as sensações auditivas
têm grande relevância na descrição, pois é através delas que o narrador exprime a noção do
perigo: os sinos repicam, tocam a rebate, alertando a população, que acorre rapidamente onde é
necessário quando os ouve;
-» o realismo descritivo:
. "No lugar u costumavom vender o trigo, andavom homees e moços esgravatando a terra e se
achavom alguus grãos de trigo, metiam-nos na boca, sem tendo outro mantimento. Outros se
fartavom de ervas e bebiam tanta água, que achavom mortos homees e cachopos jazer inchados
nas praças e em outros lugares.";
. "Andavom os moços de três e de quatro anos pedindo pão pela cidade por amor de Deus, como
lhes ensinavom suas madres; e muitos não tinham outra cousa que lhe dar senão lágrimas que
com eles choravom, que eram triste cousa de ver; e se lhes davom pão como uma noz, haviam-no
por grande bem.";
. "... ficados os geolhos, beijando a terra, bradavom a Deus que lhes acorresse...";
. "Os padres e madres viam estalar de fame os filhos que muito amavom, rompiam as faces e peitos
sobreles, não tendo com que lhe acorrer senom pranto e espargimento de lágrimas".
-» objetividade:
. os pormenores de caráter económico (“ca valia o alqueire quatro livras; e o alqueire do milho
quarenta soldos…”);
. o realismo descritivo relativo à luta pela sobrevivência (“Das carnes, isso meeesmo, havia em ela
[…] bem mostravom seus encubertos padecimentos.”);
. interrogações retóricas: “Como non lançariam fora a gente minguada […] havia mester sobr’elo
conselho?”;
-» alternância entre
. planos gerais: o grande plano da cidade e dos atores coletivos que nela intervêm (linhas 1 a 5,
por exemplo);
. o narrador apela à leitura de capítulos anteriores, dirigindo-se diretamente aos leitores: “Estando
a cidade assi cercada na maneira que já ouvistes”;
. o narrador interpela diretamente o leitor para o aproximar da situação descrita: “Veede que
fariam aqueles que as continuadamente tam presentes tinham?”;
. o narrador convoca o leitor para o passado de dor que reporta, procurando fazer-lhe notar que
quem nasceu depois daquela provação, tal como ele (leitor), teve sorte;
. o narrador convida os leitores a observar o que se passa em Lisboa: “Ora esguardae como se
fosses presente…”.
. Outros recursos
- A elegia comovida.
. texto/facto narrado;
. facto narrado/leitura.
- As funções da linguagem:
. informativa;
. expressiva;
. apelativa.
- Enumeração, polissíndeto e gradação (“… e forom descobertos per huu homem natural
dAlmadãa, e tomados per os Castellaãos; e el foi depois tomado e preso e arrastado, e deçepado
e enforcao.”): traduz os castigos infligidos ao homem de Almada que encontrou barcos com trigo,
evidenciando a crueldade e a brutalidade da punição.
- A multiplicação do clímax
estrutura trágica
- Os tipos de frase:
- Arcaísmos: "pero", "ca" (pois, porque), "uus", "nenhuus", "antre", "nojo", "departir", "guisas".
- Comparação:
. "... assi dos que se colherem dentro do termo de homees aldeãos com mulheres e filhos, como
dos que vierom na frota do Porto...";
. "E assi como é natural cousa a mão ir amiúde onde sêe a dor, assi uns homees falando com outros
não podiam em al departir senão em na míngua que cada um padecia": evidencia a necessidade
de os habitantes de Lisboa lidarem com a sua dor, através do diálogo com quem comungava do
seu sofrimento, tal como a mão o faz através do contacto físico, no caso de padecimentos dessa
natureza;
. "... tanta diferença há de ouvir estas cousas àqueles que as então passaram, como há da vida à
morte?";
. mester de o multiplicar como fez Jesu Christo aos pães”: reforça o dramatismo, uma vez que só
um milagre poderia salvar a cidade.
- Personificações:
- da cidade de Lisboa;
- Pleonasmos:
. "colherom dentro";
. "deitar fora";
. "lançarem fora";
. "padeciam duas grandes guerras" (…) sse defender da morte per duas guisas…”: os habitantes
de Lisboa enfrentam duas guerras – a guerra (o cerco) contra os castelhanos e a fome resultante
do cerco – que impedia que se defendessem quer da morte, quer, por falta de forças, do inimigo;
. “Os padres e madres viam estalar de fome os filhos…”: explicita a desgraça das crianças, tal como
o que estala parte, morre, também as crianças morriam, privadas de alimentos;
- Adjectivação expressiva.
- Eufemismo: “Assim que rogavam a morte que os levasse…” – explicita o desejo de morte, pois é
preferível esta aos padecimentos que sofrem.
1. Pelo conteúdo:
- contexto histórico:
. grande número de hiatos (encontro de vogais ásperas): doo, veede, door, seer, Meestre, etc.;
. a terminação -om nos nomes (razom, coraçom, etc.), nos advérbios (nom) e na terceira pessoa do
plural do imperfeito do indicativo dos verbos da primeira conjugação (esforçavom-se, repicavom,
encomendavom, braadavom, çarravom, etc.);
. o uso da forma arcaica do determinante indefinido (huus, nenhuu, hua) e da preposição (antre);